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CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 83
RELATOS DE CASOS
I DENTIFICAÇÃO
A. S., 7 anos e 10 meses, feminino,
branca, natural e procedente de Anta
Gorda – Rio Grande do Sul.
Descreve-se uma menina cujos
pais são agricultores, saudáveis, com
instrução primária incompleta, mo-
ram em casa própria; a renda fami-
liar é de, aproximadamente, 500 dó-
lares mensais. A mãe mede 1,52 cm
de estatura e a avó materna, 1,65 cm.
Não se obteve a altura do pai e dos
demais avós. Dois tios paternos são
mudos. Não há história familiar de
Conseqüências do diagnóstico tardio
de hipotireoidismo neonatal
Consequences of the late diagnosis of
neonatal hypothyroidism
HUGO ROBERTO KURTZ LISBÔA –
Professor de Endocrinologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de Passo Fun-
do. Doutor em Endocrinologia.
LIÉGE MOZZATTO – Médica Pediatra do
Hospital São Vicente de Paulo. Preceptora da
Residência Médica de Pediatria do Hospital
São Vicente de Paulo – Passo Fundo, RS.
TADEU LAMPERT – Médico Neurologis-
ta Pediátrico do Hospital São Vicente de Paulo
– Passo Fundo, RS.
ALESSANDRA BARQUETE – Aluna do
6o ano da Faculdade de Medicina da Uni-
versidade de Passo Fundo.
Hospital Escola São Vicente de Paulo.
Disciplina de Endocrinologia e Pediatria da
Faculdade de Medicina.
Universidade de Passo Fundo.
* Endereço para correspondência:
Hugo Roberto Kurtz Lisbôa
Rua Teixeira Soares, 885/806
99010-901 – Passo Fundo – RS – Brasil
: hlisboa@pro.via-rs.com.br
SINOPSE
Descreve-se o caso de uma menina de oito anos incompletos, com diagnóstico de
nanismo e retardo mental, que havia consultado 12 diferentes médicos, fazendo vários
exames laboratoriais e investigação neurológica. Em virtude do seu quadro neurológico,
a paciente freqüentou uma instituicão para deficientes mentais, a Associacão de Pais e
Amigos de Excepcionais – Apae – durante dois anos e dois meses. Somente em novem-
bro de 1999, houve suspeita de hipotireoidismo, o que foi confirmado através das dosa-
gens de tiroxina (T4) e hormônio estimulante da tireóide (TSH). Os autores ressaltam a
necessidade do uso universal dos testes de rastreamento (teste do pezinho), bem como de
que médicos generalistas e pediatras se conscientizem sobre a importância de reconhecer
precocemente casos típicos de hipotireoidismo como esse.
UNITERMOS: Hipotireodismo Neonatal, Rastreamento de Hipotireoidismo, Retardo
Mental e Hipotireoidismo.
ABSTRACT
A case of a girl with neonatal hypothyroidism, previously diagnosed as dwarfism and
mental retardation, until the age of 8 is described. During her life she went to 12 different
general practitioners and pediatricians performing extensive laboratory and neurologi-
cal investigations, and attended an institution for mentally handicapped children, Asso-
ciation of Parents and Friends of Exceptional – APAE, for 2 years and 2 months until she
was correctly diagnosed. Only in November of 1999, was she suspected of having hypo-
thyroidism that was confirmed through the discovery of a low thyroxin (T4) and a high
thyroid stimulating hormone (TSH). The authors stress the need for universal use of neo-
natal hypothyroidism screening, as well as the need for well informed general practitio-
ners and pediatricians for the recognition of early characteristics of hypothyroidism.
KEY WORDS: Neonatal Hypothyroidism, Hypothyroidism Screening, Hypothyroidism and
Mental Retardation.
tireoidopatias, diabete tipo 1 ou ou-
tras doenças autoimunes.
A mãe teve quatro gestacões e
quatro filhos, nunca fez pré-natal e
não apresentou intercorrências em
nenhuma das gestações, inclusive na
da paciente, que foi a última. A me-
nina nasceu de parto normal, hospi-
talar, com 2.950 g e 46 cm, de estatu-
ra a termo. Não fez o rastreamento
para doenças neonatais (teste do pe-
zinho). Falou as primeiras palavras
logo depois de completados dois
anos. Começou a andar sem apoio aos
dois anos e oito meses. A primeira
dentição ocorreu aos dois anos e a
troca dos dentes após os sete anos.
Atualmente, a mãe relata que a pa-
ciente apresentou um desenvolvimen-
to normal e semelhante ao dos dois ir-
mãos até o terceiro mês de vida. A par-
tir de então, observou que a menina não
aumentava de peso, tornou-se pálida,
sonolenta e com constipação intestinal.
Não engatinhou nem caminhou na mes-
ma época em que ocorrera com os ir-
mãos. Além disso, permanecia quieta
por longos períodos. Com um ano de
idade, foi levada, pela primeira vez, a
um clínico geral, o qual diagnosticou
“problema na cabeça”. Com um ano e
meio, consultou com um pediatra com
as mesmas queixas, realizando trata-
mento durante oito meses para anemia,
que, segundo aquele, seria a causa de
seus problemas. A partir de então, a
paciente consultou com, aproximada-
mente, 14 médicos em cidades de dis-
tintos tamanhos: Porto Alegre, Anta
Gorda, Lageado, Santa Cruz, Guaporé
e, por último, Passo Fundo. Realizou,
nesse período, duas tomografias com-
putadorizadas cranioencefálicas que
foram normais. Com quatro anos, a
paciente foi diagnosticada como pos-
suidora de retardo mental e encaminha-
CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS
84 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001
da para uma escola de criancas excep-
cionais (Associacão de Pais e Amigos
de Excepcionais – Apae). Atualmente,
está na pré-escola e já escreve seu nome
e diversas outras palavras. Em novem-
bro de 1999, foi encaminhada para um
neuropediatra em Passo Fundo (TL),
que solicitou internação e avaliação da
pediatra (LM) e do endocrinologista
(HRKL). A menina apresentava uma
idade-peso correspondente a 27 meses
e uma idade-altura de 26 meses. Os
exames de rotina revelaram anemia
normocítica e hipocrômica. Os testes
da função tireoideana foram compatí-
veis com hipotireoidismo primário se-
vero. Não foi visualizada a glândula
tireoideana no ultra-som.
Ao exame fisico externo, constata-
se que a face é hipotireoidiana (Figura
1), peso: 13.400 g (abaixo do percentil
2,5), altura: 87 cm (abaixo do percen-
til 2,5), (Figura 2), perímetro cefálico:
52 cm (no percentil 50), pulso: 80p/m
(normal na vigília 70 – 110 p/m), fre-
qüência respiratória: 34mr/m (normal
na vigília 15-30 mr/m), pressão arte-
rial: 85/50 mm de Hg (normal para a
idade 102 ± 15/56 ± 8 mmHg).
A criança é lúcida, respondendo a
perguntas simples, muito afetiva, em
estado geral regular. Apresenta palidez
cutânea, mucosas hipocoradas+/4, pele
seca e infiltrada e cabelos secos. O pes-
coço é curto, a tireóide não é palpável,
ausculta cardíaca mostra ritmo regular
em dois tempos, sem sopros. A ausculta
respiratória é sem particularidades. O
abdome é globoso com diástase dos
músculos retos abdominais.
Ao exame neurológico, nota-se que
conversa e entende bem, colabora pou-
co com o exame neurológico, necessi-
tando ser estimulada pela mãe. A mar-
cha é normal, anda de costas pé por pé
em linha reta; o equilíbrio estático é
conseguido com os olhos fechados na
prova de Romberg. As manobras dos
braços estendidos e índex-nariz não
demonstram anormalidades com os
olhos abertos e fechados. A forca mus-
cular é preservada nos quatros mem-
bros, mas o tônus está diminuído glo-
balmente. Usa a mão esquerda para
escrever e o faz de acordo com a esco-
laridade atual, mas prefere realizar ga-
Figura 1 – Paciente
com hipotireoidismo
neonatal.
Figura 2 – Paciente
com hipotireoidismo
neonatal.
CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 85
ratujas pela folha de papel. Copia um
quadrado, mas não um losango. A fi-
gura humana é incompleta e pequena.
Os reflexos profundos estão presentes
e normo-ativos à percussão, são simé-
tricos nos quatro membros. Movimen-
tos oculares normais. Exame do fundo
de olho sem alterações. Conclui-se que
o quadro é compatível com atraso do
desenvolvimento neuropsicomotor e o
exame evolutivo é compatível com cin-
co anos de idade e aparente deficiên-
cia mental leve, de acordo com a esca-
la de Denver (1)
A avaliação laboratorial mostra:
eritrócitos: 3.060.000/mm3 (valores de
referência para a idade=3.800.000 –
5.800.000), hematócrito: 29 % (35-45),
hemoglobina: 9,9 g% (11,5-15,5),
HCH: 32 pg (28-32), CHCM: 24% (32-
36), VCM: 95 u3 (32-26). Leucócitos:
6.200/mm3 (5.000 a 13.000) – conta-
gem diferencial normal; cariótipo: 46
XX, normal; triiodotironina: 0,39 ug/
dl (valores de referência 0,4-1,50 ug/
ml), tiroxina: 2,04 ug/dl (valores de
referência 4,2-12,0 ug/dl), hormônio
estimulante da tireóide (TSH): > 100
UI/ml (valores de referência 0,45-4,70
UI/ml).
Os exames de imagem revelam: RX
crânio: aumento nos diâmetros cefáli-
cos; RX de mãos e punhos: retardo no
desenvolvimento e aparecimento dos
ossos do carpo; idade óssea: compatí-
vel com dois anos; pernas: retardo no
desenvolvimento dos núcleos epifi-
sários proximais do fêmur bilateral-
mente com fragmentação epifisária;
cintilografia da tireóide com 131I:
captação 2,62% (valores de referência
15-45%/24 horas): ausência de tecido
cervical captante de radioiodo; ultra-
som bidimensional da tireóide: ausên-
cia de tecido tireoidiano detectável no
pescoço.
Com o diagnóstico de hipotireoidis-
mo primário, iniciou-se o tratamento
com 50 microgramas de tiroxina admi-
nistrada em jejum pela manhã. Cin-
qüenta dias após a alta, a menina retor-
nou para reavaliação. Apresentava-se
em bom estado geral, mais ativa e co-
rada, com a pele menos seca e sem
moteamento. O hábito intestinal esta-
va praticamente normalizado. Peso:
12.400g; altura: 88 cm, ainda abaixo
do percentil 2,5%, havendo crescido 1
cm nesse período. Pulso: 120 ppm / FR:
28 mrm.
Os exames laboratoriais mostraram
melhora da anemia, dos níveis de hor-
mônios da tireóide e TSH: eritrócitos:
3.750.000/mm3, hematócrito: 34%,
hemoglobina: 11,3g%, HCM: 30 pg.
CHCM: 33%, VCM: 91 µ3. Leucóci-
tos: 5.500/mm3 – contagem diferencial
normal, triiodotironina: 1,01 µg/dl, ti-
roxina: 6,90 µg/dl, hormônio estimu-
lante da tireóide (TSH): 16,63 UI/ml.
A paciente teve a dose de tiroxina
aumentada para 75 microgramas/dia
em virtude de apresentar um TSH ain-
da moderadamente elevado. Sugeriu-
se que fizesse controle ambulatorial
bimestral.
D ISCUSSÃO
Trata-se de um caso de hipotireoi-
dismo primário neonatal que, a despeito
da exuberância de sintomas clínicos e
de avaliacões realizadas por vários
médicos, não foi diagnosticado corre-
tamente durante oito anos. Esse atraso
no diagnóstico acarretou à paciente
várias seqüelas, entre elas, a baixa es-
tatura. A menina estava 23 cm abai-
xo do canal de crescimento previsto,
calculado pela estatura dos pais. Pa-
ralelamente a isso, as lesões neuro-
lógicas decorrentes do hipotireoidis-
mo trouxeram deficiências nas suas
capacidadesintelectuais, que estão am-
plamente descritas na literatura e são
reversíveis com o tratamento, se insti-
tuído precocemente (2).
Classicamente, a criança nasce com
pouca ou nenhuma evidência de defi-
ciência do hormônio tireoideano, po-
dendo demorar 6, 12 ou mais semanas
o diagnóstico clínico. Nesse intervalo,
os sintomas evoluem com uma progres-
siva acumulação de mixedema nos te-
cidos subcutâneos e língua; engrossa-
da, a língua pode tomar-se protuberan-
te, causando dificuldades para a crian-
ça alimentar-se. O choro é progressi-
vamente rouco devido ao mixedema
das cordas vocais. Apresenta também
hipotoma muscular, hérnia umbilical,
abdome globoso, constipação, bradi-
cardia, extremidades frias, palidez e
pele moteada (3).
O hipotireoidismo congênito pode
ser esporádico ou familiar e apresen-
tar-se com ou sem bócio. Se a deficiên-
cia do hormônio tireoideano é severa,
os sintomas se desenvolvem nas pri-
meiras semanas de vida; já, se ocorre-
rem graus menores dessa deficiência,
os sintomas podem tardar meses. Cer-
ca de 90% dos casos devem-se à dis-
plasia de tireóide e cerca de um terço
desses casos atribui-se à aplasia da ti-
reóide. As meninas são afetadas em
dobro quando comparadas aos meninos
De qualquer forma, ressalte-se que a
maioria dos recém-nascidos é assin-
tomática no nascimento, mesmo
aqueles que apresentam agenesia da
tireóide. Essa situação é atribuída à
passagem transplacentária de modera-
da quantidade de tiroxina materna. Por
essas razões, a medida dos hormônios
TSH e T4 é o único método de detec-
tar a enfermidade num estágio pré-clí-
nico (4, 5).
A paciente desenvolveu-se de ma-
neira semelhante aos irmãos durante os
primeiros três meses, quando, então,
começou apresentar os sintomas de
pouco crescimento, palidez, sonolên-
cia e constipação intestinal. Essa evo-
lução sugere que havia hormônio tireoi-
deano suficiente para sustentar o cres-
cimento durante os primeiros meses, o
qual, porém, tornou-se insuficiente
após essa idade. Embora a cintilogra-
fia e a ultra-sonografia não tivessem
detectado tecido tireoideano, os níveis
de tiroxina de 2,04 ug/dl confirmam
que havia algum tecido tireoideano re-
manescente.
Realmente, a maioria dos casos de
hipotireoidismo no recém-nascido é
devido a problemas no desenvolvimen-
to da tireóide. Alguns pacientes apre-
sentam agenesia da glândula tireoidea-
na, porém, em cerca da metade dos ca-
sos, algum tecido tireoideano é detec-
tado na cintilografia (6).
A falta de hormônios da tireóide
devida ao hipotireoidismo neonatal
causa deficiências no crescimento, na
maturação óssea, no desenvolvimen-
to cerebral e intelectual, em razão do
CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS
86 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001
seu importante papel na maturação
desses sistemas. Esses efeitos são
mais intensos no período entre zero
e três anos (7).
Estima-se que aqueles pacientes nos
quais o tratamento é feito antes das seis
semanas de idade teriam uma média do
Quociente de Inteligência (QI de 100.
Se o tratamento é iniciado entre as seis
semanas e três meses, a média do QI
baixa para 95; se iniciar entre os três e
seis meses, o QI médio fica em tormo
de 75 e, após seis meses de idade, a
média baixa para 55 ou menos (8).
Há, no entanto, referências de que
mesmo indivíduos detectados e trata-
dos precocemente poderão apresentar
pequenas deficiências na esfera das
noções espaciais, memória e atenção
(9). Outro estudo recente mostrou que
os indivíduos com hipotireoidismo
neonatal adequadamente tratados e
avaliados na adolescência tinham dois
tipos de evolução: uns, embora com
quociente de inteligência menor, não
diferiam significativamente dos contro-
les; já outros tinham uma performance
pior. O autor sugere que a piora do qua-
dro deva-se a uma deficiência mais lon-
ga do hormônio tireoideano no perío-
do neonatal e, mesmo, pós-natal (10).
Um estudo analisou gêmeos idênti-
cos, um com hipotireoidismo congêni-
to em decorrência da agenesia de tireói-
de e outro normal. Observou-se que o
indivíduo afetado apresentava desem-
penho escolar semelhante ao de seus
colegas, porém, quando comparado ao
seu irmão, tinha pior desempenho na
escrita, leitura, memória verbal e arit-
mética. Dessa forma, os autores con-
cluíram que, no caso de gêmeos que são
genética e fenotipicamente idênticos,
criados no mesmo ambiente e receben-
do a mesma educação, a diferenca no
desempenho do gêmeo afetado deveu-
se, provavelmente, aos efeitos do hi-
potireoidismo intra-uterino e nas pri-
meiras semanas de vida (11). Corrobo-
rando essa suspeita, recentemente foi
publicado um estudo no qual indiví-
duos de mães que apresentaram hipo-
tireoidismo durante a gestação também
possuíam deficiências nos testes de in-
teligência, quando comparados com os
controles. Os autores recomendam que
a dosagem de TSH seja incluída nos
exames pré-natais, evitando-se o desen-
volvimento desses quadros (12).
Esses relatos apontam para que o
diagnóstico seja feito o mais rapida-
mente possível, o que significa reali-
zar o teste de rastreamento logo após o
nascimento. Do ponto de vista prático,
recomenda-se que a dosagem de TSH
seja feita após o terceiro dia do nasci-
mento, visto haver uma grande eleva-
ção dos níveis desse hormônio logo
após o nascimento. Assim que for feito o
diagnóstico, o paciente deverá receber
tiroxina na dose de 10 a l5ug/kg. Pos-
teriormente, a dose deverá ser monito-
rizada com o objetivo de manter o TSH
dentro dos limites de referência para a
idade. Ressalte-se que crianças hipoti-
roideias necessitam, em média, de 4 ug
detiroxinaporquilodepeso,ouseja,bem
mais que os adultos hipotiroideos, nos
quais se utilizam 2 ug/kg/24h (4).
No caso dessa paciente, deve ser
ressaltada a presença de dois tios pa-
ternos portadores de surdo-mudez. É
conhecida a associação de hipotireoi-
dismo e diminuição da acuidade audi-
tiva, por isso alguma causa familiar de
tireoidopatia não pode ser afastada. A
gravidade do caso, no entanto, tomou
prioritário o tratamento da paciente,
devendo ser feitas futuramente inves-
tigações adicionais na família.
Chama a atenção, no presente caso,
que o comprometimento cerebral foi
tão importante que a menina foi consi-
derada como portadora de retardo men-
tal e colocada numa escola especiali-
zada para essa circunstância por mais
de dois anos. É realmente preocupante
o achado de um caso de hipotireoidis-
mo com tanto atraso no diagnóstico,
quando já se recomenda o diagnóstico
neonatal ou até pré-natal dessa enfer-
midade. Isso principalmente porque há
grande evidência de que os testes de
rastreamento para hipotireoidismo são
vantajosos em relação ao custo-bene-
fício, além de se estar evitando um caso
de deficiência mental em cada 4.000
nascimentos (13, 14), ou um para 3.000
nascimentos vivos em outras fontes da
literatura (15).
O rastreamento do hipotireoidismo
congênito no Brasil não cobre todos os
nascimentos, embora venha sendo mais
empregado que no passado, segundo o
Dr. Ricardo Meireles, presidente da
Comissão de Rastreamento Neonatal
da Sociedade Brasileira de Endocri-
nologia e Metabologia. Esse autor
relata que a comissão avalia o rastrea-
mento neonatal desde 1990, princi-
palmente no que tange a hipotireoi-
dismo congênito e, segundo estimati-
va dessa instituição, em 1999, foram
rastreadas 1 milhão e setecentas mil
crianças para essa doença (16).
Estimou-se, com base nos dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
tatística, que houve cerca de 2 milhões
695 mil crianças nascidas vivas em
1999; dessa forma, 995 mil crianças
não teriam feito o teste de rastreamen-
to. Levando em conta que ocorre um
caso de hipotireoidismo congênito para
cada 4.000 nascimentos, pode-se supor
que um contingente de 249 indivíduos
nesse ano não teriam tido o diagnósti-
co de hipotireoidismo feito de forma
precoce, apresentando, portanto, lesões
neurológicas irreversíveis
O rastreamento para hipotiroidismo
congênito e fenilcetonúria são obriga-
tórios por lei e, no Rio Grande do Sul,
podem ser realizados através do Siste-
ma Único de Saúde, que tem convênio
com o Setor de Rastreamento de Hipo-
tireoidismo Neonatal da Faculdade de
Farmácia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul (endereço: Aveni-
da Ipiranga 2752/ 3° andar, Porto Ale-
gre, telefone 0xx.51.3316 53 70). Esse
serviço somente atende convênios com
os municípios e não realiza exames de
pacientes individualmente, atendendo
a determinação da Delegacia de Saúde
deste estado.
Outro serviço tradicional no estado
do Rio Grande do Sul é o Centro de
Triagem Neonatal, que realiza esses
exames, além de outros para detectar
distúrbios menos freqüentes, e atende
a convênios com municípios e pacien-
tes particulares (endereço: Avenida Ipi-
ranga 5000, Porto Alegre, telefone
0xx.51.3339 5000).
É importante ressaltar que qual-
quer laboratório está apto a realizar
esses exames, em virtude de sua fá-
cil coleta e pela possibilidade de ser
CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS
Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 87
remetido pelo correio. Os laborató-
rios foram referidos por serem, um,
ligado ao serviço público e, outro, por
ser o mais antigo.
A técnica é similar em qualquer la-
boratório: obtém-se uma gota de san-
gue que é colocada em papel-filtro para
dosagem do TSH a partir do terceiro
dia do nascimento. Exames colhidos
mais precocemente costumam resultar
em valores de TSH muito altos, o que
poderia ocasionar um grande número
de falsos-positivo. A outra razão é que
exames coletados após três dias de ali-
mentação possibilitam a realização do
teste para detecção de fenilcetonúria,
o qual facilita a estratégia do rastrea-
mento de ambas as doenças congêni-
tas, que são as mais freqüentes. Os exa-
mes anormais devem ser confirmados
com uma nova dosagem realizada em
sangue venoso.
O Sistema Único de Saúde paga a
realização do rastreamento de hipoti-
roidismo neonatal e fenilcetonúria, sen-
do necessário que a prefeitura interes-
sada realize um convênio com labora-
tórios autorizados. No caso de Passo
Fundo, no Rio Grande do Sul, desde
outubro de 1998, existe um programa
que atende a todas as crianças nasci-
das no município. Nessa cidade, a Se-
cretaria de Saúde colocou o posto de
coleta para o rastreamento dessas doen-
ças ao lado do local para vacinação
contra a BCG, que deve ser feita com
um mês de vida. Utilizando essa estra-
tégia, todas as crianças que realizam a
vacinação são encaminhadas para a rea-
lização do rastreamento neonatal.
C ONCLUSÃO
Sabe-se que as principais causas de
encefalopatia e conseqüente retardo
mental devem-se a: hipóxia ou anóxia,
alterações metabólicas como a hipogli-
cemia, alterações eletrolíticas, infec-
ções congênitas (toxoplasmose, rubé-
ola, sífilis), prematuridade e alterações
cromossômicas, entre outras (l7). No
caso do hipotireoidismo neonatal, en-
tretanto, as técnicas para o seu rastrea-
mento, diagnóstico e tratamento estão
bem definidas. Dessa forma, parece
interessante que se utilizem essas es-
tratégias, pois, nessa condição, é pos-
sível prevenir o desenvolvimento de
retardo mental e suas conseqüências.
O presente relato é emblemático da
necessidade urgente da adoção do efe-
tivo rastreamento do hipotireoidismo
congênito em todos os recém-nascidos
do país. Também é importante alertar
os médicos generalistas e pediatras
sobre a necessidade de que suspeitem
dessa patologia sempre que haja bai-
xa estatura e retardo no desenvolvi-
mento intelectual e motor, com o que
se poderão detectar os casos remanes-
centes que escaparem, infelizmente,
ao diagnóstico precoce ou que foram
falsos-negativos nos exames de ras-
treamento.
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16. MEIRELES R. Screening Neonatal. Um
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17. PARKE JT. Acute encephalopaties. In:
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FELGUIN RID, WARSHAW JB, eds
Oski’s Pediatrics: Lippincott, Williams a:
Wilkins, 1999, 1806-1809.

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  • 1. CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 83 RELATOS DE CASOS I DENTIFICAÇÃO A. S., 7 anos e 10 meses, feminino, branca, natural e procedente de Anta Gorda – Rio Grande do Sul. Descreve-se uma menina cujos pais são agricultores, saudáveis, com instrução primária incompleta, mo- ram em casa própria; a renda fami- liar é de, aproximadamente, 500 dó- lares mensais. A mãe mede 1,52 cm de estatura e a avó materna, 1,65 cm. Não se obteve a altura do pai e dos demais avós. Dois tios paternos são mudos. Não há história familiar de Conseqüências do diagnóstico tardio de hipotireoidismo neonatal Consequences of the late diagnosis of neonatal hypothyroidism HUGO ROBERTO KURTZ LISBÔA – Professor de Endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Passo Fun- do. Doutor em Endocrinologia. LIÉGE MOZZATTO – Médica Pediatra do Hospital São Vicente de Paulo. Preceptora da Residência Médica de Pediatria do Hospital São Vicente de Paulo – Passo Fundo, RS. TADEU LAMPERT – Médico Neurologis- ta Pediátrico do Hospital São Vicente de Paulo – Passo Fundo, RS. ALESSANDRA BARQUETE – Aluna do 6o ano da Faculdade de Medicina da Uni- versidade de Passo Fundo. Hospital Escola São Vicente de Paulo. Disciplina de Endocrinologia e Pediatria da Faculdade de Medicina. Universidade de Passo Fundo. * Endereço para correspondência: Hugo Roberto Kurtz Lisbôa Rua Teixeira Soares, 885/806 99010-901 – Passo Fundo – RS – Brasil : hlisboa@pro.via-rs.com.br SINOPSE Descreve-se o caso de uma menina de oito anos incompletos, com diagnóstico de nanismo e retardo mental, que havia consultado 12 diferentes médicos, fazendo vários exames laboratoriais e investigação neurológica. Em virtude do seu quadro neurológico, a paciente freqüentou uma instituicão para deficientes mentais, a Associacão de Pais e Amigos de Excepcionais – Apae – durante dois anos e dois meses. Somente em novem- bro de 1999, houve suspeita de hipotireoidismo, o que foi confirmado através das dosa- gens de tiroxina (T4) e hormônio estimulante da tireóide (TSH). Os autores ressaltam a necessidade do uso universal dos testes de rastreamento (teste do pezinho), bem como de que médicos generalistas e pediatras se conscientizem sobre a importância de reconhecer precocemente casos típicos de hipotireoidismo como esse. UNITERMOS: Hipotireodismo Neonatal, Rastreamento de Hipotireoidismo, Retardo Mental e Hipotireoidismo. ABSTRACT A case of a girl with neonatal hypothyroidism, previously diagnosed as dwarfism and mental retardation, until the age of 8 is described. During her life she went to 12 different general practitioners and pediatricians performing extensive laboratory and neurologi- cal investigations, and attended an institution for mentally handicapped children, Asso- ciation of Parents and Friends of Exceptional – APAE, for 2 years and 2 months until she was correctly diagnosed. Only in November of 1999, was she suspected of having hypo- thyroidism that was confirmed through the discovery of a low thyroxin (T4) and a high thyroid stimulating hormone (TSH). The authors stress the need for universal use of neo- natal hypothyroidism screening, as well as the need for well informed general practitio- ners and pediatricians for the recognition of early characteristics of hypothyroidism. KEY WORDS: Neonatal Hypothyroidism, Hypothyroidism Screening, Hypothyroidism and Mental Retardation. tireoidopatias, diabete tipo 1 ou ou- tras doenças autoimunes. A mãe teve quatro gestacões e quatro filhos, nunca fez pré-natal e não apresentou intercorrências em nenhuma das gestações, inclusive na da paciente, que foi a última. A me- nina nasceu de parto normal, hospi- talar, com 2.950 g e 46 cm, de estatu- ra a termo. Não fez o rastreamento para doenças neonatais (teste do pe- zinho). Falou as primeiras palavras logo depois de completados dois anos. Começou a andar sem apoio aos dois anos e oito meses. A primeira dentição ocorreu aos dois anos e a troca dos dentes após os sete anos. Atualmente, a mãe relata que a pa- ciente apresentou um desenvolvimen- to normal e semelhante ao dos dois ir- mãos até o terceiro mês de vida. A par- tir de então, observou que a menina não aumentava de peso, tornou-se pálida, sonolenta e com constipação intestinal. Não engatinhou nem caminhou na mes- ma época em que ocorrera com os ir- mãos. Além disso, permanecia quieta por longos períodos. Com um ano de idade, foi levada, pela primeira vez, a um clínico geral, o qual diagnosticou “problema na cabeça”. Com um ano e meio, consultou com um pediatra com as mesmas queixas, realizando trata- mento durante oito meses para anemia, que, segundo aquele, seria a causa de seus problemas. A partir de então, a paciente consultou com, aproximada- mente, 14 médicos em cidades de dis- tintos tamanhos: Porto Alegre, Anta Gorda, Lageado, Santa Cruz, Guaporé e, por último, Passo Fundo. Realizou, nesse período, duas tomografias com- putadorizadas cranioencefálicas que foram normais. Com quatro anos, a paciente foi diagnosticada como pos- suidora de retardo mental e encaminha-
  • 2. CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS 84 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 da para uma escola de criancas excep- cionais (Associacão de Pais e Amigos de Excepcionais – Apae). Atualmente, está na pré-escola e já escreve seu nome e diversas outras palavras. Em novem- bro de 1999, foi encaminhada para um neuropediatra em Passo Fundo (TL), que solicitou internação e avaliação da pediatra (LM) e do endocrinologista (HRKL). A menina apresentava uma idade-peso correspondente a 27 meses e uma idade-altura de 26 meses. Os exames de rotina revelaram anemia normocítica e hipocrômica. Os testes da função tireoideana foram compatí- veis com hipotireoidismo primário se- vero. Não foi visualizada a glândula tireoideana no ultra-som. Ao exame fisico externo, constata- se que a face é hipotireoidiana (Figura 1), peso: 13.400 g (abaixo do percentil 2,5), altura: 87 cm (abaixo do percen- til 2,5), (Figura 2), perímetro cefálico: 52 cm (no percentil 50), pulso: 80p/m (normal na vigília 70 – 110 p/m), fre- qüência respiratória: 34mr/m (normal na vigília 15-30 mr/m), pressão arte- rial: 85/50 mm de Hg (normal para a idade 102 ± 15/56 ± 8 mmHg). A criança é lúcida, respondendo a perguntas simples, muito afetiva, em estado geral regular. Apresenta palidez cutânea, mucosas hipocoradas+/4, pele seca e infiltrada e cabelos secos. O pes- coço é curto, a tireóide não é palpável, ausculta cardíaca mostra ritmo regular em dois tempos, sem sopros. A ausculta respiratória é sem particularidades. O abdome é globoso com diástase dos músculos retos abdominais. Ao exame neurológico, nota-se que conversa e entende bem, colabora pou- co com o exame neurológico, necessi- tando ser estimulada pela mãe. A mar- cha é normal, anda de costas pé por pé em linha reta; o equilíbrio estático é conseguido com os olhos fechados na prova de Romberg. As manobras dos braços estendidos e índex-nariz não demonstram anormalidades com os olhos abertos e fechados. A forca mus- cular é preservada nos quatros mem- bros, mas o tônus está diminuído glo- balmente. Usa a mão esquerda para escrever e o faz de acordo com a esco- laridade atual, mas prefere realizar ga- Figura 1 – Paciente com hipotireoidismo neonatal. Figura 2 – Paciente com hipotireoidismo neonatal.
  • 3. CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 85 ratujas pela folha de papel. Copia um quadrado, mas não um losango. A fi- gura humana é incompleta e pequena. Os reflexos profundos estão presentes e normo-ativos à percussão, são simé- tricos nos quatro membros. Movimen- tos oculares normais. Exame do fundo de olho sem alterações. Conclui-se que o quadro é compatível com atraso do desenvolvimento neuropsicomotor e o exame evolutivo é compatível com cin- co anos de idade e aparente deficiên- cia mental leve, de acordo com a esca- la de Denver (1) A avaliação laboratorial mostra: eritrócitos: 3.060.000/mm3 (valores de referência para a idade=3.800.000 – 5.800.000), hematócrito: 29 % (35-45), hemoglobina: 9,9 g% (11,5-15,5), HCH: 32 pg (28-32), CHCM: 24% (32- 36), VCM: 95 u3 (32-26). Leucócitos: 6.200/mm3 (5.000 a 13.000) – conta- gem diferencial normal; cariótipo: 46 XX, normal; triiodotironina: 0,39 ug/ dl (valores de referência 0,4-1,50 ug/ ml), tiroxina: 2,04 ug/dl (valores de referência 4,2-12,0 ug/dl), hormônio estimulante da tireóide (TSH): > 100 UI/ml (valores de referência 0,45-4,70 UI/ml). Os exames de imagem revelam: RX crânio: aumento nos diâmetros cefáli- cos; RX de mãos e punhos: retardo no desenvolvimento e aparecimento dos ossos do carpo; idade óssea: compatí- vel com dois anos; pernas: retardo no desenvolvimento dos núcleos epifi- sários proximais do fêmur bilateral- mente com fragmentação epifisária; cintilografia da tireóide com 131I: captação 2,62% (valores de referência 15-45%/24 horas): ausência de tecido cervical captante de radioiodo; ultra- som bidimensional da tireóide: ausên- cia de tecido tireoidiano detectável no pescoço. Com o diagnóstico de hipotireoidis- mo primário, iniciou-se o tratamento com 50 microgramas de tiroxina admi- nistrada em jejum pela manhã. Cin- qüenta dias após a alta, a menina retor- nou para reavaliação. Apresentava-se em bom estado geral, mais ativa e co- rada, com a pele menos seca e sem moteamento. O hábito intestinal esta- va praticamente normalizado. Peso: 12.400g; altura: 88 cm, ainda abaixo do percentil 2,5%, havendo crescido 1 cm nesse período. Pulso: 120 ppm / FR: 28 mrm. Os exames laboratoriais mostraram melhora da anemia, dos níveis de hor- mônios da tireóide e TSH: eritrócitos: 3.750.000/mm3, hematócrito: 34%, hemoglobina: 11,3g%, HCM: 30 pg. CHCM: 33%, VCM: 91 µ3. Leucóci- tos: 5.500/mm3 – contagem diferencial normal, triiodotironina: 1,01 µg/dl, ti- roxina: 6,90 µg/dl, hormônio estimu- lante da tireóide (TSH): 16,63 UI/ml. A paciente teve a dose de tiroxina aumentada para 75 microgramas/dia em virtude de apresentar um TSH ain- da moderadamente elevado. Sugeriu- se que fizesse controle ambulatorial bimestral. D ISCUSSÃO Trata-se de um caso de hipotireoi- dismo primário neonatal que, a despeito da exuberância de sintomas clínicos e de avaliacões realizadas por vários médicos, não foi diagnosticado corre- tamente durante oito anos. Esse atraso no diagnóstico acarretou à paciente várias seqüelas, entre elas, a baixa es- tatura. A menina estava 23 cm abai- xo do canal de crescimento previsto, calculado pela estatura dos pais. Pa- ralelamente a isso, as lesões neuro- lógicas decorrentes do hipotireoidis- mo trouxeram deficiências nas suas capacidadesintelectuais, que estão am- plamente descritas na literatura e são reversíveis com o tratamento, se insti- tuído precocemente (2). Classicamente, a criança nasce com pouca ou nenhuma evidência de defi- ciência do hormônio tireoideano, po- dendo demorar 6, 12 ou mais semanas o diagnóstico clínico. Nesse intervalo, os sintomas evoluem com uma progres- siva acumulação de mixedema nos te- cidos subcutâneos e língua; engrossa- da, a língua pode tomar-se protuberan- te, causando dificuldades para a crian- ça alimentar-se. O choro é progressi- vamente rouco devido ao mixedema das cordas vocais. Apresenta também hipotoma muscular, hérnia umbilical, abdome globoso, constipação, bradi- cardia, extremidades frias, palidez e pele moteada (3). O hipotireoidismo congênito pode ser esporádico ou familiar e apresen- tar-se com ou sem bócio. Se a deficiên- cia do hormônio tireoideano é severa, os sintomas se desenvolvem nas pri- meiras semanas de vida; já, se ocorre- rem graus menores dessa deficiência, os sintomas podem tardar meses. Cer- ca de 90% dos casos devem-se à dis- plasia de tireóide e cerca de um terço desses casos atribui-se à aplasia da ti- reóide. As meninas são afetadas em dobro quando comparadas aos meninos De qualquer forma, ressalte-se que a maioria dos recém-nascidos é assin- tomática no nascimento, mesmo aqueles que apresentam agenesia da tireóide. Essa situação é atribuída à passagem transplacentária de modera- da quantidade de tiroxina materna. Por essas razões, a medida dos hormônios TSH e T4 é o único método de detec- tar a enfermidade num estágio pré-clí- nico (4, 5). A paciente desenvolveu-se de ma- neira semelhante aos irmãos durante os primeiros três meses, quando, então, começou apresentar os sintomas de pouco crescimento, palidez, sonolên- cia e constipação intestinal. Essa evo- lução sugere que havia hormônio tireoi- deano suficiente para sustentar o cres- cimento durante os primeiros meses, o qual, porém, tornou-se insuficiente após essa idade. Embora a cintilogra- fia e a ultra-sonografia não tivessem detectado tecido tireoideano, os níveis de tiroxina de 2,04 ug/dl confirmam que havia algum tecido tireoideano re- manescente. Realmente, a maioria dos casos de hipotireoidismo no recém-nascido é devido a problemas no desenvolvimen- to da tireóide. Alguns pacientes apre- sentam agenesia da glândula tireoidea- na, porém, em cerca da metade dos ca- sos, algum tecido tireoideano é detec- tado na cintilografia (6). A falta de hormônios da tireóide devida ao hipotireoidismo neonatal causa deficiências no crescimento, na maturação óssea, no desenvolvimen- to cerebral e intelectual, em razão do
  • 4. CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS 86 Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 seu importante papel na maturação desses sistemas. Esses efeitos são mais intensos no período entre zero e três anos (7). Estima-se que aqueles pacientes nos quais o tratamento é feito antes das seis semanas de idade teriam uma média do Quociente de Inteligência (QI de 100. Se o tratamento é iniciado entre as seis semanas e três meses, a média do QI baixa para 95; se iniciar entre os três e seis meses, o QI médio fica em tormo de 75 e, após seis meses de idade, a média baixa para 55 ou menos (8). Há, no entanto, referências de que mesmo indivíduos detectados e trata- dos precocemente poderão apresentar pequenas deficiências na esfera das noções espaciais, memória e atenção (9). Outro estudo recente mostrou que os indivíduos com hipotireoidismo neonatal adequadamente tratados e avaliados na adolescência tinham dois tipos de evolução: uns, embora com quociente de inteligência menor, não diferiam significativamente dos contro- les; já outros tinham uma performance pior. O autor sugere que a piora do qua- dro deva-se a uma deficiência mais lon- ga do hormônio tireoideano no perío- do neonatal e, mesmo, pós-natal (10). Um estudo analisou gêmeos idênti- cos, um com hipotireoidismo congêni- to em decorrência da agenesia de tireói- de e outro normal. Observou-se que o indivíduo afetado apresentava desem- penho escolar semelhante ao de seus colegas, porém, quando comparado ao seu irmão, tinha pior desempenho na escrita, leitura, memória verbal e arit- mética. Dessa forma, os autores con- cluíram que, no caso de gêmeos que são genética e fenotipicamente idênticos, criados no mesmo ambiente e receben- do a mesma educação, a diferenca no desempenho do gêmeo afetado deveu- se, provavelmente, aos efeitos do hi- potireoidismo intra-uterino e nas pri- meiras semanas de vida (11). Corrobo- rando essa suspeita, recentemente foi publicado um estudo no qual indiví- duos de mães que apresentaram hipo- tireoidismo durante a gestação também possuíam deficiências nos testes de in- teligência, quando comparados com os controles. Os autores recomendam que a dosagem de TSH seja incluída nos exames pré-natais, evitando-se o desen- volvimento desses quadros (12). Esses relatos apontam para que o diagnóstico seja feito o mais rapida- mente possível, o que significa reali- zar o teste de rastreamento logo após o nascimento. Do ponto de vista prático, recomenda-se que a dosagem de TSH seja feita após o terceiro dia do nasci- mento, visto haver uma grande eleva- ção dos níveis desse hormônio logo após o nascimento. Assim que for feito o diagnóstico, o paciente deverá receber tiroxina na dose de 10 a l5ug/kg. Pos- teriormente, a dose deverá ser monito- rizada com o objetivo de manter o TSH dentro dos limites de referência para a idade. Ressalte-se que crianças hipoti- roideias necessitam, em média, de 4 ug detiroxinaporquilodepeso,ouseja,bem mais que os adultos hipotiroideos, nos quais se utilizam 2 ug/kg/24h (4). No caso dessa paciente, deve ser ressaltada a presença de dois tios pa- ternos portadores de surdo-mudez. É conhecida a associação de hipotireoi- dismo e diminuição da acuidade audi- tiva, por isso alguma causa familiar de tireoidopatia não pode ser afastada. A gravidade do caso, no entanto, tomou prioritário o tratamento da paciente, devendo ser feitas futuramente inves- tigações adicionais na família. Chama a atenção, no presente caso, que o comprometimento cerebral foi tão importante que a menina foi consi- derada como portadora de retardo men- tal e colocada numa escola especiali- zada para essa circunstância por mais de dois anos. É realmente preocupante o achado de um caso de hipotireoidis- mo com tanto atraso no diagnóstico, quando já se recomenda o diagnóstico neonatal ou até pré-natal dessa enfer- midade. Isso principalmente porque há grande evidência de que os testes de rastreamento para hipotireoidismo são vantajosos em relação ao custo-bene- fício, além de se estar evitando um caso de deficiência mental em cada 4.000 nascimentos (13, 14), ou um para 3.000 nascimentos vivos em outras fontes da literatura (15). O rastreamento do hipotireoidismo congênito no Brasil não cobre todos os nascimentos, embora venha sendo mais empregado que no passado, segundo o Dr. Ricardo Meireles, presidente da Comissão de Rastreamento Neonatal da Sociedade Brasileira de Endocri- nologia e Metabologia. Esse autor relata que a comissão avalia o rastrea- mento neonatal desde 1990, princi- palmente no que tange a hipotireoi- dismo congênito e, segundo estimati- va dessa instituição, em 1999, foram rastreadas 1 milhão e setecentas mil crianças para essa doença (16). Estimou-se, com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Es- tatística, que houve cerca de 2 milhões 695 mil crianças nascidas vivas em 1999; dessa forma, 995 mil crianças não teriam feito o teste de rastreamen- to. Levando em conta que ocorre um caso de hipotireoidismo congênito para cada 4.000 nascimentos, pode-se supor que um contingente de 249 indivíduos nesse ano não teriam tido o diagnósti- co de hipotireoidismo feito de forma precoce, apresentando, portanto, lesões neurológicas irreversíveis O rastreamento para hipotiroidismo congênito e fenilcetonúria são obriga- tórios por lei e, no Rio Grande do Sul, podem ser realizados através do Siste- ma Único de Saúde, que tem convênio com o Setor de Rastreamento de Hipo- tireoidismo Neonatal da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (endereço: Aveni- da Ipiranga 2752/ 3° andar, Porto Ale- gre, telefone 0xx.51.3316 53 70). Esse serviço somente atende convênios com os municípios e não realiza exames de pacientes individualmente, atendendo a determinação da Delegacia de Saúde deste estado. Outro serviço tradicional no estado do Rio Grande do Sul é o Centro de Triagem Neonatal, que realiza esses exames, além de outros para detectar distúrbios menos freqüentes, e atende a convênios com municípios e pacien- tes particulares (endereço: Avenida Ipi- ranga 5000, Porto Alegre, telefone 0xx.51.3339 5000). É importante ressaltar que qual- quer laboratório está apto a realizar esses exames, em virtude de sua fá- cil coleta e pela possibilidade de ser
  • 5. CONSEQÜÊNCIAS DO DIAGNÓSTICO TARDIO... Lisbôa et al. RELATOS DE CASOS Revista AMRIGS, Porto Alegre, 45 (1,2): 83-87, jan.-jun. 2001 87 remetido pelo correio. Os laborató- rios foram referidos por serem, um, ligado ao serviço público e, outro, por ser o mais antigo. A técnica é similar em qualquer la- boratório: obtém-se uma gota de san- gue que é colocada em papel-filtro para dosagem do TSH a partir do terceiro dia do nascimento. Exames colhidos mais precocemente costumam resultar em valores de TSH muito altos, o que poderia ocasionar um grande número de falsos-positivo. A outra razão é que exames coletados após três dias de ali- mentação possibilitam a realização do teste para detecção de fenilcetonúria, o qual facilita a estratégia do rastrea- mento de ambas as doenças congêni- tas, que são as mais freqüentes. Os exa- mes anormais devem ser confirmados com uma nova dosagem realizada em sangue venoso. O Sistema Único de Saúde paga a realização do rastreamento de hipoti- roidismo neonatal e fenilcetonúria, sen- do necessário que a prefeitura interes- sada realize um convênio com labora- tórios autorizados. No caso de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, desde outubro de 1998, existe um programa que atende a todas as crianças nasci- das no município. Nessa cidade, a Se- cretaria de Saúde colocou o posto de coleta para o rastreamento dessas doen- ças ao lado do local para vacinação contra a BCG, que deve ser feita com um mês de vida. Utilizando essa estra- tégia, todas as crianças que realizam a vacinação são encaminhadas para a rea- lização do rastreamento neonatal. C ONCLUSÃO Sabe-se que as principais causas de encefalopatia e conseqüente retardo mental devem-se a: hipóxia ou anóxia, alterações metabólicas como a hipogli- cemia, alterações eletrolíticas, infec- ções congênitas (toxoplasmose, rubé- ola, sífilis), prematuridade e alterações cromossômicas, entre outras (l7). No caso do hipotireoidismo neonatal, en- tretanto, as técnicas para o seu rastrea- mento, diagnóstico e tratamento estão bem definidas. Dessa forma, parece interessante que se utilizem essas es- tratégias, pois, nessa condição, é pos- sível prevenir o desenvolvimento de retardo mental e suas conseqüências. O presente relato é emblemático da necessidade urgente da adoção do efe- tivo rastreamento do hipotireoidismo congênito em todos os recém-nascidos do país. Também é importante alertar os médicos generalistas e pediatras sobre a necessidade de que suspeitem dessa patologia sempre que haja bai- xa estatura e retardo no desenvolvi- mento intelectual e motor, com o que se poderão detectar os casos remanes- centes que escaparem, infelizmente, ao diagnóstico precoce ou que foram falsos-negativos nos exames de ras- treamento. R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. FRANKENBURG WK, DUDDS JB. Denver developmental screening test. University of Colorado Medical Center. J Ped 1967; 71: 1967. 2. 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