Edição da Nature mostra a importância da imunização para prevenir e erradicar doenças, mas alerta que novas estratégias precisam ser desenvolvidas contra males como a Aids, a tuberculose e a malária. Novidades devem sair dos laboratórios na próxima década
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Vacinas do futuro
SAÚDE
Edgard Garrido/Reuters - 23/3/10
Edição da Nature mostra a importância da imu-
nização para prevenir e erradicar doenças, mas aler-
ta que novas estratégias precisam ser desenvolvidas
contra males como a Aids, a tuberculose e a malária.
Novidades devem sair dos laboratórios na próxima
década
PALOMA OLIVETO
Até o século 18, a varíola era uma doença letal. Ter as
marcas das temidas bexigas espalhadas pelo corpo
era quase assinar o próprio atestado de óbito. So-
Vacinação em Honduras: cena que se tornou comum no mundo graças à
descoberta da imunização, há 215 anos mente na Inglaterra, 10% da população morreu nos
anos 1700 devido à infecção pelo orthopoxvirus. En-
tão uma descoberta mudou a forma como o mundo li-
dava não somente com essa moléstia, mas com todos
os outros males transmitidos por micro-organismos.
O médico britânico Edward Jenner observou que pes-
soas infectadas por um vírus bovino muito se-
melhante ao da varíola, o cowpoxvirus, estavam
Joseph Okanga/Reuters - 15/12/10
imunes contra a forma letal da doença. Em 14 de
maio de 1796, ele fez um experimento que re-
volucionou a medicina: retirou uma pequena quan-
tidade de sangue de uma mulher doente e inoculou a
amostra em uma criança. Ocorria a descoberta da va-
cina.
Passados 215 anos, a varíola já não preocupa a saúde
pública. Ela foi considerada erradicada pela
Organização Mundial de Saúde (OMS ).Mas ou-
tras doenças precisam urgentemente de estratégias
Teste de vacina contra a malária no Quênia: mais da metade dos casos da
semelhantes, dizem cientistas na edição de hoje da re-
doença ocorrem no continente africano, e as crianças com menos de 5 anos vista Nature. Um especial sobre imunologia reflete
são as mais afetadas
os avanços e os desafios da área, elegendo três doen-
ças prioritárias para o desenvolvimento de vacinas:
Aids, malária e tuberculose. Juntas, elas provocam
mais de5 milhões demortes anuais em todoo mundo.
Confinados em seus laboratórios, pesquisadores têm
buscado incessantemente uma resposta rápida de pre-
venção a esses males. Apesar dos esforços, ainda não
se chegou a um produto eficaz. Mas, na próxima dé-
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cada, o cenário pode mudar. "Novos avanços con- os aminoácidos específicos existentes nas proteínas
ceituais e tecnológicos indicam que será possível dos vírus", conta ao Correio Barton Haynes, diretor
desenvolver vacinas contra essas doenças em 10 do Centro de Imunologia e Vacinas para HIV/Aids da
anos. Esses avanços incluem novos regimes de imu- Universidade de Duke, que lidera o consórcio. "A no-
nização prime-boost (doses de reforço sucessivas à va abordagem, porém, é composta de muitas se-
primeira vacina), novos adjuvantes (compostos far- quências cridas em computador que podem fazer
macêuticos), bem como novos métodos de apre- com que o organismo responda à grande variedade de
sentação de antígenos", escreveram na Nature Rino cepas do HIV", explica. Ele diz que a expectativa da
Rappuoli e Alan Aderem, pesquisadores da Novartis equipe é já começar os testes em humanos no ano que
Vacinas e Diagnósticos da Itália e do Instituto de Pes- vem. "Estamos muito empolgados, pois os ensaios
quisa Biomédica de Seattle, respectivamente. em animais foram muito promissores", diz Haynes.
Novas abordagens [FOTO2]
Os cientistas defendem que o sucesso do de- Reengenharia
senvolvimento de vacinas inovadoras depende, em
grande parte, da "habilidade de usar novas abor- No casodaMycobacterium tuberculosis, o bacilores-
dagens", além de aumentar a quantidade de ensaios ponsável pela tuberculose, já existe uma vacina, a
clínicos. Graças aos avanços das pesquisas sobre o BCG, desenvolvida há um século. Apesar de evitar o
DNA e na área de biologia molecular, o desafio pode contágio e a mortalidade em crianças, a imunização é
ser vencido, acreditam Rappuoli e Aderem. No ar- incapaz de proteger adultos e idosos. Em todo o mun-
tigo, eles lembram que as vacinas contra o vírus da do, cerca de 6 bilhões de pessoas são portadoras de
Aids começaram a ser desenvolvidas ainda na década uma infecção latente que, em 10% dos casos, evolui
de 1980. Dez anos depois, iniciaram os testes que, po- para a doença ativa. O futuro do combate à doença po-
rém, falharam. Os cientistas observaram que, in vi- de estar na reengenharia genética, sugerem os au-
tro, os anticorpos da imunização neutralizava apenas tores.
a cepa usada para a produção da vacina. Eles não
combatiam uma das características mais brutais do Apesar de associada aos poetas do romantismo, mo-
vírus: sua diversidade genética. vimento literário do século 19, a tuberculose ainda é
uma doença contemporânea. Mesmo a Inglaterra, a
"Foram fracassos atrás de fracassos, que sempre es- terra de Lord Byron, talvez o principal expoente do
barraram em diversos problemas, como baixa efi- mal em sua época, ainda registra 9 mil casos por ano,
cácia e ampla resistência do HIV. Mas tentativas com um aumento de 50% na incidência desde 1999.
estão sendo feitas para alcançar novas estratégias No Brasil, a partir de 1990, a prevalência da tu-
mais positivas", afirma ao Correio Alan Aderem. É o berculose diminuiu 26%, com queda de 32% na taxa
que vem acontecendo nos laboratórios vinculados a de mortalidade, mas ainda surgem 72 mil casos por
um consórcio internacional de pesquisas para com- ano, com 4,7 mil mortes em decorrência da doença,
bate ao HIV. Os cientistas trabalham no desenho da de acordo com o Ministério da Saúde.
primeira vacina de mosaico - composta por se-
quências sintéticas de proteínas que combatem a va- O Instituto Nacional de Coração e Pulmão do Im-
riedade genética do vírus. perial College de Londres vem trabalhando para er-
radicar o mal. Há dois meses, o professor Ajij
"As vacinas tradicionais contra o HIV são de- Lalvani, que lidera o projeto, publicou um artigo des-
senhadas para que o sistema imunológico reconheça crevendo uma descoberta que poderá acabar de vez
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com a tuberculose. Os pesquisadores identificaram A edição especial da Nature também faz um alerta.
uma proteína, a EspC, que desencadeia uma forte res- De nada adianta os cientistas se esforçarem para ob-
posta imunológica em pessoas infectadas pela Myco- ter novas vacinas se médicos, enfermeiros e a po-
bacterium tuberculosis. "É a resposta mais rápida já pulação em geral não entenderem os benefícios e
provocada por qualquer outra molécula conhecida", mesmo os riscos associados à imunização. Uma pes-
comemora Lalvani, em entrevista ao Correio. "Essa quisa feita na Comunidade Europeia mostrou que um
proteína é secretada pela bactéria da tuberculose, mas quinto dos pais têm dúvidas se vacinam ou não seus
não pela vacina BCG. Como resultado, essa vacina filhos. "As estratégias têm de focar os grupos em que
não induz uma resposta imune à EspC. Então, ao de- os ganhos reais podem ser feitos: os pais que têm dú-
senvolvermos uma nova vacina podemos combater vidas mas se preocupam também, mais do que aque-
melhor a doença", diz. les que se recusam terminantemente a vacinar as
crianças", escreveu na revista Julie Leask, do Centro
Proteína de Imunização da Universidade de Sidney.
Considerada uma doença negligenciada, a malária Casca de ferida
mata 900 mil pessoas por ano, sendo que a maioria
das mortes ocorrem em crianças com menos de 5 No século 11, a medicina chinesa desenvolveu um
anos na região da África subsaariana. Estratégias de método para imunizar crianças contra a varíola. As
prevenção, como o uso de mosquiteiros, não têm sido cascas das bexigas eram raspadas e aspiradas para
suficientes para frear a fome do mosquito vetor da evitar o contágio. Mas Jenner é considerado o pai da
doença. Também graças a uma proteína, poderá ser imunologia moderna. Segundo a Fundação Oswal-
possível desenvolver uma vacina contra o mal. Em do Cruz, a etimologia da palavra vacina está di-
parceria, o laboratório Merck, a Iniciativa PATH Ma- retamente ligada à descoberta de Edward Jenner.
lária e o Centro Médico Langone NYU, de Nova Vacina vem do latim vaccinus, cujo radical é vacca
York, estão buscando uma nova abordagem para evi- (vaca).
tar que o parasita chegue ao fígado. Nessa fase, a
doença se desenvolve, devastando o organismo. Menor proteção
Os cientistas advogam que uma vacina poderá in- Durante um congresso da Liga Europeia contra o
terromper o ciclo. A proteína circunsporozoíta de- Reumatismo, foi apresentada, ontem, uma pesquisa
sempenha um papel crítico no desenvolvimento da da Universidade de São Paulo mostrando que pa-
malária. Conseguir boloqueá-la pode significar a pre- cientes de reumatismo respondem menos à vacina
venção da doença, já que, se o parasita não chegar ao contra o vírus H1N1, causador popularmente cha-
fígado, a pessoa pode até ser picada pelo mosquito, mada gripe suína. Um estudo sobre a eficácia da imu-
masnãosofrerádos sintomas dadoença. Ostestes ini- nização em 340 portadores de reumatismo e 234
ciais destinam-se à aplicação da vacina em crianças pessoas saudáveis mostrou que a eficácia da vacina é
com menos de 1 ano, mas os pesquisadores acreditam 20% mais baixa no primeiro grupo.
que a abordagem também poderá ajudar a prevenir o
mal em adultos vulneráveis ao Plasmodium fal-
ciparum, mais letal parasita da malária.
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