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Frederico Mourão Bernis
O ARQUITETO DESPACHANTE
A participação do arquiteto na produção habitacional de massa
Belo Horizonte, MG
Escola de Arquitetura da UFMG
2008
 
 
Frederico Mourão Bernis
O ARQUITETO DESPACHANTE
A participação do arquiteto na produção habitacional de massa
Dissertação apresentada ao Curso de Mes-
trado da Escola de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção de título de
Mestre em Arquitetura.
Área de concentração: Teoria e Prática do
Projeto de Arquitetura e Urbanismo
Orientador: Silke Kapp
Escola de Arquitetura da UFMG
Belo Horizonte, MG
Escola de Arquitetura da UFMG
2008
 
AGRADECIMENTOS
Meus pais, pelo apoio incondicional.
Fe, por estar sempre comigo.
Flávio, Sílvio e Michelle, por me possibilitarem
a realização deste trabalho.
Silke, por contribuir de verdade.
A todos vocês, muito obrigado.
 
RESUMO
No cenário atual, projetar habitações é tarefa que o arquiteto realiza com pouca
autonomia, uma vez que a produção habitacional está subordinada a uma série
de fatores. O objetivo do presente trabalho é investigar essa limitada participa-
ção do arquiteto na produção habitacional de massa no Brasil, entender suas
causas e suas conseqüências na vida das pessoas. Como tarefa inicial, a pro-
posta será apresentar fatos vivenciados na minha atuação profissional, inicial-
mente como estagiário e depois como arquiteto, e que foram responsáveis pelo
surgimento das questões acerca da participação do arquiteto na produção habi-
tacional de massa que aqui se pretende discutir. Em seguida, pretende-se evi-
denciar que essa produção habitacional de massa está subordinada a uma sé-
rie de fatores que regulam o processo de concepção das habitações, limitando
o trabalho do arquiteto a tarefas burocráticas: Código de Obras, Lei de Parce-
lamento, Ocupação e Uso do Solo, aplicação de sistemas de padronização de
processos, estratégias de marketing e necessidade do lucro para o investidor.
Finalmente, será proposta desse trabalho discutir a existência de um descom-
passo entre o discurso do campo arquitetônico e a vontade do habitante.
 
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 – Conjunto Habitacional Bosque dos Jacarandás......................................18
FIGURA 2 – Plantas parecidas ...................................................................................21
FIGURA 3 – Solução preferencial para o banheiro. ....................................................39
FIGURA 4 - Residencial Bologna Life: Implantação....................................................43
FIGURA 5 – Residencial Bologna Life: Planta do Apartamento. .................................43
FIGURA 6 – Residencial Parque Merindiva: Planta do Apartamento. .........................44
FIGURA 7 – Residencial Parque Merindiva: Implantação...........................................44
FIGURA 8 – Fachadas................................................................................................45
FIGURA 9 – Cláusula de contrato de financiamento da Caixa Econômica Federal.....50
FIGURA 10 – Bosque dos Jacarandás: Vista aérea....................................................51
FIGURA 11 – Bosque dos Jacarandás: Planta apto. 2 quartos...................................52
FIGURA 12 – Bosque dos Jacarandás: Placa de advertência. ...................................52
FIGURA 13 – Material publicitário do Residencial Merindiva ......................................59
 
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................. 6
2. ARQUITETURA COM BARREIRAS .......................................................... 14
2.1 A imagem do arquiteto ........................................................................ 15
2.2 Espaço inflexível ................................................................................. 18
2.3 Projetos Idênticos................................................................................ 19
3. ARQUITETURA FAST-FOOD ................................................................... 22
3.1 Código de Obras ................................................................................. 24
3.2 LPOUS................................................................................................ 26
3.3 Necessidade do lucro.......................................................................... 32
3.4 Padronização ...................................................................................... 33
3.5 Existência Mínima ............................................................................... 42
3.6 Marketing ............................................................................................ 54
3.7 Faça você mesmo: Manual de Projeto................................................ 62
4. O CAMPO BIPOLAR ................................................................................. 67
4.1 Capital Simbólico ................................................................................ 68
4.2 Arquitetos x Habitantes ....................................................................... 71
4.3 Capital Simbólico na Produção em Série............................................ 75
4.4 O ensino de Arquitetura ...................................................................... 77
4.5 Arquiteto + Habitante .......................................................................... 81
5. CONCLUSÃO............................................................................................ 85
6. REFERÊNCIAS ......................................................................................... 90
7. ANEXO A................................................................................................... 95
8. ANEXO B................................................................................................... 97
9. ANEXO C................................................................................................. 101
SISTEMA DA QUALIDADE............................................................................ 102
 
 
 
 
1. INTRODUÇÃO
 
7
O forte crescimento da construção civil está turbinando o resul-
tado das empresas que operam no setor. Os balanços semes-
trais das principais construtoras mineiras com atuação nacional
mostram o vigor de um segmento que vem sendo impulsionado
principalmente pelo crédito farto.
A MRV anunciou ontem lucro líquido de R$ 117,5 milhões nos
seis primeiros meses do ano – um crescimento de 381,8% em
relação a igual período de 2007. Já a Tenda apresentou lucro
líquido de R$ 42 milhões e receita operacional de R$ 321 mi-
lhões, alta de 583%. Ambas atuam com foco em moradias cu-
jos preços variam de R$ 60 mil a R$ 130 mil, justamente o
segmento mais irrigado pelo crédito. (PAIVA, 2008, p.22)
A produção habitacional de massa no Brasil encontra-se hoje num momento de
grande crescimento devido a algumas mudanças no cenário econômico do pa-
ís. A diminuição da taxa de juros, aliada à estabilidade da economia e ao
aumento do crédito imobiliário ao longo dos últimos anos tornou o mercado i-
mobiliário atraente para investidores que antes aplicavam seus recursos em
outros setores. Com mais pessoas tendo acesso fácil ao crédito imobiliário e
maior prazo para pagamento das parcelas, a demanda por unidades habitacio-
nais aumentou de maneira substancial. Esse “boom imobiliário” tem significado
um importante aumento da produção e oferta de imóveis, em todas as faixas de
renda.
De acordo com pesquisa feita em abril de 2008 pelo Instituto de Pesquisas
Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais – IPEAD, o número
de unidades habitacionais vendidas em Belo Horizonte aumentou de 502 no
primeiro trimestre de 2006 para 1.185 no primeiro trimestre de 2008 (ANEXO
A). Tal aumento no número de vendas, entretanto, ainda parece estar longe de
significar a saturação do setor. Em virtude da ainda pequena participação do
crédito imobiliário no PIB nacional, em torno de 2%, um percentual muito baixo
se comparado a outros países que já passaram por momentos semelhantes,
pode-se afirmar que a trajetória ascendente da produção habitacional de
massa ainda não atingiu seu ápice:
Um exemplo sempre citado é o do México, cuja participação
entre os anos de 1995 e 2004 saltou de 1% do PIB para 11%,
8
ou a Espanha, que passou de 19% para 44% em sete anos, e
o Chile, que embora tenha tido um crescimento mais modesto,
atingiu a expressiva marca de 17% do PIB no ano de 2004.
(MAIA NETO, 2007, p.2)
Esse cenário de intensa construção e venda de novas moradias modifica rapi-
damente a cidade. Casas antigas dão lugares a novas torres de apartamentos
em 18 meses. Lotes vagos são ocupados por conjuntos habitacionais. Bairros
inteiros são reconstruídos em pouco tempo, enquanto outros novos vão surgin-
do. É a produção habitacional como indústria, transformada em oportunidade
lucrativa e modificando o espaço urbano em alta velocidade.
Para alguns arquitetos e críticos de arquitetura, esse tipo de produção em série
que tem como critério primordial de seleção o sucesso econômico não pode ser
qualificada como arquitetura. Para Gutman1
(1983) apud Stevens (2003), o úni-
co domínio da arquitetura seria o projeto dos “grandes edifícios monumentais
de projeção”, ou seja, “templos, palácios, bibliotecas e prefeituras”, “museus,
universidades, edifícios governamentais e sedes de corporações”, pois, segun-
do ele, estas são as edificações que representam os “valores supremos de
uma civilização”.
Uma abordagem um pouco menos radical que a de Gutman foi sugerida por
Coelho (2002, f.8). Para ele, as habitações produzidas em série são:
[...] edifícios desprezados pela arquitetura oficial, que na falta
de um termo mais adequado continuam a ser chamados de ar-
quitetura, com alguns adjetivos acrescentados: “ordinária”, “co-
tidiana”, “de mercado”, comercial ou mesmo arquitetura imobili-
ária.
Não chamar de arquitetura esses edifícios parece boa estratégia para livrar os
arquitetos da responsabilidade de participação na construção da cidade. Exa-
                                                           
 
1
GUTMAN, Robert. Architects and Power, The Natural Market for Architecture. Progressive
Architecture,. p.40. dez. 1992
9
tamente para ir de encontro a esse tipo de postura apática é que este trabalho
partirá de outra definição de arquitetura, mais adequada à intenção que aqui
será preconizada: combater a impassibilidade do arquiteto no que diz respeito
à produção habitacional de massa e suas conseqüências na modificação do
espaço urbano:
Proponho que se entenda por arquitetura todo espaço modifi-
cado pelo trabalho humano. Essa definição exclui paisagens
naturais ou cavernas intocadas e inclui quaisquer paisagens ar-
tificiais e construções de toda espécie, sejam elas precedidas
por projetos ou não, sejam concebidas por profissionais espe-
cializados ou não. Em princípio, não cabe aqui nenhuma distin-
ção entre arquitetura e construção, nem tampouco entre as es-
calas de edifícios, cidades e paisagens. (KAPP, 2005, p.116)
Partindo dessa definição e contrariando aqueles que removem à força a produ-
ção habitacional de massa do âmbito da arquitetura, faz-se necessário lembrar
que produzir casas em série não é uma idéia recente e teve, em seu nascimen-
to, fundamental contribuição de arquitetos.
Esse modo de produzir habitações ganha força a partir do surgimento da cida-
de industrial, e já marcava presença no discurso de Le Corbusier desde 1923.
Em seu livro Por uma Arquitetura, publicado naquele ano, o arquiteto sugere a
indústria de automóveis como modelo possível para a produção de habitações.
Partindo da premissa de que “todos os homens têm as mesmas necessidades”,
Corbusier indica um caminho para solucionar econômica e socialmente o pro-
blema da produção habitacional: tender para um estabelecimento de padrões
que viabilizasse o emprego mínimo de meios, mão de obra e matéria, alcan-
çando o máximo rendimento. Construir a casa como se fabricava o carro. (Le
Corbusier, 1989, p.89)
A produção habitacional que se tem hoje, em 2008, é a consumação, levada ao
extremo, dessa industrialização da construção. A padronização como solução
para diminuir os custos e aumentar o lucro deu origem ao chamado “projeto
10
padrão”, que vem sendo construído na cidade em larga escala. Um mesmo
projeto para todo mundo, com raras exceções.
Nesse cenário, uma figura parece perdida: o arquiteto. A partir do momento
que toda a produção habitacional de massa gira em torno de alguns poucos
projetos padrão já estabelecidos a priori, o trabalho do arquiteto parece desne-
cessário, dispensável. Ora, se o projeto já existe, se já está pronto, para quê o
arquiteto?
No que diz respeito às discussões relativas à questão habitacional, o arquiteto
passou a profissional desimportante, relegado à mera solução pragmática de
questões burocráticas. Contratado pelas construtoras, sua tarefa agora consis-
te apenas em auxiliar na aprovação dos tais projetos padrão nas prefeituras e
nos demais órgãos onde porventura seja necessário aprová-los, além de algu-
mas outras tarefas de caráter meramente prático. É o arquiteto que, como um
despachante, agiliza o serviço e torna “legal” o projeto padrão que mais tarde
ele próprio irá contestar.
Isto porque, em seu discurso, os participantes do campo da arquitetura2
são
claramente contrários ao projeto desses empreendimentos imobiliários. Erguem
sua bandeira contra o pragmatismo exagerado, “desumano”, da cidade e dos
edifícios que estão sendo construídos em decorrência da padronização que
tem como único fim o sucesso rápido no mercado imobiliário.
[...] edifícios e cidades perdem sua capacidade de formar-nos e
transformar-nos, tornam-se “pragmáticos”, “financistas”, “estilis-
tas”, “burocráticos” ou “cronistas sociais”, a reboque do empíri-
co mais banal e vil, do utilitarismo das relações sociais e eco-
nômicas, do espetacular e bombástico das formas e técnicas
                                                           
 
2
O conceito de campo é discutido por Garry Stevens em seu livro “O Círculo Privilegiado”. Par-
tindo da abordagem do sociólogo Pierre Bourdieu ele define campo como sendo um “conjunto
de instituições sociais, indivíduos e discursos que se suportam mutuamente”(STEVENS, 2003,
p.90).
11
reluzentes nas páginas das revistas, sobretudo especializadas,
mas que carecem de um projeto de ser humano e portanto de
todo sentido e Humanismo. (BRANDÃO, 2005, p.50)
Nos dias de hoje é evidente o fracasso de uma arquitetura que
recorreu sistematicamente à padronização e à pré- fabricação
em série, isto é, à progressiva industrialização da produção de
todo tipo de objetos relativos à vida cotidiana. (VELLOSO,
2007)
O que se tem, portanto, é uma situação esquizofrênica. Ao mesmo tempo em
que condenam abertamente a produção padronizada de habitações em massa,
os arquitetos continuam a participar, mesmo que passivamente, e a legitimar
essa produção que tanto criticam. Como se não tivessem alternativa, como se
fossem obrigados a aceitar uma situação da qual discordam, mas contra a qual
nada podem fazer. Uma produção habitacional como essa, que tem como prio-
ridade o lucro e em torno dele é estruturada, dispensa a participação crítica dos
arquitetos. Alienados do processo decisório, parecem restar-lhes apenas duas
opções: realizar o serviço burocrático proposto ou não participar. E quem sofre
as conseqüências é o habitante. Pois é ele quem consome em larga escala
esta casa-produto tão condenada pelo campo da arquitetura. Tem-se, deste
modo, um descompasso entre o discurso do campo arquitetônico e a realidade
da produção habitacional de massa legitimada pelos arquitetos.
Partindo desses paradoxos, essa pesquisa tem como intenção compreender o
processo que culminou nessa produção habitacional de massa caracterizada
pela participação burocrática do arquiteto e pela disseminação de projetos pa-
drão. Tal discussão parece bastante oportuna no momento atual da construção
civil do país, em que a produção de moradias se dá em ritmo tão acelerado. O
objetivo é conseguir entender se o arquiteto tem outra possibilidade de atua-
ção, além da burocrática, nessa produção habitacional tão intensa que signifi-
ca, em conseqüência, também a construção da cidade. Afinal, caso se conclua
ao final da pesquisa tratar-se de profissional realmente dispensável ou impo-
tente, cujos esforços serão sempre vãos, aqui será defendido o seu afastamen-
to declarado dessa atuação como mero despachante das grandes construtoras
12
ou, no mínimo, uma mudança no discurso. E, aí sim, a volta do seu empenho
para a concepção dos edifícios monumentais, artísticos e extraordinários.
O trabalho será organizado ao longo de três capítulos, de maneira que seja
possível entender a produção habitacional de massa que se tem hoje, anali-
sando criticamente o tipo de moradia que tem sido construída, o processo da
sua produção e a participação do arquiteto nesse processo.
O primeiro passo será apresentar dois momentos distintos de experiências vi-
vidas na minha atuação profissional, inicialmente como estagiário na obra de
um conjunto habitacional e posteriormente como arquiteto projetando edifícios
habitacionais para incorporadoras. A apresentação, neste trabalho, dessas vi-
vências, se justifica uma vez que foi a partir daí que começaram a surgir as
primeiras questões relacionadas à limitação da participação do arquiteto na
produção habitacional de massa, tema central dessa pesquisa, e as conse-
qüências disso na vida do morador.
No segundo capítulo, será apresentado o panorama da produção atual, por
meio da listagem e exame dos principais fatores que realmente influenciam no
projeto. Será objeto desta etapa a análise das interações do projeto com a Lei
de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo – LPOUS, o Código de Obras de
Belo Horizonte e as estratégias publicitárias, passando pelas certificações que
visam à padronização dos processos, até as interferências dos investidores em
busca da remuneração máxima de seu capital investido. Complementado este
passo, será avaliada a participação quase dispensável do arquiteto na concep-
ção desses empreendimentos imobiliários baseados num projeto padrão am-
plamente reproduzido na cidade e cuja arquitetura é ao mesmo tempo tão
combatida pelos arquitetos e tão consumida pelos habitantes.
Posteriormente, pretende-se abordar o distanciamento entre o discurso do
campo arquitetônico e a vontade do habitante. É necessário aqui entender por
que essa “arquitetura imobiliária” tão maldita pelo arquiteto é tão rapidamente
13
consumida pela cidade, a ponto de gerar atrativa lucratividade para construto-
ras, incorporadoras e investidores. E compreender se há para o arquiteto al-
guma alternativa a essa participação burocrática na produção de moradias.
 
   
14
 
2. ARQUITETURA COM BARREIRAS
15
2.1 A imagem do arquiteto
Em primeiro lugar, faz-se importante salientar que o cenário que neste capítulo
será descrito foi construído a partir de impressões pessoais coletadas desde a
experiência como aluno do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG até o
trabalho como arquiteto na área da produção habitacional de massa. Não se
trata, portanto, de panorama construído a partir de pesquisa ou estudo sistemá-
tico. Sua menção aqui se faz necessária porque tais impressões pessoais é
que foram, num primeiro momento, responsáveis pelo surgimento das questões
acerca da participação do arquiteto na produção habitacional de massa que
aqui se pretende discutir.
Algum tempo após ter ingressado, no segundo semestre de 1994, no curso de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal e Minas Gerais, comecei a
perceber uma situação incômoda: não parecia boa a imagem do arquiteto entre
os não-arquitetos. Ao apresentar-me como aluno de arquitetura, não raro ouvia
das pessoas que não eram arquitetas reclamações em relação à postura do
arquiteto. De maneira geral, alertavam-me a respeito de um comportamento
autoritário que seria compartilhado por grande parte da classe arquitetônica.
De acordo com minha observação ao longo do curso de arquitetura, para gran-
de parte dos clientes e pessoas que haviam contratado algum arquiteto, sua
imagem não era a do profissional cuja participação contribuía para a solução
das demandas propostas. Pelo contrário, freqüentemente o arquiteto era visto
como um dificultador, como alguém que buscava com freqüência impor vonta-
des suas que não coincidiam com a vontade do cliente. Tais vontades seriam
justificadas por um certo “gosto apurado” exclusivo dos arquitetos e inacessí-
vel, portanto, às pessoas de fora do campo arquitetônico. Chamou-me a aten-
ção a opinião que muitas pessoas tinham a respeito da relação entre arquiteto
e cliente: que esta se dava menos como parceria e mais como enfrentamento.
Além disso, como estagiário de escritórios de arquitetura, pude novamente
constatar em certas ocasiões juízos desfavoráveis à figura do arquiteto a partir
16
do contato não com clientes, mas com engenheiros e outros profissionais dire-
tamente ligados ao canteiro de obras. Para alguns desses profissionais, os ar-
quitetos desenvolviam seu trabalho de maneira arrogante ou desengajada ao
tomar as decisões de projeto de maneira isolada no conforto de seus escritó-
rios, totalmente desconectados das atividades do canteiro de obras. Na opinião
desses engenheiros, exatamente por causa desse distanciamento em relação
ao canteiro de obras, por não terem que se submeter às conseqüências dos
seus traços, os arquitetos não se ocupavam das implicações de suas próprias
decisões. Eram identificados, portanto, como profissionais que imaginavam
projetos que atendessem aos seus próprios anseios e que ao mesmo tempo
mostravam-se de difícil execução no canteiro de obras. Trata-se, portanto, de
cenário em que o arquiteto vai de encontro à vontade de clientes e engenhei-
ros, e a idéia de parceria e colaboração perde espaço para o confronto.
Ao mesmo tempo, era comum ouvir da maioria dos meus professores do curso
de Arquitetura e Urbanismo constantes reclamações acerca do trabalho do ar-
quiteto. De acordo com essas reclamações, clientes e engenheiros habitual-
mente “desrespeitavam” os projetos propostos pelo arquiteto, de maneira que o
espaço originado ficava sempre “aquém” daquele inicialmente imaginado. Em
resumo, o que se tinha era um cenário caracterizado pela presença antagônica
de arquitetos que reclamavam de clientes e engenheiros e, simultaneamente,
de engenheiros e clientes insatisfeitos com arquitetos. Enfim, um universo mar-
cado pela pouca colaboração entre as partes envolvidas.
Esse desencontro das idéias do arquiteto com as dos seus clientes abria espa-
ço para que outros profissionais disputassem esse mercado. Não por acaso, o
número de projetos solicitados aos arquitetos diminuía enquanto aumentava a
participação de decoradores e engenheiros nos serviços relacionados à arqui-
tetura. Esses profissionais, mais habilidosos no trato com seus clientes, carre-
gavam a fama de, ao contrário do que faziam os arquitetos, executar mais pre-
cisamente aquilo que o cliente desejava.
17
Não por acaso, em reportagem da Revista Veja (CAMPOS, 2003), o arquiteto
aparecia como profissional mais mal remunerado em comparação com várias
outras profissões: administradores de empresas, biólogos, analistas de siste-
mas, advogados, economistas, professores de educação física, enfermeiros,
engenheiros, geógrafos, jornalistas, licenciados em letras, matemáticos, médi-
cos, dentistas, psicólogos e publicitários, todos com dez anos de formados.
A arquitetura passa por uma fase difícil, com remuneração bai-
xa e taxa de desemprego elevada. Mesmo profissionais talen-
tosos ganham pouco após dez anos de formados. O mau mo-
mento se deve a uma relação umbilical entre arquitetura e
crescimento econômico. Se o país não cresce, a construção ci-
vil funciona devagar, e isso afeta diretamente o trabalho dos
arquitetos[...]. Atenção: há poucos empregos fixos nos grandes
escritórios de arquitetura. (CAMPOS, 2003)
Para a Revista Veja, portanto, os baixos salários dos arquitetos eram conse-
qüência da crise no mercado da construção civil. Entretanto, a mesma reporta-
gem aponta a engenharia como profissão destacada no cenário nacional, tendo
assumido “papel de destaque no mercado de trabalho” (CAMPOS, 2003). O
salário de um engenheiro com dez anos de profissão, de acordo com o levan-
tamento feito pela Revista, era maior que o dobro do salário de um arquiteto
com a mesma experiência. Significa dizer, então, que os engenheiros não teri-
am sofrido como os arquitetos as conseqüências da tal crise no mercado da
construção civil.
Para um futuro arquiteto, o que se desenhava era um panorama preocupante.
Em síntese, mostrava o arquiteto como profissional desvalorizado, seja pela
postura autoritária que originava constantes confrontos com seus clientes, seja
pelo desengajamento em relação às conseqüências do seu projeto na atividade
no canteiro de obras, seja pela perda constante de espaço no seu campo de
atuação para decoradores e engenheiros.
18
2.2 Espaço inflexível
Num primeiro momento, em busca de uma alternativa a esse desengajamento
do arquiteto na sua relação com a construção, tão criticado pelos engenheiros,
pareceu-me importante experimentar o trabalho no canteiro de obras. Em virtu-
de disso, ainda estudante de arquitetura, fui trabalhar como estagiário na obra
de um conjunto habitacional, um empreendimento da Construtora Tenda situa-
do em Betim, denominado Bosque dos Jacarandás. Eram 340 apartamentos
divididos em 17 torres de 5 andares, com 4 apartamentos por andar. Cada an-
dar composto por três apartamentos de 3 quartos e um apartamento de 2 quar-
tos, com área de 62 m2
e 50 m2
, respectivamente, incluídas as varandas (FIG.
01).
 
FIGURA 1 – Conjunto Habitacional Bosque dos Jacarandás
Fonte: Foto do Autor
O estágio na obra do conjunto habitacional foi interessante para trazer à tona
uma questão importante, um dos objetos de discussão desse trabalho: o des-
prezo à vontade do morador na produção habitacional de massa. Explico: era
tarefa minha, como estagiário, acompanhar durante a obra os futuros morado-
res em suas visitas aos apartamentos ainda em construção. Eram apartamen-
19
tos muito pequenos em que todas as paredes eram utilizadas como elemento
estrutural de suporte do edifício. De maneira que era vedada qualquer possibi-
lidade de reforma que significasse a retirada ou a modificação de alguma pare-
de.
Acompanhando-os em suas visitas aos apartamentos ainda em construção,
pude perceber que muitas vezes esses moradores só vinham a ter consciência
do real tamanho do apartamento nessas visitas à obra: não conseguiam ter
essa percepção apenas por meio da análise da planta. E ao perceberem o es-
paço diminuto de sua futura moradia, era comum que se confortassem imagi-
nando ou sugerindo um aproveitamento melhor do espaço a partir de modifica-
ções nas paredes internas que fossem ao encontro das necessidades de cada
um. Nesse momento, era obrigação minha alertá-los a respeito da proibição de
quaisquer modificações nas alvenarias sob pena de colocar em risco toda a
estrutura do prédio. Sendo assim, tive que presenciar por diversas vezes a
frustração desses futuros moradores quando informados dessa impossibilidade
de retirada ou modificação de qualquer parede. Também por diversas vezes fui
por eles questionado a respeito dos motivos que conduziam à adoção daquele
sistema estrutural tão impeditivo para o habitante.
2.3 Projetos Idênticos
Alguns anos depois, após concluir o curso de Arquitetura e Urbanismo, tive
contato com outra questão importante, tema central dessa pesquisa: a limita-
ção da participação do arquiteto na produção habitacional de massa. Pouco
tempo de trabalho na área de projetos foi suficiente para perceber que a con-
cepção de edifícios habitacionais está organizada em torno de uma série de
fatores preestabelecidos que impedem uma participação real do arquiteto. Par-
ticipação essa que não se resuma apenas à resolução de problemas burocráti-
cos. Na verdade, o tipo de trabalho que era valorizado pelos contratantes era
aquele realizado de forma rápida e pragmática, sem grandes questionamentos,
20
bem diferente da arquitetura ensinada nas escolas e tão valorizada entre os
arquitetos.
O que se via era uma série de fórmulas, leis e manuais de padronização que
deveriam ser obrigatoriamente obedecidos e limitavam o trabalho do arquiteto
ao mesmo tempo em que buscavam garantir, para o construtor, um produto
final (o edifício) padronizado. Tal constatação ficou ainda mais evidente quan-
do, pouco tempo após finalizar o projeto de um edifício de apartamentos de 4
quartos para a Collem Construtora, deparei-me com outro projeto com planta
quase idêntica, idealizado por outro arquiteto para Construtora Concreto. Assim
como num jogo dos 7 erros, ficava difícil para mim, autor de um dos projetos,
encontrar diferenças significativas entre uma planta e outra (FIG. 02).
Esse episódio evidenciou para mim a necessidade das construtoras e incorpo-
radoras de garantirem uma padronização do seu produto de acordo com cada
faixa de renda. Basta ampliar o olhar para além dessas plantas aqui demons-
tradas e perceber a pouca variedade entre os projetos disponíveis no mercado,
sempre levando em consideração moradias voltadas para uma mesma faixa de
renda. Além disso, fica enfatizada a eficiência dos já citados fatores que limitam
o trabalho do arquiteto em garantir a padronização e o controle da produção
desejado pelas incorporadoras. Faz-se necessário agora, portanto, esclarecer
quais são tais fatores e analisá-los, buscando com isso visualizar melhor o real
papel do arquiteto na produção habitacional de massa atual.
21
 
FIGURA 2 – Plantas parecidas: Collem Construtora (acima) e Construtora Con-
creto (abaixo).
Fonte: Collem Construtora e Construtora Concreto.
22
3. ARQUITETURA FAST-FOOD
23
De acordo com informações já apresentadas no capítulo introdutório deste tra-
balho, o atual cenário econômico do Brasil tem favorecido o crescimento da
construção civil. A questão da moradia deixou de ser assunto exclusivo do po-
der público para ganhar expressiva participação da iniciativa privada, que des-
cobriu nessa área grande oportunidade de multiplicação do seu capital.
O consumidor brasileiro hoje tem maior facilidade para adquirir imóveis, uma
vez que o crédito imobiliário se encontra mais acessível, com juros menores
que os praticados no passado recente, e com maior prazo para pagamento das
parcelas. Esse quadro propicia ao consumidor um planejamento de suas des-
pesas que em épocas de instabilidade econômica eram impensáveis, e que
resulta no aumento significativo da demanda por unidades habitacionais.
A formulação, pelo Governo Federal, de uma nova política habitacional que
aposta na construção civil como importante vetor de crescimento econômico
potencializou o setor. Medidas tomadas pelo governo atraíram para a constru-
ção civil investidores que logo puderam confirmar o potencial lucrativo do setor
habitacional. O resultado disso é o grande crescimento da produção de mora-
dias no Brasil e o conseqüente aumento da oferta de imóveis para a população.
Medidas para estimular o crédito imobiliário dinamizaram o se-
tor. A Lei Federal 10.391 /2004 deu maior segurança jurídica
para o financiamento; resolução de 2005 do Conselho Monetá-
rio Nacional obrigou os bancos cumprirem a exigência legal de
investir em habitação os recursos da poupança; como conse-
qüência destas medidas, 25 empresas imobiliárias abriram
seus capitais na bolsa, captando mais de 20 bilhões de dólares
no mercado de capitais. (BONDUKI, 2008)
Por uma série de razões que aqui serão discutidas, a participação do arquiteto
é bastante limitada nesse cenário de grande investimento no setor habitacional.
Da forma como ocorre hoje a produção habitacional de massa no Brasil, a par-
ticipação do arquiteto está obrigatoriamente subordinada a vários fatores esta-
belecidos a priori e sobre os quais o arquiteto tem pouca ou nenhuma influên-
cia: a legislação em vigor, a necessidade de maximização do lucro, o manual
24
de padronização de projetos fornecido pela construtora, os sistemas de gestão
da qualidade. Subordinada de tal forma que destina ao arquiteto a possibilidade
de participação apenas burocrática no processo.
Sendo assim, para poder analisar criticamente o papel do arquiteto nessa fabri-
cação sistematizada de moradias, será necessário entender como se dá sua
atuação no encontro com esses principais fatores que hoje balizam a produção
habitacional de massa e limitam o seu trabalho. A próxima etapa deste trabalho
será, portanto, a apresentação desses principais fatores acompanhada de uma
análise das suas conseqüências no trabalho do arquiteto e nos projetos de edi-
fícios habitacionais.
3.1 Código de Obras
O Regulamento de Construções da Prefeitura de Belo Horizonte foi instituído
pelo Decreto-Lei nº 84, de 21 de dezembro de 1940, quando o Prefeito da ci-
dade era Juscelino Kubitschek. A partir dessa data, “a licença para qualquer
construção, demolição, reforma, modificação e acréscimo de edifícios, ou suas
dependências, muros, gradis, balaustradas, depende de prévia aprovação, pela
Prefeitura, dos planos e projetos das respectivas obras” (BELO HORIZONTE,
2008a).
O texto do Código de Obras é “inteiramente pautado na monofuncionalidade
dos espaços” (KAPP, 2008), na lógica taylorista que divide o espaço em cômo-
dos de acordo com o uso e o tempo previsto para cada atividade. Cada função
dá nome a um cômodo. A cozinha para cozinhar, o dormitório para dormir, o
banheiro para tomar banho. O espaço é dividido de acordo com suas funções.
Segue abaixo um trecho do texto para que se possa entender melhor o que
significa em termos práticos essa aplicação da lógica funcionalista:
25
Compartimentos
1 - Classificação e Pés-direitos
Art. 65 - Para os efeitos deste Regulamento, o destino dos
compartimentos não será considerado apenas pela sua desig-
nação no projeto, mas também pela sua finalidade lógica, de-
corrente da disposição em planta.
Art. 66 - Os compartimentos são classificados em:
a) compartimentos de permanência prolongada (diurna e no-
turna);
b) compartimentos de utilização transitória;
c)compartimentos de utilização especial.
Art. 67 - São compartimentos de permanência prolongada:
dormitórios, refeitórios, salas de estar, de visitas, de música, de
jogos, de costura, lojas, armazéns, salas e gabinetes de traba-
lho, escritórios, consultórios,
estúdios e outros de destino semelhante.
Art. 68 - São compartimentos de utilização transitória: vestíbu-
lo, sala de entrada, sala de espera, corredor, caixa de escada,
rouparia, cozinha, copa, despensa, gabinete sanitário, banhei-
ro, arquivo, depósito e outros de destino semelhante.
Art. 69 - Serão compartimentos de utilização especial aqueles
que, pela sua finalidade, dispensem abertura para o exterior:
câmara escura, frigorífico, adega, armário e outros de natureza
especial. (BELO HORIZONTE, 2008a)
O próprio título do capítulo, “Compartimentos”, já evidencia a pré-concepção do
espaço como sendo obrigatoriamente um todo dividido em partes, ou cômodos,
e ignora a possibilidade de qualquer alternativa. Essa visão funcionalista ganha
ainda mais forma quando, no artigo 65, o Decreto-Lei fala em “destino dos
compartimentos” e “finalidade lógica, decorrente da disposição em planta”. Ou
seja, a lei presume que o tal compartimento deve se reservar a um uso especí-
fico que é consequência de um arranjo bidimensional originado pela vontade do
projetista. Chama também atenção a classificação dos compartimentos de a-
cordo com o tempo de permanência, com base no tipo de uso ao qual ele se
presta, por exemplo: utilização prolongada para o compartimento de dormir,
utilização transitória para o compartimento de cozinhar. A partir desse critério
de tempo de permanência, a área mínima de cada compartimento é então esti-
pulada pelo Código de Obras.
26
O texto é carregado de uma série de concepções, ou pré-concepções, típicas
do pensamento funcionalista. No pequeno trecho aqui apresentado, pôde-se
perceber em primeiro lugar a aplicação da lógica taylorista de ordenação do
espaço por meio de sua divisão em cômodos de acordo com o tipo de atividade
e o tempo requerido para sua realização e a assunção. E depois a eleição de
um profissional, arquiteto ou engenheiro, por exigência do próprio Código de
Obras, como sendo o responsável por essa organização em planta, pelo “tra-
çado regulador” que garante contra o arbitrário (Corbusier, 1989, p.47).
3.2 LPOUS
A Lei 7.166/96, sancionada em 27 de agosto de 1996 pelo então Prefeito Pa-
trus Ananias, estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação e
uso do solo urbano em Belo Horizonte. No texto, o território do Município é di-
vidido em zonas, de acordo com os “potenciais de adensamento e as deman-
das de preservação e proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou
paisagística” (BELO HORIZONTE, 2008b). São elas:
I - Zona de Preservação Ambiental - ZPAM -;
II - Zona de Proteção - ZP -;
III - Zona de Adensamento Restrito - ZAR -;
IV - Zona de Adensamento Preferencial - ZAP -;
V - Zona Central - ZC -;
VI - Zona Adensada - ZA -;
VII - Zona de Especial Interesse Social - ZEIS -;
VIII - Zona de Grandes Equipamentos - ZE.
Art. 6º - São ZPAMs as regiões que, por suas características e
pela tipicidade da vegetação, destinam-se à preservação e à
recuperação de ecossistemas. [...] É vedada a ocupação do so-
lo nas ZPAMs, exceto por edificações destinadas exclusiva-
mente ao seu serviço de apoio e manutenção.
Art. 7º - São ZPs as regiões sujeitas a critérios urbanísticos es-
peciais, que determinam a ocupação com baixa densidade e
maior taxa de permeabilização, tendo em vista o interesse pú-
blico na proteção ambiental e
na preservação do patrimônio histórico, cultural, arqueológico
ou paisagístico [...].
27
Art. 8º - São ZARs as regiões em que a ocupação é desestimu-
lada, em razão de ausência ou deficiência de infra-estrutura de
abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, de preca-
riedade ou saturação da articulação viária interna ou externa ou
de adversidade das condições topográficas [...].
Art. 9º - São ZAs as regiões nas quais o adensamento deve ser
contido, por apresentarem alta densidade demográfica e inten-
sa utilização da infra-estrutura urbana, de que resultam, sobre-
tudo, problemas de fluidez
do tráfego, principalmente nos corredores viários.
Art. 10 - São ZAPs as regiões passíveis de adensamento, em
decorrência de condições favoráveis de infraestrutura e de to-
pografia.
Art. 11 - São ZCs as regiões nas quais é permitido maior aden-
samento demográfico e maior verticalização das edificações,
em razão de infra-estrutura e topografia favoráveis e da confi-
guração de centro [...]
Art. 12 - São ZEISs as regiões nas quais há interesse público
em ordenar a ocupação, por meio de urbanização e regulariza-
ção fundiária, ou em implantar ou complementar programas
habitacionais de interesse social, e que se sujeitam a critérios
especiais de parcelamento, ocupação e uso do solo [...].
Art. 13 - São ZEs as regiões ocupadas por grandes equipa-
mentos de interesse municipal ou a eles destinadas. (BELO
HORIZONTE, 2008b)
Para cada uma dessas zonas a lei estabelece parâmetros urbanísticos especí-
ficos que visam regular as edificações e com isso garantir o grau de adensa-
mento e o tipo de uso desejados. A Quota de Terreno por Unidade Habitacio-
nal, por exemplo, é o instrumento da lei que determina o número máximo de
unidades habitacionais permitidas em um terreno. Sua finalidade é “controlar o
nível de adensamento nas edificações destinadas ao uso residencial ou na par-
te residencial das de uso misto”. (BELO HORIZONTE, 2008b)
Outro parâmetro estabelecido pela LPOUS é o Coeficiente de Aproveitamento
– CA, que determina a área líquida máxima permitida de uma edificação em um
terreno. De acordo com a lei, o “potencial construtivo é calculado mediante a
multiplicação da área total do terreno pelo Coeficiente de Aproveitamento – CA,
da zona em que se situa”. (BELO HORIZONTE, 2008b)
28
Esse potencial construtivo, produto do CA e da área do terreno, é fator de
grande importância para a produção habitacional de massa. Isso porque o pre-
ço dos terrenos está diretamente relacionado ao seu potencial construtivo. Paul
Singer (1982, p.27) explica que:
A demanda do solo urbano para fins habitacionais [...] distingue
vantagens locacionais, determinadas principalmente pelo maior
ou menor acesso a serviços urbanos, tais como transporte,
serviços de água e esgoto, escolas comércio, telefone, etc., e
pelo prestígio social da vizinhança.
Imagine-se a seguinte situação: duas unidades habitacionais idênticas situadas
em terrenos idênticos, mas em locais distintos. De acordo com o que hoje se vê
no mercado imobiliário, será mais valorizada aquela de melhor localização, sob
a ótica dos fatores apresentados por Singer, dentre os quais de destacam o
acesso a serviços urbanos e o prestígio social. Como são unidades habitacio-
nais idênticas construídas em terrenos iguais, imagina-se que o custo de cada
construção terá sido bem próximo um do outro. Mas o preço de venda da uni-
dade habitacional será diferente, a habitação melhor localizada será mais cara.
O terreno de melhor localização propicia um maior retorno financeiro.
Essa propriedade multiplicadora do capital é repassada para o preço do terre-
no. O valor a ser pago na sua aquisição está diretamente ligado ao retorno fi-
nanceiro que ele pode propiciar ao investidor. O que dita o preço do terreno
são basicamente dois fatores: potencial construtivo e localização. Ao adquirir
um terreno, o investidor está pagando pela área líquida máxima de construção
permitida e pelo seu potencial multiplicador de capital. Ou seja, quantos metros
quadrados será possível construir e quanto custará cada metro quadrado. Por
isso a importância, para o mercado imobiliário, do Coeficiente de Aproveita-
mento.
É importante falar em área líquida máxima de construção permitida, porque a
LPOUS determina quais áreas construídas não devem ser computadas como
29
área líquida, e isso tem impacto importante na definição da habitação e no tra-
balho do arquiteto.
Art. 46 - Não são computadas, para efeito de cálculo do CA:
I - a área destinada a estacionamento de veículos, exceto se si-
tuada em edifícios-garagem [...];
II - os pilotis destinados a estacionamento de veículos ou a la-
zer e recreação de uso comum, nas edificações residenciais
multifamiliares ou de uso misto cujo pavimento-tipo tenha uso
exclusivamente residencial;
III - os pilotis destinados a serviços de uso comum do condo-
mínio nas edificações não residenciais;
IV - a área situada ao nível do subsolo, destinada a lazer e re-
creação de uso comum em edificações residenciais multifamili-
ares;
V - a área de circulação vertical coletiva;
VI - a área de circulação horizontal coletiva até o limite corres-
pondente à 2 (duas) vezes a área da caixa dos elevadores;
VII - as varandas abertas - situadas em unidades residenciais -
que tenham área total equivalente a até 10% (dez por cento) da
área do pavimento onde se localizam [...];
XIV - a área equivalente a até 20% (vinte por cento) da do pa-
vimento imediatamente abaixo, em edificações na cobertura,
integrante de unidade residencial, desde que a área total edifi-
cada na cobertura não ultrapasse 50% (cinqüenta por cento) da
do pavimento imediatamente inferior;
A conseqüência dessas disposições da LPOUS é o estabelecimento de vários
pressupostos que limitam ainda mais a participação do arquiteto, e a obediên-
cia a novas regras é exigida. Por exemplo: como o investidor pagou pelo po-
tencial construtivo do terreno, é absolutamente necessário que o empreendi-
mento projetado utilize todo esse potencial construtivo. O contrário significaria
minimização do lucro. Outra exigência é a exploração máxima, no projeto, das
áreas não computadas como área líquida. Trata-se, como se verá mais adiante
neste trabalho, de importante estratégia das incorporadoras para maximizar a
remuneração do capital investido. De maneira que os 10% relativos à área de
varanda, os 20% de área de cobertura e todas as áreas de lazer e recreação
de uso comum devem ser explorados ao máximo visando propiciar o aumento
do preço da unidade habitacional para o consumidor. Em resumo, essas áreas
30
não computadas como área líquida não são compradas pela incorporação, mas
são vendidas ao consumidor.
Em razão dos fatores acima expostos, pode-se afirmar que os parâmetros da
LPOUS influenciam diretamente o tipo de trabalho exercido atualmente pelo
arquiteto, à medida que mediam a produção das edificações objetivamente, por
meio da aplicação de valores em fórmulas matemáticas relacionadas à área do
terreno. A própria Prefeitura de Belo Horizonte – PBH - disponibiliza uma carti-
lha que decodifica a lei e a apresenta, simplificada, em forma de tabelas onde
figuram os valores específicos de cada parâmetro de acordo com o zoneamen-
to (ANEXO B). As fórmulas matemáticas que complementam a lei podem ser
facilmente convertidas em planilhas. De maneira que, para atender às exigên-
cias legais, basta ao projetista extrair corretamente das tabelas os valores dos
parâmetros da lei e inseri-los em planilhas.
TABELA 1
Planilha para estudo de potencial construtivo
ESTUDO DE POTENCIAL CONSTRUTIVO
DADOS DO TERRENO
LOTE(S) QUARTEIRÃO CLASSIFICAÇÃO VIÁRIA
001 06 COLETORA
BAIRRO LOGRADOURO LARGURA
SANTO ANTÔNIO RUA CARANGOLA >=10 E <15
PARÂMETROS DA LPOUS (LEI 7166)
ÁREA DO TERRENO EM m2 ZONEAMENTO Nº REAL DE UNIDADES
2000,00 ZA 50
COEFICIENTE DE APRO-
VEITAMENTO (CA)
QUOTA DE TERRENO POR
UNID. HABITACIONAL (Q )
ÁREA DA UNIDADE SEM
VARANDA EM m2
1,5 40 60
POTENCIAL CONSTRUTIVO
EM m2
Nº MÁXIMO DE UNIDADES ÁREA DA UNIDADE COM
VARANDA EM m2
3000,00 50 66,00
Fonte: Produzida pelo autor. Os dados em negrito são os resultados apresentados pela plani-
lha após a inserção correta dos valores dos parâmetros da LPOUS.
31
A TAB. 1 é um exemplo de planilha criada para decodificar a legislação. Ao se
inserir na planilha a área do terreno e os valores relativos aos parâmetros CA e
Q, retirados das tabelas fornecidas pela PBH (ANEXO B), tem-se automatica-
mente o potencial construtivo, o número máximo de unidades permitidas na-
quele terreno e a área de cada unidade-tipo. Tal procedimento não abrange a
produção de edificações em sua completude. É insatisfatório, pois se resume a
um mero manejo de dados e fórmulas. Estimula o projetista, pela repetição co-
tidiana, a manipular a edificação apenas quantitativamente.
Atualmente, a necessidade econômica de rapidez na concepção, construção e
lançamento de novos empreendimentos exige por parte do projetista, seja ele
arquiteto ou engenheiro, grande pressa desde o estudo de viabilidade de um
empreendimento até a finalização do seu projeto para aprovação nos órgãos
legais. A lógica da construção é a mesma da linha de montagem da indústria,
continua valendo a velha máxima que diz que tempo é dinheiro. Pouco tempo
gasto entre projeto e obra agrada o investidor. Nesse cenário, os profissionais
de projeto que por qualquer motivo não atendam a essa demanda por soluções
instantâneas necessariamente serão excluídos do processo. Apenas os mais
pragmáticos serão selecionados, aqueles que com irrefletida rapidez inserem
os dados corretos nas planilhas corretas e encaminham os resultados, dando
rápido andamento ao processo. O próprio funcionamento do sistema colabora
para eliminar da produção habitacional de massa aqueles que se propõem a
realizar o trabalho com mais reflexão e menos imediatismo.
Esse caminho construído pelo próprio homem, que surge da necessidade de
regulamentação da ocupação e uso do solo e termina na manipulação de plani-
lhas, corrobora a afirmação de Flusser (1983, p.14) acerca da existência de
uma tendência cultural rumo à objetivação que distancia o homem do seu pro-
pósito inicial. Para regulamentar a construção cria-se uma lei, que é depois de-
codificada e apresentada na forma de tabela. Dessa tabela dados são extraí-
dos e inseridos em fórmulas cujos resultados significam a adequação à norma.
De maneira que um longo caminho é criado entre o homem e a edificação. E a
32
repetição rotineira, irrefletida e apressada desse caminho cria um projetar cada
vez mais mecânico, o que contribui para um distanciamento cada vez maior
entre o homem e a arquitetura.
3.3 Necessidade do lucro
No Brasil, a participação do capital privado tem sido cada vez maior na produ-
ção habitacional. Empresas do setor imobiliário e de construção recentemente
se transformaram em sociedades anônimas abertas, isto é, abriram seu capital
na Bolsa de Valores e com isso captaram recursos para aumentar seus inves-
timentos na produção habitacional. Vale lembrar que a legislação brasileira es-
tabelece que o objeto social da sociedade anônima é qualquer empreendimen-
to “de fim lucrativo” (BRASIL, 2008a). E, para o caso específico da sociedade
anônima aberta, a lei proíbe seu administrador de “deixar de aproveitar oportu-
nidades de negócio de interesse da companhia” (BRASIL, 2008a).
A incorporação imobiliária é a atividade empresarial que tem por objeto a cons-
trução e comercialização, durante a obra, de unidades imobiliárias autônomas
integrantes de edificações coletivas (BRASIL, 2008b). Ou seja, para essas in-
corporadoras a produção habitacional é o tal empreendimento de fim lucrativo,
tendo o administrador a obrigação de defender os interesses da empresa, a-
proveitando as oportunidades de negócio. De maneira que o não aproveita-
mento das oportunidades de negócio pelo administrador, qualquer posiciona-
mento seu contrário ao interesse lucrativo da empresa, será infração da lei.
E a obtenção do lucro na produção habitacional financiada pelo investimento
privado é essencial também para a competitividade da aplicação nesse setor
em relação a outros investimentos possíveis. No caso de empresas que não
têm capital próprio disponível para, por exemplo, comprar o terreno, a estraté-
gia para atrair parceiros investidores e viabilizar a incorporação é justamente a
oferta da oportunidade lucrativa. Ao parceiro é ofertada uma permuta: ele com-
pra o terreno e recebe em troca unidades habitacionais com valor relativo à
33
remuneração do investimento feito na aquisição do terreno. Ora, fica fácil per-
ceber então que a entrada ou não do parceiro no negócio só irá acontecer caso
a incorporação garanta uma rentabilidade competitiva em relação a outros tipos
de aplicações disponíveis. Para o investidor, não se trata de construir habita-
ções, e sim de remunerar o capital. É esse o seu interesse.
Sendo assim, não é exagero afirmar que toda produção habitacional financiada
pelo capital privado tem como premissa a obtenção de lucro. Enquanto a lucra-
tividade estiver garantida e num patamar competitivo em relação a outras pos-
síveis aplicações, os investimentos no setor continuarão acontecendo. Caso a
lucratividade da aplicação na construção de moradias não seja competitiva, a
tendência é que ocorra a diminuição até a extinção dos investimentos nessa
área e, portanto, também a interrupção da produção das moradias. A casa não
é outra coisa senão um investimento, uma possibilidade de multiplicação de
capital.
Essa exigência de rentabilidade leva as empresas do setor a adotarem proce-
dimentos de controle sobre todas as fases da construção, desde o projeto até a
conclusão da obra. Faz-se necessário produzir as moradias dentro de um sis-
tema que proteja a multiplicação do capital investido e garanta a continuidade
da produção habitacional. Controlar o processo de fabricação das habitações
significa poder determinar o seu custo, prever o seu preço de venda, e com
isso, o lucro. Esse controle torna-se absolutamente necessário porque permite
projetar a lucratividade esperada de um determinado empreendimento imobiliá-
rio e compará-la a outras opções de aplicações. E tal comparação é que vai
determinar a atração ou não de investimentos na área.
3.4 Padronização
A adoção de normas comuns no gerenciamento de processos produtivos surge
a partir da década de 1950, na França, com a Organização Internacional para
Estandardização – ISO. Seu objetivo inicial é promover o desenvolvimento da
34
estandardização como estratégia para facilitar o comércio internacional de bens
e serviços, por meio da implementação de “especificações técnicas, critérios
precisos, regras, definições de características” comuns (ISO, 20013
apud COE-
LHO, 2002, f.43).
É importante notar que, inicialmente, não é interesse da ISO a uniformização
dos produtos, e sim a uniformização dos processos de produção. O que se
busca é estabelecer normas comuns para as etapas produtivas de forma que
se tenham critérios precisos para comparação entre fabricantes diversos, pos-
sibilitando assim sua avaliação. Normas comuns que “garantam características
desejáveis de produtos e serviços, como qualidade, segurança, confiabilidade,
eficiência, possibilidade de intercâmbio e economia de custos”4
(ISO, 2008).
Ora, uma vez que se tem um sistema que trata a produção habitacional como
indústria e a casa como mercadoria produzida em série, a aplicação dos con-
ceitos da ISO faz todo o sentido. Afinal, faz-se também necessário garantir a
qualidade, a eficiência e a economia da casa-produto. A partir daí, a lógica da
padronização de processos começa a se aplicar também à construção civil. “É
preciso tender para o estabelecimento de padrões”, disse Corbusier (1989,
p.89). Nesse contexto, a implantação da ISO na produção habitacional significa
a “consagração do projeto de planificação e racionalização do sistema produti-
vo moderno” (COELHO, 2002, f.43).
No Brasil, o Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, criou o seu
próprio instrumento para organizar o setor da construção civil, o Programa Bra-
sileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat – PBQP-H. Seu objetivo princi-
pal é ampliar o “estoque de moradias” e baratear sua produção, universalizan-
do o acesso à moradia e reduzindo o déficit habitacional do país. Para atingir
                                                           
 
3
ISO. International Organization for Standartization. Disponível em: <http://www.iso.org> Aces-
so em: 10 set. 2008
4
Tradução nossa. Texto original em inglês.
35
esse aumento da produtividade da construção civil no país, o PBQP-H aposta
na implantação de mecanismos de gerenciamento (BRASIL, 2008c).
Um desses mecanismos de gerenciamento do PBQP-H, no caso específico de
projetos, é o Planejamento da Elaboração do Projeto:
Planejamento da elaboração do projeto
A empresa construtora deve planejar e controlar o processo de
elaboração do projeto da obra destinada ao seu cliente.
Durante este planejamento, a empresa construtora deve de-
terminar:
a) as etapas do processo de elaboração do projeto, conside-
rando as suas diferentes especialidades técnicas;
b) a análise crítica e verificação que sejam apropriadas para
cada etapa do processo de elaboração do projeto, para suas
diferentes especialidades técnicas;
c) as responsabilidades e autoridades para o projeto.
A empresa construtora deve gerenciar as interfaces entre as di-
ferentes especialidades técnicas envolvidas no projeto para as-
segurar a comunicação eficaz e a designação clara de respon-
sabilidades. (BRASIL, 2008d)
Para o PBQP-H, o Planejamento da Elaboração do Projeto é uma maneira de
estabelecer um padrão de qualidade equivalente mesmo em se tratando de
projetos diferentes. Trata-se de sistematizar os procedimentos projetuais para
“assegurar que o produto resultante seja capaz de atender aos requisitos para
o uso” (BRASIL, 2008d). Tal sistematização consiste na divisão da elaboração
do projeto em etapas, de maneira que para cada etapa seja possível estabele-
cer um procedimento padrão. Esse procedimento padrão deve então ser regis-
trado na forma de um manual de projetos, possibilitando a projetistas distintos
realizar o trabalho dentro de um mesmo sistema, já habitual, facilitando a com-
preensão de todos os envolvidos na obra e acelerando a produção.
Para induzir a adesão das empresas da construção civil ao PBQP-H, o Gover-
no Federal sela acordo com a Caixa Econômica Federal, que passa a exigir
das construtoras a certificação no programa para a concessão de financiamen-
tos, aumentando significativamente o interesse das empresas do setor pelo
36
investimento no gerenciamento de processos. Desse modo, a adoção de me-
canismos de gerenciamento deixa de ser optativa para ser uma obrigação das
empresas. Sem participação no PBQP-H não há concessão de financiamento
pela Caixa. Outras instituições financeiras também são incentivadas pelo Go-
verno a introduzirem em seus processos de financiamento mecanismo de indu-
ção à participação de empresas no PBQP-H,.de modo que sem o manual de
projetos tornam-se escassos os recursos para a produção habitacional de
massa (BRASIL, 2008d).
Cabe a cada empresa que participa do PBQP-H a elaboração de sua própria
sistematização, de acordo com o seu processo de trabalho. A MRV Engenharia
e Participações S.A., por exemplo, uma das maiores incorporadoras e constru-
toras brasileiras no segmento de empreendimentos residenciais populares,
tendo lançado mais de 14.000 unidades só no primeiro semestre de 2008, de-
senvolveu o seu manual de projetos. Denominado Padronização MRV: Projeto
e Desenho Arquitetônico, o manual busca implantar a padronização do proces-
so de elaboração de projetos. Nele estão contidos os procedimentos que de-
vem ser obedecidos com o objetivo de alcançar e garantir maior produtividade,
além de atender às exigências das prefeituras e da Caixa Econômica Federal
(ANEXO C).
A leitura do manual deixa claro que ao arquiteto só resta a possibilidade de par-
ticipação burocrática. Todas as normas que constituem o manual e devem ser
seguidas pelo arquiteto vão ao encontro da necessidade de redução máxima
de custos. A economia máxima significa construir o mínimo exigido pela Prefei-
tura. E o atendimento à Prefeitura, no caso específico de Belo Horizonte, é o
atendimento a um Código de Obras que, como já se viu, é regulado pela lógica
monofuncionalista que divide a habitação em cômodos, cada fragmento com
sua função específica. Portanto, também o manual de projetos segue essa ló-
gica, de maneira que o projeto gerado a partir do manual da MRV é aquele que
divide a habitação em cômodos com a área mínima permitida.
37
Também aqui, assim como no caso da LPOUS, a legislação é transformada em
tabela. O espaço a ser construído é mais uma vez manipulado objetivamente e
decodificado em termos de números em linhas e colunas.
TABELA 2
Cômodos Privativos: Dimensão e Metragem mínimas exigidas pela Prefeitura
PADRÃO 02 QUARTOS
AMBIENTE DIMENSÃO MÍNIMA (M) METRAGEM MÍNIMA(M
2
)
QUARTO CASAL 2,40 7,20
QUARTO SOLTEIRO 2,40 7,20
SALA 2,40 12,00
COZINHA 1,50X2,40
2,00X2,00
BANHO 1,20X2,00
1,50X1,60
PADRÃO 03 QUARTOS
AMBIENTE DIMENSÃO MÍNIMA (M) METRAGEM MÍNIMA (M
2
)
QUARTO CASAL 2,40 7,20
QUARTO SOLTEIRO 2,40 7,20
OUTRO QTO. SOLTEIRO 2,00 6,00
SALA 2,40 12,00
COZINHA 1,50X2,40
2,00X2,00
BANHO 1,20X2,00
1,50X1,60
Fonte: Manual de Padronização de Projetos da MRV.
Ao se observar a TAB.2, fica fácil perceber o processo que pensa a casa como
planta compartimentada: cada cômodo é um quadrado ou retângulo com a área
mínima estabelecida a partir de estudo minucioso da legislação. O Código de
Obras determina, por exemplo, que no caso de “habitação particular, em cada
pavimento constituído por três ou mais compartimentos, inclusive a instalação
sanitária, deverá haver um deles pelo menos com a área mínima de doze me-
tros quadrados” (BELO HORIZONTE, 2008a). Tal definição deu origem, na
38
TAB.1, à metragem mínima de doze metros quadrados na sala. De maneira
análoga, o manual de padronização da MRV orienta que, no caso das habita-
ções com três quartos, o terceiro quarto seja ainda menor que os demais, com
área mínima de seis metros quadrados. Isso porque o Código de Obras estipu-
la que “nas habitações será permitido um compartimento de seis metros qua-
drados correspondendo a cada grupo de dois compartimentos de permanência
prolongada” (BELO HORIZONTE, 2008a). E o pé-direito de cada um desses
cômodos também é estabelecido pelo manual como sendo o “mínimo exigido
pela Prefeitura”, de maneira que se tem cada compartimento como uma caixa
cujo volume é o menor possível.
A busca do mínimo como solução econômica é a tônica do manual de padroni-
zação da MRV. E a possibilidade de intervenção apenas burocrática do arquite-
to vai sendo evidenciada pelo uso de figuras e tabelas, como a que estabelece
a padronização das portas a serem lançadas no projeto.
TABELA 3
Padronização das Portas
Ambiente Tipo (Ideal) Material (Ideal) Dimensão (Ideal)
Sala abrir madeira 82 x 210
Quarto abrir madeira 72x210
Banho abrir madeira 62x210
Cozinha abrir madeira 72x210
Cozinha Americana vão 80x210
Área de Serviço
Área privativa abrir alumínio e vidro 70x210
Varanda correr alumínio e vidro 120x210
Sala da Cobertura correr alumínio e vidro 120x210
Fonte: Manual de Padronização de Projetos da MRV.
Além do que já foi mostrado nas TAB. 2 E 3, o conceito do “mínimo exigido pe-
la Prefeitura” também vale para: afastamentos, muros, esquadrias e circula-
ções. O resultado da aplicação do manual de padronização da MRV é uma ha-
bitação com a área mínima, dividida em cômodos com dimensões, iluminação
e ventilação mínimas.
39
Outro fator que evidencia a limitação da participação do arquiteto na produção
habitacional da MRV é a apresentação, no manual de padronização, de figuras
com soluções preestabelecidas de planta (FIG. 3). São arranjos considerados
ideais, pela MRV, para banheiros, caixas de escada e circulação. E entenda-se
aqui como arranjo ideal aquele cuja execução seja a mais econômica possível
e ao mesmo tempo atenda às exigências da Prefeitura e da Caixa Econômica
Federal.
Ora, quando se parte de um manual de padronização com tantas predefinições,
há muito pouco o que se fazer. A tendência é que se chegue a um projeto que
atenda a todos os requisitos do manual, observando sempre o critério econô-
mico da produção habitacional de massa. A construção mínima em nome do
barateamento da casa-produto. Nesse caso, a padronização de processos ten-
de para a padronização do projeto.
 
FIGURA 3 – Solução preferencial para o banheiro.
FONTE: Manual de Padronização de Projetos da MRV (ANEXO C)
E quando se trata da produção habitacional em grande escala, ao adotar a pa-
dronização dos projetos, empresas como a MRV estão garantindo uma série de
fatores, desde a fase de projeto até a execução e venda das habitações, que
significam destacada diminuição de custos e conseqüente maximização do lu-
cro. Isso porque a repetição do projeto arquitetônico em vários empreendimen-
40
tos significa automaticamente a repetição também dos projetos estrutural, elé-
trico, hidráulico e de incêndio. Sendo assim, tem-se de imediato uma redução
de custos com projeto. Uma vez que se tem esse projeto arquitetônico padrão
e seus complementares, estes não precisam mais ser contratados para todos
os outros empreendimentos, salvo para a realização de pequenas adequações
do padrão às características específicas do local onde será executado. Ade-
quações essas que deverão também satisfazer aos manuais de padronização
de cada empresa.
Outra vantagem econômica da padronização é a redução de tempo e despesas
na fase de elaboração de orçamentos. Já que os quantitativos de material e
serviços serão sempre idênticos, o projeto padrão só necessita ser orçado uma
vez. Daí em diante são necessárias no máximo algumas adequações de acor-
do com o local ou data de sua execução. E é isso que possibilita a criação das
planilhas contendo os custos do empreendimento, assim como seus valores de
venda, o que vai permitir analisar a viabilidade dessa produção habitacional
enquanto negócio. A projeção do lucro esperado e da taxa de remuneração do
capital são fundamentais para a atração dos investimentos no setor. A TAB.4,
extraída do Cálculo de Viabilidade de Empreendimento da MRV, é um exemplo
disso (ANEXO D).
TABELA 4
Cálculo de Viabilidade de Empreendimento
Análise de Multiplicador
Custo Total: R$ 16.351.015,58
Receita Total: R$ 28.997.000,00
Lucro Total: R$ 12.645.984,42
Multiplicador: 1,77
Fonte: Construtora Mohallem Ltda.
Além disso, a padronização dos projetos também propicia um aumento de pro-
dutividade, pois, por se tratar sempre da construção do mesmo projeto, todo
trabalho de cada profissional envolvido, pedreiros, bombeiros, eletricistas, será
41
a repetição exata do trabalho já realizado quando da construção anterior de
outro edifício idêntico. É a sistematização do trabalho na canteiro de obras. De
modo que o serviço possa ser realizado de maneira automática, mera repetição
de tarefas já executadas anteriormente. Nesse sentido, o trabalho no canteiro
de obras se aproxima do serviço na fábrica. É mais um aspecto da lógica in-
dustrial que se aplica à produção de moradias.
Outra das grandes incorporadoras do país, a Construtora Tenda desenvolve
também uma produção habitacional calcada no conceito da linha de montagem
e da padronização de projetos. Seu foco é a construção de moradias menores,
normalmente com dois quartos e área de 45m2
, e ainda mais baratas. As uni-
dades são financiadas diretamente ao público de baixa renda por meio de bole-
tos bancários mensais, da mesma forma que hoje se dá a venda de geladeiras
ou sofás.
Em matéria publicada em 2007 na Revista Veja, intitulada O Habib’s da cons-
trução, o então dono da Tenda5
, Henrique Alves Pinto, compara a produção
habitacional da construtora à produção de uma rede de fast-food:
Alves Pinto teve a rede de fast-food Habib's como fonte de ins-
piração. Ele recorre a uma comparação. "A esfiha popular, que
vende bastante, custa 39 centavos, mas tem menos carne que
uma de 2 reais. Ela é um sucesso. O nosso objetivo é seme-
lhante", disse o empresário. Como fazer para construir uma ca-
sa assim, com menos carne? A Tenda constrói imóveis padro-
nizados, feitos em linha de produção e com a utilização do ma-
terial mais barato encontrado no mercado. (DUALIBI, 2007)
O principal problema da aplicação de sistemas de padronização de processos
à construção de casas é justamente essa tendência de se tratar a habitação
apenas como produto, mercadoria. A ISO fala em garantir “características de-
                                                           
 
5
No dia 1º de setembro de 2008, a Tenda foi comprada pela Gafisa S.A., incorporadora sedia-
da em São Paulo.
42
sejáveis de produtos”, o PBQP-H fala em “estoque de moradias”. A padroniza-
ção de processos, por mais que se queira universalmente aplicável, direciona
para um tratamento objetivo que não considera em sua completude a questão
da moradia. A habitação pode até ser vista como mercadoria, mas nunca ape-
nas enquanto mercadoria, uma vez que envolve demandas humanas mais
complexas que geladeiras, sofás ou esfihas.
A consequência direta disso são esses imóveis padronizados, feitos em linha
de produção, com a utilização do material mais barato encontrado no mercado,
vendidos em parcelas mensais como geladeiras e sofás. Esse modo de fabri-
cação de moradias talvez seja a glorificação máxima da idéia da casa como
mercadoria acessível produzida em série. Acessível porque é econômica à
medida que contempla apenas o mínimo necessário à existência, de acordo
com os padrões estabelecidos pelo Código de Obras. Tais idéias, como já se
viu aqui, estavam presentes na arquitetura do Movimento Moderno. Le Corbu-
sier queria produzir casas como se fabricava o automóvel. Gropius as imagina-
va homogêneas como sapatos. Alves Pinto foi buscar sua inspiração nas esfi-
has. A esfiha “com menos carne”, inspiração para a produção habitacional de
massa atual, é mercadoria para consumo instantâneo. Assim como é mercado-
ria para consumo instantâneo essa arquitetura fast-food.
3.5 Existência Mínima
O Residencial Bologna Life, empreendimento da Construtora Tenda situado na
região de Venda Nova, em Belo Horizonte, é um bom exemplo da produção
habitacional gerada por esse sistema. São 306 unidades de 2 quartos divididas
em 17 torres com 4 apartamentos por andar (FIG. 4). A FIG. 5 mostra a planta
da unidade, compartimentada de acordo com as funções e atendendo a todas
as condições mínimas exigidas pelo Código de Obras e pela Caixa Econômica
Federal.
43
 
FIGURA 4 - Residencial Bologna Life: Implantação.
FONTE: Construtora Tenda.
 
FIGURA 5 – Residencial Bologna Life: Planta do Apartamento.
FONTE: Construtora Tenda.
44
O mesmo espaço miniaturizado pode ser identificado em outro empreendimen-
to, esse da MRV, na mesma região de Venda Nova: o Residencial Parque Me-
rindiva. São 140 apartamentos divididos em 7 blocos de 4 apartamentos por
andar (FIGS. 6 e 7). Desses 140 apartamentos, 80 são de 2 quartos, conforme
a planta abaixo, tendo área de 44m2
.
 
FIGURA 6 – Residencial Parque Merindiva: Planta do Apartamento.
FONTE: Construtora MRV.
FIGURA 7 – Residencial Parque Merindiva: Implantação.
FONTE: Construtora MRV.
45
A constatação da semelhança entre os dois empreendimentos é inevitável.
Ambos têm como características a planta mínima e o grande adensamento
com o propósito de elevar ao máximo a extração de renda do terreno. Como no
jogo dos 7 erros, faz-se necessária alguma atenção para encontrar as diferen-
ças entre as duas plantas. E essa similaridade se repete nas fachadas, como
se pode ver na FIG. 8.
 
FIGURA 8– Fachadas do Residencial Bologna Life, da Tenda (à esquerda) e do Residencial
Parque Merindiva, da MRV (à direita).
FONTE: Construtoras Tenda e MRV.
Tal semelhança é consequência direta dessa lógica de produção habitacional.
Afinal, é intenção prioritária das incorporadoras, nesse caso, conseguir produzir
as habitações no menor custo possível para que sejam colocadas à venda com
preços competitivos em relação à concorrência. Economizar o máximo na
construção significa construir o mínimo, e esse mínimo é igual para todas as
incorporadoras e construtoras, uma vez que é ditado por uma legislação que é
comum. O Código de Obras e a LPOUS são os mesmos para todas as empre-
sas, assim como é comum a todas elas a necessidade de remuneração compe-
titiva do capital investido. Apenas o manual de padronização, requisito para
obtenção de financiamentos na Caixa Econômica Federal, poderia, em teoria,
apresentar variações de uma empresa para outra. Mas exatamente por ter que
atender a uma mesma legislação e a uma mesma necessidade de lucro, acaba
também ele tendendo para a uniformidade. E a conseqüência é que as constru-
46
toras acabam caminhando em direção a um projeto igual, ou ao menos bem
parecido.
Vale ressaltar que é prática comum que cada construtora ou incorporadora a-
dote mais de um projeto modelo, de modo que tenha mais opções para ade-
quação em situações diferentes. Sendo assim, nada impede que uma constru-
tora tenha 3 ou 4 soluções para a habitação, seja ela de 2, 3 ou 4 quartos, de
maneira que tenha maior possibilidade de sucesso na sua implantação em ter-
renos ou faixas de renda diferentes. Tal fato é desimportante, pois a lógica de
produção de todos esses projetos-padrão é idêntica, todas seguem o mesmo
caminho. De modo que as pequenas diferenças que possam existir de uma
planta para outra não significam diferença significativa nem para o construtor,
tampouco para o habitante.
Como se vê pelos exemplos mostrados acima, trata-se de empreendimentos
que produzem habitações em massa buscando grande adensamento, a fim de
extrair ao máximo a renda da terra. Essas inúmeras moradias deverão ser ocu-
padas por grande quantidade de pessoas. E o projeto é o mesmo para todas
elas, ou quase o mesmo. Isso porque, da forma como se dá essa produção
habitacional, o único benefício que o morador poderá ter é o baixo custo da
moradia se comparada a outras opções do mercado imobiliário. Conforme an-
teriormente mostrado, a prioridade é a economia, e não o habitante. É o que
Adorno confirma:
A fraude está no fato de a sociedade fazer com que as coisas
pareçam existir em função dos homens; elas são produzidas
em função do lucro, satisfazem as necessidades apenas para-
lelamente, geram essas necessidades de acordo com os inte-
resses do lucro e podam-nas também na sua medida. (ADOR-
NO, 1967)
A solução final do edifício quase sempre se limita a um mero empilhamento de
moradias idênticas, em que cada unidade habitacional é um cubículo compar-
timentado de acordo com funções. O projeto contempla somente o mínimo para
47
a existência, garantindo ao morador apenas sua possibilidade de sobrevivên-
cia. Sendo assim, a possibilidade de experiência do habitante nessa moradia
será sempre mínima, ou seja, exatamente aquela estipulada pela divisão mo-
nofuncionalista do espaço. Os gestos e ações possíveis ao morador estão limi-
tados àqueles previstos na planta.
Some-se a isso que essas mini máquinas de morar idênticas e empilhadas
passam a ser habitadas por pessoas diferentes, cada uma com seus gostos,
manias, vontades e demandas. Tem-se então o problema: de um lado moradi-
as iguais, do outro moradores que não são iguais. Mas o sistema das incorpo-
rações privilegia sempre a produtividade, de maneira que o direito à individuali-
dade do morador deve ser suprimido em favor da uniformização, que é resulta-
do dessas casas em série que pretendem assegurar um mínimo de funcionali-
dade e um máximo de lucratividade. O habitante nesse caso não passa de um
potencial consumidor na planilha de um corretor de imóveis. A produção habi-
tacional que se vê no Brasil hoje está longe de alcançar o entendimento da ca-
sa como lar, ou seja, tratar o espaço residencial na sua completude, também
como palco dos acontecimentos da vida das pessoas, e não apenas mero abri-
go ou como mercadoria.
Essa casa é estranha ao homem, portanto habitá-la não é tarefa simples. De
acordo com Flusser:
Morar não é dormir em cama imóvel, mas viver em ambiente
habitual. O lar não é lugar fixo, mas ponto de apoio merecedor
de confiança. Ter perdido o lar não é ter abandonado um lugar,
mas ter que viver em lugar inabitual, portanto inabitável. Ter
que viver em ambiente no qual não nos reconhecemos.
(FLUSSER, 1983, p.73)
A casa em série é exatamente esse lugar inabitual. É impossível aceitá-la sem
abdicar do hábito. Trata-se de uma moradia rígida que inibe o gesto do mora-
dor. Restam a ele, portanto, duas alternativas: resignação ou rebeldia. Na pri-
meira opção, sabedor de que o mercado imobiliário não oferece alternativas na
mesma faixa de preço, o morador é que se adéqua ao projeto. Tal adequação
48
equivale à supressão da sua vontade e à inibição de sua personalidade. Residir
na moradia padronizada exatamente como ela é só se faz possível mediante
apatia ou reprogramação do morador. E quando todos se reprogramam para
morar nessa casa padrão, significa que caminham rumo à uniformização. Ao
abdicar de suas peculiaridades e avançar rumo à impessoalidade da massa, o
homem se desumaniza.
O poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Eu, Etiqueta, fala a
respeito dessa situação em que o homem abdica inocentemente de sua singu-
laridade, abre mão da diversidade em relação aos outros homens, e por isso se
afasta de sua humanidade.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso dos outros, tão mim-mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
Da sua humana, invencível condição [...].
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam [...].
Já não me convém o titulo de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa, coisamente. (DRUMMOND, 1984, p.85)
A alternativa a esse processo que culmina na uniformização do homem é a o-
posição ao projeto padrão. Significa que o morador não aceita o projeto exata-
mente como é e decide interferir no espaço para adequá-lo à sua vontade.
Nesse caso, o morador faz o caminho inverso à resignação: em vez de adap-
tar-se à moradia-tipo, ele vai modificá-la de acordo com sua vontade, ou ne-
cessidade. E esse ímpeto vai de encontro à apatia do morador que se submete
ao projeto padrão. Ao assumir como importante a personalização da casa, o
habitante se afasta da uniformização. Em seu livro El Diseño de Soportes, o
arquiteto holandês John Habraken enumera quatro principais fatores que levam
as pessoas a modificar suas casas (HABRAKEN, 2000, p.35-37):
49
Necessidade de identificação: os proprietários personalizam seu ambiente, u-
sando o espaço da casa como forma de expressão que o diferencia dos de-
mais moradores. Para esse morador, a casa deixa de ser vista meramente co-
mo um objeto utilitário para dar espaço à sua dimensão mais humana que a-
tende ao propósito de conferir identidade, unicidade, àqueles que a habitam.
Mudanças no estilo de vida: as pessoas mudam, seja por causa de mudanças
na estrutura social, seja pelo contato com outras culturas. Nesse caso, Habra-
ken caracteriza o homem como ser social, que é capaz de se modificar no en-
contro com o outro e desenvolver novas idéias. Estas novas informações po-
dem acarretar mudanças no estilo de vida do morador que o estimulem a pro-
mover alterações no espaço da casa.
Novas tecnologias: o aparecimento de novas tecnologias geralmente resulta na
transformação da moradia. O surgimento da televisão, por exemplo, fez surgir o
espaço antes inexistente da sala de televisão. Nos dias de hoje, é comum as
pessoas consumirem equipamentos de áudio e vídeo com maior freqüência
que em outras épocas. Nas moradias maiores, onde o espaço é suficiente, es-
ses equipamentos dão origem a um novo ambiente: o home theater.
A família se transforma: para Habraken, a primeira justificativa para se modifi-
car a habitação são as transformações sofridas pelo núcleo familiar ao longo do
tempo. Pode-se imaginar, como exemplo, um primeiro arranjo espacial que a-
tenda a um casal sem filhos. Quando os filhos nascerem, algumas modifica-
ções podem ser necessárias, porque a casa com crianças tem demandas dife-
rentes daquela do casal sem filhos.
No Brasil, entretanto, a produção habitacional de massa passa ao largo dessas
questões. Nem considera a possibilidade de autonomia do morador. Em alguns
casos funciona no sentido inverso e elimina as poucas possibilidades de inter-
ferência do morador. Como o critério econômico sempre prevalece nesse tipo
50
de produção, são comuns situações em que é vedado ao morador realizar
qualquer modificação.
É o que acontece, por exemplo, quando o morador precisa contratar algum fi-
nanciamento para comprar o imóvel, fato comum no Brasil. Nesse caso, o habi-
tante não é considerado proprietário do imóvel até que ele esteja completamen-
te quitado junto à instituição financiadora. Em virtude disso, são desenvolvidas
estratégias para evitar que o habitante promova modificações em uma casa
que, até que seja inteiramente quitada, não lhe pertence. Uma delas é exigir
em contrato seu comprometimento em não realizar nenhuma modificação no
espaço sem o consentimento da instituição financiadora. A FIG.9 mostra uma
cláusula extraída de contrato firmado pela Caixa Econômica Federal para in-
corporação da Construtora Tenda que exemplifica bem essa situação. O con-
trato em questão regula um plano de financiamento, em grupo, para aquisição
de imóvel na planta, ou seja, uma Carta de Crédito Associativa.
 
FIGURA 9 – Cláusula extraída de contrato de financiamento da Caixa Econômica Federal.
FONTE: Collem Construtora
O problema nesse caso é que o prazo de amortização desses contratos pode
ser muito longo. Algumas instituições financeiras oferecem linhas de crédito
habitacional cujo prazo de amortização pode chegar até 360 meses (SINDUS-
CON-MG, 2007, p.19). Ou seja, o morador paga suas prestações durante 30
anos até que possa finalmente reformar sua casa com autonomia, sem que
seja obrigado a se submeter ao “prévio e expresso consentimento” do agente
financiador.
51
Há ainda outras situações que impedem a personalização do espaço e denun-
ciam o descaso com o morador em nome da subordinação a critérios econômi-
cos. É o caso, por exemplo, de empreendimentos construídos em alvenaria
estrutural aplicada de maneira impeditiva. Faz-se necessário salientar que não
se trata de problema tecnológico da alvenaria estrutural. O problema está no
modo como a tecnologia é utilizada nesses casos, configurando todas as pare-
des como peças estruturais indispensáveis e assim inviabilizando qualquer
possibilidade de reforma.
É comum que o emprego da alvenaria como elemento estrutural de suporte em
edificações possibilite uma redução nos custos de produção das unidades habi-
tacionais. E aí, mais uma vez retorna a questão da necessidade de economia
como único interesse do incorporador, enquanto o habitante é desconsiderado.
É o que acontece no empreendimento da Construtora Tenda situado em Be-
tim, denominado Bosque dos Jacarandás, citado no segundo capítulo. Como já
havia sido mencionado anteriormente, são 340 apartamentos divididos em 17
torres de 5 andares, com 4 apartamentos por andar, num adensamento im-
pressionante (FIG. 10). Cada andar é composto por três apartamentos de 3
quartos e um apartamento de 2 quartos, com área de 62 m2
e 50 m2
, respecti-
vamente, incluídas as varandas ( FIG. 11).
 
FIGURA 10 – Bosque dos Jacarandás: Vista aérea.
FONTE: Google Maps.
52
 
FIGURA 11 – Bosque dos Jacarandás: Planta apto. 2 quartos.
FONTE: Arq. Alcino Luís Fonseca.
Continua valendo o conceito da moradia miniaturizada, subordinada à utilidade,
mas dessa vez com um agravante: a alvenaria estrutural é utilizada de maneira
que todas as paredes, inclusive as internas, são indispensáveis para o desem-
penho estrutural do edifício. O importante aqui é confirmar o descaso em rela-
ção ao morador, uma vez que em momento algum é cogitada alguma alternati-
va, de maneira que qualquer alteração desejada que envolva retirada total ou
parcial de alguma parede está proibida, pelo risco de abalo estrutural da edifi-
cação. Tal proibição é formalizada pela construtora por meio da colocação de
placas de advertência na entrada de cada prédio (FIG. 12).
 
FIGURA 12 – Bosque dos Jacarandás: Placa de advertência.
FONTE: Foto do Autor.
53
Personalizar moradia tão pequena já seria tarefa suficientemente difícil. O mo-
rador teria pouquíssimas opções de modificação para adequar o espaço à sua
vontade, é verdade. Mas a proibição da intervenção do morador é exemplar
para que se constate definitivamente a pouca importância dada ao habitante
nesse tipo de produção habitacional.
Por causa da grande rapidez com que vem se desenvolvendo a produção de
casas em série no Brasil, a tendência é a disseminação por todo país dessa
arquitetura que não considera o morador. Para se ter uma idéia, a MRV divul-
gou em agosto sua Apresentação de Resultados relativos ao primeiro semestre
de 2008. Nela, a incorporadora informa o lançamento de 14.097 unidades habi-
tacionais só nos seis primeiros meses desse ano, muito mais que as aproxima-
damente 4.000 lançadas no mesmo período do ano passado. Além disso, a-
nuncia um estoque de terrenos com potencial para lançamento de aproxima-
damente 104.000 unidades habitacionais, distribuídas em 63 cidades do país.
A Construtora Tenda, por sua vez, noticiou o lançamento de 15.250 unidades
no primeiro semestre do ano, e um estoque de terrenos com capacidade para
lançamento de 98.943 habitações. Confirmando o enfoque meramente comer-
cial que pensa a habitação como mercadoria, ambas as incorporadoras divul-
garam tabelas em que apresentavam o número de unidades lançadas de cada
“produto” no segundo trimestre de 2008 (TABS. 5 E 6).
TABELA 5
Tenda – Unidades Lançadas 2º trimestre de 2008
Produtos Unidades Lançadas 2T08
Garden 141
Duo 332
Life 5.971
Tower 344
Ville -
Fonte: Construtora Tenda
54
TABELA 6
MRV – Unidades Lançadas 2º trimestre de 2008
Produtos Unidades Lançadas 2T08
Parque 3.244
Spazio 4.125
Village -
Fonte: MRV Engenharia
Esses números registram a enorme quantidade de habitações que estão sendo
construídas por meio desse sistema que as considera apenas enquanto inves-
timento. A Construtora Tenda lançou no segundo trimestre 5.971 unidades com
a mesma planta do Residencial Bologna Life (FIG.3) enquanto a MRV colocou
no mercado 3.244 habitações iguais à do Residencial Parque Merindiva
(FIG.4). Tais números não podem ser subestimados. Entretanto, a lucratividade
tão necessária só será viabilizada por meio da venda dessas unidades habita-
cionais. E a publicidade então surge como arma fundamental das incorporado-
ras para dar vazão a essa grande oferta de produtos.
3.6 Marketing
A viabilidade da produção habitacional de massa, como já se viu, está direta-
mente relacionada ao seu sucesso econômico. Isso requer a coexistência de
dois fatores. a eficiência na produção da mercadoria e a sua liquidez no mer-
cado imobiliário. De um lado um sistema produtivo que garanta um baixo custo
e, por conseguinte, um preço competitivo da casa e do outro lado a existência
de um público consumidor. Obviamente, caso ninguém compre essas habita-
ções, todo o esforço de economia da produção terá sido em vão, e a multiplica-
ção do capital investido jamais se concretizará. O sucesso econômico depende
do sucesso das vendas.
Para tanto, o marketing é o grande aliado das grandes incorporadoras e cons-
trutoras no sentido de estimular o consumo dessas casas em série. Num cená-
rio em que é grande a oferta de produtos e pequenas as diferenças entre eles,
55
a publicidade aparece como alternativa para insuflar nas pessoas o desejo do
consumo. Isso vale para qualquer mercadoria: automóveis, sapatos, esfihas ou
habitações. De um lado tem-se a incorporadora buscando realizar o lucro atra-
vés da venda, do outro, consumidores em massa à procura de uma habitação.
Ambos encontram-se, no mercado, como testemunhas de inte-
resses opostos. Por sua vez, o produto, enquanto mercadoria,
se divide em duas categorias divergentes: o valor de troca e o
valor de uso. Se a lógica do produtor procura a massificação do
valor de troca, a lógica do consumidor busca a valorização do
uso. Cada componente desse binômio empenha-se em impor o
próprio interesse e minimizar o interesse do outro. Esse fato
permite que a indústria capitalista tente uma subversão do va-
lor de uso, criando redefinições do produto e conferindo-lhe
aquelas qualidades oníricas de fascínio e persuasão que esti-
mulam a compra. (FERRARA6
, 1989, p.123 apud COELHO,
2002, f.64)
A indústria capitalista passa então a concentrar esforços também no sentido de
redefinir a recepção do produto pelas pessoas, usar a publicidade como ins-
trumento para transformar a casa produzida com fins econômicos em objeto de
desejo. Aqui já foi criticada a produção de moradias que exige a reprograma-
ção do morador para que se adapte à nova casa. Agora, o uso da publicidade
vem reforçar essa idéia. Em vez de construir moradias que se adéqüem à von-
tade do habitante, o que se tem é a manipulação por meio de estratégias de
marketing da concepção de valor de uso por parte do consumidor. Mais uma
vez a modificação requerida é a do habitante.
O marketing repete a mesma estratégia usada com qualquer outro tipo de mer-
cadoria e então vai buscar fabricar o gosto das pessoas, inventar demandas
visando criar a sensação de eterna insatisfação. A publicidade dessas habita-
ções apresenta uma série de novas tendências, itens pretensamente originais
que visam causar nos consumidores uma sensação de privação que os induza
                                                           
 
6
FERRARA, Lucrecia D’Alessio. Objeto e Valor. Design e Interiores, São Paulo, n.12, 1989.
56
ao consumo do grande número de moradias ofertado. E aqui retorna a questão
do aproveitamento máximo das áreas não computadas para efeito do cálculo
do potencial construtivo. Áreas pelas quais o incorporador não paga, mas que
são vendidas ao consumidor, como as áreas de lazer de uso comum. Cria-se
então uma série desses itens visando maximizar o potencial lucrativo do em-
preendimento, De maneira que o que está sendo oferecido não é mais apenas
uma casa, é um “novo conceito de moradia”, ou um “novo estilo de vida”: É ne-
cessário que o empreendimento apresente um diferencial em relação não só à
concorrência, mas também em relação a moradias mais antigas, que não pos-
suem esses novos equipamentos. Tais equipamentos forjam a idéia de obso-
lescência das habitações mais velhas, criando assim a sensação de falta. Ao
consumidor, começa a parecer pior a vida sem o requinte de morar num edifico
que conta com um Espaço Gourmet.
Soma-se a esses equipamentos no esforço de criar um diferencial a estratégia
de fortalecimento da marca e o apelo do nome do empreendimento. A incorpo-
radora investe em sua marca e se apresenta como empresa sólida na tentativa
de se diferenciar da concorrência. Além disso, o nome dos empreendimentos
contribui para incitar o querer do consumidor a partir da invenção do novo estilo
de vida. São nomes bucólicos que remetem a lugares propícios a uma felicida-
de utópica na tentativa de afetar o consumidor, capturá-lo em sua emoção. Nas
palavras de Coelho (2002, f.87):
O nome “Île de La Cité” é então o dispositivo que pretende ati-
var esse “afeto” e aliviar a “infelicidade” dos consumidores, a-
través de ressonâncias e evocações de lugares e realidades
distantes, talvez inexistentes, porém desejáveis. [...] É como a
senha que permite ao consumidor “querer” o acesso à “libera-
ção de fantasias desejosas” de uma experiência livre de quais-
quer impedimentos do “princípio da realidade”, através da
construção de uma situação aparentemente singular na mes-
mice absoluta. Os nomes dos produtos imobiliários (edifícios),
nesse sentido, constroem a ponte necessária entre a vida coti-
diana e uma possibilidade utópica.
57
Em relação às habitações novas em oferta, é sintomática essa necessidade de
“construção de uma situação aparentemente singular”, denunciada pelo uso
corrente na publicidade da palavra “diferencial”. Afinal, para moradias que fos-
sem verdadeiramente diferentes entre si o termo não seria aplicável. Nesse
sentido, o simples uso da palavra é a confirmação da pouca variedade de pro-
jetos oferecidos, pois só pode ser aplicado porque se tem edificações quase
idênticas como as produzidas em série. E a diferença vem então forjada pelas
qualidades inerentes à marca, pela felicidade ilusória proposta no nome de ca-
da empreendimento e pela grande variedade de equipamentos do edifício. A
consequência disso é que se tem uma publicidade cada vez mais voltada para
a quantidade em detrimento da qualidade dos espaços.
O que está sendo oferecido não é mais uma moradia, mas um conjunto de i-
tens, tais quais: a solidez da empresa construtora, a fantasia de uma vida bucó-
lica, além de 2 quartos, sala para dois ambientes, cozinha integrada, Varanda
Gourmet, Espaço Fitness, Espaço Gourmet, Espaço Leitura, Espaço Zen, Kids
Room, Baby Place, Gazebo, Playground, Spa, Salão de festas, Garage Band,
Lan House, Home Cinema, Salão de Jogos. Tais itens são propagados por
meio do uso de imagens que retratam pessoas felizes e realizadas pela possi-
bilidade de uso desses equipamentos, provocando frustração naqueles que a
eles não têm acesso. E o que a publicidade espera é que o consumidor seja
tentado a resolver esse sentimento de frustração por meio do impulso consu-
mista. Isto significa que o espaço da habitação não precisa mais ser discutido,
pensado ou modificado. Basta que se estruturem poderosas estratégias de
marketing que garantam a continuidade da impressão de escassez, como a
criação constante desses novos itens, e o projeto padrão estará resguardado.
Essa lógica quantitativa da publicidade é responsável também por expandir a
idéia do espaço mínimo para habitações com área maior. Isso porque, entre
publicitários e corretores de imóveis, percebeu-se mais valiosa a estratégia de
reduzir a área de todos os cômodos da habitação para que se pudessem criar
e anunciar mais cômodos, mais itens. Em se tratando de apartamentos na
58
mesma faixa de preço e mesma área, é comum que o consumidor opte por a-
quele com maior número de cômodos. Em termos de atratividade comercial, é
mais interessante lançar, por exemplo, um apartamento de 3 quartos do que
um com 2 quartos, ambos com a mesma área. O fato de o apartamento de 2
quartos ter a mesma área e, portanto, cômodos mais espaçosos, acaba sendo
desimportante na maioria dos casos, pois a sensação de estar fazendo um
bom negócio será tanto maior para o consumidor quanto maior for o número de
itens que ele irá comprar. Além disso, outros aspectos contribuem para essa
maximização dos itens. Afinal, é possível argumentar que a reforma, pelo mo-
rador, de um apartamento de 3 quartos para transformá-lo em um 2 quartos é
serviço mais simples que o seu contrário. Além disso, não se deve desconside-
rar o desejo de status do consumidor que passa a ser o feliz proprietário de um
3 quartos, em vez de um 2 quartos. De maneira que existe uma tendência à
construção de espaços mínimos, salvo nos casos de empreendimentos de alto
luxo.
Outra abordagem relevante do marketing diz respeito à majoração do valor de
troca da habitação. Nesse caso, a moradia é propagada não apenas enquanto
casa, mas também enquanto bom investimento. Trata-se de estratégia que visa
aumentar a demanda por habitações por meio da propagação da sua liquidez.
Tática peculiar, uma vez que busca alcançar a liquidez do imóvel para a incor-
poradora propagando a idéia de liquidez para o futuro comprador. Tal estraté-
gia retira do primeiro plano a discussão da qualidade do espaço e coloca em
evidência a possibilidade de investimento. Perde espaço o valor de uso em fa-
vor do valor de troca. Tem-se, portanto, mais uma vez, a objetivação do espaço
residencial, a confirmação da casa como mercadoria: a casa-investimento é
produzida para dar lucro para a incorporação e também para seu comprador,
num contexto em que o morador é desimportante.
A FIG.13 ilustra bem a estratégia publicitária acima exposta. O nome do con-
domínio, Reserva dos Sagüis, confirma a tentativa de se criar a ilusão bucólica.
Também figura na publicidade o casal bonito e feliz, proprietário de um aparta-
59
mento “bom de morar”, “bom de investir” e que conta com “área de lazer com-
pleta” onde a criança pode brincar. Trata-se do material publicitário do Resi-
dencial Merindiva, já apresentado neste trabalho nas FIGS. 4 e 5.
FIGURA 13 – Material publicitário do Residencial Merindiva
FONTE: MRV Engenharia
Em relação à liquidez, pode-se dizer também que existe uma tendência do
mercado consumidor a acreditar que produtos padronizados são mais fáceis de
vender porque atenderiam ao gosto médio. Assim, argumenta-se, por exemplo,
que carros com pintura na cor prata ou preta têm mais liquidez do que carros
vermelhos ou amarelos, porque essas são cores com maior personalidade que
podem ocasionar rejeição de um número maior de pessoas, ao contrário do
conservadorismo do preto ou prata. Nesse ponto de vista, a submissão ao gos-
to médio pela necessidade de liquidez serve também para ratificar o projeto
padrão para habitações. Equivale a dizer que um projeto personalizado, adap-
tado ao gosto do morador, teria sua velocidade de venda prejudicada. Em con-
sequência disso é que a Caixa Econômica Federal veda ao morador a realiza-
ção de modificações em apartamentos financiados que ainda não estejam qui-
tados. Tal situação contribui para desenvolver no indivíduo sua resignação ao
espaço, pois ele é levado a crer que a modificação da planta original desvalori-
za seu imóvel. Mudar é, portanto, arriscado. É requerida a resignação à mes-
mice e à impessoalidade da massa.
O arquiteto despachante. a participação do arquiteto na produção habitacional de massa
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O arquiteto despachante. a participação do arquiteto na produção habitacional de massa

  • 1.     Frederico Mourão Bernis O ARQUITETO DESPACHANTE A participação do arquiteto na produção habitacional de massa Belo Horizonte, MG Escola de Arquitetura da UFMG 2008
  • 2.     Frederico Mourão Bernis O ARQUITETO DESPACHANTE A participação do arquiteto na produção habitacional de massa Dissertação apresentada ao Curso de Mes- trado da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção de título de Mestre em Arquitetura. Área de concentração: Teoria e Prática do Projeto de Arquitetura e Urbanismo Orientador: Silke Kapp Escola de Arquitetura da UFMG Belo Horizonte, MG Escola de Arquitetura da UFMG 2008
  • 3.   AGRADECIMENTOS Meus pais, pelo apoio incondicional. Fe, por estar sempre comigo. Flávio, Sílvio e Michelle, por me possibilitarem a realização deste trabalho. Silke, por contribuir de verdade. A todos vocês, muito obrigado.
  • 4.   RESUMO No cenário atual, projetar habitações é tarefa que o arquiteto realiza com pouca autonomia, uma vez que a produção habitacional está subordinada a uma série de fatores. O objetivo do presente trabalho é investigar essa limitada participa- ção do arquiteto na produção habitacional de massa no Brasil, entender suas causas e suas conseqüências na vida das pessoas. Como tarefa inicial, a pro- posta será apresentar fatos vivenciados na minha atuação profissional, inicial- mente como estagiário e depois como arquiteto, e que foram responsáveis pelo surgimento das questões acerca da participação do arquiteto na produção habi- tacional de massa que aqui se pretende discutir. Em seguida, pretende-se evi- denciar que essa produção habitacional de massa está subordinada a uma sé- rie de fatores que regulam o processo de concepção das habitações, limitando o trabalho do arquiteto a tarefas burocráticas: Código de Obras, Lei de Parce- lamento, Ocupação e Uso do Solo, aplicação de sistemas de padronização de processos, estratégias de marketing e necessidade do lucro para o investidor. Finalmente, será proposta desse trabalho discutir a existência de um descom- passo entre o discurso do campo arquitetônico e a vontade do habitante.
  • 5.   LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 – Conjunto Habitacional Bosque dos Jacarandás......................................18 FIGURA 2 – Plantas parecidas ...................................................................................21 FIGURA 3 – Solução preferencial para o banheiro. ....................................................39 FIGURA 4 - Residencial Bologna Life: Implantação....................................................43 FIGURA 5 – Residencial Bologna Life: Planta do Apartamento. .................................43 FIGURA 6 – Residencial Parque Merindiva: Planta do Apartamento. .........................44 FIGURA 7 – Residencial Parque Merindiva: Implantação...........................................44 FIGURA 8 – Fachadas................................................................................................45 FIGURA 9 – Cláusula de contrato de financiamento da Caixa Econômica Federal.....50 FIGURA 10 – Bosque dos Jacarandás: Vista aérea....................................................51 FIGURA 11 – Bosque dos Jacarandás: Planta apto. 2 quartos...................................52 FIGURA 12 – Bosque dos Jacarandás: Placa de advertência. ...................................52 FIGURA 13 – Material publicitário do Residencial Merindiva ......................................59
  • 6.   SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO............................................................................................. 6 2. ARQUITETURA COM BARREIRAS .......................................................... 14 2.1 A imagem do arquiteto ........................................................................ 15 2.2 Espaço inflexível ................................................................................. 18 2.3 Projetos Idênticos................................................................................ 19 3. ARQUITETURA FAST-FOOD ................................................................... 22 3.1 Código de Obras ................................................................................. 24 3.2 LPOUS................................................................................................ 26 3.3 Necessidade do lucro.......................................................................... 32 3.4 Padronização ...................................................................................... 33 3.5 Existência Mínima ............................................................................... 42 3.6 Marketing ............................................................................................ 54 3.7 Faça você mesmo: Manual de Projeto................................................ 62 4. O CAMPO BIPOLAR ................................................................................. 67 4.1 Capital Simbólico ................................................................................ 68 4.2 Arquitetos x Habitantes ....................................................................... 71 4.3 Capital Simbólico na Produção em Série............................................ 75 4.4 O ensino de Arquitetura ...................................................................... 77 4.5 Arquiteto + Habitante .......................................................................... 81 5. CONCLUSÃO............................................................................................ 85 6. REFERÊNCIAS ......................................................................................... 90 7. ANEXO A................................................................................................... 95 8. ANEXO B................................................................................................... 97 9. ANEXO C................................................................................................. 101 SISTEMA DA QUALIDADE............................................................................ 102  
  • 8. 7 O forte crescimento da construção civil está turbinando o resul- tado das empresas que operam no setor. Os balanços semes- trais das principais construtoras mineiras com atuação nacional mostram o vigor de um segmento que vem sendo impulsionado principalmente pelo crédito farto. A MRV anunciou ontem lucro líquido de R$ 117,5 milhões nos seis primeiros meses do ano – um crescimento de 381,8% em relação a igual período de 2007. Já a Tenda apresentou lucro líquido de R$ 42 milhões e receita operacional de R$ 321 mi- lhões, alta de 583%. Ambas atuam com foco em moradias cu- jos preços variam de R$ 60 mil a R$ 130 mil, justamente o segmento mais irrigado pelo crédito. (PAIVA, 2008, p.22) A produção habitacional de massa no Brasil encontra-se hoje num momento de grande crescimento devido a algumas mudanças no cenário econômico do pa- ís. A diminuição da taxa de juros, aliada à estabilidade da economia e ao aumento do crédito imobiliário ao longo dos últimos anos tornou o mercado i- mobiliário atraente para investidores que antes aplicavam seus recursos em outros setores. Com mais pessoas tendo acesso fácil ao crédito imobiliário e maior prazo para pagamento das parcelas, a demanda por unidades habitacio- nais aumentou de maneira substancial. Esse “boom imobiliário” tem significado um importante aumento da produção e oferta de imóveis, em todas as faixas de renda. De acordo com pesquisa feita em abril de 2008 pelo Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis de Minas Gerais – IPEAD, o número de unidades habitacionais vendidas em Belo Horizonte aumentou de 502 no primeiro trimestre de 2006 para 1.185 no primeiro trimestre de 2008 (ANEXO A). Tal aumento no número de vendas, entretanto, ainda parece estar longe de significar a saturação do setor. Em virtude da ainda pequena participação do crédito imobiliário no PIB nacional, em torno de 2%, um percentual muito baixo se comparado a outros países que já passaram por momentos semelhantes, pode-se afirmar que a trajetória ascendente da produção habitacional de massa ainda não atingiu seu ápice: Um exemplo sempre citado é o do México, cuja participação entre os anos de 1995 e 2004 saltou de 1% do PIB para 11%,
  • 9. 8 ou a Espanha, que passou de 19% para 44% em sete anos, e o Chile, que embora tenha tido um crescimento mais modesto, atingiu a expressiva marca de 17% do PIB no ano de 2004. (MAIA NETO, 2007, p.2) Esse cenário de intensa construção e venda de novas moradias modifica rapi- damente a cidade. Casas antigas dão lugares a novas torres de apartamentos em 18 meses. Lotes vagos são ocupados por conjuntos habitacionais. Bairros inteiros são reconstruídos em pouco tempo, enquanto outros novos vão surgin- do. É a produção habitacional como indústria, transformada em oportunidade lucrativa e modificando o espaço urbano em alta velocidade. Para alguns arquitetos e críticos de arquitetura, esse tipo de produção em série que tem como critério primordial de seleção o sucesso econômico não pode ser qualificada como arquitetura. Para Gutman1 (1983) apud Stevens (2003), o úni- co domínio da arquitetura seria o projeto dos “grandes edifícios monumentais de projeção”, ou seja, “templos, palácios, bibliotecas e prefeituras”, “museus, universidades, edifícios governamentais e sedes de corporações”, pois, segun- do ele, estas são as edificações que representam os “valores supremos de uma civilização”. Uma abordagem um pouco menos radical que a de Gutman foi sugerida por Coelho (2002, f.8). Para ele, as habitações produzidas em série são: [...] edifícios desprezados pela arquitetura oficial, que na falta de um termo mais adequado continuam a ser chamados de ar- quitetura, com alguns adjetivos acrescentados: “ordinária”, “co- tidiana”, “de mercado”, comercial ou mesmo arquitetura imobili- ária. Não chamar de arquitetura esses edifícios parece boa estratégia para livrar os arquitetos da responsabilidade de participação na construção da cidade. Exa-                                                               1 GUTMAN, Robert. Architects and Power, The Natural Market for Architecture. Progressive Architecture,. p.40. dez. 1992
  • 10. 9 tamente para ir de encontro a esse tipo de postura apática é que este trabalho partirá de outra definição de arquitetura, mais adequada à intenção que aqui será preconizada: combater a impassibilidade do arquiteto no que diz respeito à produção habitacional de massa e suas conseqüências na modificação do espaço urbano: Proponho que se entenda por arquitetura todo espaço modifi- cado pelo trabalho humano. Essa definição exclui paisagens naturais ou cavernas intocadas e inclui quaisquer paisagens ar- tificiais e construções de toda espécie, sejam elas precedidas por projetos ou não, sejam concebidas por profissionais espe- cializados ou não. Em princípio, não cabe aqui nenhuma distin- ção entre arquitetura e construção, nem tampouco entre as es- calas de edifícios, cidades e paisagens. (KAPP, 2005, p.116) Partindo dessa definição e contrariando aqueles que removem à força a produ- ção habitacional de massa do âmbito da arquitetura, faz-se necessário lembrar que produzir casas em série não é uma idéia recente e teve, em seu nascimen- to, fundamental contribuição de arquitetos. Esse modo de produzir habitações ganha força a partir do surgimento da cida- de industrial, e já marcava presença no discurso de Le Corbusier desde 1923. Em seu livro Por uma Arquitetura, publicado naquele ano, o arquiteto sugere a indústria de automóveis como modelo possível para a produção de habitações. Partindo da premissa de que “todos os homens têm as mesmas necessidades”, Corbusier indica um caminho para solucionar econômica e socialmente o pro- blema da produção habitacional: tender para um estabelecimento de padrões que viabilizasse o emprego mínimo de meios, mão de obra e matéria, alcan- çando o máximo rendimento. Construir a casa como se fabricava o carro. (Le Corbusier, 1989, p.89) A produção habitacional que se tem hoje, em 2008, é a consumação, levada ao extremo, dessa industrialização da construção. A padronização como solução para diminuir os custos e aumentar o lucro deu origem ao chamado “projeto
  • 11. 10 padrão”, que vem sendo construído na cidade em larga escala. Um mesmo projeto para todo mundo, com raras exceções. Nesse cenário, uma figura parece perdida: o arquiteto. A partir do momento que toda a produção habitacional de massa gira em torno de alguns poucos projetos padrão já estabelecidos a priori, o trabalho do arquiteto parece desne- cessário, dispensável. Ora, se o projeto já existe, se já está pronto, para quê o arquiteto? No que diz respeito às discussões relativas à questão habitacional, o arquiteto passou a profissional desimportante, relegado à mera solução pragmática de questões burocráticas. Contratado pelas construtoras, sua tarefa agora consis- te apenas em auxiliar na aprovação dos tais projetos padrão nas prefeituras e nos demais órgãos onde porventura seja necessário aprová-los, além de algu- mas outras tarefas de caráter meramente prático. É o arquiteto que, como um despachante, agiliza o serviço e torna “legal” o projeto padrão que mais tarde ele próprio irá contestar. Isto porque, em seu discurso, os participantes do campo da arquitetura2 são claramente contrários ao projeto desses empreendimentos imobiliários. Erguem sua bandeira contra o pragmatismo exagerado, “desumano”, da cidade e dos edifícios que estão sendo construídos em decorrência da padronização que tem como único fim o sucesso rápido no mercado imobiliário. [...] edifícios e cidades perdem sua capacidade de formar-nos e transformar-nos, tornam-se “pragmáticos”, “financistas”, “estilis- tas”, “burocráticos” ou “cronistas sociais”, a reboque do empíri- co mais banal e vil, do utilitarismo das relações sociais e eco- nômicas, do espetacular e bombástico das formas e técnicas                                                               2 O conceito de campo é discutido por Garry Stevens em seu livro “O Círculo Privilegiado”. Par- tindo da abordagem do sociólogo Pierre Bourdieu ele define campo como sendo um “conjunto de instituições sociais, indivíduos e discursos que se suportam mutuamente”(STEVENS, 2003, p.90).
  • 12. 11 reluzentes nas páginas das revistas, sobretudo especializadas, mas que carecem de um projeto de ser humano e portanto de todo sentido e Humanismo. (BRANDÃO, 2005, p.50) Nos dias de hoje é evidente o fracasso de uma arquitetura que recorreu sistematicamente à padronização e à pré- fabricação em série, isto é, à progressiva industrialização da produção de todo tipo de objetos relativos à vida cotidiana. (VELLOSO, 2007) O que se tem, portanto, é uma situação esquizofrênica. Ao mesmo tempo em que condenam abertamente a produção padronizada de habitações em massa, os arquitetos continuam a participar, mesmo que passivamente, e a legitimar essa produção que tanto criticam. Como se não tivessem alternativa, como se fossem obrigados a aceitar uma situação da qual discordam, mas contra a qual nada podem fazer. Uma produção habitacional como essa, que tem como prio- ridade o lucro e em torno dele é estruturada, dispensa a participação crítica dos arquitetos. Alienados do processo decisório, parecem restar-lhes apenas duas opções: realizar o serviço burocrático proposto ou não participar. E quem sofre as conseqüências é o habitante. Pois é ele quem consome em larga escala esta casa-produto tão condenada pelo campo da arquitetura. Tem-se, deste modo, um descompasso entre o discurso do campo arquitetônico e a realidade da produção habitacional de massa legitimada pelos arquitetos. Partindo desses paradoxos, essa pesquisa tem como intenção compreender o processo que culminou nessa produção habitacional de massa caracterizada pela participação burocrática do arquiteto e pela disseminação de projetos pa- drão. Tal discussão parece bastante oportuna no momento atual da construção civil do país, em que a produção de moradias se dá em ritmo tão acelerado. O objetivo é conseguir entender se o arquiteto tem outra possibilidade de atua- ção, além da burocrática, nessa produção habitacional tão intensa que signifi- ca, em conseqüência, também a construção da cidade. Afinal, caso se conclua ao final da pesquisa tratar-se de profissional realmente dispensável ou impo- tente, cujos esforços serão sempre vãos, aqui será defendido o seu afastamen- to declarado dessa atuação como mero despachante das grandes construtoras
  • 13. 12 ou, no mínimo, uma mudança no discurso. E, aí sim, a volta do seu empenho para a concepção dos edifícios monumentais, artísticos e extraordinários. O trabalho será organizado ao longo de três capítulos, de maneira que seja possível entender a produção habitacional de massa que se tem hoje, anali- sando criticamente o tipo de moradia que tem sido construída, o processo da sua produção e a participação do arquiteto nesse processo. O primeiro passo será apresentar dois momentos distintos de experiências vi- vidas na minha atuação profissional, inicialmente como estagiário na obra de um conjunto habitacional e posteriormente como arquiteto projetando edifícios habitacionais para incorporadoras. A apresentação, neste trabalho, dessas vi- vências, se justifica uma vez que foi a partir daí que começaram a surgir as primeiras questões relacionadas à limitação da participação do arquiteto na produção habitacional de massa, tema central dessa pesquisa, e as conse- qüências disso na vida do morador. No segundo capítulo, será apresentado o panorama da produção atual, por meio da listagem e exame dos principais fatores que realmente influenciam no projeto. Será objeto desta etapa a análise das interações do projeto com a Lei de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo – LPOUS, o Código de Obras de Belo Horizonte e as estratégias publicitárias, passando pelas certificações que visam à padronização dos processos, até as interferências dos investidores em busca da remuneração máxima de seu capital investido. Complementado este passo, será avaliada a participação quase dispensável do arquiteto na concep- ção desses empreendimentos imobiliários baseados num projeto padrão am- plamente reproduzido na cidade e cuja arquitetura é ao mesmo tempo tão combatida pelos arquitetos e tão consumida pelos habitantes. Posteriormente, pretende-se abordar o distanciamento entre o discurso do campo arquitetônico e a vontade do habitante. É necessário aqui entender por que essa “arquitetura imobiliária” tão maldita pelo arquiteto é tão rapidamente
  • 14. 13 consumida pela cidade, a ponto de gerar atrativa lucratividade para construto- ras, incorporadoras e investidores. E compreender se há para o arquiteto al- guma alternativa a essa participação burocrática na produção de moradias.      
  • 16. 15 2.1 A imagem do arquiteto Em primeiro lugar, faz-se importante salientar que o cenário que neste capítulo será descrito foi construído a partir de impressões pessoais coletadas desde a experiência como aluno do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFMG até o trabalho como arquiteto na área da produção habitacional de massa. Não se trata, portanto, de panorama construído a partir de pesquisa ou estudo sistemá- tico. Sua menção aqui se faz necessária porque tais impressões pessoais é que foram, num primeiro momento, responsáveis pelo surgimento das questões acerca da participação do arquiteto na produção habitacional de massa que aqui se pretende discutir. Algum tempo após ter ingressado, no segundo semestre de 1994, no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal e Minas Gerais, comecei a perceber uma situação incômoda: não parecia boa a imagem do arquiteto entre os não-arquitetos. Ao apresentar-me como aluno de arquitetura, não raro ouvia das pessoas que não eram arquitetas reclamações em relação à postura do arquiteto. De maneira geral, alertavam-me a respeito de um comportamento autoritário que seria compartilhado por grande parte da classe arquitetônica. De acordo com minha observação ao longo do curso de arquitetura, para gran- de parte dos clientes e pessoas que haviam contratado algum arquiteto, sua imagem não era a do profissional cuja participação contribuía para a solução das demandas propostas. Pelo contrário, freqüentemente o arquiteto era visto como um dificultador, como alguém que buscava com freqüência impor vonta- des suas que não coincidiam com a vontade do cliente. Tais vontades seriam justificadas por um certo “gosto apurado” exclusivo dos arquitetos e inacessí- vel, portanto, às pessoas de fora do campo arquitetônico. Chamou-me a aten- ção a opinião que muitas pessoas tinham a respeito da relação entre arquiteto e cliente: que esta se dava menos como parceria e mais como enfrentamento. Além disso, como estagiário de escritórios de arquitetura, pude novamente constatar em certas ocasiões juízos desfavoráveis à figura do arquiteto a partir
  • 17. 16 do contato não com clientes, mas com engenheiros e outros profissionais dire- tamente ligados ao canteiro de obras. Para alguns desses profissionais, os ar- quitetos desenvolviam seu trabalho de maneira arrogante ou desengajada ao tomar as decisões de projeto de maneira isolada no conforto de seus escritó- rios, totalmente desconectados das atividades do canteiro de obras. Na opinião desses engenheiros, exatamente por causa desse distanciamento em relação ao canteiro de obras, por não terem que se submeter às conseqüências dos seus traços, os arquitetos não se ocupavam das implicações de suas próprias decisões. Eram identificados, portanto, como profissionais que imaginavam projetos que atendessem aos seus próprios anseios e que ao mesmo tempo mostravam-se de difícil execução no canteiro de obras. Trata-se, portanto, de cenário em que o arquiteto vai de encontro à vontade de clientes e engenhei- ros, e a idéia de parceria e colaboração perde espaço para o confronto. Ao mesmo tempo, era comum ouvir da maioria dos meus professores do curso de Arquitetura e Urbanismo constantes reclamações acerca do trabalho do ar- quiteto. De acordo com essas reclamações, clientes e engenheiros habitual- mente “desrespeitavam” os projetos propostos pelo arquiteto, de maneira que o espaço originado ficava sempre “aquém” daquele inicialmente imaginado. Em resumo, o que se tinha era um cenário caracterizado pela presença antagônica de arquitetos que reclamavam de clientes e engenheiros e, simultaneamente, de engenheiros e clientes insatisfeitos com arquitetos. Enfim, um universo mar- cado pela pouca colaboração entre as partes envolvidas. Esse desencontro das idéias do arquiteto com as dos seus clientes abria espa- ço para que outros profissionais disputassem esse mercado. Não por acaso, o número de projetos solicitados aos arquitetos diminuía enquanto aumentava a participação de decoradores e engenheiros nos serviços relacionados à arqui- tetura. Esses profissionais, mais habilidosos no trato com seus clientes, carre- gavam a fama de, ao contrário do que faziam os arquitetos, executar mais pre- cisamente aquilo que o cliente desejava.
  • 18. 17 Não por acaso, em reportagem da Revista Veja (CAMPOS, 2003), o arquiteto aparecia como profissional mais mal remunerado em comparação com várias outras profissões: administradores de empresas, biólogos, analistas de siste- mas, advogados, economistas, professores de educação física, enfermeiros, engenheiros, geógrafos, jornalistas, licenciados em letras, matemáticos, médi- cos, dentistas, psicólogos e publicitários, todos com dez anos de formados. A arquitetura passa por uma fase difícil, com remuneração bai- xa e taxa de desemprego elevada. Mesmo profissionais talen- tosos ganham pouco após dez anos de formados. O mau mo- mento se deve a uma relação umbilical entre arquitetura e crescimento econômico. Se o país não cresce, a construção ci- vil funciona devagar, e isso afeta diretamente o trabalho dos arquitetos[...]. Atenção: há poucos empregos fixos nos grandes escritórios de arquitetura. (CAMPOS, 2003) Para a Revista Veja, portanto, os baixos salários dos arquitetos eram conse- qüência da crise no mercado da construção civil. Entretanto, a mesma reporta- gem aponta a engenharia como profissão destacada no cenário nacional, tendo assumido “papel de destaque no mercado de trabalho” (CAMPOS, 2003). O salário de um engenheiro com dez anos de profissão, de acordo com o levan- tamento feito pela Revista, era maior que o dobro do salário de um arquiteto com a mesma experiência. Significa dizer, então, que os engenheiros não teri- am sofrido como os arquitetos as conseqüências da tal crise no mercado da construção civil. Para um futuro arquiteto, o que se desenhava era um panorama preocupante. Em síntese, mostrava o arquiteto como profissional desvalorizado, seja pela postura autoritária que originava constantes confrontos com seus clientes, seja pelo desengajamento em relação às conseqüências do seu projeto na atividade no canteiro de obras, seja pela perda constante de espaço no seu campo de atuação para decoradores e engenheiros.
  • 19. 18 2.2 Espaço inflexível Num primeiro momento, em busca de uma alternativa a esse desengajamento do arquiteto na sua relação com a construção, tão criticado pelos engenheiros, pareceu-me importante experimentar o trabalho no canteiro de obras. Em virtu- de disso, ainda estudante de arquitetura, fui trabalhar como estagiário na obra de um conjunto habitacional, um empreendimento da Construtora Tenda situa- do em Betim, denominado Bosque dos Jacarandás. Eram 340 apartamentos divididos em 17 torres de 5 andares, com 4 apartamentos por andar. Cada an- dar composto por três apartamentos de 3 quartos e um apartamento de 2 quar- tos, com área de 62 m2 e 50 m2 , respectivamente, incluídas as varandas (FIG. 01).   FIGURA 1 – Conjunto Habitacional Bosque dos Jacarandás Fonte: Foto do Autor O estágio na obra do conjunto habitacional foi interessante para trazer à tona uma questão importante, um dos objetos de discussão desse trabalho: o des- prezo à vontade do morador na produção habitacional de massa. Explico: era tarefa minha, como estagiário, acompanhar durante a obra os futuros morado- res em suas visitas aos apartamentos ainda em construção. Eram apartamen-
  • 20. 19 tos muito pequenos em que todas as paredes eram utilizadas como elemento estrutural de suporte do edifício. De maneira que era vedada qualquer possibi- lidade de reforma que significasse a retirada ou a modificação de alguma pare- de. Acompanhando-os em suas visitas aos apartamentos ainda em construção, pude perceber que muitas vezes esses moradores só vinham a ter consciência do real tamanho do apartamento nessas visitas à obra: não conseguiam ter essa percepção apenas por meio da análise da planta. E ao perceberem o es- paço diminuto de sua futura moradia, era comum que se confortassem imagi- nando ou sugerindo um aproveitamento melhor do espaço a partir de modifica- ções nas paredes internas que fossem ao encontro das necessidades de cada um. Nesse momento, era obrigação minha alertá-los a respeito da proibição de quaisquer modificações nas alvenarias sob pena de colocar em risco toda a estrutura do prédio. Sendo assim, tive que presenciar por diversas vezes a frustração desses futuros moradores quando informados dessa impossibilidade de retirada ou modificação de qualquer parede. Também por diversas vezes fui por eles questionado a respeito dos motivos que conduziam à adoção daquele sistema estrutural tão impeditivo para o habitante. 2.3 Projetos Idênticos Alguns anos depois, após concluir o curso de Arquitetura e Urbanismo, tive contato com outra questão importante, tema central dessa pesquisa: a limita- ção da participação do arquiteto na produção habitacional de massa. Pouco tempo de trabalho na área de projetos foi suficiente para perceber que a con- cepção de edifícios habitacionais está organizada em torno de uma série de fatores preestabelecidos que impedem uma participação real do arquiteto. Par- ticipação essa que não se resuma apenas à resolução de problemas burocráti- cos. Na verdade, o tipo de trabalho que era valorizado pelos contratantes era aquele realizado de forma rápida e pragmática, sem grandes questionamentos,
  • 21. 20 bem diferente da arquitetura ensinada nas escolas e tão valorizada entre os arquitetos. O que se via era uma série de fórmulas, leis e manuais de padronização que deveriam ser obrigatoriamente obedecidos e limitavam o trabalho do arquiteto ao mesmo tempo em que buscavam garantir, para o construtor, um produto final (o edifício) padronizado. Tal constatação ficou ainda mais evidente quan- do, pouco tempo após finalizar o projeto de um edifício de apartamentos de 4 quartos para a Collem Construtora, deparei-me com outro projeto com planta quase idêntica, idealizado por outro arquiteto para Construtora Concreto. Assim como num jogo dos 7 erros, ficava difícil para mim, autor de um dos projetos, encontrar diferenças significativas entre uma planta e outra (FIG. 02). Esse episódio evidenciou para mim a necessidade das construtoras e incorpo- radoras de garantirem uma padronização do seu produto de acordo com cada faixa de renda. Basta ampliar o olhar para além dessas plantas aqui demons- tradas e perceber a pouca variedade entre os projetos disponíveis no mercado, sempre levando em consideração moradias voltadas para uma mesma faixa de renda. Além disso, fica enfatizada a eficiência dos já citados fatores que limitam o trabalho do arquiteto em garantir a padronização e o controle da produção desejado pelas incorporadoras. Faz-se necessário agora, portanto, esclarecer quais são tais fatores e analisá-los, buscando com isso visualizar melhor o real papel do arquiteto na produção habitacional de massa atual.
  • 22. 21   FIGURA 2 – Plantas parecidas: Collem Construtora (acima) e Construtora Con- creto (abaixo). Fonte: Collem Construtora e Construtora Concreto.
  • 24. 23 De acordo com informações já apresentadas no capítulo introdutório deste tra- balho, o atual cenário econômico do Brasil tem favorecido o crescimento da construção civil. A questão da moradia deixou de ser assunto exclusivo do po- der público para ganhar expressiva participação da iniciativa privada, que des- cobriu nessa área grande oportunidade de multiplicação do seu capital. O consumidor brasileiro hoje tem maior facilidade para adquirir imóveis, uma vez que o crédito imobiliário se encontra mais acessível, com juros menores que os praticados no passado recente, e com maior prazo para pagamento das parcelas. Esse quadro propicia ao consumidor um planejamento de suas des- pesas que em épocas de instabilidade econômica eram impensáveis, e que resulta no aumento significativo da demanda por unidades habitacionais. A formulação, pelo Governo Federal, de uma nova política habitacional que aposta na construção civil como importante vetor de crescimento econômico potencializou o setor. Medidas tomadas pelo governo atraíram para a constru- ção civil investidores que logo puderam confirmar o potencial lucrativo do setor habitacional. O resultado disso é o grande crescimento da produção de mora- dias no Brasil e o conseqüente aumento da oferta de imóveis para a população. Medidas para estimular o crédito imobiliário dinamizaram o se- tor. A Lei Federal 10.391 /2004 deu maior segurança jurídica para o financiamento; resolução de 2005 do Conselho Monetá- rio Nacional obrigou os bancos cumprirem a exigência legal de investir em habitação os recursos da poupança; como conse- qüência destas medidas, 25 empresas imobiliárias abriram seus capitais na bolsa, captando mais de 20 bilhões de dólares no mercado de capitais. (BONDUKI, 2008) Por uma série de razões que aqui serão discutidas, a participação do arquiteto é bastante limitada nesse cenário de grande investimento no setor habitacional. Da forma como ocorre hoje a produção habitacional de massa no Brasil, a par- ticipação do arquiteto está obrigatoriamente subordinada a vários fatores esta- belecidos a priori e sobre os quais o arquiteto tem pouca ou nenhuma influên- cia: a legislação em vigor, a necessidade de maximização do lucro, o manual
  • 25. 24 de padronização de projetos fornecido pela construtora, os sistemas de gestão da qualidade. Subordinada de tal forma que destina ao arquiteto a possibilidade de participação apenas burocrática no processo. Sendo assim, para poder analisar criticamente o papel do arquiteto nessa fabri- cação sistematizada de moradias, será necessário entender como se dá sua atuação no encontro com esses principais fatores que hoje balizam a produção habitacional de massa e limitam o seu trabalho. A próxima etapa deste trabalho será, portanto, a apresentação desses principais fatores acompanhada de uma análise das suas conseqüências no trabalho do arquiteto e nos projetos de edi- fícios habitacionais. 3.1 Código de Obras O Regulamento de Construções da Prefeitura de Belo Horizonte foi instituído pelo Decreto-Lei nº 84, de 21 de dezembro de 1940, quando o Prefeito da ci- dade era Juscelino Kubitschek. A partir dessa data, “a licença para qualquer construção, demolição, reforma, modificação e acréscimo de edifícios, ou suas dependências, muros, gradis, balaustradas, depende de prévia aprovação, pela Prefeitura, dos planos e projetos das respectivas obras” (BELO HORIZONTE, 2008a). O texto do Código de Obras é “inteiramente pautado na monofuncionalidade dos espaços” (KAPP, 2008), na lógica taylorista que divide o espaço em cômo- dos de acordo com o uso e o tempo previsto para cada atividade. Cada função dá nome a um cômodo. A cozinha para cozinhar, o dormitório para dormir, o banheiro para tomar banho. O espaço é dividido de acordo com suas funções. Segue abaixo um trecho do texto para que se possa entender melhor o que significa em termos práticos essa aplicação da lógica funcionalista:
  • 26. 25 Compartimentos 1 - Classificação e Pés-direitos Art. 65 - Para os efeitos deste Regulamento, o destino dos compartimentos não será considerado apenas pela sua desig- nação no projeto, mas também pela sua finalidade lógica, de- corrente da disposição em planta. Art. 66 - Os compartimentos são classificados em: a) compartimentos de permanência prolongada (diurna e no- turna); b) compartimentos de utilização transitória; c)compartimentos de utilização especial. Art. 67 - São compartimentos de permanência prolongada: dormitórios, refeitórios, salas de estar, de visitas, de música, de jogos, de costura, lojas, armazéns, salas e gabinetes de traba- lho, escritórios, consultórios, estúdios e outros de destino semelhante. Art. 68 - São compartimentos de utilização transitória: vestíbu- lo, sala de entrada, sala de espera, corredor, caixa de escada, rouparia, cozinha, copa, despensa, gabinete sanitário, banhei- ro, arquivo, depósito e outros de destino semelhante. Art. 69 - Serão compartimentos de utilização especial aqueles que, pela sua finalidade, dispensem abertura para o exterior: câmara escura, frigorífico, adega, armário e outros de natureza especial. (BELO HORIZONTE, 2008a) O próprio título do capítulo, “Compartimentos”, já evidencia a pré-concepção do espaço como sendo obrigatoriamente um todo dividido em partes, ou cômodos, e ignora a possibilidade de qualquer alternativa. Essa visão funcionalista ganha ainda mais forma quando, no artigo 65, o Decreto-Lei fala em “destino dos compartimentos” e “finalidade lógica, decorrente da disposição em planta”. Ou seja, a lei presume que o tal compartimento deve se reservar a um uso especí- fico que é consequência de um arranjo bidimensional originado pela vontade do projetista. Chama também atenção a classificação dos compartimentos de a- cordo com o tempo de permanência, com base no tipo de uso ao qual ele se presta, por exemplo: utilização prolongada para o compartimento de dormir, utilização transitória para o compartimento de cozinhar. A partir desse critério de tempo de permanência, a área mínima de cada compartimento é então esti- pulada pelo Código de Obras.
  • 27. 26 O texto é carregado de uma série de concepções, ou pré-concepções, típicas do pensamento funcionalista. No pequeno trecho aqui apresentado, pôde-se perceber em primeiro lugar a aplicação da lógica taylorista de ordenação do espaço por meio de sua divisão em cômodos de acordo com o tipo de atividade e o tempo requerido para sua realização e a assunção. E depois a eleição de um profissional, arquiteto ou engenheiro, por exigência do próprio Código de Obras, como sendo o responsável por essa organização em planta, pelo “tra- çado regulador” que garante contra o arbitrário (Corbusier, 1989, p.47). 3.2 LPOUS A Lei 7.166/96, sancionada em 27 de agosto de 1996 pelo então Prefeito Pa- trus Ananias, estabelece normas e condições para parcelamento, ocupação e uso do solo urbano em Belo Horizonte. No texto, o território do Município é di- vidido em zonas, de acordo com os “potenciais de adensamento e as deman- das de preservação e proteção ambiental, histórica, cultural, arqueológica ou paisagística” (BELO HORIZONTE, 2008b). São elas: I - Zona de Preservação Ambiental - ZPAM -; II - Zona de Proteção - ZP -; III - Zona de Adensamento Restrito - ZAR -; IV - Zona de Adensamento Preferencial - ZAP -; V - Zona Central - ZC -; VI - Zona Adensada - ZA -; VII - Zona de Especial Interesse Social - ZEIS -; VIII - Zona de Grandes Equipamentos - ZE. Art. 6º - São ZPAMs as regiões que, por suas características e pela tipicidade da vegetação, destinam-se à preservação e à recuperação de ecossistemas. [...] É vedada a ocupação do so- lo nas ZPAMs, exceto por edificações destinadas exclusiva- mente ao seu serviço de apoio e manutenção. Art. 7º - São ZPs as regiões sujeitas a critérios urbanísticos es- peciais, que determinam a ocupação com baixa densidade e maior taxa de permeabilização, tendo em vista o interesse pú- blico na proteção ambiental e na preservação do patrimônio histórico, cultural, arqueológico ou paisagístico [...].
  • 28. 27 Art. 8º - São ZARs as regiões em que a ocupação é desestimu- lada, em razão de ausência ou deficiência de infra-estrutura de abastecimento de água ou de esgotamento sanitário, de preca- riedade ou saturação da articulação viária interna ou externa ou de adversidade das condições topográficas [...]. Art. 9º - São ZAs as regiões nas quais o adensamento deve ser contido, por apresentarem alta densidade demográfica e inten- sa utilização da infra-estrutura urbana, de que resultam, sobre- tudo, problemas de fluidez do tráfego, principalmente nos corredores viários. Art. 10 - São ZAPs as regiões passíveis de adensamento, em decorrência de condições favoráveis de infraestrutura e de to- pografia. Art. 11 - São ZCs as regiões nas quais é permitido maior aden- samento demográfico e maior verticalização das edificações, em razão de infra-estrutura e topografia favoráveis e da confi- guração de centro [...] Art. 12 - São ZEISs as regiões nas quais há interesse público em ordenar a ocupação, por meio de urbanização e regulariza- ção fundiária, ou em implantar ou complementar programas habitacionais de interesse social, e que se sujeitam a critérios especiais de parcelamento, ocupação e uso do solo [...]. Art. 13 - São ZEs as regiões ocupadas por grandes equipa- mentos de interesse municipal ou a eles destinadas. (BELO HORIZONTE, 2008b) Para cada uma dessas zonas a lei estabelece parâmetros urbanísticos especí- ficos que visam regular as edificações e com isso garantir o grau de adensa- mento e o tipo de uso desejados. A Quota de Terreno por Unidade Habitacio- nal, por exemplo, é o instrumento da lei que determina o número máximo de unidades habitacionais permitidas em um terreno. Sua finalidade é “controlar o nível de adensamento nas edificações destinadas ao uso residencial ou na par- te residencial das de uso misto”. (BELO HORIZONTE, 2008b) Outro parâmetro estabelecido pela LPOUS é o Coeficiente de Aproveitamento – CA, que determina a área líquida máxima permitida de uma edificação em um terreno. De acordo com a lei, o “potencial construtivo é calculado mediante a multiplicação da área total do terreno pelo Coeficiente de Aproveitamento – CA, da zona em que se situa”. (BELO HORIZONTE, 2008b)
  • 29. 28 Esse potencial construtivo, produto do CA e da área do terreno, é fator de grande importância para a produção habitacional de massa. Isso porque o pre- ço dos terrenos está diretamente relacionado ao seu potencial construtivo. Paul Singer (1982, p.27) explica que: A demanda do solo urbano para fins habitacionais [...] distingue vantagens locacionais, determinadas principalmente pelo maior ou menor acesso a serviços urbanos, tais como transporte, serviços de água e esgoto, escolas comércio, telefone, etc., e pelo prestígio social da vizinhança. Imagine-se a seguinte situação: duas unidades habitacionais idênticas situadas em terrenos idênticos, mas em locais distintos. De acordo com o que hoje se vê no mercado imobiliário, será mais valorizada aquela de melhor localização, sob a ótica dos fatores apresentados por Singer, dentre os quais de destacam o acesso a serviços urbanos e o prestígio social. Como são unidades habitacio- nais idênticas construídas em terrenos iguais, imagina-se que o custo de cada construção terá sido bem próximo um do outro. Mas o preço de venda da uni- dade habitacional será diferente, a habitação melhor localizada será mais cara. O terreno de melhor localização propicia um maior retorno financeiro. Essa propriedade multiplicadora do capital é repassada para o preço do terre- no. O valor a ser pago na sua aquisição está diretamente ligado ao retorno fi- nanceiro que ele pode propiciar ao investidor. O que dita o preço do terreno são basicamente dois fatores: potencial construtivo e localização. Ao adquirir um terreno, o investidor está pagando pela área líquida máxima de construção permitida e pelo seu potencial multiplicador de capital. Ou seja, quantos metros quadrados será possível construir e quanto custará cada metro quadrado. Por isso a importância, para o mercado imobiliário, do Coeficiente de Aproveita- mento. É importante falar em área líquida máxima de construção permitida, porque a LPOUS determina quais áreas construídas não devem ser computadas como
  • 30. 29 área líquida, e isso tem impacto importante na definição da habitação e no tra- balho do arquiteto. Art. 46 - Não são computadas, para efeito de cálculo do CA: I - a área destinada a estacionamento de veículos, exceto se si- tuada em edifícios-garagem [...]; II - os pilotis destinados a estacionamento de veículos ou a la- zer e recreação de uso comum, nas edificações residenciais multifamiliares ou de uso misto cujo pavimento-tipo tenha uso exclusivamente residencial; III - os pilotis destinados a serviços de uso comum do condo- mínio nas edificações não residenciais; IV - a área situada ao nível do subsolo, destinada a lazer e re- creação de uso comum em edificações residenciais multifamili- ares; V - a área de circulação vertical coletiva; VI - a área de circulação horizontal coletiva até o limite corres- pondente à 2 (duas) vezes a área da caixa dos elevadores; VII - as varandas abertas - situadas em unidades residenciais - que tenham área total equivalente a até 10% (dez por cento) da área do pavimento onde se localizam [...]; XIV - a área equivalente a até 20% (vinte por cento) da do pa- vimento imediatamente abaixo, em edificações na cobertura, integrante de unidade residencial, desde que a área total edifi- cada na cobertura não ultrapasse 50% (cinqüenta por cento) da do pavimento imediatamente inferior; A conseqüência dessas disposições da LPOUS é o estabelecimento de vários pressupostos que limitam ainda mais a participação do arquiteto, e a obediên- cia a novas regras é exigida. Por exemplo: como o investidor pagou pelo po- tencial construtivo do terreno, é absolutamente necessário que o empreendi- mento projetado utilize todo esse potencial construtivo. O contrário significaria minimização do lucro. Outra exigência é a exploração máxima, no projeto, das áreas não computadas como área líquida. Trata-se, como se verá mais adiante neste trabalho, de importante estratégia das incorporadoras para maximizar a remuneração do capital investido. De maneira que os 10% relativos à área de varanda, os 20% de área de cobertura e todas as áreas de lazer e recreação de uso comum devem ser explorados ao máximo visando propiciar o aumento do preço da unidade habitacional para o consumidor. Em resumo, essas áreas
  • 31. 30 não computadas como área líquida não são compradas pela incorporação, mas são vendidas ao consumidor. Em razão dos fatores acima expostos, pode-se afirmar que os parâmetros da LPOUS influenciam diretamente o tipo de trabalho exercido atualmente pelo arquiteto, à medida que mediam a produção das edificações objetivamente, por meio da aplicação de valores em fórmulas matemáticas relacionadas à área do terreno. A própria Prefeitura de Belo Horizonte – PBH - disponibiliza uma carti- lha que decodifica a lei e a apresenta, simplificada, em forma de tabelas onde figuram os valores específicos de cada parâmetro de acordo com o zoneamen- to (ANEXO B). As fórmulas matemáticas que complementam a lei podem ser facilmente convertidas em planilhas. De maneira que, para atender às exigên- cias legais, basta ao projetista extrair corretamente das tabelas os valores dos parâmetros da lei e inseri-los em planilhas. TABELA 1 Planilha para estudo de potencial construtivo ESTUDO DE POTENCIAL CONSTRUTIVO DADOS DO TERRENO LOTE(S) QUARTEIRÃO CLASSIFICAÇÃO VIÁRIA 001 06 COLETORA BAIRRO LOGRADOURO LARGURA SANTO ANTÔNIO RUA CARANGOLA >=10 E <15 PARÂMETROS DA LPOUS (LEI 7166) ÁREA DO TERRENO EM m2 ZONEAMENTO Nº REAL DE UNIDADES 2000,00 ZA 50 COEFICIENTE DE APRO- VEITAMENTO (CA) QUOTA DE TERRENO POR UNID. HABITACIONAL (Q ) ÁREA DA UNIDADE SEM VARANDA EM m2 1,5 40 60 POTENCIAL CONSTRUTIVO EM m2 Nº MÁXIMO DE UNIDADES ÁREA DA UNIDADE COM VARANDA EM m2 3000,00 50 66,00 Fonte: Produzida pelo autor. Os dados em negrito são os resultados apresentados pela plani- lha após a inserção correta dos valores dos parâmetros da LPOUS.
  • 32. 31 A TAB. 1 é um exemplo de planilha criada para decodificar a legislação. Ao se inserir na planilha a área do terreno e os valores relativos aos parâmetros CA e Q, retirados das tabelas fornecidas pela PBH (ANEXO B), tem-se automatica- mente o potencial construtivo, o número máximo de unidades permitidas na- quele terreno e a área de cada unidade-tipo. Tal procedimento não abrange a produção de edificações em sua completude. É insatisfatório, pois se resume a um mero manejo de dados e fórmulas. Estimula o projetista, pela repetição co- tidiana, a manipular a edificação apenas quantitativamente. Atualmente, a necessidade econômica de rapidez na concepção, construção e lançamento de novos empreendimentos exige por parte do projetista, seja ele arquiteto ou engenheiro, grande pressa desde o estudo de viabilidade de um empreendimento até a finalização do seu projeto para aprovação nos órgãos legais. A lógica da construção é a mesma da linha de montagem da indústria, continua valendo a velha máxima que diz que tempo é dinheiro. Pouco tempo gasto entre projeto e obra agrada o investidor. Nesse cenário, os profissionais de projeto que por qualquer motivo não atendam a essa demanda por soluções instantâneas necessariamente serão excluídos do processo. Apenas os mais pragmáticos serão selecionados, aqueles que com irrefletida rapidez inserem os dados corretos nas planilhas corretas e encaminham os resultados, dando rápido andamento ao processo. O próprio funcionamento do sistema colabora para eliminar da produção habitacional de massa aqueles que se propõem a realizar o trabalho com mais reflexão e menos imediatismo. Esse caminho construído pelo próprio homem, que surge da necessidade de regulamentação da ocupação e uso do solo e termina na manipulação de plani- lhas, corrobora a afirmação de Flusser (1983, p.14) acerca da existência de uma tendência cultural rumo à objetivação que distancia o homem do seu pro- pósito inicial. Para regulamentar a construção cria-se uma lei, que é depois de- codificada e apresentada na forma de tabela. Dessa tabela dados são extraí- dos e inseridos em fórmulas cujos resultados significam a adequação à norma. De maneira que um longo caminho é criado entre o homem e a edificação. E a
  • 33. 32 repetição rotineira, irrefletida e apressada desse caminho cria um projetar cada vez mais mecânico, o que contribui para um distanciamento cada vez maior entre o homem e a arquitetura. 3.3 Necessidade do lucro No Brasil, a participação do capital privado tem sido cada vez maior na produ- ção habitacional. Empresas do setor imobiliário e de construção recentemente se transformaram em sociedades anônimas abertas, isto é, abriram seu capital na Bolsa de Valores e com isso captaram recursos para aumentar seus inves- timentos na produção habitacional. Vale lembrar que a legislação brasileira es- tabelece que o objeto social da sociedade anônima é qualquer empreendimen- to “de fim lucrativo” (BRASIL, 2008a). E, para o caso específico da sociedade anônima aberta, a lei proíbe seu administrador de “deixar de aproveitar oportu- nidades de negócio de interesse da companhia” (BRASIL, 2008a). A incorporação imobiliária é a atividade empresarial que tem por objeto a cons- trução e comercialização, durante a obra, de unidades imobiliárias autônomas integrantes de edificações coletivas (BRASIL, 2008b). Ou seja, para essas in- corporadoras a produção habitacional é o tal empreendimento de fim lucrativo, tendo o administrador a obrigação de defender os interesses da empresa, a- proveitando as oportunidades de negócio. De maneira que o não aproveita- mento das oportunidades de negócio pelo administrador, qualquer posiciona- mento seu contrário ao interesse lucrativo da empresa, será infração da lei. E a obtenção do lucro na produção habitacional financiada pelo investimento privado é essencial também para a competitividade da aplicação nesse setor em relação a outros investimentos possíveis. No caso de empresas que não têm capital próprio disponível para, por exemplo, comprar o terreno, a estraté- gia para atrair parceiros investidores e viabilizar a incorporação é justamente a oferta da oportunidade lucrativa. Ao parceiro é ofertada uma permuta: ele com- pra o terreno e recebe em troca unidades habitacionais com valor relativo à
  • 34. 33 remuneração do investimento feito na aquisição do terreno. Ora, fica fácil per- ceber então que a entrada ou não do parceiro no negócio só irá acontecer caso a incorporação garanta uma rentabilidade competitiva em relação a outros tipos de aplicações disponíveis. Para o investidor, não se trata de construir habita- ções, e sim de remunerar o capital. É esse o seu interesse. Sendo assim, não é exagero afirmar que toda produção habitacional financiada pelo capital privado tem como premissa a obtenção de lucro. Enquanto a lucra- tividade estiver garantida e num patamar competitivo em relação a outras pos- síveis aplicações, os investimentos no setor continuarão acontecendo. Caso a lucratividade da aplicação na construção de moradias não seja competitiva, a tendência é que ocorra a diminuição até a extinção dos investimentos nessa área e, portanto, também a interrupção da produção das moradias. A casa não é outra coisa senão um investimento, uma possibilidade de multiplicação de capital. Essa exigência de rentabilidade leva as empresas do setor a adotarem proce- dimentos de controle sobre todas as fases da construção, desde o projeto até a conclusão da obra. Faz-se necessário produzir as moradias dentro de um sis- tema que proteja a multiplicação do capital investido e garanta a continuidade da produção habitacional. Controlar o processo de fabricação das habitações significa poder determinar o seu custo, prever o seu preço de venda, e com isso, o lucro. Esse controle torna-se absolutamente necessário porque permite projetar a lucratividade esperada de um determinado empreendimento imobiliá- rio e compará-la a outras opções de aplicações. E tal comparação é que vai determinar a atração ou não de investimentos na área. 3.4 Padronização A adoção de normas comuns no gerenciamento de processos produtivos surge a partir da década de 1950, na França, com a Organização Internacional para Estandardização – ISO. Seu objetivo inicial é promover o desenvolvimento da
  • 35. 34 estandardização como estratégia para facilitar o comércio internacional de bens e serviços, por meio da implementação de “especificações técnicas, critérios precisos, regras, definições de características” comuns (ISO, 20013 apud COE- LHO, 2002, f.43). É importante notar que, inicialmente, não é interesse da ISO a uniformização dos produtos, e sim a uniformização dos processos de produção. O que se busca é estabelecer normas comuns para as etapas produtivas de forma que se tenham critérios precisos para comparação entre fabricantes diversos, pos- sibilitando assim sua avaliação. Normas comuns que “garantam características desejáveis de produtos e serviços, como qualidade, segurança, confiabilidade, eficiência, possibilidade de intercâmbio e economia de custos”4 (ISO, 2008). Ora, uma vez que se tem um sistema que trata a produção habitacional como indústria e a casa como mercadoria produzida em série, a aplicação dos con- ceitos da ISO faz todo o sentido. Afinal, faz-se também necessário garantir a qualidade, a eficiência e a economia da casa-produto. A partir daí, a lógica da padronização de processos começa a se aplicar também à construção civil. “É preciso tender para o estabelecimento de padrões”, disse Corbusier (1989, p.89). Nesse contexto, a implantação da ISO na produção habitacional significa a “consagração do projeto de planificação e racionalização do sistema produti- vo moderno” (COELHO, 2002, f.43). No Brasil, o Governo Federal, por meio do Ministério das Cidades, criou o seu próprio instrumento para organizar o setor da construção civil, o Programa Bra- sileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat – PBQP-H. Seu objetivo princi- pal é ampliar o “estoque de moradias” e baratear sua produção, universalizan- do o acesso à moradia e reduzindo o déficit habitacional do país. Para atingir                                                               3 ISO. International Organization for Standartization. Disponível em: <http://www.iso.org> Aces- so em: 10 set. 2008 4 Tradução nossa. Texto original em inglês.
  • 36. 35 esse aumento da produtividade da construção civil no país, o PBQP-H aposta na implantação de mecanismos de gerenciamento (BRASIL, 2008c). Um desses mecanismos de gerenciamento do PBQP-H, no caso específico de projetos, é o Planejamento da Elaboração do Projeto: Planejamento da elaboração do projeto A empresa construtora deve planejar e controlar o processo de elaboração do projeto da obra destinada ao seu cliente. Durante este planejamento, a empresa construtora deve de- terminar: a) as etapas do processo de elaboração do projeto, conside- rando as suas diferentes especialidades técnicas; b) a análise crítica e verificação que sejam apropriadas para cada etapa do processo de elaboração do projeto, para suas diferentes especialidades técnicas; c) as responsabilidades e autoridades para o projeto. A empresa construtora deve gerenciar as interfaces entre as di- ferentes especialidades técnicas envolvidas no projeto para as- segurar a comunicação eficaz e a designação clara de respon- sabilidades. (BRASIL, 2008d) Para o PBQP-H, o Planejamento da Elaboração do Projeto é uma maneira de estabelecer um padrão de qualidade equivalente mesmo em se tratando de projetos diferentes. Trata-se de sistematizar os procedimentos projetuais para “assegurar que o produto resultante seja capaz de atender aos requisitos para o uso” (BRASIL, 2008d). Tal sistematização consiste na divisão da elaboração do projeto em etapas, de maneira que para cada etapa seja possível estabele- cer um procedimento padrão. Esse procedimento padrão deve então ser regis- trado na forma de um manual de projetos, possibilitando a projetistas distintos realizar o trabalho dentro de um mesmo sistema, já habitual, facilitando a com- preensão de todos os envolvidos na obra e acelerando a produção. Para induzir a adesão das empresas da construção civil ao PBQP-H, o Gover- no Federal sela acordo com a Caixa Econômica Federal, que passa a exigir das construtoras a certificação no programa para a concessão de financiamen- tos, aumentando significativamente o interesse das empresas do setor pelo
  • 37. 36 investimento no gerenciamento de processos. Desse modo, a adoção de me- canismos de gerenciamento deixa de ser optativa para ser uma obrigação das empresas. Sem participação no PBQP-H não há concessão de financiamento pela Caixa. Outras instituições financeiras também são incentivadas pelo Go- verno a introduzirem em seus processos de financiamento mecanismo de indu- ção à participação de empresas no PBQP-H,.de modo que sem o manual de projetos tornam-se escassos os recursos para a produção habitacional de massa (BRASIL, 2008d). Cabe a cada empresa que participa do PBQP-H a elaboração de sua própria sistematização, de acordo com o seu processo de trabalho. A MRV Engenharia e Participações S.A., por exemplo, uma das maiores incorporadoras e constru- toras brasileiras no segmento de empreendimentos residenciais populares, tendo lançado mais de 14.000 unidades só no primeiro semestre de 2008, de- senvolveu o seu manual de projetos. Denominado Padronização MRV: Projeto e Desenho Arquitetônico, o manual busca implantar a padronização do proces- so de elaboração de projetos. Nele estão contidos os procedimentos que de- vem ser obedecidos com o objetivo de alcançar e garantir maior produtividade, além de atender às exigências das prefeituras e da Caixa Econômica Federal (ANEXO C). A leitura do manual deixa claro que ao arquiteto só resta a possibilidade de par- ticipação burocrática. Todas as normas que constituem o manual e devem ser seguidas pelo arquiteto vão ao encontro da necessidade de redução máxima de custos. A economia máxima significa construir o mínimo exigido pela Prefei- tura. E o atendimento à Prefeitura, no caso específico de Belo Horizonte, é o atendimento a um Código de Obras que, como já se viu, é regulado pela lógica monofuncionalista que divide a habitação em cômodos, cada fragmento com sua função específica. Portanto, também o manual de projetos segue essa ló- gica, de maneira que o projeto gerado a partir do manual da MRV é aquele que divide a habitação em cômodos com a área mínima permitida.
  • 38. 37 Também aqui, assim como no caso da LPOUS, a legislação é transformada em tabela. O espaço a ser construído é mais uma vez manipulado objetivamente e decodificado em termos de números em linhas e colunas. TABELA 2 Cômodos Privativos: Dimensão e Metragem mínimas exigidas pela Prefeitura PADRÃO 02 QUARTOS AMBIENTE DIMENSÃO MÍNIMA (M) METRAGEM MÍNIMA(M 2 ) QUARTO CASAL 2,40 7,20 QUARTO SOLTEIRO 2,40 7,20 SALA 2,40 12,00 COZINHA 1,50X2,40 2,00X2,00 BANHO 1,20X2,00 1,50X1,60 PADRÃO 03 QUARTOS AMBIENTE DIMENSÃO MÍNIMA (M) METRAGEM MÍNIMA (M 2 ) QUARTO CASAL 2,40 7,20 QUARTO SOLTEIRO 2,40 7,20 OUTRO QTO. SOLTEIRO 2,00 6,00 SALA 2,40 12,00 COZINHA 1,50X2,40 2,00X2,00 BANHO 1,20X2,00 1,50X1,60 Fonte: Manual de Padronização de Projetos da MRV. Ao se observar a TAB.2, fica fácil perceber o processo que pensa a casa como planta compartimentada: cada cômodo é um quadrado ou retângulo com a área mínima estabelecida a partir de estudo minucioso da legislação. O Código de Obras determina, por exemplo, que no caso de “habitação particular, em cada pavimento constituído por três ou mais compartimentos, inclusive a instalação sanitária, deverá haver um deles pelo menos com a área mínima de doze me- tros quadrados” (BELO HORIZONTE, 2008a). Tal definição deu origem, na
  • 39. 38 TAB.1, à metragem mínima de doze metros quadrados na sala. De maneira análoga, o manual de padronização da MRV orienta que, no caso das habita- ções com três quartos, o terceiro quarto seja ainda menor que os demais, com área mínima de seis metros quadrados. Isso porque o Código de Obras estipu- la que “nas habitações será permitido um compartimento de seis metros qua- drados correspondendo a cada grupo de dois compartimentos de permanência prolongada” (BELO HORIZONTE, 2008a). E o pé-direito de cada um desses cômodos também é estabelecido pelo manual como sendo o “mínimo exigido pela Prefeitura”, de maneira que se tem cada compartimento como uma caixa cujo volume é o menor possível. A busca do mínimo como solução econômica é a tônica do manual de padroni- zação da MRV. E a possibilidade de intervenção apenas burocrática do arquite- to vai sendo evidenciada pelo uso de figuras e tabelas, como a que estabelece a padronização das portas a serem lançadas no projeto. TABELA 3 Padronização das Portas Ambiente Tipo (Ideal) Material (Ideal) Dimensão (Ideal) Sala abrir madeira 82 x 210 Quarto abrir madeira 72x210 Banho abrir madeira 62x210 Cozinha abrir madeira 72x210 Cozinha Americana vão 80x210 Área de Serviço Área privativa abrir alumínio e vidro 70x210 Varanda correr alumínio e vidro 120x210 Sala da Cobertura correr alumínio e vidro 120x210 Fonte: Manual de Padronização de Projetos da MRV. Além do que já foi mostrado nas TAB. 2 E 3, o conceito do “mínimo exigido pe- la Prefeitura” também vale para: afastamentos, muros, esquadrias e circula- ções. O resultado da aplicação do manual de padronização da MRV é uma ha- bitação com a área mínima, dividida em cômodos com dimensões, iluminação e ventilação mínimas.
  • 40. 39 Outro fator que evidencia a limitação da participação do arquiteto na produção habitacional da MRV é a apresentação, no manual de padronização, de figuras com soluções preestabelecidas de planta (FIG. 3). São arranjos considerados ideais, pela MRV, para banheiros, caixas de escada e circulação. E entenda-se aqui como arranjo ideal aquele cuja execução seja a mais econômica possível e ao mesmo tempo atenda às exigências da Prefeitura e da Caixa Econômica Federal. Ora, quando se parte de um manual de padronização com tantas predefinições, há muito pouco o que se fazer. A tendência é que se chegue a um projeto que atenda a todos os requisitos do manual, observando sempre o critério econô- mico da produção habitacional de massa. A construção mínima em nome do barateamento da casa-produto. Nesse caso, a padronização de processos ten- de para a padronização do projeto.   FIGURA 3 – Solução preferencial para o banheiro. FONTE: Manual de Padronização de Projetos da MRV (ANEXO C) E quando se trata da produção habitacional em grande escala, ao adotar a pa- dronização dos projetos, empresas como a MRV estão garantindo uma série de fatores, desde a fase de projeto até a execução e venda das habitações, que significam destacada diminuição de custos e conseqüente maximização do lu- cro. Isso porque a repetição do projeto arquitetônico em vários empreendimen-
  • 41. 40 tos significa automaticamente a repetição também dos projetos estrutural, elé- trico, hidráulico e de incêndio. Sendo assim, tem-se de imediato uma redução de custos com projeto. Uma vez que se tem esse projeto arquitetônico padrão e seus complementares, estes não precisam mais ser contratados para todos os outros empreendimentos, salvo para a realização de pequenas adequações do padrão às características específicas do local onde será executado. Ade- quações essas que deverão também satisfazer aos manuais de padronização de cada empresa. Outra vantagem econômica da padronização é a redução de tempo e despesas na fase de elaboração de orçamentos. Já que os quantitativos de material e serviços serão sempre idênticos, o projeto padrão só necessita ser orçado uma vez. Daí em diante são necessárias no máximo algumas adequações de acor- do com o local ou data de sua execução. E é isso que possibilita a criação das planilhas contendo os custos do empreendimento, assim como seus valores de venda, o que vai permitir analisar a viabilidade dessa produção habitacional enquanto negócio. A projeção do lucro esperado e da taxa de remuneração do capital são fundamentais para a atração dos investimentos no setor. A TAB.4, extraída do Cálculo de Viabilidade de Empreendimento da MRV, é um exemplo disso (ANEXO D). TABELA 4 Cálculo de Viabilidade de Empreendimento Análise de Multiplicador Custo Total: R$ 16.351.015,58 Receita Total: R$ 28.997.000,00 Lucro Total: R$ 12.645.984,42 Multiplicador: 1,77 Fonte: Construtora Mohallem Ltda. Além disso, a padronização dos projetos também propicia um aumento de pro- dutividade, pois, por se tratar sempre da construção do mesmo projeto, todo trabalho de cada profissional envolvido, pedreiros, bombeiros, eletricistas, será
  • 42. 41 a repetição exata do trabalho já realizado quando da construção anterior de outro edifício idêntico. É a sistematização do trabalho na canteiro de obras. De modo que o serviço possa ser realizado de maneira automática, mera repetição de tarefas já executadas anteriormente. Nesse sentido, o trabalho no canteiro de obras se aproxima do serviço na fábrica. É mais um aspecto da lógica in- dustrial que se aplica à produção de moradias. Outra das grandes incorporadoras do país, a Construtora Tenda desenvolve também uma produção habitacional calcada no conceito da linha de montagem e da padronização de projetos. Seu foco é a construção de moradias menores, normalmente com dois quartos e área de 45m2 , e ainda mais baratas. As uni- dades são financiadas diretamente ao público de baixa renda por meio de bole- tos bancários mensais, da mesma forma que hoje se dá a venda de geladeiras ou sofás. Em matéria publicada em 2007 na Revista Veja, intitulada O Habib’s da cons- trução, o então dono da Tenda5 , Henrique Alves Pinto, compara a produção habitacional da construtora à produção de uma rede de fast-food: Alves Pinto teve a rede de fast-food Habib's como fonte de ins- piração. Ele recorre a uma comparação. "A esfiha popular, que vende bastante, custa 39 centavos, mas tem menos carne que uma de 2 reais. Ela é um sucesso. O nosso objetivo é seme- lhante", disse o empresário. Como fazer para construir uma ca- sa assim, com menos carne? A Tenda constrói imóveis padro- nizados, feitos em linha de produção e com a utilização do ma- terial mais barato encontrado no mercado. (DUALIBI, 2007) O principal problema da aplicação de sistemas de padronização de processos à construção de casas é justamente essa tendência de se tratar a habitação apenas como produto, mercadoria. A ISO fala em garantir “características de-                                                               5 No dia 1º de setembro de 2008, a Tenda foi comprada pela Gafisa S.A., incorporadora sedia- da em São Paulo.
  • 43. 42 sejáveis de produtos”, o PBQP-H fala em “estoque de moradias”. A padroniza- ção de processos, por mais que se queira universalmente aplicável, direciona para um tratamento objetivo que não considera em sua completude a questão da moradia. A habitação pode até ser vista como mercadoria, mas nunca ape- nas enquanto mercadoria, uma vez que envolve demandas humanas mais complexas que geladeiras, sofás ou esfihas. A consequência direta disso são esses imóveis padronizados, feitos em linha de produção, com a utilização do material mais barato encontrado no mercado, vendidos em parcelas mensais como geladeiras e sofás. Esse modo de fabri- cação de moradias talvez seja a glorificação máxima da idéia da casa como mercadoria acessível produzida em série. Acessível porque é econômica à medida que contempla apenas o mínimo necessário à existência, de acordo com os padrões estabelecidos pelo Código de Obras. Tais idéias, como já se viu aqui, estavam presentes na arquitetura do Movimento Moderno. Le Corbu- sier queria produzir casas como se fabricava o automóvel. Gropius as imagina- va homogêneas como sapatos. Alves Pinto foi buscar sua inspiração nas esfi- has. A esfiha “com menos carne”, inspiração para a produção habitacional de massa atual, é mercadoria para consumo instantâneo. Assim como é mercado- ria para consumo instantâneo essa arquitetura fast-food. 3.5 Existência Mínima O Residencial Bologna Life, empreendimento da Construtora Tenda situado na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, é um bom exemplo da produção habitacional gerada por esse sistema. São 306 unidades de 2 quartos divididas em 17 torres com 4 apartamentos por andar (FIG. 4). A FIG. 5 mostra a planta da unidade, compartimentada de acordo com as funções e atendendo a todas as condições mínimas exigidas pelo Código de Obras e pela Caixa Econômica Federal.
  • 44. 43   FIGURA 4 - Residencial Bologna Life: Implantação. FONTE: Construtora Tenda.   FIGURA 5 – Residencial Bologna Life: Planta do Apartamento. FONTE: Construtora Tenda.
  • 45. 44 O mesmo espaço miniaturizado pode ser identificado em outro empreendimen- to, esse da MRV, na mesma região de Venda Nova: o Residencial Parque Me- rindiva. São 140 apartamentos divididos em 7 blocos de 4 apartamentos por andar (FIGS. 6 e 7). Desses 140 apartamentos, 80 são de 2 quartos, conforme a planta abaixo, tendo área de 44m2 .   FIGURA 6 – Residencial Parque Merindiva: Planta do Apartamento. FONTE: Construtora MRV. FIGURA 7 – Residencial Parque Merindiva: Implantação. FONTE: Construtora MRV.
  • 46. 45 A constatação da semelhança entre os dois empreendimentos é inevitável. Ambos têm como características a planta mínima e o grande adensamento com o propósito de elevar ao máximo a extração de renda do terreno. Como no jogo dos 7 erros, faz-se necessária alguma atenção para encontrar as diferen- ças entre as duas plantas. E essa similaridade se repete nas fachadas, como se pode ver na FIG. 8.   FIGURA 8– Fachadas do Residencial Bologna Life, da Tenda (à esquerda) e do Residencial Parque Merindiva, da MRV (à direita). FONTE: Construtoras Tenda e MRV. Tal semelhança é consequência direta dessa lógica de produção habitacional. Afinal, é intenção prioritária das incorporadoras, nesse caso, conseguir produzir as habitações no menor custo possível para que sejam colocadas à venda com preços competitivos em relação à concorrência. Economizar o máximo na construção significa construir o mínimo, e esse mínimo é igual para todas as incorporadoras e construtoras, uma vez que é ditado por uma legislação que é comum. O Código de Obras e a LPOUS são os mesmos para todas as empre- sas, assim como é comum a todas elas a necessidade de remuneração compe- titiva do capital investido. Apenas o manual de padronização, requisito para obtenção de financiamentos na Caixa Econômica Federal, poderia, em teoria, apresentar variações de uma empresa para outra. Mas exatamente por ter que atender a uma mesma legislação e a uma mesma necessidade de lucro, acaba também ele tendendo para a uniformidade. E a conseqüência é que as constru-
  • 47. 46 toras acabam caminhando em direção a um projeto igual, ou ao menos bem parecido. Vale ressaltar que é prática comum que cada construtora ou incorporadora a- dote mais de um projeto modelo, de modo que tenha mais opções para ade- quação em situações diferentes. Sendo assim, nada impede que uma constru- tora tenha 3 ou 4 soluções para a habitação, seja ela de 2, 3 ou 4 quartos, de maneira que tenha maior possibilidade de sucesso na sua implantação em ter- renos ou faixas de renda diferentes. Tal fato é desimportante, pois a lógica de produção de todos esses projetos-padrão é idêntica, todas seguem o mesmo caminho. De modo que as pequenas diferenças que possam existir de uma planta para outra não significam diferença significativa nem para o construtor, tampouco para o habitante. Como se vê pelos exemplos mostrados acima, trata-se de empreendimentos que produzem habitações em massa buscando grande adensamento, a fim de extrair ao máximo a renda da terra. Essas inúmeras moradias deverão ser ocu- padas por grande quantidade de pessoas. E o projeto é o mesmo para todas elas, ou quase o mesmo. Isso porque, da forma como se dá essa produção habitacional, o único benefício que o morador poderá ter é o baixo custo da moradia se comparada a outras opções do mercado imobiliário. Conforme an- teriormente mostrado, a prioridade é a economia, e não o habitante. É o que Adorno confirma: A fraude está no fato de a sociedade fazer com que as coisas pareçam existir em função dos homens; elas são produzidas em função do lucro, satisfazem as necessidades apenas para- lelamente, geram essas necessidades de acordo com os inte- resses do lucro e podam-nas também na sua medida. (ADOR- NO, 1967) A solução final do edifício quase sempre se limita a um mero empilhamento de moradias idênticas, em que cada unidade habitacional é um cubículo compar- timentado de acordo com funções. O projeto contempla somente o mínimo para
  • 48. 47 a existência, garantindo ao morador apenas sua possibilidade de sobrevivên- cia. Sendo assim, a possibilidade de experiência do habitante nessa moradia será sempre mínima, ou seja, exatamente aquela estipulada pela divisão mo- nofuncionalista do espaço. Os gestos e ações possíveis ao morador estão limi- tados àqueles previstos na planta. Some-se a isso que essas mini máquinas de morar idênticas e empilhadas passam a ser habitadas por pessoas diferentes, cada uma com seus gostos, manias, vontades e demandas. Tem-se então o problema: de um lado moradi- as iguais, do outro moradores que não são iguais. Mas o sistema das incorpo- rações privilegia sempre a produtividade, de maneira que o direito à individuali- dade do morador deve ser suprimido em favor da uniformização, que é resulta- do dessas casas em série que pretendem assegurar um mínimo de funcionali- dade e um máximo de lucratividade. O habitante nesse caso não passa de um potencial consumidor na planilha de um corretor de imóveis. A produção habi- tacional que se vê no Brasil hoje está longe de alcançar o entendimento da ca- sa como lar, ou seja, tratar o espaço residencial na sua completude, também como palco dos acontecimentos da vida das pessoas, e não apenas mero abri- go ou como mercadoria. Essa casa é estranha ao homem, portanto habitá-la não é tarefa simples. De acordo com Flusser: Morar não é dormir em cama imóvel, mas viver em ambiente habitual. O lar não é lugar fixo, mas ponto de apoio merecedor de confiança. Ter perdido o lar não é ter abandonado um lugar, mas ter que viver em lugar inabitual, portanto inabitável. Ter que viver em ambiente no qual não nos reconhecemos. (FLUSSER, 1983, p.73) A casa em série é exatamente esse lugar inabitual. É impossível aceitá-la sem abdicar do hábito. Trata-se de uma moradia rígida que inibe o gesto do mora- dor. Restam a ele, portanto, duas alternativas: resignação ou rebeldia. Na pri- meira opção, sabedor de que o mercado imobiliário não oferece alternativas na mesma faixa de preço, o morador é que se adéqua ao projeto. Tal adequação
  • 49. 48 equivale à supressão da sua vontade e à inibição de sua personalidade. Residir na moradia padronizada exatamente como ela é só se faz possível mediante apatia ou reprogramação do morador. E quando todos se reprogramam para morar nessa casa padrão, significa que caminham rumo à uniformização. Ao abdicar de suas peculiaridades e avançar rumo à impessoalidade da massa, o homem se desumaniza. O poeta Carlos Drummond de Andrade, em seu poema Eu, Etiqueta, fala a respeito dessa situação em que o homem abdica inocentemente de sua singu- laridade, abre mão da diversidade em relação aos outros homens, e por isso se afasta de sua humanidade. Com que inocência demito-me de ser eu que antes era e me sabia tão diverso dos outros, tão mim-mesmo, ser pensante, sentinte e solidário com outros seres diversos e conscientes Da sua humana, invencível condição [...]. Onde terei jogado fora meu gosto e capacidade de escolher, minhas idiossincrasias tão pessoais, tão minhas que no rosto se espelhavam [...]. Já não me convém o titulo de homem. Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente. (DRUMMOND, 1984, p.85) A alternativa a esse processo que culmina na uniformização do homem é a o- posição ao projeto padrão. Significa que o morador não aceita o projeto exata- mente como é e decide interferir no espaço para adequá-lo à sua vontade. Nesse caso, o morador faz o caminho inverso à resignação: em vez de adap- tar-se à moradia-tipo, ele vai modificá-la de acordo com sua vontade, ou ne- cessidade. E esse ímpeto vai de encontro à apatia do morador que se submete ao projeto padrão. Ao assumir como importante a personalização da casa, o habitante se afasta da uniformização. Em seu livro El Diseño de Soportes, o arquiteto holandês John Habraken enumera quatro principais fatores que levam as pessoas a modificar suas casas (HABRAKEN, 2000, p.35-37):
  • 50. 49 Necessidade de identificação: os proprietários personalizam seu ambiente, u- sando o espaço da casa como forma de expressão que o diferencia dos de- mais moradores. Para esse morador, a casa deixa de ser vista meramente co- mo um objeto utilitário para dar espaço à sua dimensão mais humana que a- tende ao propósito de conferir identidade, unicidade, àqueles que a habitam. Mudanças no estilo de vida: as pessoas mudam, seja por causa de mudanças na estrutura social, seja pelo contato com outras culturas. Nesse caso, Habra- ken caracteriza o homem como ser social, que é capaz de se modificar no en- contro com o outro e desenvolver novas idéias. Estas novas informações po- dem acarretar mudanças no estilo de vida do morador que o estimulem a pro- mover alterações no espaço da casa. Novas tecnologias: o aparecimento de novas tecnologias geralmente resulta na transformação da moradia. O surgimento da televisão, por exemplo, fez surgir o espaço antes inexistente da sala de televisão. Nos dias de hoje, é comum as pessoas consumirem equipamentos de áudio e vídeo com maior freqüência que em outras épocas. Nas moradias maiores, onde o espaço é suficiente, es- ses equipamentos dão origem a um novo ambiente: o home theater. A família se transforma: para Habraken, a primeira justificativa para se modifi- car a habitação são as transformações sofridas pelo núcleo familiar ao longo do tempo. Pode-se imaginar, como exemplo, um primeiro arranjo espacial que a- tenda a um casal sem filhos. Quando os filhos nascerem, algumas modifica- ções podem ser necessárias, porque a casa com crianças tem demandas dife- rentes daquela do casal sem filhos. No Brasil, entretanto, a produção habitacional de massa passa ao largo dessas questões. Nem considera a possibilidade de autonomia do morador. Em alguns casos funciona no sentido inverso e elimina as poucas possibilidades de inter- ferência do morador. Como o critério econômico sempre prevalece nesse tipo
  • 51. 50 de produção, são comuns situações em que é vedado ao morador realizar qualquer modificação. É o que acontece, por exemplo, quando o morador precisa contratar algum fi- nanciamento para comprar o imóvel, fato comum no Brasil. Nesse caso, o habi- tante não é considerado proprietário do imóvel até que ele esteja completamen- te quitado junto à instituição financiadora. Em virtude disso, são desenvolvidas estratégias para evitar que o habitante promova modificações em uma casa que, até que seja inteiramente quitada, não lhe pertence. Uma delas é exigir em contrato seu comprometimento em não realizar nenhuma modificação no espaço sem o consentimento da instituição financiadora. A FIG.9 mostra uma cláusula extraída de contrato firmado pela Caixa Econômica Federal para in- corporação da Construtora Tenda que exemplifica bem essa situação. O con- trato em questão regula um plano de financiamento, em grupo, para aquisição de imóvel na planta, ou seja, uma Carta de Crédito Associativa.   FIGURA 9 – Cláusula extraída de contrato de financiamento da Caixa Econômica Federal. FONTE: Collem Construtora O problema nesse caso é que o prazo de amortização desses contratos pode ser muito longo. Algumas instituições financeiras oferecem linhas de crédito habitacional cujo prazo de amortização pode chegar até 360 meses (SINDUS- CON-MG, 2007, p.19). Ou seja, o morador paga suas prestações durante 30 anos até que possa finalmente reformar sua casa com autonomia, sem que seja obrigado a se submeter ao “prévio e expresso consentimento” do agente financiador.
  • 52. 51 Há ainda outras situações que impedem a personalização do espaço e denun- ciam o descaso com o morador em nome da subordinação a critérios econômi- cos. É o caso, por exemplo, de empreendimentos construídos em alvenaria estrutural aplicada de maneira impeditiva. Faz-se necessário salientar que não se trata de problema tecnológico da alvenaria estrutural. O problema está no modo como a tecnologia é utilizada nesses casos, configurando todas as pare- des como peças estruturais indispensáveis e assim inviabilizando qualquer possibilidade de reforma. É comum que o emprego da alvenaria como elemento estrutural de suporte em edificações possibilite uma redução nos custos de produção das unidades habi- tacionais. E aí, mais uma vez retorna a questão da necessidade de economia como único interesse do incorporador, enquanto o habitante é desconsiderado. É o que acontece no empreendimento da Construtora Tenda situado em Be- tim, denominado Bosque dos Jacarandás, citado no segundo capítulo. Como já havia sido mencionado anteriormente, são 340 apartamentos divididos em 17 torres de 5 andares, com 4 apartamentos por andar, num adensamento im- pressionante (FIG. 10). Cada andar é composto por três apartamentos de 3 quartos e um apartamento de 2 quartos, com área de 62 m2 e 50 m2 , respecti- vamente, incluídas as varandas ( FIG. 11).   FIGURA 10 – Bosque dos Jacarandás: Vista aérea. FONTE: Google Maps.
  • 53. 52   FIGURA 11 – Bosque dos Jacarandás: Planta apto. 2 quartos. FONTE: Arq. Alcino Luís Fonseca. Continua valendo o conceito da moradia miniaturizada, subordinada à utilidade, mas dessa vez com um agravante: a alvenaria estrutural é utilizada de maneira que todas as paredes, inclusive as internas, são indispensáveis para o desem- penho estrutural do edifício. O importante aqui é confirmar o descaso em rela- ção ao morador, uma vez que em momento algum é cogitada alguma alternati- va, de maneira que qualquer alteração desejada que envolva retirada total ou parcial de alguma parede está proibida, pelo risco de abalo estrutural da edifi- cação. Tal proibição é formalizada pela construtora por meio da colocação de placas de advertência na entrada de cada prédio (FIG. 12).   FIGURA 12 – Bosque dos Jacarandás: Placa de advertência. FONTE: Foto do Autor.
  • 54. 53 Personalizar moradia tão pequena já seria tarefa suficientemente difícil. O mo- rador teria pouquíssimas opções de modificação para adequar o espaço à sua vontade, é verdade. Mas a proibição da intervenção do morador é exemplar para que se constate definitivamente a pouca importância dada ao habitante nesse tipo de produção habitacional. Por causa da grande rapidez com que vem se desenvolvendo a produção de casas em série no Brasil, a tendência é a disseminação por todo país dessa arquitetura que não considera o morador. Para se ter uma idéia, a MRV divul- gou em agosto sua Apresentação de Resultados relativos ao primeiro semestre de 2008. Nela, a incorporadora informa o lançamento de 14.097 unidades habi- tacionais só nos seis primeiros meses desse ano, muito mais que as aproxima- damente 4.000 lançadas no mesmo período do ano passado. Além disso, a- nuncia um estoque de terrenos com potencial para lançamento de aproxima- damente 104.000 unidades habitacionais, distribuídas em 63 cidades do país. A Construtora Tenda, por sua vez, noticiou o lançamento de 15.250 unidades no primeiro semestre do ano, e um estoque de terrenos com capacidade para lançamento de 98.943 habitações. Confirmando o enfoque meramente comer- cial que pensa a habitação como mercadoria, ambas as incorporadoras divul- garam tabelas em que apresentavam o número de unidades lançadas de cada “produto” no segundo trimestre de 2008 (TABS. 5 E 6). TABELA 5 Tenda – Unidades Lançadas 2º trimestre de 2008 Produtos Unidades Lançadas 2T08 Garden 141 Duo 332 Life 5.971 Tower 344 Ville - Fonte: Construtora Tenda
  • 55. 54 TABELA 6 MRV – Unidades Lançadas 2º trimestre de 2008 Produtos Unidades Lançadas 2T08 Parque 3.244 Spazio 4.125 Village - Fonte: MRV Engenharia Esses números registram a enorme quantidade de habitações que estão sendo construídas por meio desse sistema que as considera apenas enquanto inves- timento. A Construtora Tenda lançou no segundo trimestre 5.971 unidades com a mesma planta do Residencial Bologna Life (FIG.3) enquanto a MRV colocou no mercado 3.244 habitações iguais à do Residencial Parque Merindiva (FIG.4). Tais números não podem ser subestimados. Entretanto, a lucratividade tão necessária só será viabilizada por meio da venda dessas unidades habita- cionais. E a publicidade então surge como arma fundamental das incorporado- ras para dar vazão a essa grande oferta de produtos. 3.6 Marketing A viabilidade da produção habitacional de massa, como já se viu, está direta- mente relacionada ao seu sucesso econômico. Isso requer a coexistência de dois fatores. a eficiência na produção da mercadoria e a sua liquidez no mer- cado imobiliário. De um lado um sistema produtivo que garanta um baixo custo e, por conseguinte, um preço competitivo da casa e do outro lado a existência de um público consumidor. Obviamente, caso ninguém compre essas habita- ções, todo o esforço de economia da produção terá sido em vão, e a multiplica- ção do capital investido jamais se concretizará. O sucesso econômico depende do sucesso das vendas. Para tanto, o marketing é o grande aliado das grandes incorporadoras e cons- trutoras no sentido de estimular o consumo dessas casas em série. Num cená- rio em que é grande a oferta de produtos e pequenas as diferenças entre eles,
  • 56. 55 a publicidade aparece como alternativa para insuflar nas pessoas o desejo do consumo. Isso vale para qualquer mercadoria: automóveis, sapatos, esfihas ou habitações. De um lado tem-se a incorporadora buscando realizar o lucro atra- vés da venda, do outro, consumidores em massa à procura de uma habitação. Ambos encontram-se, no mercado, como testemunhas de inte- resses opostos. Por sua vez, o produto, enquanto mercadoria, se divide em duas categorias divergentes: o valor de troca e o valor de uso. Se a lógica do produtor procura a massificação do valor de troca, a lógica do consumidor busca a valorização do uso. Cada componente desse binômio empenha-se em impor o próprio interesse e minimizar o interesse do outro. Esse fato permite que a indústria capitalista tente uma subversão do va- lor de uso, criando redefinições do produto e conferindo-lhe aquelas qualidades oníricas de fascínio e persuasão que esti- mulam a compra. (FERRARA6 , 1989, p.123 apud COELHO, 2002, f.64) A indústria capitalista passa então a concentrar esforços também no sentido de redefinir a recepção do produto pelas pessoas, usar a publicidade como ins- trumento para transformar a casa produzida com fins econômicos em objeto de desejo. Aqui já foi criticada a produção de moradias que exige a reprograma- ção do morador para que se adapte à nova casa. Agora, o uso da publicidade vem reforçar essa idéia. Em vez de construir moradias que se adéqüem à von- tade do habitante, o que se tem é a manipulação por meio de estratégias de marketing da concepção de valor de uso por parte do consumidor. Mais uma vez a modificação requerida é a do habitante. O marketing repete a mesma estratégia usada com qualquer outro tipo de mer- cadoria e então vai buscar fabricar o gosto das pessoas, inventar demandas visando criar a sensação de eterna insatisfação. A publicidade dessas habita- ções apresenta uma série de novas tendências, itens pretensamente originais que visam causar nos consumidores uma sensação de privação que os induza                                                               6 FERRARA, Lucrecia D’Alessio. Objeto e Valor. Design e Interiores, São Paulo, n.12, 1989.
  • 57. 56 ao consumo do grande número de moradias ofertado. E aqui retorna a questão do aproveitamento máximo das áreas não computadas para efeito do cálculo do potencial construtivo. Áreas pelas quais o incorporador não paga, mas que são vendidas ao consumidor, como as áreas de lazer de uso comum. Cria-se então uma série desses itens visando maximizar o potencial lucrativo do em- preendimento, De maneira que o que está sendo oferecido não é mais apenas uma casa, é um “novo conceito de moradia”, ou um “novo estilo de vida”: É ne- cessário que o empreendimento apresente um diferencial em relação não só à concorrência, mas também em relação a moradias mais antigas, que não pos- suem esses novos equipamentos. Tais equipamentos forjam a idéia de obso- lescência das habitações mais velhas, criando assim a sensação de falta. Ao consumidor, começa a parecer pior a vida sem o requinte de morar num edifico que conta com um Espaço Gourmet. Soma-se a esses equipamentos no esforço de criar um diferencial a estratégia de fortalecimento da marca e o apelo do nome do empreendimento. A incorpo- radora investe em sua marca e se apresenta como empresa sólida na tentativa de se diferenciar da concorrência. Além disso, o nome dos empreendimentos contribui para incitar o querer do consumidor a partir da invenção do novo estilo de vida. São nomes bucólicos que remetem a lugares propícios a uma felicida- de utópica na tentativa de afetar o consumidor, capturá-lo em sua emoção. Nas palavras de Coelho (2002, f.87): O nome “Île de La Cité” é então o dispositivo que pretende ati- var esse “afeto” e aliviar a “infelicidade” dos consumidores, a- través de ressonâncias e evocações de lugares e realidades distantes, talvez inexistentes, porém desejáveis. [...] É como a senha que permite ao consumidor “querer” o acesso à “libera- ção de fantasias desejosas” de uma experiência livre de quais- quer impedimentos do “princípio da realidade”, através da construção de uma situação aparentemente singular na mes- mice absoluta. Os nomes dos produtos imobiliários (edifícios), nesse sentido, constroem a ponte necessária entre a vida coti- diana e uma possibilidade utópica.
  • 58. 57 Em relação às habitações novas em oferta, é sintomática essa necessidade de “construção de uma situação aparentemente singular”, denunciada pelo uso corrente na publicidade da palavra “diferencial”. Afinal, para moradias que fos- sem verdadeiramente diferentes entre si o termo não seria aplicável. Nesse sentido, o simples uso da palavra é a confirmação da pouca variedade de pro- jetos oferecidos, pois só pode ser aplicado porque se tem edificações quase idênticas como as produzidas em série. E a diferença vem então forjada pelas qualidades inerentes à marca, pela felicidade ilusória proposta no nome de ca- da empreendimento e pela grande variedade de equipamentos do edifício. A consequência disso é que se tem uma publicidade cada vez mais voltada para a quantidade em detrimento da qualidade dos espaços. O que está sendo oferecido não é mais uma moradia, mas um conjunto de i- tens, tais quais: a solidez da empresa construtora, a fantasia de uma vida bucó- lica, além de 2 quartos, sala para dois ambientes, cozinha integrada, Varanda Gourmet, Espaço Fitness, Espaço Gourmet, Espaço Leitura, Espaço Zen, Kids Room, Baby Place, Gazebo, Playground, Spa, Salão de festas, Garage Band, Lan House, Home Cinema, Salão de Jogos. Tais itens são propagados por meio do uso de imagens que retratam pessoas felizes e realizadas pela possi- bilidade de uso desses equipamentos, provocando frustração naqueles que a eles não têm acesso. E o que a publicidade espera é que o consumidor seja tentado a resolver esse sentimento de frustração por meio do impulso consu- mista. Isto significa que o espaço da habitação não precisa mais ser discutido, pensado ou modificado. Basta que se estruturem poderosas estratégias de marketing que garantam a continuidade da impressão de escassez, como a criação constante desses novos itens, e o projeto padrão estará resguardado. Essa lógica quantitativa da publicidade é responsável também por expandir a idéia do espaço mínimo para habitações com área maior. Isso porque, entre publicitários e corretores de imóveis, percebeu-se mais valiosa a estratégia de reduzir a área de todos os cômodos da habitação para que se pudessem criar e anunciar mais cômodos, mais itens. Em se tratando de apartamentos na
  • 59. 58 mesma faixa de preço e mesma área, é comum que o consumidor opte por a- quele com maior número de cômodos. Em termos de atratividade comercial, é mais interessante lançar, por exemplo, um apartamento de 3 quartos do que um com 2 quartos, ambos com a mesma área. O fato de o apartamento de 2 quartos ter a mesma área e, portanto, cômodos mais espaçosos, acaba sendo desimportante na maioria dos casos, pois a sensação de estar fazendo um bom negócio será tanto maior para o consumidor quanto maior for o número de itens que ele irá comprar. Além disso, outros aspectos contribuem para essa maximização dos itens. Afinal, é possível argumentar que a reforma, pelo mo- rador, de um apartamento de 3 quartos para transformá-lo em um 2 quartos é serviço mais simples que o seu contrário. Além disso, não se deve desconside- rar o desejo de status do consumidor que passa a ser o feliz proprietário de um 3 quartos, em vez de um 2 quartos. De maneira que existe uma tendência à construção de espaços mínimos, salvo nos casos de empreendimentos de alto luxo. Outra abordagem relevante do marketing diz respeito à majoração do valor de troca da habitação. Nesse caso, a moradia é propagada não apenas enquanto casa, mas também enquanto bom investimento. Trata-se de estratégia que visa aumentar a demanda por habitações por meio da propagação da sua liquidez. Tática peculiar, uma vez que busca alcançar a liquidez do imóvel para a incor- poradora propagando a idéia de liquidez para o futuro comprador. Tal estraté- gia retira do primeiro plano a discussão da qualidade do espaço e coloca em evidência a possibilidade de investimento. Perde espaço o valor de uso em fa- vor do valor de troca. Tem-se, portanto, mais uma vez, a objetivação do espaço residencial, a confirmação da casa como mercadoria: a casa-investimento é produzida para dar lucro para a incorporação e também para seu comprador, num contexto em que o morador é desimportante. A FIG.13 ilustra bem a estratégia publicitária acima exposta. O nome do con- domínio, Reserva dos Sagüis, confirma a tentativa de se criar a ilusão bucólica. Também figura na publicidade o casal bonito e feliz, proprietário de um aparta-
  • 60. 59 mento “bom de morar”, “bom de investir” e que conta com “área de lazer com- pleta” onde a criança pode brincar. Trata-se do material publicitário do Resi- dencial Merindiva, já apresentado neste trabalho nas FIGS. 4 e 5. FIGURA 13 – Material publicitário do Residencial Merindiva FONTE: MRV Engenharia Em relação à liquidez, pode-se dizer também que existe uma tendência do mercado consumidor a acreditar que produtos padronizados são mais fáceis de vender porque atenderiam ao gosto médio. Assim, argumenta-se, por exemplo, que carros com pintura na cor prata ou preta têm mais liquidez do que carros vermelhos ou amarelos, porque essas são cores com maior personalidade que podem ocasionar rejeição de um número maior de pessoas, ao contrário do conservadorismo do preto ou prata. Nesse ponto de vista, a submissão ao gos- to médio pela necessidade de liquidez serve também para ratificar o projeto padrão para habitações. Equivale a dizer que um projeto personalizado, adap- tado ao gosto do morador, teria sua velocidade de venda prejudicada. Em con- sequência disso é que a Caixa Econômica Federal veda ao morador a realiza- ção de modificações em apartamentos financiados que ainda não estejam qui- tados. Tal situação contribui para desenvolver no indivíduo sua resignação ao espaço, pois ele é levado a crer que a modificação da planta original desvalori- za seu imóvel. Mudar é, portanto, arriscado. É requerida a resignação à mes- mice e à impessoalidade da massa.