1. Sexta-feira, 27 de janeiro de 2012 OPINIÃO ●
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O GLOBO
Saúde e LUIZ GARCIA
inovação
JOSÉ GOMES TEMPORÃO e
Samba atravessado
D
REINALDO GUIMARÃES
esfiles militares são acon- público ajude as escolas, no que for com as atribuições e responsabilida-
S
ão intensas e crescentes as re-
lações entre a saúde e a econo- tecimentos oficiais. Na necessário e possível. des do Legislativo municipal. Princi-
mia. Representando no Brasil condição de festas do Es- A construção do Sambódromo es- palmente porque talvez, quem sabe,
cerca de 9% do PIB e empre- tado, é natural e óbvio que tá nesse caso. É também o caso da possa inibir o entusiasmo dos verea-
gando 4,5% da força de trabalho, o se-
tor incorpora um poderoso complexo para elas sejam convidados, pelo Po- ajuda financeira da prefeitura à Lie- dores na fiscalização das despesas
econômico de indústrias e serviços de der Executivo, representantes do Le- sa, que, por sinal, está sendo discu- carnavalescas da prefeitura.
saúde. Disso decorre que a questão
central da política pública de saúde, gislativo e do Judiciário. tida pelo Ministério Público. Pelo Não foi por acaso que, desde o car-
que é a ampliação do acesso da popu- Inteiramente diferentes são os des- visto, os promotores são contra a naval passado, as autoridades poli-
lação a bens e serviços de qualidade, files de escolas de samba. A elas cabe ajuda financeira do município às es- ciais do estado passaram a recusar
está crescentemente matizada por
condicionantes postos pelo complexo a sua organização e é delas a respon- colas, entre outros motivos por fal- camarotes no Sambódromo. É um
econômico-industrial da saúde. E co- sabilidade pelo sucesso da festa. Não ta de licitação. exemplo que merece ser seguido por
mo consequência de decisões políti-
cas, na última década, pesquisa, de- é por acaso que a liga das escolas (a Observadores que não entendem outros convidados das escolas de
senvolvimento, inovação e política in- Liesa) tenha no nome o adjetivo “in- do assunto podem argumentar que é samba, como o governo do estado, a
dustrial vêm se tornando temas impor-
tantes dessa política pública.
dependente”, que estabelece e enfa- imprudente mexer em algo que fun- prefeitura, a Riotur e o Tribunal de
A política industrial brasileira re- tiza a sua natureza de iniciativa pri- ciona direitinho há muitos anos. Mas Contas municipal.
cente é uma política transversal for- vada. Isso não impede que, por mo- é preciso reconhecer que o MP tem É verdade que essas mordomias fa-
mulada sob a liderança do Ministério
do Desenvolvimento, em particular tivo óbvio — a importância da festa razão ao estranhar, por exemplo, que zem parte do contrato entre a Liesa e
através do Banco Nacional de Desen- para o município, o estado e, sem a Câmara de Vereadores tenha direi- a Riotur. O que não impede que sejam
volvimento Econômico e Social (BN-
DES). Mais recentemente, com o au-
qualquer exagero, para a imagem do to a oito camarotes do Sambódromo. um privilégio perigoso e, sem exage-
mento da musculatura da Financia- país no resto do mundo —, o poder É um privilégio que nada tem a ver ro, indigno. Ele atravessa o samba.
dora de Estudos e Projetos (Finep), o
Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação tem também ocupado posi- André Mello
ção de liderança nessa matéria. Mas
um dos aspectos relevantes dessas
políticas é a presença crescente do
setor de saúde como segmento in-
dustrial prioritário e a presença do
Ministério da Saúde como ator cen-
tral no seu gerenciamento.
A atuação do Ministério da Saúde
no campo do fomento industrial dire-
to é muito limitada, restringindo-se à
pequena, embora importante, rede de
laboratórios oficiais produtores de
medicamentos. Mas, por outro lado,
em quatro outros aspectos da política
industrial — que são mecanismos in-
diretos de fomento industrial —, o mi-
nistério vem tendo atuação crescen-
te. São eles: as articulações com o BN-
DES e a Finep no sentido de estabe-
lecer o rol de produtos prioritários
para o sistema público de saúde e que
serão objeto de fomento prioritário
pelas duas agências; esforços no sen-
tido do deslocamento da política de
propriedade intelectual em direção
ao interesse público; o estabeleci-
mento de parcerias entre indústrias
privadas e laboratórios oficiais para a
produção de medicamentos e vacinas
Darth Vaders de toga
prioritários para o SUS; utilização do
poder de compra de produtos indus-
triais pelo SUS (hoje, em torno de R$
12 bilhões/ano) como ferramenta de
fomento industrial indireto.
Temos uma situação nova no Bra- NELSON MOTTA guém conhece as leis melhor do que que passam para o lado escuro da seada na ética e na moral, como par-
sil e no mundo. Por aqui, há uma in- os juízes —, e vigoram por decisões Força. Raros são denunciados ou te fundamental do processo civiliza-
F
dústria farmacêutica que se reorgani- ormar-se em Direito, passar judiciais e administrativas dos pró- punidos e continuam reagindo in- tório, mas existe apenas como tenta-
za em bases muito mais sólidas do nos exames da OAB em que prios beneficiários. dignados contra qualquer investi- tiva de fazer justiça, nem sempre rea-
que jamais tivemos. Hoje, ela já é menos de 10% são aprovados, Todos os juízes sabem que nem gação, denunciando as críticas na lizada, pelas precariedades da condi-
grande produtora de genéricos (80% disputar os concursos para a tudo que não é proibido pela lei é imprensa como conspiração para ção humana.
do mercado fabricado no país) e dan- magistratura em que apenas 1% pas- permitido pela ética, e a grande desmoralizar toda a corporação, O que não é justo é a imensa
do seus primeiros passos em direção sa, é duríssima a carreira de um juiz, maioria, principalmente das novas quando querem apenas impedir maioria de juízes honestos, que
a produtos inovadores. No terreno pelas responsabilidades da função gerações, não aceita mais a cultura que se faça … justiça. cumprem todos os deveres que sua
dos equipamentos médico-odontoló- pública que exerce. Mas nada justifi- de privilégios das velhas elites ju- É verdade que não há justiça na na- nobre função exige, ser usada como
gicos, as indústrias de capital nacio- ca que tantos juízes do Tribunal de diciárias encasteladas no poder. tureza, muito pelo contrário, nem no escudo por elites corporativas que
nal estão ainda numa situação de re- Justiça do Rio de Janeiro ganhem Sim, a carreira é muito difícil para cosmos, nem nas religiões (pelo me- não querem justiça, mas privilégios
lativa fragilidade, mas grandes em- mais de 50 mil reais por mês, mais todos, e alguns, às vezes entre os nos na vida terrena ), nem nos deu- abusivos pagos pelo trabalho e os
presas multinacionais do complexo que o dobro do salário da presidente mais brilhantes, acabam se des- ses que permitem injustos e cruéis impostos de todos nós, inclusive os
eletroeletrônico estão para fazer in- de República e do teto legal, e alguns viando pelo caminho, corrompidos sofrimentos, a morte de inocentes e a juízes honestos.
vestimentos produtivos no país. recebam até quatro vezes mais. Sim, pela vaidade, a ambição e a onipo- salvação de assassinos. A ideia de
No mundo, a luta por consumido- os benefícios não são ilegais — nin- tência, como Darth Vaders de toga justiça é uma invenção humana, ba- NELSON MOTTA é jornalista.
res é feroz e especialmente o merca-
do brasileiro vem sendo disputado
Uma ilha e suas pontes
agressivamente, para venda de pro-
dutos que vão desde automóveis a
frangos e suínos, passando por ele-
troeletrônicos. Na área da saúde, o
nosso mercado público oferece espa-
ço de compras centralizadas em es- MAURÍCIO GUEDES UFRJ aprovou um Plano Diretor pa- conhecidas, de variados setores, já leiros. Temos hoje no Parque Tecno-
calas imensas, e isso tem feito a ale- ra 2020, que prevê, entre outras fazem parte deste processo. A pionei- lógico da UFRJ 25 empresas de pe-
U
gria dos importadores. Por que não ma nova ponte ligando a metas, um importante aumento no ra foi a Petrobras, que chegou ao queno porte, entre as nascentes na
estimular a produção nacional? Ilha da Cidade Universitária número de alunos, novos mecanis- Fundão com o seu centro de pesqui- Incubadora de Empresas da Coppe e
O déficit da balança comercial se- ao continente está sendo mos de democratização do acesso sas no início dos anos 70. Outras outras instaladas em prédios de uso
torial da saúde passou de US$ 11 bi- inaugurada. Com um dese- à universidade e grandes mudan- grandes virão, especialmente para compartilhado. O plano é abrir espa-
lhões em 2011. É legítimo se pergun- nho premiado do arquiteto Alexan- ças na infraestrutura urbana do uma parte da ilha que pertencia ao ços para mais uma centena de peque-
tar: mas qual o problema se a balan- dre Chan, a nova ponte vai beneficiar campus da Cidade Universitária. Exército e está sendo adquirida pela nas e médias empresas, e para isto
ça comercial é, no agregado, supera- não apenas as 60 mil pessoas que lá Um dos principais pilares do plano prefeitura do Rio e pelo governo do estamos trabalhando com o Sebrae-
vitária? Dois pontos importantes: a estudam, trabalham ou recebem é o conceito da dupla integração: estado. O Comando Militar do Leste RJ no projeto de um edifício que de-
velocidade do crescimento do déficit atendimento hospitalar. Vai ajudar a uma UFRJ mais integrada tanto in- tinha planos de construir ali prédios verá se chamar Torre da Inovação.
— em 2005, não passava de US$ 3 bi- desatar um nó que se forma com fre- terna como externamente — à cida- residenciais para oficiais, mas reco- Parece que finalmente existe hoje
lhões. Talvez a meta não seja ser su- quência nas proximidades do Hospi- de, ao estado e ao país. nheceu que esta não era a verdadeira no país um consenso sobre a impor-
peravitário no setor, mas reverter tal Universitário, ponto de passagem A construção de uma relação vocação daquela ilha. tância de ciência, tecnologia e inova-
uma taxa de crescimento do déficit obrigatório dos que transitam pela transformadora com a sociedade faz O elenco de grandes corporações ção, e está sendo superada uma dis-
que é avassaladora; trata-se de um Linha Vermelha ou se dirigem à Ilha parte das atribuições constitucionais com unidades voltadas para a gera- puta inútil, que mobilizou alguns gru-
setor estratégico, inclusive no con- do Governador, inclusive ao Aeropor- de uma universidade brasileira e de- ção de conhecimento que está se ins- pos do mundo empresarial e acadê-
ceito militar — na Guerra das Malvi- to Tom Jobim. ve incluir, necessariamente, as em- talando no Rio de Janeiro por si só mico nos últimos anos, sobre o pro-
nas nossos vizinhos ficaram sem in- Construída como parte do pro- presas. Uma das expressões desta seria motivo de orgulho para qual- tagonismo no processo de geração
sulina, por dificuldades na importa- grama de recuperação do Canal do maior integração da Ilha do Fundão à quer cidade e fator relevante para a de inovações tecnológicas. Na reali-
ção e falta de produção local. Fundão, a ponte será um marco e cidade tem sido a atração de centros atração de novos investimentos, dade, nos dias de hoje, a responsabi-
A visão de que a política pública de servirá como um alerta à socieda- de pesquisas de empresas para se mas, no longo prazo, as verdadeiras lidade pela construção desta capaci-
saúde deve andar de mãos dadas de, em um local marcado por um instalarem neste ambiente de conhe- estrelas deste processo serão as pe- dade de inovação não é apenas das
com as políticas de desenvolvimento erro ambiental do passado. Na dé- cimento e inovação. As relações que quenas empresas. Principalmente empresas ou das universidades, mas
e de inovação faz bem à saúde da po- cada de 50, por uma causa nobre — irão se estabelecer entre essas em- empresas criadas por brasileiros que principalmente das pontes que se
pulação e do país. a construção do campus da Univer- presas e os grupos acadêmicos da tiveram a oportunidade de acumular construam entre elas.
sidade do Brasil — foi aterrado um UFRJ e de outras universidades e um capital intelectual em boas uni-
JOSÉ GOMES TEMPORÃO é ex-ministro da arquipélago com oito ilhas que ali centros de pesquisas trarão grandes versidades, muitos deles com cursos MAURÍCIO GUEDES é diretor do Parque
Saúde. existiam. oportunidades para a valorização da de mestrado e doutorado, e que têm Tecnológico da UFRJ.
Esta ponte, no entanto, não é a atividade acadêmica e um processo optado pelo desafio de transformar
REINALDO GUIMARÃES foi secretário de única, nem a mais importante que sustentável de geração de emprego e esse conhecimento em bens e servi- O GLOBO NA INTERNET
Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos está sendo construída. No fim de renda na cidade. ços para a sociedade, gerando em- OPINIÃO Leia mais artigos
do Ministério da Saúde. 2009, o Conselho Universitário da Muitas empresas mundialmente prego para milhares de outros brasi- oglobo.com.br/opiniao