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Nascido na Chamusca em pleno
período da 2.ª Guerra Mundial, foi
no Ribatejo que passou grande parte
da sua infância. Em 1951, após o fa-
lecimentodoseuavô,osseuspaisde-
cidem trocar a lezíria pelas paisagens
bairradinas. “Deixei os meus amigos
no Ribatejo, mas ao longo do tempo
fui ganhando novos companheiros
aqui na Região, particularmente
quando fui estudar para o colégio,
em Anadia”, recorda. Tinha famí-
lia nessa zona – concretamente em
Mogofores, onde hoje se encontra
radicado, mas também em Sepins,
o que proporcionava agradáveis
momentos de convívio. “O meu
bisavô, Albano Coutinho, daqui
de Anadia, casou em Sepins, com
uma senhora da família Távora; já
o meu avô Ferreira Tavares, casou
na Mealhada, com uma senhora da
família dos Lebres. As minhas raí-
zes paternas são todas da Bairrada.
O Cid, o lado materno, é que vem do
Ribatejo”, esclarece.
Era um miúdo muito orientado
para o desporto, tendo praticado,
desde cedo, as mais diversas moda-
lidades. E se é certo que o desporto
lhe “enchia as medidas” e ocupava
grande parte do seu tempo, a mú-
sica parece ter sido, ainda assim, a
sua verdadeira paixão desde sem-
pre: “Pratiquei ciclismo, atletismo,
ténis, basquetebol, hóquei em patins,
ténis de mesa, tendo chegado a ser
Campeão Nacional Universitário
nesta modalidade, e hipismo [foi
Vice-Campeão Nacional de Salto
em Altura em 1991, tendo sido ca-
valeiro de obstáculos durante mais
de 40 anos]. Dediquei-me a todo
o tipo de desporto, mas sem nunca
o fazer ao mais alto nível – excep-
ção feita, talvez, aos resultados ob-
tidos no ténis de mesa. A música
ia acontecendo em paralelo a todo
este desporto, o que quer dizer, na-
turalmente, que era mau aluno”,
partilha em tom de brincadeira. O
tempo dedicado aos estudos seria,
suspeitamos, muito reduzido, mas
José Cid apressa-se a fazer uma pe-
quena correcção: “Era mau aluno
a Ciências e Matemática, mas em
Letras e Literatura era bastante
bom”. Tanto que, concluídos os
estudos liceais no Colégio Luís de
Camões, ingressa na Faculdade de
Direito da Universidade de Coim-
bra. Foi na cidade do Mondego
que começou, verdadeiramente, o
seu brilhante percurso musical.
Do Orfeon de Coimbra
ao Quarteto de Lisboa
Um autodidacta no que diz res-
peito à música, não toca por pauta,
mas sim “de ouvido”. “Aprendi por
mim, treinando e ouvindo, e através
do contacto com alguns músicos com
quem me fui cruzando e com quem
trocava opiniões e ideias. Ouvia mui-
ta coisa e tentava tirar os acordes ou
experimentar no piano”, confessa.A
partir dos 14 anos, o jazz e a bossa-
-nova eram as suas sonoridades
de eleição. Tanto que os primeiros
“feitos” do quarteto fantástico de
Liverpool lhe passaram um pouco
ao lado: “O advento do rock, a pri-
meira época dos Beatles, apanhou-
GentedeOuro
José Cid Tavares nasceu na Chamusca, Ribatejo, no dia 4 de Fevereiro de 1942. Ainda criança foi
residir para a Bairrada, e é lá que hoje tem o seu estúdio de gravação. Desde cedo que a música e o desporto
se configuraram como as suas grandes paixões, mundos a que José Cid foi dando cada vez mais de si. Se a
prática desportiva acabou por se tornar um hobby, o mesmo não se pode dizer da música, que conquistou
o papel de protagonista e se confunde com a sua própria vida. Todo ele é som, ritmo e canção – acólito de
corpo e alma dessa quase religião que o elevou a um estatuto ímpar no panorama musical português.
BI
José Cid dispensa apresentações, sendo um dos mais
profícuos músicos e compositores portugueses. Confessa
já ter “perdido a conta” ao número de álbuns editados,
mais de 40 se considerarmos a cadência de “um por ano”.
Apesar da monstruosa carreira, dos milhares de discos
vendidos e das centenas de palcos pisados, é um homem
de uma simplicidade desarmante – afável e sincero, não
lhe descobrimos nenhum tique de artista. Sem “papas
na língua”, assume com frontalidade as suas convicções,
independentemente do tema da conversa.
O verdadeiro
“pai” do Rock
Filipa do Carmo
filipadocarmo@aurinegra.com
Se Rui Veloso é o “pai” do rock português, isso faz de José Cid o…
“avô”? Aproveitámos o ensejo para tentar esclarecer essa questão de
paternidade musical. “O grande problema é que o Rui Veloso deixou-se
autodenominar de ‘pai’ do rock português sabendo perfeitamente que
eu tenho uma obra nomeada entre os dez melhores álbuns de rock pro-
gressivo do mundo [pela reputado site de críticas SputnikMusic]. Descul-
pem lá, mas só se for o ‘pai adoptivo’”, desabafa. “Espero que não me
levem a mal, mas comparar ‘10.000 anos depois entre Vénus e Marte’,
uma obra referenciada a nível mundial como uma das melhores do rock
progressivo, com o ‘Chico Fininho’, é como comparar a obra-prima do
mestre, com a prima do mestre-de-obras”. Mais do que isso, para José
Cid um cantor de rock tem que cantar ao vivo e a doer, e Rui Veloso
parece já não estar à altura das circunstâncias. “Um cantor de rock não
pode fingir que canta. Se não consegue, vai para as ‘baladinhas’”. Ape-
sar da polémica, o nosso entrevistado diz “dar-se bem” com o criador de
“Chico Fininho”.
Quem é afinal o
“pai” do rock português?
É conhecida a sua generosidade, nomeadamente pelos espectáculos em que participa a título gra-
cioso, assim se trate de uma causa nobre ou de uma situação que o sensibilize. “Faço isso há muitos
anos, mas ultimamente, com a crise instalada em Portugal, sinto-me na obrigação de fazer ainda
mais”. Aliou-se a iniciativas solidárias a favor dos bombeiros portugueses, na sequência do Verão
trágico do ano passado em que perderam a vida vários “soldados da paz”, e tocam-no as situações
de crianças doentes cujas famílias não têm capacidade para custear os seus tratamentos.
Monárquico assumido, não é anti-republicano, mas é contra os “maus republicanos”. Defende uma
monarquia não elitista, com liberdade de expressão e cultura muito acima da dos países republica-
nos, “como acontece nos países nórdicos, por exemplo”. A preservação da cultura, daquilo que é
genuinamente nosso, da agricultura – “tão menosprezada nos últimos anos em Portugal, com as
pessoas a serem pagas para não cultivar” – são algumas das suas bandeiras. D. Duarte não seria o
seu “candidato”, pois apesar de ser uma pessoa culta, interessante e respeitada no panorama inter-
nacional, “não tem coragem política nem o poder de se assumir enquanto alternativa”. “Creio que
devia ter o seu próprio partido e rodear-se de pessoas que não fossem da ‘snobeira regional pirosa’,
que é do pior que há e que acontece quando as boas famílias de província se armam em fidalguia.
Deveriam ser monárquicos pelo povo, pelo País, pela agricultura e pela tradição – que pode ser o
futuro e não apenas o passado”. Se tal projecto surgisse, José Cid admite que se alistaria.
Cantar por uma causa
Viva o Rei!
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-me um pouco desprevenido, pois
estava numa ‘onda’ diferente”. Em
Coimbra, “tropeça” nos “Babies”,
grupo com que começa a ensaiar e
que foi a sua primeira banda – corria
o ano de 1956, seguindo-se a função
de vocalista no Grupo de Jazz do Or-
feon, em que partilhou o palco com
José Niza,Proença de Carvalho,entre
outros.“Naalturainterpretávamosas
músicas da época, não tocávamos ori-
ginais”. Desse tempo, ficaram muitas
amizades e recordações. “Ainda sou
muito amigo do Dr. Proença de Car-
valho, do Dr. Joaquim Caixeiro, que
vive em Coimbra, do Dr. Sá Pereira e
também do Dr. José Niza, falecido em
2011, que eram aqueles que mais toca-
vamcomigo”.
Viveu o ambiente académico
coimbrão da década de 60 do sé-
culo passado e recorda, até, um
episódio curioso relacionado com
a praxe: “Estava no Colégio Camões
e tinha que ir para a Universidade,
para ensaiar. Havia malta ligada à
Tuna que fazia trupes e que espera-
va por mim na Praça da República,
só que eu umas vezes vinha por um
lado, outras por outro e acabava
sempre por despistá-los. E mesmo
quando nos encontrávamos, eu por
essa altura praticava atletismo na
Académica e com os meus sapati-
nhos de borracha que agarravam
bem naquela calçada não lhes dava
hipótese. Era muito mais rápido que
eles”, revela, bem-humorado.
Tinha 16 anos quando compôs
a sua primeira canção, “Andori-
nha”, tema inédito, mas é quando
abandona o curso de Direito e a
cidade de Coimbra e se muda para
Lisboa, que começa a dedicar-se
com mais entusiasmo a essa ver-
tente musical. “Fui estudar Educa-
ção Física, que era algo que sempre
tinha gostado de fazer. Fui óptimo
aluno, um dos preferidos do Profes-
sor Moniz Pereira, diga-se de passa-
gem”, garante. O “Senhor Atletis-
mo” tinha, também, o “bichinho”
da música,e de acordo com o nosso
entrevistado “compunha bastante
bem, ainda que numa área em que
eu não queria cantar”. “Tem uma
vasta obra poética – o fado ‘Valeu a
Pena’, interpretado pela Maria da
Fé, por exemplo”, para além de uma
longa vida dedicada ao atletismo.Já
no final do curso,durante uma aula,
o seu colega João Meunier desafia-o
para ir fazer uma espécie de audi-
ção com a banda do seu irmão. “Eu
fui e eles adoraram ouvir-me, fica-
ram apaixonados pela minha musi-
calidade e pela minha voz. Integrei
aquela banda, que era o ‘Conjunto
Mistério’, e que rapidamente se
transformou em ‘Quarteto 1111’”.
Um projecto que durou de 1968 a
1975 e que contou, entre outros,
com a participação de Tozé Brito – e
que tentou impor-se num contex-
to especialmente conturbado para
a produção artística em Portugal.
“Foicomplicado,poistivemosmuitas
músicas proibidas. A nossa obra era
muito à frente, muito ousada. Ar-
riscávamos, pois ainda que não per-
tencêssemos a um grupo de oposição
ao Regime em termos partidários ou
politizados, fazíamos parte de uma
barricada contra a Ditadura. En-
tre ‘Quarteto 1111’ e José Cid, tenho
quase 30 temas que foram retirados
do mercado pela Censura”.
Saber sair
com dignidade
Depois de desfeito o Quarteto,
José Cid junta-se a um grupo de
rock sinfónico e progressivo, com
quem gravou os três álbuns da
sua discografia que se enquadram
nesse género musical, para depois
se lançar, finalmente, na carreira a
solo.O português é a língua de elei-
ção para passar a sua mensagem,
ainda que tenha gravado alguns te-
mas em inglês – em média, um por
disco, ao longo dos seus mais de
40 anos de carreira. Tem na calha
“Menino Prodígio”, trabalho que
deverá ser editado dentro de um
par de meses, mas não sabe preci-
sar quantos álbuns assinou. “Pelo
menos um por ano”, considera.
São, portanto, mais de quatro de-
zenas de obras, que representam
centenas de canções e outros tantos
espectáculos por palcos de todo o
mundo. “Sou um cantor ao vivo, e
as pessoas gostam muito de me ver
actuar ao vivo. Certamente que há
cantores com muito mais marketing
do que eu, que são muito bonitos,
mas as pessoas não os vão ver pela
qualidade das suas interpretações
e dos seus concertos”. Perguntamos
se Tony Carreira se enquadra nes-
sa categoria de cantores, e somos
prontamente corrigidos: “Estou a
falar de cantores, e o Tony Carreira
está longe de ser um cantor”.
Adora estar em cima do palco,
partilhar a sua música com o seu
público, mas o trabalho de estú-
dio também o satisfaz. Na verda-
de, José Cid gosta de tudo o que
diz respeito à música e à sua vida
enquanto músico. E aos 72 anos,
ainda está aí “para as curvas”. “Por
enquanto ainda aguento três horas
ao vivo, como fiz no Campo Pequeno
no meu último concerto lá. Sozinho,
sem truques. Quando não tiver voz
ou não aguentar os meus temas,
assumo. Vou continuar a compor e
a apoiar novos valores da música
portuguesa. Tenho 70 mas sinto-me
como se tivesse 50 bem conservados”.
Acima de tudo, o músico e compo-
sitor pretende ser sempre verdadei-
ro para com o seu público. “Não
vou fazer a figura desastrosa que fez
a Amália Rodrigues nos últimos 20
anos de carreira. A Amália cantou
melhor do que ninguém no planeta
e de repente termina daquela forma.
Eu sei que não tenho os agudos que
tinha nos anos 70, mas também não
preciso. Basta-me baixar um tom
e aguentar as minhas músicas do
princípio ao fim, com boa voz e boa
atitude”, remata. Outra particu-
laridade do cantor é não preparar
alinhamento para os seus espectá-
culos. As canções vão-se suceden-
do de acordo com a percepção que
José Cid tem da reacção do públi-
co. Assim, cada concerto é único e
irrepetível, e feito à medida dos de-
sejos da sua audiência.
GentedeOuro
Não vou fazer a figura desastrosa que fez a Amália
Rodrigues nos últimos 20 anos de carreira. A Amália
cantou melhor do que ninguém no planeta e de
repente termina daquela forma.
“
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