1. MISSÕES NO ANTIGO TESTAMENTO
Introdução
Apesar de estarmos vivendo no período do Novo Testamento, é bom que compreendamos que Deus também
estava interessado em missões no período do Antigo Testamento. Missões não é uma tarefa iniciada no tempo da Igreja da
nova aliança, mas continuada por ela como agência do Reino de Deus. Assim como o povo da antiga aliança era
responsável por cumprir a sua missão no mundo, o povo da nova aliança tem sua função missionária nos dias de hoje.
A existência de missões no Antigo Testamento
Às vezes se pensa que no Antigo Testamento não havia missões devido ao fato de não se ter uma ordem
específica (como a de Jesus) para ir pregar a Palavra ao ímpio, ou por não se perceber a realização da obra missionária
naquela época, ou pelo fato de não conseguirem „enxergar‟ esta tarefa na nação de Israel. Sendo assim, concluem não
haver tido lugar para missões naquele período.
Geralmente não percebemos muitos textos falando da tarefa de missões aos israelitas. Contudo, a ausência de
textos missionários é só impressão. As Escrituras do Antigo Testamento estão cheias de textos relatando que a
salvação de Deus não era exclusividade da nação de Israel. Israel não era o único alvo de Deus para a redenção
(Gn 12:3; Sl 67:2,7;Sl 117; Is 2:2-5; Mq 4:1-3; Zc 14:16; Gn 49:10; Ag 2:6,7; Jr 33:9; Is 42:1, 6; 49:6; 52:15; Sl 2;
Sl 96; Is 61:5-11; 1Rs 8:43, 60; Sl 33; SI 66; Sl 72; Sl 98; Sl 145; Sl 86).
A relação entre Israel e as nações
A história que observamos no livro de Gênesis relatando a entrada do pecado na humanidade, e logo em
seguida a demonstração de graça por parte do Criador, faz nós enxergarmos esta salvação se manifestando logo
de início entre os homens. Assim, por exemplo, podemos ver a consagração de vida de Abel, Enoque, Noé... Todos
estes homens foram salvos pela graça de Deus. Não havia um povo ou uma nação que possuía uma exclusiva relação
com Deus. As pessoas eram simplesmente salvas dependendo da sua fé na promessa feita em (Gn 3:15). Entretanto,
depois deste primeiro período (Gn 1-11), chega o momento em que Deus formaliza a relação pactual com os seus
escolhidos1
a partir da promessa feita a Abraão. Por meio daquele homem Deus fará uma nação para si (Gn 12:1-3), com
a qual se relacionará de forma especial:
Até esta altura, Deus se relacionava com todos os povos do mundo. Mas, no capítulo 12 encontramos uma
focalização específica de Deus com a nação de Israel. O relacionamento de Deus com o mundo das
nações em Gn 1-11 se torna o pano de fundo para a história de Israel, que começa com os patriarcas
e, particularmente, com o chamamento de Abraão.2
A partir de (Gn 12) é inegável que temos o foco voltado para Abraão e sua descendência. Todavia, ao
observarmos a história da nação de Israel não podemos deixar de ver o pano de fundo que estava acontecendo até
aquele momento: Deus manifestava a Sua salvação independente de nacionalidade. Tendo isto em mente,
podemos entender por que Deus disse que nele “... seriam benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3).
A formação da nação de Israel não implica em mudança de propósito. A formação de Israel não tira de vista a
salvação das nações do mundo como era sua intenção desde o início; pelo contrário, o propósito de Israel é atingir as
outras nações. Vejamos as seguintes explicações:
Até o fim do capítulo 11 de Gênesis, Deus está lidando com as nações (plural), mas do capítulo 12 em
diante é-nos apresentada uma nação especial: Israel. „Far-te-ei uma grande nação‟ (v.2)... O plano de
Deus abrange todas as nações da terra, fato este que se revela através de Israel. A „história da
salvação‟ concentra-se na descendência de Abraão, da qual Deus quis fazer um veículo que alcançasse e
abençoasse todas as outras nações da terra.3
E ainda:
Portanto, Israel aceitou sua condição não como o propósito final de Deus, mas como seu meio de
redenção, eventualmente, para todas as nações. Esta consciência de Israel ser uma entre muitas nações,
então, conclui a história da criação e, por conseqüência, a história universal. Todas as nações são o alvo
1
Os escolhidos de Deus são aquelas pessoas predestinadas para a salvação.
2
CARRIKER, Timóteo. Missão Integral – Uma Teologia Bíblica. São Paulo, Sepal, 1992, p 14.
3
HOOVER, Thomas Reginald. Missões – O ide levado a sério. Rio de Janeiro, CPAD, 1993, p 8, 9.
2. da preocupação e do propósito divinos. As nações fazem parte integral do drama da obra e atividade de
Deus. Não são meros enfeites incidentais no cenário da criação. Os atos de Deus são dirigidos para toda
a humanidade no relato do início da história como também o relato comovente de seu fim, o livro de
Apocalipse... (Apocalipse 5.9-10 e 7.9-17).4
Deus não havia desprezado as nações, ou desistido de salvá-las. Ele em momento algum abandonou seu
plano inicial, mas apenas decidiu mudar a estratégia ou metodologia de alcance das nações. Observe as seguintes
explanações sobre a missão de Israel em relação às nações em redor:
1. Thomas Reginald Hoover: “Nossa conclusão acerca do caráter universal do Antigo Testamento assim se
expressa: Israel, eleito soberanamente por Deus, havia de ser profeta e sacerdote para as nações. O fato de
Israel constituir-se no “povo escolhido por Deus” (Is 44:1), colocava a “nação santa” na posição de
instrumento de Deus para a realização do seu propósito universal.”5
2. George W. Peters: “Gênesis 12 introduz uma nova era na história da salvação - uma história que é
particularista em método, mas universalista em promessa, desígnio e efeito... Gênesis 12 - o chamado de
Abraão - é o começo de uma contracultura divina designada tanto para deter o mal quanto para esclarecer
o glorioso plano, propósito e a salvação de Deus.”6
3. Larry D. Pate: “Com suas promessas a Abraão, Deus deu início a um novo capítulo na história da
humanidade. O plano divino para a redenção humana, tanto a indivíduos como a nações, não havia mudado.
Ele apenas iniciou um método novo. Ele se identificaria de modo especial com o povo de uma nação
específica. Promoveria o crescimento desse povo, determinaria seu sistema social e político e o protegeria,
livrando-o dos seus inimigos. Ele viria a ser conhecido como o Deus de Israel... Deus identificou-se com Israel
a fim de revelar-se ao mundo.”7
A metodologia missionária do Antigo Testamento
Bom, já observamos que Deus promoveu missões no Antigo Testamento, e que este serviço tinha a ver com
a formação do povo de Israel como veículo missionário entre todos os povos ímpios. Agora precisamos
compreender como Israel realizava esta obra.
A questão que precisamos entender é que, mesmo havendo muitíssimos textos demonstrando que a
salvação não era somente para a nação e descendência de Israel, ainda não é tão fácil compreender qual era a forma
de realização desta obra missionária naquele período. A nossa tendência é achar que eles realizavam missões
da mesma maneira como nós fazemos missões hoje.
É certo que eles eram missionários, como já demonstramos acima, mas as missões eram realizadas por um
método diferente. O povo de Israel não foi convocado a proclamar a mensagem de salvação às outras nações a fim
delas conhecerem a redenção do Messias prometido. Os israelitas deveriam viver a salvação procedente do
Messias, demonstrando assim o Deus salvador e Criador do universo. Sua missão, portanto, consistia em
testemunho de vida às nações em redor. Todos deveriam conhecer Deus em sua Onipotência, Majestade,
Santidade, Justiça, Graça... Por meio da vida religiosa, social e moral de Israel:
O Velho Testamento não contém nenhuma instrução explícita de que o povo de Deus deva ir às nações
para proclamar a verdade. Esta observação leva muitos estudiosos a falar sobre uma missão centrípeta
no Velho Testamento, a idéia de que as nações peregrinarão para o centro de Israel, o monte de Sião
e o templo, sendo atraídos pelo testemunho do povo de Deus. Usando a linguagem da missiologia
contemporânea, a missão de Israel implicava num testemunho de presença no mundo, e não de proclamação
ou persuasão. Esta presença evangelística no meio das nações constituía a principal obrigação
missionária do povo de Deus no Velho Testamento e, por certo, estabelece uma base insubstituível para o
testemunho missionário no Novo Testamento.
Tal centripetismo não deve ser entendido como totalmente passivo como se missão fosse
exclusivamente um ato de Deus... Ao invés disto, o centripetismo missionário descreve a
participação ativa do povo de Deus como testemunho nos afazeres do mundo. É indispensável
para o papel evangelístico entre as nações que Israel mantenha um verdadeiro relacionamento
de genuína e exclusiva adoração a Iahweh e de retidão moral e justiça social para com os outros.8
E ainda:
Missão centrípeta-centrífuga. Existe grande diferença entre os métodos que Deus deu a Israel e os que ele
deu à igreja para o cumprimento de suas respectivas missões. Israel, como vemos na aliança mosaica, devia
4
CARRIKER, Timóteo. Missão Integral – Uma Teologia Bíblica, p 16.
5
HOOVER, Thomas Reginald. Missões – O ide levado a sério, p 10.
6
PETERS, George W. Teologia Bíblica de Missões. Rio de Janeiro, CPAD, 2000, p 109, 110.
7
PATE, Larry D. Missiologia – A missão transcultural da igreja. São Paulo, Editora Vida, 1994, p 8.
8
CARRIKER, Timóteo. Missão Integral – Uma Teologia Bíblica. São Paulo, Sepal, 1992, p 171.
3. servir como imã espiritual e atrair para Deus os povos de outras nações. Os filhos de Israel deviam ser
sacerdotes santos que revelassem Deus às nações, e mediadores que as levassem a Deus. A natureza de sua
missão era centrípeta... Deviam atrair outras nações a si próprios e também à obediência às leis divinas.
Sua eficiência em realizar essa missão relacionava-se diretamente com sua própria obediência como
povo de Deus.9
Como podemos perceber, a salvação não era realizada somente por ação direta de Deus. Israel era um canal por
meio do qual Deus levada a salvação. Ou seja, Deus salvava pela instrumentalidade da nação de Israel. A missão de
Israel não era unicamente esperar as nações se converterem a Deus, mas impactá-las com o testemunho que eles
transmitiam por meio de seu comportamento santo, trazendo-as para Ele. Vejamos o quadro demonstrativo da missão
centrípeta de Israel no mundo:
É por isto que “em Gênesis 12 e no restante do Antigo Testamento, Deus revela-se unicamente para e através
de Israel, embora o desígnio dessa revelação fosse para o mundo.”10
Todos que quisessem conhecer o Deus verdadeiro
teriam que se aproximar e conhecer de perto a nação israelita. Eles possuíam a luz de Deus consigo. “Em termos claros,
Deus liderou Israel para ser seu sacerdócio fiel (Ex 19: 5-6), para ser sua serva e sua testemunha (Is 40-53) e para
difundir seus louvores entre as nações (Is 43:21).”11
Os israelitas eram as testemunhas-vivas do Senhor de toda criação.
Neles, o povo ímpio conheceria a verdade que os libertaria do pecado:
Deus refere-se três vezes a Israel como “minhas testemunhas” (Is 43:10, 12; 44:8). A verdadeira
questão é: uma testemunha de quem? O Senhor declara explicitamente: “O povo que formei para
mim proclamará meus louvores” (Is 43:21). Proclamar seus louvores para quem? O versículo 9 nos
dá a orientação: “Que todas as nações se unam ao mesmo tempo, que se reúnam os povos”. Esse
é o público de Israel. Essa é a sua missão!12
A esta altura é necessário esclarecer que Israel não era a única propriedade de Deus no mundo. Toda a criação
pertencia a Deus. Israel, porém, possuía uma relação única com o Criador. Contudo, sua posição não implica somente
em privilégio e honra, mas redunda também em responsabilidade para com a missão de salvar vidas entre as nações:
Essa passagem de Êxodo 19, citada acima, deve ser interpretada em termos de serviço. O pacto de
Abraão torna Israel o povo de Deus, enquanto que o pacto mosaico torna Israel uma nação e serva de
Deus. O pacto mosaico não está relacionado à salvação, nem à transformação de Israel em posse de
Deus, pois estas já eram realidades no Egito, o que foi a razão pela qual Deus a libertou. Ao invés
disso, esse pacto torna Israel uma nação de posição única entre as nações do mundo, já que através de
Abraão adquiriram uma relação peculiar. Aqui, a responsabilidade é igualada ao privilégio.
Nesse momento, Deus é mais enfático quanto a toda a terra, inclusive as nações, ser sua.
Israel não é sua única posse. Nisso Israel não é essencialmente única. Ela é única, porém, em sua
posição e missão. Ela deve ser, Deus diz, “de meu domínio”, vivendo em uma relação extraordinária
com Ele e acima de todos os povos; ela deve ser “um reino de sacerdotes” mediando entre Deus e as
nações a fim de compartilhar abundantemente com as nações e manifestar a glória de Deus.13
9
PATE, Larry D. Missiologia – A missão transcultural da igreja. São Paulo, Editora Vida, 1994, p 16.
10
PETERS, George W. Teologia Bíblicas de Missões, p 102.
11
Ibid., p 134.
12
Ibid., p 137.
13
Ibid., p 136, 137.