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  1. Almada Negreiros Almada Negreiros, Teatro da República, Lisboa, 1917 Nascimento 7 de Abril de 1893 Trindade (São Tomé e Príncipe) Morte 15 de Junho de 1970 (77 anos) Lisboa Nacionalidade Portugal português José Sobralde Almada Negreiros GOSE (Trindade, SãoTomé e Príncipe, 7 de Abril de 1893 — Lisboa, 15 de Junhode 1970) foi um artista multidisciplinar portuguêsque se dedicou fundamentalmente às artes plásticas (desenho, pintura, etc.) e à escrita (romance, poesia, ensaio, dramaturgia), ocupandouma posiçãocentral na primeira geração de modernistas portugueses1 . Almada Negreiros é uma figura ímpar nopanorama artísticoportuguês doséculo XX. Essencialmente autodidata (não frequentouqualquer escola de ensinoartístico), a sua precocidade levou-oa dedicar-se desde muito jovem ao desenhode humor. Mas a notoriedade que adquiriunoiníciode carreira prende-se acima de tudo com a escrita, interventiva ouliterária. Almada teve um papelparticularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuiçãopara a dinâmica do grupoligadoà Revista Orpheu, sendoa sua ação determinante para que essapublicação não se restringisse à área das letras. Aguerrido, polémico, assumiu um papel central na dinâmica do futurismoem Portugal:"Se à introversão de Fernando Pessoa se deve o heroísmo da realização solitária da grande obra que hoje se reconhece, ao ativismo de Almada deve -se a vibração espetacular do «futurismo» português e doutras oportunas inte rvenções públicas, em que era preciso dar a cara"2 . Mas a intervençãopública de Almada e a sua obra não marcaram apenas o primeiro quartel do século XX. Ao contráriode companheiros próximos comoAmadeode Souza-Cardosoe Santa-Rita, ambos mortos em 1918, a sua ação prolongou-seaolongode várias décadas, sobrepondo-se à da segunda e terceira geraçãode modernistas3 . A contundência das suas intervenções iniciaisiria depois abrandar, cedendo o lugar a uma atitude mais lírica e construtiva que abriucaminhopara a sua obra plástica e literária da maturidade. Eduardo Lourenço escreve: "Estranhoarcode vida e arte o que une Almada «Futurista e tudo», Narcisodo Egiptoda provocante juventude, ao mago herméticocerto de ter encontrado nos anos 40, «a chave» de si e do mundo no «número imanente do universo»"4 . Almada é também umcasoparticular nomodocomose posicionou em termos de carreira artística. Esteve em Paris, como quase todos os candidatos a artista então faziam, masfê -lo desfasado dos companheiros de geração e por um períodocurto, sem verdadeiramente se entrosar com o meio artísticoparisiense. E se Parisfoi para ele pouco mais do que um ponto de passagem, a sua segunda permanência noestrangeiro revelou-se ainda mais atípica. Residiu em Madrid durante vários anos e o seuregressoficou associadoà decisãode se centrar definitiva e exclusivamente em Portugal. Ao longoda vida empenhou-se numa enorme diversidade de árease meios de expressão – desenho e pintura, ensaio, romance, poesia, dramaturgia… até o bailado –, que Fernando de Azevedo classifica de "fulgurante dispersão"5 . Semse fixar num domínioúnico e preciso, o que emerge é sobretudo a imagem do artista total, inclassificável, onde o todo supera a soma das partes. Também neste aspetoAlmada se diferencia dos seus pares mais notáveis, Amadeode Souza-Cardosoe FernandoPessoa, cuja concentraçãonumterritórioúnico, exclusivo, foi condição necessária à realização das obras máximas que nos deixaram como legado. Personalidade incontornável, a inserção de Almada Negreiros na vida e na cultura nacionais é extremamente complexa;segundoJosé AugustoFrança, dele fica sobretudoa imagem de "português sem mestre" e, também, tragicamente, "sem discípulos"1 . Almada Negreiros nasceuna Roça da Saudade, freguesiada Trindade, São Tomé e Príncipe, a 7 de Abril de 1893. Foi o primeirofilho de AntónioLobode Almada Negreiros, tenente de cavalarianatural de Aljustrel, administrador do
  2. Concelhode São Tomé, e de sua mulher Elvira Sobral de Almada Negreiros, uma mestiça com fortuna paterna natural dessa ilha e que morreu em 1896. Os primeiros anos da sua infância forampassados em SãoTomé. Em 1900 o seu pai é nomeado encarregado doPavilhãodas Colónias na ExposiçãoUniversal de Paris;Almada e o seu i rmão Antóniosãointernados noColégioJesuíta de Campolide, Lisboa, onde irãoresidir até à extinção do colégio, em 1910, na sequência da implantação da República6 7 . 1911–1919 Revista Portugal Futurista, 1917 Papagaio Real, 7 Abril 1914 Depoisde uma breve passagem pelo Liceude Coimbra, em 1911 Almada matricula-se na Escola Internacional, na Rua da Emenda, Lisboa, que frequenta até 1913. Ainda em 1911 publica os primeiros desenhos e caricaturas; no ano imediato redige e ilustra de forma integralo jornalmanuscritoA Paródia (reproduzido a copiógrafo na própria escola)e expõe na I Exposiçãodos Humoristas Portugueses (do ano de 1912 conhece-se colaboraçãoartística da sua autoria no jornal do Porto A Bomba8 ).7 Expõe individualmente pela primeira vez em 1913, na Escola Internacional, apresentando90 desenhos;estabelece contacto com FernandoPessoa na sequência da crítica à exposição que este publica em A Águia. Nesse mesmo ano participa na II Exposiçãodos Humoristas Portugueses;colabora como ilustrador em jornais;escreve a sua primeira obra poética;prepara o primeiro projetode bailado(O sonhoda rosa);desenha o primeiro cartaz (Boxe). No ano seguinte colabora como diretor artístico no semanário monárquico Papagaio Real9 . Em 1915 escreve a novela A Engomadeira (publicada em 1917) e o poema A Cena doÓdio(publicado parcialmente em 1923);colabora noprimeiro númeroda Revista Orpheu e publica o Manifesto Anti-Dantas e por extenso, por ocasião da estreia da peça de teatroSoror Mariana Alcoforadode JúlioDantas, reagindo indiretamente às críticas negativas desse conhecidomédico e escritor à Revista Orpheu (também na revista luso -brasileira Atlântida10 surgem, neste período inicial, reproduções artísticas da sua autoria).11 Em 1916 participa na exposição da Galeria das Artes de José Pacheko (1885 – 1934), com receção crítica ambivalente. Troca correspondência com Sonia Delaunay, entãoa residir com o seu marido Robert Delaunay em Vila doConde, redigindo esboços para poemas e bailados;projeta exposições– nunca realizadas –, em Barcelona e Estocolmo, com Amadeode Souza-Cardoso, EduardoViana, Sonia e Robert Delaunay12 . Nesse mesmoanopublica o manifestode apoioà I Exposição de Amadeode Souza -Cardoso, em Lisboa, tornando-se num dos primeiros defensores da sua obra em territórionacional. Nas palavras de Almada, "Amadeo de Souza -Cardoso é a primeira Descoberta de Portugal na Europa no século XX"13 . Nessa época Almada convive ativamente com Santa- Rita (1889-1918), pintor que proclamava ter sido encarregue pessoalmente por Marinetti de difundir emPortugal os manifestos do futurismo;essa aliança irá impulsionar o períodoáureodo futurismoportuguês. Em 1917 realiza, noTeatro da República, a conferência Ultimatum Futurista às Gerações Portuguesas doSéculo XX;nesse mesmoanocolabora noúniconúmero da revista Portugal Futurista e publica a novela K4 O Quadrado Azul. Faz também um pacto com Amadeo e Santa -Rita em que todos se comprometem a estudar os Painéisde São Vicente de Fora, de NunoGonçalves, embora sóAlmada vivesse para o fazer. Influenciado pela vinda recente dos Ballets Russesde Diaghileva Lisboa, em1918 lidera o grupode bailadode Helena CasteloMelhor, colaborando em produções de algum amadorismonasquais é argumentista, coreógrafo, figurinista, diretor de bailado e, por vezes, bailarino14 . 1919–1932[editar código-fonte] Nome de Guerra, 1925 (publicado em 1938) Em 1918 a dinâmica da arte portuguesa mais avançada é abalada pelamorte prematura de Santa- Rita e Amadeo, deixandoAlmada ainda mais isolado. No anoseguinte parte para Paris, no momento em que o radicalismo das vanguardas históricasé apaziguadopelos apelos generalizados de regressoà ordem que surgem na sequência do fim da Primeira Guerra Mundial. Será sobretudoum tempo de desencontros:"Procurei os artistas avançados. Fiquei amigode vários, mas […] nãoapareceununca o motivo que juntasse nomesmo ideal a minha arte e a de cada um
  3. deles"nota 1 . Em Paris exerce simples atividades de sobrevivência (dançarino de cabaret, empregado de armazém…);desenha, também, e escreve o poema emprosaHistoire du Portugal par Coeur (publicada mais tarde na Revista Contemporânea), onde revela a "aquisição de uma consciência nacional aomesmotempomítica e lírica, que irá nortear a sua obra futura e com a qual ele resistirá à desilusão de Paris"15 . Almada regressa a Portugalem 1920. A sua primeira intervençãosignificativa após o regresso é a conferência A Invençãodo Dia Claro(1921), que marca uma alteração de atitude da sua parte : "Almada abandonou a sua agressividade anterior, para se concentrar na atitude construtiva, que, sendofortemente determinada, era também subtilmente inspirada pelomais elevadolirismo"16 . Ainda em 1920 expõe na III Exposição dos Humoristas. Ao longodos anos subsequentes colabora em diversos jornais e revistas, do Diário de Lisboa e Sempre Fixe à Contemporânea, publicandocapas, desenhos humorísticos, textos e ilustrações;realiza capas de livros e revistas; participa comoconvidadona Exposiçãodos Cinco Independentes (SNBA, Lisboa, 1923);em 1925 escreve o romance Nome de Guerra (publicado em 1938);realiza obraspara a Brasileira doChiado (1925) e para o Bristol Club (1926), em Lisboa;estuda os painéis de SãoVicente, de NunoGonçalves, e publica no Diário de Notícias A questão dos Painéis; a história de um caso de uma importante descoberta e do seu autor (1926)17 18 . Parte para Madrid em Março de 1927, cidade onde irá participar na tertúlia intelectual do Café Pombo e, sobretudo, viver num meiointelectual e artístico em efervescência. Durante os anos que se seguemescreve El Uno, tragédiade la Unidad, um conjuntode duas peças dedicadoà sua futura mulher, SarahAfonso, que inclui:Deseja-se Mulher (publicado em 1959 e representado pela primeira vez em 1963) e SOS (2.º ato publicado em 1935). Colabora com capas e desenhos emjornais e revistas;e realiza decorações murais (Cidade Universitária, cinema San Carlos, etc.), que sãoo primeirosinal de um extensotrabalhoartísticoem articulaçãocom a arquitetura 1932–1970 Vitral, Igreja de Nossa Senhora de Fátima, 1934 Caderno Sudoeste, nº 1, 1935 Almada regressa definitivamente a Lisboa em 1932. Embora de convicções monárquicas (foi diretor artístico do Papagaio Real em1914;e talvez tenha pertencido, juntamente comAmadeo, Eduardo Viana e Santa -Rita, entre outros, a um grupomonárquicointituladoGrupo doTavares20 ), anos depois verifica -se uma aproximação aos ideaisdo EstadoNovo, desde logo através da sua apologia antecipada do nacional ismo – que Eduardo Lourenço apelida de "pré-fascizante" nota 2 . Mas há outros indícios dessa aproximação:logoem1933 Almada cria o cartaz políticoVotai a Nova Constituição;realiza um selo coma frase de Salazar Tudo Pela Nação (1935) e é nomeado Procurador à Câmara Corporativa (1965)22 . "De qualquer modo, a subordinação da arte à política repugnava inteiramente a Almada:o seuprotestoaoMarinetti académicofascista, quando veio a Lisboa em 32, trazido por Ferro, traduz a sua independência fundamental. Em nome dela, o pintor, que expusera noSalão de Inverno de 32, depoisna UPem 33 [exposição individual] participaria nos «Independentes» de 36 e nãonosalão oficial de 35 ou nos anos seguintes, mantendo-se [até 1940] à margem da iniciativa do SPN/SNI e da sua política artística"23 . Em 1934 casa-se com Sarah Afonso e em 1935 nasce o seu primeiro filho, José. Nesse mesmo ano publica os cadernos Sudoeste (3 números:Junho, Outubro, Novembro), onde são incluídos textos seus e que no terceiro número serve de ponto de encontro de colaboradores da Orpheue da Presença. Ainda em 1934 realiza os primeiros estudos para os vitrais da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, dandoinício à colaboração com o arquiteto Pardal Monteiro. Até ao final da década dedica-sea uma multiplicidade de atividades:executa pinturas;publica desenhos, ilustrações, poesias, ensaios e romances;realiza conferências e palestras;colabora com frescos e vitrais emdiversos edifícios, entre os quais o pavilhãoda Colonizaçãoda Exposição do Mundo Português e o edifício do Diário de Notícias, Lisboa, projetado por Pardal Monteiro24 . Selo de correio, 1935 Em 1941 o Secretariado de Propaganda Nacional organiza a exposição Almada – Trinta Anos de Desenho, assinalandoum momentode viragem na percepçãopública da sua obra. Perante o sucesso da exposição, Cottinelli Telmo escreveria, numa carta aberta aoartista:"Hoje és o Almada de sempre, apenascom a diferença de seres o
  4. Almada aceite, o Almada compreendido. […] O que se criou foi o hábitonovode te considerarem, emvez dohábito antigo de descreremde ti, de te temerem, de te não tomarem a sério"25 . A partir desse momentoirá participar em iniciativas doSPN, de que até aí se tinha distanciado:ainda em 1941, e em 1942, participa respetivamente na 6.ª e na 7.ª Exposição de Arte Moderna, vencendo o Prémio Columbanoem 1942. Em 1943 projeta cenários para a ópera Inês de Castro, de Ruy Coelho (Teatro Nacional de São Carlos, Lisboa); nesse mesmo ano realiza estudos preparatórios para as pinturas murais da Gare Marítima de Alcântara, que concretizará in loco entre 1945 e 1947, e em 1946 inicia a execução dos murais da Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos que termina em 1948 (ambos os projetos de arquitetura de PardalMonteiro). Em 1946 vence o prémio Domingos Sequeira na I Exposição de Arte Moderna de Desenho e Aguarela, SPN/SNI26 . Em 1952 expõe individualmente na Galeria de Março (exposiçãoinaugural dessa galeria)e participa na Exposiçãode Arte Moderna (Lisboa). Dois anos mais tarde pinta a primeira versão de Retrato de Fernando Pessoa para o restaurante Irmãos Unidos. Em 1957 participa na I Exposição de Artes Plásticas da FundaçãoCalouste Gulbenkian, sendo galardoadocom um prémio extra concurso. Ainda dentroda colaboraçãocom Pardal Monteiro, entre 1957 e 1961 realiza grandes painéis decorativos para as fachadas de vários edifícios da Cidade Universitária de Lisboa(Faculdade de Direito;Faculdade de Letras;Reitoria)27 . Em 1960 dá uma série de entrevistas, publicadas no Diáriode Notícias, onde de algummodo encerra o seu "itinerárioespiritual"28 e retoma a questãoda reconstrução do Painéis de SãoVicente de Fora;em 1963 expõe na Sociedade Nacional de BelasArtes, emLisboa, e nesse mesmo ano é alvo de homenagempor ocasiãodo seus eptuagésimoaniversário, sendopublicada a primeira monografia sobre a sua obra, da autoriade José Augusto França. Encomendas e atividadesdiversas preenchemos anos finais, entre as quais se destacamas tapeçarias para a Exposição de Lausana, para o Tribunal de Contas e para o Hotel Ritz, Lisboa;uma série de gravurasem vidroacrílico (1963) e cenários para o Auto da Alma, de Gil Vicente, no Teatro Nacionalde São Carlos, a sua última participaçãono teatro29 . Foi condecorado como grau de Grande -Oficial da Ordem Militar de Sant'Iagoda Espada a 13 de Julho de 196730 . Em 1968-1969 realiza o painel Começar, para o átrio doedifício sede da FundaçãoCalouste Gulbenkian, Lisboa. Em Julhode 1969 faz a sua derradeira intervenção pública, participando no programa televisivo Zip-Zip29 . Morre em Lisboa, a 15 de Junhode 1970, no mesmoquarto doHospital de SãoLuís dos Franceses, no Bairro Alto, em que faleceu Fernando Pessoa27 . Artista multifacetado, a obra de Almada reparte-se por áreas muito diversas. De todas a mais constante foi o desenho, para o qualmostrou vocaçãoainda muitojovem, durante a frequência Colégio Jesuíta de Campolide. Datam desses anos os trabalhos apresentados na sua exposiçãoindividualde 1913. Assinalando a "futilidade das coisas" sobre as quais Almada se focava nessas caricaturas e desenhos humorísticos, e o "talentoincerto"do jovem autor, a crítica de Fernando Pessoa referia-se já, lucidamente, ao"polimorfismoda sua arte"nota 3 . A evolução de Almada é rápida;a ingenuidade das primeiras produções em breve evolui para uma "consciência gráfica com possibilidadesde originalidade";e em trabalhos dos anos imediatos começam a vislumbrar-se traços do seu grafismo futuro, "firme e elegante"31 . Sem jamaisse submeter (antes ou depois) às regras da representação académica ouaogostonaturalista ainda dominantes em Portugal, a sua forma de desenhar personalizada, caracterizada através da "clareza do poder expressivo da linha sinteticamente elástica e definitiva" está presente em desenhos de 1917 onde regista impressõesdas atuaçõesdos Ballets Russes emLisboa32 . A partir da estadiaem Madrid (1927-1932), o seu desenhoatinge "novos rigores de apontamentovisuale estilização, quer pelalinha quer pelo sombreado"33 . Para o entendimento doartista totalque foi Almada Negreiros, é necessárioassinalar a distânciaque separa, nesses primeiros anos, a sua obra plástica – que então quase se circunscrevia a caricaturas e desenhos de humor, marcados pela influência de CristianoCruz34 , e a pinturas decorativas para a Alfaiataria Cunha em 191312 –, e a sua participação na vanguarda artística portuguesada época, que se realizou acima de tudoatravés da palavra. De facto, embora declaradamente futurista em textos de diversa ordem, Almada jamais se aproximou das opções do futurismonasartes plásticas (nãohá nada que o identifique minimamente com as obras de GiacomoBalla, Umberto Boccioni ou GinoSeverini)e sóbastantes anos maistarde incorporouelementos doidioma cubista – aocontráriode Santa-Rita ouAmadeoque estabeleceram, logonoiníciodos anos de 1910, durante estadias prolongadas emParis, formas de sintonia com as vanguardas da época35 36 . A estadia emParisem 1919-1920 marca, neste aspeto, um pontode viragem. Com a sua "confessada admiraçãopor Picasso", a partir da década de 1920 Almada aproxima-se do neoclassicismo, em figuras femininas maciças ou
  5. arlequins, para depois assistirmos à utilizaçãofrequente de deformações e deslocações anatómicas(evocativas da vertente surrealizante de Picasso) e, finalmente, à assimilação das descobertas do cubismo sintético. Almada aproxima-se assimdas viasprincipais da obra de Picassonoperíododo pós-guerra, explorando a expressividade das linhas e planos, e através da conjugaçãofrequente de estilos contrastantes(que Picasso utilizava separadamente)37 . Retrato de Fernando Pessoa, 1954, óleo sobre tela, 201 cm x 201 cm Se o desenhoautónomoé uma constante doseupercursoartístico, a pintura não o ocupa ao longo dos anos de forma tãoregular. Mais desenhador doque pintor, na pintura de Almada será sempre o desenho a desempenhar a principal funçãoestruturante:"Com efeito, as pinturas que realizoude modo esparsoaolongoda sua carreira têm o desenho como elemento constitutivo, sendo es te que coordena a distribuição discreta das cores"32 . Na década de 1920 Almada acompanha a renovaçãodo gosto que ocorre nas artes gráficas e a emergência de valores mundanos, cosmopolitas. É neste "ambiente de modernidade comedida"que irãosurgir encomendas para o café A Brasileira e o Bristol Club. Autorretrato num grupo, 1925, é uma das duas pinturas de Almada para A Brasileira. Este retrato coletivo marca a época dos cenáculos intelectuais, tal comoaparecem noromance Nome de Guerra, que Almada começoua escrever nesse mesmoano. A outra pintura para A Brasileira, mais claramente devedora de Picasso, apresenta-nos duas banhistas, sentadasna praia, comos novos fatos de banhofemininos de calção curto. Para o Bristol Club a opção é diversa, quase ums imples desenho, apenas levemente colorido, onde Almada representa uma mulher nua, de corpoesguioe cabelocurto cortado à garçonne, olhando-se num pequeno espelho38 . O regressode Madrid coincide com uma nova inflexãona pintura de Almada. Em 1932 também MárioEloyregressa a Lisboa e os dois artistas estabelecem contacto. Esta foi talvez uma dascausaspara melhoriado sentidode cor em Almada, embora as opções na utilização da matéria pictórica os diferenciem claramente – tinta espessa e consistente emEloye mais suave em Almada. Decisiva para a sua evolução formal e temática foi a proximidade e posterior casamento com Sarah Afonso. Almada pintará Duplo Retrato, 1934-36, onde aparecem ambos, e Maternidade, 1935, que celebra o nascimentodo seu filho Jos é e onde se revela uma maturidade cromática adquirida, provavelmente, através do exemplo próximo de Eloy e Sarah39 . Esparsa, intermitente, a sua produçãopictórica culmina na década de 1940 com os muraispara as gares marítimas projetadas por Pardal Monteiro, onde realiza "grandes sínteses" de toda a sua pesquisa plástica40 . A partida dos emigrantes, c. 1948, tríptico (painéiscentral e lateral direito), Gare Marítima da Rocha do Conde de Óbidos, Lisboa Em todas as suas intervençõesem espaços arquitetónicos Almada trabalha em espaços pré-definidos, que não escolheu, e a sua intervenção é eminentemente a do decorador. Para ele, "a decoração participava necessariamente nessa tarefa única de que se incumbira desde os anos 20 – a descoberta dos painéis de Nuno Gonçalves e dos elementos fundamentais para entender a «Relação9/10»"41 (esta é a relaçãoestabelecida entre a arquitrave e a cornija doTesouro dos Atenienses emDelfos ounodesenhode um vaso de Susa do quarto milénio a.C., e também nodesenho de Leonardo da Vinci «Figura Superflua Exerrore»42 . Nas intervenções iniciais da colaboração comPardal Monteiro (igreja de NossaSenhora de Fátima e Edifício do Diário de Notícias), Almada insere-se em contextos arquitetónicos que enriquece cuidadosa e equilibradamente. Nas gares algo diferente acontece;"a decoração sobrepôs-se e a arquitetura é estreitocorpopara aquelaimensa alma que adquire força não apenas pelacapacidade de transposiçãomítica dodestinoe da história da cidade, mas, como teria que ser, pelo manejo da linguagem pictórica que, no casoda Rocha, assume o pós-cubismodo momentoeuropeu com um rigor de composiçãoe de usoque lhe garante o estatuto de [nas palavras de José Augusto França] «obra -prima da pintura portuguesa da primeira metade do século»"43 . Na Gare Marítima de Alcântara, Almada fazainda um compromissocom certa "ideologia decorativa" e socorre -se de formas de representaçãoe de uma espacialidade mais ancoradas na tradição. Este ciclode obras divide -se em dois trípticos – no primeiro é abordada a lenda da NauCatrineta;no outro, a vida da Lisboa ribeirinha –, e duas composições isoladas, onde representa uma festa de romaria e a lenda de D. Fuas Roupinho. De modo diferente e mais moderno, em sintoniacom a evoluçãoda linguagem cubista que então se registava noOcidente, na Rocha do
  6. Conde de Óbidos Almada fala-nos, num dos dois trípticos, da partida dos emigrantes; no outro centra -se num imaginário de domingo lisboeta à beira rio44 . Considerados por muitos comoas melhores pinturas murais portuguesas e o trabalho mais importante da pintura de Almada, o conjuntode painéis da Gare Marítima da Rocha doConde de Óbidos é significativo de uma espécie de diluiçãoinvoluntáriadas fronteirasentre pintura e ilustração. Estes painéis reúnem, em síntese, a sua atividade plástica anterior. Essa síntese ocorre a nível formal, com a frontalidade e fragmentaçãocubistas a fundirem-se com reminiscências da espacialidade tradicional, perspética, e a acentuação da teatralidade das poses e da ação; e narrativo, coma recorrênciade imagens provenientes de trabalhos anteriores45 . Em Almada, as citações, as transposições e as redefinições sãoaliás frequentes, e não se restringem ao universodas artes plásticas (segundo Rui Mário Gonçalves, Almada aproxima-se de um processoexplorado por Picassona pintura, por Diaghilevnos seus bailados, por Stravinskyna música, por JeanCocteau na poesia e teatro). "Muitas vezes, as diversas artes que ele praticou foram-se citando umas às outras e a si próprias, retomandodesenhos antigos em novas composições"16 . Os elementos narrativos e formas que atravessam a sua obra são sobretudo as pessoas, dos saltimbancos e arlequins às mães com os filhos, às mulheres do povo;sãotambémos lugares que todos eles habitam, a cidade com os seus cafése tascas, as zonasribeirinhas de Lisboa e os seus portos, povoados de guindastes, escadas, navios...46 . Começar, 1968-69, pedra gravada, átrio de entrada, edifício-sede da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa Retrato de FernandoPessoa, 1954 (de que realizouuma 2.ª versão, simétrica, em 1964), é outra das suas obras mais significativas;embora de mododiverso, Almada aproxima-se douniversoformal e da ambiguidade espacial dos muraisdas gares marítimas. "Pessoa é figurado […] sentado noMartinho da Arcada que frequentava, o nº 2 de Orpheu sobre a mesa:um homem frágil, de olhar míope, comoausente, dobradoa escrever, os pés cruzados, tal e qual uma figura de arlequim que Almada desenhara em 22"47 . Em 1957 realiza um grupode abstrações geométricas, a preto e branco, que expõe, nesse mesmo ano, na I ExposiçãoGulbenkian e que abrem caminhopara a obra mais importante da sua última fase, o painel em pedra gravada intituladoComeçar, 1968-69, para o átriodo edifício-sede da FundaçãoCalouste Gulbenkian em Lisboa. Neste grande «muro», "Almada reúne, nasquatro zonassolidárias da sua composição:a) um esquema gráfico da «relação9/10» com o pentagrama inscritona circunferência e um jogode retângulos emque o «número de ouro » se representa;b) a «Figura Superflua Exerrore» de Leonardo da Vinci, a circunferência dividida por estrela de dezasseis pontas, oupor metade delaem razão do corte a que a parede força a composição; c) as tábuas de Pitágoras, centro ao mesmo tempo exato e emblemáticode toda a composição gravada;d) o desenvolvimento de uma rede complexa de traçados que culmina na determinaçãodo «pontode Bahutte», ponto «colocado no círculo e encontradono quadrado e no triângulo», que já fora motivo de um dos quadros da série exposta em 1957"48 . Na obra de Almada é difícil separar com precisãoa escrita propriamente interventiva da escrita literária;se novelas como A engomadeira, Saltimbancos e K4 O QuadradoAzul têm um poder inventivo distinto da imediaticidade provocatóriados célebres Manifesto Anti-Dantas, UltimatumFuturista às Gerações Portuguesas do Século XX e Cena do Ódio, "liga-os uma mesma obstinação de comunicação direta, através de uma consciência, então rara, da simbologia social da linguagem". Composta por textos de natureza e função aparentemente diversa, como A Invençãodo Dia Claro, O Menino d’Olhos de Gigante, Nome de Guerra, Direção Única ou peças teatrais como Deseja-se Mulher, a escrita de Almada é, afinal, unitária no seu discurso afirmativo. "Entre o ver e a visão, o simbolismo parabólicoe o pragmatismocoloquial, numa escrita solar da ordemda comunicaçãopública. Mesmo os seus textos teórico-políticos, reunidos sobo títulogenéricoVer, nãose afastamde uma fusão «impossível» entre discursodireto e discursosimbólico, numa espécie de vontade limite de uma escrita inclassificável ou de uma linguagem – Almada"49 . Manifesto Anti-Dantas, 1915 Em 1915 Almada Negreiros escreve a novelaA engomadeira (publicada em 1917) onde, segundo José Augusto França, encontramos umsistema imaginativo"pré-surrealizante"; escreve também o poema A cena do Ódio e
  7. colabora no primeiro númerode Orpheu. Nesse ano a sua escrita interventiva tem umprimeiropontoalto. Almada reage aoacolhimentonegativo à publicação dosegundonúmero da revista Orpheu, e utiliza o conhecido médico e escritor JúlioDantas como símbolodas posiçõesmais retrógradas. O pretexto imediato é a peça de teatro Soror Mariana Alcoforadodeste autor, aoqual responde como Manifesto Anti-Dantas e por extenso, onde escreve com veemência: "BASTA PUM BASTA! UMA GERAÇÃO, QUE CONSENTE DEIXAR-SE REPRESENTAR POR UM DANTAS É UMA GERAÇÃO QUE NUNCA O FOI! É UM COIO D'INDIGENTES, D'INDIGNOS E DE CEGOS! É UMA RÊSMA DE CHARLATÃES E DE VENDIDOS, E SÓ PODE PARIR ABAIXO DE ZERO! ABAIXO A GERAÇÃO! MORRA O DANTAS, MORRA! PIM!"6 50 Em 1916 escreve Mima Fataxa (publicado em 1917 na revista Portugal Futurista). No anoseguinte realiza, noTeatro da República, a conferência polémica Ultimatum Futurista às GeraçõesPortuguesas do Século XX, "uma diatribe escandalosacontra a situação mental e social dopaís"51 onde afirma o seudesejo de participar na construção do futuro e proclama repetidamente a necessidade de criar a pátriaportuguesa doSéculo XX, contra a decadência de um país preso na saudade e que estava, nas suas próprias palavras, "a dormir desde Camões"52 . Em Almada, o gostode transgressão, a provocação, a invetiva, são a sua forma pessoal de se libertar da cela de prisão, "cela íntima, mas igualmente cela e cena do mundo português enquanto mundo amorfo, sonambúlico, confinadona devoção de umpassado imaginário, ou absorvido na doçura piegas do presente, mundo que é necessário acordar, restaurar e sobretudo inventar como um «dia claro», liberto das famosas «brumas da memória»"21 . Ainda em1917 colabora noúniconúmero de revista PortugalFuturista (a apreensão da revista pelapolícia terá sido motivada pelainclusãoda novela de Almada Saltimbancos, considerada obscena por falar de cavalos a cobrir éguas) e publica a novela K4 O Quadrado Azul14 . Com estas obras originais de 1915-1917, "ferozesde conceçãoe de estilo, se definemas possibilidades maiores do futurismo nacional – sensacionistamente, simultaneistamente…"53 . Marcados por uma determinaçãode agitador, os anos iniciais da vida artística de Almada são decisivos. A sua utilizaçãoda comunicaçãopública através da palavra, doriscoe dogesto, que manipulava num "formalismo ou estilo de provocação modernista", irá tornar-se num vetor caracterizador e estruturante da sua obra54 . O Manifesto Anti-Dantas é, nesse sentido, emblemático de uma atitude que iria perdurar. "Almada adere com estridência e vulgaridade aoseupresente, e através dele ao presente europeude estrita vontade de provocação que foi o futurismo. O «futurista e tudo» de Almada nãoé pirueta de escola, é o seu bilhete de identidade e a ele ficou fiel, noessencial, durante toda a vida. […] O gostodoescândaloe da provocação, tantosocial como cultural, não tinha grandes tradições ente nós. Almada Negreiros amalgamará um como outro. […] A provocação de Almada, contrariamente à de Álvaro de Campos, será sempre direta e de mero âmbito português. É uma provocação com nomes próprios e gente conhecida, segundoum dos conselhos da a gressão futurista. É, em sentido figurado e próprio, a «estética do soco» cara a Marinetti"55 . "Não se busque em Almada como em Álvarode Campos, […] qualquer lógica profunda ouvontade de ser coerente na invetiva. É a poética da invetiva que de si mesmo se alimenta, mesmoquando traduz com génio um gesto ou uma atitude comraízes na realidade. É aí que o efeitoprovocador manifesta a sua força e aomesmotemponos dá a festa modernista por excelência, essa mistura entãonova e sempre surpreendente doparadoxoarbitrário, já tão próximo da futura poética surrealista do «non-sens»"56 . A chave diz: faltam duas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves, 1950 O regressode Paris em 1920 associa-se a uma nova postura. Por certo sensível aos apelos de regresso à ordem da cena internacional, e convicto agora de que umartista nãodeve estar longe da sua pátria, veremos uma atitude mais construtiva tomar o lugar da contestaçãovirulenta. Um lirismoaté aí desconhecidona sua escrita atravessa a Invençãodo Dia Claro, 1921, em particular uma daspartes maisdivulgadas desse texto, A Flor, alusivoao desenho infantil. QuandoAlmada leu o texto nesse mesmoano, o público, habituado aoseuestiloprovocatório, de início ria a despropósito, masfoi-se silenciandoao tomar consciência da seriedade e da profundidade daquela prosa poética57 .
  8. A mudança de atitude não significará apenasum distanciamentode si próprio, masuma rutura com o derrotismo dos «Vencidos da Vida» e com o estilotrocista de Eça de Queiroz:daí para a frente, "Não mais pilhérias sobre o povo português, nem autopiedade". Em Nome de Guerra, 1925, Almada faz mesmo uma opção de fundo diametralmente oposta à de Eça emA Capital:"enquantotoda a trama de A Capital procura atingir um dos seu s momentos escandalosos na denúncia,como prostituta de alta -roda, da mulher amada idealisticamente pela personagem principal, Antunes de Judithencontra noseuconvíviocom uma prostituta a coragem de lutar pela vida";nãosendo umlivroautobiográfico, Nome de Guerra é, noentanto, um livro de aprendizagem, onde o autor se encontra a si próprio, comopoeta original, "tentandoreaver a inocência, e mantendo a alegria como força vital única, pessoale intransmissível"57 . Encontramos aqui ecos da vanguarda novelística francesa da época, "na atmosfera comum de ansiosa descoberta de um estilo novo de viver exigidopela ética livre ou libertada do pós - guerra"58 . Durante a permanência emMadrid (1927-1932), Almada escreve o dípticoEl Uno, tragédia de la Unidad – tragédia documentalda coletividade e doindivíduo –, que integra Deseja-se Mulher (publicadoem1959 e representadopela primeira vezem 1963)nota 4 e SOS (2.º atopublicadoem1935), que lhe completa o sentido;em ambas brilha uma «imagerie» epocal e a reflexão sobre as dimensõesindividuale coletiva. A fórmula aritmética «1+1=1» (aparecida anteriormente a ilustrar a «Histoire duPortugal par coeur», 1922, entãodesenhada dentro dum coração), traduz aqui "esse duplo movimento de oposiçãoe de comunhão que, noamor como na vida, representa a ideia de Almada de uma unidade final e necessária. Representa também uma ideia «política», […] ideia de «Direção Única» que se casará com o «Super-Estado» de Raul Leal, dentrode um ideárioespeculativo nascido nos anos da experiência futurista. Mais uma vez Almada pensava noseupaís à distância;emtermos líricos de confissãoem Paris, emtermos de especulaçãoideológica em Madrid"59 . Ao regressar a Lisboa em 1932, Almada realiza a conferência Direção Única, onde defende, para além doindivíduoe da coletividade, a globalidade necessária numa inter-relação que se quer dinâmica e sintética;"O êxitoobtidopeloconferencista foi equívoco ouequivocadonummomentode crise da vida ideológica portuguesa;e Almada, que nãopodia servir nenhuma das fações nem confundir a «direção única» que protagonizava coma que a conjuntura política [doEstadoNovode Salazar] impunha, viria a insistir no papel do artista na sociedade";emnova conferência, noanoseguinte, "arvorava a independência dos artistas em face da «Política do Espírito» protagonizada por António Ferro"60 . Já distanciadoda atitude polémica e agressiva inicial, nos anos trinta irá teorizar questões relativas ao estatuto do artista;será ele o único a reivindicar esse estatutopara si próprio, de forma explícita, nas conferências Arte e Artistas e Cuidado coma Pintura. Almada "retoma o termorenascentista «architecttore» comosinónimode artista, isto é, de autor que constrói umuniverso cujocentro é «o espaço preenchido pelo corpo de um homem!» Deste modo, a arte era para Almada uma forma de conhecimentoindividuale nunca uma profissãoou ofício. […] A arte é um todo e o artista um tudo"61 . Em 1950 publica A chave diz:faltamduas tábuas e meia de pintura no todo da obra de Nuno Gonçalves. Almada imagina as tábuasinscritasnuma ordem cujosentido se revelou primeiramente aos gregos como incarnação sensível dodivino nouniverso, estabelecendo pontes entre tempos diversos:"Para o futurista dos anos 17 chegou o tempo de perceber o elo secreto que une «o automóvel à Vénus de Milo»"62 . Nessemesmoanofazduas palestras na BBCde Londres (publicadas depoissobo título «Theleon e a Arte Abstrata»), onde retoma as questões da geometria ordenadora, das regras numéricas, para se focar agora na abstração. O «Théleon», ou o «número perfeito» (mencionadoanteriormente na legenda dofundo doautorretrato simbólico de 1948 – col. CAM, FCG), transformar-se-ia no seuespíritoem«regra única da cultura universal» (é essa a ideia defendida em A chave diz...)63 . O teatro ocupa um lugar central na obra de Almada. As suas primeiras peças datamde 1912, e a última de 1965. Na totalidade da sua produção nesta área, pode destacar Deseja-se Mulher de 1928, espetáculo em três atos e sete quadros, onde efetua uma rutura coma narrativa teatral naturalista, através de uma escrita fragmentária, onde retoma a não-açãoà Ésquilo, "para deixar a ação incólume para cada um, assim colocando o expectador dentro do espetáculoà semelhança de A Engomadeira, Saltimbancos e K4 O QuadradoAzul". Mas emAlmada, a importância do teatro não se restringe aos textos, cenografias e figurinos que foi realizandoaolongo dos anos, com maior ou menor eficácia;na sua obra "o teatro é uma espécie de tecidodérmico[…]. Há uma constante disseminação de efeitos de palcoem toda a sua atividade. Os gestos e as posesteatraisdas figuras representadasnos seus desenhos e pinturas. O registocenográfico dassuaspinturas murais". E nãosó, pois no «Universo-Almada» o personagem central foi sempre ele próprio. "Sendo Almada o único personagem desse Universo, como a sua obsessiva
  9. autorrepresentaçãoevidencia, é sempre através da presença docorpoque aquele se manifesta. Corpode ator que comunica através dogestoe da voz", seja para representar o seu Ultimatum Futurista, vestidode operário, nopalco do Teatroda República, seja fotografando-se nuem posesde herói grego, seja, já de idade avançada, no programa de televisão Zip-Zip, "onde revelava as capacidades mediáticas do grande ator que sobretudo fo i"64 .
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