SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 14
Onde foi parar
  o tempo?
  Marcelo Canellas
Onde foi parar
o tempo que ganhamos?

Havia mais terrenos baldios.
E menos canais de televisão.
 E mais cachorros vadios.
 E menos carros na rua.
Havia carroças na rua.
E carroceiros fazendo o pregão dos legumes.

            E mascates batendo
            de porta em porta.

      E mendigos pedindo pão velho.
         Por que os mendigos
       não pedem mais pão velho?
A Velha do Saco assustava as crianças.
          O saco era de estopa.

           Não havia sacos plásticos,
levávamos sacolas de palha para o supermercado.

E cascos vazios para trocar por garrafas cheias.
            Refrigerante era caro.
       Só tomávamos no fim de semana.
As latas de cerveja eram de lata mesmo,
        não eram de alumínio.

        Leite vinha num saco.
 Ou então o leiteiro entregava em casa,
        em garrafas de vidro.

   Cozinhava-se com banha de porco.
       Toda dona-de-casa tinha
   uma lata de banha debaixo da pia.
O barbeador era de metal,
 e a lâmina era trocada de vez em quando.
             Mas só a lâmina.

As camas tinham suporte para mosquiteiro.
        As casas tinham quintais.
Os quintais tinham sempre uma laranjeira,
    ou uma pereira, ou um pessegueiro.
          Comíamos fruta no pé.
Minha vó tinha fogão a lenha.
E compotas caseiras abarrotando a despensa.
E chimia de abóbora, e uvada, e pão de casa.

Meu pai tinha um amigo que fumava palheiro.
  Era comum fumar palheiro na cidade;
   tinha-se mais tempo para picar fumo.

            Fumo vinha em rolo
             e cheirava bem.
O café passava pelo coador de pano.
    As ruas cheiravam a café.

         Chaleira apitava.

            O que há
     com as chaleiras de hoje
         que não apitam?
As lojas de discos vendiam long plays e fitas K7.
                Supimpa era ter
                 um três-em-um:
       toca-disco, toca-fita e rádio AM
               (não havia FM).

              Dizia-se 'supimpa',
            que significa 'bacana'.
         Pois é, dizia-se 'bacana', saca?
Os telefones tinham disco.
      Discava-se para alguém.
Depois, punha-se o aparelho no gancho.
   Telefone tinha gancho. E fio.

Se o seu filho estivesse no quarto dele
        e você no seu escritório,
você dava um berro pra chamar o guri,
     em vez de mandar um e-mail
      ou um recado pelo MSN.
Estou falando de outro milênio,
          é verdade.

Mas o século passado foi ontem!

     Isso tudo acontecia
   há apenas 20 ou 25 anos,
   não mais do que o espaço
       de uma geração.
A vida ficou muito melhor.

Tudo era mais demorado,
      mais difícil,
   mais trabalhoso.
Então por que engolimos o almoço?
Então por que estamos sempre atrasados?

     Então por que ninguém mais
      bota cadeiras na calçada?

Alguém pode me explicar onde foi parar
      o tempo que ganhamos?
Música: Dilermando Reis - Abismo de Rosas

Mais conteúdo relacionado

Destaque

Destaque (6)

Media kit 2013 (рус.)
Media kit 2013 (рус.)Media kit 2013 (рус.)
Media kit 2013 (рус.)
 
07 recursostecnologicos[1]
07 recursostecnologicos[1]07 recursostecnologicos[1]
07 recursostecnologicos[1]
 
Sesion crear blog
Sesion crear blogSesion crear blog
Sesion crear blog
 
Majanduslemill
MajanduslemillMajanduslemill
Majanduslemill
 
Herramientas Web 2.0
Herramientas Web 2.0Herramientas Web 2.0
Herramientas Web 2.0
 
TRUE OER Wiki_based_approach by Martin Poulter, University of Bristol / Rebec...
TRUE OER Wiki_based_approach by Martin Poulter, University of Bristol / Rebec...TRUE OER Wiki_based_approach by Martin Poulter, University of Bristol / Rebec...
TRUE OER Wiki_based_approach by Martin Poulter, University of Bristol / Rebec...
 

Semelhante a Onde foi parar o tempo que ganhamos

00 onde foi parar o tempo
00    onde foi parar o tempo00    onde foi parar o tempo
00 onde foi parar o tempoluzberto
 
00 onde foi parar o tempo
00    onde foi parar o tempo00    onde foi parar o tempo
00 onde foi parar o tempoluzberto
 
Jornal de Domingo - 339ª Edição
Jornal de Domingo - 339ª EdiçãoJornal de Domingo - 339ª Edição
Jornal de Domingo - 339ª EdiçãoHumberto Ferreira
 
A orelha de belem
A orelha de belemA orelha de belem
A orelha de belemSamuel Lima
 
Crônicas selecionadas nu, de botas - av2
Crônicas selecionadas   nu, de botas - av2Crônicas selecionadas   nu, de botas - av2
Crônicas selecionadas nu, de botas - av2Josi Motta
 
Infancia perdida
Infancia perdidaInfancia perdida
Infancia perdidaestercotrim
 
A televisão mais_bonita_do_mundo
A televisão mais_bonita_do_mundoA televisão mais_bonita_do_mundo
A televisão mais_bonita_do_mundoSandra Nunes
 
Dias de verão a4
Dias de verão a4Dias de verão a4
Dias de verão a4rgrecia
 
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóBy c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóRosa Silva
 
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaQuadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaSolange Goulart
 
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaQuadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaSolange Goulart
 

Semelhante a Onde foi parar o tempo que ganhamos (20)

Onde Foi Parar O Tempo
Onde Foi Parar O TempoOnde Foi Parar O Tempo
Onde Foi Parar O Tempo
 
00 onde foi parar o tempo
00    onde foi parar o tempo00    onde foi parar o tempo
00 onde foi parar o tempo
 
00 onde foi parar o tempo
00    onde foi parar o tempo00    onde foi parar o tempo
00 onde foi parar o tempo
 
Jornal de Domingo - 339ª Edição
Jornal de Domingo - 339ª EdiçãoJornal de Domingo - 339ª Edição
Jornal de Domingo - 339ª Edição
 
Projeto proinfo mh
Projeto proinfo mhProjeto proinfo mh
Projeto proinfo mh
 
Casa de vo
Casa de voCasa de vo
Casa de vo
 
A orelha de belem
A orelha de belemA orelha de belem
A orelha de belem
 
O sotao
O sotaoO sotao
O sotao
 
Histórias de Natal
Histórias de NatalHistórias de Natal
Histórias de Natal
 
Crônicas selecionadas nu, de botas - av2
Crônicas selecionadas   nu, de botas - av2Crônicas selecionadas   nu, de botas - av2
Crônicas selecionadas nu, de botas - av2
 
Casa de vo
Casa de voCasa de vo
Casa de vo
 
Infancia perdida
Infancia perdidaInfancia perdida
Infancia perdida
 
A borboleta que dançou de mestra 1º
A borboleta que dançou de mestra   1ºA borboleta que dançou de mestra   1º
A borboleta que dançou de mestra 1º
 
Capítulo 1
Capítulo 1Capítulo 1
Capítulo 1
 
A televisão mais_bonita_do_mundo
A televisão mais_bonita_do_mundoA televisão mais_bonita_do_mundo
A televisão mais_bonita_do_mundo
 
Dias de verão a4
Dias de verão a4Dias de verão a4
Dias de verão a4
 
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vóBy c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
By c guiomar-p_aiva_brandão-casa_de_vó
 
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaQuadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
 
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de SouzaQuadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
Quadro de rotina do 1º ano PNAIC Professora Orientadora Solange Goulart de Souza
 
O Natal na Voz do Povo 2
O Natal na Voz do Povo 2O Natal na Voz do Povo 2
O Natal na Voz do Povo 2
 

Mais de Irene Aguiar

Sonata ao luar- Beethoven
Sonata ao luar- Beethoven Sonata ao luar- Beethoven
Sonata ao luar- Beethoven Irene Aguiar
 
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, France
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, FranceLe Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, France
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, FranceIrene Aguiar
 
Neu-Seeland (Nova Zelândia)
Neu-Seeland (Nova Zelândia)Neu-Seeland (Nova Zelândia)
Neu-Seeland (Nova Zelândia)Irene Aguiar
 
New 7 Wonders of Nature
New 7 Wonders of NatureNew 7 Wonders of Nature
New 7 Wonders of NatureIrene Aguiar
 
Las paradisicas islas de Tailandia
Las paradisicas islas de TailandiaLas paradisicas islas de Tailandia
Las paradisicas islas de TailandiaIrene Aguiar
 
Le rhin romantique
Le rhin romantiqueLe rhin romantique
Le rhin romantiqueIrene Aguiar
 
Les Chateaux de la Loire
Les Chateaux de la Loire Les Chateaux de la Loire
Les Chateaux de la Loire Irene Aguiar
 
Grand Place Bruxelles
Grand Place BruxellesGrand Place Bruxelles
Grand Place BruxellesIrene Aguiar
 
El lago como y sus pueblos
El lago como y sus pueblosEl lago como y sus pueblos
El lago como y sus pueblosIrene Aguiar
 
Crucero Mediterraneo
Crucero MediterraneoCrucero Mediterraneo
Crucero MediterraneoIrene Aguiar
 
Wonderful World Color
Wonderful World ColorWonderful World Color
Wonderful World ColorIrene Aguiar
 
Le Brésil en Images
Le Brésil en ImagesLe Brésil en Images
Le Brésil en ImagesIrene Aguiar
 
Le Pantanal Brasilien
Le Pantanal Brasilien  Le Pantanal Brasilien
Le Pantanal Brasilien Irene Aguiar
 
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFIC
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFICCaubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFIC
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFICIrene Aguiar
 

Mais de Irene Aguiar (20)

Sonata ao luar- Beethoven
Sonata ao luar- Beethoven Sonata ao luar- Beethoven
Sonata ao luar- Beethoven
 
Michelangelo
Michelangelo Michelangelo
Michelangelo
 
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, France
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, FranceLe Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, France
Le Palais Ideal du Fcteur Cheval, Hauterives, France
 
Neu-Seeland (Nova Zelândia)
Neu-Seeland (Nova Zelândia)Neu-Seeland (Nova Zelândia)
Neu-Seeland (Nova Zelândia)
 
New 7 Wonders of Nature
New 7 Wonders of NatureNew 7 Wonders of Nature
New 7 Wonders of Nature
 
New Zealand
New ZealandNew Zealand
New Zealand
 
Las paradisicas islas de Tailandia
Las paradisicas islas de TailandiaLas paradisicas islas de Tailandia
Las paradisicas islas de Tailandia
 
Le rhin romantique
Le rhin romantiqueLe rhin romantique
Le rhin romantique
 
Les Chateaux de la Loire
Les Chateaux de la Loire Les Chateaux de la Loire
Les Chateaux de la Loire
 
Grand Place Bruxelles
Grand Place BruxellesGrand Place Bruxelles
Grand Place Bruxelles
 
Terra 5
Terra 5Terra 5
Terra 5
 
El lago como y sus pueblos
El lago como y sus pueblosEl lago como y sus pueblos
El lago como y sus pueblos
 
Crucero Mediterraneo
Crucero MediterraneoCrucero Mediterraneo
Crucero Mediterraneo
 
Beautiful places
Beautiful placesBeautiful places
Beautiful places
 
Winter mood
Winter moodWinter mood
Winter mood
 
Wonderful World Color
Wonderful World ColorWonderful World Color
Wonderful World Color
 
Wonderful world 4
Wonderful world 4Wonderful world 4
Wonderful world 4
 
Le Brésil en Images
Le Brésil en ImagesLe Brésil en Images
Le Brésil en Images
 
Le Pantanal Brasilien
Le Pantanal Brasilien  Le Pantanal Brasilien
Le Pantanal Brasilien
 
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFIC
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFICCaubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFIC
Caubóis da Água-Pantanal- NATIONAL GEOGRAFIC
 

Onde foi parar o tempo que ganhamos

  • 1. Onde foi parar o tempo? Marcelo Canellas
  • 2. Onde foi parar o tempo que ganhamos? Havia mais terrenos baldios. E menos canais de televisão. E mais cachorros vadios. E menos carros na rua.
  • 3. Havia carroças na rua. E carroceiros fazendo o pregão dos legumes. E mascates batendo de porta em porta. E mendigos pedindo pão velho. Por que os mendigos não pedem mais pão velho?
  • 4. A Velha do Saco assustava as crianças. O saco era de estopa. Não havia sacos plásticos, levávamos sacolas de palha para o supermercado. E cascos vazios para trocar por garrafas cheias. Refrigerante era caro. Só tomávamos no fim de semana.
  • 5. As latas de cerveja eram de lata mesmo, não eram de alumínio. Leite vinha num saco. Ou então o leiteiro entregava em casa, em garrafas de vidro. Cozinhava-se com banha de porco. Toda dona-de-casa tinha uma lata de banha debaixo da pia.
  • 6. O barbeador era de metal, e a lâmina era trocada de vez em quando. Mas só a lâmina. As camas tinham suporte para mosquiteiro. As casas tinham quintais. Os quintais tinham sempre uma laranjeira, ou uma pereira, ou um pessegueiro. Comíamos fruta no pé.
  • 7. Minha vó tinha fogão a lenha. E compotas caseiras abarrotando a despensa. E chimia de abóbora, e uvada, e pão de casa. Meu pai tinha um amigo que fumava palheiro. Era comum fumar palheiro na cidade; tinha-se mais tempo para picar fumo. Fumo vinha em rolo e cheirava bem.
  • 8. O café passava pelo coador de pano. As ruas cheiravam a café. Chaleira apitava. O que há com as chaleiras de hoje que não apitam?
  • 9. As lojas de discos vendiam long plays e fitas K7. Supimpa era ter um três-em-um: toca-disco, toca-fita e rádio AM (não havia FM). Dizia-se 'supimpa', que significa 'bacana'. Pois é, dizia-se 'bacana', saca?
  • 10. Os telefones tinham disco. Discava-se para alguém. Depois, punha-se o aparelho no gancho. Telefone tinha gancho. E fio. Se o seu filho estivesse no quarto dele e você no seu escritório, você dava um berro pra chamar o guri, em vez de mandar um e-mail ou um recado pelo MSN.
  • 11. Estou falando de outro milênio, é verdade. Mas o século passado foi ontem! Isso tudo acontecia há apenas 20 ou 25 anos, não mais do que o espaço de uma geração.
  • 12. A vida ficou muito melhor. Tudo era mais demorado, mais difícil, mais trabalhoso.
  • 13. Então por que engolimos o almoço? Então por que estamos sempre atrasados? Então por que ninguém mais bota cadeiras na calçada? Alguém pode me explicar onde foi parar o tempo que ganhamos?
  • 14. Música: Dilermando Reis - Abismo de Rosas