O documento apresenta uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público contra o Município de Itapema questionando a retomada das aulas presenciais na cidade. A ação descreve a pandemia de Covid-19 e a legislação federal e estadual que determinou a suspensão das aulas presenciais visando o distanciamento social. Argumenta que os decretos estaduais sempre refutaram o retorno das aulas com base em critérios científicos.
ROTEIRO DE PRÁTICA PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS.pdf
Peticao inicial acp - decreto 68
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1 34de
DOUTO JUÍZO DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA COMARCA DE ITAPEMA - SANTA
CATARINA
SIG/MP n. 08.2019.00394217-0
URGENTE (COVID-19)
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, por sua representante em exercício na 1ª
Promotoria de Justiça desta Comarca de Itapema, no exercício
de suas atribuições legais e com fundamento nos arts. 127,
caput, 129, incisos II e III; art. 1º, incisos I e IV, da Lei 7.347/85;
art. 90, inciso VI, letras "a", "b" e "c", da Lei Complementar
Estadual n. 738/19 e art. 319 e seguintes do Código de
Processo Civil (CPC), vem, respeitosamente, perante Vossa
Excelência, propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR DE
ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, em face de:
MUNICÍPIO DE ITAPEMA, pessoa jurídica de direito público
interno, inscrito no CNPJ nº 82.572.207/0001-03, com sede
administrativa na Avenida Nereu Ramos, nº 134, Centro,
Itapema/SC, representado por sua Prefeita Municipal, NILZA
NILDA SIMAS, e-mail: gabinete@itapema.sc.gov.br ou
procuradoria@itapema.sc.gov.br, tendo por substrato os
fundamentos fáticos e jurídicos a seguir delineados:
1) SÍNTESE FÁTICA:
Inicialmente, impende ressaltar ser fato público e notório a
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2 34de
declaração da Organização Mundial de Saúde (OMS), quanto à pandemia da
COVID-19, doença causada pelo coronavírus (Sars-Cov-2). O termo “pandemia” foi
adotado para denominar uma enfermidade epidêmica amplamente disseminada para
além das fronteiras de um país.
Também é fato notório, que o contágio por coronavírus tem se
expandido de maneira vertiginosa no Brasil e no mundo. Nesse viés, cumpre frisar
que há consenso na comunidade científica, bem como nas práticas adotadas ao redor
do globo, que para a contenção e a amortização do ritmo de espalhamento da
COVID-19, as medidas mais eficazes são aquelas voltadas ao distanciamento social.
Diante desse panorama, foi promulgada, em âmbito nacional, a
Lei Federal n. 13.979/2020, norma que instituiu as principais medidas sanitárias e
sociais de combate ao novo coronavírus. A iniciativa federal contemplou, ainda, a
edição da Portaria n. 356/2020/GM/MS, que regulamentou a Lei n. 13.979/2020,
disciplinando a adoção e a aplicação das medidas previstas; a Portaria Interministerial
n. 5/2020/MS/MJSP (recentemente revogada), que dispunha sobre o caráter
compulsório das medidas previstas na Lei n. 13.979/2020; e a Medida Provisória n.
926/2020, que permite a restrição excepcional e temporária, conforme recomendação
técnica e fundamentada, por rodovias, portos ou aeroportos, de entrada e saída do
País, bem como de locomoção interestadual e intermunicipal.
O Estado de Santa Catarina, reconhecendo a situação de
emergência presente em todo o território catarinense, diante da expansão dos casos
de infecção por coronavírus e, desde a data de 17 de março de 2020, registro do
primeiro caso de transmissão comunitária – quando não é mais possível detectar a
origem da transmissão –, publicou, na trilha da legislação federal, para fins de
prevenção e enfrentamento da COVID-19, os Decretos Estaduais n. 509/2020,
515/2020, 521/2020, 525/2020 e 535/2020 e 550/2020, estabelecendo as medidas
específicas para o controle da pandemia em Santa Catarina (restrições de atividades,
serviços, circulação, entre outros).
O ato normativo do Governo do Estado que está vigente é o
Decreto n. 562/2020, editado em 17 de abril de 2020, que compila as regras
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1contidas nos decretos antes referidos .
A redação original, porém, sofreu sucessivas alterações,
promovidas pelos Decretos ns. 587/2020, 630/2020, 651/2020, 719/2020, 724/2020 e
740/2020, os quais, em especial o de n. 630/2020, para além de preverem novas
medidas de enfrentamento, impuseram mudança significativa na condução da política
pública até então coordenada pelo Governo Estadual.
Com a edição do Decreto n. 630/2020, em 1º de junho de 2020,
o Estado de Santa Catarina estabeleceu que as ações de enfrentamento da
pandemia seriam conduzidas de forma regionalizada, mediante compartilhamento das
decisões e responsabilidades entre o Estado e os Municípios, o que permitiria adaptar
as medidas à realidade local, a partir de critérios técnicos e científicos que garantam a
segurança da retomada das atividades de circulação de pessoas até então
suspensas.
A regionalização da política pública de saúde foi, de fato,
oportuna, seja porque possibilita o diálogo e o compartilhamento de
responsabilidades entre as diferentes esferas de gestão do SUS, seja porque adapta
as medidas de distanciamento social à realidade de transmissão do vírus de cada
região do Estado.
Como é de conhecimento notório, os serviços de saúde
funcionam de forma regionalizada. Conforme informações disponíveis no site da
Secretaria de Estado da Saúde, o Estado está dividido em Regiões e Macrorregiões
2de Saúde. São, ao todo, 16 Regiões de Saúde tomadas como referência para essa
análise das peculiaridades epidemiológicas locais e adequação das medidas. Dada
essa divisão administrativa em regiões, para as quais é realizado o dimensionamento
dos serviços públicos de saúde, é, de fato, inviável o planejamento da política pública
de saúde de forma isolada por cada Município.
Em relação à educação, que é o objeto da presente ação civil
1 Decreto 525/2020, atualizado, disponível em: https://leisestaduais.com.br/sc/decreto-n-525-2020-santa-
catarinadispoe-sobre-novas-medidas-para-enfrentamento-da-emergencia-de-saude-publica-de-importância-
internacional-decorrente-docoronavirus-e-estabelece-outras-providencias
2 Disponível em http://www.saude.sc.gov.br/index.php/documentos/informacoes-gerais/12882-regionais-da-
saudesc/file. Acesso em 13/04/2020.
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4 34de
pública, consoante será demonstrado adiante, inúmeros Decretos também foram
editados pelo Estado de Santa Catarina, o qual, baseado em critérios técnicos e
cientificos, sempre refutou a possibilidade de retorno das aulas presenciais.
Nesse sentido, é a seguinte, a linha sucessória e temporal dos
decretos editados pelo governo do estado, que determinaram a suspensão das
atividades pedagógicas presenciais:
DECRETO 509, de 17 de Março de 2020: [...] Art. 1º Ficam suspensas no
território catarinense, por 30 (trinta) dias, a partir de 19 de março de 2020,
inclusive as aulas nas unidades das redes pública e privada de ensino
municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino fundamental,
nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino
superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual deverá ser
objeto de reposição oportunamente.
DECRETO 525, de 23 de Março de 2020: [...] Art. 7º Ficam suspensas, em
todo o território catarinense, sob regime de quarentena, nos termos do inciso II
do art. 2º da Lei federal Nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020: [...] II - até 31 de
maio de 2020: [...] c) as aulas nas unidades das redes pública e privada de
ensino, municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino
fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico
e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual
deverá ser objeto de reposição oportunamente;
DECRETO 554, de 11 de abril de 2020: Art. 1º - O art. 7º do Decreto nº 525,
de 23 de março de 2020, passa a vigorar com a seguinte redação: [...] Art.
7º Ficam suspensas, em todo o território catarinense, sob regime de
quarentena, nos termos do inciso II do art. 2º da Lei federal Nº 13.979, de 6 de
fevereiro de 2020: [...] II - até 31 de maio de 2020: [...] c) as aulas nas
unidades das redes pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal,
incluindo educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de
jovens e adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior, sem prejuízo do
cumprimento do calendário letivo, o qual deverá ser objeto de reposição
oportunamente;
DECRETO 562, de 17 de abril de 2020: [...] Art. 8º Ficam suspensas, em todo
o território catarinense, sob regime de quarentena, nos termos do inciso II do
art. 2º da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, por tempo
indeterminado: [...] III - as aulas nas unidades das redes pública e privada de
ensino, municipal, estadual e federal, incluindo educação infantil, ensino
fundamental, nível médio, educação de jovens e adultos (EJA), ensino técnico
e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento do calendário letivo, o qual
deverá ser objeto de reposição oportunamente;
DECRETO 630, de 1º de junho de 2020: Art. 1º O art. 8º do Decreto nº 562,
de 17 de abril de 2020, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art. 8º Ficam
suspensos, em todo o território catarinense, sob regime de quarentena, nos
termos do inciso II do art. 2º da Lei federal nº 13.979, de 6 de fevereiro de
2020: [...] II - até 2 de agosto de 2020, as aulas presenciais nas unidades das
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redes pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal, relacionadas
a educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e
adultos (EJA), ensino técnico e ensino superior, sem prejuízo do cumprimento
do calendário letivo, o qual deverá ser objeto de reposição oportunamente;
DECRETO 724, de 17 de julho de 2020: [...] Art. 1º O art. 8º do Decreto nº
562, de 17 de abril de 2020, passa a vigorar com a seguinte redação: [...] II -
até 7 de setembro de 2020, as aulas presenciais nas unidades das redes
pública e privada de ensino, municipal, estadual e federal, relacionadas a
educação infantil, ensino fundamental, nível médio, educação de jovens e
adultos (EJA) e ensino técnico, sem prejuízo do cumprimento do calendário
letivo, o qual deverá ser objeto de reposição oportunamente;
Por fim, no último dia 17 de agosto de 2020, as Secretarias
Estaduais de Saúde e de Educação editaram a Portaria Conjunta nº 612/2020,
prevendo:
Art. 1º Prorrogar, até 12 de outubro de 2020, a suspensão das aulas
presenciais nas unidades das redes pública e privada de ensino, municipal,
estadual e federal, relacionadas a educação infantil, ensino fundamental,
ensino médico, educação de jovens e adultos (EJA) e ensino profissional em
todos os níveis e modalidades, sem prejuízo do cumprimento do calendário
letivo, em todo território catarinense
Apesar da edição de tais atos, o que se deu em face do
aumento exponencial de casos de COVID-19 no território catarinense, que,
certamente, multiplicaria pela aglomeração de crianças e adolescentes nas
instituições de ensino, caso liberadas as atividades pedagógicas presenciais, para
surpresa deste Órgão do Ministério Público, após consulta ao sítio eletrônico
denominado leis municipais (www.leismunicipais.com.br), constatou-se que o
Município de Itapema, no dia 14 de agosto de 2020, editou o Decreto nº
468 (Anexo 1 ), regulamentando "o funcionamento das escolas particulares,
adaptadas para o atendimento como locais de entretenimento".
De plano, da análise da citada norma, constatou-se que o
Município não apresentou qualquer estudo técnico-cientifico, apto a justificar a edição
daquele, se limitando a referir que escolas privadas estariam adaptando as suas
4
Disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/sc/i/itapema/decreto/2020/7/68/decreto-n-68-2020-regulamenta-o-
funcionamento-das-escolas-particulares-adaptadas-para-o-atendimento-como-locais-de-entretenimento?q=68,
acesso em 20.8.2020
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estruturas para funcionar como "atividades recreativas" e, portanto, estariam
autorizadas pela Portaria nº 561, de 5 de junho de 2020, da Secretaria de Estado da
Saúde. Vejamos:
[...] Considerando a suspensão das atividades de ensino, nas escolas públicas
e particulares, em todo o Estado de Santa Catarina;
Considerando a permissão de atividades recreativas em parques
temáticos e locais de entretenimento, através da Portaria SES 391, de 05
de junho de 2020;
Considerando ser de conhecimento desta Prefeitura que escolas
particulares do Município estão adaptando suas estruturas e contratos
sociais para atuarem como ambientes de entretenimento (atividades
recreativas);
Considerando a necessidade de tratamento isonômico às situações fáticas e
jurídicas similares [...]
Com base nas justificativas supracitadas, o Decreto Municipal
dispôs o seguinte:
[...] Art. 1º As atividades recreativas, nas escolas particulares do
Município de Itapema, são disciplinadas pelo presente Decreto.
Art. 2º O funcionamento das escolas particulares como estabelecimentos de
entretenimento condiciona-se à adaptação de suas estruturas, à solicitação de
inclusão das atividades recreativas no Cadastro Nacional de Pessoas
Jurídicas - CNPJ e ao cumprimento das medidas sanitárias prescritas pela
Portaria SES nº 391, de 05 de junho de 2020.
Parágrafo único. A participação de crianças e adolescentes em atividades
recreativas, no âmbito das escolas particulares adaptadas para atuarem como
locais de entretenimento, deverá ser precedida da assinatura de termo de
responsabilidade pelos pais ou responsáveis.
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação. [...]
Não há dúvidas quanto à interpretação equivocada e primária,
feita pelo Município de Itapema, em relação aos efeitos da Portaria nº 391, de 5 de
junho de 2020, da Secretaria Estadual de Saúde.
Isso porque, mesmo que conste na redação do artigo 1º do
5referido ato normativo , autorização para a realização de "atividades em praças,
parques, locais de entretenimento e zoológicos no território catarinense", é evidente
que a Secretaria de Educação não se referia à possibilidade de instituições de ensino
5 Art. 1º Ficam autorizadas as atividades em praças, parques, locais de entretenimento e zoológicos no
território catarinense desde que atendam os seguintes requisitos:
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privadas adequarem o seu objeto social, a fim de passarem a oferecer aos seus
alunos "atividade recreativas".
Nesse sentido, inclusive, as Secretarias de Educação e da
Saúde do Estado de Santa Catarina, na presente data, 20 de agosto de 2020,
emitiram Nota Oficial (Anexo 3), demonstrando contrariedade ao teor do texto
normativo contido no Decreto nº 68/2020, de Itapema:
NOTA OFICIAL
Diante do quadro sanitário que se apresenta no Estado de Santa Catarina,
em relação ao contágio pelo novo Coronavírus, as Secretarias de Estado da
Educação e da Saúde manifestam perplexidade (grifo nosso) com a
publicação de Decreto que permite que escolas particulares de Itapema
recebam alunos para atividades recreativas, de autoria do executivo
municipal.
Considerando as informações amplamente divulgadas pelo Estado sobre o
avanço do contágio e o monitoramento com diagnóstico e projeções
emitidos pela Secretaria de Estado da Saúde, quaisquer medidas que
permitam aglomerações, quando até mesmo o atendimento essencial da
educação é realizado remotamente, primando-se pela segurança dos
envolvidos no processo de educação, trata-se de contrariedade às medidas
preventivas e sanitárias estabelecidas.
As Secretarias de Estado da Educação e da Saúde recomendam à
comunidade escolar que não se exponha a atividades presenciais,
especialmente com fins de entretenimento, que poderá incorrer em
aglomerações e contatos físicos entre os que delas participarem.
Os órgãos de controle serão acionados a fim de que a medida seja revista
pelo município, primando pela manutenção da saúde pública de toda a
população.
(Disponível em: http://www.sed.sc.gov.br/secretaria/imprensa/noticias/30752-nota-
oficial-3, acesso em 20 de agosto de 2020, às 17h51min)
O posicionamento acima transcrito, externado pelo Órgão
responsável pela edição da Portaria SES nº 391/2020, ato normativo no qual se
baseou o Município de Itapema para a edição do decreto ora questionado,
demonstra, de forma cristalina, o equivoco interpretativo por parte do mesmo.
Tais fatos justificam a adoção de providências por parte do
Ministério Público de Santa Catarina, visando a revogação de tais disposições
contidas no Decreto nº 68/2020 do Município de Itapema.
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8 34de
2) DO DIREITO:
2.1) COMPULSORIEDADE DA OBEDIÊNCIA ÀS MEDIDAS
PREVISTAS NO DECRETO N. 562/2020
Desde logo, é preciso ressaltar que todas as providências
traduzidas no Decreto Estadual n. 562/2020 são compulsórias aos agentes públicos
e/ou privados a quem seu cumprimento incumba.
O fundamento de tal obrigatoriedade se encontra na Portaria
Interministerial n. 5, de 17 de março de 2020, editada pelos Ministros de Estado da
Justiça e Segurança Pública e da Saúde, que “dispõe sobre a compulsoriedade das
medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública previstas na Lei n.
13.979, de 6 de fevereiro de 2020”.
Nessa linha, o ato administrativo em questão, com suporte
constitucional e infraconstitucional, estabelece, entre outros, que:
I) O descumprimento das medidas adotadas pela autoridade sanitária,
conforme previstas no art. 3ª da Lei nº 13.979, de 2020, acarretará a
responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores, inclusive
do servidor público que concorrer para o descumprimento (art. 3º, caput e §
1º, da Portaria Interministerial MS/MJSP n. 5/2020);
II) O descumprimento da medida de quarentena poderá sujeitar os infratores
às sanções penais previstas nos arts. 268 e 330 do Decreto-lei n. 2.848, de 7
de dezembro de 1940 - Código Penal, se o fato não constituir crime mais
grave; (art. 5º da Portaria Interministerial MS/MJSP n. 5/2020);
III) Os gestores locais do Sistema Único de Saúde - SUS, os profissionais de
saúde, os dirigentes da administração hospitalar e os agentes de vigilância
epidemiológica poderão solicitar o auxílio de força policial nos casos de recusa
ou desobediência por parte de pessoa submetida às medidas de quarentena e
isolamento social. (art. 6º da Portaria Interministerial MS/MJSP n. 5/2020);
IV) A autoridade policial poderá lavrar termo circunstanciado por infração de
menor potencial ofensivo em face do agente que for surpreendido na prática
dos crimes mencionados nos art. 4º e art. 5º, na forma da legislação
processual vigente, a quem, porém, não se imporá prisão caso assine o
Termo Circunstanciado; (art. 7º da Portaria Interministerial MS/MJSP n.
5/2020); V) Visando a evitar a propagação da COVID-19 e no exercício do
poder de polícia administrativa, a autoridade policial poderá encaminhar o
agente à sua residência ou estabelecimento hospitalar para cumprimento das
medidas de isolamento social, exame ou tratamento compulsório (art. 3º da
Lei n. 13.979/2020, conforme determinação das autoridades sanitárias. (art. 8º
da Portaria Interministerial MS/MJSP n. 5/2020).
O Decreto nº 562/2020, portanto, possui garantidas as vias
coercitivas para sua execução, na forma dada pela Portaria Interministerial n. 5/2020.
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9 34de
2.2) O LIVRE COMÉRCIO EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA
DE SAÚDE PÚBLICA
O artigo 1º da Constituição Federal eleva à condição de princípio
fundamental, a livre iniciativa, ao prever que “a República Federativa do Brasil,
formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] IV os
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”. (grifou-se)
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em
seu artigo 170, dispõe que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa", tem por fim assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.
O Princípio da Livre Iniciativa é considerado fundamento da
ordem econômica e atribui à iniciativa privada, o papel primordial na produção ou
circulação de bens ou serviços, constituindo a base sobre a qual se constrói a ordem
econômica (CRFB/88, art. 173).
No entanto, a CRFB não coíbe a intervenção estatal na
produção ou circulação de bens ou serviços, prevendo em seu art. 174 que o Estado
tem papel primordial como agente normativo e regulador da atividade econômica,
exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, de acordo com a lei,
no sentido de evitar irregularidades.
Nesse aspecto, como qualquer princípio, a livre iniciativa não
pode ser considerada absoluta.
Doutro norte, a Constituição da República contempla a saúde
como direito social do cidadão, atribuindo ao Estado o dever de garantir-lhe, in
verbis:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de
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outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para
sua promoção, proteção e recuperação.
Visando concretizar os mandamentos constitucionais, o
legislador estabeleceu preceitos que tutelam e garantem o direito à saúde. Neste
sentido, o art. 2º da Lei n. 8.080/1990 dispõe:
Art. 2º. A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.
§1º. O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e
execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de
doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que
assegurem o acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua
promoção, proteção e recuperação.
A dignidade da pessoa humana foi inserida na Constituição
Federal vigente, com status de fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º,
III), a impor-se como vetor do ordenamento jurídico e valor orientador da interpretação
do sistema constitucional.
Está-se diante de uma pandemia, e a atividade econômica, sem
descurar de sua importância, não pode sobressair sobre a vida humana. Não há
economia sem a vida humana.
Não se desconsidera o caos econômico vivenciado pela
iniciativa privada, inclusive as instituições de ensinos privadas, as quais, com a
suspensão das atividades escolares presenciais, viram o número de seus alunos
reduzirem significativamente, tendo ocorrido inúmeras transferências para escolas da
rede pública de educação. Ao contrário, muito se considera e se solidariza com a
situação do empresariado e dos empregados do país nesse momento. Entretanto, no
caso concreto, estamos diante de um estado de calamidade pública, não sendo outra
a razão pela qual a União e o Estado de Santa Catarina já providenciaram, na esfera
legislativa, sérias medidas restritivas.
Assim, na esteira da situação enfrentada mundialmente, o
exercício do livre comércio – incluindo a modificação do objeto social das escolas
particulares, para empresas que desenvolvem atividades recreativas, como
defende o Decreto nº 68/2020 – deve ceder em face da preservação da saúde
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pública e da vida, tomando-se como vetor de concretização da norma constitucional,
o princípio da dignidade da pessoa humana e a garantia do direito à saúde.
2.3) DA COMPETÊNCIA ESTADUAL E MUNICIPAL
O art. 3º da Lei n. 13.979/2020 previu as medidas concretas a
serem adotadas pelos entes federados, deixando claro que “somente poderão ser
determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as
informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao
mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”.
Assim, são possíveis as medidas de restrição pelo Estado que
visem reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de
saúde no território, uma vez previstas em instrumentos normativos legítimos e sem
ofensa abstrata ao texto constitucional.
Referidas normas se coadunam com a disposição constitucional
sobre a competência legislativa concorrente, na medida em que o art. 24 da
Constituição da República estabelece, como competência concorrente da União, dos
Estados e do Distrito Federal, legislar sobre “previdência social, proteção e defesa da
saúde” (inc. XII).
Ainda sobre a competência legislativa concorrente, o art. 24, §§
1º ao 3º, da Constituição da República dispõe que:
§ 1º. No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-
á a estabelecer normas gerais”.
§ 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a
competência suplementar dos Estados.
§ 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a
competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
A competência concorrente dos Estados foi reconhecida
recentemente pelo Supremo Tribunal Federal em decisão monocrática do Min. Marco
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Aurélio, ao analisar as medidas liminares requeridas nos Autos da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 6.341, tendo por objeto a constitucionalidade da MP 926/2020
e do Decreto n. 10.282/2020. Colhe-se da fundamentação:
SAÚDE CRISE CORONAVÍRUS MEDIDA PROVISÓRIA
PROVIDÊNCIAS LEGITIMAÇÃO CONCORRENTE. Surgem atendidos os
requisitos de urgência e necessidade, no que medida provisória dispõe sobre
providências no campo da saúde pública nacional, sem prejuízo da
legitimação concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
[...] Há de ter-se a visão voltada ao coletivo, ou seja, à saúde pública,
mostrando-se interessados todos os cidadãos. O artigo 3º, cabeça, remete às
atribuições, das autoridades, quanto às medidas a serem implementadas. Não
se pode ver transgressão a preceito da Constituição Federal. As
providências não afastam atos a serem praticados por Estado, o Distrito
Federal e Município considerada a competência concorrente [...].
[...] O que nela se contém [MP 926/2020] repita-se à exaustão não afasta
a competência concorrente, em termos de saúde, dos Estados e
Municípios. Surge acolhível o que pretendido, sob o ângulo acautelador, no
item a.2 da peça inicial, assentando-se, no campo, há de ser reconhecido,
simplesmente formal, que a disciplina decorrente da Medida Provisória nº
926/2020, no que imprimiu nova redação ao artigo 3º da Lei federal nº
9.868/1999, não afasta a tomada de providências normativas e
administrativas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.
Considerando o reconhecimento da contaminação comunitária
pelo Sars-Cov-2 no território brasileiro, a restrição de atividades determinada pela
autoridade sanitária estadual guarda pertinência com a finalidade de conter a
proliferação da doença e deve estar amparada em critérios sanitários de contenção
da pandemia.
Nessa lógica, não se admite que os municípios estabeleçam
regras mais permissivas que aquelas já determinadas pela União e pelo Estado, pois
seria incongruente que a política pública municipal de defesa da saúde, que
considera o “interesse local”, seja mais flexível em relação aos critérios para a
prevenção e o combate à disseminação do novo coronavírus relacionados conforme o
“interesse regional” (Estado) e o “interesse geral” (União).
O Supremo Tribunal Federal já destacou a possibilidade de a
legislação municipal suplementar, em assuntos de interesse local, a norma geral, o
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que não significa que o Município poderá ignorá-la. Eis o julgado do Supremo Tribunal
Federal:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
DIREITO CONSTITUCIONAL. LEI 13.113/2001 E DECRETO 41.788/2002,
QUE DISPÕE SOBRE A PROIBIÇÃO DO USO DE MATERIAIS,
ELEMENTOS CONSTRUTIVOS E EQUIPAMENTOS DA CONSTRUÇÃO
CIVIL CONSTITUÍDOS DE AMIANTO NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.
EXERCÍCIO LEGÍTIMO DA COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA
SUPLEMENTAREM A LEGISLAÇÃO FEDERAL. ARGUIÇÃO JULGADA
IMPROCEDENTE.
1. Ante a declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2º da Lei
9.055/95, não invade a competência da União prevista nos arts. 24, V, VI e
XII, da Constituição da República, a legislação municipal que,
suplementando a lei federal, impõe regra restritiva de comercialização do
amianto.
2. Trata-se de competência concorrente atribuída à União, aos Estados e
Distrito Federal para legislar sobre produção, consumo, proteção do
meio ambiente e proteção e defesa da saúde, tendo os Municípios
competência para suplementar a legislação federal e estadual no que
couber.
3. Espaço constitucional deferido ao sentido do federalismo cooperativo
inaugurado pela Constituição Federal de 1988. É possível que Estados-
membros, Distrito Federal e Municípios, no exercício da competência
que lhes são próprias, legislem com o fito de expungirem vácuos
normativos para atender a interesses que lhe são peculiares, haja vista
que à União cabe editar apenas normas gerais na espécie. 4. Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental julgada improcedente, com a
declaração incidental da inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 9.055/95.
(ADPF 109, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em
30/11/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-019 DIVULG 31-01-2019 PUBLIC
01-02-2019)
Da síntese e conclusão do voto do Min. Edson Fachin (relator),
extrai-se o seguinte: “Revela-se constitucional a legislação municipal que, em
matéria de competência local, comum e suplementar, regulamenta de forma
mais restritiva a norma geral, dentro do âmbito de atuação permitido por ela”.
A prevalência das normativas mais restritivas também é
percebida em outras áreas que envolvem direitos sensíveis, como é o caso do meio
ambiente equilibrado. A esse respeito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Os Municípios podem legislar sobre direito ambiental, desde que o façam
fundamentadamente. (...) A Turma afirmou que os Municípios podem
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adotar legislação ambiental mais restritiva em relação aos Estados-
membros e à União. No entanto, é necessário que a norma tenha a
devida motivação.
[ARE 748.206 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 14-3-2017, 2ª T, Informativo
857.]
O município é competente para legislar sobre meio ambiente com União e
Estado, no limite de seu interesse local e desde que tal regramento seja e
harmônico com a disciplina estabelecida pelos demais entes federados (art.
24, VI, c/c o art. 30, I e II, da CRFB)” (RE 586.224, rel. min. Luiz Fux, j.
05.03.2015, P, DJE 08.05.2015, Tema 145).
A respeito do art. Art. 30, I e II, da Constituição da República,
preleciona a doutrina:
I Legislar sobre assuntos de interesse local substituiu a locução peculiar
interesse local, presente nas Constituições anteriores. Interesse local não
implica exclusivo interesse municipal, tampouco se expressa em todos os
municípios do mesmo modo, pois os municípios são diferentes. No Brasil
temos municípios com territórios maiores que Estados da Federação
Altamira (PA), por exemplo, é maior que Sergipe , ao mesmo tempo que há
municípios com orçamento maior que Estados São Paulo capital, maior que
muitos Estados. Temos municípios com forte característica industrial, outros,
com recursos ambientais relevantes, que vivem do turismo etc. Estas
características é que identificam o seu interesse local. O que identifica o
interesse local é a circunstância do direito a ser protegido no universo do
município. A característica cultural, demográfica, geográfica, topográfica,
climática, geológica, econômica, política entre outros é que indicará o
interesse local a ser protegido. Entendemos, como TABORDA (2015), que o
interesse local é a cláusula geral de competência municipal. As cláusulas
gerais constituem o meio legislativamente hábil para permitir o ingresso, no
ordenamento jurídico, de princípios valorativos (expressos ou não expressos),
standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento,
normativas constitucionais e assim por diante. O intérprete, além de averiguar
a possibilidade de subsunção de uma série de casos-limite na fattispecie
(suporte fático), verifica a exata individuação das mutáveis regras sociais às
quais o envia a metanorma jurídica. Deverá determinar quais são os efeitos
incidentes no caso concreto, ou, se estes já vieram indicados, qual a
graduação que lhes será conferida no caso concreto, à vista das possíveis
soluções existentes no sistema. As cláusulas gerais têm por função permitir a
abertura e a mobilidade do sistema jurídico, tanto que abrem o sistema para
elementos extrajurídicos, viabilizando a adequação, ao mesmo tempo que
asseguram a mobilidade interna. É o caso do interesse local.
II A suplementação de legislação estadual ou federal, no que couber,
exige que o conteúdo legislado seja de atribuição municipal, não
podendo o município, por exemplo, legislar sobre direito civil, cuja
competência é da União. A suplementação ocorre por meio de
complementação ou legislar na ausência da norma. A jurisprudência vem
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entendendo que, para legislar na ausência de normas, o Município precisa ter
competência constitucional sobre a matéria. Já a complementação não pode
implicar regrar em sentido oposto à norma geral existente. Este foi o
entendimento no Recurso Extraodrinário n. 313060/SP, rel. Min. Ellen
Gracie Nothfleet (Diário da Justiça de 24 de fevereiro de 2006): “A
competência constitucional dos Municípios de legislar sobre assunto de
interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria
Constituição, na repartição de competências, atribui à União e aos
Estados”.
(CANOTILHO, J. J. Gomes [et al.] ; Comentários à Constituição do Brasil. 2.
ed. São Paulo : Saraiva Educação, 2018. (Série IDP), p. 847-848)
É certo, portanto, que os municípios podem prever restrições
adicionais se forem necessárias para a proteção e a defesa da saúde pública, como
forma de colocar em prática as suas estratégias de contenção da pandemia, o que
deve estar devidamente fundamentado pela autoridade sanitária em conformidade
com o interesse local.
Mais especificamente sobre a competência em relação à
pandemia do coronavírus, merece ser destacada recente decisão proferida pelo
Supremo Tribunal Federal na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
n. 672/DF, de relatoria do Min. Alexandre de Moraes, em 8 de abril de 2020:
A Constituição Federal, em diversos dispositivos, prevê princípios
informadores e regras de competência no tocante à proteção da saúde
pública, destacando, desde logo, no próprio preâmbulo a necessidade de o
Estado Democrático assegurar o bem-estar da sociedade. Logicamente,
dentro da ideia de bem-estar, deve ser destacada como uma das principais
finalidades do Estado a efetividade de políticas públicas destinadas à saúde.
O direito à vida e à saúde aparecem como consequência imediata da
consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República
Federativa do Brasil. Nesse sentido, a Constituição Federal consagrou, nos
artigos 196 e 197, a saúde como direito de todos e dever do Estado,
garantindo sua universalidade e igualdade no acesso às ações e serviços de
saúde. No presente momento, existe uma ameaça séria, iminente e
incontestável ao funcionamento de todas as políticas públicas que visam a
proteger a vida, saúde e bem estar da população. A gravidade da
emergência causada pela pandemia do coronavírus (COVID-19) exige
das autoridades brasileiras, em todos os níveis de governo, a efetivação
concreta da proteção à saúde pública, com a adoção de todas as
medidas possíveis e tecnicamente sustentáveis para o apoio e
manutenção das atividades do Sistema Único de Saúde. [...]
Por outro lado, em respeito ao Federalismo e suas regras constitucionais de
distribuição de competência consagradas constitucionalmente, assiste razão
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à requerente no tocante ao pedido de concessão de medida liminar,
“para que seja determinado o respeito às determinação dos
governadores e prefeitos quanto ao funcionamento das atividades
econômicas e as regras de aglomeração”. A adoção constitucional do
Estado Federal gravita em torno do princípio da autonomia das entidades
federativas, que pressupõe repartição de competências legislativas,
administrativas e tributárias. Em relação à saúde e assistência pública,
inclusive no tocante à organização do abastecimento alimentar, a
Constituição Federal consagra, nos termos dos incisos II e IX, do artigo
23, a existência de competência administrativa comum entre União,
Estados, Distrito Federal e Municípios. Igualmente, nos termos do artigo
24, XII, o texto constitucional prevê competência concorrente entre
União e Estados/Distrito Federal para legislar sobre proteção e defesa da
saúde; permitindo, ainda, aos Municípios, nos termos do artigo 30,
inciso II, a possibilidade de suplementar a legislação federal e a estadual
no que couber, desde que haja interesse local; devendo, ainda, ser
considerada a descentralização político-administrativa do Sistema de Saúde
(art. 198, CF, e art. 7º da Lei 8.080/1990), com a consequente
descentralização da execução de serviços e distribuição dos encargos
financeiros entre os entes federativos, inclusive no que diz respeito às
atividades de vigilância sanitária e epidemiológica (art. 6º, I, da Lei
8.080/1990). As regras de repartição de competências administrativas e
legislativas deverão ser respeitadas na interpretação e aplicação da Lei
13.979/20, do Decreto Legislativo 6/20 e dos Decretos presidenciais 10.282 e
10.292, ambos de 2020, observando-se, de “maneira explícita”, como bem
ressaltado pelo eminente Ministro MARCO AURÉLIO, ao conceder
medida acauteladora na ADI 6341, “no campo pedagógico e na dicção do
Supremo, a competência concorrente”. Dessa maneira, não compete ao
Poder Executivo federal afastar, unilateralmente, as decisões dos
governos estaduais, distrital e municipais que, no exercício de suas
competências constitucionais, adotaram ou venham a adotar, no âmbito
de seus respectivos territórios, importantes medidas restritivas como a
imposição de distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão
de atividades de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à
circulação de pessoas, entre outros mecanismos reconhecidamente
eficazes para a redução do número de infectados e de óbitos, como
demonstram a recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) e
vários estudos técnicos científicos, como por exemplo, os estudos
realizados pelo Imperial College of London, a partir de modelos
matemáticos (The Global Impact of COVID-19 and Strategies for
Mitigation and Suppression, vários autores; Impact of non-
pharmaceutical interventions (NPIs) to reduce COVID19 mortality and
healthcare demand, vários autores).
Presentes, portanto, a plausibilidade inequívoca de eventual conflito federativo
e os evidentes riscos sociais e à saúde pública com perigo de lesão
irreparável, CONCEDO PARCIALMENTE A MEDIDA CAUTELAR na arguição
de descumprimento de preceito fundamental, ad referendum do Plenário desta
SUPREMA CORTE, com base no art. 21, V, do RISTF, para DETERMINAR a
efetiva observância dos artigos 23, II e IX; 24, XII; 30, II e 198, todos da
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Constituição Federal na aplicação da Lei 13.979/20 e dispositivos
conexos, RECONHENDO E ASSEGURANDO O EXERCÍCIO DA
COMPETÊNCIA CONCORRENTE DOS GOVERNOS ESTADUAIS E
DISTRITAL E SUPLEMENTAR DOS GOVERNOS MUNICIPAIS, cada qual
no exercício de suas atribuições e no âmbito de seus respectivos
territórios, para a adoção ou manutenção de medidas restritivas
legalmente permitidas durante a pandemia, tais como, a imposição de
distanciamento/isolamento social, quarentena, suspensão de atividades
de ensino, restrições de comércio, atividades culturais e à circulação de
pessoas, entre outras; INDEPENDENTEMENTE DE SUPERVENIENCIA DE
ATO FEDERAL EM SENTIDO CONTRÁRIO, sem prejuízo da
COMPETÊNCIA GERAL DA UNIÃO para estabelecer medidas restritivas
em todo o território nacional, caso entenda necessário.
Dessa decisão, é possível extrair algumas conclusões:
(1) As medidas restritivas no contexto da pandemia do
Coronavírus dizem respeito primordialmente ao direito fundamental à saúde. Vale
dizer, ao contrário do teor da decisão ora vergastada, o que prevalece não é a
competência regulamentar de determinado serviço, mas, sim, medidas
sanitárias e epidemiológicas para fins de prevenção da COVID-19.
(2) Tais medidas devem ser interpretadas à luz da competência
concorrente dos Estados e, quanto aos Municípios, à luz de sua competência
suplementar (art. 30, II, CRFB). Logo, apenas compete aos Municípios
complementar a legislação federal e estadual. Em se tratando de saúde,
conforme já exposto, deve prevalecer a precaução, de modo que apenas
medidas mais protetivas à saúde podem ser adotadas pelo Município.
(3) A competência de cada um dos entes para adotar medidas
restritivas no respectivo território fica preservada, cabendo ao Estado impor medidas
restritivas necessárias ao seu âmbito territorial (Estado de Santa Catarina), o que
deve ser observado pelos Municípios.
O mesmo entendimento pode ser extraído da decisão do Pleno
do STF na ADI 6341, antes mencionada.
Ao analisar a cautelar proferida pelo Min. Marco Aurélio, o Pleno
do Supremo Tribunal Federal deixou ainda mais clara a competência concorrente,
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mas sempre tendo como norte a saúde (direito fundamental que se visa a proteger no
presente caso).
O dispositivo do julgamento foi publicado nos seguintes termos:
O Tribunal, por maioria, referendou a medida cautelar deferida pelo
Ministro Marco Aurélio (Relator), acrescida de interpretação conforme à
Constituição ao § 9º do art. 3º da Lei nº 13.979, a fim de explicitar que,
preservada a atribuição de cada esfera de governo, nos termos do inciso
I do art. 198 da Constituição, o Presidente da República poderá dispor,
mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais,
vencidos, neste ponto, o Ministro Relator e o Ministro Dias Toffoli (Presidente),
e, em parte, quanto à interpretação conforme à letra b do inciso VI do art. 3º,
os Ministros Alexandre de Moraes e Luiz Fux.
A competência concorrente, como indica o próprio relato do
julgamento acima transcrito, permite que os Municípios possam editar normas em
assuntos de interesse local, desde que visem a proteger mais a saúde, ou seja,
desde que sejam mais restritivas do que as do Estado (respeitados, por óbvio, os
direitos fundamentais e com base em evidências da autoridade sanitária).
A questão não é nova, e já foi objeto de decisões dos Tribunais
Estaduais.
Em relação a medidas mais flexíveis no âmbito do comércio local, o
Poder Judiciário de Santa Catarina tem se posicionado no sentido de que o Estado
tem competência para adotar as medidas restritivas de proteção à saúde, não
cabendo ao Município adotar regras mais flexíveis do que aquelas legitimamente
impostas pelo ente de maior amplitude. Esse é o entendimento adotado em decisão
liminar proferida nos Autos da Ação Civil Pública n. 5001058-60.2020.8.24.0081/SC,
da Comarca de Xaxim/SC, em 2 de abril de 2020; e na Ação Civil Pública
5003724-50.2020.8.24.0011/SC, da Comarca de Brusque/SC, em 7 de abril de 2020.
Ainda, ressalte-se que o TJSC, em recentes decisões proferidas
pelo Des. Luiz Zanelato em agravos de instrumento interpostos pelo Estado de Santa
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19 34de
Catarina e pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina (n. 5008308-
96.2020.8.24.0000 e n. 5008310-66.2020.8.24.0000/SC, respectivamente) decidiu
também nesse sentido:
Salienta-se, num primeiro momento, que o Decreto n. 515, de 17 de março de
2020, ao declarar a situação de emergência em todo o território catarinense,
não visa, em seu art. 2º, I, invadir a competência municipal para
regulamentação de interesses locais, pois não tem por objetivo
normatizar/regulamentar a atividade de transporte municipal de passageiros
em si, e tampouco a concessão da atividade pelo Município. Mas, ao
suspender, no âmbito do Estado de Santa Catarina "a circulação de veículos
de transporte coletivo urbano municipal, intermunicipal e interestadual de
passageiros", o faz expedindo norma de caráter sanitário e
epidemiológico com o fim superior de combater o acentuado avanço da
epidemia de COVID19 em solo estadual.
Na mesma linha do Decreto n. 515/2020, encontram-se aqueles que lhes
sucederam, - os Decretos n. 525/2020, n. 535/2020, n. 550/2020 -, todos eles
mantendo a restrição mencionada, e, por fim, o Decreto n. 554, este datado de
11-4-2020, que, dentre outras medidas, prorroga, até 30-4-2020, a suspensão
da circulação de veículos de transporte coletivo urbano municipal e
intermunicipal de passageiros.
Não é demais lembrar que a Constituição Federal, em seu art. 23, II,
estabelece a competência comum da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, para os cuidados de saúde e assistência
pública, sendo que no art. 24 define como concorrente a competência da
União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre proteção e
defesa da saúde (inciso XII).
Aos Municípios, portanto, neste caso, compete apenas suplementar as
diretrizes gerais traçadas pela União e pelos Estados-membros,
adequando-as ao interesse local, porém, sem irem de encontro às
normas federais e estaduais.
A respeito, impõe-se trazer à luz trecho de recente decisão do Supremo
Tribunal Federal, proferida em 8-4-2020 pelo Ministro Alexandre de
Moraes, em sede da Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental - ADPF n. 672, assim esclarecendo:
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20 34de
[...]
Como se vê, do cotejo entre a orientação da Suprema Corte e os atos
normativos que têm sido expedidos pelo Governador do Estado de Santa
Catarina no intuito de enfrentamento da emergência de saúde pública de
importância internacional, enquanto traça estratégias de sobrevivência à
pandemia de COVID-19, verifica-se que o Estado nada mais tem feito do que
exercer sua competência normativa de traçar diretrizes gerais a serem
seguidas em seu território, impondo as medidas de isolamento/distanciamento
social que, de acordo com seus estudos técnicos e amparado em evidências
científicas de organismos inclusive internacionais, tem considerado como
mínimas ao enfrentamento dos riscos à saúde pública.
Aliás, é preciso ressaltar que o Estado, em que pese a existência, inclusive,
de críticas de algumas entidades de saúde e de representação da sociedade
no que tange à flexibilização prematura das medidas de isolamento social
(cujo debate aqui não encontra espaço) já vem, paulatinamente, autorizando a
retomada das atividades de diversos setores/ramos da economia, deixando a
cargo dos municípios a adoção de medidas mais restritivas naqueles em que
estas se mostrarem necessárias, ao mesmo tempo em que vem monitorando
o comportamento da curva de contágio e de mortalidade.
O Estado, portanto, já vem adotando medidas mais flexíveis, a fim de que os
municípios, suplementando as diretrizes estaduais de acordo com o interesse
local, adotem medidas mais restritivas conforme sua necessidade e
conveniência.
Inadmissível, no caso, é que os municípios adotem medidas mais
brandas que o ente estadual, indo na contramão da preservação da
saúde pública e proteção à vida das pessoas.
O contexto exige uma atuação coordenada entre Estado e Municípios, mesmo
porque não se pode considerar que o deferimento da medida pretendida em
primeiro grau restrinja-se à questão de mero interesse local, porquanto, vindo
a ocorrer uma superlotação dos leitos hospitalares existentes em Joinville,
certamente haverá o remanejamento de pacientes para unidades hospitalares
de outros municípios do Estado e, a depender da situação futura, colocando
em colapso todo o sistema de saúde estadual, cujas consequências serão
gravíssimas e, quiçá, incontornáveis.
[...]
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21 34de
A par de todas as considerações já traçadas, fato é que definir as atividades
que devem continuar operando e quais ainda devem permanecer suspensas,
salvo eventuais excessos e arbitrariedades cometidas pela administração, que
eventualmente transpusessem os parâmetros da conveniência e
oportunidade, é tarefa do Administrador Público, de acordo com os estudos
técnicos que lhe servem para avaliar os riscos à saúde decorrentes do retorno
de cada atividade, traçando as estratégias do Poder Público para o combate à
epidemia, mormente quando pautado pelo princípio da precaução e da
preservação da saúde e da vida, não cabendo ao Judiciário, no caso,
substituir-se ao administrador, para, desprovido de bases técnicas e científicas
específicas, afrouxar as medidas de isolamento e de restrição à circulação de
pessoas, o que pode, em médio prazo, acarretar um risco à estrutura de
acesso à saúde disponibilizada pelo Estado e à própria saúde da população,
colocando a perder todas as medidas já adotadas, o trabalho empreendido e
os sacrifícios já suportados pelo povo catarinense para sobreviver à epidemia.
Também destaca-se nesse mesmo sentido, os autos do
Mandado de Segurança n. 5008900-43.2020.8.24.0000, em que a Des. Denise
Volpato suspendeu Decreto Municipal com base na vedação da adoção de medidas
mais flexíveis do que as do Decreto Estadual (no caso, o Decreto Municipal permitia a
circulação de pessoas nas praias):
No caso em apreço o Ministério Público ataca a legalidade do Decreto n.
9.876/2020, do Município de Balneário Camboriú/SC, por contrariar diretrizes
sanitárias estabelecidas pelo Estado de Santa Catarina no Decreto n.
562/2020.
[...]
Como se observa, há evidente confronto entre os diplomas normativos
estadual e municipal.
Linhas gerais, a Constituição da República Federativa do Brasil (Constituição
Federal) distribui competência regulamentares aos entes municipais, estadual
e federal. Com respeito à saúde, o artigo 23, estabelece ser comum a União,
Estados e Municípios a competência para legislar sobre cuidados e
assistência à saúde.
No mesmo sentido, o artigo 30 esclarece competir aos municípios "legislar
sobre assuntos de interesse local" (inciso I) e "suplementar a legislação
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22 34de
federal e a estadual no que couber" (inciso II).
Assim, compete tanto ao estado, como aos municípios, legislar acerca da
forma como será alcançado o direito à saúde (artigo 23, II, da Constituição
Federal), respeitado o interesse local ou regional, e o caráter suplementar
(artigo 30, II, da Constituição Federal).
No aspecto, convém destacar que adotadas medidas restritivas pelo
gestor regional, qual seja, o Estado de Santa Catarina, é de todo
impertinente seu afrouxamento em âmbito local, sob pena de malferir-se
não só a necessária harmonia na condução dos interesses público, mas
principalmente de restringir a eficácia da medida em seu espectro
regional.
Nesse sentido imperioso reconhecer que a aplicação de medidas
contrárias ao Decreto Estadual por gestores locais acaba por espraiar
deletérios efeitos regionais, podendo criar focos internos de contágio a
refletir em ataque a incolumidade pública do estado como um todo.
Conforme a Constituição da República Federativa do Brasil, portanto,
normas regulamentares municipais devem unicamente completar
lacunas, jamais contrariar os ditames estabelecidos pelo ente estadual,
sempre visando ampliar medidas de promoção da saúde.
No âmbito da saúde, portanto, observadas as diretrizes federais e
estaduais, pode o gestor do município tomar unicamente medidas que
ampliem o acesso a saúde, sem atacar direta ou indiretamente a eficácia
das disposições exaradas pelo Estado ou União.
Deve sempre prevalecer a norma que melhor defenda o direito tutelado,
in casu, o direito à saúde. Pode, por exemplo, o poder público local incluir
determinada vacina no calendário de vacinação, observadas as
especificidades e o interesse local.
Isso significa, no caso vertente, que os municípios não podem autorizar
atividades restringidas pelo Estado, vez que não ampliam medidas de cuidado
sanitário.
A preservação do interesse público exige a atuação harmônica entre os
poderes e entes federados, com vistas a garantir a efetividade das políticas
públicas no combate à propagação do vírus.
Esse é o entendimento perfilado pelo Supremo Tribunal Federal ao
apreciar a ADI 6.341 e a ADPF 672.
Logo, sob o aspecto formal, descabida a edição do decreto atacado.
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23 34de
[...]
Ante o exposto, defiro a liminar postulada para sustar imediatamente os
efeitos do Decreto n. 9.876/2020, do Municício de Balneário Camboriú/SC, por
contrariar diretrizes sanitárias estabecidas pelo Estado de Santa Catarina no
Decreto n. 562/2020.
Apesar disso, o que se vê no presente caso, é a edição de um
decreto municipal que, não só vai de encontro às normas estaduais pertinentes,
como, ainda, é mais permissivo do que aquelas, e sem qualquer amparo em dados
científicos, assim como em total contraponto à realidade vivenciada, não só pelo
Município de Itapema, no que diz respeito aos níveis de contaminação e óbitos
decorrentes da Covid 19, mas de todo o estado de Santa Catarina.
2.4) REGIONALIZAÇÃO E DESCENTRALIZAÇÃO DAS
AÇÕES DE ENFRENTAMENTO À PANDEMIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA
O Estado de Santa Catarina, reconhecendo a situação de
emergência presente em todo o território catarinense, diante da expansão dos casos
de infecção por coronavírus, publicou, na trilha da legislação federal, consoante já
referido, os Decretos Estaduais n. 509/2020, 515/2020, 521/2020, 525/2020,
535/2020 e 550/2020, estabelecendo as medidas para o controle da pandemia em
Santa Catarina (restrições de atividades, serviços, circulação, entre outros).
O ato do Governo do Estado atualmente em vigor, é o Decreto
n. 562/2020, editado na data de 17 de abril de 2020, que compila as regras contidas
6nos Decretos antes referidos .
A redação original, porém, sofreu sucessivas alterações
promovidas pelos Decretos ns. 587/2020, 630/2020, 651/2020, 719/2020, 724/2020 e
740/2020, os quais, em especial o Decreto n. 630/2020, que, além de prever novas
medida de enfrentamento, impõe mudança significativa na condução da política
pública até então coordenada pelo Governo Estadual, destacando-se, nesse aspecto,
6
Decreto 525/2020, atualizado, disponível em: https://leisestaduais.com.br/sc/decreto-n-525-2020-santa-
catarinadispoe-sobre-novas-medidas-para-enfrentamento-da-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-
internacional-decorrente-docoronavirus-e-estabelece-outras-providencias
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consoante também referido acima, a regionalização das ações de enfrentamento da
pandemia, mediante compartilhamento das decisões e responsabilidades entre o
Estado e os Municípios, adaptando as medidas a serem adotadas, à realidade de
cada região, a partir de critérios técnicos e científicos.
Tal se deve, até mesmo porque os serviços de saúde funcionam
de forma regionalizada.
Sobre as Regiões de Saúde, o art. 7º do Decreto n. 7.508/2011,
que “Regulamenta a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a
organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a
assistência à saúde e a articulação interfederativa”, prevê que “As Redes de Atenção
à Saúde estarão compreendidas no âmbito de uma Região de Saúde, ou de várias
delas, em consonância com diretrizes pactuadas nas Comissões Intergestores”.
A regionalização e hierarquização do SUS é forma de garantir “o
acesso universal, igualitário e ordenado às ações e serviços de saúde” (art. 8º do
Decreto n. 7.508/2011) e cabe às Comissões Intergestores pactuar “a organização e
o funcionamento das ações e serviços de saúde integrados em redes de atenção à
saúde” (art. 30 do Decreto n. 7.508/2011), especificamente à Comissão Intergestores
Regional – CIR no âmbito das regiões de saúde, estrutura que está vinculada à
Secretaria de Estado da Saúde administrativa e operacionalmente (inc. III do art. 30
do Decreto n. 7.508/2011).
As redes de atenção organizam-se, portanto, de forma
regionalizada, o que permite afirmar que boa parte dos Municípios que integram a
região, não dispõe de prestador local de serviços de média e alta complexidade junto
ao SUS, bem como que os Municípios que fazem a gestão desse serviço não
atendem exclusivamente os próprios munícipes, mas, também a população dos
demais Municípios da região de saúde. Essa realidade precisa ser considerada no
planejamento das ações.
Ademais, conforme estudo elaborado pelo Núcleo de Inovação,
Estudos Territoriais e Inteligência Analítica – NIETTA da Defesa Civil de Santa
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7Catarina , as cidades são organizadas a partir de uma metodologia de hierarquia de
redes urbanas, o que gera interdependência em relações econômicas, sociais,
políticas, etc., que levam a deslocamentos diários de grande número de pessoas
dentro das regiões, seja para trabalhar, fazer compras, utilizar serviços, etc., em
especial considerando os Municípios de referência em determinado território. Essa
realidade também impõe considerar, no mínimo, a região como módulo territorial de
organização da política pública, dado que a transmissão do novo coronavírus decorre,
grosso modo, do contato entre as pessoas.
Como forma de subsidiar essa regionalização da política pública
e descentralização das ações, prevista através do Decreto Estadual nº 630/2020, o
8Estado disponibilizou ferramentas de apoio à tomada de decisão para acesso público .
A principal delas consiste em matriz de avaliação de indicadores de risco potencial na
gestão da saúde, que entrega análises das regiões de saúde. Para tanto, utiliza
indicadores que medem, em resumo, a propagação da doença e o impacto dela sobre
o sistema de saúde. Como resultado, as regiões são classificadas em quatro
diferentes níveis de risco potencial, e para cada um deles são indicadas orientações e
medidas a serem tomadas pela sociedade em geral, pelo setor privado, pela gestão
pública e pela gestão da saúde.
É preciso pontuar que a previsão do caput do art. 9º do Decreto
Estadual n. 630/20203, no sentido de que cabe “aos entes municipais a deliberação a
respeito do funcionamento de atividades públicas ou privadas em seus territórios”,
não tem o condão de afastar a corresponsabilidade e a competência do Estado, em
especial pelas medidas necessárias em âmbito regional, que decorre dos arts. 23, II,
e 24, XII, da CRFB, dos arts. 17, incs. II e IX, e 18, inc. II, da Lei n. 8.080/1990, do
Decreto n. 7.508/2011 e do art. 3º da lei n. 13.979/2020.
A responsabilidade pelas ações de saúde, consoante amplo
entendimento jurisprudencial que já foi trazido à baila, é solidária entre o Estado e os
municípios, sempre que desborda o interesse local. Se as ações e serviços de saúde
compõem uma rede regionalizada e hierarquizada, nos termos do art. 198 da
7
Disponível em: http://www.coronavirus.sc.gov.br/dinamica-de-propagacao/. Acesso em 20.8.2020
8 Disponível em: http://www.coronavirus.sc.gov.br/apoio-a-decisao/. Acesso em 20.8.2020.
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26 34de
Constituição da República e do art. 8º da Lei n. 8.080/1990, como visto acima e
reconhecido pela autoridade sanitária estadual, a partir da matriz que avalia
regionalmente o nível de risco potencial causado pela epidemia, não é lógico ou
eficaz que as medidas de enfrentamento sejam adotadas isoladamente pelos
municípios, desconsiderando-se essa regionalização dos serviços e ações de saúde.
Veja-se que a competência dos municípios para legislar sobre
matéria de saúde pública é apenas suplementar “sobre assuntos de interesse local”
(art. 30, inc. I, da CRFB). Por sua vez, o art. 24, inc. XII, dispõe que compete à União,
aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre “previdência social,
proteção e defesa da saúde”. O interesse regional, portanto, extrapola o interesse
local e desloca a competência legislativa para o âmbito estadual.
Também no plano material, de implementação da política
pública, o interesse regional atrai a responsabilidade estadual, nesse caso
compartilhada de forma solidária com os municípios.
A organização da política pública de saúde é ditada pela Lei n.
8.080/1990, que prevê, como responsabilidade dos Estados, dentre outras,
“acompanhar, controlar e avaliar as redes hierarquizadas do Sistema Único de Saúde
(SUS)” (art. 17, inc. II) e “identificar estabelecimentos hospitalares de referência e
gerir sistemas públicos de alta complexidade, de referência estadual e regional” (art.
17, inc. IX), o que ganha relevo no enfrentamento à COVID-19, se considerado que o
principal recurso demandado pelos doentes é o leito de internação, em especial de
UTI.
No contexto da regionalização das ações e dos serviços de
saúde, ao município compete “participar do planejamento, programação e
organização da rede regionalizada e hierarquizada do Sistema Único de Saúde
(SUS), em articulação com sua direção estadual” (art. 18, inc. II), o que deixa claro
que o planejamento, programação e organização da rede regionalizada é atribuição
da direção estadual do SUS, com a participação dos municípios. E essa articulação
das ações, nos termos do art. 14-a da Lei n. 8.080/1990, deve ocorrer por meio das
Comissões Intergestores.
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27 34de
Por fim, a Lei n. 13.979/2020 reforça essa corresponsabilidade
ao prever, no caput do art. 3º, que as medidas de enfrentamento da epidemia deverão
ser adotadas pelas diversas esferas de gestão, “no âmbito de suas competências”,
não delegando essa atribuição exclusivamente aos municípios.
Em suma, o Estado e os municípios devem atuar de forma
cooperativa e solidária na condução da política pública de enfrentamento à epidemia
no âmbito regional, pois se trata de competência de ambos adotar todas as medidas
que as evidências técnicas e científicas apontarem como necessárias para a proteção
da saúde pública de determinada região, a exemplo daquelas ditadas pela matriz de
risco potencial desenvolvida pelo próprio Estado de Santa Catarina, sob pena de
caracterização do erro grosseiro que pode ensejar a responsabilização por omissão
prevista nos arts. 1º e 2º da MP n. 966/2020.
Não se concebe, de outro lado, que cada município atue
isoladamente. As medidas sanitárias devem ser adotadas considerando, no mínimo, o
âmbito regional, em especial tendo em vista que um dos fatores que impacta
significativamente no enfrentamento da pandemia, é a capacidade do suporte
hospitalar aos doentes.
E o Município de Itapema, indo na contramão, editou decreto de
forma isolada e mais permissiva, autorizando as escolas particulares a utilizarem seu
espaço físico para atividades recreativas. Ou seja, no momento em que o Estado de
Santa Catarina prorroga a suspensão das aulas presenciais até 12 de outubro, o
Município de Itapema, muito embora mantenha a suspensão das atividades
pedagógicas presenciais, permite a aglomeração de crianças e adolescentes no
espaço físico de escolas particulares, para a realização de "atividades recreativas".
2.5 ATUAL PANORAMA DA PANDEMIA NA REGIONAL FOZ
DO RIO ITAJAÍ, DA QUAL O MUNICÍPIO DE ITAPEMA É INTEGRANTE
Para deixar assente de dúvida o desacerto do Decreto Municipal
ora questionado, que vai de encontro a toda a lógica das normativas estaduais
editadas até o momento, assim como das normas regionais estabelecidas, é
importante trazer a baila o atual panorama da infecção humana pelo coronavírus na
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28 34de
Regional da Foz do Rio Itajaí.
Da matriz de avaliação de indicadores de risco potencial na
gestão da saúde, vê-se que a Regional da Foz do Rio Itajaí, na última atualização,
divulgada em 18.8.2020, pela nona semana consecutiva, está classificada como
9RISCO POTENCIAL GRAVÍSSIMO .
Diante dessa realidade, o Alerta COES (anexo 4) indica que
"para a região é necessário implementar e fiscalizar as ações propostas pelo Decreto
Estadual 785, de 07 de agosto de 2020, que suspende por 14 dias o acesso de
público às competições esportivas públicas ou privadas; cinemas, teatros, casas
noturnas, museus; a realização de eventos, shows ou espetáculos que acarretem
reunião de público; circulação de veículos de transporte coletivo urbano municipal e
intermunicipal; e a permanência de pessoas em espaços públicos de uso coletivo
como parques, praças e praias.
Sugere, ainda, aos Municípios desta região, que considerem
reduzir o tempo de funcionamento, adequação ou suspensão das seguintes
atividades:
• Bares e restaurantes de atendimento no local;
• Academias de ginástica e outros locais de realização de esportes coletivos;
• Shopping centers, galerias, centros comerciais e comércio em geral;
• Supermercados e lojas de departamento;
• Serviços públicos e privados que podem ser realizados de forma remota;
• Reuniões de qualquer natureza, de caráter público ou privado;
• Atividades relacionadas ao turismo;
• Cursos presenciais;
Tais sugestões são repassadas à Comissão Intergestora
Regional (CIR), a quem compete informar, posteriormente, ao COES, sobre as
medidas de contenção que serão tomadas pelos municípios que a compõem.
Já do Relatório Semanal COVID-19 - Período 3.8.2020 -
109.8.2020, produzido pelo CIGERD Itajaí em parceria com a REPEDfri , é possível
constatar que houve um crescimento de 9,8% dos casos confirmados e 12,5% dos
óbitos, na Regional da Foz do Rio Itajaí.
Segundo os dados da CIGERD Itajaí, até 9 de agosto de 2020,
9
Disponível em: http://www.coronavirus.sc.gov.br/gestao-da-saude/, acesso em 20.8.2020
10 Disponível em: http://libgeo.acad.univali.br/scosc/web/lista/getPDF/regiao/1/192, acesso em 20.8.2020
29. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporCARLAMARAPINHEIROMIRANDA.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00394217-0e
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1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itapema
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29 34de
foram confirmados 18.577 casos de COVID-19, 313 óbitos e 14.783 casos curados. A
letalidade da região é de 1,6%.
A cidade de Itapema apresentou o maior coeficiente de
mortalidade por 100.000 habitantes, com 61/100.000.
O Município de Itapema, consoante registra a tabela seguinte,
elaborada com dados fornecidos pela Coordenadoria Regional de Proteção e Defesa
Civil de Itajaí, registra os seguintes números relativos a COVID-19:
Semana Casos
Confirmados
Confirmados
Atuais (Ativos)
Recuperados Óbitos Monitorados
(Suspeitos)
20/04 - 26/04 14 6 7 1 58
27/04 - 03/05 20 5 14 1 49
04/05 - 10/05 23 2 20 1 52
11/05 - 17/05 36 2 23 1 64
18/05 - 24/05 54 25 28 1 81
25/05 - 31/05 66 25 40 1 96
01/06 - 07/06 76 16 59 1 81
08/06 - 14/06 81 8 72 1 66
15/06 - 21/06 123 35 86 2 85
22/06 - 28/06 195 79 112 4 189
29/06 - 05/07 368 181 179 8 280
06/07 - 12/07 563 259 292 12 327
13/07 - 19/07 848 416 414 18 432
20/07 – 26/07 959 492 449 18 515
27/07 – 02/08 1370 525 821 24 526
03/09 – 09/08 1728 615 1080 33 546
A linha de proliferação da doença, seja em casos ativos ou,
infelizmente, em óbitos, nesta cidade, é crescente. A taxa de óbito é de 11,9%.
Analisando-se as informações postadas diariamente pelo
11Município de Itapema em seu sítio eletrônico , constatou-se que no mês de agosto
de 2020, não obstante uma queda, os atendimentos no Centro de Triagem COVID-19
continuam a ser consideráveis.
Nesse sentido, é a informação mais atualizada divulgada pelo
Município de Itapema (20.8.2020):
11 Disponível em: https://www.itapema.sc.gov.br/portal-covid19/, acesso em 20.8.2020
30. EstedocumentoécópiadooriginalassinadodigitalmenteporCARLAMARAPINHEIROMIRANDA.Paraconferirooriginal,acesseositehttp://www.mpsc.mp.br,informeoprocesso08.2019.00394217-0e
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O Município, infelizmente, atingiu a triste marca de 51 óbitos
desde o início da pandemia. Ao todo, 2509 casos confirmados da doença. Desses, 15
pacientes estão internados, sendo que 9 ocupam leitos de UTI. Outros 527
moradores seguem em isolamento, sendo monitorados. Há 43 casos em análise.
O aumento dos casos nesta cidade é diário. Mesmo assim, a
Prefeita Municipal optou por adotar medidas menos restritivas, que colocam em risco
a vida, não só das crianças e dos jovens itapemenses, como da população de um
modo geral.
Não se pode deixar de mencionar que o "Modelo Epidemiológico
- Relatório 06 - COVID-19" (anexo 5), elaborado pelo Governo do Estado, datado de
18 de agosto de 2020 (que utilizou os dados do boletim do dia 16/08/2020), continua
prevendo o crescimento acelerado do número de óbitos no Estado ao longo das
próximas 4 semanas.
Esse estudo é realizado semanalmente pelo Núcleo Intersetorial
de Inteligência de Dados COVID-19. O modelo epidemiológico vem sendo um dos
elementos de análise da condução da política pública. Desse estudo são extraídos o
Rt (velocidade de transmissão da doença) que embasa a matriz de avaliação de risco
por região.
Por meio desse estudo, são feitas projeções das estimativas do
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número total de infecções diárias e do índice de transmissibilidade a partir dos óbitos,
bem como os cenários de projeção de óbitos diários e semanais para até 4 (quatro)
semanas.
Os resultados dos testes apontam estimativas de casos, óbitos,
e Rt (velocidade de transmissão da doença) em 3 possíveis cenários de óbitos para
até 4 semanas.
O modelo desta semana foi calibrado no dia 18.8.2020 com
dados fornecidos pelo Governo de Santa Catarina através da Plataforma BoaVista,
contabilizando um total de 1.797 óbitos até o fechamento do boletim do dia 16.8.2020.
Considerando o tempo de incubação do vírus (~5 dias), e que os
óbitos acontecem 18,66 dias após os primeiros sintomas, a curva de óbitos de hoje é
reflexo dos contágios de 2-3 semanas atrás.
As projeções para o Estado de Santa Catarina indicam a
totalização de aproximadamente 3.200 óbitos até 6.9.2020, e, aproximadamente,
4.000 em 13.9.2020, em todo o estado
O índice de transmissibilidade pode ser encarado como uma
aritmética de velocidade de propagação da doença. Se o Rt estiver acima de 1, isso
indica uma tendência de aumento exponencial no número de infectados e,
consequentemente, de óbitos, nas próximas semanas. Quanto maior o Rt, mais
rápido o vírus irá se espalhar na população.
O Rt de todos os cenários indica a tendência de aceleração
exponencial da circulação do novo coronavírus no Estado.
A taxa de contágio calculada nesta semana para a Foz do Rio
Itajaí é de 1,13 (cenário 1 - melhor), 1,23 (cenário 2 - intermediário) e 1,32 (cenário 3 -
pior). Na prática, isso significa o quão rápido a doença ainda está se espalhando por
aqui, o que fulmina a possibilidade de adotar-se medidas menos restritivas, ainda
mais por um único Município, de forma isolada, desconsiderando toda a realidade
municipal, regional e estadual.
Em resumo, as medidas implementadas pelo Decreto
Municipal nº 68/2020 não estão nem sequer próximas daquelas recomendadas
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pelo COES, sem que se tenha explicitado os fundamentos que sustentam essa
tomada de decisão.
Ou seja, não se apresentou qualquer novo estudo ou análise
justificando a adoção da prefalada medida, em especial se, diante do quadro
evidenciado, é seguro permitir a aglomeração de crianças e adolescentes
dentro de unidades escolares particulares, ao argumento de ali estarem sendo
realizadas “atividades recreativas”. Sequer o impacto dessa medida, decretada
pelo município, foi estimada.
Muito embora o que se vai dizer agora seja óbvio, mas o fato é
que o que se está evitando, com a suspensão das atividades pedagógicas
presenciais, não são as atividades em si, mas o contato entre os alunos, a
aglomeração deles. Sendo assim, não faz nenhum sentido, permitir-se a
reabertura das escolas particulares, o que gerará a aglomeração de crianças e
adolescentes, para a realização de atividades ditas recreativas.
3) ANTECIPAÇÃO DE TUTELA
Sendo relevante o fundamento da demanda, e havendo
justificado receio de dano irreparável, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente,
mesmo antes da citação do requerido. É o que dispõe o art. 300 do Código de
Processo Civil, sendo requisitos para a sua concessão: (i) a probabilidade do direito;
(ii) o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo.
A probabilidade do direito repousa no descumprimento de
medidas de observância compulsória por parte do Município requerido, em especial
porque o Estado mantem as atividades escolares presenciais integralmente
suspensas, situação esta que vigia até 07 de setembro próximo, e que agora, com a
edição da Portaria Conjunta nº 612/2020 SED/SES, de 19.08.20, foi prorrogada até
12 de outubro. Assim, não poderia o requerido ter editado norma com previsões
menos restritivas. Isso, sem falar na interpretação equivocada da Portaria nº 391 da
Secretaria Estadual de Saúde, consoante nota oficial editada por referida Secretaria,
em conjunto com a Secretaria de Estado da Educação, transcrita na presente peça.
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33 34de
O perigo de dano, por sua vez, decorre da própria natureza da
demanda, que corre no contexto de reconhecimento de pandemia pela Organização
Mundial da Saúde (OMS), de emergência de saúde pública em território catarinense.
O ato questionado, ao autorizar a aglomeração de crianças e
adolescentes em escolas particulares, certamente fará aumentar ainda mais o
número de casos da COVID-19, já tão elevado no Município de Itapema e no Estado
de Santa Catarina, causando, por conseguinte, impacto significativo na taxa de
ocupação hospitalar e também incremento do número de óbitos..
Presentes, portanto, na hipótese vertente, os pressupostos que
autorizam a concessão liminar de antecipação dos efeitos da tutela (art. 300 do CPC).
Registre-se, é notório, diante da transmissão comunitária
registrada em território catarinense e já em várias outras unidades da Federação, que
a eficácia das medidas de contenção e distanciamento social depende de sua
observância absoluta de forma imediata.
A tutela pleiteada é, portanto, condição imprescindível para
evitar irreversível perecimento do direito difuso à saúde.
4) REQUERIMENTOS:
Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DE SANTA
CATARINA, requer, sem oitiva prévia da parte requerida:
a) o recebimento desta Ação Civil Pública;
b) concessão da TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA,
INAUDITA ALTERA PARS, com fulcro no art. 300 do Código de Processo Civil, a fim
de que sejam imediatamente suspensos os efeitos do Decreto Municipal n. 68, de
14 de agosto de 2020, porquanto, menos restritivo que a legislação estadual que trata
da matéria, e editado com base em interpretação equivocada da Portaria nº 391 da
Secretaria de Estado de Saúde;
c) a aplicação da medida de cautela, com fulcro no art. 297 do
Código de Processo Civil, de ampla divulgação da decisão que conceder a tutela
de urgência, na forma do item acima epigrafado, em veículo de comunicação
impresso ou eletrônico, de circulação municipal, e também no sítio eletrônico da
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Prefeitura Municipal de Itapema, e nas mídias sociais da requerida, a fim de que se
promova ampla divulgação à sociedade quanto às finalidades pedagógicas e
dissuasórias que a situação de emergência de saúde pública exige, ressaltando o
cumprimento das medidas restritivas estabelecidas pelo Decreto nº 562/2020;
d) expedição de ofício à Polícia Militar, Polícia Civil, Conselho
Municipal de Saúde, Vigilância Sanitária Municipal, notificando-os da decisão liminar
proferida, para que fiscalizem seu cumprimento, noticiando nos autos, mediante
relatório, se ocorreu, observando, inclusive, que o não atendimento acarreta ao
infrator a prática dos crimes previstos nos artigos 330 e 268, ambos do Código Penal;
e) fixação de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais)
por dia de descumprimento, podendo ser ampliada em reforço à eficácia da decisão
mandamental;
f) que valha a decisão antecipatória como mandado, garantidos
os meios de sua execução, inclusive mediante requisição de apoio de força policial;
g) a intimação da requerido para que se dê cumprimento à
liminar, citando-a, garantida ao Oficial de Justiça a prerrogativa do art. 212, § 2º, do
Código de Processo Civil;
h) a produção de todas as provas em direito admitidas,
especialmente documental e testemunhal;
i) ao final, a integral PROCEDÊNCIA desta ação, para tornar
definitivas as medidas acima pleiteadas, enquanto perdurarem as medidas de
isolamento social e de restrição à circulação e locomoção de pessoas, promovidas
pelo Poder Público, em razão da pandemia do Covid-19.
Em razão do caráter inestimável do objeto da presente ação,
atribui-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais)
Termos em que, requer e aguarda deferimento.
Itapema/SC, 20 de agosto de 2020.
Assinado conforme art. 1º, §2º, III, "b", da Lei nº 11.419/2006
Carla Mara Pinheiro
Promotora de Justiça