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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
Bibliografia Indicada:
• Hugo Nigro Mazilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo (Saraiva).
• Luiz Manoel Gomes Júnior – Curso de Direito Processual Coletivo (SRS Editora)
• Ricardo de Barros Leonel – Manual do Processo Coletivo (RT)
• Hermes Janeti Júnior – 4º Livro da Coleção. Escreve com o Didier
1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGICA
Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos na necessidade de se
desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado de certos direitos. Vamos analisar a evolução
histórico-metodológica sob duas ordens:
• Classificação do processo coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais.
• Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil.
1.1. Classificação dos processos coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais
Todos os que se dedicam à análise do tema e, principalmente, os constitucionalistas, costumam fazer
uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem
visualizar, com bastante clareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitos
fundamentais.
1ª Geração: Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partir do Século XVII, em que
se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foi a Revolução Francesa que combateu o poder
absoluto do rei que. E depois de deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de
controlar o arbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o de propriedade,
pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus na terra). Então, quando nascem esses
direitos civis e políticos, eles nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades
negativas: “rei, não se meta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da própria
negação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase de fase de liberdades
negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais básicos, que vocês conhecem até hoje:
liberdade, propriedade, livre iniciativa, herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a
primeira fase dos direitos fundamentais.
2ª Geração: Direitos Econômicos e Sociais – De acordo com os constitucionalistas, esses
direitos nascem a partir do Século XIX. Junto com a primeira geração de direitos que dizia “Estado, não se
meta!”, começa uma nova fase do pensamento moderno, chamada Liberalismo, junto com o movimento
cultural, chamado Iluminismo. Esses dois movimentos levaram a uma omissão completa do Estado,
exatamente para preservar o distanciamento do Estado da vida do indivíduo. Só que essa ausência do Estado
gerou uma desigualdade social absurda. Na Revolução Industrial, crianças foram submetidas a trabalho
forçado, pessoas trabalhando 20 horas por dia. Então, a própria condição de liberdade acabou fazendo com
que não fossem impostos limites ao capitalismo. Por isso, os constitucionalistas percebem, a partir dessa
segunda geração de direitos fundamentais, uma retomada da intervenção do Estado para garantir direitos
mínimos do ponto de vista econômico e social. Não dá para ficar com a liberdade absoluta em que os
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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
indivíduos se tornam desiguais, uns com saúde, outros morrendo, crianças bem-tratadas, crianças maltratadas.
Por isso, surge uma segunda geração de direitos em que os próprios constitucionalistas chamam de a era das
liberdades positivas. É exatamente o contrário da Era anterior em que o Estado não se metia. Agora, a
ordem é: Estado, se meta, para garantir um mínimo de condições econômicas e sociais para todas as pessoas.
É nessa fase que surgem alguns direitos fundamentais básicos como direito à saúde, saneamento básico,
primeiros direitos trabalhistas.
3ª Geração: Direitos da coletividade – De acordo com os constitucionalistas, passaram a ser
estudados a partir do Século XX. O que começaram a observar? Que a humanidade não se basta em um
único indivíduo. Não adianta garantir a liberdade absoluta ou um direito econômico, social e político para um
indivíduo se você não conseguir fazer com que esse indivíduo exerça o seu direito respeitando os direitos dos
demais. Significa dizer que nessa fase, eles começaram a perceber que há alguns direitos que transcendem ao
individualismo e que só podem ser exercitados de forma coletiva. A principal mola impulsionadora, a
primeira previsão de direitos coletivos no sistema mundial foi o sindicato. Os trabalhadores começaram a se
aglomerar para buscar objetivos comuns à categoria representada pelo sindicato. Depois disso, os direitos
coletivos foram se estendendo para outras áreas. Nessa fase, começamos a observar o nascimento de direitos
das categorias profissionais, meio ambiente, patrimônio público, etc. São direitos que não há como serem
exercidos mediante uma titularidade única. O direito ao meio ambiente, ao patrimônio público não são
exercitados individualmente, mas por um corpo, que é a coletividade.
Eu poderia parar aqui, já que queria chegar ao nascimento dos direitos coletivos. Mas apenas por
amor ao debate, devo acrescentar que há autores que falam ainda de uma quarta geração de direitos
fundamentais
4ª Geração: Direitos da globalização – Aqui eu estaria falando de paz mundial, livre comércio,
direitos relacionados à formação de blocos econômicos, direitos da transnacionalidade. Mas isso não é objeto
do nosso tema.
Para fechar esse tópico, uma informação que eu reputo das mais importantes. Para você nunca
esquecer essas três gerações, vai uma dica (lógico que para nós interessa a terceira geração): lembrar o lema da
Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Primeiro eu quis liberdade (que o Estado não se
metesse), quando essa liberdade foi muito longe, buscou-se a interferência do Estado para assegurar um
mínimo de igualdade. Mas não adianta a liberdade e nem a igualdade se não há fraternidade, que é o amor
coletivo que existe entre as pessoas. O direito da coletividade nasce como símbolo da fraternidade que deve
nascer entre os homens, entre as categorias. Portanto, liberdade, igualdade e fraternidade representam o lema
da Revolução Francesa e espelha bem o que a gente chegou a conquistar a partir das várias gerações de
direitos fundamentais.
1.2. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual
civil
A doutrina mais moderna diz que o estudo do direito processual civil, como um todo, pode ser
dividido em três grandes fases metodológica:
Fase do Sincretismo ou Civilismo – Nasce com o direito romano, que foi o primeiro povo a
desenvolver o sistema jurídico, e vai mais ou menos até 1868. Nessa fase, havia uma confusão metodológica
entre direito e processo. Desse modo, não havia autonomia do processo. Dizia-se que o processo era um
apêndice do direito material. E é graças a essa fase que surgiu a ideia do processo como direito adjetivo, e o
adjetivo serve para qualificar o substantivo. O direito adjetivo (processo) serve para qualificar o substantivo
(direito material). Dizia-se nessa época que só tem ação (processo) se há direito. Só havia ação se você
ganhasse, caso contrário, não havia ação. O Savigny usava uma expressão sobre o sincretismo: o processo era
o direito civil armado para a guerra. Isso porque não havia autonomia. Era o direito civil armado para brigar.
Fase do Autonomismo ou Autonomista – Em 1868 surgiu uma obra clássica que inaugurou essa
nova fase do processo civil, escrita por um caboclo que ninguém sabe se é alemão ou austríaco, chamado
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
Oskar von Bülow. Ele escreveu uma obra fantástica sobre as teorias das exceções no processo civil. E o que
ele conseguiu perceber? Isso parece imbecilidade hoje. Mas ele conseguiu visualizar, naquela época, que
quando há uma relação jurídica entre duas pessoas, ela é de direito material e bilateral. Ele entendeu e
conseguiu distinguir que quando uma das partes achar que essa relação jurídica material não está sendo
respeitada, surge para o titular do direito um outro direito, que não é mais um direito contra a parte contrária,
mas um direito que é exercitado pelo Estado no sentido de que ele faça respeitar a relação jurídica de direito
material. E aí eu estaria falando de uma relação jurídica trilateral, à qual ele deu o nome de relação jurídica
processual. A partir desse raciocínio, extremamente simples, Bülow conseguiu perceber que a relação jurídica
material é uma coisa e que a relação jurídica processual é outra coisa. De modo que o exercício do direito de
ação, é um exercício de um direito diferente do exercício do próprio direito material. Temos aí fincadas as
premissas da fase autonomista do processo civil brasileiro vivida até hoje. Hoje, ninguém mais fala que o
direito processual é o direito civil armado para a guerra. O processo implica em uma relação jurídica
autônoma esquecida contra o Estado e a relação jurídica material tem uma bilateralidade apenas entre as
partes contratantes.
Fase do Instrumentalismo – Superado o autonomismo, entretanto, surgiu um problema porque
sempre que você não tem uma coisa e obtém, você costuma exagerar. Aqui, houve a mesma coisa. A relação
jurídica material, com a descoberta da autonomia processual, acabou esquecida. Graças a isso, os direitos
começaram a ser deixados de ser tutelados, o acesso à justiça ficou prejudicado. Isso porque eu ficava
discutindo a relação jurídica processual e esquecia do direito material, que era o que interessava. Afinal, o
processo serve ao direito material. Então, surge uma terceira fase metodológica do estudo do direito
processual que ficou e ainda é conhecida como instrumentalismo, que tem início mais ou menos em 1950,
com a obra de dois autores, um italiano e um americano: Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Os dois
escreveram uma obra clássica: “O Acesso à Justiça.” Esses autores defendem que deve haver um resgate dos
verdadeiros fins do processo. O processo deve se reaproximar do direito material. Só através do resgate do
direito material é que o processo realmente se torna um meio de acesso à justiça. Para sustentar esse
movimento novo, para que o processo se tornasse, realmente, um instrumento de acesso à justiça, eles dizem
que todos os ordenamentos jurídicos do mundo deveriam observar aquilo que eles chamaram de As 3 Ondas
Renovatórias de acesso à Justiça:
1. Onda de Tutela aos Pobres – Se o processo quer tutelar o direito material e ampliar o
acesso à justiça, a primeira pessoa que tem que ser trazida para dentro do sistema judicial é aquele que não
tem condições de entrar com a ação. A consequência é que o sistema só será acessível se o pobre tiver direito.
A consequência disso é que nasce a justiça gratuita, a defensoria pública, tribunais de pequenas causas.
2. Onda da Coletivização do Processo – O grande momento dessa fase metodológica é a
segunda onda renovatória, que é aquela em que eles sustentam a necessidade de coletivização do processo.
Nessa onda renovatória, nós promover a representação em juízo dos direitos metaindividuais. Sobre esse
tema, quatro observações:
1ª Observação. Esses autores viram a necessidade de se tutelar duas situações
básicas pelas quais nasceu o processo coletivo.
a) A primeira delas é a questão da tutela dos direitos de titularidade indeterminada.
Os direitos da coletividade (da 3ª Geração) são direitos que pertenciam ao corpo social, só que não existia um
representante, em princípio, que tinha autorização do corpo social para entrar com a ação coletiva. Então, o
Garth e Cappelletti sustentam que é necessário que o sistema crie mecanismos para permitir a tutela desses
direitos metaindividuais através da previsão de quem vai ser o titular, quem vai responder por essa titularidade
indeterminada. Sim, porque se você pegar o exemplo do meio ambiente, vê que é meu, mas é seu, é dele, de
todo mundo. Quem vai responder? Então, a titularidade indeterminada precisa ser determinada para que se
possam tutelar esses direitos. Graças a essa necessidade de se tutelar esses direitos é que surge a necessidade
de coletivização do processo porque se eu pego as regras de um processo eminentemente individual e jogo
para o coletivo, a consequência é que não será possível tutelar esses direitos coletivos. Mas não é só por isso.
b) Eles dizem que também havia a necessidade de se tutelar direitos
economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. Além de precisar criar o processo coletivo
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
para a tutela dos bens e direitos de titularidade indeterminada, como é o caso do meio ambiente, é necessário
que haja processo coletivo para que haja a tutela de determinados direitos que, do ponto de vista individual,
economicamente não seriam tuteláveis. o exemplo deixará claro: um dia você resolve medir o leite que você
compra todos os dias e vê que, na verdade, ao invés de 1L anunciado no rótulo, há dentro da caixa apenas
900ml. No final de 1 mês, você tem o direito de reclamar 3 litros da empresa. Agora você vai ajuizar uma
ação para obrigar a empresa a te devolver 3 litros de leite? Definitivamente, não. Esses direitos, portanto,
acabam não sendo dos por ninguém, porque ninguém vai se submeter a isso. E isso gera na sociedade toda
uma instabilidade. Então, qual a ideia desses dois autores? É preciso criar uma hipótese em que esses direitos
economicamente intuteláveis, do ponto de vista individual, possam ser tutelados e você vai fazer isso através
do processo coletivo, através da coletivização do processo.
O processo coletivo, portanto, nasce, portanto, com um imperativo de duas ordens: primeiro para a
tutela dos bens de titularidade indeterminada, aqueles direitos que, por não terem ninguém para tutelar,
acabam não sendo tutelados por ninguém. É por isso que é preciso que haja um processo permitindo que
alguém tutele os interesses de todo mundo (ações coletivas) e, segundo, pra permitir que alguém tutele os
interesses que, do ponto de vista individual, são economicamente inviáveis.
2ª Observação. O processo coletivo nasce em virtude da inadequação do direito
processual civil individual para a tutela dessas situações, dos interesses metaindividuais. Ele nasce
porque o processo civil individual não dá conta de responder a essas demandas. A regra geral do processo
civil ordinário é que cada um defende direito seu. No processo civil coletivo é exatamente o contrário porque
há uma pessoa escolhida para defender toda a coletividade. A legitimidade do processo individual não encaixa
no processo coletivo. Foi preciso criar um regramento próprio. A regra dos elementos subjetivo da coisa
julgada no CPC atinge só as partes. Mas no processo coletivo, a coisa julgada atinge não somente as partes.
Então, temas como legitimidade e coisa julgada são incompatíveis entre o processo civil individual e o
coletivo. Você nunca vai entender processo coletivo se você pensar o processo coletivo com cabeça do CPC.
Ele tem um sistema separado, próprio. Por isso, essas regrinhas do CPC têm que ser esquecidas.
3ª Observação. O processo coletivo não disputa o espaço com o processo individual.
O sistema prevê as tutelas coletivas sem prejuízo de você exercitar sua pretensão individual. Eu já vi cair no
Cespe: O individual tem um fim egoístico porque é um processo só de um. Agora, o processo coletivo tem
um fim altruístico, porque ele vale para mim e para todos os demais membros da coletividade. E você vê que
o processo coletivo nasce da própria evolução do ser humano. A ideia de sociedade, de bem-estar comum, só
surge depois de um tempo da nossa evolução. E essa noção de coletividade só foi incluída depois.
4ª Observação. No Brasil, o processo coletivo surge com a Ação Popular, só que se
consolida com a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A Lei de Ação Civil Pública, que é um marco do processo
coletivo brasileiro passou por avanços e retrocessos. Avanços: A CF/88 ao criar o suporte da ACP, o CDC, o
ECA. Mas essa lei também passou por vários retrocessos: o Executivo federal limita o alcance da APC via
medida provisória Lei 9.494/97 foi uma MP que virou lei, acabou com o processo coletivo no Brasil, ao
alterar o art. 16, da Lei de Ação Civil Pública:
Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada "erga omnes", nos limites da
competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação
com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Alterado pela L-009.494-1997)
Isso é um absurdo porque se eu separo só a cidade de SP, em Campinas não vai valer.
Hoje, no Brasil, houve tentativa de se elaborar um Código Brasileiro de Processo Coletiva. Houve
dois projetos, um coordenado pela Ada Pelegrini e outro elaborado pela Emerj (Juiz Federal Alouisio
Mendes). Eles colocam o processo coletivo dentro de uma maneira equilibrada, com princípios e regras
próprias. O objetivo desses dois códigos era fazer com que se entendesse que não dava para aplicar o CPC na
esfera do processo coletivo. O problema é que isso demora muito. Em 2008 o Ministério da Justiça nomeou
uma comissão de juristas para dar um destino para o processo coletivo brasileiro porque estava confuso e
com a aplicação dificultada. Essa comissão foi criada (Ada, Alouisio Mendes, etc.) e logo na primeira reunião,
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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
chegou-se à seguinte conclusão: vamos transformar a Lei de Ação Civil Pública numa lei geral de processo
coletivo. Foram três ou quatro meses de trabalhos intensos que culminou na nova lei de ação civil pública. O
trabalho foi concluído e foi encaminhado ao congresso e já é um projeto de lei 5139/09. E você vai ouvir
falar muito nele. Agora a briga agora é política. Essa é a parte histórica do processo coletivo no Brasil.
3. Onda da Efetividade do Processo – Sobre essa última onda renovatória não há quase
consideração a ser feita. Estamos vivendo essa nova onda neste momento: súmula vinculante, repercussão
geral, nova lei de execução, tudo para aperfeiçoar a sistema, para que ele se torne mais eficiente, mais eficaz.
2. NATUREZA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS
A natureza dos direitos metaindividuais é extremamente simples de ser entendida. Sempre que você
estuda Geral do Direito você sabe que a suma divisio se dá entre Direito Público e Direito Privado. Mas hoje
você tem direito público com influência privada e direito privado com influência pública. Ou você nega que o
direito civil tem, cada vez mais, influência das normas de ordem pública? O que é a função social da
propriedade? Não é um conceito de direito público? Enfim, essa classificação se mostra cada vez mais
artificial, notadamente quando se quer classificar os interesses metaindividuais entre o público e o privado.
Esses interesses pertencem a que ramo do direito, afinal de contas? Se você fizer todo o esforço do mundo,
vai verificar que os interesses metaindividuais têm uma carga muito grande de interesse social, o que levaria a
uma conclusão que eles se aproximam mais do direito público. Só que, ao mesmo tempo, o processo coletivo
não necessariamente envolve o Poder Público. Basta lembrar uma associação de defesa do meio ambiente que
ajuíza uma ACP. O que o Estado tem a ver com isso?
Depois de muito debater, a doutrina chegou à conclusão de que não dá para classificar os direitos
metaindividuais entre o público e o privado. E chegaram a uma primeira conclusão. Se for para classificar,
isso tem que acontecer entre o público, o privado e o metaindividual. Seria o direito metaindividual uma
mistura entre público e privado.
Existem alguns autores, entretanto, entre eles o promotor Gregório Assagara, de MG, que, ao invés
de dividir entre público e privado e metaindividual, eles dizem que tem que vir uma nova suma divisio entre os
ramos do direito, já que a divisão entre público e privado está superada. Portanto, deveria vir uma nova suma
divisio entre os ramos do direito. De acordo com Assagara, com Mancuso, a suma divisio agora seria entre
individual e metaindividual. E, com isso, os problemas estariam acabados. Isso é mais fácil mesmo do que
entre público e privado.
3. CLASSIFICAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO
Eu vou trabalhar as classificações mais interessantes. Não todas.
3.1. O processo coletivo quanto aos sujeitos
• Processo coletivo ativo
• Processo coletivo passivo
O ativo não tem segredo nenhum. É aquele cuja titularidade da ação é da coletividade. Quem ajuíza a
ação é alguém que representa a coletividade. Praticamente, todas as ações coletivas são ativas. O MP defende
os interesses da coletividade do ponto de vista ativo. Uma associação de defesa dos consumidores, para
obstar a propaganda enganosa, pode ser a autora da ação.
A grande discussão que nós temos na academia e na prática é quanto à ação coletiva passiva que seria
aquela em que a coletividade é ré. Ou seja, entrariam uma ação contra nós. Será que isso existe? Existem duas
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
posições absolutamente opostas na doutrina sobre a existência de ação coletiva passiva, que é essa em que a
coletividade é ré.
1ª Corrente: Dinamarco – Não existe ação coletiva passiva porque não há lei falando sobre isso.
2ª Corrente: Ada Pelegrini – Ela sustenta que existe processo coletivo passivo simplesmente por
um argumento natural. Apesar de não haver previsão legal, a sua existência decorre do sistema. A
exceção de pré-executividade, por exemplo, não existe na lei. Mas existe porque é algo que decorre
do próprio sistema.
E eu gostaria de te provar que existe processo coletivo passivo através de alguns exemplos. Ações
coletivas ajuizadas pelo MPT para evitar greve de metrô é um exemplo. Aqui, o processo é ativo também
porque a coletividade é defendida do ponto de vista ativo. Mas é ativo e passivo porque quem é réu é uma
coletividade determinada, ou seja, os metroviários. Outro exemplo: o MPF ajuíza ação para impedir greve da
PF. É o mesmo raciocino. Existe uma coletividade ativa que somos, nós, defendidos, e existe uma
coletividade passiva, que são os policiais federais.
Qual o único problema, entretanto, de se admitir a ação coletiva passiva? Eu concordo com a Ada.
Tem ação coletiva passiva e a prática já demonstra. Mas qual é o grande problema da ação coletiva passiva? É
definir quem representa a coletividade passiva. O grande problema da ação coletiva passiva, à míngua de
previsão legal, é definir quem representa a coletividade ré. Nos dois exemplos que eu dei, geralmente, quem
representa é a associação dos servidores, o sindicato. Mas há hipóteses em que a coletividade não tem
representação. Imagine que um grupo de pescadores invadiu uma área de reserva. Você quer tirar os caras de
lá mas não há um órgão que os represente. No caso da greve de metrô, tem um monte de metroviário que
não é sindicalizado. O sindicato poderia representá-los? Exatamente para facilitar esse estudo, estou passando
para vocês um material de aula sobre ação coletiva passiva (o troço é longo, mas me pareceu interessante, portanto, taí):
1. Nota introdutória.
O processo coletivo passivo é um dos temas menos versados nos estudos sobre a tutela jurisdicional coletiva, que
costumam concentrar-se na definição das situações jurídicas coletivas ativas(direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais
homogêneos), no exame da legitimidade ad causam e do regime jurídico da coisa julgada. Sobre o processo coletivo passivo, a
escassez de produção doutrinária é ainda mais grave: os ensaios e livros publicados costumam restringir a abordagem apenas à
análise da legitimidade e da coisa julgada. Nada se fala sobre outros aspectos do processo coletivo sobre os aspectos substanciais
da tutela jurisdicional coletiva passiva. Esse ensaio tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento teórico dessa questão: a
definição do objeto litigioso do processo coletivo passivo. Destaca-se, assim, a investigação sobre quais são as situações jurídicas
substanciais objeto de um processo coletivo passivo. Após do desenvolvimento da categoria “situações jurídicas coletivas passivas”
será mais fácil compreender a finalidade e a utilidade do o processo coletivo passivo, para que, então, se possa preparar uma
legislação processual adequada ao tratamento desse fenômeno.
2. Ação coletiva ativa e situações jurídicas coletivas ativas.
A ação coletiva ativa é a demanda pela qual se afirma a existência de um direito coletivo lato sensu (uma situação
jurídica coletiva ativa) e se busca a certificação, a efetivação ou a proteção a esse direito. Denominam-se direitos coletivos lato
sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os
direitos individuais homogêneos. Em conhecida sistematização doutrinária, haveria os direitos/interesses essencialmente coletivos
(difusos e coletivos em sentido estrito) e os direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos).
Reputam-se direitos difusos aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais), de natureza indivisível (só
podem ser considerados como um todo), pertencente a uma coletividade composta por pessoas indeterminadas (ou seja,
indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato. Assim, por exemplo, são direitos
difusos o direito à proteção ambiental, o direito à publicidade não-enganosa, o direito à preservação da moralidade administrativa
etc.
Os direitos coletivos stricto sensu são os direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo,
categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
jurídica base. Essa relação jurídica base pode dar-se entre os membros do grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a
“parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos no conselho profissional (ou qualquer associação de
profissionais); no segundo, os contribuintes de determinado imposto. Os primeiros ligados ao órgão de classe, configurando-se como
“classe de pessoas” (advogados); os segundos ligados ao ente estatal responsável pela tributação, configurando-se como “grupo de
pessoas” (contribuintes). Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à lesão. A relação-base forma-se entre os
associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe,
quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo
jurídico que os liga a parte contrária, e.g., contribuintes de um mesmo tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de
seguro com um mesmo tipo de seguro etc. No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a parte contrária também ocorre, só
que em razão da lesão e não de vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu (propriamente
dito).
Os direitos individuais homogêneos são aqueles direitos individuais decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos
nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato
lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade
entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais. O que esses direitos têm em comum é a procedência, a gênese na
conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de
homogeneidade, a revelar, assim, a prevalência de questões comuns e superioridade na tutela coletiva. Os direitos individuais
homogêneos é uma ficção jurídica, “criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a
proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a
possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada”. O fato de ser possível determinar individualmente os
lesados não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações
coletivas, em relação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado) nas ações individuais. É evidente a vantagem do
tratamento unitário das pretensões em conjunto, para obtenção de um provimento genérico. Como bem anotou Antonio Gidi as
ações coletivas garantem três objetivos: proporcionar economia processual, acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa
do direito material.
Observe-se que uma característica marcante dos direitos coletivos em sentido amplo é exatamente a sua titularidade: eles
pertencem a uma coletividade, a um grupo. Trata-se de direitos com titulares coletivos. Muito conveniente é a menção ao parágrafo
único do art. 1º da Lei antitruste brasileira (Lei Federal n. 8.884/1994), que regula a proteção contra o abuso de concorrência:
“A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”. Eis o panorama conceitual das situações jurídicas coletivas
ativas, objeto das ações coletivas ativas.
3. Conceito e classificação das ações coletivas passivas.
As situações jurídicas passivas coletivas: deveres e estados de sujeição difusos e individuais homogêneos. Há ação
coletiva passiva quando um agrupamento humano é colocado como sujeito passivo de uma relação jurídica afirmada na petição
inicial. Formula-se demanda contra uma dada coletividade. Os direitos afirmados pelo autor da demanda coletiva podem ser
individuais ou coletivos (lato sensu) — nessa última hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses
envolve duas comunidades distintas.
Seguindo o regime jurídico de toda ação coletiva, exige-se para a admissibilidade da ação coletiva passiva que a
demanda seja proposta contra um “representante adequado” (legitimado extraordinário para a defesa de uma situação jurídica
coletiva) e que a causa se revista de “interesse social”. Neste aspecto, portanto, nada há de peculiar na ação coletiva passiva.
O que torna a ação coletiva passiva digna de um tratamento diferenciado é a circunstância de a situação jurídica
titularizada pela coletividade ser uma situação jurídica passiva. A demanda é dirigida contra uma coletividade, que é o sujeito de
uma situação jurídica passiva (um dever ou um estado de sujeição, por exemplo). Da mesma forma que a coletividade pode ser
titular de direitos (situação jurídica ativa, examinado no item precedente), ela também pode ser titular de um dever ou um estado
de sujeição (situações jurídicas passivas). É preciso desenvolver dogmaticamente a categoria das situações jurídicas coletivas
passivas: deveres e estado de sujeição coletivos.
O conceito dessas situações jurídicas deverá ser extraído dos conceitos dos “direitos”, aplicados em sentido inverso:
deveres e estados de sujeição indivisíveis e deveres e estados de sujeição individuais homogêneos (indivisíveis para fins de tutela,
mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento). Há, pois, situações jurídicas coletivas ativas e passivas. Essas
situações relacionam-se entre si e com as situações individuais.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
Um direito coletivo pode estar relacionado a uma situação passiva individual (p. ex.: o direito coletivo de exigir que
uma determinada empresa proceda à correção de sua publicidade). Um direito individual pode estar relacionado a uma situação
jurídica passiva coletiva (p. ex.: o direito do titular de uma patente impedir a sua reiterada violação por um grupo de empresas).
Um direito coletivo pode estar relacionado, finalmente, a uma situação jurídica coletiva (p. ex.: o direito de uma categoria de
trabalhadores a que determinada categoria de empregadores reajuste o salário-base). Haverá uma ação coletiva passiva, portanto,
em toda demanda onde estiver em discussão uma situação coletiva passiva. Seja como correlata a um direito individual, seja como
correlata a um direito coletivo. Mas isso não é o bastante para apresentar o tema.
A ação coletiva passiva pode ser classificada em original ou derivada. Ação coletiva passiva original é a que dá início a
um processo coletivo, sem qualquer vinculação a um processo anterior. Ação coletiva passiva derivada é aquela que decorre de um
processo coletivo “ativo” anterior e é proposta pelo réu desse processo, como a ação de rescisão da sentença coletiva e a ação
cautelar incidental a um processo coletivo. A classificação é importante, pois nas ações coletivas passivas derivadas não haverá
problema na identificação do “representante adequado”, que será aquele legitimado que propôs a ação coletiva de onde ela se
originou.
De fato, um dos principais problemas da ação coletiva passiva é a identificação do “representante adequado”, o que
levou Antonio Gidi a defender que “para garantir a adequação da representação de todos os interesses em jogo, seria
recomendável que a ação coletiva passiva fosse proposta contra o maior número possível de associações conhecidas que congregassem
os membros do grupo-réu. As associações eventualmente excluídas da ação deveriam ser notificadas e poderiam intervir como
assistentes litisconsorciais”. Em tese, qualquer um dos possíveis legitimados à tutela coletiva poderá ter, também, legitimação
extraordinária passiva. Imprescindível, no particular, o controle jurisdicional da “representação adequada”, conforme já defendido
alhures pelos autores deste artigo. Neste aspecto, merece crítica a proposta de Antonio Gidi de Código para processos coletivos em
países de direito escrito (CM-GIDI), que restringe, parcialmente, a legitimação coletiva passiva às associações. Eis o texto da
proposta de Gidi: “A ação coletiva poderá ser proposta contra os membros de um grupo de pessoas, representados por associação
que os congregue”. Em uma ação coletiva passiva derivada de uma ação coletiva proposta pelo Ministério Público, o réu será esse
mesmo Ministério Público. A melhor solução é manter o rol dos legitimados em tese para a proteção das situações jurídicas
coletivas e deixar ao órgão jurisdicional o controle in concreto da adequação da representação.
4. Exemplos de ações coletivas passivas
Alguns exemplos podem ser úteis à compreensão do tema. Os litígios trabalhistas coletivos são objetos de processos
duplamente coletivos: em cada um dos pólos, conduzidos pelos sindicatos das categorias profissionais (empregador e empregado),
discutem-se situações jurídicas coletivas. No direito brasileiro, inclusive, podem ser considerados como os primeiros exemplos de
ação coletiva passiva.
No foro brasileiro, têm surgido diversos exemplos de ação coletiva passiva. Em 2004, em razão da greve nacional dos
policiais federais, o Governo Federal ingressou com demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Federais e o
Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma
ação coletiva passiva, pois a categoria “policial federal” encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em juízo:
afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar ao trabalho. Desde então, sempre que há greve, o empregador que se
sente prejudicado e que reputa a greve injusta vai ao Judiciário pleitear o retorno da categoria de trabalhadores ao serviço.
Há notícia de ação coletiva proposta contra o sindicato de revendedores de combustível, em que se pediu uma adequação
dos preços a limites máximos de lucro, como forma de proteção da concorrência e dos consumidores.
Em 2008, alunos da Universidade de Brasília invadiram o prédio da Reitoria, reivindicando a renúncia do Reitor,
que estava sendo acusado de irregularidades. A Universidade ingressou em juízo, pleiteando a proteção possessória do seu bem.
Trata-se de ação coletiva passiva: propõe-se a demanda em face de uma coletividade de praticantes de ilícitos. A Universidade
afirma possuir direitos individuais contra cada um dos invasores, que teriam, portanto, deveres individuais homogêneos. Em vez
de propor uma ação possessória contra cada aluno, “coletivizou” o conflito, reunindo os diversos “deveres” em uma ação coletiva
passiva. A demanda foi proposta contra o órgão de representação estudantil (Diretório Central dos Estudantes), considerado,
corretamente, como o “representante adequado” do grupo. Neste caso, está diante de uma pretensão formulada contra deveres
individuais homogêneos: o comportamento ilícito imputado a todos os envolvidos possui origem comum. Em vez de coletividade de
vítimas, como se costuma referir aos titulares dos direitos individuais homogêneos, tem-se aqui uma coletividade de autores de ato
ilícito.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
Antonio Gidi traz outros exemplos: “...a ação coletiva poderá ser utilizada quando todos os estudantes de uma cidade
ou de um Estado tiverem uma pretensão contra todas as escolas, cada um desses grupos sendo representado por uma associação
que os reúna. Igualmente, ações coletivas poderão ser propostas contra lojas, cartórios, órgãos públicos, planos de seguro-saúde,
prisões, fábricas, cidades etc., em benefício de consumidores, prisioneiros, empregados, contribuintes de impostos ou taxas ou
mesmo em benefício do meio ambiente”.
Pedro Dinamarco traz exemplos de ações coletivas passivas declaratórias:
a) ação declaratória, proposta por empresa, para reconhecer a regularidade ambiental do seu projeto: de um lado, se
ganhasse, evitaria futura ação coletiva contra ela, de outro, se perdesse, desistiria de implantar o projeto,
economizando dinheiro e não prejudicando o meio-ambiente;
b) ação declaratória, proposta por empresa que se vale de contrato de adesão, com o objetivo de reconhecer a licitude de
suas cláusulas contratuais.
Embora seja possível imaginar demandas coletivas passivas declaratórias negativas (p. ex.: declarar a inexistência de
um dever coletivo), não é disso que tratam os exemplos de Pedro Dinamarco. Nos casos citados, temos uma ação coletiva ativa
reversa. Busca-se a declaração de que não existe uma situação jurídica coletiva ativa (inexistência de um direito pela ausência de
poluição ambiental, por exemplo). Não se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, como acontece em ações
coletivas passivas declaratórias positivas, constitutivas ou condenatórias. Não basta dizer, como pioneiramente fez Antonio Gidi,
que tais ações são inadmissíveis por falta de interesse de agir ou dificuldade na identificação do legitimado passivo, embora a lição
seja correta. É preciso ir além: rigorosamente, não são ações coletivas passivas.
Para que haja ação coletiva passiva, é preciso, como dito, que uma situação jurídica coletiva passiva seja afirmada, o
que não ocorre nesses exemplos. E mais: é preciso reconhecer, como em qualquer ação coletiva, uma potencial vantagem ao
interesse público, sem o que as demandas passam a ser meramente individuais (o que legitima a ficção jurídica “direitos
individuais homogêneos” é a particular circunstância da presença do interesse público na sua tutela, que ficaria prejudicado em
face de uma tutela fragmentada e individual).
Isso não significa que não haja ação coletiva passiva declaratória. No âmbito trabalhista, por exemplo, cogita-se da
ação declaratória para certificação da correta interpretação de um acordo coletivo, em que são fixadas as situações jurídicas
coletivas ativas e passivas.
Há ainda a possibilidade de utilização da ação coletiva passiva para efetivar a chamada responsabilidade anônima ou
coletiva, “em que se permite a responsabilização do grupo caso o ato gerador da lesão tenha sido ocasionado pela união de pessoas,
sendo impossível individualizar o autor ou os autores específicos do dano”. No exemplo da invasão do prédio da Universidade,
além da ação de reintegração de posse, seria possível manejar ação de indenização pelos prejuízos eventualmente sofridos contra o
grupo, acaso não fosse possível a identificação dos causadores do dano. Na demanda, o autor afirmaria a existência de um de
dever de indenizar, cujo sujeito passivo é o grupo.
Diogo Maia menciona o exemplo de uma ação coletiva ajuizada contra os comerciantes de uma cidade, acusados de
utilização indevida das calçadas para a exposição dos produtos. Trata-se de um claro exemplo de ilícitos individuais homogêneos,
que geram deveres individuais homogêneos.
Ainda é possível cogitar de uma ação coletiva proposta contra uma comunidade indígena, que esteja, por exemplo, sendo
acusada de impedir o acesso a um determinado espaço público. A tribo é a titular do dever coletivo difuso de não impedir o acesso
ao espaço público. A comunidade indígena é, ainda, a legitimada a estar em juízo na defesa dessa acusação. Não se trata de uma
pessoa jurídica. É um grupo humano. Trata-se de caso raro, talvez único, de legitimação coletiva ordinária, pois o titular da
situação jurídica coletiva é, também, o legitimado a defendê-la em juízo. Com relação ao objeto, o Judiciário deverá analisar se se
trata de uma legítima manifestação política, pacífica e organizada, ou de um ato ilícito, gerador de deveres individuais
homogêneos. Aqui faz muito sentido insistir na necessidade de certificação da demanda como uma ação coletiva, o juiz poderá
indeferir liminarmente pretensões que não sejam escoradas em deveres coletivos.
5. Consideração final
No Brasil, um dos principais argumentos contra a ação coletiva passiva é a inexistência de texto legislativo expresso.
Sucede que a permissão da ação coletiva passiva é decorrência do princípio do acesso à justiça (nenhuma pretensão pode ser
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
afastada da apreciação do Poder Judiciário). Não admitir a ação coletiva passiva é negar o direito fundamental de ação àquele
que contra um grupo pretende exercer algum direito: ele teria garantido o direito constitucional de defesa, mas não poderia
demandar. Negar a possibilidade de ação coletiva passiva é, ainda, fechar os olhos para a realidade: os conflitos de interesses
podem envolver particular-particular, particular-grupo e grupo-grupo. Na sociedade de massas, há conflitos de massa e conflitos
entre massas.
A inexistência de texto legal expresso que confira legitimação coletiva passiva não parece obstáculo intransponível. A
atribuição de legitimação extraordinária não precisa constar de texto expresso, bastando que se a retire do sistema jurídico. A
partir do momento em que não se proíbe o ajuizamento de ação rescisória, cautelar incidental ou qualquer outra ação de
impugnação pelo réu de ação coletiva ativa, admite-se, implicitamente, que algum sujeito responderá pela coletividade, ou seja,
admite-se a ação coletiva passiva.
3.2. O processo coletivo quanto ao objeto
• Processo coletivo especial
• Processo coletivo comum
Processo coletivo especial é o das ações de controle abstrato de constitucionalidade. São as ADI’s,
ADPF’s, ADECON’s. Ninguém encara dessa maneira, mas vocês têm que encarar. Você não pode negar que
essas ações são coletivas e tanto é assim que o que fica decidido nelas, vale para todo mundo. Portanto, não
há como negar que são ações coletivas, só que não são estudadas no âmbito do processo coletivo.
Geralmente, isso é estudado no direito constitucional e não no direito processual.
Mas o que interessa para o nosso estudo é o processo coletivo comum, que engloba todas as ações
para a tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao controle de constitucionalidade. É um
conceito por negação. A ação coletiva comum é conceituada através da negação do que é a coletiva especial.
Ação coletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle abstrato de constitucionalidade. O foco do
estudo do processo coletivo está aqui, no processo coletivo comum. E quais são os representantes do
processo coletivo comum? Vou citar pela ordem de importância:
a) Ação Civil Pública
b) Ação Coletiva* (para os que adotam)
c) AIA – Ação de Improbidade Administrativa
d) AP – Ação Popular
e) Mandado de Segurança Coletivo
*Existem alguns autores que chamam de ação coletiva a ACP fundada no CDC. Já há outros autores
(entre os quais eu me incluo) que usam ação coletiva para tudo, porque não há diferença entre ela e a ACP. A
única diferença é que uma é fundada no CDC e a outra, no resto do sistema. Então, essa é uma briga besta.
Até porque no projeto do código vão acabar com essa distinção. Vai ser tudo ACP. Mas não estressa com
isso. Se o examinador colocar “na ação coletiva e na ACP a cosia julgada é”, ele está apenas colocando a
posição dos diferentes autores. Mas se ele só falar em ACP ou ação coletiva, você vai saber que, para ele, não
há diferença alguma. E não há mesmo. Aqui é apenas uma questão de nomenclatura. Quando eu falar em
ação coletiva, estou me referindo a todas porque para mim é gênero que engloba todas as outras. Mas há os
que entendem que ação coletiva é a ação civil pública do CDC.
4. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM
“Comum” para evitar que você pense que se aplicam aos procedimentos coletivos especiais. Aqui, eu
vou trabalhar só os principais. Tem que autor que fala em quarenta, mas eu vou falar em dez. Em momento
algum, a existência desses princípios afasta os princípios constitucionais do processo que também se aplicam
ao processo coletivo.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
(Intervalo – 01:27:00)
4.1. Princípio da Indisponibilidade Mitigada da Ação Coletiva
Tem previsão no art. 9.º, da Lei de Ação Popular e de forma melhor ainda, no art. 5º, § 3º, da Lei de
ACP.
LAP - Art. 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da
instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no Art. 7º, II, ficando
assegurado a qualquer cidadão bem como ao representante do Ministério Público, dentro
do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da
ação.
LACP - § 3º - Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por
associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade
ativa.
O objeto do processo coletivo não pertence a quem ajuíza a ação. A tutela é de um direito cuja
titularidade seja indeterminada (Cappelletti e outro), atribuindo-se a alguém a função de defender esse direito,
que é o caso do MP, Defensoria, Associações. Então, o objeto do processo coletivo não pertence ao autor,
mas à coletividade. Desse modo, esse princípio estabelece que o autor da ação coletiva não pode
simplesmente desistir da ação.
No processo individual, se eu desisto da ação, o juiz extingue. No processo coletivo, o autor não
pode desistir da ação. Mas se desistir, não haverá extinção, mas sim, sucessão processual. E o motivo é que o
objeto da ação coletiva não pertence a ele, mas à coletividade. E a consequência, não é a extinção, mas a
sucessão processual. É o que diz o § 3º, art. 5º, da Lei de ACP. Outros legitimados são chamados à suceder.
Por que indisponibilidade “mitigada”? O motivo está na palavra “infundada” do § 3º. É possível a
desistência fundada. A infundada não é possível. Traduzindo, significa dizer que pode acontecer, em algumas
circunstâncias de ser admitida a desistência. Em que hipótese isso acontecerá? No caso de haver um motivo.
Sem motivo, sucessão. Com motivo, extinção do processo.
Eu tive uma ACP que objetivava que uma empresa que produzia parafusos fizesse uma proteção
acústica porque naquele bairro ninguém dormia, ninguém tinha paz. No meio do processo, a empresa faliu e
parou de funcionar. O promotor, nesse caso, desistiu. E, sendo assim, homologa-se a desistência.
4.2. Princípio da Indisponibilidade da Execução Coletiva
Tem previsão nos arts. 15 da LACP e no art. 16, da LAP:
LACP Art. 15 - Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da
sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê-
lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados.
LAP Art. 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença
condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva
execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias
seguintes, sob pena de falta grave.
Você vê que, uma vez obtida a condenação do réu a determinada obrigação, é obrigatória a execução
da sentença caso não haja cumprimento. E para o réu, tanto é assim, que o art. 15, da Lei de Ação Civil
Pública diz que se em 60 dias o autor não executa a sentença, qualquer legitimado pode executar. E caso
ninguém execute, o MP deverá executar.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
E qual é o motivo desse princípio? Para evitar a corrupção. Se uma pessoa é condenada a reparar o
dano ambiental ou devolver determinada quantia para os cofres públicos, transita em julgado a sentença, o
violador do direito pode oferecer dinheiro em troca da não-execução da sentença. Não adianta. Se ele não
executar, vai outro e executa no lugar dele.
Está certo que aqui não há a palavra mitigada. Aqui, sempre vai ter que executar, sem exceção.
4.3. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito
Na minha opinião, esse princípio tinha que ser de todo o processo civil, mas ele é especialmente
forjado para o processo coletivo. Esse princípio, diferentemente dos outros dois, não tem previsão legal. É
meramente interpretativo. Esse princípio basicamente estabelece que a aplicação do art. 267, do CPC, deve
ser sempre evitada. Deve-se evitar ao máximo a extinção do processo sem julgamento do mérito por um
motivo muito simples, porque essa extinção não resolve o conflito. E, neste caso, o conflito não é um
conflito que atinja apenas uma pessoa, mas de magnitude extraordinária. Como é um conflito que atinge
muitas pessoas, o ideal é que o juiz faça tudo para não extinguir o processo sem julgamento do mérito.
Um exemplo: o indivíduo entra com uma ação popular. O legitimado, nesse caso, é o cidadão, ou
seja, tem que estar no gozo dos direitos políticos. Na metade do processo, ele é condenado criminalmente
com trânsito em julgado. E você sabe que um dos efeitos da condenação penal, previsto na CF, é a suspensão
dos direitos políticos. Automaticamente, aquele cara que era parte legítima, se tornou parte ilegítima. Se fosse
um processo individual, seria extinto sem julgamento do mérito ante a ilegitimidade superveniente. Mas o juiz
deve convidar outros cidadãos para assumir a titularidade ativa, evitando, assim, a extinção do processo.
4.4. Princípio da Prioridade na Tramitação
Esse também é um princípio sem previsão legal expressa. Na nova lei de ação civil pública, vai ter,
mas não há. A própria nomenclatura é óbvia. O processo coletivo tem que ter andamento preferencial por
um motivo simples: porque ele atende a um número maior de pessoas. Por isso, ele passa na frente da pilha.
4.5. Princípio do Máximo Benefício da Tutela Jurisdicional Coletiva
Isso é muito legal. Tem previsão nos arts. 103, §§ 3º e 4º, do CDC:
§ 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o
Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de
indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma
prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus
sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a
99.
§ 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória.
O nosso sistema fez uma opção de risco e que causa muitos problemas práticos, mas, atualmente, a
opção do sistema é essa. O sistema estabeleceu que a coisa julgada coletiva, quer dizer, a decisão do processo
coletivo só beneficia o indivíduo, nunca prejudica. Isso significa que, se vem uma ação coletiva para discutir o
índice da poupança do mês de março de 1990, de 32%, para que todos os poupadores de determinado banco
tenham essa correção. Se o juiz da ação coletiva julga improcedente a ação, o tribunal mantém a
improcedência, e essa improcedência transita em julgado, isso significa que a ação coletiva foi improcedente.
Isso não prejudica e permite entrar com a ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Do
contrário, se eventualmente ganha a coletiva, não é necessário entrar com a ação individual. Apenas me
beneficio da coisa julgada coletiva. Por ora, para entender o que é o princípio, basta saber que o sistema
brasileiro adota a máxima utilidade, ou seja, a coisa julgada nunca prejudica o indivíduo.
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
E esse fenômeno processual que faz com que o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva, tem
um nome em latim, que eu gostaria que você anotasse. A doutrina chama de: transporte in utilibus da coisa
julgada coletiva. É a possibilidade de a coisa julgada benéfica ser trazida em favor da parte.
Aqui está o grande problema do processo coletivo brasileiro. E esse é só um comentário crítica que
não precisa anotar. A ACP tramita pela primeira, segunda instância, passa pelo STJ e chega até o STF que
decide que eu não tenho o índice de 32%. Em vez de isso pacificar, graças a esse sistema, qualquer indivíduo
pode ajuizar uma ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Ou seja, o processo coletivo que
veio para potencializar a atividade do Judiciário acaba não servindo para absolutamente nada porque acaba
tendo que julgar 3 milhões de ações para discutir exatamente a mesma coisa. Por isso, na nova lei, a comissão
entendeu por adotar um sistema diferente: a coisa julgada, se for matéria unicamente de direito, vai ser pro et
contra. Pega todo mundo. Se você não confia no autor, você tem até a sentença da coletiva a possibilidade de
pedir para você ficar fora daquela coisa julgada. Se a pessoa vem e diz que não quer a coisa julgada coletiva,
você dará a ela o direito de tocar a ação por si. Do contrário, vai ter que aceitar. O sistema hoje é melhor para
a parte. Mas vai melhorar para o sistema, inclusive para os advogados.
4.6. Princípio Máxima Efetividade do Processo Coletivo ou do Ativismo Judicial
Esse princípio, que também não tem previsão legal expressa e é decorrente do sistema,
descaradamente foi copiado do modelo americano, de algo que eles chamam de defining function. Lá se fala
que o juiz, diante do processo coletivo, tem poderes extravagantes, tem funções extraordinárias, funções que
superam os limites daquilo que existe no processo individual. No processo coletivo, ele parte de um ativismo
judicial, de uma posição proativa que, em princípio, ele não tem no processo individual. O juiz busca a
máxima efetividade e toma atitudes heterodoxas para poder decidir a respeito, daí falar-se em ativismo
judicial.
Quando se fala nesse princípio, na verdade, isso tem que representar para você, quatro ideias. São
quatro atitudes que o juiz pode tomar no processo coletivo e que no processo individual ele não pode.
a) Instruir o processo de forma mais acentuada do que o processo individual – esse é o
primeiro “poder” do juiz. O juiz tem poderes instrutórios mais acentuados do que no processo individual. O
juiz pode determinar a produção de provas de maneira mais incisiva do que no processo individual. Por
exemplo, se ele perceber a inércia probatória das partes, ele pode, oficiosamente, determinar perícia,
determinar a produção de provas que, sequer foi cogitada pelas partes.
b) Flexibilização procedimental – É a segunda atitude que o juiz no processo coletivo pode
ter e que não cabe no processo individual. A flexibilização procedimental permite que o juiz, no âmbito do
processo coletivo adapte o instrumento ao direito material em debate. Como ele faz isso? Vou dar um
exemplo: ampliando prazos. O CPC estabelece que no processo individual, a parte tem prazo de 10 dias para
apresentar réplica. O juiz no processo coletivo pode flexibilizar esse prazo para 30 dias dependendo da
complexidade do caso. Se ele percebe que faltou um litisconsórcio necessário, haverá flexibilização do
procedimento, junto com aquela regra do interesse jurisdicional do conhecimento do mérito. Essa mesma
situação, no processo individual, ensejaria a extinção do processo. Aqui, então, ele cita o litisconsórcio
necessário que não estava no processo, dá para o cara o direito de defesa e de produzir prova e faz seguir o
processo. Também cabe aqui a inversão de atos processuais. Tudo isso pode ser feito no processo coletivo e
não pode, a princípio, ser feito no processo individual.
c) Possibilidade de o juiz desvincular-se do pedido ou da causa de pedir – Esse poder do
juiz é altamente discutível. Em outros termos, significa dizer que o juiz, nesse poder, pode permitir a alteração
dos elementos da demanda após o saneamento do processo. O art. 264, do CPC, proíbe expressamente que
depois do saneamento se altere o pedido ou a causa de pedir. Mas isso é processo individual. Se você aplicar
isso aqui, se ferra porque no processo coletivo, a defining function (ativismo judicial) permite que o juiz autorize
a alteração do pedido e da causa de pedir garantindo ao réu o direito defesa, contraditório e tudo o mais. Mas
ele pode aproveitar o processo, mesmo que o pedido e a causa de pedir estejam equivocados. Eu tive na
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
minha carreira um caso emblemático da aplicação dessa hipótese de defining function. Eu sempre conto esse
exemplo para você perceber que o processo coletivo para você perceber que o processo coletivo tem uma
nuance diferente do processo individual. O promotor entrou com uma ACP de reparação de danos contra o
prefeito sob o fundamento de que no mês de março/99 teria dado um rombo nos cofres da prefeitura. Foi
preciso fazer perícia na contabilidade da prefeitura. Descobriu-se que não havia absolutamente nenhum
superfaturamento e nenhum desvio de verba. Estava tudo bonitinho. Eu teria que julgar improcedente a ação.
Só que nas contas da perícia foi descoberto que o cara não repassou determinada verba, que era gigantesca,
para a educação do município. E, pela lei, sobre o ato incidiam sanções e, entre elas, a devolução do dinheiro
que não foi aplicado. O promotor, espertamente, pediu para mudar a causa de pedir: “eu quero que ele
devolva, não por causa do desvio, mas por causa da não aplicação da verba de forma adequada.” Eu admiti a
alteração da causa de pedir. Foi preciso produzir novas provas, formular novos quesitos ao perito para julgar
o processo. Qual é a vantagem disso é que eu teria que julgar a ação improcedente, caso não considerasse a
possibilidade de alteração. E aí o MP teria que entrar com uma nova ação, com prejuízo ao erário, que já tinha
acontecido já que a perícia foi caríssima.
d) Controle das políticas públicas – Cada vez mais o Judiciário está sendo chamado para
resolver através dos processos coletivos o quê? Opções políticas da Administração. Por exemplo, determinar
a construção de determinado hospital, de creche, aquisição de medicamentos. Todas essas são opções
políticas que estão sendo tomadas pelo Judiciário através de ações coletivas. Sobreleva-se, dessa forma, um
papel de ativismo judicial gigantesco e o processo coletivo tem que se prestar a essa finalidade. Eu,
recentemente, tive uma ação civil pública de aumento de efetivo policial no município onde trabalho. O
promotor encasquetou que tinha pouca polícia no município. Fez uma conta, umas análises e chegou à
conclusão que tinha pouco efetivo. O Judiciário teve que interferir para aumentar o efetivo. Percebe a
repercussão direta na política de segurança pública do Estado? Isso é ativismo judicial.
4.7. Princípio Máxima Amplitude ou da Atipicidade ou Não-taxatividade do Processo
Coletivo – Art. 83, CDC
Art. 83 - Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
É fácil entender esse princípio. De acordo com o CDC, para a defesa dos interesses metaindividuais,
são admissíveis todas as espécies de ações capaz de providenciar a adequada tutela. Qualquer ação pode ser
coletivizada! O que significa dizer que eu não tenho só, para tutelar processo coletivo, a ação civil pública, a
ação popular. Eu posso ter , por exemplo, uma reintegração de posse coletiva, uma monitória coletiva, desde
que o que esteja sendo discutido no processo sejam os interesses metaindividuais. Então, não fica com a
cabeça fixa de que o processo coletivo é ação civil pública, popular e improbidade administrativa. Qualquer
ação pode ser coletivizada.
Acontece que o MP encasquetou que tudo o que é difuso e coletivo, ele tem que chamar de ação civil
pública. Então, se eventualmente se trata de uma reintegração de posse para retirar um pessoal que invadiu
uma área de reserva ambiental, ele entra com ação civil pública com pedido de recuperação de posse. Só que
isso não é uma ação civil pública, mas uma ação de reintegração de posse coletivizada. A nomenclatura não
muda nada. Causa confusões
Vocês conhecem a discussão sobre se o MP pode entrar com a ACP para discutir direito de uma
pessoa só (liberação de medicamento, por exemplo). O promotor tem legitimidade para isso porque o direito
é indisponível. A ação é de obrigação de fazer, mas usa a ACP. E dando o nome de ação civil pública para
tudo, não permite que se desenvolva esse princípio. Usa-se ACP para tudo, esquecendo que qualquer ação
pode ser coletivizada.
4.8. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda
Tem previsão no art. 94, do CDC:
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TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
Art. 94 - Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que
os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla
divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do
consumidor.
Aqui, mais uma vez, copiamos o sistema norteamericano, que eles chamam de fair notice. Pelo
princípio da fair notice, que adotamos aqui com o nome de princípio da ampla divulgação da demanda, o fato é
o seguinte: uma ação coletiva pode interessar a particular? Sem dúvida, que sim! Os particulares estão
sofrendo danos individuais exatamente por conta do fato discutido na ação coletiva. Exatamente por isso, o
estabelecido no art. 94. Ele estabelece que toda vez que haja uma ação coletiva, se promova uma ampla
divulgação por edital. O problema é que isso não funciona. No projeto, isso virá melhorado: será feito via
expediente que acesse diretamente a comunidade lesada. Você vai discutir numa ACP a questão de tarifa de
energia elétrica. Os consumidores de energia elétrica são os interessados. Hoje, essa comunicação é feita por
edital. No exemplo dado, pelo projeto, virá na conta, como forma de aviso: “existe uma ação civil pública
discutindo que o índice tal está errado. Se você quiser, se habilitar, fique à vontade”. Se discute questão
bancária, o aviso poderá vir no site do banco ou no extrato. Essa é a ideia. É trocar o edital por um meio de
divulgação mais eficaz.
4.9. Princípio da Integratividade do Microssistema Processual Coletivo
O que disciplina o processo coletivo no Brasil? Que lei é essa? Eu costumo dizer que a primeira coisa
que você precisa ter para estudar processo coletivo no Brasil é uma mesa grande. Porque há mais de 15 leis
que tratam de processo coletivo no Brasil. Exatamente por isso, que esse sistema que é composto por
inúmeras leis, forma um microssistema. No centro do microssistema haverá sempre duas leis: uma é a Lei de
Ação Civil Pública e a outra é o Código de Defesa do Consumidor. Essas duas leis têm aquilo que nós
chamamos no processo de norma de reenvio. Se você olhar o art. 90, do CDC, ele fala assim: aplica-se a
mim tudo o que está previsto na Lei de Ação Civil pública. Ele manda aplicar para ele tudo o que está na
LACP. Aí você vai na Lei de Ação Civil Pública e lá encontra o art. 21 que fala assim: “aplica-se a mim tudo o
que está previsto no CDC.” Ou seja, a Lei de Ação Civil Pública e o CDC compõem um núcleo de aplicação
central, pois tudo o que existe em uma aplica-se na outra e vice-versa. E aí, você faz aquela constatação
extremamente importante: eu posso aplicar o CDC numa ação civil pública ambiental. Claro que sim! “Mas
não é consumidor, Gajardoni.” Não interessa!! É que como existe essa norma de reenvio, você aplica o CDC
em ação ambiental. E pode, inclusive, aplica a inversão do ônus da prova, pois o sistema é integrado com
norma de reenvio. Isso quer dizer que você pode ter uma ACP discutindo o direito do idoso, com base no
Estatuto do Idoso e aplicar o CDC. É para aplicar! Exatamente porque se trata do núcleo central do processo
coletivo.
Como se isso não bastasse, e não basta, às vezes, o legislador tem disciplina específica para algumas
determinadas ações. Então, por exemplo, tem previsão sobre ACP no ECA, tem previsão no Estatuto do
Idoso, no Estatuto da Cidade, na Lei dos Deficientes, na Lei de Ação Popular, tem previsão na Lei de
Improbidade Administrativa. Então, gravitando como planetas ao redor do sol, que é a ACP e o CDC, o
ECA, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Cidade, a Lei dos Deficientes, a Lei de Ação Popular e a Lei de
improbidade administrativa.
Estatuto Lei de Ação
da Cidade Popular
Estatuto ACP
do Idoso CDC
Lei do Lei de Improbidade
Deficientes Administrativa
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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
O nosso legislador diz que além do núcleo, também é possível haver a aplicação das normas
específicas a respeito dos respectivos temas, de modo que esses diplomas constantemente vão trocar
informações, permitindo-se, por exemplo, que na ação popular, aplique-se o CDC, que no Estatuto do Idosos
aplique-se a Lei de ACP.
Mais do que isso, nosso sistema diz que esse microssistema processual é um microssistema aberto.
Isso significa que, além de se comunicar com o núcleo central, as leis também se comunicam entre si. E é
assim que funciona o microssistema processual coletivo. Há um núcleo central que se comunica com as
demais leis do sistema e depois essas leis passam a se comunicar entre si. Esse é o sistema processual aberto.
Vou dar alguns exemplos, incluindo uma decisão dada recentemente pelo STJ, invocando esse sistema
processual aberto, esse sistema da integratividade.
Reexame necessário – Condição de eficácia da sentença consistente na necessidade de a sentença
ser submetida a uma nova apreciação pelo tribunal. Não existe previsão na LACP para reexame necessário.
Consideremos uma ACP ambiental. Eu vou ao microssistema: vejo que não há regra sobre reexame
necessário nem na LACP e nem no CDC. Eu vou passear pelo microssistema buscando se há essa previsão.
E, quando eu faço isso, automaticamente descubro que na LAP um dispositivo que estabelece que o reexame
necessário é em favor do autor popular e não da Fazenda Pública. Qual a conclusão que o STJ chegou a partir
desse raciocínio? Se a ACP é julgada improcedente, quem perde é a coletividade. Assim, por se tratar de um
microssistema e pelo fato de a previsão do reexame necessário não constar a LACP, eu vou aplicá-lo mesmo
assim, buscando o seu fundamento de validade na LAP. Portanto, o STJ está entendendo que na ACP,
mesmo sem previsão legal, aplica-se o modelo de reexame necessário da LAP.
Código de Processo Civil – Você não sentiu falta dele no microssistema aberto? O CPC NÃO
compõe o microssistema processual coletivo. E se é assim, ele não tem aplicação integrativa. No caso do
processo coletivo, a aplicação do CPC é apenas subsidiária. O CPC é só se faltar, se não tiver nada. Só depois
que eu passar por todas as leis, se não houver previsão, aí, sim, eu vou ao CPC.
4.10. Princípio da Adequada Representação ou do Controle Judicial da Legitimação
Coletiva
Esse é o mais importante. Neste caso especifico, eu vou ditar porque esse ponto é confuso e
complexo. Eu peço que vocês compreendam o que eu vou explicar e depois eu dito.
Isso é muito interessante! Para você entender como funciona essa coisa da representação adequada,
você tem que entender como copiamos mal do sistema norteamericano. No sistema norteamericano, de onde
copiamos quase tudo, e copiamos mal, funciona da seguinte forma: qualquer pessoa pode propor ação
coletiva nos EUA. Aqui, temos um rol predeterminado de pessoas que podem propor ação coletiva. Lá,
qualquer um pode fazer isso. Só que, em contrapartida, o sistema norteamericano fala que o juiz é a pessoa
que deve controlar se a pessoa representa adequadamente os interesses daquele grupo, daquela categoria.
Você tem que entender que para uma pessoa entrar com uma ação coletiva ela tem que, no mínimo, ter
condições de defender adequadamente aquele interesse que é de muitas pessoas. Então, o sistema
norteamericano fala o seguinte: “juiz, qualquer pessoa pode entrar com uma ação coletiva, mas você controla
a representação.” E como se verifica se a pessoa representa adequadamente os interesses que ela está
postulando na ação? Isso é feito lá da seguinte forma: checando se a pessoa tem histórico, antecedente, na
defesa dos interesses sociais. Verifica também se a pessoa faz parte ou representa o grupo de prejudicados.
Ela poderia ser uma vítima de um dano ou receber uma autorização de todas as vítimas do dano para que
representasse a todas em juízo. Eles exigem que a pessoa tenha dinheiro. No sistema norteamericano, se você
não tem dinheiro, não entra com a ação. E processo coletivo é extremamente caro. E o juiz verifica, ainda, se
o advogado é especializado em processo coletivo. Ou seja, o juiz faz um controle rigoroso da adequada
representação. Se o autor da ação representa adequadamente os interesses daquela coletiva.
Tem um filme com a Julia Roberts que trata disso: “Erin Brockovich – Uma mulher de talento”. A
história é de uma maluquinha, que bate no carro de um advogado e pede emprego para o cara, em vez de
pagar o dano do carro dele. Aí o cara dá o emprego para ela e ela começa a levantar a questão de umas
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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
pessoas que tomavam uma água que era cancerígena. O fato é que ela começa a angariar a confiança da
comunidade e as pessoas passam a querer que ela represente os interesses daquela coletividade. O filme quase
que acaba numa audiência (audiência de certification), em que o juiz basicamente diz: “eu aceito que ela
represente adequadamente os interesses daquela categoria”. A coisa foi confusa porque ela não tinha dinheiro
para pagar o processo coletivo. E no final, acaba com um acordo. Quando a ela foi reconhecida a adequada
representação, no final, as vítimas foram indenizadas. Esse é o raciocínio lá.
No Brasil, vamos ter um sistema diferente. Não é qualquer pessoa que pode entrar com a ação
coletiva. A ação popular tem um objeto muito específico, mas no caso da ACP, os únicos legitimados são os
do art. 5º, da lei:
Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
(Alterado pela L-011.448-2007)
I - o Ministério Público; (Alterado pela L-011.448-2007)
II - a Defensoria Pública; (Alterado pela L-011.448-2007)
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Acrescentado
pela L-011.448-2007)
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
(Acrescentado pela L-011.448-2007)
V - a associação que, concomitantemente: (Acrescentado pela L-011.448-
2007)
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético,
histórico, turístico e paisagístico.
Esses são os que podem propor ação coletiva no Brasil. Portanto, a adequada representação foi
presumida pela lei. Não é o juiz que controla. É a lei que diz quem são as pessoas que representam
adequadamente os interesses. No Brasil, portanto, ninguém nega que o nosso sistema adotou o sistema da
adequada representação presumida porque a lei já fala que mesmo que o promotor, mesmo que o defensor
jamais tenha ajuizado uma ação coletiva na vida, mesmo assim, a lei diz que ele tem capacidade para ajuizar.
A grande discussão que há aqui, portanto, é se o juiz pode, no caso concreto, controlar? Apesar da
previsão legal, o juiz poderia, no caso concreto, controlar ou não poderia controlar? Existem duas correntes
absolutamente separadas e sobre elas, eu vou falar, depois de ditar essa parte inicial:
“Diversamente do sistema da “class action” do direito norteamericano, no Brasil, nosso legislador presumiu que os
legitimados para a propositura das ações coletivas (art. 5.º, da LACP) representam adequadamente os interesses metaindividuais
em debate. A grande discussão, entretanto, que há na doutrina brasileira, é se além do controle legislativo do tema também há
controle judicial sobre a representação adequada, de modo a permitir ao juiz o reconhecimento da ilegitimidade com base na falta
de representação.”
São duas posições:
1ª Corrente: Néri, entre outros. Estabelece que, salvo para as associações, não é possível controle
judicial. Para ele, então, o controle da representação adequada é ope legis. É o legislador que define se o juiz
controla ou não a representação adequada. E não o juiz do caso. Por que a associação fica de fora? É que
quando o legislador fala da associação, que pode ajuizar a ACP, ele coloca que pode ajuizar, desde que
estejam em funcionamento há mais de um ano e esteja entre suas finalidades, a proteção do bem jurídico
tutelado, ou seja, Néri estabelece que, para as associações, há a tal da pertinência temática. E, neste caso, o
juiz poderia controlar a associação com base no tema. Então, só no caso da associação. Nos demais casos, o
juiz não teria como controlar.
Vou dar um exemplo extremado para você entender a controvérsia: o Grean Peace entrou com uma
ACP e ele só pode entrar com ACP para discutir meio ambiente porque a tutela dessa associação é o meio
ambiente. O IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, só pode entrar com ACP de defesa do consumidor
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LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009
TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO
porque, para a associação, o juiz pode fazer o controle com base na própria lei. Se a defensoria entrar com
uma ação para discutir a alíquota de importação de uma Ferrari (esse é o exemplo extremado), de acordo com
Néri, o juiz não pode controlar essa representação porque o legislador presumiu que se o defensor entendeu
que ele tem que atuar aqui, não compete ao juiz se imiscuir aqui. A defensoria pública pode atuar em todas as
ACP’s que quiser, sem sofrer controle por parte do Judiciário.
2ª Corrente: Ada Pellegrini – Para ela, sem prejuízo do controle legislativo, também é possível o
controle judicial da representação de todos os legitimados. Não só da associação. Para ela, o controle da
representação não é só ope legis, mas também ope litis. Não importa que o legislador já tenha previsto quem
pode propor a ação civil pública. Além do legislador ter previsto, e é uma presunção de que aquele legitimado
representa adequadamente os interesses do grupo, da categoria, o que o juiz poderia fazer? No caso concreto,
ele poderia rever, reapreciar se naquele caso concreto específico, quem entrou com a ação representa ou não
os interesses daquela coletividade. Atenção, porque agora é a ligação do raciocínio: qual seria o critério que o
juiz usaria para fazer o controle dessa representação? Nos EUA, há muitos critérios, como vimos. Mas qual
seria o critério, dentro dessa segunda posição, o critério para controle? Seria a finalidade institucional e
pertinência temática do autor. O juiz faria o controle da finalidade institucional e da pertinência temática
do autor.
Vamos traduzir. O art. 127, da CF, estabelece qual é a finalidade institucional do MP:
Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função
jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático
e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
O que interessa aqui é atentar para o fato de o MP tutelar a defesa dos interesses sociais e individuais
indisponíveis, que interessam a toda sociedade, ou os interesses individuais que, pelo fato de serem
indisponíveis, merecem uma atenção especial por um órgão do Estado.
Isso quer dizer que se você adotar a primeira posição, quem decide quando atua ou não é o MP e o
juiz não tem controle nenhum. Se você adotar a segunda posição, quem decide é o MP, mas sem prejuízo de
o MP fazer o juízo sobre se ele deve ou não atuar, o próprio juiz também poderia fazer esse controle.
Esses casos são altamente complexos, mas vou dar um exemplo extremado para você entender: Você
tem uma empresa de TV a cabo que tirou da grade um canal de 100 canais que disponibilizava. O MP entrou
com uma ação para obrigar a empresa a devolver o dinheiro correspondente àquele canal para todos os
consumidores. O MP tem legitimidade? Pela primeira corrente, tem e não compete ao juiz achar que não tem
porque é o MP que decide isso. Se você adotar a segunda posição, você vai falar que o juiz no caso concreto
vai avaliar se tem ou não. Os que dizem que o MP tem legitimidade, sustentam que quando há um número
muito grande de lesados, o interesse acaba sendo social. Eu discordo. Diria que não tem, porque esse tipo de
direito (canal de TV a cabo) não é indisponível, é meramente patrimonial e não atinge nem 1% da população
porque é uma minoria que tem TV a cabo. Consequentemente, o interesse não seria social. Tem que pensar
principiologicamente. Mas tem interesse do consumidor. Nesse caso, que a associação dos usuários de TV a
cabo que deve ter por aí em algum canto que ingresse com a ação.
Lembra do exemplo da Defensoria Pública? Sua finalidade institucional está no art. 134, da CF:
Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional
do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos
necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV.
Ou seja, a finalidade institucional é a defesa dos hipossuficientes em qualquer grau. No caso da
Ferrari: pela primeira posição, o juiz não poderia controlar. Pela segunda posição, o juiz poderia dizer: você
não representa adequadamente os interesses dessa categoria. Seria o caso de chamar outro legitimado para
defender. Não há posição dominante. Mas havendo dúvida, reconheça que há legitimidade para o
ajuizamento porque, afinal de contas, se trata de interesse metaindividual e que merece um tratamento
especial do sistema.
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Processo coletivo: evolução histórica e gerações de direitos

  • 1. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Bibliografia Indicada: • Hugo Nigro Mazilli – A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo (Saraiva). • Luiz Manoel Gomes Júnior – Curso de Direito Processual Coletivo (SRS Editora) • Ricardo de Barros Leonel – Manual do Processo Coletivo (RT) • Hermes Janeti Júnior – 4º Livro da Coleção. Escreve com o Didier 1. EVOLUÇÃO HISTÓRICO-METODOLÓGICA Como nós chegamos à era dos direitos coletivos? Como nós chegamos na necessidade de se desenvolver a tutela, através de um processo diferenciado de certos direitos. Vamos analisar a evolução histórico-metodológica sob duas ordens: • Classificação do processo coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais. • Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil. 1.1. Classificação dos processos coletivos dentro das gerações de direitos fundamentais Todos os que se dedicam à análise do tema e, principalmente, os constitucionalistas, costumam fazer uma avaliação de como foram construídos os direitos fundamentais no constitucionalismo e conseguem visualizar, com bastante clareza, a existência de 3 gerações de direitos fundamentais, três eras de direitos fundamentais. 1ª Geração: Direitos Civis e Políticos – Foram desenvolvidos a partir do Século XVII, em que se passou a negar o sistema absolutista. O marco histórico foi a Revolução Francesa que combateu o poder absoluto do rei que. E depois de deposto o poder absoluto do rei, começou-se a buscar uma forma de controlar o arbítrio do Estado. Antes disso, o indivíduo não tinha direitos básicos, como o de propriedade, pois o rei podia fazer absolutamente tudo (representantes de Deus na terra). Então, quando nascem esses direitos civis e políticos, eles nascem com a finalidade precípua de constituir-se em verdadeiras liberdades negativas: “rei, não se meta, não se intrometa, me deixe viver em liberdade.” Como se trata da própria negação do Estado, os próprios constitucionalistas começam a chamar essa fase de fase de liberdades negativas. É nestas fase que surgem os direitos fundamentais básicos, que vocês conhecem até hoje: liberdade, propriedade, livre iniciativa, herança, bem como o direito ao voto (não para todo mundo). Essa é a primeira fase dos direitos fundamentais. 2ª Geração: Direitos Econômicos e Sociais – De acordo com os constitucionalistas, esses direitos nascem a partir do Século XIX. Junto com a primeira geração de direitos que dizia “Estado, não se meta!”, começa uma nova fase do pensamento moderno, chamada Liberalismo, junto com o movimento cultural, chamado Iluminismo. Esses dois movimentos levaram a uma omissão completa do Estado, exatamente para preservar o distanciamento do Estado da vida do indivíduo. Só que essa ausência do Estado gerou uma desigualdade social absurda. Na Revolução Industrial, crianças foram submetidas a trabalho forçado, pessoas trabalhando 20 horas por dia. Então, a própria condição de liberdade acabou fazendo com que não fossem impostos limites ao capitalismo. Por isso, os constitucionalistas percebem, a partir dessa segunda geração de direitos fundamentais, uma retomada da intervenção do Estado para garantir direitos mínimos do ponto de vista econômico e social. Não dá para ficar com a liberdade absoluta em que os 1
  • 2. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO indivíduos se tornam desiguais, uns com saúde, outros morrendo, crianças bem-tratadas, crianças maltratadas. Por isso, surge uma segunda geração de direitos em que os próprios constitucionalistas chamam de a era das liberdades positivas. É exatamente o contrário da Era anterior em que o Estado não se metia. Agora, a ordem é: Estado, se meta, para garantir um mínimo de condições econômicas e sociais para todas as pessoas. É nessa fase que surgem alguns direitos fundamentais básicos como direito à saúde, saneamento básico, primeiros direitos trabalhistas. 3ª Geração: Direitos da coletividade – De acordo com os constitucionalistas, passaram a ser estudados a partir do Século XX. O que começaram a observar? Que a humanidade não se basta em um único indivíduo. Não adianta garantir a liberdade absoluta ou um direito econômico, social e político para um indivíduo se você não conseguir fazer com que esse indivíduo exerça o seu direito respeitando os direitos dos demais. Significa dizer que nessa fase, eles começaram a perceber que há alguns direitos que transcendem ao individualismo e que só podem ser exercitados de forma coletiva. A principal mola impulsionadora, a primeira previsão de direitos coletivos no sistema mundial foi o sindicato. Os trabalhadores começaram a se aglomerar para buscar objetivos comuns à categoria representada pelo sindicato. Depois disso, os direitos coletivos foram se estendendo para outras áreas. Nessa fase, começamos a observar o nascimento de direitos das categorias profissionais, meio ambiente, patrimônio público, etc. São direitos que não há como serem exercidos mediante uma titularidade única. O direito ao meio ambiente, ao patrimônio público não são exercitados individualmente, mas por um corpo, que é a coletividade. Eu poderia parar aqui, já que queria chegar ao nascimento dos direitos coletivos. Mas apenas por amor ao debate, devo acrescentar que há autores que falam ainda de uma quarta geração de direitos fundamentais 4ª Geração: Direitos da globalização – Aqui eu estaria falando de paz mundial, livre comércio, direitos relacionados à formação de blocos econômicos, direitos da transnacionalidade. Mas isso não é objeto do nosso tema. Para fechar esse tópico, uma informação que eu reputo das mais importantes. Para você nunca esquecer essas três gerações, vai uma dica (lógico que para nós interessa a terceira geração): lembrar o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Primeiro eu quis liberdade (que o Estado não se metesse), quando essa liberdade foi muito longe, buscou-se a interferência do Estado para assegurar um mínimo de igualdade. Mas não adianta a liberdade e nem a igualdade se não há fraternidade, que é o amor coletivo que existe entre as pessoas. O direito da coletividade nasce como símbolo da fraternidade que deve nascer entre os homens, entre as categorias. Portanto, liberdade, igualdade e fraternidade representam o lema da Revolução Francesa e espelha bem o que a gente chegou a conquistar a partir das várias gerações de direitos fundamentais. 1.2. Análise do processo coletivo dentro das fases metodológicas do direito processual civil A doutrina mais moderna diz que o estudo do direito processual civil, como um todo, pode ser dividido em três grandes fases metodológica: Fase do Sincretismo ou Civilismo – Nasce com o direito romano, que foi o primeiro povo a desenvolver o sistema jurídico, e vai mais ou menos até 1868. Nessa fase, havia uma confusão metodológica entre direito e processo. Desse modo, não havia autonomia do processo. Dizia-se que o processo era um apêndice do direito material. E é graças a essa fase que surgiu a ideia do processo como direito adjetivo, e o adjetivo serve para qualificar o substantivo. O direito adjetivo (processo) serve para qualificar o substantivo (direito material). Dizia-se nessa época que só tem ação (processo) se há direito. Só havia ação se você ganhasse, caso contrário, não havia ação. O Savigny usava uma expressão sobre o sincretismo: o processo era o direito civil armado para a guerra. Isso porque não havia autonomia. Era o direito civil armado para brigar. Fase do Autonomismo ou Autonomista – Em 1868 surgiu uma obra clássica que inaugurou essa nova fase do processo civil, escrita por um caboclo que ninguém sabe se é alemão ou austríaco, chamado 2
  • 3. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Oskar von Bülow. Ele escreveu uma obra fantástica sobre as teorias das exceções no processo civil. E o que ele conseguiu perceber? Isso parece imbecilidade hoje. Mas ele conseguiu visualizar, naquela época, que quando há uma relação jurídica entre duas pessoas, ela é de direito material e bilateral. Ele entendeu e conseguiu distinguir que quando uma das partes achar que essa relação jurídica material não está sendo respeitada, surge para o titular do direito um outro direito, que não é mais um direito contra a parte contrária, mas um direito que é exercitado pelo Estado no sentido de que ele faça respeitar a relação jurídica de direito material. E aí eu estaria falando de uma relação jurídica trilateral, à qual ele deu o nome de relação jurídica processual. A partir desse raciocínio, extremamente simples, Bülow conseguiu perceber que a relação jurídica material é uma coisa e que a relação jurídica processual é outra coisa. De modo que o exercício do direito de ação, é um exercício de um direito diferente do exercício do próprio direito material. Temos aí fincadas as premissas da fase autonomista do processo civil brasileiro vivida até hoje. Hoje, ninguém mais fala que o direito processual é o direito civil armado para a guerra. O processo implica em uma relação jurídica autônoma esquecida contra o Estado e a relação jurídica material tem uma bilateralidade apenas entre as partes contratantes. Fase do Instrumentalismo – Superado o autonomismo, entretanto, surgiu um problema porque sempre que você não tem uma coisa e obtém, você costuma exagerar. Aqui, houve a mesma coisa. A relação jurídica material, com a descoberta da autonomia processual, acabou esquecida. Graças a isso, os direitos começaram a ser deixados de ser tutelados, o acesso à justiça ficou prejudicado. Isso porque eu ficava discutindo a relação jurídica processual e esquecia do direito material, que era o que interessava. Afinal, o processo serve ao direito material. Então, surge uma terceira fase metodológica do estudo do direito processual que ficou e ainda é conhecida como instrumentalismo, que tem início mais ou menos em 1950, com a obra de dois autores, um italiano e um americano: Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Os dois escreveram uma obra clássica: “O Acesso à Justiça.” Esses autores defendem que deve haver um resgate dos verdadeiros fins do processo. O processo deve se reaproximar do direito material. Só através do resgate do direito material é que o processo realmente se torna um meio de acesso à justiça. Para sustentar esse movimento novo, para que o processo se tornasse, realmente, um instrumento de acesso à justiça, eles dizem que todos os ordenamentos jurídicos do mundo deveriam observar aquilo que eles chamaram de As 3 Ondas Renovatórias de acesso à Justiça: 1. Onda de Tutela aos Pobres – Se o processo quer tutelar o direito material e ampliar o acesso à justiça, a primeira pessoa que tem que ser trazida para dentro do sistema judicial é aquele que não tem condições de entrar com a ação. A consequência é que o sistema só será acessível se o pobre tiver direito. A consequência disso é que nasce a justiça gratuita, a defensoria pública, tribunais de pequenas causas. 2. Onda da Coletivização do Processo – O grande momento dessa fase metodológica é a segunda onda renovatória, que é aquela em que eles sustentam a necessidade de coletivização do processo. Nessa onda renovatória, nós promover a representação em juízo dos direitos metaindividuais. Sobre esse tema, quatro observações: 1ª Observação. Esses autores viram a necessidade de se tutelar duas situações básicas pelas quais nasceu o processo coletivo. a) A primeira delas é a questão da tutela dos direitos de titularidade indeterminada. Os direitos da coletividade (da 3ª Geração) são direitos que pertenciam ao corpo social, só que não existia um representante, em princípio, que tinha autorização do corpo social para entrar com a ação coletiva. Então, o Garth e Cappelletti sustentam que é necessário que o sistema crie mecanismos para permitir a tutela desses direitos metaindividuais através da previsão de quem vai ser o titular, quem vai responder por essa titularidade indeterminada. Sim, porque se você pegar o exemplo do meio ambiente, vê que é meu, mas é seu, é dele, de todo mundo. Quem vai responder? Então, a titularidade indeterminada precisa ser determinada para que se possam tutelar esses direitos. Graças a essa necessidade de se tutelar esses direitos é que surge a necessidade de coletivização do processo porque se eu pego as regras de um processo eminentemente individual e jogo para o coletivo, a consequência é que não será possível tutelar esses direitos coletivos. Mas não é só por isso. b) Eles dizem que também havia a necessidade de se tutelar direitos economicamente não tuteláveis do ponto de vista individual. Além de precisar criar o processo coletivo 3
  • 4. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO para a tutela dos bens e direitos de titularidade indeterminada, como é o caso do meio ambiente, é necessário que haja processo coletivo para que haja a tutela de determinados direitos que, do ponto de vista individual, economicamente não seriam tuteláveis. o exemplo deixará claro: um dia você resolve medir o leite que você compra todos os dias e vê que, na verdade, ao invés de 1L anunciado no rótulo, há dentro da caixa apenas 900ml. No final de 1 mês, você tem o direito de reclamar 3 litros da empresa. Agora você vai ajuizar uma ação para obrigar a empresa a te devolver 3 litros de leite? Definitivamente, não. Esses direitos, portanto, acabam não sendo dos por ninguém, porque ninguém vai se submeter a isso. E isso gera na sociedade toda uma instabilidade. Então, qual a ideia desses dois autores? É preciso criar uma hipótese em que esses direitos economicamente intuteláveis, do ponto de vista individual, possam ser tutelados e você vai fazer isso através do processo coletivo, através da coletivização do processo. O processo coletivo, portanto, nasce, portanto, com um imperativo de duas ordens: primeiro para a tutela dos bens de titularidade indeterminada, aqueles direitos que, por não terem ninguém para tutelar, acabam não sendo tutelados por ninguém. É por isso que é preciso que haja um processo permitindo que alguém tutele os interesses de todo mundo (ações coletivas) e, segundo, pra permitir que alguém tutele os interesses que, do ponto de vista individual, são economicamente inviáveis. 2ª Observação. O processo coletivo nasce em virtude da inadequação do direito processual civil individual para a tutela dessas situações, dos interesses metaindividuais. Ele nasce porque o processo civil individual não dá conta de responder a essas demandas. A regra geral do processo civil ordinário é que cada um defende direito seu. No processo civil coletivo é exatamente o contrário porque há uma pessoa escolhida para defender toda a coletividade. A legitimidade do processo individual não encaixa no processo coletivo. Foi preciso criar um regramento próprio. A regra dos elementos subjetivo da coisa julgada no CPC atinge só as partes. Mas no processo coletivo, a coisa julgada atinge não somente as partes. Então, temas como legitimidade e coisa julgada são incompatíveis entre o processo civil individual e o coletivo. Você nunca vai entender processo coletivo se você pensar o processo coletivo com cabeça do CPC. Ele tem um sistema separado, próprio. Por isso, essas regrinhas do CPC têm que ser esquecidas. 3ª Observação. O processo coletivo não disputa o espaço com o processo individual. O sistema prevê as tutelas coletivas sem prejuízo de você exercitar sua pretensão individual. Eu já vi cair no Cespe: O individual tem um fim egoístico porque é um processo só de um. Agora, o processo coletivo tem um fim altruístico, porque ele vale para mim e para todos os demais membros da coletividade. E você vê que o processo coletivo nasce da própria evolução do ser humano. A ideia de sociedade, de bem-estar comum, só surge depois de um tempo da nossa evolução. E essa noção de coletividade só foi incluída depois. 4ª Observação. No Brasil, o processo coletivo surge com a Ação Popular, só que se consolida com a Ação Civil Pública (Lei 7.347/85). A Lei de Ação Civil Pública, que é um marco do processo coletivo brasileiro passou por avanços e retrocessos. Avanços: A CF/88 ao criar o suporte da ACP, o CDC, o ECA. Mas essa lei também passou por vários retrocessos: o Executivo federal limita o alcance da APC via medida provisória Lei 9.494/97 foi uma MP que virou lei, acabou com o processo coletivo no Brasil, ao alterar o art. 16, da Lei de Ação Civil Pública: Art. 16 - A sentença civil fará coisa julgada "erga omnes", nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. (Alterado pela L-009.494-1997) Isso é um absurdo porque se eu separo só a cidade de SP, em Campinas não vai valer. Hoje, no Brasil, houve tentativa de se elaborar um Código Brasileiro de Processo Coletiva. Houve dois projetos, um coordenado pela Ada Pelegrini e outro elaborado pela Emerj (Juiz Federal Alouisio Mendes). Eles colocam o processo coletivo dentro de uma maneira equilibrada, com princípios e regras próprias. O objetivo desses dois códigos era fazer com que se entendesse que não dava para aplicar o CPC na esfera do processo coletivo. O problema é que isso demora muito. Em 2008 o Ministério da Justiça nomeou uma comissão de juristas para dar um destino para o processo coletivo brasileiro porque estava confuso e com a aplicação dificultada. Essa comissão foi criada (Ada, Alouisio Mendes, etc.) e logo na primeira reunião, 4
  • 5. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO chegou-se à seguinte conclusão: vamos transformar a Lei de Ação Civil Pública numa lei geral de processo coletivo. Foram três ou quatro meses de trabalhos intensos que culminou na nova lei de ação civil pública. O trabalho foi concluído e foi encaminhado ao congresso e já é um projeto de lei 5139/09. E você vai ouvir falar muito nele. Agora a briga agora é política. Essa é a parte histórica do processo coletivo no Brasil. 3. Onda da Efetividade do Processo – Sobre essa última onda renovatória não há quase consideração a ser feita. Estamos vivendo essa nova onda neste momento: súmula vinculante, repercussão geral, nova lei de execução, tudo para aperfeiçoar a sistema, para que ele se torne mais eficiente, mais eficaz. 2. NATUREZA DOS DIREITOS METAINDIVIDUAIS A natureza dos direitos metaindividuais é extremamente simples de ser entendida. Sempre que você estuda Geral do Direito você sabe que a suma divisio se dá entre Direito Público e Direito Privado. Mas hoje você tem direito público com influência privada e direito privado com influência pública. Ou você nega que o direito civil tem, cada vez mais, influência das normas de ordem pública? O que é a função social da propriedade? Não é um conceito de direito público? Enfim, essa classificação se mostra cada vez mais artificial, notadamente quando se quer classificar os interesses metaindividuais entre o público e o privado. Esses interesses pertencem a que ramo do direito, afinal de contas? Se você fizer todo o esforço do mundo, vai verificar que os interesses metaindividuais têm uma carga muito grande de interesse social, o que levaria a uma conclusão que eles se aproximam mais do direito público. Só que, ao mesmo tempo, o processo coletivo não necessariamente envolve o Poder Público. Basta lembrar uma associação de defesa do meio ambiente que ajuíza uma ACP. O que o Estado tem a ver com isso? Depois de muito debater, a doutrina chegou à conclusão de que não dá para classificar os direitos metaindividuais entre o público e o privado. E chegaram a uma primeira conclusão. Se for para classificar, isso tem que acontecer entre o público, o privado e o metaindividual. Seria o direito metaindividual uma mistura entre público e privado. Existem alguns autores, entretanto, entre eles o promotor Gregório Assagara, de MG, que, ao invés de dividir entre público e privado e metaindividual, eles dizem que tem que vir uma nova suma divisio entre os ramos do direito, já que a divisão entre público e privado está superada. Portanto, deveria vir uma nova suma divisio entre os ramos do direito. De acordo com Assagara, com Mancuso, a suma divisio agora seria entre individual e metaindividual. E, com isso, os problemas estariam acabados. Isso é mais fácil mesmo do que entre público e privado. 3. CLASSIFICAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO Eu vou trabalhar as classificações mais interessantes. Não todas. 3.1. O processo coletivo quanto aos sujeitos • Processo coletivo ativo • Processo coletivo passivo O ativo não tem segredo nenhum. É aquele cuja titularidade da ação é da coletividade. Quem ajuíza a ação é alguém que representa a coletividade. Praticamente, todas as ações coletivas são ativas. O MP defende os interesses da coletividade do ponto de vista ativo. Uma associação de defesa dos consumidores, para obstar a propaganda enganosa, pode ser a autora da ação. A grande discussão que nós temos na academia e na prática é quanto à ação coletiva passiva que seria aquela em que a coletividade é ré. Ou seja, entrariam uma ação contra nós. Será que isso existe? Existem duas 5
  • 6. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO posições absolutamente opostas na doutrina sobre a existência de ação coletiva passiva, que é essa em que a coletividade é ré. 1ª Corrente: Dinamarco – Não existe ação coletiva passiva porque não há lei falando sobre isso. 2ª Corrente: Ada Pelegrini – Ela sustenta que existe processo coletivo passivo simplesmente por um argumento natural. Apesar de não haver previsão legal, a sua existência decorre do sistema. A exceção de pré-executividade, por exemplo, não existe na lei. Mas existe porque é algo que decorre do próprio sistema. E eu gostaria de te provar que existe processo coletivo passivo através de alguns exemplos. Ações coletivas ajuizadas pelo MPT para evitar greve de metrô é um exemplo. Aqui, o processo é ativo também porque a coletividade é defendida do ponto de vista ativo. Mas é ativo e passivo porque quem é réu é uma coletividade determinada, ou seja, os metroviários. Outro exemplo: o MPF ajuíza ação para impedir greve da PF. É o mesmo raciocino. Existe uma coletividade ativa que somos, nós, defendidos, e existe uma coletividade passiva, que são os policiais federais. Qual o único problema, entretanto, de se admitir a ação coletiva passiva? Eu concordo com a Ada. Tem ação coletiva passiva e a prática já demonstra. Mas qual é o grande problema da ação coletiva passiva? É definir quem representa a coletividade passiva. O grande problema da ação coletiva passiva, à míngua de previsão legal, é definir quem representa a coletividade ré. Nos dois exemplos que eu dei, geralmente, quem representa é a associação dos servidores, o sindicato. Mas há hipóteses em que a coletividade não tem representação. Imagine que um grupo de pescadores invadiu uma área de reserva. Você quer tirar os caras de lá mas não há um órgão que os represente. No caso da greve de metrô, tem um monte de metroviário que não é sindicalizado. O sindicato poderia representá-los? Exatamente para facilitar esse estudo, estou passando para vocês um material de aula sobre ação coletiva passiva (o troço é longo, mas me pareceu interessante, portanto, taí): 1. Nota introdutória. O processo coletivo passivo é um dos temas menos versados nos estudos sobre a tutela jurisdicional coletiva, que costumam concentrar-se na definição das situações jurídicas coletivas ativas(direitos difusos, direitos coletivos e direitos individuais homogêneos), no exame da legitimidade ad causam e do regime jurídico da coisa julgada. Sobre o processo coletivo passivo, a escassez de produção doutrinária é ainda mais grave: os ensaios e livros publicados costumam restringir a abordagem apenas à análise da legitimidade e da coisa julgada. Nada se fala sobre outros aspectos do processo coletivo sobre os aspectos substanciais da tutela jurisdicional coletiva passiva. Esse ensaio tem o objetivo de contribuir para o desenvolvimento teórico dessa questão: a definição do objeto litigioso do processo coletivo passivo. Destaca-se, assim, a investigação sobre quais são as situações jurídicas substanciais objeto de um processo coletivo passivo. Após do desenvolvimento da categoria “situações jurídicas coletivas passivas” será mais fácil compreender a finalidade e a utilidade do o processo coletivo passivo, para que, então, se possa preparar uma legislação processual adequada ao tratamento desse fenômeno. 2. Ação coletiva ativa e situações jurídicas coletivas ativas. A ação coletiva ativa é a demanda pela qual se afirma a existência de um direito coletivo lato sensu (uma situação jurídica coletiva ativa) e se busca a certificação, a efetivação ou a proteção a esse direito. Denominam-se direitos coletivos lato sensu os direitos coletivos entendidos como gênero, dos quais são espécies: os direitos difusos, os direitos coletivos stricto sensu e os direitos individuais homogêneos. Em conhecida sistematização doutrinária, haveria os direitos/interesses essencialmente coletivos (difusos e coletivos em sentido estrito) e os direitos acidentalmente coletivos (individuais homogêneos). Reputam-se direitos difusos aqueles transindividuais (metaindividuais, supraindividuais), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), pertencente a uma coletividade composta por pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminabilidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstâncias de fato. Assim, por exemplo, são direitos difusos o direito à proteção ambiental, o direito à publicidade não-enganosa, o direito à preservação da moralidade administrativa etc. Os direitos coletivos stricto sensu são os direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas indeterminadas, mas determináveis, ligadas entre si, ou com a parte contrária, por uma relação 6
  • 7. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO jurídica base. Essa relação jurídica base pode dar-se entre os membros do grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a “parte contrária”. No primeiro caso temos os advogados inscritos no conselho profissional (ou qualquer associação de profissionais); no segundo, os contribuintes de determinado imposto. Os primeiros ligados ao órgão de classe, configurando-se como “classe de pessoas” (advogados); os segundos ligados ao ente estatal responsável pela tributação, configurando-se como “grupo de pessoas” (contribuintes). Cabe ressalvar que a relação-base necessita ser anterior à lesão. A relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária, e.g., contribuintes de um mesmo tributo, estudantes de uma mesma escola, contratantes de seguro com um mesmo tipo de seguro etc. No caso da publicidade enganosa, a “ligação” com a parte contrária também ocorre, só que em razão da lesão e não de vínculo precedente, o que a configura como direito difuso e não coletivo stricto sensu (propriamente dito). Os direitos individuais homogêneos são aqueles direitos individuais decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos em conseqüência da própria lesão ou ameaça de lesão, em que a relação jurídica entre as partes é post factum (fato lesivo). Não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais. O que esses direitos têm em comum é a procedência, a gênese na conduta comissiva ou omissiva da parte contrária, questões de direito ou de fato que lhes conferem características de homogeneidade, a revelar, assim, a prevalência de questões comuns e superioridade na tutela coletiva. Os direitos individuais homogêneos é uma ficção jurídica, “criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada”. O fato de ser possível determinar individualmente os lesados não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em relação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado) nas ações individuais. É evidente a vantagem do tratamento unitário das pretensões em conjunto, para obtenção de um provimento genérico. Como bem anotou Antonio Gidi as ações coletivas garantem três objetivos: proporcionar economia processual, acesso à justiça e a aplicação voluntária e autoritativa do direito material. Observe-se que uma característica marcante dos direitos coletivos em sentido amplo é exatamente a sua titularidade: eles pertencem a uma coletividade, a um grupo. Trata-se de direitos com titulares coletivos. Muito conveniente é a menção ao parágrafo único do art. 1º da Lei antitruste brasileira (Lei Federal n. 8.884/1994), que regula a proteção contra o abuso de concorrência: “A coletividade é a titular dos bens jurídicos protegidos por esta Lei”. Eis o panorama conceitual das situações jurídicas coletivas ativas, objeto das ações coletivas ativas. 3. Conceito e classificação das ações coletivas passivas. As situações jurídicas passivas coletivas: deveres e estados de sujeição difusos e individuais homogêneos. Há ação coletiva passiva quando um agrupamento humano é colocado como sujeito passivo de uma relação jurídica afirmada na petição inicial. Formula-se demanda contra uma dada coletividade. Os direitos afirmados pelo autor da demanda coletiva podem ser individuais ou coletivos (lato sensu) — nessa última hipótese, há uma ação duplamente coletiva, pois o conflito de interesses envolve duas comunidades distintas. Seguindo o regime jurídico de toda ação coletiva, exige-se para a admissibilidade da ação coletiva passiva que a demanda seja proposta contra um “representante adequado” (legitimado extraordinário para a defesa de uma situação jurídica coletiva) e que a causa se revista de “interesse social”. Neste aspecto, portanto, nada há de peculiar na ação coletiva passiva. O que torna a ação coletiva passiva digna de um tratamento diferenciado é a circunstância de a situação jurídica titularizada pela coletividade ser uma situação jurídica passiva. A demanda é dirigida contra uma coletividade, que é o sujeito de uma situação jurídica passiva (um dever ou um estado de sujeição, por exemplo). Da mesma forma que a coletividade pode ser titular de direitos (situação jurídica ativa, examinado no item precedente), ela também pode ser titular de um dever ou um estado de sujeição (situações jurídicas passivas). É preciso desenvolver dogmaticamente a categoria das situações jurídicas coletivas passivas: deveres e estado de sujeição coletivos. O conceito dessas situações jurídicas deverá ser extraído dos conceitos dos “direitos”, aplicados em sentido inverso: deveres e estados de sujeição indivisíveis e deveres e estados de sujeição individuais homogêneos (indivisíveis para fins de tutela, mas individualizáveis em sede de execução ou cumprimento). Há, pois, situações jurídicas coletivas ativas e passivas. Essas situações relacionam-se entre si e com as situações individuais. 7
  • 8. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Um direito coletivo pode estar relacionado a uma situação passiva individual (p. ex.: o direito coletivo de exigir que uma determinada empresa proceda à correção de sua publicidade). Um direito individual pode estar relacionado a uma situação jurídica passiva coletiva (p. ex.: o direito do titular de uma patente impedir a sua reiterada violação por um grupo de empresas). Um direito coletivo pode estar relacionado, finalmente, a uma situação jurídica coletiva (p. ex.: o direito de uma categoria de trabalhadores a que determinada categoria de empregadores reajuste o salário-base). Haverá uma ação coletiva passiva, portanto, em toda demanda onde estiver em discussão uma situação coletiva passiva. Seja como correlata a um direito individual, seja como correlata a um direito coletivo. Mas isso não é o bastante para apresentar o tema. A ação coletiva passiva pode ser classificada em original ou derivada. Ação coletiva passiva original é a que dá início a um processo coletivo, sem qualquer vinculação a um processo anterior. Ação coletiva passiva derivada é aquela que decorre de um processo coletivo “ativo” anterior e é proposta pelo réu desse processo, como a ação de rescisão da sentença coletiva e a ação cautelar incidental a um processo coletivo. A classificação é importante, pois nas ações coletivas passivas derivadas não haverá problema na identificação do “representante adequado”, que será aquele legitimado que propôs a ação coletiva de onde ela se originou. De fato, um dos principais problemas da ação coletiva passiva é a identificação do “representante adequado”, o que levou Antonio Gidi a defender que “para garantir a adequação da representação de todos os interesses em jogo, seria recomendável que a ação coletiva passiva fosse proposta contra o maior número possível de associações conhecidas que congregassem os membros do grupo-réu. As associações eventualmente excluídas da ação deveriam ser notificadas e poderiam intervir como assistentes litisconsorciais”. Em tese, qualquer um dos possíveis legitimados à tutela coletiva poderá ter, também, legitimação extraordinária passiva. Imprescindível, no particular, o controle jurisdicional da “representação adequada”, conforme já defendido alhures pelos autores deste artigo. Neste aspecto, merece crítica a proposta de Antonio Gidi de Código para processos coletivos em países de direito escrito (CM-GIDI), que restringe, parcialmente, a legitimação coletiva passiva às associações. Eis o texto da proposta de Gidi: “A ação coletiva poderá ser proposta contra os membros de um grupo de pessoas, representados por associação que os congregue”. Em uma ação coletiva passiva derivada de uma ação coletiva proposta pelo Ministério Público, o réu será esse mesmo Ministério Público. A melhor solução é manter o rol dos legitimados em tese para a proteção das situações jurídicas coletivas e deixar ao órgão jurisdicional o controle in concreto da adequação da representação. 4. Exemplos de ações coletivas passivas Alguns exemplos podem ser úteis à compreensão do tema. Os litígios trabalhistas coletivos são objetos de processos duplamente coletivos: em cada um dos pólos, conduzidos pelos sindicatos das categorias profissionais (empregador e empregado), discutem-se situações jurídicas coletivas. No direito brasileiro, inclusive, podem ser considerados como os primeiros exemplos de ação coletiva passiva. No foro brasileiro, têm surgido diversos exemplos de ação coletiva passiva. Em 2004, em razão da greve nacional dos policiais federais, o Governo Federal ingressou com demanda judicial contra a Federação Nacional dos Policiais Federais e o Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, pleiteando o retorno das atividades. Trata-se, induvidosamente, de uma ação coletiva passiva, pois a categoria “policial federal” encontrava-se como sujeito passivo da relação jurídica deduzida em juízo: afirmava-se que a categoria tinha o dever coletivo de voltar ao trabalho. Desde então, sempre que há greve, o empregador que se sente prejudicado e que reputa a greve injusta vai ao Judiciário pleitear o retorno da categoria de trabalhadores ao serviço. Há notícia de ação coletiva proposta contra o sindicato de revendedores de combustível, em que se pediu uma adequação dos preços a limites máximos de lucro, como forma de proteção da concorrência e dos consumidores. Em 2008, alunos da Universidade de Brasília invadiram o prédio da Reitoria, reivindicando a renúncia do Reitor, que estava sendo acusado de irregularidades. A Universidade ingressou em juízo, pleiteando a proteção possessória do seu bem. Trata-se de ação coletiva passiva: propõe-se a demanda em face de uma coletividade de praticantes de ilícitos. A Universidade afirma possuir direitos individuais contra cada um dos invasores, que teriam, portanto, deveres individuais homogêneos. Em vez de propor uma ação possessória contra cada aluno, “coletivizou” o conflito, reunindo os diversos “deveres” em uma ação coletiva passiva. A demanda foi proposta contra o órgão de representação estudantil (Diretório Central dos Estudantes), considerado, corretamente, como o “representante adequado” do grupo. Neste caso, está diante de uma pretensão formulada contra deveres individuais homogêneos: o comportamento ilícito imputado a todos os envolvidos possui origem comum. Em vez de coletividade de vítimas, como se costuma referir aos titulares dos direitos individuais homogêneos, tem-se aqui uma coletividade de autores de ato ilícito. 8
  • 9. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Antonio Gidi traz outros exemplos: “...a ação coletiva poderá ser utilizada quando todos os estudantes de uma cidade ou de um Estado tiverem uma pretensão contra todas as escolas, cada um desses grupos sendo representado por uma associação que os reúna. Igualmente, ações coletivas poderão ser propostas contra lojas, cartórios, órgãos públicos, planos de seguro-saúde, prisões, fábricas, cidades etc., em benefício de consumidores, prisioneiros, empregados, contribuintes de impostos ou taxas ou mesmo em benefício do meio ambiente”. Pedro Dinamarco traz exemplos de ações coletivas passivas declaratórias: a) ação declaratória, proposta por empresa, para reconhecer a regularidade ambiental do seu projeto: de um lado, se ganhasse, evitaria futura ação coletiva contra ela, de outro, se perdesse, desistiria de implantar o projeto, economizando dinheiro e não prejudicando o meio-ambiente; b) ação declaratória, proposta por empresa que se vale de contrato de adesão, com o objetivo de reconhecer a licitude de suas cláusulas contratuais. Embora seja possível imaginar demandas coletivas passivas declaratórias negativas (p. ex.: declarar a inexistência de um dever coletivo), não é disso que tratam os exemplos de Pedro Dinamarco. Nos casos citados, temos uma ação coletiva ativa reversa. Busca-se a declaração de que não existe uma situação jurídica coletiva ativa (inexistência de um direito pela ausência de poluição ambiental, por exemplo). Não se afirma a existência de uma situação jurídica coletiva passiva, como acontece em ações coletivas passivas declaratórias positivas, constitutivas ou condenatórias. Não basta dizer, como pioneiramente fez Antonio Gidi, que tais ações são inadmissíveis por falta de interesse de agir ou dificuldade na identificação do legitimado passivo, embora a lição seja correta. É preciso ir além: rigorosamente, não são ações coletivas passivas. Para que haja ação coletiva passiva, é preciso, como dito, que uma situação jurídica coletiva passiva seja afirmada, o que não ocorre nesses exemplos. E mais: é preciso reconhecer, como em qualquer ação coletiva, uma potencial vantagem ao interesse público, sem o que as demandas passam a ser meramente individuais (o que legitima a ficção jurídica “direitos individuais homogêneos” é a particular circunstância da presença do interesse público na sua tutela, que ficaria prejudicado em face de uma tutela fragmentada e individual). Isso não significa que não haja ação coletiva passiva declaratória. No âmbito trabalhista, por exemplo, cogita-se da ação declaratória para certificação da correta interpretação de um acordo coletivo, em que são fixadas as situações jurídicas coletivas ativas e passivas. Há ainda a possibilidade de utilização da ação coletiva passiva para efetivar a chamada responsabilidade anônima ou coletiva, “em que se permite a responsabilização do grupo caso o ato gerador da lesão tenha sido ocasionado pela união de pessoas, sendo impossível individualizar o autor ou os autores específicos do dano”. No exemplo da invasão do prédio da Universidade, além da ação de reintegração de posse, seria possível manejar ação de indenização pelos prejuízos eventualmente sofridos contra o grupo, acaso não fosse possível a identificação dos causadores do dano. Na demanda, o autor afirmaria a existência de um de dever de indenizar, cujo sujeito passivo é o grupo. Diogo Maia menciona o exemplo de uma ação coletiva ajuizada contra os comerciantes de uma cidade, acusados de utilização indevida das calçadas para a exposição dos produtos. Trata-se de um claro exemplo de ilícitos individuais homogêneos, que geram deveres individuais homogêneos. Ainda é possível cogitar de uma ação coletiva proposta contra uma comunidade indígena, que esteja, por exemplo, sendo acusada de impedir o acesso a um determinado espaço público. A tribo é a titular do dever coletivo difuso de não impedir o acesso ao espaço público. A comunidade indígena é, ainda, a legitimada a estar em juízo na defesa dessa acusação. Não se trata de uma pessoa jurídica. É um grupo humano. Trata-se de caso raro, talvez único, de legitimação coletiva ordinária, pois o titular da situação jurídica coletiva é, também, o legitimado a defendê-la em juízo. Com relação ao objeto, o Judiciário deverá analisar se se trata de uma legítima manifestação política, pacífica e organizada, ou de um ato ilícito, gerador de deveres individuais homogêneos. Aqui faz muito sentido insistir na necessidade de certificação da demanda como uma ação coletiva, o juiz poderá indeferir liminarmente pretensões que não sejam escoradas em deveres coletivos. 5. Consideração final No Brasil, um dos principais argumentos contra a ação coletiva passiva é a inexistência de texto legislativo expresso. Sucede que a permissão da ação coletiva passiva é decorrência do princípio do acesso à justiça (nenhuma pretensão pode ser 9
  • 10. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO afastada da apreciação do Poder Judiciário). Não admitir a ação coletiva passiva é negar o direito fundamental de ação àquele que contra um grupo pretende exercer algum direito: ele teria garantido o direito constitucional de defesa, mas não poderia demandar. Negar a possibilidade de ação coletiva passiva é, ainda, fechar os olhos para a realidade: os conflitos de interesses podem envolver particular-particular, particular-grupo e grupo-grupo. Na sociedade de massas, há conflitos de massa e conflitos entre massas. A inexistência de texto legal expresso que confira legitimação coletiva passiva não parece obstáculo intransponível. A atribuição de legitimação extraordinária não precisa constar de texto expresso, bastando que se a retire do sistema jurídico. A partir do momento em que não se proíbe o ajuizamento de ação rescisória, cautelar incidental ou qualquer outra ação de impugnação pelo réu de ação coletiva ativa, admite-se, implicitamente, que algum sujeito responderá pela coletividade, ou seja, admite-se a ação coletiva passiva. 3.2. O processo coletivo quanto ao objeto • Processo coletivo especial • Processo coletivo comum Processo coletivo especial é o das ações de controle abstrato de constitucionalidade. São as ADI’s, ADPF’s, ADECON’s. Ninguém encara dessa maneira, mas vocês têm que encarar. Você não pode negar que essas ações são coletivas e tanto é assim que o que fica decidido nelas, vale para todo mundo. Portanto, não há como negar que são ações coletivas, só que não são estudadas no âmbito do processo coletivo. Geralmente, isso é estudado no direito constitucional e não no direito processual. Mas o que interessa para o nosso estudo é o processo coletivo comum, que engloba todas as ações para a tutela dos interesses metaindividuais que não se relacionam ao controle de constitucionalidade. É um conceito por negação. A ação coletiva comum é conceituada através da negação do que é a coletiva especial. Ação coletiva comum é toda aquela que não é dirigida ao controle abstrato de constitucionalidade. O foco do estudo do processo coletivo está aqui, no processo coletivo comum. E quais são os representantes do processo coletivo comum? Vou citar pela ordem de importância: a) Ação Civil Pública b) Ação Coletiva* (para os que adotam) c) AIA – Ação de Improbidade Administrativa d) AP – Ação Popular e) Mandado de Segurança Coletivo *Existem alguns autores que chamam de ação coletiva a ACP fundada no CDC. Já há outros autores (entre os quais eu me incluo) que usam ação coletiva para tudo, porque não há diferença entre ela e a ACP. A única diferença é que uma é fundada no CDC e a outra, no resto do sistema. Então, essa é uma briga besta. Até porque no projeto do código vão acabar com essa distinção. Vai ser tudo ACP. Mas não estressa com isso. Se o examinador colocar “na ação coletiva e na ACP a cosia julgada é”, ele está apenas colocando a posição dos diferentes autores. Mas se ele só falar em ACP ou ação coletiva, você vai saber que, para ele, não há diferença alguma. E não há mesmo. Aqui é apenas uma questão de nomenclatura. Quando eu falar em ação coletiva, estou me referindo a todas porque para mim é gênero que engloba todas as outras. Mas há os que entendem que ação coletiva é a ação civil pública do CDC. 4. PRINCIPAIS PRINCÍPIOS DE DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM “Comum” para evitar que você pense que se aplicam aos procedimentos coletivos especiais. Aqui, eu vou trabalhar só os principais. Tem que autor que fala em quarenta, mas eu vou falar em dez. Em momento algum, a existência desses princípios afasta os princípios constitucionais do processo que também se aplicam ao processo coletivo. 10
  • 11. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO (Intervalo – 01:27:00) 4.1. Princípio da Indisponibilidade Mitigada da Ação Coletiva Tem previsão no art. 9.º, da Lei de Ação Popular e de forma melhor ainda, no art. 5º, § 3º, da Lei de ACP. LAP - Art. 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no Art. 7º, II, ficando assegurado a qualquer cidadão bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação. LACP - § 3º - Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. O objeto do processo coletivo não pertence a quem ajuíza a ação. A tutela é de um direito cuja titularidade seja indeterminada (Cappelletti e outro), atribuindo-se a alguém a função de defender esse direito, que é o caso do MP, Defensoria, Associações. Então, o objeto do processo coletivo não pertence ao autor, mas à coletividade. Desse modo, esse princípio estabelece que o autor da ação coletiva não pode simplesmente desistir da ação. No processo individual, se eu desisto da ação, o juiz extingue. No processo coletivo, o autor não pode desistir da ação. Mas se desistir, não haverá extinção, mas sim, sucessão processual. E o motivo é que o objeto da ação coletiva não pertence a ele, mas à coletividade. E a consequência, não é a extinção, mas a sucessão processual. É o que diz o § 3º, art. 5º, da Lei de ACP. Outros legitimados são chamados à suceder. Por que indisponibilidade “mitigada”? O motivo está na palavra “infundada” do § 3º. É possível a desistência fundada. A infundada não é possível. Traduzindo, significa dizer que pode acontecer, em algumas circunstâncias de ser admitida a desistência. Em que hipótese isso acontecerá? No caso de haver um motivo. Sem motivo, sucessão. Com motivo, extinção do processo. Eu tive uma ACP que objetivava que uma empresa que produzia parafusos fizesse uma proteção acústica porque naquele bairro ninguém dormia, ninguém tinha paz. No meio do processo, a empresa faliu e parou de funcionar. O promotor, nesse caso, desistiu. E, sendo assim, homologa-se a desistência. 4.2. Princípio da Indisponibilidade da Execução Coletiva Tem previsão nos arts. 15 da LACP e no art. 16, da LAP: LACP Art. 15 - Decorridos 60 (sessenta) dias do trânsito em julgado da sentença condenatória, sem que a associação autora lhe promova a execução, deverá fazê- lo o Ministério Público, facultada igual iniciativa aos demais legitimados. LAP Art. 16 - Caso decorridos 60 (sessenta) dias de publicação da sentença condenatória de segunda instância, sem que o autor ou terceiro promova a respectiva execução, o representante do Ministério Público a promoverá nos 30 (trinta) dias seguintes, sob pena de falta grave. Você vê que, uma vez obtida a condenação do réu a determinada obrigação, é obrigatória a execução da sentença caso não haja cumprimento. E para o réu, tanto é assim, que o art. 15, da Lei de Ação Civil Pública diz que se em 60 dias o autor não executa a sentença, qualquer legitimado pode executar. E caso ninguém execute, o MP deverá executar. 11
  • 12. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO E qual é o motivo desse princípio? Para evitar a corrupção. Se uma pessoa é condenada a reparar o dano ambiental ou devolver determinada quantia para os cofres públicos, transita em julgado a sentença, o violador do direito pode oferecer dinheiro em troca da não-execução da sentença. Não adianta. Se ele não executar, vai outro e executa no lugar dele. Está certo que aqui não há a palavra mitigada. Aqui, sempre vai ter que executar, sem exceção. 4.3. Princípio do Interesse Jurisdicional no Conhecimento do Mérito Na minha opinião, esse princípio tinha que ser de todo o processo civil, mas ele é especialmente forjado para o processo coletivo. Esse princípio, diferentemente dos outros dois, não tem previsão legal. É meramente interpretativo. Esse princípio basicamente estabelece que a aplicação do art. 267, do CPC, deve ser sempre evitada. Deve-se evitar ao máximo a extinção do processo sem julgamento do mérito por um motivo muito simples, porque essa extinção não resolve o conflito. E, neste caso, o conflito não é um conflito que atinja apenas uma pessoa, mas de magnitude extraordinária. Como é um conflito que atinge muitas pessoas, o ideal é que o juiz faça tudo para não extinguir o processo sem julgamento do mérito. Um exemplo: o indivíduo entra com uma ação popular. O legitimado, nesse caso, é o cidadão, ou seja, tem que estar no gozo dos direitos políticos. Na metade do processo, ele é condenado criminalmente com trânsito em julgado. E você sabe que um dos efeitos da condenação penal, previsto na CF, é a suspensão dos direitos políticos. Automaticamente, aquele cara que era parte legítima, se tornou parte ilegítima. Se fosse um processo individual, seria extinto sem julgamento do mérito ante a ilegitimidade superveniente. Mas o juiz deve convidar outros cidadãos para assumir a titularidade ativa, evitando, assim, a extinção do processo. 4.4. Princípio da Prioridade na Tramitação Esse também é um princípio sem previsão legal expressa. Na nova lei de ação civil pública, vai ter, mas não há. A própria nomenclatura é óbvia. O processo coletivo tem que ter andamento preferencial por um motivo simples: porque ele atende a um número maior de pessoas. Por isso, ele passa na frente da pilha. 4.5. Princípio do Máximo Benefício da Tutela Jurisdicional Coletiva Isso é muito legal. Tem previsão nos arts. 103, §§ 3º e 4º, do CDC: § 3º - Os efeitos da coisa julgada de que cuida o Art. 16, combinado com o Art. 13 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, não prejudicarão as ações de indenização por danos pessoalmente sofridos, propostas individualmente ou na forma prevista neste Código, mas, se procedente o pedido, beneficiarão as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação e à execução, nos termos dos artigos 96 a 99. § 4º - Aplica-se o disposto no parágrafo anterior à sentença penal condenatória. O nosso sistema fez uma opção de risco e que causa muitos problemas práticos, mas, atualmente, a opção do sistema é essa. O sistema estabeleceu que a coisa julgada coletiva, quer dizer, a decisão do processo coletivo só beneficia o indivíduo, nunca prejudica. Isso significa que, se vem uma ação coletiva para discutir o índice da poupança do mês de março de 1990, de 32%, para que todos os poupadores de determinado banco tenham essa correção. Se o juiz da ação coletiva julga improcedente a ação, o tribunal mantém a improcedência, e essa improcedência transita em julgado, isso significa que a ação coletiva foi improcedente. Isso não prejudica e permite entrar com a ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Do contrário, se eventualmente ganha a coletiva, não é necessário entrar com a ação individual. Apenas me beneficio da coisa julgada coletiva. Por ora, para entender o que é o princípio, basta saber que o sistema brasileiro adota a máxima utilidade, ou seja, a coisa julgada nunca prejudica o indivíduo. 12
  • 13. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO E esse fenômeno processual que faz com que o indivíduo se beneficie da coisa julgada coletiva, tem um nome em latim, que eu gostaria que você anotasse. A doutrina chama de: transporte in utilibus da coisa julgada coletiva. É a possibilidade de a coisa julgada benéfica ser trazida em favor da parte. Aqui está o grande problema do processo coletivo brasileiro. E esse é só um comentário crítica que não precisa anotar. A ACP tramita pela primeira, segunda instância, passa pelo STJ e chega até o STF que decide que eu não tenho o índice de 32%. Em vez de isso pacificar, graças a esse sistema, qualquer indivíduo pode ajuizar uma ação individual para discutir exatamente a mesma coisa. Ou seja, o processo coletivo que veio para potencializar a atividade do Judiciário acaba não servindo para absolutamente nada porque acaba tendo que julgar 3 milhões de ações para discutir exatamente a mesma coisa. Por isso, na nova lei, a comissão entendeu por adotar um sistema diferente: a coisa julgada, se for matéria unicamente de direito, vai ser pro et contra. Pega todo mundo. Se você não confia no autor, você tem até a sentença da coletiva a possibilidade de pedir para você ficar fora daquela coisa julgada. Se a pessoa vem e diz que não quer a coisa julgada coletiva, você dará a ela o direito de tocar a ação por si. Do contrário, vai ter que aceitar. O sistema hoje é melhor para a parte. Mas vai melhorar para o sistema, inclusive para os advogados. 4.6. Princípio Máxima Efetividade do Processo Coletivo ou do Ativismo Judicial Esse princípio, que também não tem previsão legal expressa e é decorrente do sistema, descaradamente foi copiado do modelo americano, de algo que eles chamam de defining function. Lá se fala que o juiz, diante do processo coletivo, tem poderes extravagantes, tem funções extraordinárias, funções que superam os limites daquilo que existe no processo individual. No processo coletivo, ele parte de um ativismo judicial, de uma posição proativa que, em princípio, ele não tem no processo individual. O juiz busca a máxima efetividade e toma atitudes heterodoxas para poder decidir a respeito, daí falar-se em ativismo judicial. Quando se fala nesse princípio, na verdade, isso tem que representar para você, quatro ideias. São quatro atitudes que o juiz pode tomar no processo coletivo e que no processo individual ele não pode. a) Instruir o processo de forma mais acentuada do que o processo individual – esse é o primeiro “poder” do juiz. O juiz tem poderes instrutórios mais acentuados do que no processo individual. O juiz pode determinar a produção de provas de maneira mais incisiva do que no processo individual. Por exemplo, se ele perceber a inércia probatória das partes, ele pode, oficiosamente, determinar perícia, determinar a produção de provas que, sequer foi cogitada pelas partes. b) Flexibilização procedimental – É a segunda atitude que o juiz no processo coletivo pode ter e que não cabe no processo individual. A flexibilização procedimental permite que o juiz, no âmbito do processo coletivo adapte o instrumento ao direito material em debate. Como ele faz isso? Vou dar um exemplo: ampliando prazos. O CPC estabelece que no processo individual, a parte tem prazo de 10 dias para apresentar réplica. O juiz no processo coletivo pode flexibilizar esse prazo para 30 dias dependendo da complexidade do caso. Se ele percebe que faltou um litisconsórcio necessário, haverá flexibilização do procedimento, junto com aquela regra do interesse jurisdicional do conhecimento do mérito. Essa mesma situação, no processo individual, ensejaria a extinção do processo. Aqui, então, ele cita o litisconsórcio necessário que não estava no processo, dá para o cara o direito de defesa e de produzir prova e faz seguir o processo. Também cabe aqui a inversão de atos processuais. Tudo isso pode ser feito no processo coletivo e não pode, a princípio, ser feito no processo individual. c) Possibilidade de o juiz desvincular-se do pedido ou da causa de pedir – Esse poder do juiz é altamente discutível. Em outros termos, significa dizer que o juiz, nesse poder, pode permitir a alteração dos elementos da demanda após o saneamento do processo. O art. 264, do CPC, proíbe expressamente que depois do saneamento se altere o pedido ou a causa de pedir. Mas isso é processo individual. Se você aplicar isso aqui, se ferra porque no processo coletivo, a defining function (ativismo judicial) permite que o juiz autorize a alteração do pedido e da causa de pedir garantindo ao réu o direito defesa, contraditório e tudo o mais. Mas ele pode aproveitar o processo, mesmo que o pedido e a causa de pedir estejam equivocados. Eu tive na 13
  • 14. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO minha carreira um caso emblemático da aplicação dessa hipótese de defining function. Eu sempre conto esse exemplo para você perceber que o processo coletivo para você perceber que o processo coletivo tem uma nuance diferente do processo individual. O promotor entrou com uma ACP de reparação de danos contra o prefeito sob o fundamento de que no mês de março/99 teria dado um rombo nos cofres da prefeitura. Foi preciso fazer perícia na contabilidade da prefeitura. Descobriu-se que não havia absolutamente nenhum superfaturamento e nenhum desvio de verba. Estava tudo bonitinho. Eu teria que julgar improcedente a ação. Só que nas contas da perícia foi descoberto que o cara não repassou determinada verba, que era gigantesca, para a educação do município. E, pela lei, sobre o ato incidiam sanções e, entre elas, a devolução do dinheiro que não foi aplicado. O promotor, espertamente, pediu para mudar a causa de pedir: “eu quero que ele devolva, não por causa do desvio, mas por causa da não aplicação da verba de forma adequada.” Eu admiti a alteração da causa de pedir. Foi preciso produzir novas provas, formular novos quesitos ao perito para julgar o processo. Qual é a vantagem disso é que eu teria que julgar a ação improcedente, caso não considerasse a possibilidade de alteração. E aí o MP teria que entrar com uma nova ação, com prejuízo ao erário, que já tinha acontecido já que a perícia foi caríssima. d) Controle das políticas públicas – Cada vez mais o Judiciário está sendo chamado para resolver através dos processos coletivos o quê? Opções políticas da Administração. Por exemplo, determinar a construção de determinado hospital, de creche, aquisição de medicamentos. Todas essas são opções políticas que estão sendo tomadas pelo Judiciário através de ações coletivas. Sobreleva-se, dessa forma, um papel de ativismo judicial gigantesco e o processo coletivo tem que se prestar a essa finalidade. Eu, recentemente, tive uma ação civil pública de aumento de efetivo policial no município onde trabalho. O promotor encasquetou que tinha pouca polícia no município. Fez uma conta, umas análises e chegou à conclusão que tinha pouco efetivo. O Judiciário teve que interferir para aumentar o efetivo. Percebe a repercussão direta na política de segurança pública do Estado? Isso é ativismo judicial. 4.7. Princípio Máxima Amplitude ou da Atipicidade ou Não-taxatividade do Processo Coletivo – Art. 83, CDC Art. 83 - Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. É fácil entender esse princípio. De acordo com o CDC, para a defesa dos interesses metaindividuais, são admissíveis todas as espécies de ações capaz de providenciar a adequada tutela. Qualquer ação pode ser coletivizada! O que significa dizer que eu não tenho só, para tutelar processo coletivo, a ação civil pública, a ação popular. Eu posso ter , por exemplo, uma reintegração de posse coletiva, uma monitória coletiva, desde que o que esteja sendo discutido no processo sejam os interesses metaindividuais. Então, não fica com a cabeça fixa de que o processo coletivo é ação civil pública, popular e improbidade administrativa. Qualquer ação pode ser coletivizada. Acontece que o MP encasquetou que tudo o que é difuso e coletivo, ele tem que chamar de ação civil pública. Então, se eventualmente se trata de uma reintegração de posse para retirar um pessoal que invadiu uma área de reserva ambiental, ele entra com ação civil pública com pedido de recuperação de posse. Só que isso não é uma ação civil pública, mas uma ação de reintegração de posse coletivizada. A nomenclatura não muda nada. Causa confusões Vocês conhecem a discussão sobre se o MP pode entrar com a ACP para discutir direito de uma pessoa só (liberação de medicamento, por exemplo). O promotor tem legitimidade para isso porque o direito é indisponível. A ação é de obrigação de fazer, mas usa a ACP. E dando o nome de ação civil pública para tudo, não permite que se desenvolva esse princípio. Usa-se ACP para tudo, esquecendo que qualquer ação pode ser coletivizada. 4.8. Princípio da Ampla Divulgação da Demanda Tem previsão no art. 94, do CDC: 14
  • 15. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO Art. 94 - Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Aqui, mais uma vez, copiamos o sistema norteamericano, que eles chamam de fair notice. Pelo princípio da fair notice, que adotamos aqui com o nome de princípio da ampla divulgação da demanda, o fato é o seguinte: uma ação coletiva pode interessar a particular? Sem dúvida, que sim! Os particulares estão sofrendo danos individuais exatamente por conta do fato discutido na ação coletiva. Exatamente por isso, o estabelecido no art. 94. Ele estabelece que toda vez que haja uma ação coletiva, se promova uma ampla divulgação por edital. O problema é que isso não funciona. No projeto, isso virá melhorado: será feito via expediente que acesse diretamente a comunidade lesada. Você vai discutir numa ACP a questão de tarifa de energia elétrica. Os consumidores de energia elétrica são os interessados. Hoje, essa comunicação é feita por edital. No exemplo dado, pelo projeto, virá na conta, como forma de aviso: “existe uma ação civil pública discutindo que o índice tal está errado. Se você quiser, se habilitar, fique à vontade”. Se discute questão bancária, o aviso poderá vir no site do banco ou no extrato. Essa é a ideia. É trocar o edital por um meio de divulgação mais eficaz. 4.9. Princípio da Integratividade do Microssistema Processual Coletivo O que disciplina o processo coletivo no Brasil? Que lei é essa? Eu costumo dizer que a primeira coisa que você precisa ter para estudar processo coletivo no Brasil é uma mesa grande. Porque há mais de 15 leis que tratam de processo coletivo no Brasil. Exatamente por isso, que esse sistema que é composto por inúmeras leis, forma um microssistema. No centro do microssistema haverá sempre duas leis: uma é a Lei de Ação Civil Pública e a outra é o Código de Defesa do Consumidor. Essas duas leis têm aquilo que nós chamamos no processo de norma de reenvio. Se você olhar o art. 90, do CDC, ele fala assim: aplica-se a mim tudo o que está previsto na Lei de Ação Civil pública. Ele manda aplicar para ele tudo o que está na LACP. Aí você vai na Lei de Ação Civil Pública e lá encontra o art. 21 que fala assim: “aplica-se a mim tudo o que está previsto no CDC.” Ou seja, a Lei de Ação Civil Pública e o CDC compõem um núcleo de aplicação central, pois tudo o que existe em uma aplica-se na outra e vice-versa. E aí, você faz aquela constatação extremamente importante: eu posso aplicar o CDC numa ação civil pública ambiental. Claro que sim! “Mas não é consumidor, Gajardoni.” Não interessa!! É que como existe essa norma de reenvio, você aplica o CDC em ação ambiental. E pode, inclusive, aplica a inversão do ônus da prova, pois o sistema é integrado com norma de reenvio. Isso quer dizer que você pode ter uma ACP discutindo o direito do idoso, com base no Estatuto do Idoso e aplicar o CDC. É para aplicar! Exatamente porque se trata do núcleo central do processo coletivo. Como se isso não bastasse, e não basta, às vezes, o legislador tem disciplina específica para algumas determinadas ações. Então, por exemplo, tem previsão sobre ACP no ECA, tem previsão no Estatuto do Idoso, no Estatuto da Cidade, na Lei dos Deficientes, na Lei de Ação Popular, tem previsão na Lei de Improbidade Administrativa. Então, gravitando como planetas ao redor do sol, que é a ACP e o CDC, o ECA, o Estatuto do Idoso, o Estatuto da Cidade, a Lei dos Deficientes, a Lei de Ação Popular e a Lei de improbidade administrativa. Estatuto Lei de Ação da Cidade Popular Estatuto ACP do Idoso CDC Lei do Lei de Improbidade Deficientes Administrativa 15
  • 16. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO O nosso legislador diz que além do núcleo, também é possível haver a aplicação das normas específicas a respeito dos respectivos temas, de modo que esses diplomas constantemente vão trocar informações, permitindo-se, por exemplo, que na ação popular, aplique-se o CDC, que no Estatuto do Idosos aplique-se a Lei de ACP. Mais do que isso, nosso sistema diz que esse microssistema processual é um microssistema aberto. Isso significa que, além de se comunicar com o núcleo central, as leis também se comunicam entre si. E é assim que funciona o microssistema processual coletivo. Há um núcleo central que se comunica com as demais leis do sistema e depois essas leis passam a se comunicar entre si. Esse é o sistema processual aberto. Vou dar alguns exemplos, incluindo uma decisão dada recentemente pelo STJ, invocando esse sistema processual aberto, esse sistema da integratividade. Reexame necessário – Condição de eficácia da sentença consistente na necessidade de a sentença ser submetida a uma nova apreciação pelo tribunal. Não existe previsão na LACP para reexame necessário. Consideremos uma ACP ambiental. Eu vou ao microssistema: vejo que não há regra sobre reexame necessário nem na LACP e nem no CDC. Eu vou passear pelo microssistema buscando se há essa previsão. E, quando eu faço isso, automaticamente descubro que na LAP um dispositivo que estabelece que o reexame necessário é em favor do autor popular e não da Fazenda Pública. Qual a conclusão que o STJ chegou a partir desse raciocínio? Se a ACP é julgada improcedente, quem perde é a coletividade. Assim, por se tratar de um microssistema e pelo fato de a previsão do reexame necessário não constar a LACP, eu vou aplicá-lo mesmo assim, buscando o seu fundamento de validade na LAP. Portanto, o STJ está entendendo que na ACP, mesmo sem previsão legal, aplica-se o modelo de reexame necessário da LAP. Código de Processo Civil – Você não sentiu falta dele no microssistema aberto? O CPC NÃO compõe o microssistema processual coletivo. E se é assim, ele não tem aplicação integrativa. No caso do processo coletivo, a aplicação do CPC é apenas subsidiária. O CPC é só se faltar, se não tiver nada. Só depois que eu passar por todas as leis, se não houver previsão, aí, sim, eu vou ao CPC. 4.10. Princípio da Adequada Representação ou do Controle Judicial da Legitimação Coletiva Esse é o mais importante. Neste caso especifico, eu vou ditar porque esse ponto é confuso e complexo. Eu peço que vocês compreendam o que eu vou explicar e depois eu dito. Isso é muito interessante! Para você entender como funciona essa coisa da representação adequada, você tem que entender como copiamos mal do sistema norteamericano. No sistema norteamericano, de onde copiamos quase tudo, e copiamos mal, funciona da seguinte forma: qualquer pessoa pode propor ação coletiva nos EUA. Aqui, temos um rol predeterminado de pessoas que podem propor ação coletiva. Lá, qualquer um pode fazer isso. Só que, em contrapartida, o sistema norteamericano fala que o juiz é a pessoa que deve controlar se a pessoa representa adequadamente os interesses daquele grupo, daquela categoria. Você tem que entender que para uma pessoa entrar com uma ação coletiva ela tem que, no mínimo, ter condições de defender adequadamente aquele interesse que é de muitas pessoas. Então, o sistema norteamericano fala o seguinte: “juiz, qualquer pessoa pode entrar com uma ação coletiva, mas você controla a representação.” E como se verifica se a pessoa representa adequadamente os interesses que ela está postulando na ação? Isso é feito lá da seguinte forma: checando se a pessoa tem histórico, antecedente, na defesa dos interesses sociais. Verifica também se a pessoa faz parte ou representa o grupo de prejudicados. Ela poderia ser uma vítima de um dano ou receber uma autorização de todas as vítimas do dano para que representasse a todas em juízo. Eles exigem que a pessoa tenha dinheiro. No sistema norteamericano, se você não tem dinheiro, não entra com a ação. E processo coletivo é extremamente caro. E o juiz verifica, ainda, se o advogado é especializado em processo coletivo. Ou seja, o juiz faz um controle rigoroso da adequada representação. Se o autor da ação representa adequadamente os interesses daquela coletiva. Tem um filme com a Julia Roberts que trata disso: “Erin Brockovich – Uma mulher de talento”. A história é de uma maluquinha, que bate no carro de um advogado e pede emprego para o cara, em vez de pagar o dano do carro dele. Aí o cara dá o emprego para ela e ela começa a levantar a questão de umas 16
  • 17. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO pessoas que tomavam uma água que era cancerígena. O fato é que ela começa a angariar a confiança da comunidade e as pessoas passam a querer que ela represente os interesses daquela coletividade. O filme quase que acaba numa audiência (audiência de certification), em que o juiz basicamente diz: “eu aceito que ela represente adequadamente os interesses daquela categoria”. A coisa foi confusa porque ela não tinha dinheiro para pagar o processo coletivo. E no final, acaba com um acordo. Quando a ela foi reconhecida a adequada representação, no final, as vítimas foram indenizadas. Esse é o raciocínio lá. No Brasil, vamos ter um sistema diferente. Não é qualquer pessoa que pode entrar com a ação coletiva. A ação popular tem um objeto muito específico, mas no caso da ACP, os únicos legitimados são os do art. 5º, da lei: Art. 5º - Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Alterado pela L-011.448-2007) I - o Ministério Público; (Alterado pela L-011.448-2007) II - a Defensoria Pública; (Alterado pela L-011.448-2007) III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Acrescentado pela L-011.448-2007) IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Acrescentado pela L-011.448-2007) V - a associação que, concomitantemente: (Acrescentado pela L-011.448- 2007) a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Esses são os que podem propor ação coletiva no Brasil. Portanto, a adequada representação foi presumida pela lei. Não é o juiz que controla. É a lei que diz quem são as pessoas que representam adequadamente os interesses. No Brasil, portanto, ninguém nega que o nosso sistema adotou o sistema da adequada representação presumida porque a lei já fala que mesmo que o promotor, mesmo que o defensor jamais tenha ajuizado uma ação coletiva na vida, mesmo assim, a lei diz que ele tem capacidade para ajuizar. A grande discussão que há aqui, portanto, é se o juiz pode, no caso concreto, controlar? Apesar da previsão legal, o juiz poderia, no caso concreto, controlar ou não poderia controlar? Existem duas correntes absolutamente separadas e sobre elas, eu vou falar, depois de ditar essa parte inicial: “Diversamente do sistema da “class action” do direito norteamericano, no Brasil, nosso legislador presumiu que os legitimados para a propositura das ações coletivas (art. 5.º, da LACP) representam adequadamente os interesses metaindividuais em debate. A grande discussão, entretanto, que há na doutrina brasileira, é se além do controle legislativo do tema também há controle judicial sobre a representação adequada, de modo a permitir ao juiz o reconhecimento da ilegitimidade com base na falta de representação.” São duas posições: 1ª Corrente: Néri, entre outros. Estabelece que, salvo para as associações, não é possível controle judicial. Para ele, então, o controle da representação adequada é ope legis. É o legislador que define se o juiz controla ou não a representação adequada. E não o juiz do caso. Por que a associação fica de fora? É que quando o legislador fala da associação, que pode ajuizar a ACP, ele coloca que pode ajuizar, desde que estejam em funcionamento há mais de um ano e esteja entre suas finalidades, a proteção do bem jurídico tutelado, ou seja, Néri estabelece que, para as associações, há a tal da pertinência temática. E, neste caso, o juiz poderia controlar a associação com base no tema. Então, só no caso da associação. Nos demais casos, o juiz não teria como controlar. Vou dar um exemplo extremado para você entender a controvérsia: o Grean Peace entrou com uma ACP e ele só pode entrar com ACP para discutir meio ambiente porque a tutela dessa associação é o meio ambiente. O IDEC, Instituto de Defesa do Consumidor, só pode entrar com ACP de defesa do consumidor 17
  • 18. LFG – PROCESSO CIVIL – Aula 01 – Prof. Fernando Gajardoni – Intensivo II – 20/11/2009 TEORIA GERAL DO PROCESSO COLETIVO porque, para a associação, o juiz pode fazer o controle com base na própria lei. Se a defensoria entrar com uma ação para discutir a alíquota de importação de uma Ferrari (esse é o exemplo extremado), de acordo com Néri, o juiz não pode controlar essa representação porque o legislador presumiu que se o defensor entendeu que ele tem que atuar aqui, não compete ao juiz se imiscuir aqui. A defensoria pública pode atuar em todas as ACP’s que quiser, sem sofrer controle por parte do Judiciário. 2ª Corrente: Ada Pellegrini – Para ela, sem prejuízo do controle legislativo, também é possível o controle judicial da representação de todos os legitimados. Não só da associação. Para ela, o controle da representação não é só ope legis, mas também ope litis. Não importa que o legislador já tenha previsto quem pode propor a ação civil pública. Além do legislador ter previsto, e é uma presunção de que aquele legitimado representa adequadamente os interesses do grupo, da categoria, o que o juiz poderia fazer? No caso concreto, ele poderia rever, reapreciar se naquele caso concreto específico, quem entrou com a ação representa ou não os interesses daquela coletividade. Atenção, porque agora é a ligação do raciocínio: qual seria o critério que o juiz usaria para fazer o controle dessa representação? Nos EUA, há muitos critérios, como vimos. Mas qual seria o critério, dentro dessa segunda posição, o critério para controle? Seria a finalidade institucional e pertinência temática do autor. O juiz faria o controle da finalidade institucional e da pertinência temática do autor. Vamos traduzir. O art. 127, da CF, estabelece qual é a finalidade institucional do MP: Art. 127 - O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. O que interessa aqui é atentar para o fato de o MP tutelar a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis, que interessam a toda sociedade, ou os interesses individuais que, pelo fato de serem indisponíveis, merecem uma atenção especial por um órgão do Estado. Isso quer dizer que se você adotar a primeira posição, quem decide quando atua ou não é o MP e o juiz não tem controle nenhum. Se você adotar a segunda posição, quem decide é o MP, mas sem prejuízo de o MP fazer o juízo sobre se ele deve ou não atuar, o próprio juiz também poderia fazer esse controle. Esses casos são altamente complexos, mas vou dar um exemplo extremado para você entender: Você tem uma empresa de TV a cabo que tirou da grade um canal de 100 canais que disponibilizava. O MP entrou com uma ação para obrigar a empresa a devolver o dinheiro correspondente àquele canal para todos os consumidores. O MP tem legitimidade? Pela primeira corrente, tem e não compete ao juiz achar que não tem porque é o MP que decide isso. Se você adotar a segunda posição, você vai falar que o juiz no caso concreto vai avaliar se tem ou não. Os que dizem que o MP tem legitimidade, sustentam que quando há um número muito grande de lesados, o interesse acaba sendo social. Eu discordo. Diria que não tem, porque esse tipo de direito (canal de TV a cabo) não é indisponível, é meramente patrimonial e não atinge nem 1% da população porque é uma minoria que tem TV a cabo. Consequentemente, o interesse não seria social. Tem que pensar principiologicamente. Mas tem interesse do consumidor. Nesse caso, que a associação dos usuários de TV a cabo que deve ter por aí em algum canto que ingresse com a ação. Lembra do exemplo da Defensoria Pública? Sua finalidade institucional está no art. 134, da CF: Art. 134 - A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do Art. 5º, LXXIV. Ou seja, a finalidade institucional é a defesa dos hipossuficientes em qualquer grau. No caso da Ferrari: pela primeira posição, o juiz não poderia controlar. Pela segunda posição, o juiz poderia dizer: você não representa adequadamente os interesses dessa categoria. Seria o caso de chamar outro legitimado para defender. Não há posição dominante. Mas havendo dúvida, reconheça que há legitimidade para o ajuizamento porque, afinal de contas, se trata de interesse metaindividual e que merece um tratamento especial do sistema. 18