SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 14
Baixar para ler offline
EDUCAÇÃO PARA TODOS
     TORNÁ-LA UMA REALIDADE



                  Mel Ainscow
     Universidade de Cambridge Instituto de
                   Educação




“Education For All: Making it happen” - Comunicação apresentada no
Congresso Internacional de Educação Especial, Birmingham,
Inglaterra, Abril de 1995


Tradução autorizada pelo autor: Ana Maria Bénard da Costa
O Congresso Internacional sobre Educação Especial realizado em Birmingham, Inglaterra, em
Abril de 1995, proporciona aos colegas de todo o mundo a oportunidade de repensarem as suas
concepções e as suas práticas. Passados cinco anos desde o congresso que teve lugar em Cardiff,
é-nos possível, em conjunto, fazer uma avaliação sobre o progresso que foi realizado no sentido
de uma escolarização adequada das crianças e dos jovens que apresentam dificuldades na
aprendizagem. É, no entanto, importante que esta avaliação se processe, igualmente, no contexto
da discussão mais vasta que foi despoletada a partir da Conferência Mundial sobre Educação
para Todos que teve lugar em Jomtien, Tailândia em 1990.

Durante estes cinco anos, desde as conferências de Cardiff e Jomtien, o pensamento relativo a
esta área progrediu. A referência superficial às necessidades educativas especiais, tal como
surgiu a partir das discussões de Jomtien, foi gradualmente substituída pelo reconhecimento de
que a agenda das necessidades especiais deveria constituir um elemento essencial do esforço
para se atingir uma educação para todos. Assim, em vez de se sublinhar a ideia da integração,
acompanhada da concepção de que se devem introduzir medidas adicionais para responder aos
alunos especiais, num sistema educativo que se mantém, nas suas linhas gerais, inalterado,
assistimos a movimentos que visam a educação inclusiva, cujo objectivo consiste em reestruturar
as escolas, de modo a que respondam às necessidades de todas as crianças. (Clark et al., 1995).

Esta orientação inclusiva constituiu uma vertente fundamental da Declaração de Salamanca
sobre os Princípios, Política e Prática na Área das Necessidades Educativas Especiais, aprovada
pelos representantes de 92 governos e 25 organizações internacionais em Junho de 1994
(UNESCO, 1994). Especificamente, a Declaração refere que, no âmbito da orientação inclusiva,
as escolas regulares são:

     “os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando
     comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a
     educação para todos; para além disso, proporcionam uma educação adequada à
     maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade,
     de todo o sistema educativo" (página ix).

Implícita a esta orientação está, consequentemente, uma mudança fundamental no que diz
respeito às formas como são encaradas as dificuldades educativas. Esta mudança de concepções
baseia-se na crença de que as mudanças metodológicas e organizativas que têm por fim
responder aos alunos que apresentam dificuldades irão beneficiar todas as crianças
(Ainscow,1995). Na verdade, os que são considerados como tendo necessidades especiais
passam a ser reconhecidos como um estímulo que promove estratégias destinadas a criar um
ambiente educativo mais rico para todos. No entanto, o avanço na implementação desta
orientação está longe de ser fácil e, por conseguinte, as provas relativas a um progresso nesta
área são limitadas, na maior parte dos países.

Numa nota mais positiva, refere-se que, recentemente, se tem assistido em muitos países a uma
preocupação crescente com o conceito de educação para todos e, talvez, a uma maior
consciencialização daquilo que ele implica. No mundo em desenvolvimento, a atenção continua
a focalizar-se no alargamento das oportunidades de acesso ao ensino básico.




                                                                                             2
Há, no entanto, um longo caminho a percorrer no que diz respeito a milhões de crianças,
incluindo as que têm deficiências, a quem o direito à escola é ainda negado. (Colclough, 1993;
Mittler, 1993). Tem sido expressa, igualmente, uma grande preocupação acerca da baixa
qualidade do ensino oferecido às crianças em muitas escolas dos países em desenvolvimento
(e.g. Levin e Lockeed, 1993). No mundo desenvolvido, existe o número necessário de lugares
nas escolas. Aqui, o problema consiste em se encontrarem meios de organizar as escolas e as
salas de aula, de modo a que todas as crianças e jovens tenham sucesso na aprendizagem.
Infelizmente, para muitos alunos, a sua participação na escola constitui uma experiência
insatisfatória, deixando-os desencorajados em relação às suas próprias capacidades e desiludidos
acerca do papel da educação na sua vida. (Glasser, 1990; Smith e Thomlinson, 1989).

Contrariando este retrato assaz depressivo das escolas, quer no mundo desenvolvido, quer no
mundo em desenvolvimento, o objectivo desta comunicação é estimular a discussão acerca de
formas possíveis de se avançar. Uma vez que assumimos a concepção da educação para todos, a
nossa preocupação neste Congresso é torná-la realidade. Nesta perspectiva, coloco as seguintes
questões:

. Como podem os professores ser ajudados a organizar as suas salas de aula de modos que
assegurem a aprendizagem a todos os seus alunos?

. Como podem as escolas ser reestruturadas de forma a apoiarem os professores neste esforço?


Na base do meu empenhamento nestas questões, existe a crença de que sabemos mais do aquilo
que pomos em prática. O nosso objectivo deve consistir em utilizar melhor o conhecimento
actualmente existente. Este congresso proporciona uma oportunidade de agregarmos as nossas
ideias e de nos ajudarmos uns aos outros a ver com maior clareza quais são os melhores passos
que devemos dar. Neste espírito de partilha e de entre-ajuda, irei resumir e explicitar algumas
das minhas ideias, focando, em particular, as áreas do aperfeiçoamento dos professores e das
escolas. Isto conduz-me, na conclusão desta comunicação, a apresentar algumas sugestões sobre
as implicações da minha análise no trabalho com as pessoas que têm necessidades educativas
especiais.



A valorização profissional dos professores

Como podemos, então, ajudar os professores a organizar as suas salas de aula, de forma a
assegurarem uma aprendizagem de sucesso a todos os seus alunos? Existe uma ampla fonte de
recursos relacionados com esta questão e que provém dos inúmeros trabalhos de investigação
que têm sido realizados em relação à eficácia do trabalho dos professores (e.g. Bennett, 1991;
Fuller e Clark, 1994; Hopkins et al., 1994; Porter e Brophy, 1988). Podemos também basear-nos
no conhecimento que temos de professores excepcionais que têm sido capazes de criar ambientes
educativos em que os diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização,
conseguem participar, para os quais conseguem contribuir e experimentar sentimentos de
sucesso. No entanto, a minha preocupação nesta comunicação não diz respeito às características
da eficácia mas, antes, à procura de formas de fazer avançar a prática.
Ao longo destes últimos seis anos, aproximadamente, tenho tido o privilégio de trabalhar lado a
lado com colegas de muitos países na prossecução desta tarefa. O nosso trabalho tem sido
                                                                                               3
realizado no contexto do projecto da UNESCO de formação de professores, " Necessidades
Especiais na Sala de Aula" (Ainscow, 1993a e b; 1994a e b; Ainscow et al., 1995). Trabalhando
em conjunto, temos tentado desenvolver estratégias, quer a nível da formação inicial, quer da
formação contínua, que sejam capazes de ajudar os professores a adoptar formas de trabalhar que
tenham em conta todos os alunos da classe, incluindo os que apresentem dificuldades de
aprendizagem.

A partir desta experiência extensiva, que implicou cerca de 50 países, descobrimos que alguns
factores são especialmente importantes. Talvez de forma surpreendente, verificámos que a
existência de recursos materiais, embora muito útil, constitui muito raramente o factor-chave.
Muito mais relevante é a forma como a tarefa é conceptualizada. A este respeito parecem ter
importância as seguintes estratégias para a valorização profissional dos professores:

.   Oportunidades de considerar novas possibilidades

.   Apoio à experimentação e reflexão

Vou considerar cada uma separadamente.

Ao encorajarmos os professores a explorarem formas de desenvolver a sua prática, de modo a
facilitar a aprendizagem de todos os alunos, estamos, porventura, a convidá-los a
experimentarem métodos que, no contexto da sua experiência anterior, lhes são estranhos.
Consequentemente, é necessário empregar estratégias que lhes reforcem a auto-confiança e que
os ajudem nas decisões arriscadas que tomaram. A nossa experiência diz-nos que uma estratégia
eficaz consiste em implicar a participação dos professores em experiências que demonstrem e
estimulem novas possibilidades de acção.

  No âmbito do Projecto da UNESCO, damos especial relevo à aprendizagem a partir da
experiência. Tendo isto em mente, organizamos seminários, orientados por pessoas altamente
competentes na organização de sessões em que os participantes têm oportunidade de
experimentar uma diversidade de estratégias de aprendizagem activa. Deste modo, são levados a
considerar a vida na sala de aula a partir do ponto de vista dos alunos e, ao mesmo tempo,
relacionar estas experiências com a sua própria prática na escola.

  As sessões do seminário dão ênfase a três factores-chave que parecem ter grande influência na
criação de salas de aula mais inclusivas. A primeira relaciona-se com a importância da
planificação para a classe, como um todo. A este respeito, na educação especial, cometemos um
erro táctico ao colocarmos uma ênfase exagerada na planificação individual. Embora isto possa
ter sido apropriado quando o nosso trabalho se realizava em contextos limitados e separados,
toma-se, em grande medida, impraticável no âmbito da integração na escola regular. Neste caso,
a preocupação central do professor tem a ver com a planificação das actividades que dizem
respeito à classe, no seu conjunto. Pode também argumentar-se que uma sobre-valorização na
planificação individual do tipo daquela que tem sido dominante no sector das necessidades
educativas especiais, distrai a atenção em relação a outros factores contextuais que podem ser
utilizados para estimular e apoiar a aprendizagem de cada elemento da classe. Isto leva-nos ao
segundo factor-chave.
Para além de realizar uma planificação que abranja todas as crianças, concluímos que é útil que
os professores sejam estimulados a utilizar de forma mais eficiente os recursos naturais que
podem apoiar a aprendizagem dos alunos. Refiro-me, de forma particular, a um conjunto de
                                                                                             4
recursos que estão disponíveis em todas as salas de aula e que, no entanto, pouco têm sido
utilizados: os próprios alunos. Em cada classe os alunos representam uma fonte rica de
experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode insuflar uma imensa
energia adicional nas tarefas e actividades em curso. No entanto, tudo isto depende da
capacidade do professor em aproveitar esta energia. Isto é, em parte, uma questão de atitude,
dependendo do reconhecimento de que os alunos têm a capacidade para contribuir para a
respectiva aprendizagem; reconhecendo igualmente que, de facto, a aprendizagem é, em grande
medida, um processo social. Isso pode ser facilitado através da ajuda concedida aos professores
no desenvolvimento das competências necessárias para organizarem classes que encorajem este
processo social de aprendizagem.
Neste ponto, podemos aprender muito com alguns países em desenvolvimento onde as limitações
de recursos levaram a reconhecer o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento
dos programas "criança-a-criança" (Hawes,l988). O interesse sentido recentemente em muitos
países ocidentais pelo trabalho de grupo cooperativo levou, também, ao desenvolvimento de
habilitações que capacitam os professores a criar ambientes mais ricos sob o ponto de vista
educativo (e.g. Johnson e Johnson, 1994). Contudo, a introdução destas estratégias parece exigir
mais do que o conhecimento de técnicas. O que é importante é a capacidade de resposta dos
professores ao feedback dado pelos alunos, à medida que se desenvolvem as actividades na
classe.

Isto leva-nos ao que consideramos como o terceiro factor-chave da criação de salas de aula mais
inclusivas, i.e. a improvisação; por outras palavras, a capacidade de ser capaz de modificar
planos e actividades à medida que ocorrem, em resposta às reacções dos alunos na classe. É
essencialmente através deste processo que os professores podem encorajar uma participação
activa e, ao mesmo tempo, ajudar a personalizar para cada aluno a experiência da aula.
Esta orientação acompanha o pensamento actual no inundo da formação dos professores em que
se aceita, de forma crescente, que a prática se desenvolve a partir dum processo
fundamentalmente intuitivo, através do qual os professores ajustam os seus planos de aula, a sua
actuação e as suas respostas à luz do feedback dos elementos da sua classe. (Huberrnan, 1993).
As mudanças na prática, quando ocorrem, parecem muitas vezes envolver pequenos
ajustamentos, à medida que os professores aperfeiçoam os seus repertórios, em resposta a
circunstâncias imprevistas, i.e. o que Schon (l987) refere como "surpresas". Raramente ocorrem
mudanças globais, uma vez que os professores se mostram relutantes em abandonar formas de
trabalhar que
provaram ser eficazes em ocasiões anteriores. Tal como já sugeri, as mudanças significativas
representam um enorme risco para qualquer professor e, além disso, trata-se dum risco que tem
de ser tomado diante duma audiência observadora e potencialmente ameaçadora: a classe. No
entanto, num sentido mais positivo, são as reacções desta mesma audiência que podem estimular
o ajustamento, o qual parece ser um factor importante e necessário no desenvolvimento da
prática.

Para além de se sublinhar a importância de se dar aos professores oportunidades de considerarem
novas possibilidades, a outra estratégia que considerámos útil consiste no apoio à
experimentação na sala de aula através de formas que encorajem a reflexão sobre as actividades.
A chave desta estratégia situa-se na área do trabalho em equipa. Encorajamos, especificamente,
os professores a fomarem equipas e/ou partenariados em que os respectivos membros concordem
em se ajudar uns aos outros a explorar aspectos da sua prática. Em geral, verificámos que é
preferível que as equipas sejam constituídas por grupos de professores que trabalham com alunos
do mesmo grupo etário ou que ensinam as mesmas matérias. Por exemplo, pode-lhes ser
                                                                                                5
sugerido que seleccionem um tema de trabalho ou um tópico e que considerem como pode
aquele ser planificado de forma a incorporar estratégias que foram previamente discutidas nas
reuniões da equipa. Encorajam-se, igualmente os professores a formar partenariados de ensino
que podem apoiar-se uns aos outros no processo de desenvolvimento daquilo que foi
previamente planeado. O papel dos membros destas equipas de partenariado consiste em estar
em conjunto na sala de aula, durante determinados períodos de experimentação, algumas vezes
ensinando em simultâneo ou, ocasionalmente, observando-se uns aos outros de forma rnais
sistemática, de modo a proporcionar um feedback e um apoio à medida que são exploradas novas
possibilidades. Estas formas de apoio na classe têm-se revelado extremamente eficazes como
meios de facilitar o aperfeiçoamento das práticas de sala de aula, o que confirma as conclusões
de outros estudos. (e.g. Joyce e Showers, 1988).

Através de todos estes processos de trabalho em equipa e em partenariado é dada uma forte
ênfase àquilo que Gidin (l990) chama "diálogos". Estes vão muito além de simples discussões,
de modo a criar formas de interacção que encorajem o aparecimento de formas alternativas de
encarar tarefas e problemas particulares. Isto leva-nos àquilo que Aoki (l984) chamou "uma
aventura crítica", em que uma comunidade de professores, envolvida numa acção de
aperfeiçoamento, utiliza as suas múltiplas perspectivas como oportunidades para uma
reciprocidade de interpretação. Durante estes diálogos, os professores são estimulados e
empreender formas de reflexão sobre a eficácia daquilo que fazem com os seus alunos, a qual
está para além da simples consideração sobre o facto de serem ou não bem sucedidos. Ajudam,
antes, os professores a considerar o porquê daquilo que fazem, quais as influências que levaram a
estas respostas e, como resultado disso, que outras possibilidades foram encaradas.

Esta forma de reflexão crítica, realizada em colaboração com os colegas, é especialmente
importante na área das necessidades educativas especiais. Neste ponto, a nossa tradição levou-
nos a conceptualizar o trabalho duma forma relativamente estreita, em que foram excluídas
muitas possibilidades que poderiam ter gerado melhores oportunidades para as crianças que
pretendemos ajudar. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a olhar para o nosso
trabalho fundamentalmente em termos técnicos. (Heshusius, 1989; Iano, 1986). Isto conduziu à
preocupação de encontrar os métodos de ensino e os materiais "certos" para os alunos que não
respondem às estratégias estabelecidas. Nesta formulação está implícito o ponto de vista de que
as escolas são organizações racionais que oferecem um conjunto de oportunidades apropriadas;
que os alunos que experimentam dificuldades o fazem por causa das suas limitações ou
desvantagens; e que eles, consequentemente, têm necessidade de uma forma qualquer de
intervenção especial (Skrtic, 1991). A minha ideia é que, através destas concepções, que levam
a procurar as respostas para as crianças consideradas como especiais, somos levados a ignorar
vastas oportunidades de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas.

Aceito, evidentemente, que é importante identificar estratégias úteis e prometedoras. No
entanto, pretendo argumentar que é errado assumir que a utilização sistemática da repetição de
determinados métodos conduzirá a uma aprendizagem eficaz, especialmente se se tratar de
populações que têm sido objecto de maus tratos ou exclusão escolares. Esta sobrevalorização
dos métodos tem servido, muitas vezes, para desviar a atenção de questões mais importantes, tais
como: "porque é que numa determinada sociedade, ou numa escola, alguns alunos não
conseguem aprender?"

Consequentemente, é necessário passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino para uma
outra de características mais vastas e que tome em consideração factores contextuais mais
                                                                                               6
alargados, incluindo dimensões comunitárias e organizacionais (Skrtic, 1991). Em particular, é
importante que, enquanto educadores, rejeitemos o que Bartolome (l994) refere como "métodos
fetichistas", de modo a criar um ambiente educativo determinado pela acção e pela reflexão.
Desta forma, pelo facto de se libertarem da adopção acrítica das chamadas estratégias eficazes,
os professores podem começar a reflectir sobre os processos que lhes permitirão recriar e
inventar métodos de ensino e materiais, partindo das realidades contextuais que podem limitar ou
expandir as possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem. Em particular, é importante
que os professores tenham presente que os métodos são construções sociais que se baseiam e
reflectem ideologias que podem impedir-nos de compreender as implicações pedagógicas das
relações de poder no seio da educação .

Enquanto professores, devemos lembrar-nos que as escolas, tal como outras instituições da
sociedade, são influenciadas pelas percepções do status socioeconómico, da raça, da língua e do
sexo. Consequentemente, é necessário questionar a forma como estas percepções influenciam a
dinâmica da classe. Deste modo, os métodos actuais, caracterizados por uma discussão restrita,
devem ser ampliados de forma a revelar o quão profundamente a orientação baseada na
deficiência influencia o modo como encaramos a "diferença". Como professores, devemos estar
constantemente vigilantes e perguntar em que medida esta orientação influenciou a nossa
percepção dos alunos que acabaram por ser considerados como especiais.

As estratégias de ensino não são desenvolvidas nem imaginadas no vazio. A elaboração,
selecção e utilização de determinada abordagem ou estratégia de ensino nasce das percepções
acerca da aprendizagem e acerca dos alunos. Defendo que mesmo os métodos pedagogicamente
mais avançados correm o risco de se tornar ineficazes nas mãos de educadores que, implícita ou
explicitamente, subscrevem um sistema conceptual que encara alguns alunos, na melhor das
hipóteses, como limitados e com necessidade de recuperação, ou, na pior das hipóteses, como
deficientes e sem possibilidade de recuperação.

Nos últimos anos, de facto, o modelo baseado na deficiência tem sofrido imensas críticas no
sector da educação especial (e.g. Ainscow, l991; Barton, 1993; Dyson, 1990; Fulcher, 1989;
Oliver, 1988). Consequentemente, temos assistido a uma mudança de pensamento que transfere
as explicações sobre os insucessos educativos das características das crianças e respectivas
famílias para o processo da escolarização. Isto tem levado à introdução de abordagens baseadas
num ponto de vista interactivo. No entanto, acabei por convencer-me que, apesar das boas
intenções, as abordagens baseadas nesta perspectiva fazem, muitas vezes, surgir uma versão mais
suave, mais liberal e portanto mais restrita do modelo baseado na deficiência que considera as
crianças especiais como tendo necessidade de educação especial, i.e. de abordagens pedagógicas
que não se justificam para as outras crianças. Assim, apesar dos movimentos em prol da
integrarão das crianças ditas com necessidades educativas especiais, com uma ênfase nas
abordagens tais como a diferenciação curricular e um apoio adicional na sala de aula, a
orientação baseada na deficiência continua a estar profundamente enraizada em muitas escolas e
salas de aula.

Paralelamente, as abordagens educativas desenvolvidas no âmbito do projecto da UNESCO, com
a ênfase colocada na aprendizagem activa e no trabalho cooperativo de grupo, podem ajudar a
criar ambientes mais adequados à aprendizagem, em que os alunos são tratados como indivíduos,
embora, ao mesmo tempo, tomem parte em experiências que encorajam a maior realização
possível. No entanto, quando estas abordagens são aplicadas de forma acrítica, podem conduzir
a formas de trabalhar que continuam a manter, em relação a certas crianças, os pontos de vista
                                                                                              7
baseados na deficiência. Assim, é necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como
profissionais mais reflexivos e mais críticos, de modo a ultrapassarem as limitações e os perigos
das concepções baseadas na deficiência. Só deste modo poderemos assegurar que os alunos que
sentem dificuldades na aprendizagem possam ser tratados com respeito e olhados como alunos
potencialmente activos e capazes; só assim, poderemos utilizar as respostas dadas por estes
alunos como estímulos ao aperfeiçoamento dos professores.

Assim, em resumo, tenho vindo a reconhecer que a forma mais apropriada de ajudar os
professores a responder às dificuldades educativas implica a inclusão e a exploração da
influência dum conjunto de factores contextuais nos conceitos e nas práticas profissionais. Deste
modo, é possível, sensibilizar os professores a novas formas de pensar que lhes desvendarão
novas possibilidades para o aperfeiçoamento da sua prática na sala de aula. Isto implica que não
nos limitemos a preocupar-nos com métodos e materiais e que levemos os professores a tornar-se
pensadores reflexivos e a sentirem a confiança suficiente para experimentarem novas práticas, à
luz do feedback que recebem dos seus alunos. Isto também exige da sua parte que se libertem da
orientação baseada na deficiência, a qual continua a exercer uma poderosa influência.
Consequentemente, o processo de reflexão deve incluir uma preocupação com as próprias
concepções dos professores e um exame sobre a forma como estas são moldadas por contextos
factuais mais vastos.
Assim, embora a reflexão seja uma condição necessária para a formação profissional, não é
suficiente. Tem de ser acrescida por confrontações com pontos de vista alternativos. Daí a
necessidade de se criarem oportunidades para realizar experiências de demonstração de formas
diferentes de trabalhar em colaboração com os colegas.

À luz desta conceptualização, considerei importante, no meu trabalho, empenhar-me em
programas de valorização profissional de professores situados dentro das escolas e das salas de
aula. À medida que procuro ajudar os professores a desenvolverem uma forma mais reflexiva de
responder, através da sua prática, às dificuldades educativas, realizo quanto é necessário
considerar a forma como os factores organizacionais influenciam as suas percepções, as suas
atitudes e as suas respostas. Em particular, preciso de adoptar modos de trabalhar que encorajem
formas de colaboração, as quais incluam um compromisso com pontos de vista alternativos. Isto
leva-nos à questão do aperfeiçoamento das escolas.




O aperfeiçoamento das escolas

Até aqui tenho afirmado que a ênfase na aprendizagem através da experiência, a reflexão crítica
e a colaboração pode ajudar os professores na sua tentativa de tornar as suas práticas de sala de
aula mais inclusivas. Esta concepção leva-me a acreditar que estas abordagens precisam de ter
em consideração a influência dos factores escolares. Em particular, a nossa procura de meios
capazes de fomentar a educação para todos deve incluir considerações sobre a forma como as
escolas devem ser organizadas para apoiar tais esforços. Abordarei esta questão, quer sob o
ponto de vista cultural, quer estrutural.

Presentemente existe uma clara evidência de que as normas de ensino são negociadas
socialmente, no contexto da escolarização, dia a dia. (e.g. Rosenholtz,1989; Talbert e
McLaughlin, 1994). Verifica-se que a cultura do local de trabalho tem um impacto directo sobre
                                                                                               8
a forma como os professores vêem o seu trabalho e, sem dúvida, vêem os seus alunos. No
entanto, o conceito de cultura é bastante difícil de definir. Schein (l985) define-o como um nível
mais profundo de conceitos e de crenças que são partilhados pelos membros da organização,
actuando a nível inconsciente na definição que a organização faz de si própria e sobre o ambiente
em que se situa. Manifesta-se através de normas que indicam às pessoas o que devem fazer e
como devem actuar.
De forma semelhante, Hargreaves (l995) sustenta que as culturas das escolas podem ser vistas
como tendo uma função de definição da realidade, capacitando os membros da instituição a ter
consciência de si próprios, das suas acções e do seu ambiente. Ele sugere que uma função
corrente de definição da realidade de uma cultura é, frequentemente, uma função de resolução de
problemas herdada do passado. Deste modo, uma forma cultural actual, criada com o objectivo
de resolução de um problema emergente, acaba, frequentemente, por se tornar, amanhã, uma
receita tomada como certa, utilizada para lidar com os assuntos, despojando-os de singularidade.
Hargreaves conclui que se examinarmos as características definidoras da realidade de uma dada
cultura poderemos compreender as rotinas que a organização desenvolveu, como resposta às
tarefas com que se depara.

Penso, sem margem de dúvida, que as escolas que conseguem fazer avançar com sucesso a sua
prática, tendem a influenciar a forma como os professores se percepcionam a si próprios e a
forma como vêem o seu trabalho. Desta forma, a escola começa a adquirir algumas das
características daquilo que Senge (l990) chama uma organização de aprendizagem, i. e. " uma
organização que está permanentemente a expandir a sua capacidade de criar o seu futuro" (p.
14). Ou, para utilizar uma frase de Rosenholtz (l989), torna-se uma escola "em movimento" que
está continuamente à procura de desenvolver e aperfeiçoar as suas respostas aos desafios que
encontra.

É possível que, à medida que as escolas se orientem nestas direcções, as mudanças culturais que
ocorrem possam produzir um impacto sobre as formas através das quais os professores vêem os
alunos cujos progressos constituem matéria de preocupação (i.e. aqueles que hoje se designam
como tendo necessidades educativas especiais). O que pode acontecer é que, à medida que o
clima da escola progride, estas crianças passem a ser vistas a uma luz mais positiva. Mais do
que apresentando problemas que têm de ser ultrapassados, ou, possivelmente, mais do que serem
enviados para um apoio em separado, estes alunos podem passar a ser considerados como uma
fonte de compreensão sobre a forma como o sistema pode ser melhorado, tendo em vista o
benefício de todos os alunos. Neste caso, pode afirmar-se que as crianças indicadas como tendo
necessidades educativas especiais são vozes escondidas que poderão informar e guiar, no futuro,
o desenvolvimento das actividades. Neste sentido, tal como sugeriu a minha colega Susan Hart,
as necessidades especiais são especiais na medida em que nos proporcionam uma compreensão
de possibilidades de aperfeiçoamento que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. (Hart,
1992).

Claro que é importante reconhecer que as mudanças culturais necessárias para tornar as escolas
capazes de ouvir as vozes escondidas e de a elas responder, são, em muitos casos, mudanças
profundas. As culturas escolares tradicionais, baseadas numa organização rígida e em equipas
altamente especializadas, orientadas para fins determinados, têm, em geral, dificuldade em se
adaptar a circunstâncias inesperadas. Por outro lado, a presença de crianças que não
correspondem ao “menu” pré-existente na escola encoraja, de alguma forma, os professores para
que procurem uma cultura mais colegial e para que se entre-ajudem na experimentação de novas
respostas educativas. Desta forma, as actividades de resolução de problemas podem
                                                                                                9
gradualmente transformar-se nas funções definidoras da realidade da escola inclusiva,
constituintes da sua cultura, i.e. próprias duma escola que responde efectivamente a todas as
crianças da comunidade.


Como poderão, assim, as escolas ser ajudadas a organizar-se de formas que encorajem o
desenvolvimento duma cultura como esta? Uma vez mais, na resposta a esta questão, irei utilizar
a minha experiência do âmbito do projecto de Formação de Professores da UNESCO,
"Necessidades Especiais na Sala de Aula". Para além disso, irei basear-me em conclusões de
uma série de estudos sobre o aperfeiçoamento das escolas que realizei com colegas em
Cambridge (Ainscow e Hopkins, 1992 e 1994; Ainscow et al.,1994; Ainscow e Southworth,
1994; Hopkins et al.,1994). Todas estas conclusões apontam para formas de reorganização das
escolas que possam apoiar o desenvolvimento de actividades capazes de ter um importante
impacto na sua cultura organizacional e, consequentemente, no desenvolvimento das práticas
pedagógicas.

Duma maneira geral, as escolas consideram difícil encarar a mudança (Fullan, 1991). Neste
aspecto, deparam com um duplo problema: se pretendem enfrentar novos desafios não podem
permanecer tal como estão, mas, ao mesmo tempo, precisam de manter alguma continuidade
entre as suas práticas passadas e presentes. Existe, assim, uma tensão entre o progresso e a
permanência. O problema é que as escolas tendem a criar estruturas organizacionais que as
predispõem para um ou para outro caminho. Num pólo extremo, encontramos escolas (ou partes
de escolas) que ficam de tal maneira seguras das suas capacidade de inovação que assumem
depressa demais um número exagerado de iniciativas, prejudicando assim a qualidade do que já
existe. No outro extremo, encontram-se escolas que vêem a mudança com pouco interesse ou
que têm uma experiência muito pobre no que diz respeito a manejar a inovação. Fazer avançar a
prática, implica, assim, um equilíbrio cuidadoso entre a salvaguarda do que existe e a mudança.

Fazer avançar a prática conduz, também, a um outro tipo de dificuldades que são sentidas tanto a
nível individual como organizacional. Trata-se de formas de turbulência que surgem à medida
que se introduzem alterações no status quo. A turbulência pode tomar diversas formas,
envolvendo dimensões organizacionais, psicológicas, técnicas e micro-políticas. No entanto, no
seu âmago encontra-se frequentemente a dissonância que ocorre quando as pessoas lutam para
dar sentido a novas ideias. É interessante notar que há provas de que, sem um período de
turbulência, não é provável que tenham lugar mudanças eficazes e duradouras (Hopkins et al.,
Hopkins, 1994). Neste sentido, a turbulência pode ser vista como uma indicação útil de que as
escolas estão a mudar. A questão consiste em saber como podem os professores lidar com estes
períodos de dificuldade. Que estratégias organizacionais podem ajudar a encorajar a mudança da
prática?

A partir dum conjunto de escolas que fizeram progressos consideráveis em direcção a políticas
mais inclusivas, notamos a existência de certos arranjos organizacionais que parecem ajudar a
encarar os períodos de turbulência. Esses arranjos fazem emergir estruturas de apoio aos
professores na exploração de novas ideias e formas de trabalhar, ao mesmo tempo que asseguram
que a gestão dos procedimentos correntes não seja sacrificada. Mais especificamente, procuram
apoiar a criação do clima de risco em que estas inovações têm lugar. Na tentativa de tornar
claros estes suportes, os meus colegas e eu próprio formulámos uma tipologia de seis
“condições” que parecem ser factores de mudança das escolas. São estas:

                                                                                             10
•      Liderança eficaz, não só por parte do director, mas difundida através da escola

•      Envolvimento da equipa de profissionais, alunos e comunidade nas orientações e
       decisões da escola

•      Um compromisso relativo a uma planificação realizada colaborativamente

•      Estratégias de coordenação

•      Focalização da atenção nos benefícios potenciais da investigação e da reflexão

•      Uma política de valorização profissional de toda a equipa educativa


Utilizando esta tipologia como um guia, é possível delinear algumas mensagens importantes
acerca da reestruturação que pode ser necessária no âmbito duma escola, se se pretende preparar
os professores para considerarem novas perspectivas na resposta às dificuldades educativas

Em primeiro lugar, em escolas em que observamos um movimento no sentido de se trabalhar de
forma mais inclusiva, assistimos a uma mudança naquilo que se entende por liderança. Esta
mudança envolve uma ênfase nas abordagens de "transformação", que se traduzem em
distribuição de poder, mais do que nas abordagens de "transacção" que se traduzem na
manutenção dos conceitos tradicionais de hierarquia e de controle (e.g. Sergiovanni,l992).
Duma forma geral, esta orientação leva o director a procurar estabelecer, na escola, um clima
encorajador do reconhecimento da individualidade, como algo que deve ser respeitado e
valorizado. Esta visão é criada através da importância dada às actividades de grupo que são
também utilizadas como facilitadoras do clima de resolução de problemas. Tudo isto cria um
contexto no qual as funções de liderança podem ser distribuídas por toda a equipa de
profissionais. Isto significa a aceitação de que a liderança é uma função para a qual muitos
elementos da equipa contribuem, mais do que um conjunto de responsabilidades concentradas
num número reduzido de pessoas.

Um factor igualmente decisivo na modificação das escolas, consiste no envolvimento que se
estende para além da equipa pedagógica e que abrange os alunos, os pais e os membros da
comunidade. É de interesse realçar que este estilo de trabalho é semelhante à "abordagem
incorporativa”, referida por Reynolds (l991) como sendo uma característica das escolas de
grande sucesso. Torna-se importante considerar o argumento de que o grupo crítico que precisa
de ser englobado neste envolvimento é o grupo constituído pelos próprios alunos. A este
respeito, a questão crucial, consiste na capacidade dos professores organizarem as suas salas de
aula e as suas aulas, de tal forma a que os alunos se sintam envolvidos nas actividades propostas.
Neste ponto, é importante o papel conferido às actividades de aprendizagem em grupo. Com
efeito, o trabalho de grupo é uma forma de estabelecer tarefas que encoraja a participação.
Afim de apoiar a equipa pedagógica na exploração de formas alternativas de trabalhar, realça-se
o papel da planificação cooperativa. Esta estratégia deve ser acompanhada por uma procura do
que será adequado a nível local e não do que parece ter sucesso em qualquer outra situação. O
que parece fundamental é, não tanto a planificação em si mesma , mas o processo de
planificação. A participação activa da equipa suscita, em especial, a criação de objectivos
                                                                                               11
comuns, a resolução de conflitos e uma base de acção para cada um. Consequentemente, os
benefícios de qualquer actividade de planificação ultrapassam muitas vezes o próprio plano,
proporcionando um nível de compreensão partilhada que constitui um pré-requisito para um
processo alargado de distribuição de poder (empowerment).

Na literatura sobre gestão educativa (e.g. Weick, 1985), referem-se, muitas vezes, as escolas
como “sistemas unidos de forma separada”. Esta separação-união ocorre porque as escolas
constituem unidades, processos, acções e indivíduos que tendem a operar isoladamente. A
separação-união é também estimulada pela ambiguidade de objectivos que caracteriza a
escolarização. Apesar da retórica dos objectivos e finalidades curriculares, as escolas são
constituídas por grupos de pessoas, muitas das quais com perspectivas, valores e crenças muito
diversas acerca da educação. O que observamos nas escolas que progridem são formas variadas
de comunicação que têm como objectivo coordenar as acções dos professores e dos outros
intervenientes, de acordo com uma política previamente acordada. No entanto, todos trabalham
de forma a não impedir que cada professor realize a sua prática, de acordo com as suas
preferências. Ensinar é uma tarefa complexa e imprevisível que requer um elevado grau de
improvisação. Na verdade, como já referi, pode ser sustentado que um sinal determinante das
escolas inclusivas consiste na capacidade dos professores ajustarem as suas práticas à luz do
feedback que recebem dos seus alunos. Consequentemente, os professores devem ter autonomia
suficiente para tomar decisões imediatas que tenham em conta a individualidade dos seus alunos
e a singularidade de cada situação que ocorre. O que é necessário, portanto, é assegurar um
estilo de trabalho bem coordenado e cooperativo que dê aos professores a confiança de que
precisam para improvisar, numa busca das respostas mais adequadas para os alunos das suas
classes; por outras palavras, um sistema mais fortemente unido sem perder os benefícios que
advêm da separação-união.
No decurso da dinâmica de envolvimento com aquelas a que eu chamo “escolas em movimento”,
os meus colegas e eu próprio temos observado que as escolas que reconhecem que a investigação
e a reflexão são processos importantes têm mais facilidade em controlar o seu próprio processo
de mudança e estão melhor colocadas para adaptar as medidas globais apresentadas em toda a
sua extensão pelas políticas actuais a respeito das mudanças desejáveis.
Um aspecto particularmente importante da investigação e da reflexão relaciona-se com a prática
de sala de aula. Dispomos de indicações claras de que o facto de os professores serem
encorajados a ajudarem-se uns aos outros, através da observação mútua, a explorarem as
dimensões do seu trabalho com as crianças, num processo que os leva a trocarem impressões a
respeito das suas práticas, produz um impacto decisivo na sua acção. A criação do partenariado
entre professores é um bom exemplo de como a adopção destas ideias tem necessariamente que
ser harmonizada com adaptações organizacionais que viabilizem a concretização prática das
mesmas.

A presença destas primeiras cinco condições constitui a base do clima que pode apoiar a
valorização profissional dos professores e, deste modo, encorajá-los a procurarem novas
respostas para os seus alunos. No entanto, para que tal aconteça é necessário que as escolas
desenvolvam uma política de valorização da sua equipa de profissionais. Esta precisa de ir muito
além dos padrões tradicionais, em que os professores frequentam cursos no exterior ou, mais
recentemente, em que se utiliza uma acção pontual centrada na escola. Acima de tudo, é
importante referir que, se queremos que a formação dos professores tenha um impacto
significativo sobre o seu pensamento e a sua prática, ela tem de estar intimamente ligada ao
aperfeiçoamento da escola (Fullan, 19921). Assim, deve implicar a formação do pessoal,

                                                                                             12
enquanto equipa, não esquecendo, simultaneamente, a aprendizagem de cada indivíduo em
particular.

É importante considerar os seguintes dois elementos das acções de valorização profissional: o
Seminário e o local e em que se realiza (Joyce,1991).
O Seminário é a acção em que se processa a compreensão, em que se apresentam demonstrações
e onde se proporcionam oportunidades de prática. No entanto, tal como já vimos, para que se
realize o transfer das ideias e das competências adquiridas no Seminário para o local de trabalho
(i.e., a sala de aula e a escola), não chega participar nele. A nossa experiência diz-nos que a
capacidade de transfer para a prática diária da sala de aula exige um apoio em serviço. Isto
implica mudanças no local de trabalho e na forma como se organiza a formação do pessoal nas
escolas. Em particular, isto significa que deve existir uma oportunidade imediata para uma
prática apoiada e para a colaboração entre colegas e condições que apoiem a experimentação.
Não podemos concretizar estas mudanças no local de trabalho sem introduzir, na maior parte dos
casos, alterações drásticas nas formas de organizar as nossas escolas. Em especial, implica que
exista tempo para que os professores possam encontrar-se e entreajudar-se, em equipas e em
partenariados, de modo a que possam explorar e desenvolver aspectos da sua prática.




A tarefa das necessidades educativas especiais

Quais são, portanto, as implicações das minhas sugestões acerca da forma como os professores e
as escolas podem ser ajudados a progredir no sentido de procurarem formas de trabalhar mais
inclusivas? Para além disso, o que tem isto tudo a ver com aqueles de entre nós que nos
consideramos especialistas em necessidades educativas especiais?

Em primeiro lugar, verifica-se que tornar uma escola mais inclusiva não é uma tarefa fácil.
Embora eu tenha sugerido, através da análise que apresentei, que existem determinadas
condições que parecem apoiar esta evolução, estas não estão suficientemente consolidadas nas
organizações e podem estar, mesmo, ausentes. O que é necessário, segundo julgo, é uma
reorientação significativa dos recursos e dos esforços, de modo a transformar as organizações
que estão estruturadas no sentido de manter o status quo, em novas formas de trabalhar que
apoiem actividades orientadas para o aperfeiçoamento. A criação de mecanismos que encoragem
o aperfeiçoamento traz aos profissionais uma capacidade de verem de forma mais clara os seus
objectivos e prioridades, produz um maior sentido de confiança e de enriquecimento e e
desenvolve o desejo de experimentar respostas alternativas para os problemas da classe.
Por esta razão, eu considero que os problemas das necessidades especiais devem ser vistos como
parte integrante dum processo mais vasto de aperfeiçoamento da escola. Dito duma forma
simples, isto significa que, ao progredir no seu todo, a escola passa a garantir maior apoio aos
professores, no que respeita às respostas que dão aos alunos que sentem dificuldades na sua
aprendizagem. Actuando deste modo, adopta uma forma de trabalhar que consiste
essencialmente na “ reforma da educação regular de forma a torná-la mais abrangente” (Vislie,
1994). Para além disso, verifica-se que esta evolução irá constituir um benefício para todos os
alunos.

Quais são, então, os papéis dos especialistas neste mundo reconceptualizado das necessidades
educativas especiais? Duma forma geral, parecem possíveis as três opções seguintes:
                                                                                              13
. Permanência dos papéis - em que se respondemos àqueles alunos que se debatem com
dificuldades, nas condições educativas existentes e, actuando deste modo, estamos
provavelmente a contribuir para uma manutenção não intencional do status quo.

. Papéis em mudança - em que respondemos àqueles alunos que sentem dificuldades, nas
condições educativas existentes, procurando adaptar essas mesmas condições.

. Papéis em desenvolvimento - em que respondemos aos alunos que se debatem com
dificuldades, nas condições educativas existentes, através da mudança dessas condições,
realizada a partir do trabalho com os colegas, fazendo surgir novas condições que possam
facilitar a aprendizagem de todos os alunos.

Estou perfeitamente consciente de que as pressões exercidas, em muitos países, sobre as escolas,
como resultado de reformas centralizadas e mal concebidas, criam muitos dilemas em relação à
decisão sobre qual é o mais adequado destes papéis. Para além disso, muitos dos que têm em
mãos as tarefas das necessidades educativas especiais podem sentir que não possuem os
conhecimentos e o apoio necessários para negociar com os colegas a introdução do novo papel
“em desenvolvimento”.

Pela minha parte, o meu próprio trabalho é guiado pelos tipos de argumentação apresentados
nesta comunicação. Especificamente, estou a tentar trabalhar com as escolas e os professores na
exploração de conexões possíveis entre as tarefas da valorização profissional dos professores, do
desenvolvimento das escolas e das necessidades educativas especiais (Ainscow, 1995). No
entanto, isto não é, de forma alguma, um caminho fácil de ser seguido. Ao nível pessoal, implica
exigências consideráveis, levando-me a comprometer-me em campos teóricos desconhecidos e a
colaborar com colegas que têm um muito maior conhecimento nestas áreas. Tudo isto pode, por
vezes, levar a um sentimento de não ser competente, uma vez que as antigas ideias e técnicas
relacionadas com uma carreira vivida no mundo estreito das necessidades educativas especiais
surgem como grandemente redundantes no contexto da tarefa que tenho em mãos. No entanto,
duma forma mais positiva, esta reconstrução das necessidades especiais fornece maravilhosas
oportunidades de crescimento e de aprendizagem. Nesta ordem de ideias, o Congresso de
Birmimgham proporciona-nos uma óptima oportunidade para nos apoiarmos uns aos outros no
nosso aperfeiçoamento.

Agradecimentos
Quero agradecer aos meus colegas Maggie Balshaw, Susan Hart, Martyn Rouse e Judy Sebba
que comentaram uma versão inicial desta comunicação.




                                                                                              14

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

A construção do discurso e da diversidade e as suas práticas
A construção do discurso e da diversidade e as suas práticasA construção do discurso e da diversidade e as suas práticas
A construção do discurso e da diversidade e as suas práticasHugo Antunes
 
Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3
 Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3 Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3
Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3Claraluz Gris
 
2. dialogos interdisciplinares
2. dialogos interdisciplinares2. dialogos interdisciplinares
2. dialogos interdisciplinaresUlisses Vakirtzis
 
0832 planejamento educacional e prática. (1)
0832   planejamento educacional e prática. (1)0832   planejamento educacional e prática. (1)
0832 planejamento educacional e prática. (1)Diana Silva
 
Educação popular na América Latina
Educação popular na América LatinaEducação popular na América Latina
Educação popular na América LatinaAndré Santos Luigi
 
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1culturaafro
 
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera Candau
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera CandauEducação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera Candau
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera CandauSeduc MT
 

Mais procurados (16)

A construção do discurso e da diversidade e as suas práticas
A construção do discurso e da diversidade e as suas práticasA construção do discurso e da diversidade e as suas práticas
A construção do discurso e da diversidade e as suas práticas
 
Tce apresentação
Tce apresentação Tce apresentação
Tce apresentação
 
Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3
 Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3 Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3
Fichamento do livro de Carlos Brandão "O Que é Educação Popular" cap. 2 e 3
 
Aprendizagem:explicação para as dificuldades
Aprendizagem:explicação para as dificuldades Aprendizagem:explicação para as dificuldades
Aprendizagem:explicação para as dificuldades
 
2. dialogos interdisciplinares
2. dialogos interdisciplinares2. dialogos interdisciplinares
2. dialogos interdisciplinares
 
0832 planejamento educacional e prática. (1)
0832   planejamento educacional e prática. (1)0832   planejamento educacional e prática. (1)
0832 planejamento educacional e prática. (1)
 
Educação popular na América Latina
Educação popular na América LatinaEducação popular na América Latina
Educação popular na América Latina
 
Diversidade
DiversidadeDiversidade
Diversidade
 
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1
FormaçãO Educadores E Diversidade Slide1
 
Papel E Funcao Da Be (1)
Papel E Funcao Da Be (1)Papel E Funcao Da Be (1)
Papel E Funcao Da Be (1)
 
Fichamento ti cs
Fichamento   ti csFichamento   ti cs
Fichamento ti cs
 
Manifesto pela Educação
Manifesto pela EducaçãoManifesto pela Educação
Manifesto pela Educação
 
Manifesto pela educação
Manifesto pela educaçãoManifesto pela educação
Manifesto pela educação
 
Monografia Jeame Pedagogia 2012
Monografia Jeame Pedagogia 2012Monografia Jeame Pedagogia 2012
Monografia Jeame Pedagogia 2012
 
Cultura e artes
Cultura e artesCultura e artes
Cultura e artes
 
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera Candau
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera CandauEducação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera Candau
Educação Escolar, Cultura e Diversidade.Texto de Antonio Flávio e Vera Candau
 

Destaque

Sobre a Conferência Nacional de Educação
Sobre a Conferência Nacional de EducaçãoSobre a Conferência Nacional de Educação
Sobre a Conferência Nacional de EducaçãoGleisi Hoffmann
 
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4ednarutkowski
 
Declara�����o de jomtien gt08
Declara�����o de jomtien   gt08Declara�����o de jomtien   gt08
Declara�����o de jomtien gt08♥Marcinhatinelli♥
 
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVAO DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVAchristianceapcursos
 
Declaração de jomtien
Declaração de jomtienDeclaração de jomtien
Declaração de jomtienJeziel Mello
 

Destaque (9)

Sobre a Conferência Nacional de Educação
Sobre a Conferência Nacional de EducaçãoSobre a Conferência Nacional de Educação
Sobre a Conferência Nacional de Educação
 
Priscila cruz
Priscila cruzPriscila cruz
Priscila cruz
 
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4
Unesco: Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4
 
Educação para Todos
Educação para TodosEducação para Todos
Educação para Todos
 
Educação para todos
Educação para todosEducação para todos
Educação para todos
 
Declara�����o de jomtien gt08
Declara�����o de jomtien   gt08Declara�����o de jomtien   gt08
Declara�����o de jomtien gt08
 
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVAO DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
O DESAFIO DA EDUCAÇÃO PARA TODOS: UMA DAS FACES DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
 
Declaração de jomtien
Declaração de jomtienDeclaração de jomtien
Declaração de jomtien
 
RESUMO :declaração de Jomtien
RESUMO :declaração de JomtienRESUMO :declaração de Jomtien
RESUMO :declaração de Jomtien
 

Semelhante a Educação para Todos: Torná-la Uma Realidade

Autonomia e flexibilidade curricular
Autonomia e flexibilidade curricularAutonomia e flexibilidade curricular
Autonomia e flexibilidade curricularjosematiasalves
 
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivas
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivasO processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivas
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivasallanrdamasceno
 
Educação inclusiva pre-projeto mestrado
Educação inclusiva pre-projeto mestradoEducação inclusiva pre-projeto mestrado
Educação inclusiva pre-projeto mestradopackarde2709
 
Declaração da Cidade do Cabo - Open Education
Declaração da Cidade do Cabo - Open EducationDeclaração da Cidade do Cabo - Open Education
Declaração da Cidade do Cabo - Open EducationMarcelo Henderson Salles
 
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)Gelson Rocha
 
Concepção e proposta metodológica da EJA
Concepção e proposta metodológica da EJAConcepção e proposta metodológica da EJA
Concepção e proposta metodológica da EJAJeca Tatu
 
Trablho pnaic inclusão
Trablho pnaic inclusãoTrablho pnaic inclusão
Trablho pnaic inclusãoCaroll Lima
 
Material rem apoio para os oe[1]
Material   rem apoio para os oe[1]Material   rem apoio para os oe[1]
Material rem apoio para os oe[1]pactoensinomedioufu
 
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...ProfessorPrincipiante
 
Cadernos desafios maio15
Cadernos desafios maio15Cadernos desafios maio15
Cadernos desafios maio15CARLO Mantinni
 
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdf
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdfmanual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdf
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdfMarta Gomes
 
manual_de_apoio_a_pratica.pdf
manual_de_apoio_a_pratica.pdfmanual_de_apoio_a_pratica.pdf
manual_de_apoio_a_pratica.pdfMarisaDobres
 
Manual de Apoio à Prática.pdf
Manual de Apoio à Prática.pdfManual de Apoio à Prática.pdf
Manual de Apoio à Prática.pdfMarisaDobres
 
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)LucianaAlves773996
 
O que torna a escola mais eficaz
O que torna a escola mais eficazO que torna a escola mais eficaz
O que torna a escola mais eficazjohnbank1
 
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati Pereira
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati PereiraRestinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati Pereira
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati PereiraCursoTICs
 
Trilhas do conhecimento Dorvalina Bastos
Trilhas do conhecimento  Dorvalina BastosTrilhas do conhecimento  Dorvalina Bastos
Trilhas do conhecimento Dorvalina BastosDiedNuenf
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisRosinara Azeredo
 

Semelhante a Educação para Todos: Torná-la Uma Realidade (20)

Autonomia e flexibilidade curricular
Autonomia e flexibilidade curricularAutonomia e flexibilidade curricular
Autonomia e flexibilidade curricular
 
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivas
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivasO processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivas
O processo de desenvolvimento de práticas mais inclusivas
 
Preal doc06p
Preal doc06pPreal doc06p
Preal doc06p
 
Educação inclusiva pre-projeto mestrado
Educação inclusiva pre-projeto mestradoEducação inclusiva pre-projeto mestrado
Educação inclusiva pre-projeto mestrado
 
Declaração da Cidade do Cabo - Open Education
Declaração da Cidade do Cabo - Open EducationDeclaração da Cidade do Cabo - Open Education
Declaração da Cidade do Cabo - Open Education
 
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)
Documento concepcao e-proposta-metodologica final (1)
 
Concepção e proposta metodológica da EJA
Concepção e proposta metodológica da EJAConcepção e proposta metodológica da EJA
Concepção e proposta metodológica da EJA
 
Trablho pnaic inclusão
Trablho pnaic inclusãoTrablho pnaic inclusão
Trablho pnaic inclusão
 
Material rem apoio para os oe[1]
Material   rem apoio para os oe[1]Material   rem apoio para os oe[1]
Material rem apoio para os oe[1]
 
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...
PROCESSO INCLUSIVO E A FORMAÇÃO INICIAL DO(A) PEDAGOGO(A) FRENTE AO ATENDIMEN...
 
Cadernos desafios maio15
Cadernos desafios maio15Cadernos desafios maio15
Cadernos desafios maio15
 
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdf
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdfmanual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdf
manual_de_apoio_a_pratica-educaºção inclusiva.pdf
 
manual_de_apoio_a_pratica.pdf
manual_de_apoio_a_pratica.pdfmanual_de_apoio_a_pratica.pdf
manual_de_apoio_a_pratica.pdf
 
Manual de Apoio à Prática.pdf
Manual de Apoio à Prática.pdfManual de Apoio à Prática.pdf
Manual de Apoio à Prática.pdf
 
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)
AULA 04 - DUA (Desenho Universal da Aprendizagem)
 
O que torna a escola mais eficaz
O que torna a escola mais eficazO que torna a escola mais eficaz
O que torna a escola mais eficaz
 
Ce cad2
Ce cad2Ce cad2
Ce cad2
 
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati Pereira
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati PereiraRestinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati Pereira
Restinga Sêca - Maria Nelcinda Forrati Pereira
 
Trilhas do conhecimento Dorvalina Bastos
Trilhas do conhecimento  Dorvalina BastosTrilhas do conhecimento  Dorvalina Bastos
Trilhas do conhecimento Dorvalina Bastos
 
Heterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciaisHeterogeneidade nos anos iniciais
Heterogeneidade nos anos iniciais
 

Educação para Todos: Torná-la Uma Realidade

  • 1. EDUCAÇÃO PARA TODOS TORNÁ-LA UMA REALIDADE Mel Ainscow Universidade de Cambridge Instituto de Educação “Education For All: Making it happen” - Comunicação apresentada no Congresso Internacional de Educação Especial, Birmingham, Inglaterra, Abril de 1995 Tradução autorizada pelo autor: Ana Maria Bénard da Costa
  • 2. O Congresso Internacional sobre Educação Especial realizado em Birmingham, Inglaterra, em Abril de 1995, proporciona aos colegas de todo o mundo a oportunidade de repensarem as suas concepções e as suas práticas. Passados cinco anos desde o congresso que teve lugar em Cardiff, é-nos possível, em conjunto, fazer uma avaliação sobre o progresso que foi realizado no sentido de uma escolarização adequada das crianças e dos jovens que apresentam dificuldades na aprendizagem. É, no entanto, importante que esta avaliação se processe, igualmente, no contexto da discussão mais vasta que foi despoletada a partir da Conferência Mundial sobre Educação para Todos que teve lugar em Jomtien, Tailândia em 1990. Durante estes cinco anos, desde as conferências de Cardiff e Jomtien, o pensamento relativo a esta área progrediu. A referência superficial às necessidades educativas especiais, tal como surgiu a partir das discussões de Jomtien, foi gradualmente substituída pelo reconhecimento de que a agenda das necessidades especiais deveria constituir um elemento essencial do esforço para se atingir uma educação para todos. Assim, em vez de se sublinhar a ideia da integração, acompanhada da concepção de que se devem introduzir medidas adicionais para responder aos alunos especiais, num sistema educativo que se mantém, nas suas linhas gerais, inalterado, assistimos a movimentos que visam a educação inclusiva, cujo objectivo consiste em reestruturar as escolas, de modo a que respondam às necessidades de todas as crianças. (Clark et al., 1995). Esta orientação inclusiva constituiu uma vertente fundamental da Declaração de Salamanca sobre os Princípios, Política e Prática na Área das Necessidades Educativas Especiais, aprovada pelos representantes de 92 governos e 25 organizações internacionais em Junho de 1994 (UNESCO, 1994). Especificamente, a Declaração refere que, no âmbito da orientação inclusiva, as escolas regulares são: “os meios mais capazes para combater as atitudes discriminatórias, criando comunidades abertas e solidárias, construindo uma sociedade inclusiva e atingindo a educação para todos; para além disso, proporcionam uma educação adequada à maioria das crianças e promovem a eficiência, numa óptima relação custo-qualidade, de todo o sistema educativo" (página ix). Implícita a esta orientação está, consequentemente, uma mudança fundamental no que diz respeito às formas como são encaradas as dificuldades educativas. Esta mudança de concepções baseia-se na crença de que as mudanças metodológicas e organizativas que têm por fim responder aos alunos que apresentam dificuldades irão beneficiar todas as crianças (Ainscow,1995). Na verdade, os que são considerados como tendo necessidades especiais passam a ser reconhecidos como um estímulo que promove estratégias destinadas a criar um ambiente educativo mais rico para todos. No entanto, o avanço na implementação desta orientação está longe de ser fácil e, por conseguinte, as provas relativas a um progresso nesta área são limitadas, na maior parte dos países. Numa nota mais positiva, refere-se que, recentemente, se tem assistido em muitos países a uma preocupação crescente com o conceito de educação para todos e, talvez, a uma maior consciencialização daquilo que ele implica. No mundo em desenvolvimento, a atenção continua a focalizar-se no alargamento das oportunidades de acesso ao ensino básico. 2
  • 3. Há, no entanto, um longo caminho a percorrer no que diz respeito a milhões de crianças, incluindo as que têm deficiências, a quem o direito à escola é ainda negado. (Colclough, 1993; Mittler, 1993). Tem sido expressa, igualmente, uma grande preocupação acerca da baixa qualidade do ensino oferecido às crianças em muitas escolas dos países em desenvolvimento (e.g. Levin e Lockeed, 1993). No mundo desenvolvido, existe o número necessário de lugares nas escolas. Aqui, o problema consiste em se encontrarem meios de organizar as escolas e as salas de aula, de modo a que todas as crianças e jovens tenham sucesso na aprendizagem. Infelizmente, para muitos alunos, a sua participação na escola constitui uma experiência insatisfatória, deixando-os desencorajados em relação às suas próprias capacidades e desiludidos acerca do papel da educação na sua vida. (Glasser, 1990; Smith e Thomlinson, 1989). Contrariando este retrato assaz depressivo das escolas, quer no mundo desenvolvido, quer no mundo em desenvolvimento, o objectivo desta comunicação é estimular a discussão acerca de formas possíveis de se avançar. Uma vez que assumimos a concepção da educação para todos, a nossa preocupação neste Congresso é torná-la realidade. Nesta perspectiva, coloco as seguintes questões: . Como podem os professores ser ajudados a organizar as suas salas de aula de modos que assegurem a aprendizagem a todos os seus alunos? . Como podem as escolas ser reestruturadas de forma a apoiarem os professores neste esforço? Na base do meu empenhamento nestas questões, existe a crença de que sabemos mais do aquilo que pomos em prática. O nosso objectivo deve consistir em utilizar melhor o conhecimento actualmente existente. Este congresso proporciona uma oportunidade de agregarmos as nossas ideias e de nos ajudarmos uns aos outros a ver com maior clareza quais são os melhores passos que devemos dar. Neste espírito de partilha e de entre-ajuda, irei resumir e explicitar algumas das minhas ideias, focando, em particular, as áreas do aperfeiçoamento dos professores e das escolas. Isto conduz-me, na conclusão desta comunicação, a apresentar algumas sugestões sobre as implicações da minha análise no trabalho com as pessoas que têm necessidades educativas especiais. A valorização profissional dos professores Como podemos, então, ajudar os professores a organizar as suas salas de aula, de forma a assegurarem uma aprendizagem de sucesso a todos os seus alunos? Existe uma ampla fonte de recursos relacionados com esta questão e que provém dos inúmeros trabalhos de investigação que têm sido realizados em relação à eficácia do trabalho dos professores (e.g. Bennett, 1991; Fuller e Clark, 1994; Hopkins et al., 1994; Porter e Brophy, 1988). Podemos também basear-nos no conhecimento que temos de professores excepcionais que têm sido capazes de criar ambientes educativos em que os diferentes alunos, com os mais diversificados percursos de escolarização, conseguem participar, para os quais conseguem contribuir e experimentar sentimentos de sucesso. No entanto, a minha preocupação nesta comunicação não diz respeito às características da eficácia mas, antes, à procura de formas de fazer avançar a prática. Ao longo destes últimos seis anos, aproximadamente, tenho tido o privilégio de trabalhar lado a lado com colegas de muitos países na prossecução desta tarefa. O nosso trabalho tem sido 3
  • 4. realizado no contexto do projecto da UNESCO de formação de professores, " Necessidades Especiais na Sala de Aula" (Ainscow, 1993a e b; 1994a e b; Ainscow et al., 1995). Trabalhando em conjunto, temos tentado desenvolver estratégias, quer a nível da formação inicial, quer da formação contínua, que sejam capazes de ajudar os professores a adoptar formas de trabalhar que tenham em conta todos os alunos da classe, incluindo os que apresentem dificuldades de aprendizagem. A partir desta experiência extensiva, que implicou cerca de 50 países, descobrimos que alguns factores são especialmente importantes. Talvez de forma surpreendente, verificámos que a existência de recursos materiais, embora muito útil, constitui muito raramente o factor-chave. Muito mais relevante é a forma como a tarefa é conceptualizada. A este respeito parecem ter importância as seguintes estratégias para a valorização profissional dos professores: . Oportunidades de considerar novas possibilidades . Apoio à experimentação e reflexão Vou considerar cada uma separadamente. Ao encorajarmos os professores a explorarem formas de desenvolver a sua prática, de modo a facilitar a aprendizagem de todos os alunos, estamos, porventura, a convidá-los a experimentarem métodos que, no contexto da sua experiência anterior, lhes são estranhos. Consequentemente, é necessário empregar estratégias que lhes reforcem a auto-confiança e que os ajudem nas decisões arriscadas que tomaram. A nossa experiência diz-nos que uma estratégia eficaz consiste em implicar a participação dos professores em experiências que demonstrem e estimulem novas possibilidades de acção. No âmbito do Projecto da UNESCO, damos especial relevo à aprendizagem a partir da experiência. Tendo isto em mente, organizamos seminários, orientados por pessoas altamente competentes na organização de sessões em que os participantes têm oportunidade de experimentar uma diversidade de estratégias de aprendizagem activa. Deste modo, são levados a considerar a vida na sala de aula a partir do ponto de vista dos alunos e, ao mesmo tempo, relacionar estas experiências com a sua própria prática na escola. As sessões do seminário dão ênfase a três factores-chave que parecem ter grande influência na criação de salas de aula mais inclusivas. A primeira relaciona-se com a importância da planificação para a classe, como um todo. A este respeito, na educação especial, cometemos um erro táctico ao colocarmos uma ênfase exagerada na planificação individual. Embora isto possa ter sido apropriado quando o nosso trabalho se realizava em contextos limitados e separados, toma-se, em grande medida, impraticável no âmbito da integração na escola regular. Neste caso, a preocupação central do professor tem a ver com a planificação das actividades que dizem respeito à classe, no seu conjunto. Pode também argumentar-se que uma sobre-valorização na planificação individual do tipo daquela que tem sido dominante no sector das necessidades educativas especiais, distrai a atenção em relação a outros factores contextuais que podem ser utilizados para estimular e apoiar a aprendizagem de cada elemento da classe. Isto leva-nos ao segundo factor-chave. Para além de realizar uma planificação que abranja todas as crianças, concluímos que é útil que os professores sejam estimulados a utilizar de forma mais eficiente os recursos naturais que podem apoiar a aprendizagem dos alunos. Refiro-me, de forma particular, a um conjunto de 4
  • 5. recursos que estão disponíveis em todas as salas de aula e que, no entanto, pouco têm sido utilizados: os próprios alunos. Em cada classe os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode insuflar uma imensa energia adicional nas tarefas e actividades em curso. No entanto, tudo isto depende da capacidade do professor em aproveitar esta energia. Isto é, em parte, uma questão de atitude, dependendo do reconhecimento de que os alunos têm a capacidade para contribuir para a respectiva aprendizagem; reconhecendo igualmente que, de facto, a aprendizagem é, em grande medida, um processo social. Isso pode ser facilitado através da ajuda concedida aos professores no desenvolvimento das competências necessárias para organizarem classes que encorajem este processo social de aprendizagem. Neste ponto, podemos aprender muito com alguns países em desenvolvimento onde as limitações de recursos levaram a reconhecer o potencial do "poder dos pares", através do desenvolvimento dos programas "criança-a-criança" (Hawes,l988). O interesse sentido recentemente em muitos países ocidentais pelo trabalho de grupo cooperativo levou, também, ao desenvolvimento de habilitações que capacitam os professores a criar ambientes mais ricos sob o ponto de vista educativo (e.g. Johnson e Johnson, 1994). Contudo, a introdução destas estratégias parece exigir mais do que o conhecimento de técnicas. O que é importante é a capacidade de resposta dos professores ao feedback dado pelos alunos, à medida que se desenvolvem as actividades na classe. Isto leva-nos ao que consideramos como o terceiro factor-chave da criação de salas de aula mais inclusivas, i.e. a improvisação; por outras palavras, a capacidade de ser capaz de modificar planos e actividades à medida que ocorrem, em resposta às reacções dos alunos na classe. É essencialmente através deste processo que os professores podem encorajar uma participação activa e, ao mesmo tempo, ajudar a personalizar para cada aluno a experiência da aula. Esta orientação acompanha o pensamento actual no inundo da formação dos professores em que se aceita, de forma crescente, que a prática se desenvolve a partir dum processo fundamentalmente intuitivo, através do qual os professores ajustam os seus planos de aula, a sua actuação e as suas respostas à luz do feedback dos elementos da sua classe. (Huberrnan, 1993). As mudanças na prática, quando ocorrem, parecem muitas vezes envolver pequenos ajustamentos, à medida que os professores aperfeiçoam os seus repertórios, em resposta a circunstâncias imprevistas, i.e. o que Schon (l987) refere como "surpresas". Raramente ocorrem mudanças globais, uma vez que os professores se mostram relutantes em abandonar formas de trabalhar que provaram ser eficazes em ocasiões anteriores. Tal como já sugeri, as mudanças significativas representam um enorme risco para qualquer professor e, além disso, trata-se dum risco que tem de ser tomado diante duma audiência observadora e potencialmente ameaçadora: a classe. No entanto, num sentido mais positivo, são as reacções desta mesma audiência que podem estimular o ajustamento, o qual parece ser um factor importante e necessário no desenvolvimento da prática. Para além de se sublinhar a importância de se dar aos professores oportunidades de considerarem novas possibilidades, a outra estratégia que considerámos útil consiste no apoio à experimentação na sala de aula através de formas que encorajem a reflexão sobre as actividades. A chave desta estratégia situa-se na área do trabalho em equipa. Encorajamos, especificamente, os professores a fomarem equipas e/ou partenariados em que os respectivos membros concordem em se ajudar uns aos outros a explorar aspectos da sua prática. Em geral, verificámos que é preferível que as equipas sejam constituídas por grupos de professores que trabalham com alunos do mesmo grupo etário ou que ensinam as mesmas matérias. Por exemplo, pode-lhes ser 5
  • 6. sugerido que seleccionem um tema de trabalho ou um tópico e que considerem como pode aquele ser planificado de forma a incorporar estratégias que foram previamente discutidas nas reuniões da equipa. Encorajam-se, igualmente os professores a formar partenariados de ensino que podem apoiar-se uns aos outros no processo de desenvolvimento daquilo que foi previamente planeado. O papel dos membros destas equipas de partenariado consiste em estar em conjunto na sala de aula, durante determinados períodos de experimentação, algumas vezes ensinando em simultâneo ou, ocasionalmente, observando-se uns aos outros de forma rnais sistemática, de modo a proporcionar um feedback e um apoio à medida que são exploradas novas possibilidades. Estas formas de apoio na classe têm-se revelado extremamente eficazes como meios de facilitar o aperfeiçoamento das práticas de sala de aula, o que confirma as conclusões de outros estudos. (e.g. Joyce e Showers, 1988). Através de todos estes processos de trabalho em equipa e em partenariado é dada uma forte ênfase àquilo que Gidin (l990) chama "diálogos". Estes vão muito além de simples discussões, de modo a criar formas de interacção que encorajem o aparecimento de formas alternativas de encarar tarefas e problemas particulares. Isto leva-nos àquilo que Aoki (l984) chamou "uma aventura crítica", em que uma comunidade de professores, envolvida numa acção de aperfeiçoamento, utiliza as suas múltiplas perspectivas como oportunidades para uma reciprocidade de interpretação. Durante estes diálogos, os professores são estimulados e empreender formas de reflexão sobre a eficácia daquilo que fazem com os seus alunos, a qual está para além da simples consideração sobre o facto de serem ou não bem sucedidos. Ajudam, antes, os professores a considerar o porquê daquilo que fazem, quais as influências que levaram a estas respostas e, como resultado disso, que outras possibilidades foram encaradas. Esta forma de reflexão crítica, realizada em colaboração com os colegas, é especialmente importante na área das necessidades educativas especiais. Neste ponto, a nossa tradição levou- nos a conceptualizar o trabalho duma forma relativamente estreita, em que foram excluídas muitas possibilidades que poderiam ter gerado melhores oportunidades para as crianças que pretendemos ajudar. Especificamente, as nossas tradições levaram-nos a olhar para o nosso trabalho fundamentalmente em termos técnicos. (Heshusius, 1989; Iano, 1986). Isto conduziu à preocupação de encontrar os métodos de ensino e os materiais "certos" para os alunos que não respondem às estratégias estabelecidas. Nesta formulação está implícito o ponto de vista de que as escolas são organizações racionais que oferecem um conjunto de oportunidades apropriadas; que os alunos que experimentam dificuldades o fazem por causa das suas limitações ou desvantagens; e que eles, consequentemente, têm necessidade de uma forma qualquer de intervenção especial (Skrtic, 1991). A minha ideia é que, através destas concepções, que levam a procurar as respostas para as crianças consideradas como especiais, somos levados a ignorar vastas oportunidades de aperfeiçoamento das práticas pedagógicas. Aceito, evidentemente, que é importante identificar estratégias úteis e prometedoras. No entanto, pretendo argumentar que é errado assumir que a utilização sistemática da repetição de determinados métodos conduzirá a uma aprendizagem eficaz, especialmente se se tratar de populações que têm sido objecto de maus tratos ou exclusão escolares. Esta sobrevalorização dos métodos tem servido, muitas vezes, para desviar a atenção de questões mais importantes, tais como: "porque é que numa determinada sociedade, ou numa escola, alguns alunos não conseguem aprender?" Consequentemente, é necessário passar de uma visão estreita e mecanicista do ensino para uma outra de características mais vastas e que tome em consideração factores contextuais mais 6
  • 7. alargados, incluindo dimensões comunitárias e organizacionais (Skrtic, 1991). Em particular, é importante que, enquanto educadores, rejeitemos o que Bartolome (l994) refere como "métodos fetichistas", de modo a criar um ambiente educativo determinado pela acção e pela reflexão. Desta forma, pelo facto de se libertarem da adopção acrítica das chamadas estratégias eficazes, os professores podem começar a reflectir sobre os processos que lhes permitirão recriar e inventar métodos de ensino e materiais, partindo das realidades contextuais que podem limitar ou expandir as possibilidades de desenvolvimento da aprendizagem. Em particular, é importante que os professores tenham presente que os métodos são construções sociais que se baseiam e reflectem ideologias que podem impedir-nos de compreender as implicações pedagógicas das relações de poder no seio da educação . Enquanto professores, devemos lembrar-nos que as escolas, tal como outras instituições da sociedade, são influenciadas pelas percepções do status socioeconómico, da raça, da língua e do sexo. Consequentemente, é necessário questionar a forma como estas percepções influenciam a dinâmica da classe. Deste modo, os métodos actuais, caracterizados por uma discussão restrita, devem ser ampliados de forma a revelar o quão profundamente a orientação baseada na deficiência influencia o modo como encaramos a "diferença". Como professores, devemos estar constantemente vigilantes e perguntar em que medida esta orientação influenciou a nossa percepção dos alunos que acabaram por ser considerados como especiais. As estratégias de ensino não são desenvolvidas nem imaginadas no vazio. A elaboração, selecção e utilização de determinada abordagem ou estratégia de ensino nasce das percepções acerca da aprendizagem e acerca dos alunos. Defendo que mesmo os métodos pedagogicamente mais avançados correm o risco de se tornar ineficazes nas mãos de educadores que, implícita ou explicitamente, subscrevem um sistema conceptual que encara alguns alunos, na melhor das hipóteses, como limitados e com necessidade de recuperação, ou, na pior das hipóteses, como deficientes e sem possibilidade de recuperação. Nos últimos anos, de facto, o modelo baseado na deficiência tem sofrido imensas críticas no sector da educação especial (e.g. Ainscow, l991; Barton, 1993; Dyson, 1990; Fulcher, 1989; Oliver, 1988). Consequentemente, temos assistido a uma mudança de pensamento que transfere as explicações sobre os insucessos educativos das características das crianças e respectivas famílias para o processo da escolarização. Isto tem levado à introdução de abordagens baseadas num ponto de vista interactivo. No entanto, acabei por convencer-me que, apesar das boas intenções, as abordagens baseadas nesta perspectiva fazem, muitas vezes, surgir uma versão mais suave, mais liberal e portanto mais restrita do modelo baseado na deficiência que considera as crianças especiais como tendo necessidade de educação especial, i.e. de abordagens pedagógicas que não se justificam para as outras crianças. Assim, apesar dos movimentos em prol da integrarão das crianças ditas com necessidades educativas especiais, com uma ênfase nas abordagens tais como a diferenciação curricular e um apoio adicional na sala de aula, a orientação baseada na deficiência continua a estar profundamente enraizada em muitas escolas e salas de aula. Paralelamente, as abordagens educativas desenvolvidas no âmbito do projecto da UNESCO, com a ênfase colocada na aprendizagem activa e no trabalho cooperativo de grupo, podem ajudar a criar ambientes mais adequados à aprendizagem, em que os alunos são tratados como indivíduos, embora, ao mesmo tempo, tomem parte em experiências que encorajam a maior realização possível. No entanto, quando estas abordagens são aplicadas de forma acrítica, podem conduzir a formas de trabalhar que continuam a manter, em relação a certas crianças, os pontos de vista 7
  • 8. baseados na deficiência. Assim, é necessário ajudar os professores a aperfeiçoar-se como profissionais mais reflexivos e mais críticos, de modo a ultrapassarem as limitações e os perigos das concepções baseadas na deficiência. Só deste modo poderemos assegurar que os alunos que sentem dificuldades na aprendizagem possam ser tratados com respeito e olhados como alunos potencialmente activos e capazes; só assim, poderemos utilizar as respostas dadas por estes alunos como estímulos ao aperfeiçoamento dos professores. Assim, em resumo, tenho vindo a reconhecer que a forma mais apropriada de ajudar os professores a responder às dificuldades educativas implica a inclusão e a exploração da influência dum conjunto de factores contextuais nos conceitos e nas práticas profissionais. Deste modo, é possível, sensibilizar os professores a novas formas de pensar que lhes desvendarão novas possibilidades para o aperfeiçoamento da sua prática na sala de aula. Isto implica que não nos limitemos a preocupar-nos com métodos e materiais e que levemos os professores a tornar-se pensadores reflexivos e a sentirem a confiança suficiente para experimentarem novas práticas, à luz do feedback que recebem dos seus alunos. Isto também exige da sua parte que se libertem da orientação baseada na deficiência, a qual continua a exercer uma poderosa influência. Consequentemente, o processo de reflexão deve incluir uma preocupação com as próprias concepções dos professores e um exame sobre a forma como estas são moldadas por contextos factuais mais vastos. Assim, embora a reflexão seja uma condição necessária para a formação profissional, não é suficiente. Tem de ser acrescida por confrontações com pontos de vista alternativos. Daí a necessidade de se criarem oportunidades para realizar experiências de demonstração de formas diferentes de trabalhar em colaboração com os colegas. À luz desta conceptualização, considerei importante, no meu trabalho, empenhar-me em programas de valorização profissional de professores situados dentro das escolas e das salas de aula. À medida que procuro ajudar os professores a desenvolverem uma forma mais reflexiva de responder, através da sua prática, às dificuldades educativas, realizo quanto é necessário considerar a forma como os factores organizacionais influenciam as suas percepções, as suas atitudes e as suas respostas. Em particular, preciso de adoptar modos de trabalhar que encorajem formas de colaboração, as quais incluam um compromisso com pontos de vista alternativos. Isto leva-nos à questão do aperfeiçoamento das escolas. O aperfeiçoamento das escolas Até aqui tenho afirmado que a ênfase na aprendizagem através da experiência, a reflexão crítica e a colaboração pode ajudar os professores na sua tentativa de tornar as suas práticas de sala de aula mais inclusivas. Esta concepção leva-me a acreditar que estas abordagens precisam de ter em consideração a influência dos factores escolares. Em particular, a nossa procura de meios capazes de fomentar a educação para todos deve incluir considerações sobre a forma como as escolas devem ser organizadas para apoiar tais esforços. Abordarei esta questão, quer sob o ponto de vista cultural, quer estrutural. Presentemente existe uma clara evidência de que as normas de ensino são negociadas socialmente, no contexto da escolarização, dia a dia. (e.g. Rosenholtz,1989; Talbert e McLaughlin, 1994). Verifica-se que a cultura do local de trabalho tem um impacto directo sobre 8
  • 9. a forma como os professores vêem o seu trabalho e, sem dúvida, vêem os seus alunos. No entanto, o conceito de cultura é bastante difícil de definir. Schein (l985) define-o como um nível mais profundo de conceitos e de crenças que são partilhados pelos membros da organização, actuando a nível inconsciente na definição que a organização faz de si própria e sobre o ambiente em que se situa. Manifesta-se através de normas que indicam às pessoas o que devem fazer e como devem actuar. De forma semelhante, Hargreaves (l995) sustenta que as culturas das escolas podem ser vistas como tendo uma função de definição da realidade, capacitando os membros da instituição a ter consciência de si próprios, das suas acções e do seu ambiente. Ele sugere que uma função corrente de definição da realidade de uma cultura é, frequentemente, uma função de resolução de problemas herdada do passado. Deste modo, uma forma cultural actual, criada com o objectivo de resolução de um problema emergente, acaba, frequentemente, por se tornar, amanhã, uma receita tomada como certa, utilizada para lidar com os assuntos, despojando-os de singularidade. Hargreaves conclui que se examinarmos as características definidoras da realidade de uma dada cultura poderemos compreender as rotinas que a organização desenvolveu, como resposta às tarefas com que se depara. Penso, sem margem de dúvida, que as escolas que conseguem fazer avançar com sucesso a sua prática, tendem a influenciar a forma como os professores se percepcionam a si próprios e a forma como vêem o seu trabalho. Desta forma, a escola começa a adquirir algumas das características daquilo que Senge (l990) chama uma organização de aprendizagem, i. e. " uma organização que está permanentemente a expandir a sua capacidade de criar o seu futuro" (p. 14). Ou, para utilizar uma frase de Rosenholtz (l989), torna-se uma escola "em movimento" que está continuamente à procura de desenvolver e aperfeiçoar as suas respostas aos desafios que encontra. É possível que, à medida que as escolas se orientem nestas direcções, as mudanças culturais que ocorrem possam produzir um impacto sobre as formas através das quais os professores vêem os alunos cujos progressos constituem matéria de preocupação (i.e. aqueles que hoje se designam como tendo necessidades educativas especiais). O que pode acontecer é que, à medida que o clima da escola progride, estas crianças passem a ser vistas a uma luz mais positiva. Mais do que apresentando problemas que têm de ser ultrapassados, ou, possivelmente, mais do que serem enviados para um apoio em separado, estes alunos podem passar a ser considerados como uma fonte de compreensão sobre a forma como o sistema pode ser melhorado, tendo em vista o benefício de todos os alunos. Neste caso, pode afirmar-se que as crianças indicadas como tendo necessidades educativas especiais são vozes escondidas que poderão informar e guiar, no futuro, o desenvolvimento das actividades. Neste sentido, tal como sugeriu a minha colega Susan Hart, as necessidades especiais são especiais na medida em que nos proporcionam uma compreensão de possibilidades de aperfeiçoamento que, de outra forma, poderiam passar despercebidas. (Hart, 1992). Claro que é importante reconhecer que as mudanças culturais necessárias para tornar as escolas capazes de ouvir as vozes escondidas e de a elas responder, são, em muitos casos, mudanças profundas. As culturas escolares tradicionais, baseadas numa organização rígida e em equipas altamente especializadas, orientadas para fins determinados, têm, em geral, dificuldade em se adaptar a circunstâncias inesperadas. Por outro lado, a presença de crianças que não correspondem ao “menu” pré-existente na escola encoraja, de alguma forma, os professores para que procurem uma cultura mais colegial e para que se entre-ajudem na experimentação de novas respostas educativas. Desta forma, as actividades de resolução de problemas podem 9
  • 10. gradualmente transformar-se nas funções definidoras da realidade da escola inclusiva, constituintes da sua cultura, i.e. próprias duma escola que responde efectivamente a todas as crianças da comunidade. Como poderão, assim, as escolas ser ajudadas a organizar-se de formas que encorajem o desenvolvimento duma cultura como esta? Uma vez mais, na resposta a esta questão, irei utilizar a minha experiência do âmbito do projecto de Formação de Professores da UNESCO, "Necessidades Especiais na Sala de Aula". Para além disso, irei basear-me em conclusões de uma série de estudos sobre o aperfeiçoamento das escolas que realizei com colegas em Cambridge (Ainscow e Hopkins, 1992 e 1994; Ainscow et al.,1994; Ainscow e Southworth, 1994; Hopkins et al.,1994). Todas estas conclusões apontam para formas de reorganização das escolas que possam apoiar o desenvolvimento de actividades capazes de ter um importante impacto na sua cultura organizacional e, consequentemente, no desenvolvimento das práticas pedagógicas. Duma maneira geral, as escolas consideram difícil encarar a mudança (Fullan, 1991). Neste aspecto, deparam com um duplo problema: se pretendem enfrentar novos desafios não podem permanecer tal como estão, mas, ao mesmo tempo, precisam de manter alguma continuidade entre as suas práticas passadas e presentes. Existe, assim, uma tensão entre o progresso e a permanência. O problema é que as escolas tendem a criar estruturas organizacionais que as predispõem para um ou para outro caminho. Num pólo extremo, encontramos escolas (ou partes de escolas) que ficam de tal maneira seguras das suas capacidade de inovação que assumem depressa demais um número exagerado de iniciativas, prejudicando assim a qualidade do que já existe. No outro extremo, encontram-se escolas que vêem a mudança com pouco interesse ou que têm uma experiência muito pobre no que diz respeito a manejar a inovação. Fazer avançar a prática, implica, assim, um equilíbrio cuidadoso entre a salvaguarda do que existe e a mudança. Fazer avançar a prática conduz, também, a um outro tipo de dificuldades que são sentidas tanto a nível individual como organizacional. Trata-se de formas de turbulência que surgem à medida que se introduzem alterações no status quo. A turbulência pode tomar diversas formas, envolvendo dimensões organizacionais, psicológicas, técnicas e micro-políticas. No entanto, no seu âmago encontra-se frequentemente a dissonância que ocorre quando as pessoas lutam para dar sentido a novas ideias. É interessante notar que há provas de que, sem um período de turbulência, não é provável que tenham lugar mudanças eficazes e duradouras (Hopkins et al., Hopkins, 1994). Neste sentido, a turbulência pode ser vista como uma indicação útil de que as escolas estão a mudar. A questão consiste em saber como podem os professores lidar com estes períodos de dificuldade. Que estratégias organizacionais podem ajudar a encorajar a mudança da prática? A partir dum conjunto de escolas que fizeram progressos consideráveis em direcção a políticas mais inclusivas, notamos a existência de certos arranjos organizacionais que parecem ajudar a encarar os períodos de turbulência. Esses arranjos fazem emergir estruturas de apoio aos professores na exploração de novas ideias e formas de trabalhar, ao mesmo tempo que asseguram que a gestão dos procedimentos correntes não seja sacrificada. Mais especificamente, procuram apoiar a criação do clima de risco em que estas inovações têm lugar. Na tentativa de tornar claros estes suportes, os meus colegas e eu próprio formulámos uma tipologia de seis “condições” que parecem ser factores de mudança das escolas. São estas: 10
  • 11. Liderança eficaz, não só por parte do director, mas difundida através da escola • Envolvimento da equipa de profissionais, alunos e comunidade nas orientações e decisões da escola • Um compromisso relativo a uma planificação realizada colaborativamente • Estratégias de coordenação • Focalização da atenção nos benefícios potenciais da investigação e da reflexão • Uma política de valorização profissional de toda a equipa educativa Utilizando esta tipologia como um guia, é possível delinear algumas mensagens importantes acerca da reestruturação que pode ser necessária no âmbito duma escola, se se pretende preparar os professores para considerarem novas perspectivas na resposta às dificuldades educativas Em primeiro lugar, em escolas em que observamos um movimento no sentido de se trabalhar de forma mais inclusiva, assistimos a uma mudança naquilo que se entende por liderança. Esta mudança envolve uma ênfase nas abordagens de "transformação", que se traduzem em distribuição de poder, mais do que nas abordagens de "transacção" que se traduzem na manutenção dos conceitos tradicionais de hierarquia e de controle (e.g. Sergiovanni,l992). Duma forma geral, esta orientação leva o director a procurar estabelecer, na escola, um clima encorajador do reconhecimento da individualidade, como algo que deve ser respeitado e valorizado. Esta visão é criada através da importância dada às actividades de grupo que são também utilizadas como facilitadoras do clima de resolução de problemas. Tudo isto cria um contexto no qual as funções de liderança podem ser distribuídas por toda a equipa de profissionais. Isto significa a aceitação de que a liderança é uma função para a qual muitos elementos da equipa contribuem, mais do que um conjunto de responsabilidades concentradas num número reduzido de pessoas. Um factor igualmente decisivo na modificação das escolas, consiste no envolvimento que se estende para além da equipa pedagógica e que abrange os alunos, os pais e os membros da comunidade. É de interesse realçar que este estilo de trabalho é semelhante à "abordagem incorporativa”, referida por Reynolds (l991) como sendo uma característica das escolas de grande sucesso. Torna-se importante considerar o argumento de que o grupo crítico que precisa de ser englobado neste envolvimento é o grupo constituído pelos próprios alunos. A este respeito, a questão crucial, consiste na capacidade dos professores organizarem as suas salas de aula e as suas aulas, de tal forma a que os alunos se sintam envolvidos nas actividades propostas. Neste ponto, é importante o papel conferido às actividades de aprendizagem em grupo. Com efeito, o trabalho de grupo é uma forma de estabelecer tarefas que encoraja a participação. Afim de apoiar a equipa pedagógica na exploração de formas alternativas de trabalhar, realça-se o papel da planificação cooperativa. Esta estratégia deve ser acompanhada por uma procura do que será adequado a nível local e não do que parece ter sucesso em qualquer outra situação. O que parece fundamental é, não tanto a planificação em si mesma , mas o processo de planificação. A participação activa da equipa suscita, em especial, a criação de objectivos 11
  • 12. comuns, a resolução de conflitos e uma base de acção para cada um. Consequentemente, os benefícios de qualquer actividade de planificação ultrapassam muitas vezes o próprio plano, proporcionando um nível de compreensão partilhada que constitui um pré-requisito para um processo alargado de distribuição de poder (empowerment). Na literatura sobre gestão educativa (e.g. Weick, 1985), referem-se, muitas vezes, as escolas como “sistemas unidos de forma separada”. Esta separação-união ocorre porque as escolas constituem unidades, processos, acções e indivíduos que tendem a operar isoladamente. A separação-união é também estimulada pela ambiguidade de objectivos que caracteriza a escolarização. Apesar da retórica dos objectivos e finalidades curriculares, as escolas são constituídas por grupos de pessoas, muitas das quais com perspectivas, valores e crenças muito diversas acerca da educação. O que observamos nas escolas que progridem são formas variadas de comunicação que têm como objectivo coordenar as acções dos professores e dos outros intervenientes, de acordo com uma política previamente acordada. No entanto, todos trabalham de forma a não impedir que cada professor realize a sua prática, de acordo com as suas preferências. Ensinar é uma tarefa complexa e imprevisível que requer um elevado grau de improvisação. Na verdade, como já referi, pode ser sustentado que um sinal determinante das escolas inclusivas consiste na capacidade dos professores ajustarem as suas práticas à luz do feedback que recebem dos seus alunos. Consequentemente, os professores devem ter autonomia suficiente para tomar decisões imediatas que tenham em conta a individualidade dos seus alunos e a singularidade de cada situação que ocorre. O que é necessário, portanto, é assegurar um estilo de trabalho bem coordenado e cooperativo que dê aos professores a confiança de que precisam para improvisar, numa busca das respostas mais adequadas para os alunos das suas classes; por outras palavras, um sistema mais fortemente unido sem perder os benefícios que advêm da separação-união. No decurso da dinâmica de envolvimento com aquelas a que eu chamo “escolas em movimento”, os meus colegas e eu próprio temos observado que as escolas que reconhecem que a investigação e a reflexão são processos importantes têm mais facilidade em controlar o seu próprio processo de mudança e estão melhor colocadas para adaptar as medidas globais apresentadas em toda a sua extensão pelas políticas actuais a respeito das mudanças desejáveis. Um aspecto particularmente importante da investigação e da reflexão relaciona-se com a prática de sala de aula. Dispomos de indicações claras de que o facto de os professores serem encorajados a ajudarem-se uns aos outros, através da observação mútua, a explorarem as dimensões do seu trabalho com as crianças, num processo que os leva a trocarem impressões a respeito das suas práticas, produz um impacto decisivo na sua acção. A criação do partenariado entre professores é um bom exemplo de como a adopção destas ideias tem necessariamente que ser harmonizada com adaptações organizacionais que viabilizem a concretização prática das mesmas. A presença destas primeiras cinco condições constitui a base do clima que pode apoiar a valorização profissional dos professores e, deste modo, encorajá-los a procurarem novas respostas para os seus alunos. No entanto, para que tal aconteça é necessário que as escolas desenvolvam uma política de valorização da sua equipa de profissionais. Esta precisa de ir muito além dos padrões tradicionais, em que os professores frequentam cursos no exterior ou, mais recentemente, em que se utiliza uma acção pontual centrada na escola. Acima de tudo, é importante referir que, se queremos que a formação dos professores tenha um impacto significativo sobre o seu pensamento e a sua prática, ela tem de estar intimamente ligada ao aperfeiçoamento da escola (Fullan, 19921). Assim, deve implicar a formação do pessoal, 12
  • 13. enquanto equipa, não esquecendo, simultaneamente, a aprendizagem de cada indivíduo em particular. É importante considerar os seguintes dois elementos das acções de valorização profissional: o Seminário e o local e em que se realiza (Joyce,1991). O Seminário é a acção em que se processa a compreensão, em que se apresentam demonstrações e onde se proporcionam oportunidades de prática. No entanto, tal como já vimos, para que se realize o transfer das ideias e das competências adquiridas no Seminário para o local de trabalho (i.e., a sala de aula e a escola), não chega participar nele. A nossa experiência diz-nos que a capacidade de transfer para a prática diária da sala de aula exige um apoio em serviço. Isto implica mudanças no local de trabalho e na forma como se organiza a formação do pessoal nas escolas. Em particular, isto significa que deve existir uma oportunidade imediata para uma prática apoiada e para a colaboração entre colegas e condições que apoiem a experimentação. Não podemos concretizar estas mudanças no local de trabalho sem introduzir, na maior parte dos casos, alterações drásticas nas formas de organizar as nossas escolas. Em especial, implica que exista tempo para que os professores possam encontrar-se e entreajudar-se, em equipas e em partenariados, de modo a que possam explorar e desenvolver aspectos da sua prática. A tarefa das necessidades educativas especiais Quais são, portanto, as implicações das minhas sugestões acerca da forma como os professores e as escolas podem ser ajudados a progredir no sentido de procurarem formas de trabalhar mais inclusivas? Para além disso, o que tem isto tudo a ver com aqueles de entre nós que nos consideramos especialistas em necessidades educativas especiais? Em primeiro lugar, verifica-se que tornar uma escola mais inclusiva não é uma tarefa fácil. Embora eu tenha sugerido, através da análise que apresentei, que existem determinadas condições que parecem apoiar esta evolução, estas não estão suficientemente consolidadas nas organizações e podem estar, mesmo, ausentes. O que é necessário, segundo julgo, é uma reorientação significativa dos recursos e dos esforços, de modo a transformar as organizações que estão estruturadas no sentido de manter o status quo, em novas formas de trabalhar que apoiem actividades orientadas para o aperfeiçoamento. A criação de mecanismos que encoragem o aperfeiçoamento traz aos profissionais uma capacidade de verem de forma mais clara os seus objectivos e prioridades, produz um maior sentido de confiança e de enriquecimento e e desenvolve o desejo de experimentar respostas alternativas para os problemas da classe. Por esta razão, eu considero que os problemas das necessidades especiais devem ser vistos como parte integrante dum processo mais vasto de aperfeiçoamento da escola. Dito duma forma simples, isto significa que, ao progredir no seu todo, a escola passa a garantir maior apoio aos professores, no que respeita às respostas que dão aos alunos que sentem dificuldades na sua aprendizagem. Actuando deste modo, adopta uma forma de trabalhar que consiste essencialmente na “ reforma da educação regular de forma a torná-la mais abrangente” (Vislie, 1994). Para além disso, verifica-se que esta evolução irá constituir um benefício para todos os alunos. Quais são, então, os papéis dos especialistas neste mundo reconceptualizado das necessidades educativas especiais? Duma forma geral, parecem possíveis as três opções seguintes: 13
  • 14. . Permanência dos papéis - em que se respondemos àqueles alunos que se debatem com dificuldades, nas condições educativas existentes e, actuando deste modo, estamos provavelmente a contribuir para uma manutenção não intencional do status quo. . Papéis em mudança - em que respondemos àqueles alunos que sentem dificuldades, nas condições educativas existentes, procurando adaptar essas mesmas condições. . Papéis em desenvolvimento - em que respondemos aos alunos que se debatem com dificuldades, nas condições educativas existentes, através da mudança dessas condições, realizada a partir do trabalho com os colegas, fazendo surgir novas condições que possam facilitar a aprendizagem de todos os alunos. Estou perfeitamente consciente de que as pressões exercidas, em muitos países, sobre as escolas, como resultado de reformas centralizadas e mal concebidas, criam muitos dilemas em relação à decisão sobre qual é o mais adequado destes papéis. Para além disso, muitos dos que têm em mãos as tarefas das necessidades educativas especiais podem sentir que não possuem os conhecimentos e o apoio necessários para negociar com os colegas a introdução do novo papel “em desenvolvimento”. Pela minha parte, o meu próprio trabalho é guiado pelos tipos de argumentação apresentados nesta comunicação. Especificamente, estou a tentar trabalhar com as escolas e os professores na exploração de conexões possíveis entre as tarefas da valorização profissional dos professores, do desenvolvimento das escolas e das necessidades educativas especiais (Ainscow, 1995). No entanto, isto não é, de forma alguma, um caminho fácil de ser seguido. Ao nível pessoal, implica exigências consideráveis, levando-me a comprometer-me em campos teóricos desconhecidos e a colaborar com colegas que têm um muito maior conhecimento nestas áreas. Tudo isto pode, por vezes, levar a um sentimento de não ser competente, uma vez que as antigas ideias e técnicas relacionadas com uma carreira vivida no mundo estreito das necessidades educativas especiais surgem como grandemente redundantes no contexto da tarefa que tenho em mãos. No entanto, duma forma mais positiva, esta reconstrução das necessidades especiais fornece maravilhosas oportunidades de crescimento e de aprendizagem. Nesta ordem de ideias, o Congresso de Birmimgham proporciona-nos uma óptima oportunidade para nos apoiarmos uns aos outros no nosso aperfeiçoamento. Agradecimentos Quero agradecer aos meus colegas Maggie Balshaw, Susan Hart, Martyn Rouse e Judy Sebba que comentaram uma versão inicial desta comunicação. 14