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Albertina Rodrigues
Fel e Mel no Cálice
da Vida
Dedico
Ao meu filho, a toda sua geração; à humanidade a todas as gerações rumo ao despertar
explodindo-se em luz!
Soltem-se as mãos!
Livres! Flutuando no espaço do tempo chegaremos ao imensurável onde nos
aguarda nosso Pai recebendo de volta em sua casa seus filhos pródigos - a
humanidade despejada de suas crenças, de todo “bem” e de todo “mal”. E, outra
vez, em direção a outros mundos, moldados pelas energias que se condensam
em múltiplas formas,
seremos arremessados ad-infinitum, pela sabedoria do Aprender-Vivendo,
Nascendo-Ensinando-Morrendo.
3
Sumário
Páginas
............................................................................................
Capa
Dedico
Sumário
Transformações.....................................................................07
Primeira Parte
Casa materna – primeira infância..........................................44
Novo lar..................................................................................49
Tias.........................................................................................51
Quarto de dormir.....................................................................59
E o tempo foi passando...........................................................66
A ceia.......................................................................................69
Os domingos – domésticos.....................................................70
Primeiro contato com o mundo...............................................73
Colégio Interno........................................................................76
“N....mesmo dia”.......................................................................82
O ser no opróbio.......................................................................96
Os sábados no Convento..........................................................97
Os domingos no Convento......................................................100
Minhas primeiras férias............................................................116
Retorno ao Convento...............................................................123
Férias de Dezembro ................................................................130
As férias continuam..................................................................140
Sou um contrabando – as férias que não tive...........................162
Florífera natureza.......................................................................167
Abandono...................................................................................172
Ah! Destruidores.........................................................................175
Jesus Cristo nunca existiu..- la Sagese......................................180
Mornava-me em beatificações....................................................187
4
Dezembro 1946 – meus irmãos...................................................191
Março de 1947 – Retorno do Convento.......................................194
Minha mãe – o Mar......................................................................196
Dezembro 1947 – Veraneio em Camaçari...................................197
1940 – Ínfima pecadora................................................................200
Dezembro de 1950 – Prelúdio da Adolescência...........................203
O quarto de mamãe......................................................................204
Camaçari.......................................................................................205
Março de 1951 – Prelúdio do Amor..............................................207
Primeiro beijo................................................................................209
Agosto de 1951 – Fuga do Convento...........................................210
Menina-moça................................................................................213
Internato Sacramentinas..............................................................218
“Ou eu ou ela”..............................................................................219
Internato Colégio São José.........................................................220
SEGUNDA PARTE
Encontro dos mutilados...............................................................222
Instituto Feminino da Bahia.........................................................225
Entre o céu e o Inferno................................................................227
Noivado.......................................................................................234
A grande paixão..........................................................................236
1958- Casamento........................................................................238
Vida Conjugal..............................................................................240
Escândalo....................................................................................248
Desquite – Retaliação de uma criança .......................................255
As Artes.......................................................................................263
Sonhos desfeitos.........................................................................266
Luta por meu filho – Tuberculose................................................267
TERCEIRA PARTE
1964 – Golpe Militar....................................................................273
Mudanças radicais.......................................................................278
Rio de Janeiro..............................................................................282
Novo lar- Nova vida.....................................................................286
Pensionato “Mon Rêve”...............................................................291
Escola Nacional de Belas Artes..................................................294
5
Politizava-me............................................................................295
Movimento Estudantil – 1968...................................................297
A Revolta..................................................................................300
Missa de sétimo dia..................................................................302
Maio de 1968............................................................................304
Célebre mês de Junho..............................................................306
Sexta Feira sangrenta e a passeata dos cem mil.....................310
Crise Nelson, crises e crises.....................................................315
Império do terror........................................................................317
Radicalização............................................................................318
Razões, sentimentos.......Onde tudo ficou?...............................322
Frende de Libertação Nacional..................................................323
Novos rumos – Nova História.....................................................324
Minha primeira ação...................................................................328
Ironia do destino.........................................................................331
Dias felizes.................................................................................332
Abril de 1970 – Sítio de Tinguá – Prisão – torturas....................334
Doi Codi......................................................................................335
Nova fase no Doi Codi................................................................338
Hospital Central do Exército........................................................341
Hospital Torres Homem..............................................................344
Brasil Tricampeão (Liberdade condicional).................................347
Retorno ao pensionato................................................................348
QUARTA PARTE
Exílio............................................................................................357
Chile – Cordilheira dos Andes.....................................................358
Espanha – Madrid – Chegada.....................................................365
O princípio...................................................................................366
O meio.........................................................................................368
Turismos e Fim............................................................................370
QUINTA PARTE
Carabanchel................................................................................380
Convívio......................................................................................381
Irreversível Revolução – O Despertar.........................................385
Primeiro contato com o mundo dos condicionados...................;388
6
Alcalá de Henares.......................................................................391
Encontro com o mundo do passado............................................405
Paris – Revolucionando os revolucionários.................................407
O imensurável..............................................................................412
Internada no Hospício..................................................................414
Suiça............................................................................................417
Paris – 1974................................................................................421
Morte do meu querido irmão.......................................................423
Última despedida.........................................................................425
Foyer des‟etudiant de Paris.........................................................426
Formentera..................................................................................430
SEXTA PARTE
Transatlântico Marconi – Ilhas Canárias – Tenerife....................436
Total desconhecido......................................................................440
Las Palmas...................................................................................445
Rumo aos Caribes – Martinica.....................................................446
SÉTIMA PARTE
Brasil – Belém do Pará................................................................454
Primeiros conflitos.......................................................................455
Alagoinhas – A chegada – A família............................................456
Encontro com meu filho...............................................................460
Prisão..........................................................................................460
Primeiras impressões..................................................................466
São Sebastião do Passé.............................................................468
Reviravoltas – Drama social........................................................472
Outra vez Alagoinhas..................................................................473
Desviando águas poluídas..........................................................474
Medo à liberdade.........................................................................477
Porto Seguro...............................................................................479
Maus tratos.................................................................................480
Últimos dias de minha mãe e o seu Despertar..........................482
OITAVA PARTE
Teatro..........................................................................................489
NONA PARTE
Cruel Realidade..........................................................................495
7
TRANSFORMAÇÕES
E assim tudo começou!...
Quando não se começa, nada termina. Estamos terminando, soubemos
começar ou apenas estamos continuando? Grande pergunta a ser feita.
Mas continuando o quê?
E vejo cada morto, desde que o tempo é tempo, com o dedo em riste,
furando a terra, atravessando seus túmulos, emergindo das águas, dizendo:
“Não morri, estou aqui. Continuem-me! Vinguem-me! Glorifiquem-me!
Endeusem meus pensamentos, citem meus exemplos, sigam minhas leis: sou
a eterna posteridade!”.
Cristo com Moisés, Platão com Hitler, Ruy Barbosa com Mussolini, Sócrates
com Barrabás, Gandhi com Stalin, Dr. Osvaldo Cruz com João ninguém, Maria
com Messalina, Santo Antônio com Cleópatra, meu vizinho daqui com o de lá
da Rússia, do homem da caverna ao mais recente morto neste instante. Qual
deles errou, qual deles acertou?
E assim caminha a humanidade!... Na balança dos pesos do “bem e do
mal”.
E eu com estes pensamentos, vestida de tempo, atravessando os
momentos neblinei-me no espaço.
Lá embaixo velavam meu corpo. Beijos frios... Adeus!...
As estações passando, iam me despindo, desfazendo-me os outonos.
Jogada ao relento, tornando-me caveira, na imensidão do nada nos
olhávamos!... Enquanto na Terra, em pó transformava-me, aprendendo a
aprender, no espaço ia diluindo-me, aprendendo a começar. Nas dimensões
que atravessava quanto mais se aprofundavam, mais só havia “Eu” - um
pontinho perdido no espaço, matéria a desintegrar-se. E foi aí que a dor
explodiu! Lançando-me no tormento indizível da pior de todas as dores; na dor
do “Eu”. Era eu mesma, a própria dor.
Sozinha, pela primeira vez sem nada para me segurar, encostar-me, fugir...
Fugir!?
Como fugir de mim mesma? Numa abissal escuridão, no calabouço do meu
inferno estava acorrentada: em farrapos, embolorada pelo tempo, amordaçada,
8
vendada, no frio, na fome, na sede... envergada pelo peso da ignorância, pela
covardia de nunca ter sido eu mesma de verdade.
Porém meus ouvidos ainda podiam escutar!
Pouco a pouco, um som vindo de longe mais forte tornava-se à medida que
o reconhecia. Era a memória do latido do meu cão, arrancando-me da inércia,
da profunda apatia do sono mortal.
A rudez dos meus sentimentos petrificados foi rachando-se... ,
desmoronando o abrigo psíquico no qual me escondia e a Verdade, dos meus
escombros saindo, foi espatifando cada elo das cadeias que me prendiam,
jogando-me no vazio... na essência da natureza do Nada.
Com as vendas do passado caindo dos olhos, pesadas bolhas contendo a
memória dos meus atos, incrustadas pelo tempo no meu ser, foram
despregando-se dos seus refúgios; saindo dos mais ocultos rincões, numa
fúria, chocavam-se! Para refletir-se frente ao espelho cristalino da veridicidade.
Meus olhos ao se abrirem as bolhas pipocavam! Jorrando substâncias que
se transformavam em cenas vivas, passando como um filme aos olhos da
consciência.
Por que somente o “mal” revelava-se? Só fiz o bem, isto não sou eu! E, em
legendas, do meu centro vinham as respostas:
“Escondia-te atrás das máscaras do “bem”, feitas de papelão pintadas a
guache confeccionadas pelos homens. Fantasiava-te em filantropias, dogmas,
virtudes, crenças, escravizando-se aos interesses dos teus líderes: pastores,
sacerdotes, filósofos, políticos, os modistas sociais que dirigiam tuas ambições.
Agora, caído os disfarces, desnuda-se na tela os efeitos em seus semelhantes
dos teus atos nas causas e defesas do “bem”.
Cenas em contradições, estilhaçando antagonismos, apresentavam-se
cruéis por toda atmosfera daquele astro azul onde meus ossos jaziam. Vi meu
corpo... Meus olhos cerrados, minha boca entreaberta... Não! Não podia ter
saudades. Fugir outra vez nos meus sentimentalismos?
Minhas emotividades foram sensações do meu egoísmo, onde até os pelos
eriçavam ao cantar o “Hino” no orgulho do meu patriotismo. E vejo milhões de
corpos desfigurados! Filhos chorando, contorcendo-se de dor abraçados à mãe
morta; crianças, sem destino, abandonadas pelos escombros; velhos sem força
arrastando-se, recebendo balas perdidas; jovens bonitos querendo viver e eu
9
querendo matar, gritando “vitória” para nosso país! Segurando uma bandeira
de trapo colorido enquanto corpos tombavam em morticínios pelas causas do
meu “bem”.
“Não matarás!” Todos rezam em seus templos - é uma das máscaras do
“bem”. E lá estou eu: contrita, ajoelhada, rezando o “Pai nosso que está no
céu...” pedindo a esmola de “um pão de cada dia...” Que miséria!... E eu tinha
quantos pães quisesse à minha mesa. Na “Ave Maria...”, pedia que orasse “por
nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”.
Quanta hipocrisia! Ao voltar para casa, ia escrever panfletos nacionalistas,
coçando a barriga, torcendo a boca no riso que saía do meu cinismo. Ainda,
saboreando a hóstia recebida pelas mãos do Venerando Paroquial pensava:
“Onde metestes estas mãos, Sr. Reverendo?” Agora vejo! E que vontade tinha
de beber daquele vinho que somente o padre bebia! Quanta vergonha, farinha
de trigo com sangria era o corpo e sangue de Cristo.
E “não matarás” ensinava às crianças: decorem os “dez mandamentos” de
Moisés para não tirarem zero na sabatina oral da prova final e passarem de
ano.
Crente de mim mesma, seguidora das mais altas normas morais,
teatralizava-me em virtudes, honradez e bons costumes. Eu era um exemplo a
ser imitado.
E como tilintava minha língua contra os não virtuosos, irreverentes às leis de
“Deus” e às dos homens, os que rejeitavam colocar as máscaras do “bem” em
suas caras. Os únicos a quem peço desculpas. Perdão?! Não sou mais um
centro personalizado necessitado dos dúbios arrependimentos – outra máscara
acabando de cair.
Martelam-me os ecos autoritários da minha própria voz saída daqueles
cérebros, já adultos, a quem doutrinei quando eram crianças: obedeçam,
honrem, respeitem e jamais contestem aos superiores: seus pais, aos mais
velhos, aos soberanos e a toda autoridade religiosa. Tributem especial sujeição
aos valores morais da sociedade, eles farão de vocês homens de bem;
venerem ao Papa, Supremo representante de “Deus” aqui na Terra; a todos os
anjos e santos do “céu”... E perguntava:
-O Papa é infalível?
10
Respondiam, naquele vozeio infantil estridente numa única voz:
-Sim, o Papa é infalível. Nem sabiam o que estavam dizendo.
-Leiam a Bíblia! E cuidado com a “Besta”, o Anticristo vem aí. O
Apocalipse!...E ia plantando em suas mentes as sementes do temor.
Vozeava:
-A Justiça se faz pelas mãos dos grandes homens, somente “eles” têm o
poder de dar segurança ao povo. Aqueles que se desviam dos seus domínios
só encontrarão a decadência e estarão marginalizados, condenados! Portanto,
crianças, seja um bom cordeiro. Não se desgarrando do rebanho, não
encontrarão o satanás “que vive de rodear a Terra e passear por ela”, catando
almas perdidas para aumentar o seu reinado que, um dia, lutará contra o
exército de “Deus”: o “Onipotente”, “Onipresente”, o que tudo vê e tudo sabe;
com seu olho secreto, em todas as partes, vigia tudo.
- Crianças, vocês não querem alistar-se nas fileiras do Exército do grande
Senhor Deus?
Em uma só voz respondiam:
- Sim. Queremos!
- Então, tenham a maior das virtudes: o temor a Deus! E não receberão o
castigo de sua ira. Coitados dos que estão caindo no abismo da morte! Sem
salvação, arderão no fogo eterno; os que se rebelam, os hereges, os
descrentes, os fornicadores - infiéis impuros sem castidade, os concupiscentes
- masturbadores imorais contra a natureza.
Mil vezes cortem suas mãos, mas não toquem no órgão da vergonha; ele
não lhe pertence e terão que dar conta pelo por pelo ao Criador. Apenas, ao se
lavarem, é permitido tocá-lo, de leve. Somente com a benção do
Representante do “Senhor” aqui na Terra, através do Santo Sacramento do
Matrimônio, este santuário poderá ser aberto, tocado, convivido e a chave será
entregue ao dono, seu esposo.
Portanto, meninas, não desonrem a “sagrada família”, falsificando a chave
do seu santuário para ser entregue a mãos ímpias! Sorrateiras, pelas sombras
em direção a atos espúrios, conspurcam-se na alcova amaldiçoada pelo
“Senhor” nosso Deus no adultério dos corpos imundos, arrancando o chifre do
Diabo para pôr em seus maridos.
O erro no homem é um defeito, mas na mulher é um cristal quebrado em
11
pedacinhos estraçalhado.
Como já sabem! Foi dado a todos o “livre arbítrio”. Está nas mãos de vocês
a escolha entre o céu ou o inferno, o prêmio ou o castigo, o bem ou o mal. E,
para bem saber escolher em seus arbítrios, sigam à risca os mandamentos que
o “Senhor dos Exércitos” entregou a seu servo Moisés.
Fechem os olhos, finjam não ver o brilho do ouro e da prata. Anestesiem-se
contra a sedução das taças de cristais que tilintam reluzindo vinho escarlate,
embriagando os sentidos. Cortinas de fino linho retorcido caindo sobre
imponentes tapetes em desenhos orientais, pisados, apenas, por elegantes
sapatos. Lácteas colunas de mármore com seus rosáceos adornos; formas
dóricas na arquitetura das mansões dos ricos... Tudo isto nos enganam, na
tentação do invejar, do ter, possuir, roubar. Deixe-os em paz! Que ACUMULEM
O QUANTO QUISER! Deus sabe o que faz.
Portanto, sejam simples, na humilde abnegada resignação dos desígnios
divinos; na renúncia dos prazeres terrestres, alcançarão, no paraíso celestial,
os coroados em glória; na obediência, ganharão as honras, bênçãos e louvores
divinos. É ela, a obediência, a coluna vertebral do bem enquanto que, na
desobediência, origem do mal, todas as desgraças acumulam-se!
Estropiados, andarão! Renegados por todos os que não querem se
contaminar com a insensatez de atos ilícitos, repetindo o pecado dos nossos
primeiros pais que, juntando-se ao inimigo, furtaram o que o Criador dissera
que não lhes pertencia: o fruto do “conhecimento do bem e do mal”, coisa que
só a Deus pertence.
E não se esqueçam da caridade das esmolas. “Quem dá aos pobres
empresta a Deus”. Em verdade, vocês estão capitalizando; aplicando aqui na
Terra o que receberão em riquezas lá no céu. Preocupem-se, SIM, em cobrar
aos seus pais o pagamento dos dízimos e subirá mais um degrau rumo ao
Senhor, Deus de Moisés.
Numa impetuosa imponência de palavras de terror, agitava aquelas mentes
ainda em formação:
- Cuidem-se! Satanás tentou aos santos, privilegiados escolhidos pela graça do
merecimento, quanto mais a vocês! Degradados filhos de Eva, almas fracas,
herdeiros da imperfeição e da morte. Seus pais imperfeitos não poderiam
produzir filhos perfeitos e a iniquidade triunfará até o grande dia onde só os
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puros que glorificaram o nome do “Senhor” serão salvos; recuperando, como
prêmio, um novo céu e uma nova Terra. Até lá, orem e velem!
E terminava o discurso assim:
A Santa Madre Igreja é quem vela por seus bens, quem salva a alma dos
infiéis pela redenção da Santa Confissão através das penitências e
pagamentos de indulgências, portanto, se não tiverem para quem deixar seus
bens, não esqueçam de sua protetora a Santa Madre Igreja. Amém!
E todos contritos, rezavam a Ave Maria e até o Credo.
***
Credo em Cruz, conjurada que fui! Quanta improbidade eu proferi! Quantas
lutulentas imagens verbalizei, em invenções esquizofrênicas, manipulando
“verdades” que brotavam da minha ignorância em consonância com os
“mestres”, ignorantes do passado.
Todos, sucumbimos no próprio garrote das nossas usuras, enlouquecidos
pelas ambições!
Enfermada na doença mental das crenças, alastrei a epidemia da
obediência: vírus que atravessa os tempos sem ter vacina ou antídoto que a
extermine.
Impingi em células vivas a descrença da verdadeira vida no aviltamento de
si mesmo. Nem os impertérritos escapavam da intoxicação do terror que, em
sugestões fecais, eu espalhava. Fiz de outros cérebros meu depósito de lixo.
* * *
A última bolha, pipocando transformou-me em fogo! Labaredas em línguas
de fogo, formando imagens desordenadas, por mim passavam agitando caras
monstruosas! Bocas disformes trocadas de lugar misturavam-se a olhos que,
saltando de suas órbitas, em brasa, fixavam-me!
Quanto ódio a me olhar!
Cérebros abertos escarravam-me todo o veneno das propagandas
religiosas, dos dogmas e crenças que os forcei a beber. Palavras de boas
ações, fé, bondade, caridade, família, deveres, normas e obrigações;
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esperança, paz e religiosidade em gargalhadas ensurdeciam-me!
Transformando-se em máscaras que me arrastavam enquanto, gemendo,
açoitavam-me na pior das torturas, numa cruciante angústia do que se chama
“dor na alma”.
Vozes, vozes... Muitas vozes infantis gritavam - as das crianças a quem
doutrinei.
- Não passastes de um fumeiro de ideias, amontoando fuligens!
- Considerava-se salva!... Há!...Há!... Há!...
-Em tuas grandiosas catequeses do “bem” desconhecestes a existência;
teus semelhantes, companheiros de vida: homens, animais, vegetais, água, ar,
vento, pedra...
A vergonha foi gelando-me... Pelo horário terrestre, ignoro por quanto
tempo, meses ou anos, permaneci na estatelada apatia do meu próprio horror.
Esvaeci na mais longa invernia...
* * *
Um clarão deslizando... foi removendo meu cinéreo invólucro enquanto,
minha consciência despertando via o curare das palavras, em chorrilhos,
despejando-se da minha comua:
Palavras soltas, saídas das fendas do assoalho apodrecido do meu Ser,
saltavam como pulgas, desfilando numa estéril interminável repetição:
obedecer, obedecer, obedecer... Fé, fé, fé... Paraíso, paraíso, paraíso... Glória,
glória, glória... Céu, céu, céu... Recompensa, recompensa, recompensa...
Deus, Deus, Deus... Ira, ira, ira... Pecado, pecado, pecado... Castigo, castigo,
castigo... Punição, punição, punição... Inferno, inferno, inferno... Fogo, fogo,
fogo... Creio, creio, creio... Eu creio, eu creio, eu creio...
Estas insistências irritantes, impregnadas no âmago de cada
pensamento, propulsando a estrutura psicológica na busca de uma certeza de
segurança, numa miscelânea contraditória de bens e males que, em códigos e
significados formavam o medo, agarrando-se em desespero aos pés da
ambição de um prêmio, de um ouro, de um paraíso, motivavam a dependência
do CRER NAS CRENÇAS; assim, automatizava-me pela falta de atenção, nas
drogas dos rituais.
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Nos templos... estonteava-me as encenações de mãos! As reviravoltas,
dadas por um homem onde um armado paramento rabaneava, mostrando seus
bordados! Aquele pedaço de pano rendado, linho branco em névoa, indo e
vindo no esfregamento de um cálice no qual um vinho era despejado e bebido
por uma boca que dizia falar de Deus, saber sobre ele, conhecê-lo!...
O abrir e fechar de um pequeno armário, brilhando lá dentro o ouro de um
cálice em forma de sol, contendo frágeis hóstias a serem devoradas por bocas
sedentas! Em fila, de olhos apertados, língua esticada insalivada de gula,
recebíamos das mãos sagradas do ministro do culto divino este “pão ázimo”!
Engolindo, sem mastigar - não podíamos cometer o sacrilégio de morder o
corpo de um homem assassinado por estes mesmos sacerdotes no outrora.
De joelhos, aglomerados em filas, corpos entortavam-se, esgueirando suas
miradas em direção aos trajes dos vizinhos numa mistura de reza com moda!
Aspirando incenso, misturado aos primeiros gases intestinais do dia fazendo-
nos lembrar de que ainda éramos carne!
Faustosas imagens esculturadas, de mãos, bocas e olhos lânguidos...
esmagando-nos, subjugava tanta santidade! Forçando-nos a adorá-las, a
deslizar os pensamentos de volta ao seu passado. Na inveja, também
desejávamos que este fosse o nosso futuro: sobre um altar, esculpida em
barro, pedra ou mármore, venerada!
Uma atmosfera sem ar sufocava-nos, junto ao silêncio dos mortos que
parecia morar naquelas grossas paredes marmorizadas, com enormes colunas
pontiagudas em formas lanceoladas, retorcendo-se em forma de chamas,
furando as alturas num encontro secreto com o “Redentor”! Retornando... as
colunas abrindo-se em abóbadas, a luz solar atravessava os vitrais a tudo
colorindo...amarelando, esverdeando, avermelhando, com seus desenhos,
provocando encantos! Ao descerem, espalhavam mistérios sobre as sombras
que se alargavam, envolvendo-nos em mais silêncio e enigmas impenetráveis
à razão.
Velas, em castiçais prateados, tremulavam aos olhos, realçando as
penumbras! Flores, em suas brancuras, armadas em arco, exalavam
balsâmicos perfumes que enfeitiçavam ao fundir-se na alvura das rendas de
almofada das toalhas caindo em suaves pregas, hipnotizando!
Sons vibravam! Fazendo-nos levitar. Era o lirismo másculo dos tenores e
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barítonos, na transparência vocálica dos cantos Gregorianos com suas vozes
em estalactites, em nós, em tudo, penetrando!
Detalhes saltitavam em nossas distrações: desenhos arabescados em
pastilhas gregas, anjos bastante nutridos, carregando nas costas os santos...
Tudo banhado a ouro, animando as ambições.
Azulejos significativos, em azul e branco, revestiam a base da talhada
Concha Batismal à espera das cerimônias, dos choros salgados das crianças.
Pinturas em afresco, com traços perfeitos, mostravam o mundo no “céu das
virgens”. Logo abaixo, um purgatório; onde mãos aflitas, implorando socorro
pareciam abandonadas.
Tudo era eternidade! Esperança do eterno que aumentava ao repicar dos
sinos!
Apenas as grandiosas portas da entrada - todas em jacarandá - tocadas por
mãos sem história e por pés hipócritas que as atravessavam, pareciam estar
no presente; não fazendo parte do inebriado dos rituais.
Drogas, drogas e drogados todos saíamos, sob o efeito dos sermões
injetados de mais ópio do “bem”.
Oh! Quanta esperança, quanta promessa!
Glória! Glória!...
Oh, glória!
O que é a glória?!
E em mais entendimentos a consciência iluminava-se!
Não é a glória, um querendo estar por cima do outro, disputando o trono da
inveja do orgulho e do ódio para ser coroado de todo poder?
Rastejar-se para “Deus” que nem um réptil! Deixando seus visgos por cima
dos homens, seguidos por fiéis que, catando migalhas, estrábicos os
aplaudem! Capitosos de, também ganhar glórias no céu?
Todos, no mongolismo iluminados pela salvação, na esperança de um dia
sentarem por cima de Cristo “à direita do Pai”. Milhões e milhões, em pilha,
num malabarismo para não caírem! Jamais à esquerda, é subversão celestial.
***
A compreensão juntou-se aos meus ossos na Terra que se esfarelavam, no
16
grande momento final do “aprender a aprender”, tornando-se pó.
Os fatos, em vigorosa firmeza, ensinando-me a começar, foram limpando a
delicada membrana que envolvia o mutável liquido transparente da minha
memória; arrancando as vestes que escondiam os corpos dos homens;
rasgando os véus que encobriam suas faces, destecelando os entrelaçados
fios enredados pela hipocrisia, engodos, ilusões, crenças e mitologias.
Tudo desnudado..., vi a beleza de cada ser em toda sua ingênita verdadeira
glória! Experimentei o que sente uma rocha quando as águas querem furá-la;
eram as lágrimas! Conheci a fonte onde emana a compaixão; transbordava...
derramando-se por todos os homens, banhando-os na doçura que pela
primeira vez senti.
Veloz, levando a piedade do meu corpo transformado em pó sem nunca ter
amado, percorria a tudo conhecendo o que não conhecia; escutando de todas
as bocas o que nunca tinha escutado; vendo o que nunca tinha visto; sentindo
o que nunca tinha sentido.
À medida que os venenos iam transformando-se em antídotos, liberavam
uma força, impulsionando do meu centro a revolta adormecida; esta, rasgando
os finos tecidos enganosos que lhe cobriam, foi extirpando as submissões,
dizimando as ambições, cremando os medos, revoltando-se consigo mesma
por nunca ter se revoltado.
O mundo era aquele, todos ébrios, em narcose, chocando-se desregulados?
Sedentos, desconhecendo suas sedes; famintos, desconhecendo suas fomes?
E a causa... A causa?
Suavizando-se em ondas a revolta ia transformando-se... Neblinava-se num
imenso oceano, levando-me ao desconhecido, enquanto ia lendo, em cada
dobra, na quebra de suas ondas, todas as verdades:
Ricos ou pobres, brancos ou pretos, crentes ou descrentes; papas,
sacerdotes, pastores ou prostitutos; reis, presidentes ou mendigos; casados ou
solteiros, crianças, jovens ou velhos; fiéis ou infiéis... TODOS estão pisados por
TODOS! Pelo temor do menos e menos contraídos na dor que provoca prazer
na luta do mais e mais. Devotados a inutilidades, fantasiados de sabedoria,
esgrimem-se em opiniões nas guerras das competições do “Eu Sei”: quem tem
ou quem não tem a razão das “verdades”? Perdendo-se nas análises, efeitos
de suas causas.
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E a grande causa!
Todos desviados do verdadeiro bem que já traz em si, pelos seculares
sacripantas e sua caterva de forretas a mais caturra da espécie humana.
Catacegos! Com suas cataduras de cordeiro, mascarando a inópia de suas
vidas, organizaram o desespero à busca do “bem”. E até os mais cultos
igualam-se aos sáfaros, apanhados neste engano.
Pregadores do dever! Secularizando o mal através de suas inexoráveis
ideologias do “bem”, só fizeram criar salseiros em multidões de sandeus.
Vestidos de pomposas urutus zurzem com palanfrórios, em loquaz astúcia,
os dislates pestíferos das catequeses; entenebrecendo dessecam as energias
dos homens, tornando-os vesanos.
Infaustos entupigaitados!
Não vêm que estão a pregar doutrinas a mortos que se empilharão como
cadáveres, fazendo mais pó sobre o pó de milhões de gerações de outras
vítimas?
Massacraram seus físicos, seus psíquicos, suas mentes, suas liberdades,
suas inteligências, seus sentimentos, seus verdadeiros livres-arbítrios!
Aviltados, ultrajados, injuriados, renegados, queimados vivos, torturados,
apedrejados!
Suas casas incendiadas, suas culturas destruídas, suas cidades usurpadas!
O negro só teria “alma” se fosse escravo!
Dos nativos brancos, amarelos ou índios, humilhados, supliciados,
exterminados, expatriados!
Senhores!!! Seus templos e seus palácios foram feitos do ouro e da prata
pilhados, erigidos por escravos que caíam açoitados.
Truões!!! Com a máscara de um Deus castigador, cheio de fricotes - por
qualquer coisa entrando em fúria, precisando tomar o calmante da “obediência”
dos seus “criados” para aplainar suas sanhas -, entenebreceram a atmosfera
do planeta tornando-o inóspito.
Na plenipotência dos seus atos, com suas insolentes espúrias leis, normas,
mandamentos e fábulas, em invenções psicodélicas de um céu onde só tem
anjinho, o dia todo um olhando para a cara do outro rindo, na eterna felicidade;
e um inferno, onde um homem escuro de rabo e chifrudo, com um tridente,
espeta as almas desobedientes, jogando-as no fogo eterno para serem
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fritadas; conseguiram fazer de todos inúteis amedrontados ambiciosos
xepeiros!
Mentes que horripilaram! E horripilam!
Esconsos em suas pocilgas meditam deitados em salsugens, as “excelsas”
glórias que darão o “Poder” e os prazeres que farão a tirania estrebuchar suas
carnes.
Déspotas! Empedrando os corações, enlouqueceram a natureza original do
homem. Dia virá em que todos vocês sentarão no banco dos réus por crimes
contra a Humanidade. E os que já se foram para o além, terão seus nomes
apagados da História.
Não foi “Deus”. Vocês! Inventaram esse Deus, projetando-se a si mesmo:
General Senhor de todos os Exércitos; valentão, sem nobreza, ciumento,
mesquinho e vingativo.
A usura, o despeito, o ódio, a insegurança, a maldade - feridas pustulentas
nos corações -, as frustrações densamente obumbradas em suas ignomínias,
fizeram vocês “criarem” um universo particular por cima da criação Real.
Cobrindo a todos com pesados cobertores de ferros pontiagudos forrados
de “néctares”, chupando biquinhos, impediram que o psíquico do Homem
correspondesse ao seu estado físico: de pé, não mais andando de quatro.
Todos envoltos em pesadas auréolas de fumaça carbônica do adusto
asfalto, sufocados no olor do breu com piche, sem um espaço sequer para
respirar, estão impedidos de enxergarem, se conhecerem. Que pena! Senão,
vocês seriam desmascarados!
Fizeram do homem um ícone, “feito à imagem e semelhança de Deus”;
parece, mas não é, provocando angústias de um vazio... Como fantasmas,
carregam submissa a cruz do “pecado” que é arrojada a seus pés,
“salvadores”! Aonde vão se penitenciar e adorar, seus... suas....”
A última onda vinha arrastando-se... parecendo não querer ser lida. Porém,
de repente, num majestoso impulso a revolta a se despedir enlaçou-me na
mais clara de todas as leituras:
“Você foi sócia da mais poderosa e vetusta empresa comercial de almas
com o nome fantasia “Deus”! Regida por leis, escritas pelos privilegiados
empresários na sagrada Escritura dos seus Estatutos; estes “Iluminados”
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receberam o Poder de transmitir aos seus clientes e sócios, as ordens do
“Supremo oculto e divino Chefão Imperialista”; outorgados em plenos poderes
para fazerem e dizerem o que quiserem abençoados pela infalibilidade! E
quando erram mais infalíveis ficam”.
As ondas da revolta, em calmaria horizontando-se... iam desfazendo-me da
ignorância:
“Você perdeu sua vida, comprando e vendendo “ações” que lhe
beatificavam! Em seu testamento abandonou seus familiares que hoje penam
por algumas necessidades, deixando dinheiro, joias, terras, mansões para os
empresários desta “Firma”, em troca de ganhar muito mais, chegando ao “céu”
no encontro com o CHEFÃO.
Participou de um mercado sujo de sutis roubos, guerras, usurpações,
salmodiando com fragrâncias, rezas e velas suas corrupções. Você foi
consumida pela sofisticada propaganda do medo e da ambição.
A eternidade junto aos belos anjinhos cheios de frescor, convidativos a
extasiadas felicidades, circulava todos os seus pensamentos, esmagando seus
natos desejos considerados por seus gerentes como impuros. Num jogo de
contradições, os mesmos desejos, os proibidos, só poderiam ser realizados no
céu; mas para isto, teria que se vestir, todos os dias, com a roupagem da fé,
castidade e obediência.
Os primeiros Chefes Empresariais arrancaram seus próprios pais do
“paraíso do Éden”, castigando-os com a sentença “Viverão do seu suor”. Mas,
eles mesmos, como filhos, só viveram e os atuais chefes ainda vivem na
mordomia sem uma gota de suor derramada: comer, tomar vinho, doutrinar,
rezar, contar as nicas, dormir. Acordar, rezar, doutrinar, comer, tomar vinho,
contar as nicas, dormir.
Explorada através da dependência da palavra “Deus” ficou obcecada pela
culpa do “pecado original”. No anfiteatro dos templos foi dessecada igual a um
cadáver. Nos horrores das cantarolantes rezas, cheirando a velas derretidas,
sujavam seu psíquico. Nesta barafunda de abstrações, “intelecto-
espiritualizadas”, somente poucos encontram o caminho da saída e se salvam!
Mas terão que se cuidar, para não serem crucificados.
E todos pensam iguais! A base do pensamento é comandada por esses
Empresários; controlam, através dos tempos, as consciências, em suas críticas
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e julgamentos uns contra os outros.
Institucionalizados no “bem”, em verdade eles precisam é do mal; é o seu
grande negócio. Sem o mal o que seria deles? É a “mola mestra” que os
mantém no “Poder”.
Precisam de sofredores, da dor, da fome e da miséria para salvar as “almas”
dos beatos lacrimosos, dos estúpidos arrependidos.
Criando o conflito entre o obedecer e o desobedecer, o crer e o não crer, o
certo e o errado, o aceitar e o rejeitar, Deus ou o Diabo, o que sentem de
verdade e o que têm que dizer na mentira, em sofismas sentimentalizam os
sentimentos, formando os delinquentes, os apáticos, neuróticos, egocêntricos
depressivos, doentes mentais, fanáticos religiosos, falsos revolucionários e até
terroristas; neste estado de falácia, debatem-se nas paredes de suas prisões,
gritando, matando, morrendo pela palavra-ideia: Deus, paz, liberdade,
fraternidade, saúde, dinheiro... , estes prisioneiros, quando querem ser livres,
sua liberdade é a libertinagem; e disso os Empresários precisam para aplicar
mais “leis virtuosas” para contê-los, perpetuando-se no poder.
Impedem nas mais variadas formas que o homem se conheça e acabe com
suas dores porque isto seria o fim do seu negócio que sobrevive do
aniquilamento alheio. O homem feliz não precisa de guias, Papas, filósofos,
pastores, mestres ou gurus, para quê? Aí perderiam seus tronos, banquetes e
rituais.
Seriam desnudadas as mulheres! As que se escondem cobertas da cabeça
aos pés com uma aliança no dedo, fechando o “harém” das esposas de Cristo.
Seria o fim dos que se flagelam na loucura da ambição, fervendo suas
carnes na castidade.
Os hospícios teriam de ser esvaziados para dar lugar aos que
enlouqueceriam!
O que será dos seus empregos e profissões quando todas as máscaras
caírem e os homens forem felizes?
A estupidez derramando-se dos “vasos de misericórdia”, expondo ao tempo
todas suas hipocrisias... será devorada pelos corvos porque a terra não vai
consegui engoli-la.
Quando os homens quebrarem suas correntes...
Quando não mais seguirem as sombras de outros homens... Onde ficarão
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as guerras, os santos, os pastores, os...
O negócio acabou a Empresa faliu!
Desabou do pedestal o Deus escondido; tornando-se caco, espalhou-se ao
vento levando as máscaras. E o homem é feliz!
Comendo todos do “fruto da árvore da vida”, tombou o último Empresário
que, fantasiado de anjo Gabriel, com sua própria espada fez haraquiri.
E o homem tornou-se para sempre, LIVRE!”
Um grito saído de mim furou o silêncio que se fez na imensidão do passado,
no alivio do pesadelo que findara!... Sacudindo-me o remorso, não de ter
roubado ou matado a um só individuo; foi a toda Humanidade, a todas as
raças, a todos os animais, a todas as árvores, a tudo! Universal. Com minhas
palavras, meus gestos, meu movimento total.
Adorei a mim mesma, projetando imagens que se cristalizavam na adoração
de um Deus made in home.
Tinha medo de não CRER
* * *
Silêncio!... Só havia o silêncio, ensurdecedor silêncio vivo.
Foi quando as memórias, acumuladas de todos os momentos não vividos,
tal qual uma bola de chumbo num vácuo, voltaram a pesar dentro de mim.
“Dentro de mim” (!?), também não existe. É o pensamento, ainda
necessitando pensar, querendo existir.
Memórias... Memórias de quê? O que existiria ainda como passado?
Instantânea resposta de um etéreo mundo, amalgamando-me ia libertando
as energias que completavam as voltas dos instantes não vividos que tinham
me paralisado, curando as cicatrizes impressas nas lembranças tornadas
angústias.
Livre! Na correnteza da ventura abandonei-me...; navegando sobre pétalas
nuveadas que fluíam do infinito misturei-me ao espelhante incolor do oceano
cósmico, refletindo-me em todas as nuances de cores.
Pelas nebulosas, espalhei-me!... Rolando pelas areias estrelares ia
depositando em cada praia do meu tempo todos os sonhos-desejos quando na
Terra vivi.
Pipocava-me em pedacinhos! Vendo as imagens das memórias dos
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sonhos, tidos ao dormir , explodindo, desintegrando-se pelo infinito!...
Desfazendo-me o inconsciente:
Vidrinhos de cristais, da mais remota Antiguidade, com seus bordados em
relevo... Cabeças e dedinhos partidos das estatuetas em biscuit... Jarras em
opalina com seu colorido, rosa, amarelo... Laços de veludo, esfiapando-se em
franjas, pendurados em botões dourados do casaco de um príncipe que diluía-
se em sombras, transformando-se num gato que latia em vez de miar...
Livros, virando celulóide dirigiam um carro... e, atrás lá ia eu com uma
Bíblia na mão, transformando-se num sapo sendo engolido por uma enorme
cobra negra querendo me pegar... Vacas e bois, todos malhados, faziam
ginástica chifrando-me enquanto tentavam fechar uma porta que nunca se
fechava.
Como sombra, na sensação de um prazer angustiante, eu circulava por um
castelo à procura de uma escadaria misteriosa e proibida; ao encontrá-la, fui
descendo, descendo sem fim... de repente, uma enorme porta abriu-se e saí
em outro país. Pelas ruas perdia-me indo ao encontro de minha casa que
nunca a encontrava, ao mesmo tempo prédios seculares para o alto se
esticavam, excitando meu orgulho.
Arrastando-me..., tentava subir por uma enorme ladeira feita de lençóis
brancos, fugindo de um mar verde escuro que dava medo... Paredes que
atravessava enquanto um trem passava querendo me esmagar, ao mesmo
tempo já estava no meio de outro cruzamento de trilhos... e tudo era noite.
Passando outro trem levava-me sobre um amontoado de ferros velhos que
pelos trilhos voavam, deixando-me em uma cidade da qual fugindo queria
voltar...
Ruas estreitas... com casas de barro transformando-se em uma Igreja
gótica, abrindo-se num túmulo ressuscitava um ente querido... Abismos que se
fechavam e se abriam em montanhas esquisitas que me puxavam... Uma
cadeira que saía andando enquanto um macaco pulava em cima querendo
mamar...
Um homem estático, todo coberto com um pano branco, vendo-se, apenas,
seu pênis virando cabide com uma toalha de banho pendurada, movendo-se,
querendo se transumanar... Uma banda feita de nádegas, tocando cada uma
um instrumento, dançavam numa verdadeira algazarra e no meio delas, eu
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também era uma bunda... Estranhos amigos nos sonhos que se evaporavam...
Quanta alucinação!... Mas minha vida na Terra não foi apenas isto?
O mundo que considerava fora da consciência, foi visto nas retilíneas das
minhas noites e dias que se arrastaram no pedaço de tempo chamado “minha
vida”. Agora, em pedacinhos, via em cada detalhe dos fragmentos a
relatividade das aparências de tudo o que os olhos nos mostram e a mente
analisa.
E em mais claridades rebrilhavam as percepções, conscientizando a
consciência das memórias.
E tudo é vitupério! Delírio das verdades vituperianas!
Seria tudo aquilo, os meus sonhos, a serem analisados no sofá de um
psicanalista?
Oh! Zarros da fama, títulos, nome, poder, prestigio! “Imortais” que
impediram de abalar suas estruturas, de deixar cair a podridão! Todos
bichados, corroídos... , assim mesmo mumificavam-se, jazendo nos sarcófagos
dos cérebros humanos.
Quem seria mais insano o analisador ou eu, a analisada? E aqueles sonhos
estavam separados de mim e do mundo psicológico em que vivi; não era tudo
um único bloco num amontoado de destampatórios?
Ia ser analisada “ad infinitum” e nunca ia me descobrir. E o analista, ele
próprio, era quem mais precisava se analisar.
Catedratizaram como útil, a inutilidade dos sonhos, em Universidades, livros
e compêndios. Que loucura é essa que descontrola os sábios, profissionais
libadores da estultícia nos hospícios dos homens?
Pedantizam uma determinada classe social que, na finura de uma elegante
ignorância diz: “Estou sendo analisado”, isto é; futucado com uma colher de
pau para ver se retira lá do fundo algum traumazinho infantil que o faz
fricoteiro. E... depois de alguns anos de análise...(porque leva é tempo!
Enquanto isso o bolso do psicanalista...), sai vangloriado, estufado, de
biquinho... com voz intelectualizada dizendo: “Eu sou analisado” a dizer: “eu me
conheço, vocês não se conhecem”. Sentindo-se estranhamente superior.
Por que o pobre não senta nesse divã? Seria até engraçado um pobre
conhecendo-se; entrando no “sub” mundo do “id” ia sair um “sujeito” cheio de
“objetividades” subjetivas ou... “subjetivas” objetividades!
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Abruptamente, numa instantaneidade do momento, sem a consciência da
contagem de tempo, dimensões comprimidas que me embaulavam em
camadas nos desfazíamos... Descortinado o infinito, enxerguei o vazio em
metamorfoses de espaços.
Desta infinitude... uma densa nuvem de pontinhos dourados em riscos
geométricos, num calidoscópio de formas e cores aproximava-se! Extasiada
na admiração do inédito, fui imersa por essências vaporosas de gelo emanadas
em beleza das feições ocultas de um homem.
Uma mão para mim estendeu-se!... Realçavam cumprimentos, em suaves
cantos, de regozijo máximo por este nosso encontro. Sintonizando-nos,
comungávamos numa protofonia de perguntas e respostas, em ondas
telepáticas, cruzando o espaço, mais rápida do que a luz.
Parecia querer desabafar... Gotinhas de gelo liquefaziam-se enquanto
expressava-se:
- A solitude da morte esvaziou minha verve astúcia!
Queria furar a bolsa de valores dos homens, enxertando meus novos
valores, apenas mais os esgalhei!
Queria resolver as neuroses e mais neuróticos os deixei!
Fiz falsas curas; mutilava seus psíquicos, impedindo-lhes a percepção pelos
anestésicos das minhas conclusões.
Fiz deles a minha segurança; em verdade, eram eles os meus “analistas”:
os utilizava para enxergar os meus conflitos.
Fiz “uma seita isolada e hostil contra todos aqueles que não aceitassem meu
credo científico”, confirmo as palavras de um dos meus colegas, em seu livro,
ao citar-me.
Em busca de um conforto psicológico, interpretava, explicava, traduzia,
criava técnicas, doutrinas, teorias, filosofias, fazendo do inconsciente do
homem um cabaré de “picolinas”. Para mim eram todos incestuosos e os
enquadrava, interpretando seus sonhos, numa jaula erótica através dos meus
símbolos. E foi daí que nasceu minha fama na moral científica, esfregando o
caráter do homem entre suas pernas onde só havia sexo: coito, pênis e vagina;
edipismos e electrismos.
Se as religiões desviavam o olhar de todos para o alto, eu o desviei para
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baixo. Foi minha forma inconsciente de protesto.
...Breve silêncio!... Por que não podia ver-lhe o rosto? Será que não tinha só
era luz, nuvens, ou... O que eu era, o que éramos!?
Ainda sob as ondas que emitiam sua voz telepática, olhei para a verdosa
imensidão... Não compreendi!
Querendo descobrir, tímida em perguntar... foi despertando a consciência
no “dar-se conta”: não mais dependências psicológicas em respostas alheias
ao aprender vivendo.
Que belo sorriso coloriu aqueles vapores!... Tinha captado minhas ondas.
Numa desembaraçada comunhão, continuou seu desabafo:
- Tomei como verdade absoluta o meu irrebatível realismo. Quanto mais
analisava menos compreendia; pelas noites desfalecia em minhas trevas,
sonhando as imagens frustradas do dia. Desperto, produzia divisões entre o
observador e a coisa observada; neste abismo construí uma ponte, mas era
imaginária... E o observador mais míope ficava.
Sem conhecer-me, perceber minhas ambições, como teria valor o que
pensava, investigava ou inventava?
Queria conhecer o inconsciente alheio através das minhas análises. Com
meu intelectualismo sufocava cada vez mais a possibilidade de, realmente se
conhecerem. Fechando os caminhos à realidade, batia a porta na cara da
verdade. Não se pode ver um fato, trazendo ao presente todas as lembranças
através de símbolos, ideias ou palavras.
Intelectualizei o inconsciente do homem.
Intelectualizei os sonhos.
Intelectualizei o intelecto.
Coloquei-os dependentes e mais os acorrentei na escravidão da estrutura
social.·.
Tornei-os antipáticos; para cada movimento, cada atitude, cada reação,
cada falha do pensamento dei um nome, uma explicação.
...Que estranho! Os vapores avermelharam-se... Revoltava-se consigo
mesmo.
E lembrei o que por algumas vezes na Terra escutei: “Freud explica!” -
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rápido completei: Mas não justifica!
Senti tremê-lo, tinha captado minhas ondas.
Queria tanto vê-lo!... Será que ainda tinha barba e bigode? Não tinha
coragem de perguntar. Apenas éramos essências vaporosas? Mas daquelas
mãos saíram sons musicados... E certa musicalidade nos envolve... sutil...
Queria fazer-lhe certas perguntas, mas ainda havia resquícios do respeito e
distância que tributava às autoridades científicas.
Tão rápido como pensei mais rápido percebi: para ser eliminado qualquer
falso tem que ser vivido! Mesmo que seja por segundos, em cada detalhe. E
em mais lucidez a consciência expandia-se.
Apagam as luzes que brilham nas mentes para serem iluminadas pelos
candeeiros dos “grandes pensadores”: filósofos, profetas, cientistas... Terão
que ser endeusados e só recitar o que eles disseram.
Os seguidores, orgulhosos, preparando-se para serem doutores, mestres,
catedráticos, escrevem Teses e Tratados... sempre por cima do que outros
pensaram e, quando “criam”..., é sempre com base em “alguém” que disse.
Vedado o direito de contestá-los; tornando-se, também os “donos da
verdade”: “sábios” montados em mulas, arrastando os “bestas oligofrênicos”
que só podem olhar para frente. È perigoso olhar para os lados, poderão
descobrir alguma coisa e..., realmente sabendo, pegar o chicote e açoitar o
sábio, desmontando-o da mula que terá de correr para o arrastão das “bestas”
não passar por cima.
Incomodava-me certa curiosidade... Como teria sido o momento ápice do
término da vida condensada deste homem que na Terra foi tão complexo e
sabido; ao seu principio-destruição-transformação, agora tão sábio e simples?
De imediato a resposta veio dinâmica, embora seus gases acinzentassem.
- A morte recebeu-me, chorando... na solidão!
Não que ela fosse a solidão, é que só chegamos a ela num estado
desolado. Ela nos quer vivos! Mergulhados na cultura das entranhas do
presente, mas queremos continuar... As memórias, coisas mortas, não querem
terminar e a morte é a destruição! Não tem hora nem dia é um ladrão e nos
rouba da vida.
A morte para mim dizia:
“Por que fugias, procurando a imortalidade, remédio para o terror, tendo que
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passar por mim como um cadáver? Por que não escancarastes tuas portas
descobrindo na vida meu segredo e entrarias vivo na minha casa? Estás
acaverado, dogmas e crenças apodreceram tua vontade, tua coragem de se
contradizer, de ser você mesmo de verdade”.
-Estava cada vez mais rígido, gelando-me... gelando-me... Em suplício,
sendo sugado, atravessava horrorizado um túnel parecendo ser de vidro.
Sentindo cada vez mais frio... mais petrificado enquanto a consciência
incandescendo queimava-me! Igual a uma geleia em brasa como as lavas de
um vulcão. Cada vez mais fraco, desfalecendo, gemia.
E sempre vinha uma resposta da morte:
“É a memória que te queima! Enquanto ela existir não poderás compreender
nada. Estás bloqueado na imaculada face da tua ignorância; pois vocês, “blefe
material”! Hipnotizam-se..., narcotizam-se com palavras, na ânsia de
“sabedorias”. Na infantilidade dos teus sentimentos, a tudo bloqueiam.
Desviados do coração, apenas refletem no espelho impuro suas dores”.
- Como navalhas, espetadas doloridas rasgavam-me!... Eram os conflitos
removendo-se em confusão. E aquela permanência sempre me
acompanhando, respondia! Foi quando percebi nunca ter estado só, nunca
abandonado. O pior dos homens está sendo atendido por algo... que não
sabemos vivê-lo! Não nos conhecendo, não o conheceremos.
Pela primeira vez, sentindo a compaixão de alguém por mim... ; conheci a
bondade, escutando a morte:
“E tudo tão simples!... Do óbvio, que é o próprio necessário, nasce a beleza
da ideia-ação, e num milagre matérias são moldadas pelas mãos sagradas dos
homens. São vocês os escultores, doutores, engenheiros da natureza, e o
mestre é o Amor. Mas... passou um eclipse, cegando a todos, a ignorância,
entre o intelecto e o coração; confundindo criação com invenção isolou a ideia,
separando da ação; ficando todos perdidos, na ideação - nem ideia e nem
ação. Nestas miragens nasceu o tempo e com ele a confusão, dando origem
ao espaço donde surgiram suas civilizações!”.
-A cada frase, pedaços de carne desprendiam-se dos ossos, emaranhando-
me por imagens que se chocavam, obrigando-me a encarar o Real; única
realidade, sempre presente, sem nunca ter-lhe dada atenção por estar perdido
pelas ilusões inventadas pela mente humana.
Emborcava-me dando voltas, caindo... Vendo tudo a se dividir.
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E a voz continuava:
“E cada vez dividem mais, em suas invenções:
Deuses para a idolatria, ideais para as vísceras, ideologias para a cabeça,
emoções para o coração, explorando o simples prazer do animal que ainda
está no homem. E o mais serio e vulgar: criou outro homem dentro do próprio
homem, com olhos, ouvidos, cabeça de monstro. Podes chamar, a “Besta””
-Um arrepio fez-me timbrar!... E mais espetadas como raios betuminosos,
rígidos como arame, rasgando as vísceras... perfuravam-me! Batalhava com o
medo.
Mais grave a voz manifestou-se:
“És tu mesmo o próprio medo fabricado pelos pensamentos que, tomando a
direção do mundo inventou siglas, siglas, ideais, ideias, ideologias; sufocando a
todos que matam e morrem por letras e significados em busca de seguranças.
Perdidos!... Tudo se complicou, aumentando as divisões: As raças em
preconceitos, as nações em potências, o trabalho em posições determinando
classes, as artes em títulos e por aí vai...
Conseguiram dividir os fatos em opiniões. Palavras em sensações: boas ou
más, feias ou bonitas. Dotes naturais em profissões rígidas: quem cuida do
fígado não cuida do baço, quem varre casa não é Ministro.
Comportamentos divididos: o bom e o mau ladrão ou assassino conforme
posição estratégica no social. E todos, mestres ou discípulos, são controlados
através do samba do premio ou castigo; conforme os interesses descem o
cassete ou premia com medalhas... também divididas em ouro, prata... E todos
fazem o que o monstrinho mais gosta: irritar-se por estarem divididos; brigar
por divisões; amedrontar-se porque dividiram aí se firmam nas armas. Este
atrito lhe dá mais energia: é um fantasma, um ser imortal, ninguém o atinge...
Não existe!
E os controladores das divisões são os seus mestres organizados em
departamentos: político, religioso, econômico... No político, conforme o partido
e o lugar apenas mudam de nome; falam sobre tudo, menos sobre a UNIÃO
que pode desmantelar todas as divisões. E as sigla dividem-se em subsiglas.
No departamento religioso, um dia um homem falou sobre um “Deus”;
pronto! Instalou-se a divisão: católicos, protestantes... e os ministros
pastorizados Papa, Bispo e até sacristão dividindo os espectadores em
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pecadores ou santos, espírito superior ou inferior, de luz ou das trevas.
Na economia, todas as noites dividem, aumentando o valor, diminuindo o
produto no dia. E a divisão entra na casa da multiplicação dos pães de um em
mil para não morrerem de fome.
As contradições em conflitos que, ao máximo tornam-se antagônicas e é o
inferno!... Amigo e inimigo, resultando nas guerras tão conhecidas. E as
guerras também dividem: nação contra nação, irmão contra irmão.
Este é o homem que se estraçalhou em milhões nos braços da ilusão entre
a ideia e a ação. É normal que não se conheçam e procurem um psicanalista;
este, também está preparado para dividir em análises as lembranças de suas
vidas”.
-Exausto! Também estava sendo dividido pelas formigas e morotós,
espalhando-me em pedaços sobre a terra. Foi quando, um rápido lampejo de
percepção começou a abrir as comportas da minha consciência.
E a voz ordenou-me!
“Escutes ao teu planeta! Todos estão cantando:” Eu, tu ele, nós, vós, eles.
Je, tu, il, nous, vous, ils. I am, you are... E com estas letrinhas, um está
matando o outro, pisando, acusando em termos gramaticais, é a Besta! O
homem irracional”.
-Num estrondo, querendo lascar as pedras do meu túmulo, a voz urrou:
“Verbalização! Fantasma que atravessa os tempos, sacrificando em
holocaustos uma parte dos homens enquanto a outra, adorando, bebe o
sangue das vítimas que se derrama sobre os altares”.
- A voz!... Cessou de se manifestar.
O tempo à espera do seu retorno foram séculos doridos de monotonia.
Sabia que voltaria!... Sentia sua compaixão!
E se não retornasse?...
Neste espaço-tempo indefinido, fui percebendo ter sempre vivido num
estado permanente de dependências. Eu era um amontoado de ideias, que se
mantinha, separando-se das coisas num astucioso artifício. Utilizava para isto,
pessoas, ideias e até objetos, na ostentação do meu “Eu”.
A isto tinha reduzido a minha vida: mero observador estático, observando a
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um mundo dinâmico ao qual queria dominar. O que importava era “Eu”, dando
“decretos” para a natureza e não as leis dela para mim onde tudo pulsa,
entrelaçando-se.
Enquanto percebia este fato; uma aquosa interminável sombra, de um
alaranjado escuro em formas estranhas, ia saindo pelo meu umbigo que em
gelatina desfazia-se. Era o falso homem - centro criador de imagens
imaginadas. Pelo processo das crenças foi sendo formado, moldado..., através
das lendas e estórias lidas e escutadas, desde a mais tenra idade,
sentimentalizando-me na ânsia de uma realidade.
Mais aliviado fui chegando ao meu fundo; rolava..., escorregando por
líquidos gomosos - eram os nervos e neurônios, o resto que de mim sobrou
sendo devorado pelos vermes, limpando as matérias putrefatas. Eu era um
carvalho abrindo-se ao meio onde NADA MAIS EXISTE, REDUZINDO-ME A
NADA.
Foi neste sentir, reduzindo-me a nada, que um filete da consciência
começou a ter luz própria; arrebentando o cadeado da prisão mental libertou
sua totalidade.
E o raio de luz da primeira manhã do meu despertar, atravessando a pedra
do túmulo agasalhou-me em seu lençol, esquentando-me da longa noite de frio.
Enrolado em suave tépido fui saindo do leito sagrado da dor.
Sorrisos despetalavam-se em auroras!... Cintilando meus olhos, despertou
uma voz... Minha verdadeira voz, tomando as dimensões inomináveis da
extensão: E A VERDADE, O QUE É A VERDADE? Com toda a força das
sedes não saciadas queria beber. Beber de um só gole, tudo que tinha perdido.
A feiura do meu intelecto fez-me ignorante do verdadeiro saber, impedindo a
soberania da beleza.
Suave... , cinzelando-me em sua paz meditativa, numa paixão poética a
VOZ foi retornando do silêncio...
Em bem-aventuranças transcendia a escutá-la! Entoando minha primeira
canção: a da humildade.
O som de sua voz em estrelas a tudo incandescia!
“A verdade não pode ser tocada, nem chamada, nem implorada.
Apresenta-se quando quer, é uma menina livre! Está entre as coisas animadas
ou inanimadas onde há um espaço psicológico e vocês, em suas
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insensibilidades, não percebem.
Faz tudo nascer, sendo cada coisa, única, insubstituível!
Faz gelar o gelo, queimar o fogo, sacudir o vento!
Dá nascença ao nascer das águas!... Enchendo as fontes que se derramam,
descendo pelas montanhas, correndo vales, esbaldando-se pelos campos em
rios de água.
Aventureira!... Abrindo caminhos, embrenha-se nas matas, devastando
terras, banhando cidades.
Avista outras águas!... Correndo ao seu encontro, joga-se em seus braços,
deixando-se carregar!
Temperadas no sal da nova água, junta-se aos oceanos, carregando
pesados barcos!
Enfrentando tempestades... mistura-se ao vento, evaporando-se no ar...
Transformada em nuvem, no encontro com suas irmãs mostrando-lhe o sol,
passeiam em pares!
Conhecendo a lua, sorri com meiguice, admirando as estrelas enquanto a
noite passa.
O dia amanhece!... Refrescando-se... penteia seus cabelos raios do sol que
nasce.
Vestindo-se de gases, do branco em rendas bordadas, alonga-se faceira é
hora do trabalho!
Ciosa do tempo equilibra a Terra, regando as plantas em chuvas que caem...
Um broto aparece... Crescendo a alface, é levada ao mercado e comprada
pelo homem que de nada sabe. Na mesa do dono, cortada em pedaços, brilha
escondida em forma de gota que morre nascendo... de volta à sua casa onde
deu nascença ao nascer das águas!”
- Enquanto escutava, libertando-me do túmulo, na unidade a Voz esculpia-
me!... Musicando-me... em desenhos coloria-me numa nova roupagem,
ensinando-me a não continuar, a não querer saber o “por quê” de nada.
Começava a aprender a viver “NO QUE É”. Em cada mais minúsculo
pontinho, ultrapassava a morte, no simplesmente SER, diluindo-me pelo infinito
de uma brilhante matéria negra permeando-se por tudo.
Companheiro! É tudo uma questão da mente que se escraviza na magia
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desprendida das coisas prendendo-nos “ao que foi” – passado -, semeando o
que será – futuro – ao passarmos pelo tempo cronológico dos minutos e das
horas nesta grande viajem da vida, num desejo de repetição, cegando-nos para
o “QUE É”, o verdadeiro “presente”; este insondável e indecifrável instante
onde contem, na unidade, todas as coisas, nascendo, morrendo num estado de
sempre NOVO, sem tempo nem espaço.
A sensação dada pelo atrito das energias das memórias, na perene
continuação do que foi, é o que chamam de prazer e uma “imagem”
centralizada, estática, foi se formando desde a mais tenra idade, cognominada
de “Eu” (o pensador, o observador, o experimentador... com todas suas
vivências e sensações físicas, psicológicas, neurológicas).
No engano deste “Eu” vive nossa humanidade, com a mente torturada pelo
conflito da dualidade entre o aceitar ou rejeitar, o bem e o mal... perdendo sua
natural segurança em equilíbrio com todas as coisas onde nada se sobrepõe a
nada.
E as portas se abriram para a entrada do MAU: crenças, ideologias,
religiões, tradições nacionalismos, resultando em guerras, injustiças, lutas de
classes, explorados e exploradores, escravos e senhores... O resultado é o
medo e a dor que a tudo acompanha, deixando sérias cicatrizes.
Das dores querem se livrar sem abandonar o prazer e mais emaranhados
ficam nas redes do tempo/espaço psicológico, pois dor, medo, prazer são
inseparáveis, fortalecendo assim, as abstratas imagens, pelo esforço mental
em concretizar desejos, as quais chamam de ideais - este “esforço” é a própria
“esperança” (espaço de espera onde tudo acontece - a vida não vai parar para
satisfazer os caprichos da mente em seu desejo de “vir a ser” atrás da
felicidade, realização, domínio, gloria, poder. E nos aniquilamos, derrubados
pelo Real movimento da vida que ignora nossos calendários e fusos horários)
Ao movimento das memórias ou do passado deram o nome de “pensamento”
que foi endeusado pelos homens, em sua ignorância de não se conhecer; e foi
dada autoridade a esta entidade fictícia - sem nervos, sem sangue ou
sentimentos; frio, insensível, contraditório, tirânico e cruel, sendo esta sua
própria característica – o poder de dirigir o mundo e a vida do homem, dos
animais e da natureza tornou-se um inferno; há séculos, vivendo em
monstruosas sociedades utópicas, dirigidas por fantasmas.
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- O pensamento, criando problemas, sem se dar conta de que foi ele o
inventor/causador de todo este caos: divisões, desejos, ilusões, medo, guerras,
dores, fome, miséria..., o criador de todo bem e todo mal sendo ele o único
pecado do mundo, na pretensão quer resolver o que ele ocasionou e mais caos
vai espalhando através de ideologias, novos sistemas, leis, reformas etc. e etc.
Por desconhecer que vivemos no Real, no Perfeito, apenas consegue deixar
o Ser em estado de conflitos; em confusão, inimizando-se uns com os outros -
entre amigos, famílias e nações -, distanciando-se cada vez mais do verdadeiro
pela ilusão de um “Eu”, também criado por ele: o “pensador”.
Somente pela percepção de nós mesmos, num só golpe de vista, tudo é
extinto e só fica o que somos de verdade AMOR, SILÊNCIO, CRIAÇÂO.
.... Escutava-o com fervor! Aprendendo do seu aprender.
Mas tinha tanto o que dizer... tanto o que perguntar, tanto o que...
Sua agudeza em captar ondas, era admirável! Já ia respondendo até
mesmo as que ainda seriam por mim elaboradas.
E numa atmosfera de solene seriedade foi respondendo-me!
-Sim. O psicanalista ou todo aquele que “lida” com a “psique”, pode ser
considerado uma polícia psicológica da sociedade. Seu papel é ajudar os que
se desviam da “normalidade”, trazendo-os de volta ao social. Não os deixam
sufocar em suas próprias crises. É perigoso! Poderão ver os reais problemas.
Analistas e analisados são dois fujões, têm medo de se enfrentarem; ver
que o “externo” quer a todos problemáticos. Sem o problema os poderosos
serão inutilizados, pois não mais haverá dependências de mestres, guias,
pastores, analistas, para quê? Livres, não lhes farão falta a “segurança
psicológica” dada por aqueles que, provocando a confusão, estabelecem a
“ordem” através de suas leis, doutrinas... para terem o “Poder” nas mãos.
-Sim, não disse e não dizem:
Amigo, sua totalidade só pode ser conhecida por você, conhecendo-se a si
mesmo; e, para isto, não precisa de nós, de nenhum especialista, de nenhum
livro, nem instrutor ou guia, de nenhuma autoridade que vão lhe cegar ainda
mais. O mais inteligente ou sábio dos homens não pode tocar, analisar,
intrometer-se nas dimensões psicológicas de nenhum homem. É este o
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IMPOSSÍVEL.
Como dar visões fixas a um mundo onde nada é fixo, onde tudo que existe
contém tudo de todas as coisas em formas de energias fecundadas pelo tempo
no ventre do espaço; portanto, como analisar, explicar, concluir, interpretar
detalhes, escanteando a totalidade?
-Sim, não disse e não dizem:
Que as sugestões que vêm da mente, em suas camadas mais profundas,
são rechaçadas pelo processo de “educação” do mundo “externo”, fazendo de
todos autorrepressores. No momento em que estas sugestões não forem
impedidas, onde ficará o mundo dos sacerdotes que fizeram do homem um ser
medroso? Dos intelectuais que fizeram do homem um ser ignorante e o
conhecimento de si mesmo virou uma utópica filosofia? Dos políticos que
fizeram do homem um ser grosseiro, medíocre, vulgar?
Envenenaram as energias do homem, tornando-os inertes, angustiados,
torturados, fragmentados; chicoteados pelo medo são acariciados pela
ambição.
-Sim, não disse e não dizem:
Que já nascemos matriculados numa grande Escola de Teatro onde
aprendemos a dramatizar e a bem interpretar a maravilhosa peça teatral “Eu”.
É uma tragicomédia, rica em suas variedades de enredos. Só ganham fama os
bons atores; os figurantes ficam na ralé dos bastidores, porém imprescindível
para o êxito do trabalho teatral – sem eles, o bom ator que sobressai não
existiria.
Dou risada de mim mesmo. Não tive o senso do ridículo! E era este “Eu”
que pretendia e meus discípulos pretendem analisar. Sem palavras.
-Sim, não disse e não dizem:
Que o homem, para se curar, terá que jogar ao lixo esta peça teatral “Eu”;
despersonalizar-se, abandonando a obediência psicológica com toda sua
dramatização do “bem e do mal”.
- Sim, não disse e não dizem:
Companheiro, - em vez de chamar de cliente - todos nós estamos na
mesma situação, hipnotizados! Sobrecarregados por violentas correntes
psicológicas tornadas inconscientes pelos acúmulos de memórias seculares,
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precisando ser vistas e por si mesma extinguirem-se.
-Sim, não disse e não dizem:
Amigo! A cura está nas ruas, nos bares, nos transportes coletivos, nas
famílias, nas escolas, em todas as partes. Nos ares dos ricos, na inércia da
miséria; no parlapatear dos políticos, nos templos, nos prostíbulos. É passando
pela lama que nos limpamos, e não dela fugindo para nos banharmos em
banheiras com sais aromáticos, praias saudáveis ou perfumes exóticos.
Olhe o sofrimento alheio, o problema dele é o seu. Não existe o meu e o seu
problema; só há o problema, inerente a todos os homens. Por dentro, são
todos: ambiciosos, invejosos, maledicentes, orgulhosos, autopenalizados. E, é
com toda esta carga que andam, arrastando-se à procura da felicidade.
-Sim, não disse e não dizem:
Olha! Fomos educados na rigidez de desejos, através das “sugestões”
impostas pelas propagandas comerciais, religiosas, políticas, sociais.
Classificaram, organizaram, intelectualizaram, espiritualizaram os desejos.
Atingiram o centro nevrológico do homem onde as vísceras fervem no
caldeirão dos pensamentos, deformando os sentimentos, as emoções, os
humores, os prazeres. Tudo dominado são facilmente pescados através das
influências, em todas as formas e nuances; sendo destrinchados pelos dentes
dos dominadores em seus banquetes ou até, na simples mesa de um amigo.
É a dualidade, lenha incendiada que alimenta a chama do conflito. Passam
suas vidas dirigidas por um pêndulo entre o bom e o ruim, o gostar e o
desgostar, realização ou frustração que resulta em assassinatos, guerras,
suicídios... Esperança ou desespero em ganhos ou derrotas; do positivo ou
negativo supersticioso; do certo ou errado - sendo que, o certo só é aplicável a
coisas técnicas, por exemplo: Não deixar que o planeta desintegre-se por
causa de um erro atômico.
O HOMEM NÃO ERRA NEM ACERTA, O HOMEM APRENDE.
O “Eu” e o “não Eu”, onde todos são réus e vítimas, em acusações,
julgamentos e defesas. Do foi ou não foi, fez ou não fez, nos lares, nos
tribunais, nas escolas, entre os casais, os amigos ou desconhecidos. E em
tudo isso, a satisfação torna-se uma exigência paranoica, permanente. E...
sendo, a satisfação um estado indefinido onde segurar o vento é mais fácil! O
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medo instala-se; sendo a base do desejo. Paraplégica! A satisfação anda
sempre carregada por sua inseparável irmã gêmea, a insatisfação.
São esses opostos que mantém toda a estrutura psicológica do “Poder” das
Instituições religiosas, políticas, sociais, no coletivo ou individual.
-Sim, não disse e não dizem
Só há desejos. A vida é uma série interminável de desejos. Não podem ser
gerenciados. Não se suicide, matando o desejo. O conflito surge, justamente,
no esforço para torná-lo rígido, único, obediente. Ao fazer escolha, entra a
confusão; e um desejo briga com o outro, e o outro com o outro, e o outro com
o outro...
Portanto, companheiro, vivendo todos os desejos os conflitos deixarão de
existir e a lucidez será seu estado permanente, ao dormir ou em vigília. A
vontade acalmada, tudo tomará seu rumo certo.
-Sim, responderei a esta última pergunta
Por que eu era obstinado pelo caráter anal?
Mas já não era isto o sintoma do prelúdio do meu câncer no reto?
Isto! Eu não soube explicar!
... Majestoso! O belo embalava-nos na comunhão do desabafo, nos braços
da realidade.
Os gases foram diluindo-se... e pude ver sua face:
Seus olhos... eram a imensidão de estrelas inflamadas numa canção
genesíaca! Seus lábios... um sorriso esculpido na imortalidade!
Em cortejo, as alegrias iam depositando coroas de flores no tempo do nosso
passado.
Assim como surgiu, se foi... em calidoscópio... Fechando suas cores e
formas, sumindo... num único ponto. Perdendo-se... no imensurável!
Aprendia... como aprendia!
Banhada pelo frescor da purgação foi-se abrindo meu mais profundo
túmulo, ressuscitando sonhos e anelos onde jaziam enterrados pelos homens
enquanto mãos silenciosas teciam-me em fios azuis translúcidos, do novelo
que se desenrolava do infinito incomensurável mundo da escuridão.
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Vestida do novo..., acostei-me nos últimos raios dourados do Sol se pondo.
Descerrando a cortina do dia chegou a noite; diluindo-me em seus trajes,
em seu colo carregou-me! Levando-me por cada raio prata que se desprendia
da lua explicava-me o porquê das coisas, tornando-me criança.
A aurora surgindo, foi despertando a inocência dos meus novos primeiros
passos e a brisa que dançava, traquinando aqui e ali com os orvalhos,
enlaçando-me, arrebatou-me! E num festival de movimentos malabarísticos,
ensinando-me a arte de voar... arremessou-me pelos confins.
Num vácuo flutuava... num vazio ...em todas as direções; num oceano de
cores que moviam-se em ondas fluidas, perfumando-me num banho acetinado
do aroma que se derramava da serena unidade da criação.
Com asas próprias voava... , invulnerável ao tempo e ao espaço, orientada
pela bússola do Atemporal que sempre residiu em mim num pacote de séculos
mais leve que o segundo.
Entre substâncias da existência, transformava-me!... No fresco nascer do
existir na morte, no seio do Nada.
Nada!... Berço, origem intangível da criação! Vive obumbrado no mais
desconhecido da escuridão onde as luzes, o brilho, os esplendores não lhe são
necessários.
Simples... É a própria fonte da energia onde fecunda o ser da luz. É o seu
próprio fim, ilimitado em direções, profundezas e dimensões; sendo este o
inatingível principio.
Dá movimento!... Sem continuidade, aos novos movimentos em suas
espontaneidades!
Dá visão!... Onde todos se miram, espelhando-se nas águas cristalinas dos
espelhos viventes, tornados visíveis pela materialização no milagre da
condensação da energia.
Dá olfato!... O mais perfeito e infalível guia, entre todos os guias.
Dá sabor!... No refinamento da abundância de alimentos oferecidos pela
natureza a cada espécie, a cada coisa!
Dá sensibilidade!... Na diversificação dos toques em suas infinitas
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variedades, próprias a cada corpo a cada substância!
Dá as ferramentas dos movimentos, guiando os obstáculos!... No equilíbrio
e cálculos perfeitos, entre as distâncias, tempo, pesos e saltos!
Dá sensualidade!... Dança da libido, compondo melodias que se
exteriorizam em movimentos apaixonados na harmonia da sedução!.
Envolvendo-se em musselinas... orlam a margem dos encontros, jorrando
suavidades em sensuais alongamentos, tocando os acordes... prenúncio da
procriação. E... um beijo prolongado nas substâncias surge o milagre! Um filho.
Dá lucidez!... Na correnteza das aventuras livra-se das emboscadas, em
perfeitos dribles que encantam!... Perdendo-se para si no encontro lúcido de
um no outro, na transparência dos fatos ri para as ilusões que vão
carbonizando-se por onde ela passa.
Inefável!... Na mudez de sua sabedoria vai inerindo em cada ser, na
efervescência do silêncio, as sementes da liberdade e da inteligência.
Do vazio deste NADA!... Tempestades de bem-aventuranças a tudo
vivificava! Fulgurando em cores musicadas espalhavam-se!... Colorindo as
dimensões do invisível, iam dando nascença ao núcleo de cada coisa,
desabrochando no seio das aparências em infinitesimais infinitas partículas,
afirmando a verdade do existir.
Confundia-me com aquela multidão que oscilavam cadentes em
pantomimas; estendendo-se em cadeias de sóis, cantavam sinfonias ao
ilimitado num único movimento rítmico. Cada uma, dona de natureza congênita
numa perfeita organização congênere, aprendia a socialização em seus
conjuntos, respirando perfumes que exalavam do hálito da existência.
Da Ribalta! O incomensurável Atemporal, alimentando a todos no
impenetrável insólito mistério do Nada, olhava a todos os tempos, num só
tempo.
Em cada partícula, sentia seu sorriso afagando-me! No majestoso da luz
que mantém a tudo em equilíbrio; em vibrações, emitia ondas que se
transmutavam em fragmentos de matéria, numa troca eterna... onde tudo faz
morrer e nascer sem continuidade.
Renovavam-me o psíquico!... Estava sendo criada. Pelo infinito incolor
nascia..., flutuando nesta última camada do meu infindo onde só havia a inata
consciência da Inteligência Atemporal.
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Inteligência!... Origem das origens! É a própria causa de tudo que vai
existindo... que vai se extinguindo... nada se perdendo, em eternas mutações.
É ela mesma, a energia que se condensa em movimentos, cores,
substâncias, órgãos, roupagens, água, ar, minerais, terra, fogo, gelo...; levando
cada coisa detalhes de sua especial personalidade que, no conjunto de Tudo,
forma um único caráter; seja a de um galho de planta em suas ramificações, a
do desenho de vales e montanhas.
É tão pequenina!...É tão enorme!... Cheia de afeto, plena de sentimento, de
candura, meiguice e compaixão... gentil, cata e dinâmica!... É o tecido da flor, a
qualidade das folhas, o sabor das frutas, a dureza da pedra; é o ouro, a prata, o
diamante. É a mais rica, mais abundante, desprendida e simples.
É a brisa, é o orvalho, são as ondas do mar; é o brejo, o caranguejo e o
leão; é o homem; é o cavalo; é o cão.
É o desconhecido que vai se conhecendo... ficando para trás nasce a
memória e com ela o tempo. Está sempre aprendendo, nada sabe - sendo este
o seu maior segredo: sempre nova fresca..., deixando nas aparências a
manifestação viva de si mesma.
É tão inteligente... a inteligência! Só ela escuta os corações, lê as mentes, e
cega aos curiosos do Universo; os que querem chegar ao “principio da vida”
sem olhar para ela, com o castigo do tempo (em cada século, apenas um
detalhezinho de alguma coisa da imensidão, “descobrem!”). Está sempre a
dizer: “Podem chegar ao principio das coisas passíveis de medida; sejam elas
micros ou macros. Mas não chegarão a MIM! Não passo pelas mentes, meu
caminho é outro: é o das delicias; o do grande amor!”.
* * *
Do incognoscível, uma precipitação em cristais despejou-se!...
Mergulhando-me num lago transparente de espumas brancas argênteas. Nesta
quietude quedei-me... admirando as estrelinhas embevecidas em prateado que
saltitavam refletindo o dourado furta cor do charme da Beleza. Era ali a
morada da Paz.
Meu azul translúcido coloria em fosforescência ao diáfano daquele lago de
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espumas que, ao esvoaçarem, acariciavam-me... volatilizando-se no nada.
Foi quando... uma faísca saída das entranhas da suma de todas as energias
em flecha transpassou-me!... Arrancando-me da placidez em que imergir,
dividia-me em milhões de outras partículas que iam se organizando num novo
sistema universal; transformando-me no vivo que se move, se substancia...,
enchendo-me do calor do poder da emancipação.
Em mutações deslizava... irreversível ao despertar de outros mundos.
Errante..., viajava entre nuvens de poeira que corriam céleres ao meu encontro
na alegria da inocência de brincar, pela lei universal da espontaneidade, sem
nos chocar.
Mais e mais!...Abria-me em avelutínea florada, filigranando-me... de criança
à tenra idade.
* * *
O espaço, em cetim grafite, como tecido formando brocados, recurvava-
se!... Em suas dobras divertia-me fazendo ondas que coleavam; correndo, iam
deixando um rastro policromo onde deslizava, brincando de escorregar.
Na última recurva, num impulso final, as ondas caindo em cascatas
formavam cortinas
que se escancaravam... enquanto em efeito “dominó” deletavam-se em novas
extensões.
Vomitada por um sopro, em redemoinho subia... Rompendo o hímen do novo
espaço, despertei na zero hora do mundo materializado do invisível.
Um choque escandalizado extasiou-me! O mais grandioso espetáculo
desfraldou-se num deslumbramento!...
Forças tempestivas abalaram-me no fascínio do esplendor do OPÍPARO!
Despejada! Uma silenciosa atração imantava-me com o poder do encanto;
via tudo ao mesmo tempo. Eu era um diamante lapidado, não havia frente,
lado, costas, acima ou abaixo.
Ao fragor das ondulações, rumo ao indefinido do existir, partículas vindas
dos rios do além viajavam imponentes, em ascensão, espargindo-se pelo
cosmo.
Além dos Universos, também vinham voláteis substâncias... Incendiando-se,
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tomavam formas em seus movimentos numa rapidez incalculável! Impossível
de serem seguidos. Tudo se movia tão solto! Peralta, dinâmico, dando a
impressão de estático.
Um show de pontinhos, em crisólitos, gotejava do vazio, cantando na solidão
a canção do silêncio!... Esses pontos luminosos e iluminados gravitavam numa
solidariedade... Modelando, florescia a vastidão... Mimoseando, modulavam-na
em consciência uníssona, mas de cunho próprio em suas desigualdades de
movimentos, posições, cores, formas e brilhos.
Que esplendor!...Universos formavam-se, milhões!... E tudo se multiplicava,
nascendo, deflagrando-se... e... Desconhecia-me!... Tudo se desconhece. Vida
para a vida!
Presenciava a materialização. De qualquer coisa, nasciam as coisas.
Cada partícula, formada da plenitude, entregava-se à formação do óbvio
necessário; em conjuntos, em famílias, porém autônomas, independentes e
livres. Levava em suas entranhas um “arquivo vivo” onde estava armazenada a
História do seu principio, e um espaço em branco para as que viriam - causas-
efeitos das experiências de suas vidas: “guia”, para o porvir de outros seres a
brotarem de si.
Um enxame de partículas, num pisca-pisca, arrodearam-me! Brincando de
esconde-esconde com as ondas de energia foram levando-me..., num equilíbrio
áureo, para mais perto daqueles pontos que se agigantavam! Fazendo graça,
iam enganando-me de “ser”
ou “não ser”; ora, era matéria; ora, era energia.
Fascinada! Ensinavam-me a olhar o movimento daqueles corpos, espelhos
de luzes explodindo em fogo, que extasiavam!... Num pluridimensional, em
quadrantes abriam-se! Num ritmo trêmulo balouçavam-se num ir e vir, em
múltiplas posições que não se repetiam, jamais retornando ao passado.
Fantástico!... Na harmonia da desigualdade, era uma orquestra que bailava
numa velocidade onde o principio e o fim não existiam; sem fronteiras entre
espaços e astros, riquezas inomináveis de vidas pululavam!... Fervendo num
impulso apoteótico de: sempre, mais vida. Só há vida.
Absorveu-me um calor beatificante!... Polinizavam-me! Eflúvios em
abundância extravasavam dos pólens que, em chuva, despencavam do fogo
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branco – útero nascente das flores. Sua chama era a própria fonte da
fecundação onde brotava todo macho e toda fêmea. De suas alvas labaredas,
caíam, em enxurradas, derrames de flores num encontro transcendental! Trazia
cada uma os elementos químicos que, um dia, iriam transformar-me em
sangue.
Transfigurava-me!...
Das mais adentradas longitudes tudo estava sendo criado. O próximo
instante ainda não existe. Tudo vai existindo... na imensidão insondável...,
eterno único presente.
Uma força a sugar-me, foi deslizando por superfícies que se torciam...
Maleável, era repuxada por redemoinhos, encaracolando-me em luminâncias
que se despejavam sobre um Celso mar cromático de cristais hexagonais. Em
flocos gasosos de profundezas coloridas, rumorejando em imensidões
fosfóricas, arredondava-me!... No encontro com todas as coisas, num único
beijo, num abraço. Bocas, olhos, narizes, sementes, grãos de areia, tudo... a
se encontrar... a se bolear.!...
Nesta excelsitude, um sopro em rajadas auríferas lançou-me sobre
cachoeiras de gases atmosféricos que, em camadas azulavam-se enquanto
orbitavam, debruando-se de verde-azul sobre as águas.
E um céu anil celestial destampou-se! Abrindo seus braços à filha de volta à
sua casa. Flamante! Num toque acelerado, despida de tudo, por suas
entranhas que se abriam, caminhava... numa tela em branco a ser pintada.
Resvalando pelos fios dos raios que do oxigênio esfiapavam... esboçava
traços, chamuscando em ondas de platina por onde passava.
Queimava-me a brancura das nuvens em neve! Era a fertilidade sorrindo os
meus sonhos que se aproximava..., brincando entre alvirrosadas esponjas,
fazendo desenhos ao se evaporarem das águas.
Seu gosto gelado refrescava-me!... Sentada a olhá-las... abstraía-me
perdida no ocaso... Adentrando-me na privacidade de sua exuberância... eram
ninhos a me abrigarem.
A calmaria envolveu-me!... Abandonei-me em seus braços: “fizessem de
mim o que quisessem não me pertenço. Eu sou sua, vida. Sou a Terra”.
Um carinho penetrando-me... de alguém a viver esperando por mim, em
desejos de súplica chamava-me! Para o mundo dos ruídos, das vozes das
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crianças.
Arrebatou-me um arco enorme colorido e fui subindo... por suas costas,
engatinhava... Brincando com as nuances de suas cores, escorreguei..., dando
a volta ao mundo pelo arco-íris e mais perto fui chegando deste alguém.
O vento passando transportou-me acima das montanhas; sibilando em
prosas, conversava com o tempo segredos que viriam! Soprando as densas
brumas, sacudiu uma exuberância verde que, balançando-se em tapetes se
estendiam!
Festejando em hosanas!... Mãos florestais para o alto aclamavam, dando
boas vindas à chegada de sua nova irmã terra.
A Natureza ativa, de avental, vassoura e esfregona; limpando sua casa,
escutava o uivo do vento e pensava: “O que trará ele em suas asas?”.
“Hum!... mais uma que chega! Terei que cuidar!” Confabulando, ia
delineando nos ângulos dos Vértices o croqui do meu destino.
E, num rodopio, jogando-me a outros tempos, num impetuoso cascudo
despediu-se de mim o vento.
* * *
Perdida por tantas folhas que me beijavam, numa efusão de clorofila sentia
fremente a pulsação do desejo no ventre dos meus pais.
E um calor tropical verdejava no vale... abrindo-se entre as folhagens,
mostrando o Sol brincando de roda, limpando o dourado que ia deixando ao
marcar as horas.
Vestida de negro surgiu a noite!... Passeava faceira ornada de jóias!
Ostentando uma gema, iluminava as águas, jorrando pratas pela escuridão,
inspirando as estrelas que escreviam versos no meu coração.
Desfilando... ia sumindo a noite pela madrugada, deixando entrelaçados no
leito hinário das venturas corpos em delicias fecundando-se!
Momento culminante!...
A brisa despertou a manhã, cantando junto aos pássaros que, algazarrando
suas sementes esvoaçavam suas plumas.
Despreocupada, charmosa e elegante, desabotoando seu chambre ia
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desnudando-se o dia por uma estrada que se abria adormecida nas sombras.
Despertando a todos, em clarão de luzes, melodiando, derramava-se... em dó,
si, lá, sol, pelas matas, desertos, pelos mares, campos e montanhas.
Em pergaminhos abrindo-se!... O sol, dançando primeira valsa sobre os
folhames dos pomares, em jatos, salpicando seus raios sobre as ramagens,
rabiscava em verde ouro, bordando lantejoulas nas rendas dos vinhedos que,
em folhedos se esgarçavam!
Pincelando suas formas sobre cascalho sépia escuro, arbustos
espreguiçavam-se, acordando montes perolados de areia que, ainda
ensombrados pelos recantos, estavam mergulhados em devaneios.
Avançava!...Com visão ampla de tudo que me cercava... planície, montes, e
vales!...
Das arvores! Suas galhas em gala, em cumprimentos campestres,
debruçavam-se sobre a estrada, reverenciando ao nobre cortejo que passava:
borboletas amarelinhas,
pequenas e ariscas, voluteando corriam entre as pernas das maiores mais
sérias e marrons.
Chuvas faiscantes de insetos e besourinhos, em corrupios amostravam-se!
Bulindo com as sombras, beliscavam as flores que em matizes se abriam.
Pássaros, cantando hinos, distribuindo liberdade, disparados em revoada
brincavam!
Do perfume do alecrim que as abelhas zumbindo, em ziguezague
exalavam!...
Em carícias, sapecas e sensuais, viviam suas vidas, esquecendo suas
formas que refletiam... fazendo sombras sobre os areais, troncos e folhagens.
E caminhava!...Vozes e vozes cochichadas magnetizadas chamavam-me!
Águas... Águas, muitas águas, rompendo a terra entre as raízes me perdi!...
Vagas agitadas, gorjeando trinados líricos, em nuances de violinos ao infinito
por suas ondas estendi-me!... De volta ao grave, em soprano, respondiam em
coro, cantando as águas.
Suspensa em melodias, fui levada pelas canções à solidão de uma rocha
curveteada pelas águas. Insinuando-me entre os minerais, abriguei-me numa
concha abandonada sobre a madrepérola de um molusco à espera da chegada
45
de ÁRIES enquanto, passavam revoltas as grandes marés de Março,
transbordando-se em ressacas pelas praias que iriam me banhar.
Jogada pela distância, aparou-me o espaço entregando-me ao tempo! E fui
depositada naquele leito onde seria germinada.
Em frenesi tremiam!... Seus beijos eram meus lábios a se formarem. Em
suas salivas sensualizava-me!... Entre os dois banhava-me o suor da volúpia
que escorria...
Em escala musical notas iam surgindo... tocadas pelos corpos numa
interpretação triunfal dos sentimentos. Em linguagem natural dos órgãos, na
mais profunda inspiração da vida explodimos no acme do orgasmo!
Em energias orgásticas flutuei!... Invadindo minha nova casa, alimentada
pelo leite operário.
E fui feita, gerada, parida da MATÉRIA. Nascendo de dentro de tudo... no
óvulo... da Mãe TERRA.
O tempo não existia!... Apenas, lembrança de ter brincado com meus
dedinhos e as últimas palavras do vento, rugindo, espalhando poeira no caos,
misturando as raças dizia: “Escute minha voz, não somos nada! Olhe os
tempos que passam!”.
Chorando os “ais” da Humanidade, lá se foi o vento!... Carregando todas as
lembranças do meu além.
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PRIMEIRA PARTE
CASA MATERNA
Magnitude da vida
Primeiro amor nascendo do ventre materno
Primeira Infância
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Uma casinha querida guardada para sempre no meu coração. Tenho
vontade de desenhá-la, concretizá-la com lápis de cores, mas...
Tinha uma porta e duas janelas, em estilo colonial, assim era sua fachada,
simples, inesquecível!
Lembro-me das gotas de chuva escorrendo pelos vidros da janela, ficava a
contemplá-las... até desaparecerem uma a uma. Que maravilha eu sinto ao
relembrá-las!... É uma sensação de vácuo ao descermos uma montanha russa.
Se hoje sinto isto, imagino naquele momento vivo que ficou para sempre na
minha felicidade!
Elas sim... é a minha eterna modernidade, sempre contemporâneas; e
escrever sobre elas que ficaram para sempre minhas!... Onde estarão?
Evaporaram-se, outra vez retornaram em água ou...
Brincava na calçada; pelas paredes... parece de um amarelo... ou era azul?
Devem ter ficado muitas marcas de dedinhos... se pudesse ter gravado para
sempre! Se todos pudéssemos ver como foram nossas mãozinhas... e, agora
olhar para elas... cheias de injustiças, traições ou de muitos carinhos!...
Aquela rua... Hoje me parece um mundo de fadas: Santo Antônio da
Mouraria, o número não sei; bem em frente ao Quartel General onde um jovem
todo de verde, em sua guarita, até hoje me faz sonhar. E o rataplã plã plã... do
som da corneta, anunciando a alvorada!...
E a casa da vizinha!... Sempre pra lá eu fugia. De sobrado, com puxada em
ferro trabalhada em cada janela-porta! Sei que ela era jovem e minha amiga;
porém feições, corpo, nome, personalidade, essas coisas não existiam. Só fica
mesmo, em nós; o gosto, o afeto pela permissão de brincarmos com suas
coisas, batom e esmalte de unhas sem ser escondido.
Uma vaga lembrança, mas muito presente em forma de sentimento; a do
meu irmãozinho correndo por aquela rua dourada; até que, um dia quebrou o
braço (parece que quebrou, não sei... esqueci de perguntar-lhe, já faleceu).
Não guardei lembrança do fisionômico das pessoas; somente a partir dos
quatro anos de idade as fisionomias foram tomando forma, personalizando os
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personagens através de castigos, repreensões, prêmios ou conselhos,
obrigando-me a jamais esquecê-los. O ego de cada um foi sendo memorizado,
por usurpar como autoridade o trono no palácio da minha mente e eu, no meu
palatino, humildemente sentava-me aos seus pés e ainda agradecia.
Os adultos, crianças que foram deformadas, projetando em nós seus medos
nos obstinam a eles nos identificar; instalando-se assim, o princípio dos
problemas sociais que são carregados como fardos, multiplicando-se em
toneladas, até à sepultura.
Vivia plenamente! Submergida naquela imensidão dourada, permeando-se
por tudo..., enlevava-me com todas as coisas num único infinito. É este
indefinível, cinzelando-se em nossa alma infantil que nos faz dizer e o poeta
escrever: “Que saudade tenho da aurora da minha vida. Da minha infância
querida que os anos não trazem mais”.
Mas trazem sim. Os sabiás sempre cantarão! Vivemos mergulhados no
paraíso de ouro caído do Sol. Somos o próprio, somos uma estrela.
Tenho vontade de dizer, vejo-me: eu era uma princesinha de cabelos
dourados, encaracolados, de olhos azuis, sempre rindo. Aquele vestidinho
branco... Que simpático!
Tinha um bolsinho... até hoje me dá uma sensação!... E sorrio ao lembrar dos
contos infantis: dos vales e castelos... do lobo mau do Chapeuzinho
Vermelho... das migalhas de pão de João e Maria...das mentiras de Pinóquio...
do feijão de ouro da árvore de João...
Minha mãe, é ela a quem vejo. Não sei por que, algo escurece... A memória
apagou-se!
Ah! Sim. Um corredor; parece sempre escuro, tenho medo! Uma salinha de
jantar... Lembro da mesa e da posição do armário de louças, bem no fundo à
esquerda. Nesta sala, do lado direito, duas portas: a que dava de frente para o
corredor ia sair num pátio - devo ter brincado muito neste recinto descoberto,
não lembro de que houvesse quintal. A outra porta dava para a cozinha onde
tinha uma janelinha baixa, dando para este pátio e o sanitário em piso de
cimento.
Três memórias estão nítidas, como se neste momento tudo estivesse
acontecendo:
A primeira; a de uma cobra que apareceu, e vejo minha mãe correndo aflita,
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falando em ferver uma água para jogar sobre a bichinha; deve ter morrido.
A segunda; entre as paredes laterais do lado esquerdo do fundo da nossa
casa com a da vizinha tinha uma brecha onde ficava a olhar a luz do sol, de um
dourado forte em contraste com a sombra que fazia ao se adentrar pelo
buraco. É inenarrável o sentido, o vivido, foram momentos de mistérios - o
principio dos devaneios. Essa lembrança, até hoje relaxa, dá um frescor... é um
sorvete de cajá amarelo-ouro derretendo-se pelo cérebro.
A terceira; foi a primeira tomada de consciência sobre o sentir alheio. Estava
no pátio, tomando banho, e lembro-me do justo momento em que a consciência
se abriu: minha mãe querendo enxugar-me, tentava me carregar enquanto eu
chorava, esperneando-me - queria continuar na bacia, brincando com a água.
Suplicou-me de um modo tão sofrido que, bruscamente parei de fazer má-
criação e deixei-me carregar; já, na sala de jantar, séria, em pé sobre uma
cadeira enquanto ela me enxugava, a memória do recente fato ficou a se
repetir: minha atitude, sua dor e a pena que senti. Nunca mais fiz má-criação.
Somente agora posso expressar todas essas coisas vividas.
A mente, obviamente formando-se, registrava todas as cenas-momento.
Porém, somente algumas foram fotografadas e reveladas. As outras não
passaram do negativo. Mas durante o transcurso da vida não é assim, apenas
certos momentos ficam mais fortemente marcados? Se todos os instantes
quisessem predominar, enlouqueceríamos! Os neurônios estourariam.
Um flash, também presente, às vezes intriga-me:
Curioso! Eu era eu, em pé na porta do pátio que dava para a sala de jantar,
e me via deitada no colo de minha mãe, mamando em seu peito esquerdo. E
apenas isto, sem explicação. E para quê? Toda explicação: por que, para quê,
a fim de que; mata a magia, o encanto das coisas.
Até os três anos de idade fui alimentada com o leite materno; nesta época
não havia silicones, tamanho ou dureza de seios fazendo ”moda” que
impedissem às mães de amamentar os seus filhos. Mamãe tinha uns tão
grandes... maravilhosos! Como ela mesma dizia: “Minha filha, meu peito dá
para jogar pelas costas”, e soltava uma curta, mas gostosa gargalhada.
E mais sete marcas ficariam no que chamamos de recordação da primeira
infância:
Primeira lembrança: em casa de algum vizinho... os raios do sol batiam
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Uma jornada de transformações e descobertas

  • 1. 1
  • 2. 2 Albertina Rodrigues Fel e Mel no Cálice da Vida Dedico Ao meu filho, a toda sua geração; à humanidade a todas as gerações rumo ao despertar explodindo-se em luz! Soltem-se as mãos! Livres! Flutuando no espaço do tempo chegaremos ao imensurável onde nos aguarda nosso Pai recebendo de volta em sua casa seus filhos pródigos - a humanidade despejada de suas crenças, de todo “bem” e de todo “mal”. E, outra vez, em direção a outros mundos, moldados pelas energias que se condensam em múltiplas formas, seremos arremessados ad-infinitum, pela sabedoria do Aprender-Vivendo, Nascendo-Ensinando-Morrendo.
  • 3. 3 Sumário Páginas ............................................................................................ Capa Dedico Sumário Transformações.....................................................................07 Primeira Parte Casa materna – primeira infância..........................................44 Novo lar..................................................................................49 Tias.........................................................................................51 Quarto de dormir.....................................................................59 E o tempo foi passando...........................................................66 A ceia.......................................................................................69 Os domingos – domésticos.....................................................70 Primeiro contato com o mundo...............................................73 Colégio Interno........................................................................76 “N....mesmo dia”.......................................................................82 O ser no opróbio.......................................................................96 Os sábados no Convento..........................................................97 Os domingos no Convento......................................................100 Minhas primeiras férias............................................................116 Retorno ao Convento...............................................................123 Férias de Dezembro ................................................................130 As férias continuam..................................................................140 Sou um contrabando – as férias que não tive...........................162 Florífera natureza.......................................................................167 Abandono...................................................................................172 Ah! Destruidores.........................................................................175 Jesus Cristo nunca existiu..- la Sagese......................................180 Mornava-me em beatificações....................................................187
  • 4. 4 Dezembro 1946 – meus irmãos...................................................191 Março de 1947 – Retorno do Convento.......................................194 Minha mãe – o Mar......................................................................196 Dezembro 1947 – Veraneio em Camaçari...................................197 1940 – Ínfima pecadora................................................................200 Dezembro de 1950 – Prelúdio da Adolescência...........................203 O quarto de mamãe......................................................................204 Camaçari.......................................................................................205 Março de 1951 – Prelúdio do Amor..............................................207 Primeiro beijo................................................................................209 Agosto de 1951 – Fuga do Convento...........................................210 Menina-moça................................................................................213 Internato Sacramentinas..............................................................218 “Ou eu ou ela”..............................................................................219 Internato Colégio São José.........................................................220 SEGUNDA PARTE Encontro dos mutilados...............................................................222 Instituto Feminino da Bahia.........................................................225 Entre o céu e o Inferno................................................................227 Noivado.......................................................................................234 A grande paixão..........................................................................236 1958- Casamento........................................................................238 Vida Conjugal..............................................................................240 Escândalo....................................................................................248 Desquite – Retaliação de uma criança .......................................255 As Artes.......................................................................................263 Sonhos desfeitos.........................................................................266 Luta por meu filho – Tuberculose................................................267 TERCEIRA PARTE 1964 – Golpe Militar....................................................................273 Mudanças radicais.......................................................................278 Rio de Janeiro..............................................................................282 Novo lar- Nova vida.....................................................................286 Pensionato “Mon Rêve”...............................................................291 Escola Nacional de Belas Artes..................................................294
  • 5. 5 Politizava-me............................................................................295 Movimento Estudantil – 1968...................................................297 A Revolta..................................................................................300 Missa de sétimo dia..................................................................302 Maio de 1968............................................................................304 Célebre mês de Junho..............................................................306 Sexta Feira sangrenta e a passeata dos cem mil.....................310 Crise Nelson, crises e crises.....................................................315 Império do terror........................................................................317 Radicalização............................................................................318 Razões, sentimentos.......Onde tudo ficou?...............................322 Frende de Libertação Nacional..................................................323 Novos rumos – Nova História.....................................................324 Minha primeira ação...................................................................328 Ironia do destino.........................................................................331 Dias felizes.................................................................................332 Abril de 1970 – Sítio de Tinguá – Prisão – torturas....................334 Doi Codi......................................................................................335 Nova fase no Doi Codi................................................................338 Hospital Central do Exército........................................................341 Hospital Torres Homem..............................................................344 Brasil Tricampeão (Liberdade condicional).................................347 Retorno ao pensionato................................................................348 QUARTA PARTE Exílio............................................................................................357 Chile – Cordilheira dos Andes.....................................................358 Espanha – Madrid – Chegada.....................................................365 O princípio...................................................................................366 O meio.........................................................................................368 Turismos e Fim............................................................................370 QUINTA PARTE Carabanchel................................................................................380 Convívio......................................................................................381 Irreversível Revolução – O Despertar.........................................385 Primeiro contato com o mundo dos condicionados...................;388
  • 6. 6 Alcalá de Henares.......................................................................391 Encontro com o mundo do passado............................................405 Paris – Revolucionando os revolucionários.................................407 O imensurável..............................................................................412 Internada no Hospício..................................................................414 Suiça............................................................................................417 Paris – 1974................................................................................421 Morte do meu querido irmão.......................................................423 Última despedida.........................................................................425 Foyer des‟etudiant de Paris.........................................................426 Formentera..................................................................................430 SEXTA PARTE Transatlântico Marconi – Ilhas Canárias – Tenerife....................436 Total desconhecido......................................................................440 Las Palmas...................................................................................445 Rumo aos Caribes – Martinica.....................................................446 SÉTIMA PARTE Brasil – Belém do Pará................................................................454 Primeiros conflitos.......................................................................455 Alagoinhas – A chegada – A família............................................456 Encontro com meu filho...............................................................460 Prisão..........................................................................................460 Primeiras impressões..................................................................466 São Sebastião do Passé.............................................................468 Reviravoltas – Drama social........................................................472 Outra vez Alagoinhas..................................................................473 Desviando águas poluídas..........................................................474 Medo à liberdade.........................................................................477 Porto Seguro...............................................................................479 Maus tratos.................................................................................480 Últimos dias de minha mãe e o seu Despertar..........................482 OITAVA PARTE Teatro..........................................................................................489 NONA PARTE Cruel Realidade..........................................................................495
  • 7. 7 TRANSFORMAÇÕES E assim tudo começou!... Quando não se começa, nada termina. Estamos terminando, soubemos começar ou apenas estamos continuando? Grande pergunta a ser feita. Mas continuando o quê? E vejo cada morto, desde que o tempo é tempo, com o dedo em riste, furando a terra, atravessando seus túmulos, emergindo das águas, dizendo: “Não morri, estou aqui. Continuem-me! Vinguem-me! Glorifiquem-me! Endeusem meus pensamentos, citem meus exemplos, sigam minhas leis: sou a eterna posteridade!”. Cristo com Moisés, Platão com Hitler, Ruy Barbosa com Mussolini, Sócrates com Barrabás, Gandhi com Stalin, Dr. Osvaldo Cruz com João ninguém, Maria com Messalina, Santo Antônio com Cleópatra, meu vizinho daqui com o de lá da Rússia, do homem da caverna ao mais recente morto neste instante. Qual deles errou, qual deles acertou? E assim caminha a humanidade!... Na balança dos pesos do “bem e do mal”. E eu com estes pensamentos, vestida de tempo, atravessando os momentos neblinei-me no espaço. Lá embaixo velavam meu corpo. Beijos frios... Adeus!... As estações passando, iam me despindo, desfazendo-me os outonos. Jogada ao relento, tornando-me caveira, na imensidão do nada nos olhávamos!... Enquanto na Terra, em pó transformava-me, aprendendo a aprender, no espaço ia diluindo-me, aprendendo a começar. Nas dimensões que atravessava quanto mais se aprofundavam, mais só havia “Eu” - um pontinho perdido no espaço, matéria a desintegrar-se. E foi aí que a dor explodiu! Lançando-me no tormento indizível da pior de todas as dores; na dor do “Eu”. Era eu mesma, a própria dor. Sozinha, pela primeira vez sem nada para me segurar, encostar-me, fugir... Fugir!? Como fugir de mim mesma? Numa abissal escuridão, no calabouço do meu inferno estava acorrentada: em farrapos, embolorada pelo tempo, amordaçada,
  • 8. 8 vendada, no frio, na fome, na sede... envergada pelo peso da ignorância, pela covardia de nunca ter sido eu mesma de verdade. Porém meus ouvidos ainda podiam escutar! Pouco a pouco, um som vindo de longe mais forte tornava-se à medida que o reconhecia. Era a memória do latido do meu cão, arrancando-me da inércia, da profunda apatia do sono mortal. A rudez dos meus sentimentos petrificados foi rachando-se... , desmoronando o abrigo psíquico no qual me escondia e a Verdade, dos meus escombros saindo, foi espatifando cada elo das cadeias que me prendiam, jogando-me no vazio... na essência da natureza do Nada. Com as vendas do passado caindo dos olhos, pesadas bolhas contendo a memória dos meus atos, incrustadas pelo tempo no meu ser, foram despregando-se dos seus refúgios; saindo dos mais ocultos rincões, numa fúria, chocavam-se! Para refletir-se frente ao espelho cristalino da veridicidade. Meus olhos ao se abrirem as bolhas pipocavam! Jorrando substâncias que se transformavam em cenas vivas, passando como um filme aos olhos da consciência. Por que somente o “mal” revelava-se? Só fiz o bem, isto não sou eu! E, em legendas, do meu centro vinham as respostas: “Escondia-te atrás das máscaras do “bem”, feitas de papelão pintadas a guache confeccionadas pelos homens. Fantasiava-te em filantropias, dogmas, virtudes, crenças, escravizando-se aos interesses dos teus líderes: pastores, sacerdotes, filósofos, políticos, os modistas sociais que dirigiam tuas ambições. Agora, caído os disfarces, desnuda-se na tela os efeitos em seus semelhantes dos teus atos nas causas e defesas do “bem”. Cenas em contradições, estilhaçando antagonismos, apresentavam-se cruéis por toda atmosfera daquele astro azul onde meus ossos jaziam. Vi meu corpo... Meus olhos cerrados, minha boca entreaberta... Não! Não podia ter saudades. Fugir outra vez nos meus sentimentalismos? Minhas emotividades foram sensações do meu egoísmo, onde até os pelos eriçavam ao cantar o “Hino” no orgulho do meu patriotismo. E vejo milhões de corpos desfigurados! Filhos chorando, contorcendo-se de dor abraçados à mãe morta; crianças, sem destino, abandonadas pelos escombros; velhos sem força arrastando-se, recebendo balas perdidas; jovens bonitos querendo viver e eu
  • 9. 9 querendo matar, gritando “vitória” para nosso país! Segurando uma bandeira de trapo colorido enquanto corpos tombavam em morticínios pelas causas do meu “bem”. “Não matarás!” Todos rezam em seus templos - é uma das máscaras do “bem”. E lá estou eu: contrita, ajoelhada, rezando o “Pai nosso que está no céu...” pedindo a esmola de “um pão de cada dia...” Que miséria!... E eu tinha quantos pães quisesse à minha mesa. Na “Ave Maria...”, pedia que orasse “por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”. Quanta hipocrisia! Ao voltar para casa, ia escrever panfletos nacionalistas, coçando a barriga, torcendo a boca no riso que saía do meu cinismo. Ainda, saboreando a hóstia recebida pelas mãos do Venerando Paroquial pensava: “Onde metestes estas mãos, Sr. Reverendo?” Agora vejo! E que vontade tinha de beber daquele vinho que somente o padre bebia! Quanta vergonha, farinha de trigo com sangria era o corpo e sangue de Cristo. E “não matarás” ensinava às crianças: decorem os “dez mandamentos” de Moisés para não tirarem zero na sabatina oral da prova final e passarem de ano. Crente de mim mesma, seguidora das mais altas normas morais, teatralizava-me em virtudes, honradez e bons costumes. Eu era um exemplo a ser imitado. E como tilintava minha língua contra os não virtuosos, irreverentes às leis de “Deus” e às dos homens, os que rejeitavam colocar as máscaras do “bem” em suas caras. Os únicos a quem peço desculpas. Perdão?! Não sou mais um centro personalizado necessitado dos dúbios arrependimentos – outra máscara acabando de cair. Martelam-me os ecos autoritários da minha própria voz saída daqueles cérebros, já adultos, a quem doutrinei quando eram crianças: obedeçam, honrem, respeitem e jamais contestem aos superiores: seus pais, aos mais velhos, aos soberanos e a toda autoridade religiosa. Tributem especial sujeição aos valores morais da sociedade, eles farão de vocês homens de bem; venerem ao Papa, Supremo representante de “Deus” aqui na Terra; a todos os anjos e santos do “céu”... E perguntava: -O Papa é infalível?
  • 10. 10 Respondiam, naquele vozeio infantil estridente numa única voz: -Sim, o Papa é infalível. Nem sabiam o que estavam dizendo. -Leiam a Bíblia! E cuidado com a “Besta”, o Anticristo vem aí. O Apocalipse!...E ia plantando em suas mentes as sementes do temor. Vozeava: -A Justiça se faz pelas mãos dos grandes homens, somente “eles” têm o poder de dar segurança ao povo. Aqueles que se desviam dos seus domínios só encontrarão a decadência e estarão marginalizados, condenados! Portanto, crianças, seja um bom cordeiro. Não se desgarrando do rebanho, não encontrarão o satanás “que vive de rodear a Terra e passear por ela”, catando almas perdidas para aumentar o seu reinado que, um dia, lutará contra o exército de “Deus”: o “Onipotente”, “Onipresente”, o que tudo vê e tudo sabe; com seu olho secreto, em todas as partes, vigia tudo. - Crianças, vocês não querem alistar-se nas fileiras do Exército do grande Senhor Deus? Em uma só voz respondiam: - Sim. Queremos! - Então, tenham a maior das virtudes: o temor a Deus! E não receberão o castigo de sua ira. Coitados dos que estão caindo no abismo da morte! Sem salvação, arderão no fogo eterno; os que se rebelam, os hereges, os descrentes, os fornicadores - infiéis impuros sem castidade, os concupiscentes - masturbadores imorais contra a natureza. Mil vezes cortem suas mãos, mas não toquem no órgão da vergonha; ele não lhe pertence e terão que dar conta pelo por pelo ao Criador. Apenas, ao se lavarem, é permitido tocá-lo, de leve. Somente com a benção do Representante do “Senhor” aqui na Terra, através do Santo Sacramento do Matrimônio, este santuário poderá ser aberto, tocado, convivido e a chave será entregue ao dono, seu esposo. Portanto, meninas, não desonrem a “sagrada família”, falsificando a chave do seu santuário para ser entregue a mãos ímpias! Sorrateiras, pelas sombras em direção a atos espúrios, conspurcam-se na alcova amaldiçoada pelo “Senhor” nosso Deus no adultério dos corpos imundos, arrancando o chifre do Diabo para pôr em seus maridos. O erro no homem é um defeito, mas na mulher é um cristal quebrado em
  • 11. 11 pedacinhos estraçalhado. Como já sabem! Foi dado a todos o “livre arbítrio”. Está nas mãos de vocês a escolha entre o céu ou o inferno, o prêmio ou o castigo, o bem ou o mal. E, para bem saber escolher em seus arbítrios, sigam à risca os mandamentos que o “Senhor dos Exércitos” entregou a seu servo Moisés. Fechem os olhos, finjam não ver o brilho do ouro e da prata. Anestesiem-se contra a sedução das taças de cristais que tilintam reluzindo vinho escarlate, embriagando os sentidos. Cortinas de fino linho retorcido caindo sobre imponentes tapetes em desenhos orientais, pisados, apenas, por elegantes sapatos. Lácteas colunas de mármore com seus rosáceos adornos; formas dóricas na arquitetura das mansões dos ricos... Tudo isto nos enganam, na tentação do invejar, do ter, possuir, roubar. Deixe-os em paz! Que ACUMULEM O QUANTO QUISER! Deus sabe o que faz. Portanto, sejam simples, na humilde abnegada resignação dos desígnios divinos; na renúncia dos prazeres terrestres, alcançarão, no paraíso celestial, os coroados em glória; na obediência, ganharão as honras, bênçãos e louvores divinos. É ela, a obediência, a coluna vertebral do bem enquanto que, na desobediência, origem do mal, todas as desgraças acumulam-se! Estropiados, andarão! Renegados por todos os que não querem se contaminar com a insensatez de atos ilícitos, repetindo o pecado dos nossos primeiros pais que, juntando-se ao inimigo, furtaram o que o Criador dissera que não lhes pertencia: o fruto do “conhecimento do bem e do mal”, coisa que só a Deus pertence. E não se esqueçam da caridade das esmolas. “Quem dá aos pobres empresta a Deus”. Em verdade, vocês estão capitalizando; aplicando aqui na Terra o que receberão em riquezas lá no céu. Preocupem-se, SIM, em cobrar aos seus pais o pagamento dos dízimos e subirá mais um degrau rumo ao Senhor, Deus de Moisés. Numa impetuosa imponência de palavras de terror, agitava aquelas mentes ainda em formação: - Cuidem-se! Satanás tentou aos santos, privilegiados escolhidos pela graça do merecimento, quanto mais a vocês! Degradados filhos de Eva, almas fracas, herdeiros da imperfeição e da morte. Seus pais imperfeitos não poderiam produzir filhos perfeitos e a iniquidade triunfará até o grande dia onde só os
  • 12. 12 puros que glorificaram o nome do “Senhor” serão salvos; recuperando, como prêmio, um novo céu e uma nova Terra. Até lá, orem e velem! E terminava o discurso assim: A Santa Madre Igreja é quem vela por seus bens, quem salva a alma dos infiéis pela redenção da Santa Confissão através das penitências e pagamentos de indulgências, portanto, se não tiverem para quem deixar seus bens, não esqueçam de sua protetora a Santa Madre Igreja. Amém! E todos contritos, rezavam a Ave Maria e até o Credo. *** Credo em Cruz, conjurada que fui! Quanta improbidade eu proferi! Quantas lutulentas imagens verbalizei, em invenções esquizofrênicas, manipulando “verdades” que brotavam da minha ignorância em consonância com os “mestres”, ignorantes do passado. Todos, sucumbimos no próprio garrote das nossas usuras, enlouquecidos pelas ambições! Enfermada na doença mental das crenças, alastrei a epidemia da obediência: vírus que atravessa os tempos sem ter vacina ou antídoto que a extermine. Impingi em células vivas a descrença da verdadeira vida no aviltamento de si mesmo. Nem os impertérritos escapavam da intoxicação do terror que, em sugestões fecais, eu espalhava. Fiz de outros cérebros meu depósito de lixo. * * * A última bolha, pipocando transformou-me em fogo! Labaredas em línguas de fogo, formando imagens desordenadas, por mim passavam agitando caras monstruosas! Bocas disformes trocadas de lugar misturavam-se a olhos que, saltando de suas órbitas, em brasa, fixavam-me! Quanto ódio a me olhar! Cérebros abertos escarravam-me todo o veneno das propagandas religiosas, dos dogmas e crenças que os forcei a beber. Palavras de boas ações, fé, bondade, caridade, família, deveres, normas e obrigações;
  • 13. 13 esperança, paz e religiosidade em gargalhadas ensurdeciam-me! Transformando-se em máscaras que me arrastavam enquanto, gemendo, açoitavam-me na pior das torturas, numa cruciante angústia do que se chama “dor na alma”. Vozes, vozes... Muitas vozes infantis gritavam - as das crianças a quem doutrinei. - Não passastes de um fumeiro de ideias, amontoando fuligens! - Considerava-se salva!... Há!...Há!... Há!... -Em tuas grandiosas catequeses do “bem” desconhecestes a existência; teus semelhantes, companheiros de vida: homens, animais, vegetais, água, ar, vento, pedra... A vergonha foi gelando-me... Pelo horário terrestre, ignoro por quanto tempo, meses ou anos, permaneci na estatelada apatia do meu próprio horror. Esvaeci na mais longa invernia... * * * Um clarão deslizando... foi removendo meu cinéreo invólucro enquanto, minha consciência despertando via o curare das palavras, em chorrilhos, despejando-se da minha comua: Palavras soltas, saídas das fendas do assoalho apodrecido do meu Ser, saltavam como pulgas, desfilando numa estéril interminável repetição: obedecer, obedecer, obedecer... Fé, fé, fé... Paraíso, paraíso, paraíso... Glória, glória, glória... Céu, céu, céu... Recompensa, recompensa, recompensa... Deus, Deus, Deus... Ira, ira, ira... Pecado, pecado, pecado... Castigo, castigo, castigo... Punição, punição, punição... Inferno, inferno, inferno... Fogo, fogo, fogo... Creio, creio, creio... Eu creio, eu creio, eu creio... Estas insistências irritantes, impregnadas no âmago de cada pensamento, propulsando a estrutura psicológica na busca de uma certeza de segurança, numa miscelânea contraditória de bens e males que, em códigos e significados formavam o medo, agarrando-se em desespero aos pés da ambição de um prêmio, de um ouro, de um paraíso, motivavam a dependência do CRER NAS CRENÇAS; assim, automatizava-me pela falta de atenção, nas drogas dos rituais.
  • 14. 14 Nos templos... estonteava-me as encenações de mãos! As reviravoltas, dadas por um homem onde um armado paramento rabaneava, mostrando seus bordados! Aquele pedaço de pano rendado, linho branco em névoa, indo e vindo no esfregamento de um cálice no qual um vinho era despejado e bebido por uma boca que dizia falar de Deus, saber sobre ele, conhecê-lo!... O abrir e fechar de um pequeno armário, brilhando lá dentro o ouro de um cálice em forma de sol, contendo frágeis hóstias a serem devoradas por bocas sedentas! Em fila, de olhos apertados, língua esticada insalivada de gula, recebíamos das mãos sagradas do ministro do culto divino este “pão ázimo”! Engolindo, sem mastigar - não podíamos cometer o sacrilégio de morder o corpo de um homem assassinado por estes mesmos sacerdotes no outrora. De joelhos, aglomerados em filas, corpos entortavam-se, esgueirando suas miradas em direção aos trajes dos vizinhos numa mistura de reza com moda! Aspirando incenso, misturado aos primeiros gases intestinais do dia fazendo- nos lembrar de que ainda éramos carne! Faustosas imagens esculturadas, de mãos, bocas e olhos lânguidos... esmagando-nos, subjugava tanta santidade! Forçando-nos a adorá-las, a deslizar os pensamentos de volta ao seu passado. Na inveja, também desejávamos que este fosse o nosso futuro: sobre um altar, esculpida em barro, pedra ou mármore, venerada! Uma atmosfera sem ar sufocava-nos, junto ao silêncio dos mortos que parecia morar naquelas grossas paredes marmorizadas, com enormes colunas pontiagudas em formas lanceoladas, retorcendo-se em forma de chamas, furando as alturas num encontro secreto com o “Redentor”! Retornando... as colunas abrindo-se em abóbadas, a luz solar atravessava os vitrais a tudo colorindo...amarelando, esverdeando, avermelhando, com seus desenhos, provocando encantos! Ao descerem, espalhavam mistérios sobre as sombras que se alargavam, envolvendo-nos em mais silêncio e enigmas impenetráveis à razão. Velas, em castiçais prateados, tremulavam aos olhos, realçando as penumbras! Flores, em suas brancuras, armadas em arco, exalavam balsâmicos perfumes que enfeitiçavam ao fundir-se na alvura das rendas de almofada das toalhas caindo em suaves pregas, hipnotizando! Sons vibravam! Fazendo-nos levitar. Era o lirismo másculo dos tenores e
  • 15. 15 barítonos, na transparência vocálica dos cantos Gregorianos com suas vozes em estalactites, em nós, em tudo, penetrando! Detalhes saltitavam em nossas distrações: desenhos arabescados em pastilhas gregas, anjos bastante nutridos, carregando nas costas os santos... Tudo banhado a ouro, animando as ambições. Azulejos significativos, em azul e branco, revestiam a base da talhada Concha Batismal à espera das cerimônias, dos choros salgados das crianças. Pinturas em afresco, com traços perfeitos, mostravam o mundo no “céu das virgens”. Logo abaixo, um purgatório; onde mãos aflitas, implorando socorro pareciam abandonadas. Tudo era eternidade! Esperança do eterno que aumentava ao repicar dos sinos! Apenas as grandiosas portas da entrada - todas em jacarandá - tocadas por mãos sem história e por pés hipócritas que as atravessavam, pareciam estar no presente; não fazendo parte do inebriado dos rituais. Drogas, drogas e drogados todos saíamos, sob o efeito dos sermões injetados de mais ópio do “bem”. Oh! Quanta esperança, quanta promessa! Glória! Glória!... Oh, glória! O que é a glória?! E em mais entendimentos a consciência iluminava-se! Não é a glória, um querendo estar por cima do outro, disputando o trono da inveja do orgulho e do ódio para ser coroado de todo poder? Rastejar-se para “Deus” que nem um réptil! Deixando seus visgos por cima dos homens, seguidos por fiéis que, catando migalhas, estrábicos os aplaudem! Capitosos de, também ganhar glórias no céu? Todos, no mongolismo iluminados pela salvação, na esperança de um dia sentarem por cima de Cristo “à direita do Pai”. Milhões e milhões, em pilha, num malabarismo para não caírem! Jamais à esquerda, é subversão celestial. *** A compreensão juntou-se aos meus ossos na Terra que se esfarelavam, no
  • 16. 16 grande momento final do “aprender a aprender”, tornando-se pó. Os fatos, em vigorosa firmeza, ensinando-me a começar, foram limpando a delicada membrana que envolvia o mutável liquido transparente da minha memória; arrancando as vestes que escondiam os corpos dos homens; rasgando os véus que encobriam suas faces, destecelando os entrelaçados fios enredados pela hipocrisia, engodos, ilusões, crenças e mitologias. Tudo desnudado..., vi a beleza de cada ser em toda sua ingênita verdadeira glória! Experimentei o que sente uma rocha quando as águas querem furá-la; eram as lágrimas! Conheci a fonte onde emana a compaixão; transbordava... derramando-se por todos os homens, banhando-os na doçura que pela primeira vez senti. Veloz, levando a piedade do meu corpo transformado em pó sem nunca ter amado, percorria a tudo conhecendo o que não conhecia; escutando de todas as bocas o que nunca tinha escutado; vendo o que nunca tinha visto; sentindo o que nunca tinha sentido. À medida que os venenos iam transformando-se em antídotos, liberavam uma força, impulsionando do meu centro a revolta adormecida; esta, rasgando os finos tecidos enganosos que lhe cobriam, foi extirpando as submissões, dizimando as ambições, cremando os medos, revoltando-se consigo mesma por nunca ter se revoltado. O mundo era aquele, todos ébrios, em narcose, chocando-se desregulados? Sedentos, desconhecendo suas sedes; famintos, desconhecendo suas fomes? E a causa... A causa? Suavizando-se em ondas a revolta ia transformando-se... Neblinava-se num imenso oceano, levando-me ao desconhecido, enquanto ia lendo, em cada dobra, na quebra de suas ondas, todas as verdades: Ricos ou pobres, brancos ou pretos, crentes ou descrentes; papas, sacerdotes, pastores ou prostitutos; reis, presidentes ou mendigos; casados ou solteiros, crianças, jovens ou velhos; fiéis ou infiéis... TODOS estão pisados por TODOS! Pelo temor do menos e menos contraídos na dor que provoca prazer na luta do mais e mais. Devotados a inutilidades, fantasiados de sabedoria, esgrimem-se em opiniões nas guerras das competições do “Eu Sei”: quem tem ou quem não tem a razão das “verdades”? Perdendo-se nas análises, efeitos de suas causas.
  • 17. 17 E a grande causa! Todos desviados do verdadeiro bem que já traz em si, pelos seculares sacripantas e sua caterva de forretas a mais caturra da espécie humana. Catacegos! Com suas cataduras de cordeiro, mascarando a inópia de suas vidas, organizaram o desespero à busca do “bem”. E até os mais cultos igualam-se aos sáfaros, apanhados neste engano. Pregadores do dever! Secularizando o mal através de suas inexoráveis ideologias do “bem”, só fizeram criar salseiros em multidões de sandeus. Vestidos de pomposas urutus zurzem com palanfrórios, em loquaz astúcia, os dislates pestíferos das catequeses; entenebrecendo dessecam as energias dos homens, tornando-os vesanos. Infaustos entupigaitados! Não vêm que estão a pregar doutrinas a mortos que se empilharão como cadáveres, fazendo mais pó sobre o pó de milhões de gerações de outras vítimas? Massacraram seus físicos, seus psíquicos, suas mentes, suas liberdades, suas inteligências, seus sentimentos, seus verdadeiros livres-arbítrios! Aviltados, ultrajados, injuriados, renegados, queimados vivos, torturados, apedrejados! Suas casas incendiadas, suas culturas destruídas, suas cidades usurpadas! O negro só teria “alma” se fosse escravo! Dos nativos brancos, amarelos ou índios, humilhados, supliciados, exterminados, expatriados! Senhores!!! Seus templos e seus palácios foram feitos do ouro e da prata pilhados, erigidos por escravos que caíam açoitados. Truões!!! Com a máscara de um Deus castigador, cheio de fricotes - por qualquer coisa entrando em fúria, precisando tomar o calmante da “obediência” dos seus “criados” para aplainar suas sanhas -, entenebreceram a atmosfera do planeta tornando-o inóspito. Na plenipotência dos seus atos, com suas insolentes espúrias leis, normas, mandamentos e fábulas, em invenções psicodélicas de um céu onde só tem anjinho, o dia todo um olhando para a cara do outro rindo, na eterna felicidade; e um inferno, onde um homem escuro de rabo e chifrudo, com um tridente, espeta as almas desobedientes, jogando-as no fogo eterno para serem
  • 18. 18 fritadas; conseguiram fazer de todos inúteis amedrontados ambiciosos xepeiros! Mentes que horripilaram! E horripilam! Esconsos em suas pocilgas meditam deitados em salsugens, as “excelsas” glórias que darão o “Poder” e os prazeres que farão a tirania estrebuchar suas carnes. Déspotas! Empedrando os corações, enlouqueceram a natureza original do homem. Dia virá em que todos vocês sentarão no banco dos réus por crimes contra a Humanidade. E os que já se foram para o além, terão seus nomes apagados da História. Não foi “Deus”. Vocês! Inventaram esse Deus, projetando-se a si mesmo: General Senhor de todos os Exércitos; valentão, sem nobreza, ciumento, mesquinho e vingativo. A usura, o despeito, o ódio, a insegurança, a maldade - feridas pustulentas nos corações -, as frustrações densamente obumbradas em suas ignomínias, fizeram vocês “criarem” um universo particular por cima da criação Real. Cobrindo a todos com pesados cobertores de ferros pontiagudos forrados de “néctares”, chupando biquinhos, impediram que o psíquico do Homem correspondesse ao seu estado físico: de pé, não mais andando de quatro. Todos envoltos em pesadas auréolas de fumaça carbônica do adusto asfalto, sufocados no olor do breu com piche, sem um espaço sequer para respirar, estão impedidos de enxergarem, se conhecerem. Que pena! Senão, vocês seriam desmascarados! Fizeram do homem um ícone, “feito à imagem e semelhança de Deus”; parece, mas não é, provocando angústias de um vazio... Como fantasmas, carregam submissa a cruz do “pecado” que é arrojada a seus pés, “salvadores”! Aonde vão se penitenciar e adorar, seus... suas....” A última onda vinha arrastando-se... parecendo não querer ser lida. Porém, de repente, num majestoso impulso a revolta a se despedir enlaçou-me na mais clara de todas as leituras: “Você foi sócia da mais poderosa e vetusta empresa comercial de almas com o nome fantasia “Deus”! Regida por leis, escritas pelos privilegiados empresários na sagrada Escritura dos seus Estatutos; estes “Iluminados”
  • 19. 19 receberam o Poder de transmitir aos seus clientes e sócios, as ordens do “Supremo oculto e divino Chefão Imperialista”; outorgados em plenos poderes para fazerem e dizerem o que quiserem abençoados pela infalibilidade! E quando erram mais infalíveis ficam”. As ondas da revolta, em calmaria horizontando-se... iam desfazendo-me da ignorância: “Você perdeu sua vida, comprando e vendendo “ações” que lhe beatificavam! Em seu testamento abandonou seus familiares que hoje penam por algumas necessidades, deixando dinheiro, joias, terras, mansões para os empresários desta “Firma”, em troca de ganhar muito mais, chegando ao “céu” no encontro com o CHEFÃO. Participou de um mercado sujo de sutis roubos, guerras, usurpações, salmodiando com fragrâncias, rezas e velas suas corrupções. Você foi consumida pela sofisticada propaganda do medo e da ambição. A eternidade junto aos belos anjinhos cheios de frescor, convidativos a extasiadas felicidades, circulava todos os seus pensamentos, esmagando seus natos desejos considerados por seus gerentes como impuros. Num jogo de contradições, os mesmos desejos, os proibidos, só poderiam ser realizados no céu; mas para isto, teria que se vestir, todos os dias, com a roupagem da fé, castidade e obediência. Os primeiros Chefes Empresariais arrancaram seus próprios pais do “paraíso do Éden”, castigando-os com a sentença “Viverão do seu suor”. Mas, eles mesmos, como filhos, só viveram e os atuais chefes ainda vivem na mordomia sem uma gota de suor derramada: comer, tomar vinho, doutrinar, rezar, contar as nicas, dormir. Acordar, rezar, doutrinar, comer, tomar vinho, contar as nicas, dormir. Explorada através da dependência da palavra “Deus” ficou obcecada pela culpa do “pecado original”. No anfiteatro dos templos foi dessecada igual a um cadáver. Nos horrores das cantarolantes rezas, cheirando a velas derretidas, sujavam seu psíquico. Nesta barafunda de abstrações, “intelecto- espiritualizadas”, somente poucos encontram o caminho da saída e se salvam! Mas terão que se cuidar, para não serem crucificados. E todos pensam iguais! A base do pensamento é comandada por esses Empresários; controlam, através dos tempos, as consciências, em suas críticas
  • 20. 20 e julgamentos uns contra os outros. Institucionalizados no “bem”, em verdade eles precisam é do mal; é o seu grande negócio. Sem o mal o que seria deles? É a “mola mestra” que os mantém no “Poder”. Precisam de sofredores, da dor, da fome e da miséria para salvar as “almas” dos beatos lacrimosos, dos estúpidos arrependidos. Criando o conflito entre o obedecer e o desobedecer, o crer e o não crer, o certo e o errado, o aceitar e o rejeitar, Deus ou o Diabo, o que sentem de verdade e o que têm que dizer na mentira, em sofismas sentimentalizam os sentimentos, formando os delinquentes, os apáticos, neuróticos, egocêntricos depressivos, doentes mentais, fanáticos religiosos, falsos revolucionários e até terroristas; neste estado de falácia, debatem-se nas paredes de suas prisões, gritando, matando, morrendo pela palavra-ideia: Deus, paz, liberdade, fraternidade, saúde, dinheiro... , estes prisioneiros, quando querem ser livres, sua liberdade é a libertinagem; e disso os Empresários precisam para aplicar mais “leis virtuosas” para contê-los, perpetuando-se no poder. Impedem nas mais variadas formas que o homem se conheça e acabe com suas dores porque isto seria o fim do seu negócio que sobrevive do aniquilamento alheio. O homem feliz não precisa de guias, Papas, filósofos, pastores, mestres ou gurus, para quê? Aí perderiam seus tronos, banquetes e rituais. Seriam desnudadas as mulheres! As que se escondem cobertas da cabeça aos pés com uma aliança no dedo, fechando o “harém” das esposas de Cristo. Seria o fim dos que se flagelam na loucura da ambição, fervendo suas carnes na castidade. Os hospícios teriam de ser esvaziados para dar lugar aos que enlouqueceriam! O que será dos seus empregos e profissões quando todas as máscaras caírem e os homens forem felizes? A estupidez derramando-se dos “vasos de misericórdia”, expondo ao tempo todas suas hipocrisias... será devorada pelos corvos porque a terra não vai consegui engoli-la. Quando os homens quebrarem suas correntes... Quando não mais seguirem as sombras de outros homens... Onde ficarão
  • 21. 21 as guerras, os santos, os pastores, os... O negócio acabou a Empresa faliu! Desabou do pedestal o Deus escondido; tornando-se caco, espalhou-se ao vento levando as máscaras. E o homem é feliz! Comendo todos do “fruto da árvore da vida”, tombou o último Empresário que, fantasiado de anjo Gabriel, com sua própria espada fez haraquiri. E o homem tornou-se para sempre, LIVRE!” Um grito saído de mim furou o silêncio que se fez na imensidão do passado, no alivio do pesadelo que findara!... Sacudindo-me o remorso, não de ter roubado ou matado a um só individuo; foi a toda Humanidade, a todas as raças, a todos os animais, a todas as árvores, a tudo! Universal. Com minhas palavras, meus gestos, meu movimento total. Adorei a mim mesma, projetando imagens que se cristalizavam na adoração de um Deus made in home. Tinha medo de não CRER * * * Silêncio!... Só havia o silêncio, ensurdecedor silêncio vivo. Foi quando as memórias, acumuladas de todos os momentos não vividos, tal qual uma bola de chumbo num vácuo, voltaram a pesar dentro de mim. “Dentro de mim” (!?), também não existe. É o pensamento, ainda necessitando pensar, querendo existir. Memórias... Memórias de quê? O que existiria ainda como passado? Instantânea resposta de um etéreo mundo, amalgamando-me ia libertando as energias que completavam as voltas dos instantes não vividos que tinham me paralisado, curando as cicatrizes impressas nas lembranças tornadas angústias. Livre! Na correnteza da ventura abandonei-me...; navegando sobre pétalas nuveadas que fluíam do infinito misturei-me ao espelhante incolor do oceano cósmico, refletindo-me em todas as nuances de cores. Pelas nebulosas, espalhei-me!... Rolando pelas areias estrelares ia depositando em cada praia do meu tempo todos os sonhos-desejos quando na Terra vivi. Pipocava-me em pedacinhos! Vendo as imagens das memórias dos
  • 22. 22 sonhos, tidos ao dormir , explodindo, desintegrando-se pelo infinito!... Desfazendo-me o inconsciente: Vidrinhos de cristais, da mais remota Antiguidade, com seus bordados em relevo... Cabeças e dedinhos partidos das estatuetas em biscuit... Jarras em opalina com seu colorido, rosa, amarelo... Laços de veludo, esfiapando-se em franjas, pendurados em botões dourados do casaco de um príncipe que diluía- se em sombras, transformando-se num gato que latia em vez de miar... Livros, virando celulóide dirigiam um carro... e, atrás lá ia eu com uma Bíblia na mão, transformando-se num sapo sendo engolido por uma enorme cobra negra querendo me pegar... Vacas e bois, todos malhados, faziam ginástica chifrando-me enquanto tentavam fechar uma porta que nunca se fechava. Como sombra, na sensação de um prazer angustiante, eu circulava por um castelo à procura de uma escadaria misteriosa e proibida; ao encontrá-la, fui descendo, descendo sem fim... de repente, uma enorme porta abriu-se e saí em outro país. Pelas ruas perdia-me indo ao encontro de minha casa que nunca a encontrava, ao mesmo tempo prédios seculares para o alto se esticavam, excitando meu orgulho. Arrastando-me..., tentava subir por uma enorme ladeira feita de lençóis brancos, fugindo de um mar verde escuro que dava medo... Paredes que atravessava enquanto um trem passava querendo me esmagar, ao mesmo tempo já estava no meio de outro cruzamento de trilhos... e tudo era noite. Passando outro trem levava-me sobre um amontoado de ferros velhos que pelos trilhos voavam, deixando-me em uma cidade da qual fugindo queria voltar... Ruas estreitas... com casas de barro transformando-se em uma Igreja gótica, abrindo-se num túmulo ressuscitava um ente querido... Abismos que se fechavam e se abriam em montanhas esquisitas que me puxavam... Uma cadeira que saía andando enquanto um macaco pulava em cima querendo mamar... Um homem estático, todo coberto com um pano branco, vendo-se, apenas, seu pênis virando cabide com uma toalha de banho pendurada, movendo-se, querendo se transumanar... Uma banda feita de nádegas, tocando cada uma um instrumento, dançavam numa verdadeira algazarra e no meio delas, eu
  • 23. 23 também era uma bunda... Estranhos amigos nos sonhos que se evaporavam... Quanta alucinação!... Mas minha vida na Terra não foi apenas isto? O mundo que considerava fora da consciência, foi visto nas retilíneas das minhas noites e dias que se arrastaram no pedaço de tempo chamado “minha vida”. Agora, em pedacinhos, via em cada detalhe dos fragmentos a relatividade das aparências de tudo o que os olhos nos mostram e a mente analisa. E em mais claridades rebrilhavam as percepções, conscientizando a consciência das memórias. E tudo é vitupério! Delírio das verdades vituperianas! Seria tudo aquilo, os meus sonhos, a serem analisados no sofá de um psicanalista? Oh! Zarros da fama, títulos, nome, poder, prestigio! “Imortais” que impediram de abalar suas estruturas, de deixar cair a podridão! Todos bichados, corroídos... , assim mesmo mumificavam-se, jazendo nos sarcófagos dos cérebros humanos. Quem seria mais insano o analisador ou eu, a analisada? E aqueles sonhos estavam separados de mim e do mundo psicológico em que vivi; não era tudo um único bloco num amontoado de destampatórios? Ia ser analisada “ad infinitum” e nunca ia me descobrir. E o analista, ele próprio, era quem mais precisava se analisar. Catedratizaram como útil, a inutilidade dos sonhos, em Universidades, livros e compêndios. Que loucura é essa que descontrola os sábios, profissionais libadores da estultícia nos hospícios dos homens? Pedantizam uma determinada classe social que, na finura de uma elegante ignorância diz: “Estou sendo analisado”, isto é; futucado com uma colher de pau para ver se retira lá do fundo algum traumazinho infantil que o faz fricoteiro. E... depois de alguns anos de análise...(porque leva é tempo! Enquanto isso o bolso do psicanalista...), sai vangloriado, estufado, de biquinho... com voz intelectualizada dizendo: “Eu sou analisado” a dizer: “eu me conheço, vocês não se conhecem”. Sentindo-se estranhamente superior. Por que o pobre não senta nesse divã? Seria até engraçado um pobre conhecendo-se; entrando no “sub” mundo do “id” ia sair um “sujeito” cheio de “objetividades” subjetivas ou... “subjetivas” objetividades!
  • 24. 24 Abruptamente, numa instantaneidade do momento, sem a consciência da contagem de tempo, dimensões comprimidas que me embaulavam em camadas nos desfazíamos... Descortinado o infinito, enxerguei o vazio em metamorfoses de espaços. Desta infinitude... uma densa nuvem de pontinhos dourados em riscos geométricos, num calidoscópio de formas e cores aproximava-se! Extasiada na admiração do inédito, fui imersa por essências vaporosas de gelo emanadas em beleza das feições ocultas de um homem. Uma mão para mim estendeu-se!... Realçavam cumprimentos, em suaves cantos, de regozijo máximo por este nosso encontro. Sintonizando-nos, comungávamos numa protofonia de perguntas e respostas, em ondas telepáticas, cruzando o espaço, mais rápida do que a luz. Parecia querer desabafar... Gotinhas de gelo liquefaziam-se enquanto expressava-se: - A solitude da morte esvaziou minha verve astúcia! Queria furar a bolsa de valores dos homens, enxertando meus novos valores, apenas mais os esgalhei! Queria resolver as neuroses e mais neuróticos os deixei! Fiz falsas curas; mutilava seus psíquicos, impedindo-lhes a percepção pelos anestésicos das minhas conclusões. Fiz deles a minha segurança; em verdade, eram eles os meus “analistas”: os utilizava para enxergar os meus conflitos. Fiz “uma seita isolada e hostil contra todos aqueles que não aceitassem meu credo científico”, confirmo as palavras de um dos meus colegas, em seu livro, ao citar-me. Em busca de um conforto psicológico, interpretava, explicava, traduzia, criava técnicas, doutrinas, teorias, filosofias, fazendo do inconsciente do homem um cabaré de “picolinas”. Para mim eram todos incestuosos e os enquadrava, interpretando seus sonhos, numa jaula erótica através dos meus símbolos. E foi daí que nasceu minha fama na moral científica, esfregando o caráter do homem entre suas pernas onde só havia sexo: coito, pênis e vagina; edipismos e electrismos. Se as religiões desviavam o olhar de todos para o alto, eu o desviei para
  • 25. 25 baixo. Foi minha forma inconsciente de protesto. ...Breve silêncio!... Por que não podia ver-lhe o rosto? Será que não tinha só era luz, nuvens, ou... O que eu era, o que éramos!? Ainda sob as ondas que emitiam sua voz telepática, olhei para a verdosa imensidão... Não compreendi! Querendo descobrir, tímida em perguntar... foi despertando a consciência no “dar-se conta”: não mais dependências psicológicas em respostas alheias ao aprender vivendo. Que belo sorriso coloriu aqueles vapores!... Tinha captado minhas ondas. Numa desembaraçada comunhão, continuou seu desabafo: - Tomei como verdade absoluta o meu irrebatível realismo. Quanto mais analisava menos compreendia; pelas noites desfalecia em minhas trevas, sonhando as imagens frustradas do dia. Desperto, produzia divisões entre o observador e a coisa observada; neste abismo construí uma ponte, mas era imaginária... E o observador mais míope ficava. Sem conhecer-me, perceber minhas ambições, como teria valor o que pensava, investigava ou inventava? Queria conhecer o inconsciente alheio através das minhas análises. Com meu intelectualismo sufocava cada vez mais a possibilidade de, realmente se conhecerem. Fechando os caminhos à realidade, batia a porta na cara da verdade. Não se pode ver um fato, trazendo ao presente todas as lembranças através de símbolos, ideias ou palavras. Intelectualizei o inconsciente do homem. Intelectualizei os sonhos. Intelectualizei o intelecto. Coloquei-os dependentes e mais os acorrentei na escravidão da estrutura social.·. Tornei-os antipáticos; para cada movimento, cada atitude, cada reação, cada falha do pensamento dei um nome, uma explicação. ...Que estranho! Os vapores avermelharam-se... Revoltava-se consigo mesmo. E lembrei o que por algumas vezes na Terra escutei: “Freud explica!” -
  • 26. 26 rápido completei: Mas não justifica! Senti tremê-lo, tinha captado minhas ondas. Queria tanto vê-lo!... Será que ainda tinha barba e bigode? Não tinha coragem de perguntar. Apenas éramos essências vaporosas? Mas daquelas mãos saíram sons musicados... E certa musicalidade nos envolve... sutil... Queria fazer-lhe certas perguntas, mas ainda havia resquícios do respeito e distância que tributava às autoridades científicas. Tão rápido como pensei mais rápido percebi: para ser eliminado qualquer falso tem que ser vivido! Mesmo que seja por segundos, em cada detalhe. E em mais lucidez a consciência expandia-se. Apagam as luzes que brilham nas mentes para serem iluminadas pelos candeeiros dos “grandes pensadores”: filósofos, profetas, cientistas... Terão que ser endeusados e só recitar o que eles disseram. Os seguidores, orgulhosos, preparando-se para serem doutores, mestres, catedráticos, escrevem Teses e Tratados... sempre por cima do que outros pensaram e, quando “criam”..., é sempre com base em “alguém” que disse. Vedado o direito de contestá-los; tornando-se, também os “donos da verdade”: “sábios” montados em mulas, arrastando os “bestas oligofrênicos” que só podem olhar para frente. È perigoso olhar para os lados, poderão descobrir alguma coisa e..., realmente sabendo, pegar o chicote e açoitar o sábio, desmontando-o da mula que terá de correr para o arrastão das “bestas” não passar por cima. Incomodava-me certa curiosidade... Como teria sido o momento ápice do término da vida condensada deste homem que na Terra foi tão complexo e sabido; ao seu principio-destruição-transformação, agora tão sábio e simples? De imediato a resposta veio dinâmica, embora seus gases acinzentassem. - A morte recebeu-me, chorando... na solidão! Não que ela fosse a solidão, é que só chegamos a ela num estado desolado. Ela nos quer vivos! Mergulhados na cultura das entranhas do presente, mas queremos continuar... As memórias, coisas mortas, não querem terminar e a morte é a destruição! Não tem hora nem dia é um ladrão e nos rouba da vida. A morte para mim dizia: “Por que fugias, procurando a imortalidade, remédio para o terror, tendo que
  • 27. 27 passar por mim como um cadáver? Por que não escancarastes tuas portas descobrindo na vida meu segredo e entrarias vivo na minha casa? Estás acaverado, dogmas e crenças apodreceram tua vontade, tua coragem de se contradizer, de ser você mesmo de verdade”. -Estava cada vez mais rígido, gelando-me... gelando-me... Em suplício, sendo sugado, atravessava horrorizado um túnel parecendo ser de vidro. Sentindo cada vez mais frio... mais petrificado enquanto a consciência incandescendo queimava-me! Igual a uma geleia em brasa como as lavas de um vulcão. Cada vez mais fraco, desfalecendo, gemia. E sempre vinha uma resposta da morte: “É a memória que te queima! Enquanto ela existir não poderás compreender nada. Estás bloqueado na imaculada face da tua ignorância; pois vocês, “blefe material”! Hipnotizam-se..., narcotizam-se com palavras, na ânsia de “sabedorias”. Na infantilidade dos teus sentimentos, a tudo bloqueiam. Desviados do coração, apenas refletem no espelho impuro suas dores”. - Como navalhas, espetadas doloridas rasgavam-me!... Eram os conflitos removendo-se em confusão. E aquela permanência sempre me acompanhando, respondia! Foi quando percebi nunca ter estado só, nunca abandonado. O pior dos homens está sendo atendido por algo... que não sabemos vivê-lo! Não nos conhecendo, não o conheceremos. Pela primeira vez, sentindo a compaixão de alguém por mim... ; conheci a bondade, escutando a morte: “E tudo tão simples!... Do óbvio, que é o próprio necessário, nasce a beleza da ideia-ação, e num milagre matérias são moldadas pelas mãos sagradas dos homens. São vocês os escultores, doutores, engenheiros da natureza, e o mestre é o Amor. Mas... passou um eclipse, cegando a todos, a ignorância, entre o intelecto e o coração; confundindo criação com invenção isolou a ideia, separando da ação; ficando todos perdidos, na ideação - nem ideia e nem ação. Nestas miragens nasceu o tempo e com ele a confusão, dando origem ao espaço donde surgiram suas civilizações!”. -A cada frase, pedaços de carne desprendiam-se dos ossos, emaranhando- me por imagens que se chocavam, obrigando-me a encarar o Real; única realidade, sempre presente, sem nunca ter-lhe dada atenção por estar perdido pelas ilusões inventadas pela mente humana. Emborcava-me dando voltas, caindo... Vendo tudo a se dividir.
  • 28. 28 E a voz continuava: “E cada vez dividem mais, em suas invenções: Deuses para a idolatria, ideais para as vísceras, ideologias para a cabeça, emoções para o coração, explorando o simples prazer do animal que ainda está no homem. E o mais serio e vulgar: criou outro homem dentro do próprio homem, com olhos, ouvidos, cabeça de monstro. Podes chamar, a “Besta”” -Um arrepio fez-me timbrar!... E mais espetadas como raios betuminosos, rígidos como arame, rasgando as vísceras... perfuravam-me! Batalhava com o medo. Mais grave a voz manifestou-se: “És tu mesmo o próprio medo fabricado pelos pensamentos que, tomando a direção do mundo inventou siglas, siglas, ideais, ideias, ideologias; sufocando a todos que matam e morrem por letras e significados em busca de seguranças. Perdidos!... Tudo se complicou, aumentando as divisões: As raças em preconceitos, as nações em potências, o trabalho em posições determinando classes, as artes em títulos e por aí vai... Conseguiram dividir os fatos em opiniões. Palavras em sensações: boas ou más, feias ou bonitas. Dotes naturais em profissões rígidas: quem cuida do fígado não cuida do baço, quem varre casa não é Ministro. Comportamentos divididos: o bom e o mau ladrão ou assassino conforme posição estratégica no social. E todos, mestres ou discípulos, são controlados através do samba do premio ou castigo; conforme os interesses descem o cassete ou premia com medalhas... também divididas em ouro, prata... E todos fazem o que o monstrinho mais gosta: irritar-se por estarem divididos; brigar por divisões; amedrontar-se porque dividiram aí se firmam nas armas. Este atrito lhe dá mais energia: é um fantasma, um ser imortal, ninguém o atinge... Não existe! E os controladores das divisões são os seus mestres organizados em departamentos: político, religioso, econômico... No político, conforme o partido e o lugar apenas mudam de nome; falam sobre tudo, menos sobre a UNIÃO que pode desmantelar todas as divisões. E as sigla dividem-se em subsiglas. No departamento religioso, um dia um homem falou sobre um “Deus”; pronto! Instalou-se a divisão: católicos, protestantes... e os ministros pastorizados Papa, Bispo e até sacristão dividindo os espectadores em
  • 29. 29 pecadores ou santos, espírito superior ou inferior, de luz ou das trevas. Na economia, todas as noites dividem, aumentando o valor, diminuindo o produto no dia. E a divisão entra na casa da multiplicação dos pães de um em mil para não morrerem de fome. As contradições em conflitos que, ao máximo tornam-se antagônicas e é o inferno!... Amigo e inimigo, resultando nas guerras tão conhecidas. E as guerras também dividem: nação contra nação, irmão contra irmão. Este é o homem que se estraçalhou em milhões nos braços da ilusão entre a ideia e a ação. É normal que não se conheçam e procurem um psicanalista; este, também está preparado para dividir em análises as lembranças de suas vidas”. -Exausto! Também estava sendo dividido pelas formigas e morotós, espalhando-me em pedaços sobre a terra. Foi quando, um rápido lampejo de percepção começou a abrir as comportas da minha consciência. E a voz ordenou-me! “Escutes ao teu planeta! Todos estão cantando:” Eu, tu ele, nós, vós, eles. Je, tu, il, nous, vous, ils. I am, you are... E com estas letrinhas, um está matando o outro, pisando, acusando em termos gramaticais, é a Besta! O homem irracional”. -Num estrondo, querendo lascar as pedras do meu túmulo, a voz urrou: “Verbalização! Fantasma que atravessa os tempos, sacrificando em holocaustos uma parte dos homens enquanto a outra, adorando, bebe o sangue das vítimas que se derrama sobre os altares”. - A voz!... Cessou de se manifestar. O tempo à espera do seu retorno foram séculos doridos de monotonia. Sabia que voltaria!... Sentia sua compaixão! E se não retornasse?... Neste espaço-tempo indefinido, fui percebendo ter sempre vivido num estado permanente de dependências. Eu era um amontoado de ideias, que se mantinha, separando-se das coisas num astucioso artifício. Utilizava para isto, pessoas, ideias e até objetos, na ostentação do meu “Eu”. A isto tinha reduzido a minha vida: mero observador estático, observando a
  • 30. 30 um mundo dinâmico ao qual queria dominar. O que importava era “Eu”, dando “decretos” para a natureza e não as leis dela para mim onde tudo pulsa, entrelaçando-se. Enquanto percebia este fato; uma aquosa interminável sombra, de um alaranjado escuro em formas estranhas, ia saindo pelo meu umbigo que em gelatina desfazia-se. Era o falso homem - centro criador de imagens imaginadas. Pelo processo das crenças foi sendo formado, moldado..., através das lendas e estórias lidas e escutadas, desde a mais tenra idade, sentimentalizando-me na ânsia de uma realidade. Mais aliviado fui chegando ao meu fundo; rolava..., escorregando por líquidos gomosos - eram os nervos e neurônios, o resto que de mim sobrou sendo devorado pelos vermes, limpando as matérias putrefatas. Eu era um carvalho abrindo-se ao meio onde NADA MAIS EXISTE, REDUZINDO-ME A NADA. Foi neste sentir, reduzindo-me a nada, que um filete da consciência começou a ter luz própria; arrebentando o cadeado da prisão mental libertou sua totalidade. E o raio de luz da primeira manhã do meu despertar, atravessando a pedra do túmulo agasalhou-me em seu lençol, esquentando-me da longa noite de frio. Enrolado em suave tépido fui saindo do leito sagrado da dor. Sorrisos despetalavam-se em auroras!... Cintilando meus olhos, despertou uma voz... Minha verdadeira voz, tomando as dimensões inomináveis da extensão: E A VERDADE, O QUE É A VERDADE? Com toda a força das sedes não saciadas queria beber. Beber de um só gole, tudo que tinha perdido. A feiura do meu intelecto fez-me ignorante do verdadeiro saber, impedindo a soberania da beleza. Suave... , cinzelando-me em sua paz meditativa, numa paixão poética a VOZ foi retornando do silêncio... Em bem-aventuranças transcendia a escutá-la! Entoando minha primeira canção: a da humildade. O som de sua voz em estrelas a tudo incandescia! “A verdade não pode ser tocada, nem chamada, nem implorada. Apresenta-se quando quer, é uma menina livre! Está entre as coisas animadas ou inanimadas onde há um espaço psicológico e vocês, em suas
  • 31. 31 insensibilidades, não percebem. Faz tudo nascer, sendo cada coisa, única, insubstituível! Faz gelar o gelo, queimar o fogo, sacudir o vento! Dá nascença ao nascer das águas!... Enchendo as fontes que se derramam, descendo pelas montanhas, correndo vales, esbaldando-se pelos campos em rios de água. Aventureira!... Abrindo caminhos, embrenha-se nas matas, devastando terras, banhando cidades. Avista outras águas!... Correndo ao seu encontro, joga-se em seus braços, deixando-se carregar! Temperadas no sal da nova água, junta-se aos oceanos, carregando pesados barcos! Enfrentando tempestades... mistura-se ao vento, evaporando-se no ar... Transformada em nuvem, no encontro com suas irmãs mostrando-lhe o sol, passeiam em pares! Conhecendo a lua, sorri com meiguice, admirando as estrelas enquanto a noite passa. O dia amanhece!... Refrescando-se... penteia seus cabelos raios do sol que nasce. Vestindo-se de gases, do branco em rendas bordadas, alonga-se faceira é hora do trabalho! Ciosa do tempo equilibra a Terra, regando as plantas em chuvas que caem... Um broto aparece... Crescendo a alface, é levada ao mercado e comprada pelo homem que de nada sabe. Na mesa do dono, cortada em pedaços, brilha escondida em forma de gota que morre nascendo... de volta à sua casa onde deu nascença ao nascer das águas!” - Enquanto escutava, libertando-me do túmulo, na unidade a Voz esculpia- me!... Musicando-me... em desenhos coloria-me numa nova roupagem, ensinando-me a não continuar, a não querer saber o “por quê” de nada. Começava a aprender a viver “NO QUE É”. Em cada mais minúsculo pontinho, ultrapassava a morte, no simplesmente SER, diluindo-me pelo infinito de uma brilhante matéria negra permeando-se por tudo. Companheiro! É tudo uma questão da mente que se escraviza na magia
  • 32. 32 desprendida das coisas prendendo-nos “ao que foi” – passado -, semeando o que será – futuro – ao passarmos pelo tempo cronológico dos minutos e das horas nesta grande viajem da vida, num desejo de repetição, cegando-nos para o “QUE É”, o verdadeiro “presente”; este insondável e indecifrável instante onde contem, na unidade, todas as coisas, nascendo, morrendo num estado de sempre NOVO, sem tempo nem espaço. A sensação dada pelo atrito das energias das memórias, na perene continuação do que foi, é o que chamam de prazer e uma “imagem” centralizada, estática, foi se formando desde a mais tenra idade, cognominada de “Eu” (o pensador, o observador, o experimentador... com todas suas vivências e sensações físicas, psicológicas, neurológicas). No engano deste “Eu” vive nossa humanidade, com a mente torturada pelo conflito da dualidade entre o aceitar ou rejeitar, o bem e o mal... perdendo sua natural segurança em equilíbrio com todas as coisas onde nada se sobrepõe a nada. E as portas se abriram para a entrada do MAU: crenças, ideologias, religiões, tradições nacionalismos, resultando em guerras, injustiças, lutas de classes, explorados e exploradores, escravos e senhores... O resultado é o medo e a dor que a tudo acompanha, deixando sérias cicatrizes. Das dores querem se livrar sem abandonar o prazer e mais emaranhados ficam nas redes do tempo/espaço psicológico, pois dor, medo, prazer são inseparáveis, fortalecendo assim, as abstratas imagens, pelo esforço mental em concretizar desejos, as quais chamam de ideais - este “esforço” é a própria “esperança” (espaço de espera onde tudo acontece - a vida não vai parar para satisfazer os caprichos da mente em seu desejo de “vir a ser” atrás da felicidade, realização, domínio, gloria, poder. E nos aniquilamos, derrubados pelo Real movimento da vida que ignora nossos calendários e fusos horários) Ao movimento das memórias ou do passado deram o nome de “pensamento” que foi endeusado pelos homens, em sua ignorância de não se conhecer; e foi dada autoridade a esta entidade fictícia - sem nervos, sem sangue ou sentimentos; frio, insensível, contraditório, tirânico e cruel, sendo esta sua própria característica – o poder de dirigir o mundo e a vida do homem, dos animais e da natureza tornou-se um inferno; há séculos, vivendo em monstruosas sociedades utópicas, dirigidas por fantasmas.
  • 33. 33 - O pensamento, criando problemas, sem se dar conta de que foi ele o inventor/causador de todo este caos: divisões, desejos, ilusões, medo, guerras, dores, fome, miséria..., o criador de todo bem e todo mal sendo ele o único pecado do mundo, na pretensão quer resolver o que ele ocasionou e mais caos vai espalhando através de ideologias, novos sistemas, leis, reformas etc. e etc. Por desconhecer que vivemos no Real, no Perfeito, apenas consegue deixar o Ser em estado de conflitos; em confusão, inimizando-se uns com os outros - entre amigos, famílias e nações -, distanciando-se cada vez mais do verdadeiro pela ilusão de um “Eu”, também criado por ele: o “pensador”. Somente pela percepção de nós mesmos, num só golpe de vista, tudo é extinto e só fica o que somos de verdade AMOR, SILÊNCIO, CRIAÇÂO. .... Escutava-o com fervor! Aprendendo do seu aprender. Mas tinha tanto o que dizer... tanto o que perguntar, tanto o que... Sua agudeza em captar ondas, era admirável! Já ia respondendo até mesmo as que ainda seriam por mim elaboradas. E numa atmosfera de solene seriedade foi respondendo-me! -Sim. O psicanalista ou todo aquele que “lida” com a “psique”, pode ser considerado uma polícia psicológica da sociedade. Seu papel é ajudar os que se desviam da “normalidade”, trazendo-os de volta ao social. Não os deixam sufocar em suas próprias crises. É perigoso! Poderão ver os reais problemas. Analistas e analisados são dois fujões, têm medo de se enfrentarem; ver que o “externo” quer a todos problemáticos. Sem o problema os poderosos serão inutilizados, pois não mais haverá dependências de mestres, guias, pastores, analistas, para quê? Livres, não lhes farão falta a “segurança psicológica” dada por aqueles que, provocando a confusão, estabelecem a “ordem” através de suas leis, doutrinas... para terem o “Poder” nas mãos. -Sim, não disse e não dizem: Amigo, sua totalidade só pode ser conhecida por você, conhecendo-se a si mesmo; e, para isto, não precisa de nós, de nenhum especialista, de nenhum livro, nem instrutor ou guia, de nenhuma autoridade que vão lhe cegar ainda mais. O mais inteligente ou sábio dos homens não pode tocar, analisar, intrometer-se nas dimensões psicológicas de nenhum homem. É este o
  • 34. 34 IMPOSSÍVEL. Como dar visões fixas a um mundo onde nada é fixo, onde tudo que existe contém tudo de todas as coisas em formas de energias fecundadas pelo tempo no ventre do espaço; portanto, como analisar, explicar, concluir, interpretar detalhes, escanteando a totalidade? -Sim, não disse e não dizem: Que as sugestões que vêm da mente, em suas camadas mais profundas, são rechaçadas pelo processo de “educação” do mundo “externo”, fazendo de todos autorrepressores. No momento em que estas sugestões não forem impedidas, onde ficará o mundo dos sacerdotes que fizeram do homem um ser medroso? Dos intelectuais que fizeram do homem um ser ignorante e o conhecimento de si mesmo virou uma utópica filosofia? Dos políticos que fizeram do homem um ser grosseiro, medíocre, vulgar? Envenenaram as energias do homem, tornando-os inertes, angustiados, torturados, fragmentados; chicoteados pelo medo são acariciados pela ambição. -Sim, não disse e não dizem: Que já nascemos matriculados numa grande Escola de Teatro onde aprendemos a dramatizar e a bem interpretar a maravilhosa peça teatral “Eu”. É uma tragicomédia, rica em suas variedades de enredos. Só ganham fama os bons atores; os figurantes ficam na ralé dos bastidores, porém imprescindível para o êxito do trabalho teatral – sem eles, o bom ator que sobressai não existiria. Dou risada de mim mesmo. Não tive o senso do ridículo! E era este “Eu” que pretendia e meus discípulos pretendem analisar. Sem palavras. -Sim, não disse e não dizem: Que o homem, para se curar, terá que jogar ao lixo esta peça teatral “Eu”; despersonalizar-se, abandonando a obediência psicológica com toda sua dramatização do “bem e do mal”. - Sim, não disse e não dizem: Companheiro, - em vez de chamar de cliente - todos nós estamos na mesma situação, hipnotizados! Sobrecarregados por violentas correntes psicológicas tornadas inconscientes pelos acúmulos de memórias seculares,
  • 35. 35 precisando ser vistas e por si mesma extinguirem-se. -Sim, não disse e não dizem: Amigo! A cura está nas ruas, nos bares, nos transportes coletivos, nas famílias, nas escolas, em todas as partes. Nos ares dos ricos, na inércia da miséria; no parlapatear dos políticos, nos templos, nos prostíbulos. É passando pela lama que nos limpamos, e não dela fugindo para nos banharmos em banheiras com sais aromáticos, praias saudáveis ou perfumes exóticos. Olhe o sofrimento alheio, o problema dele é o seu. Não existe o meu e o seu problema; só há o problema, inerente a todos os homens. Por dentro, são todos: ambiciosos, invejosos, maledicentes, orgulhosos, autopenalizados. E, é com toda esta carga que andam, arrastando-se à procura da felicidade. -Sim, não disse e não dizem: Olha! Fomos educados na rigidez de desejos, através das “sugestões” impostas pelas propagandas comerciais, religiosas, políticas, sociais. Classificaram, organizaram, intelectualizaram, espiritualizaram os desejos. Atingiram o centro nevrológico do homem onde as vísceras fervem no caldeirão dos pensamentos, deformando os sentimentos, as emoções, os humores, os prazeres. Tudo dominado são facilmente pescados através das influências, em todas as formas e nuances; sendo destrinchados pelos dentes dos dominadores em seus banquetes ou até, na simples mesa de um amigo. É a dualidade, lenha incendiada que alimenta a chama do conflito. Passam suas vidas dirigidas por um pêndulo entre o bom e o ruim, o gostar e o desgostar, realização ou frustração que resulta em assassinatos, guerras, suicídios... Esperança ou desespero em ganhos ou derrotas; do positivo ou negativo supersticioso; do certo ou errado - sendo que, o certo só é aplicável a coisas técnicas, por exemplo: Não deixar que o planeta desintegre-se por causa de um erro atômico. O HOMEM NÃO ERRA NEM ACERTA, O HOMEM APRENDE. O “Eu” e o “não Eu”, onde todos são réus e vítimas, em acusações, julgamentos e defesas. Do foi ou não foi, fez ou não fez, nos lares, nos tribunais, nas escolas, entre os casais, os amigos ou desconhecidos. E em tudo isso, a satisfação torna-se uma exigência paranoica, permanente. E... sendo, a satisfação um estado indefinido onde segurar o vento é mais fácil! O
  • 36. 36 medo instala-se; sendo a base do desejo. Paraplégica! A satisfação anda sempre carregada por sua inseparável irmã gêmea, a insatisfação. São esses opostos que mantém toda a estrutura psicológica do “Poder” das Instituições religiosas, políticas, sociais, no coletivo ou individual. -Sim, não disse e não dizem Só há desejos. A vida é uma série interminável de desejos. Não podem ser gerenciados. Não se suicide, matando o desejo. O conflito surge, justamente, no esforço para torná-lo rígido, único, obediente. Ao fazer escolha, entra a confusão; e um desejo briga com o outro, e o outro com o outro, e o outro com o outro... Portanto, companheiro, vivendo todos os desejos os conflitos deixarão de existir e a lucidez será seu estado permanente, ao dormir ou em vigília. A vontade acalmada, tudo tomará seu rumo certo. -Sim, responderei a esta última pergunta Por que eu era obstinado pelo caráter anal? Mas já não era isto o sintoma do prelúdio do meu câncer no reto? Isto! Eu não soube explicar! ... Majestoso! O belo embalava-nos na comunhão do desabafo, nos braços da realidade. Os gases foram diluindo-se... e pude ver sua face: Seus olhos... eram a imensidão de estrelas inflamadas numa canção genesíaca! Seus lábios... um sorriso esculpido na imortalidade! Em cortejo, as alegrias iam depositando coroas de flores no tempo do nosso passado. Assim como surgiu, se foi... em calidoscópio... Fechando suas cores e formas, sumindo... num único ponto. Perdendo-se... no imensurável! Aprendia... como aprendia! Banhada pelo frescor da purgação foi-se abrindo meu mais profundo túmulo, ressuscitando sonhos e anelos onde jaziam enterrados pelos homens enquanto mãos silenciosas teciam-me em fios azuis translúcidos, do novelo que se desenrolava do infinito incomensurável mundo da escuridão.
  • 37. 37 Vestida do novo..., acostei-me nos últimos raios dourados do Sol se pondo. Descerrando a cortina do dia chegou a noite; diluindo-me em seus trajes, em seu colo carregou-me! Levando-me por cada raio prata que se desprendia da lua explicava-me o porquê das coisas, tornando-me criança. A aurora surgindo, foi despertando a inocência dos meus novos primeiros passos e a brisa que dançava, traquinando aqui e ali com os orvalhos, enlaçando-me, arrebatou-me! E num festival de movimentos malabarísticos, ensinando-me a arte de voar... arremessou-me pelos confins. Num vácuo flutuava... num vazio ...em todas as direções; num oceano de cores que moviam-se em ondas fluidas, perfumando-me num banho acetinado do aroma que se derramava da serena unidade da criação. Com asas próprias voava... , invulnerável ao tempo e ao espaço, orientada pela bússola do Atemporal que sempre residiu em mim num pacote de séculos mais leve que o segundo. Entre substâncias da existência, transformava-me!... No fresco nascer do existir na morte, no seio do Nada. Nada!... Berço, origem intangível da criação! Vive obumbrado no mais desconhecido da escuridão onde as luzes, o brilho, os esplendores não lhe são necessários. Simples... É a própria fonte da energia onde fecunda o ser da luz. É o seu próprio fim, ilimitado em direções, profundezas e dimensões; sendo este o inatingível principio. Dá movimento!... Sem continuidade, aos novos movimentos em suas espontaneidades! Dá visão!... Onde todos se miram, espelhando-se nas águas cristalinas dos espelhos viventes, tornados visíveis pela materialização no milagre da condensação da energia. Dá olfato!... O mais perfeito e infalível guia, entre todos os guias. Dá sabor!... No refinamento da abundância de alimentos oferecidos pela natureza a cada espécie, a cada coisa! Dá sensibilidade!... Na diversificação dos toques em suas infinitas
  • 38. 38 variedades, próprias a cada corpo a cada substância! Dá as ferramentas dos movimentos, guiando os obstáculos!... No equilíbrio e cálculos perfeitos, entre as distâncias, tempo, pesos e saltos! Dá sensualidade!... Dança da libido, compondo melodias que se exteriorizam em movimentos apaixonados na harmonia da sedução!. Envolvendo-se em musselinas... orlam a margem dos encontros, jorrando suavidades em sensuais alongamentos, tocando os acordes... prenúncio da procriação. E... um beijo prolongado nas substâncias surge o milagre! Um filho. Dá lucidez!... Na correnteza das aventuras livra-se das emboscadas, em perfeitos dribles que encantam!... Perdendo-se para si no encontro lúcido de um no outro, na transparência dos fatos ri para as ilusões que vão carbonizando-se por onde ela passa. Inefável!... Na mudez de sua sabedoria vai inerindo em cada ser, na efervescência do silêncio, as sementes da liberdade e da inteligência. Do vazio deste NADA!... Tempestades de bem-aventuranças a tudo vivificava! Fulgurando em cores musicadas espalhavam-se!... Colorindo as dimensões do invisível, iam dando nascença ao núcleo de cada coisa, desabrochando no seio das aparências em infinitesimais infinitas partículas, afirmando a verdade do existir. Confundia-me com aquela multidão que oscilavam cadentes em pantomimas; estendendo-se em cadeias de sóis, cantavam sinfonias ao ilimitado num único movimento rítmico. Cada uma, dona de natureza congênita numa perfeita organização congênere, aprendia a socialização em seus conjuntos, respirando perfumes que exalavam do hálito da existência. Da Ribalta! O incomensurável Atemporal, alimentando a todos no impenetrável insólito mistério do Nada, olhava a todos os tempos, num só tempo. Em cada partícula, sentia seu sorriso afagando-me! No majestoso da luz que mantém a tudo em equilíbrio; em vibrações, emitia ondas que se transmutavam em fragmentos de matéria, numa troca eterna... onde tudo faz morrer e nascer sem continuidade. Renovavam-me o psíquico!... Estava sendo criada. Pelo infinito incolor nascia..., flutuando nesta última camada do meu infindo onde só havia a inata consciência da Inteligência Atemporal.
  • 39. 39 Inteligência!... Origem das origens! É a própria causa de tudo que vai existindo... que vai se extinguindo... nada se perdendo, em eternas mutações. É ela mesma, a energia que se condensa em movimentos, cores, substâncias, órgãos, roupagens, água, ar, minerais, terra, fogo, gelo...; levando cada coisa detalhes de sua especial personalidade que, no conjunto de Tudo, forma um único caráter; seja a de um galho de planta em suas ramificações, a do desenho de vales e montanhas. É tão pequenina!...É tão enorme!... Cheia de afeto, plena de sentimento, de candura, meiguice e compaixão... gentil, cata e dinâmica!... É o tecido da flor, a qualidade das folhas, o sabor das frutas, a dureza da pedra; é o ouro, a prata, o diamante. É a mais rica, mais abundante, desprendida e simples. É a brisa, é o orvalho, são as ondas do mar; é o brejo, o caranguejo e o leão; é o homem; é o cavalo; é o cão. É o desconhecido que vai se conhecendo... ficando para trás nasce a memória e com ela o tempo. Está sempre aprendendo, nada sabe - sendo este o seu maior segredo: sempre nova fresca..., deixando nas aparências a manifestação viva de si mesma. É tão inteligente... a inteligência! Só ela escuta os corações, lê as mentes, e cega aos curiosos do Universo; os que querem chegar ao “principio da vida” sem olhar para ela, com o castigo do tempo (em cada século, apenas um detalhezinho de alguma coisa da imensidão, “descobrem!”). Está sempre a dizer: “Podem chegar ao principio das coisas passíveis de medida; sejam elas micros ou macros. Mas não chegarão a MIM! Não passo pelas mentes, meu caminho é outro: é o das delicias; o do grande amor!”. * * * Do incognoscível, uma precipitação em cristais despejou-se!... Mergulhando-me num lago transparente de espumas brancas argênteas. Nesta quietude quedei-me... admirando as estrelinhas embevecidas em prateado que saltitavam refletindo o dourado furta cor do charme da Beleza. Era ali a morada da Paz. Meu azul translúcido coloria em fosforescência ao diáfano daquele lago de
  • 40. 40 espumas que, ao esvoaçarem, acariciavam-me... volatilizando-se no nada. Foi quando... uma faísca saída das entranhas da suma de todas as energias em flecha transpassou-me!... Arrancando-me da placidez em que imergir, dividia-me em milhões de outras partículas que iam se organizando num novo sistema universal; transformando-me no vivo que se move, se substancia..., enchendo-me do calor do poder da emancipação. Em mutações deslizava... irreversível ao despertar de outros mundos. Errante..., viajava entre nuvens de poeira que corriam céleres ao meu encontro na alegria da inocência de brincar, pela lei universal da espontaneidade, sem nos chocar. Mais e mais!...Abria-me em avelutínea florada, filigranando-me... de criança à tenra idade. * * * O espaço, em cetim grafite, como tecido formando brocados, recurvava- se!... Em suas dobras divertia-me fazendo ondas que coleavam; correndo, iam deixando um rastro policromo onde deslizava, brincando de escorregar. Na última recurva, num impulso final, as ondas caindo em cascatas formavam cortinas que se escancaravam... enquanto em efeito “dominó” deletavam-se em novas extensões. Vomitada por um sopro, em redemoinho subia... Rompendo o hímen do novo espaço, despertei na zero hora do mundo materializado do invisível. Um choque escandalizado extasiou-me! O mais grandioso espetáculo desfraldou-se num deslumbramento!... Forças tempestivas abalaram-me no fascínio do esplendor do OPÍPARO! Despejada! Uma silenciosa atração imantava-me com o poder do encanto; via tudo ao mesmo tempo. Eu era um diamante lapidado, não havia frente, lado, costas, acima ou abaixo. Ao fragor das ondulações, rumo ao indefinido do existir, partículas vindas dos rios do além viajavam imponentes, em ascensão, espargindo-se pelo cosmo. Além dos Universos, também vinham voláteis substâncias... Incendiando-se,
  • 41. 41 tomavam formas em seus movimentos numa rapidez incalculável! Impossível de serem seguidos. Tudo se movia tão solto! Peralta, dinâmico, dando a impressão de estático. Um show de pontinhos, em crisólitos, gotejava do vazio, cantando na solidão a canção do silêncio!... Esses pontos luminosos e iluminados gravitavam numa solidariedade... Modelando, florescia a vastidão... Mimoseando, modulavam-na em consciência uníssona, mas de cunho próprio em suas desigualdades de movimentos, posições, cores, formas e brilhos. Que esplendor!...Universos formavam-se, milhões!... E tudo se multiplicava, nascendo, deflagrando-se... e... Desconhecia-me!... Tudo se desconhece. Vida para a vida! Presenciava a materialização. De qualquer coisa, nasciam as coisas. Cada partícula, formada da plenitude, entregava-se à formação do óbvio necessário; em conjuntos, em famílias, porém autônomas, independentes e livres. Levava em suas entranhas um “arquivo vivo” onde estava armazenada a História do seu principio, e um espaço em branco para as que viriam - causas- efeitos das experiências de suas vidas: “guia”, para o porvir de outros seres a brotarem de si. Um enxame de partículas, num pisca-pisca, arrodearam-me! Brincando de esconde-esconde com as ondas de energia foram levando-me..., num equilíbrio áureo, para mais perto daqueles pontos que se agigantavam! Fazendo graça, iam enganando-me de “ser” ou “não ser”; ora, era matéria; ora, era energia. Fascinada! Ensinavam-me a olhar o movimento daqueles corpos, espelhos de luzes explodindo em fogo, que extasiavam!... Num pluridimensional, em quadrantes abriam-se! Num ritmo trêmulo balouçavam-se num ir e vir, em múltiplas posições que não se repetiam, jamais retornando ao passado. Fantástico!... Na harmonia da desigualdade, era uma orquestra que bailava numa velocidade onde o principio e o fim não existiam; sem fronteiras entre espaços e astros, riquezas inomináveis de vidas pululavam!... Fervendo num impulso apoteótico de: sempre, mais vida. Só há vida. Absorveu-me um calor beatificante!... Polinizavam-me! Eflúvios em abundância extravasavam dos pólens que, em chuva, despencavam do fogo
  • 42. 42 branco – útero nascente das flores. Sua chama era a própria fonte da fecundação onde brotava todo macho e toda fêmea. De suas alvas labaredas, caíam, em enxurradas, derrames de flores num encontro transcendental! Trazia cada uma os elementos químicos que, um dia, iriam transformar-me em sangue. Transfigurava-me!... Das mais adentradas longitudes tudo estava sendo criado. O próximo instante ainda não existe. Tudo vai existindo... na imensidão insondável..., eterno único presente. Uma força a sugar-me, foi deslizando por superfícies que se torciam... Maleável, era repuxada por redemoinhos, encaracolando-me em luminâncias que se despejavam sobre um Celso mar cromático de cristais hexagonais. Em flocos gasosos de profundezas coloridas, rumorejando em imensidões fosfóricas, arredondava-me!... No encontro com todas as coisas, num único beijo, num abraço. Bocas, olhos, narizes, sementes, grãos de areia, tudo... a se encontrar... a se bolear.!... Nesta excelsitude, um sopro em rajadas auríferas lançou-me sobre cachoeiras de gases atmosféricos que, em camadas azulavam-se enquanto orbitavam, debruando-se de verde-azul sobre as águas. E um céu anil celestial destampou-se! Abrindo seus braços à filha de volta à sua casa. Flamante! Num toque acelerado, despida de tudo, por suas entranhas que se abriam, caminhava... numa tela em branco a ser pintada. Resvalando pelos fios dos raios que do oxigênio esfiapavam... esboçava traços, chamuscando em ondas de platina por onde passava. Queimava-me a brancura das nuvens em neve! Era a fertilidade sorrindo os meus sonhos que se aproximava..., brincando entre alvirrosadas esponjas, fazendo desenhos ao se evaporarem das águas. Seu gosto gelado refrescava-me!... Sentada a olhá-las... abstraía-me perdida no ocaso... Adentrando-me na privacidade de sua exuberância... eram ninhos a me abrigarem. A calmaria envolveu-me!... Abandonei-me em seus braços: “fizessem de mim o que quisessem não me pertenço. Eu sou sua, vida. Sou a Terra”. Um carinho penetrando-me... de alguém a viver esperando por mim, em desejos de súplica chamava-me! Para o mundo dos ruídos, das vozes das
  • 43. 43 crianças. Arrebatou-me um arco enorme colorido e fui subindo... por suas costas, engatinhava... Brincando com as nuances de suas cores, escorreguei..., dando a volta ao mundo pelo arco-íris e mais perto fui chegando deste alguém. O vento passando transportou-me acima das montanhas; sibilando em prosas, conversava com o tempo segredos que viriam! Soprando as densas brumas, sacudiu uma exuberância verde que, balançando-se em tapetes se estendiam! Festejando em hosanas!... Mãos florestais para o alto aclamavam, dando boas vindas à chegada de sua nova irmã terra. A Natureza ativa, de avental, vassoura e esfregona; limpando sua casa, escutava o uivo do vento e pensava: “O que trará ele em suas asas?”. “Hum!... mais uma que chega! Terei que cuidar!” Confabulando, ia delineando nos ângulos dos Vértices o croqui do meu destino. E, num rodopio, jogando-me a outros tempos, num impetuoso cascudo despediu-se de mim o vento. * * * Perdida por tantas folhas que me beijavam, numa efusão de clorofila sentia fremente a pulsação do desejo no ventre dos meus pais. E um calor tropical verdejava no vale... abrindo-se entre as folhagens, mostrando o Sol brincando de roda, limpando o dourado que ia deixando ao marcar as horas. Vestida de negro surgiu a noite!... Passeava faceira ornada de jóias! Ostentando uma gema, iluminava as águas, jorrando pratas pela escuridão, inspirando as estrelas que escreviam versos no meu coração. Desfilando... ia sumindo a noite pela madrugada, deixando entrelaçados no leito hinário das venturas corpos em delicias fecundando-se! Momento culminante!... A brisa despertou a manhã, cantando junto aos pássaros que, algazarrando suas sementes esvoaçavam suas plumas. Despreocupada, charmosa e elegante, desabotoando seu chambre ia
  • 44. 44 desnudando-se o dia por uma estrada que se abria adormecida nas sombras. Despertando a todos, em clarão de luzes, melodiando, derramava-se... em dó, si, lá, sol, pelas matas, desertos, pelos mares, campos e montanhas. Em pergaminhos abrindo-se!... O sol, dançando primeira valsa sobre os folhames dos pomares, em jatos, salpicando seus raios sobre as ramagens, rabiscava em verde ouro, bordando lantejoulas nas rendas dos vinhedos que, em folhedos se esgarçavam! Pincelando suas formas sobre cascalho sépia escuro, arbustos espreguiçavam-se, acordando montes perolados de areia que, ainda ensombrados pelos recantos, estavam mergulhados em devaneios. Avançava!...Com visão ampla de tudo que me cercava... planície, montes, e vales!... Das arvores! Suas galhas em gala, em cumprimentos campestres, debruçavam-se sobre a estrada, reverenciando ao nobre cortejo que passava: borboletas amarelinhas, pequenas e ariscas, voluteando corriam entre as pernas das maiores mais sérias e marrons. Chuvas faiscantes de insetos e besourinhos, em corrupios amostravam-se! Bulindo com as sombras, beliscavam as flores que em matizes se abriam. Pássaros, cantando hinos, distribuindo liberdade, disparados em revoada brincavam! Do perfume do alecrim que as abelhas zumbindo, em ziguezague exalavam!... Em carícias, sapecas e sensuais, viviam suas vidas, esquecendo suas formas que refletiam... fazendo sombras sobre os areais, troncos e folhagens. E caminhava!...Vozes e vozes cochichadas magnetizadas chamavam-me! Águas... Águas, muitas águas, rompendo a terra entre as raízes me perdi!... Vagas agitadas, gorjeando trinados líricos, em nuances de violinos ao infinito por suas ondas estendi-me!... De volta ao grave, em soprano, respondiam em coro, cantando as águas. Suspensa em melodias, fui levada pelas canções à solidão de uma rocha curveteada pelas águas. Insinuando-me entre os minerais, abriguei-me numa concha abandonada sobre a madrepérola de um molusco à espera da chegada
  • 45. 45 de ÁRIES enquanto, passavam revoltas as grandes marés de Março, transbordando-se em ressacas pelas praias que iriam me banhar. Jogada pela distância, aparou-me o espaço entregando-me ao tempo! E fui depositada naquele leito onde seria germinada. Em frenesi tremiam!... Seus beijos eram meus lábios a se formarem. Em suas salivas sensualizava-me!... Entre os dois banhava-me o suor da volúpia que escorria... Em escala musical notas iam surgindo... tocadas pelos corpos numa interpretação triunfal dos sentimentos. Em linguagem natural dos órgãos, na mais profunda inspiração da vida explodimos no acme do orgasmo! Em energias orgásticas flutuei!... Invadindo minha nova casa, alimentada pelo leite operário. E fui feita, gerada, parida da MATÉRIA. Nascendo de dentro de tudo... no óvulo... da Mãe TERRA. O tempo não existia!... Apenas, lembrança de ter brincado com meus dedinhos e as últimas palavras do vento, rugindo, espalhando poeira no caos, misturando as raças dizia: “Escute minha voz, não somos nada! Olhe os tempos que passam!”. Chorando os “ais” da Humanidade, lá se foi o vento!... Carregando todas as lembranças do meu além.
  • 46. 46 PRIMEIRA PARTE CASA MATERNA Magnitude da vida Primeiro amor nascendo do ventre materno Primeira Infância
  • 47. 47 Uma casinha querida guardada para sempre no meu coração. Tenho vontade de desenhá-la, concretizá-la com lápis de cores, mas... Tinha uma porta e duas janelas, em estilo colonial, assim era sua fachada, simples, inesquecível! Lembro-me das gotas de chuva escorrendo pelos vidros da janela, ficava a contemplá-las... até desaparecerem uma a uma. Que maravilha eu sinto ao relembrá-las!... É uma sensação de vácuo ao descermos uma montanha russa. Se hoje sinto isto, imagino naquele momento vivo que ficou para sempre na minha felicidade! Elas sim... é a minha eterna modernidade, sempre contemporâneas; e escrever sobre elas que ficaram para sempre minhas!... Onde estarão? Evaporaram-se, outra vez retornaram em água ou... Brincava na calçada; pelas paredes... parece de um amarelo... ou era azul? Devem ter ficado muitas marcas de dedinhos... se pudesse ter gravado para sempre! Se todos pudéssemos ver como foram nossas mãozinhas... e, agora olhar para elas... cheias de injustiças, traições ou de muitos carinhos!... Aquela rua... Hoje me parece um mundo de fadas: Santo Antônio da Mouraria, o número não sei; bem em frente ao Quartel General onde um jovem todo de verde, em sua guarita, até hoje me faz sonhar. E o rataplã plã plã... do som da corneta, anunciando a alvorada!... E a casa da vizinha!... Sempre pra lá eu fugia. De sobrado, com puxada em ferro trabalhada em cada janela-porta! Sei que ela era jovem e minha amiga; porém feições, corpo, nome, personalidade, essas coisas não existiam. Só fica mesmo, em nós; o gosto, o afeto pela permissão de brincarmos com suas coisas, batom e esmalte de unhas sem ser escondido. Uma vaga lembrança, mas muito presente em forma de sentimento; a do meu irmãozinho correndo por aquela rua dourada; até que, um dia quebrou o braço (parece que quebrou, não sei... esqueci de perguntar-lhe, já faleceu). Não guardei lembrança do fisionômico das pessoas; somente a partir dos quatro anos de idade as fisionomias foram tomando forma, personalizando os
  • 48. 48 personagens através de castigos, repreensões, prêmios ou conselhos, obrigando-me a jamais esquecê-los. O ego de cada um foi sendo memorizado, por usurpar como autoridade o trono no palácio da minha mente e eu, no meu palatino, humildemente sentava-me aos seus pés e ainda agradecia. Os adultos, crianças que foram deformadas, projetando em nós seus medos nos obstinam a eles nos identificar; instalando-se assim, o princípio dos problemas sociais que são carregados como fardos, multiplicando-se em toneladas, até à sepultura. Vivia plenamente! Submergida naquela imensidão dourada, permeando-se por tudo..., enlevava-me com todas as coisas num único infinito. É este indefinível, cinzelando-se em nossa alma infantil que nos faz dizer e o poeta escrever: “Que saudade tenho da aurora da minha vida. Da minha infância querida que os anos não trazem mais”. Mas trazem sim. Os sabiás sempre cantarão! Vivemos mergulhados no paraíso de ouro caído do Sol. Somos o próprio, somos uma estrela. Tenho vontade de dizer, vejo-me: eu era uma princesinha de cabelos dourados, encaracolados, de olhos azuis, sempre rindo. Aquele vestidinho branco... Que simpático! Tinha um bolsinho... até hoje me dá uma sensação!... E sorrio ao lembrar dos contos infantis: dos vales e castelos... do lobo mau do Chapeuzinho Vermelho... das migalhas de pão de João e Maria...das mentiras de Pinóquio... do feijão de ouro da árvore de João... Minha mãe, é ela a quem vejo. Não sei por que, algo escurece... A memória apagou-se! Ah! Sim. Um corredor; parece sempre escuro, tenho medo! Uma salinha de jantar... Lembro da mesa e da posição do armário de louças, bem no fundo à esquerda. Nesta sala, do lado direito, duas portas: a que dava de frente para o corredor ia sair num pátio - devo ter brincado muito neste recinto descoberto, não lembro de que houvesse quintal. A outra porta dava para a cozinha onde tinha uma janelinha baixa, dando para este pátio e o sanitário em piso de cimento. Três memórias estão nítidas, como se neste momento tudo estivesse acontecendo: A primeira; a de uma cobra que apareceu, e vejo minha mãe correndo aflita,
  • 49. 49 falando em ferver uma água para jogar sobre a bichinha; deve ter morrido. A segunda; entre as paredes laterais do lado esquerdo do fundo da nossa casa com a da vizinha tinha uma brecha onde ficava a olhar a luz do sol, de um dourado forte em contraste com a sombra que fazia ao se adentrar pelo buraco. É inenarrável o sentido, o vivido, foram momentos de mistérios - o principio dos devaneios. Essa lembrança, até hoje relaxa, dá um frescor... é um sorvete de cajá amarelo-ouro derretendo-se pelo cérebro. A terceira; foi a primeira tomada de consciência sobre o sentir alheio. Estava no pátio, tomando banho, e lembro-me do justo momento em que a consciência se abriu: minha mãe querendo enxugar-me, tentava me carregar enquanto eu chorava, esperneando-me - queria continuar na bacia, brincando com a água. Suplicou-me de um modo tão sofrido que, bruscamente parei de fazer má- criação e deixei-me carregar; já, na sala de jantar, séria, em pé sobre uma cadeira enquanto ela me enxugava, a memória do recente fato ficou a se repetir: minha atitude, sua dor e a pena que senti. Nunca mais fiz má-criação. Somente agora posso expressar todas essas coisas vividas. A mente, obviamente formando-se, registrava todas as cenas-momento. Porém, somente algumas foram fotografadas e reveladas. As outras não passaram do negativo. Mas durante o transcurso da vida não é assim, apenas certos momentos ficam mais fortemente marcados? Se todos os instantes quisessem predominar, enlouqueceríamos! Os neurônios estourariam. Um flash, também presente, às vezes intriga-me: Curioso! Eu era eu, em pé na porta do pátio que dava para a sala de jantar, e me via deitada no colo de minha mãe, mamando em seu peito esquerdo. E apenas isto, sem explicação. E para quê? Toda explicação: por que, para quê, a fim de que; mata a magia, o encanto das coisas. Até os três anos de idade fui alimentada com o leite materno; nesta época não havia silicones, tamanho ou dureza de seios fazendo ”moda” que impedissem às mães de amamentar os seus filhos. Mamãe tinha uns tão grandes... maravilhosos! Como ela mesma dizia: “Minha filha, meu peito dá para jogar pelas costas”, e soltava uma curta, mas gostosa gargalhada. E mais sete marcas ficariam no que chamamos de recordação da primeira infância: Primeira lembrança: em casa de algum vizinho... os raios do sol batiam