Slides Lição 05, Central Gospel, A Grande Tribulação, 1Tr24.pptx
Questões Teóricas em Pesquisas de Linguas de Sinais
1. Questões Teóricas das Pesquisas
em Línguas de Sinais
9o TheoreTical issues in sign
language research conference
florianópolis, Brasil, Dezembro 2006.
Organizadoras
Ronice Müller de Quadros
Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos
2. Sumário
Apresentação 4
Arqueologia das Línguas de Sinais: Integrando Lingüística Histórica com
Pesquisa de Campo em Línguas de Sinais Recentes 22
Ted Supalla
Raízes, folhas e ramos – A tipologia de línguas de sinais 30
Ulrike Zeshan
Um estudo interlingüístico de segmentação da palavra em três línguas de sinais 52
Diane Brentari, Ronnie Wilbur
Revertendo os verbos reversos e seguindo em frente: sobre concordância,
auxiliares e classes verbais em línguas de sinais 65
Ronice Müller de Quadros, Josep Quer
Repensando classes verbais em línguas de sinais: O corpo como sujeito 82
Irit Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy Sandler
A realização morfológica dos campos semânticos 102
Irit Meir
Posse e existência em três línguas de sinais 117
Deborah Chen Pichler, Katharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina Milković,
Ronnie B. Wilbur, Martina Vulje, Ljubica Pribanić
Uma Comparação Lexical de Línguas de Sinais no Mundo Árabe 130
Kinda Al-Fityani, Carol Padden
Dêixis, anáfora e estruturas altamente icônicas: Evidências interlingüísticas
nas línguas de Sinais Americana (ASL), Francesa (LSF) e Italiana (LIS) 140
Elena Pizzuto , Paolo Rossini , Marie-Anne Sallandre, Erin Wilkinson
3. Tipos de Representação em ASL 159
Paul G. Dudis
Estudos de aquisição de línguas de sinais: passado, presente e futuro 191
Diane Lillo-Martin
Modalidade e Aquisição da Língua: Estratégias e Restrições na
Aprendizagem dos primeiros sinais 211
Richard P. Meier
Aquisição de concordância verbal em HKSL: Opcional ou obrigatória? 225
Gladys TANG, Scholastica LAM, Felix SZE, Prudence LAU, Jafi LEE
Aquisição bilíngüe da Língua de Sinais Alemã e do alemão escrito:
Ausência de sincronia no desenvolvimento e contato com a língua 249
Carolina Plaza Pust, Knut Weinmeister
Gesticulação e aquisição da ASL como segunda língua 275
Sarah Taub, Dennis Galvan, Pilar Piñar, Susan Mather
Variação na língua de sinais americana: o papel da função gramatical 286
Ceil Lucas e Robert Bayley
Variação Sociolingüística em Numerais da NZSL 314
David McKee, Rachel McKee, George Major
Imagens da Identidade e Cultura Surdas na Poesia em
Línguas de Sinais 329
Rachel Sutton-Spence
O sinalizante nativo não-(existente): pesquisa em língua de sinais
em uma pequena população surda 340
Brendan Costello, Javier Fernández e Alazne Landa
Reflexões sobre a língua de sinais e a cultura surda em ambientes de
comunicação mediada por computador (CMC): explorações e considerações iniciais 356
Maria Mertzani
Glossário 370
4. Apresentação
É com prazer que apresentamos à comu- representadas pela Profª Drª Ronice Muller
nidade científica brasileira Questões Teóricas de Quadros e pela Profª Drª Maria Lúcia
das Pesquisa em Línguas de Sinais – resultado Vasconcellos, respectivamente. Oportu-
de uma seleção dos trabalhos divulgados no no mencionar que, estabelecendo de forma
TISLR 9 (Theoretical Issues in Sign langua- concreta a interface entre as duas áreas, a
ge Research 9) – 9º Congresso Internacional St. Jerome Publishing Ltd. (www.stjerome.
de Aspectos teóricos das Pesquisas nas Lín- co.uk), uma das mais importantes editoras
guas de Sinais – sediado pela Universidade especializadas em publicações em Estudos da
Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianó- Tradução, acaba de lançar o volume 1 de sua
polis, SC, em dezembro de 2006. O TISLR, mais recente série, THE SIGN LANGUAGE
evento internacional de maior importância TRANSLATOR AND INTERPRETER (ISSN
em estudos de línguas de sinais, reuniu pes- 1750-3981): um dos artigos centrais do volu-
quisadores de 33 países com várias línguas me (Nadja Grbic, 2007, pp.15-51) apresenta
de sinais, trabalhando a partir de diferentes uma análise bibliométrica da pesquisa publi-
arcabouços teóricos e metodológicos. Essa 9º cada sobre interpretação de línguas de sinais,
edição do evento se voltou, especificamente, selando, de forma definitiva, a relação entre a
para um mapeamento das pesquisas em Es- pesquisa em línguas de sinais e os estudos de
tudos das Línguas de Sinais desde a década tradução e interpretação. Essa série re-afir-
de 60 até 2007; assim sendo, nada mais opor- ma, sobretudo, a importância da tradução em
tuno do que compartilhar, com pesquisado- seu papel de refletir e, até mesmo, criar valores
res e estudantes brasileiros, o olhar reflexivo sociais e culturais, o que, no caso específico do
desse novo campo disciplinar sobre si mesmo presente volume - Questões Teóricas das Pes-
– evidência de sua maturação enquanto área quisas em Línguas de Sinais – consolida a pre-
específica de estudos – via tradução dos tex- sença do ser surdo não apenas no contexto so-
tos selecionados para a língua portuguesa na cial, mas na comunidade científica brasileira.
sua variante brasileira. O projeto tem relevância acadêmica e
O trabalho de produção deste volume social, uma vez que, ao trazer os textos na
foi resultado da cooperação entre duas áreas Língua Portuguesa para o contexto brasileiro
de especialização, quais sejam, Estudos Sur- com reflexões sobre as pesquisas nas diversas
dos e Estudos da Tradução, áreas essas aqui línguas de sinais - cenário internacional - estará
5. Apresentação
oportunizando as análises comparativas contando com vários pesquisadores integrantes
entre as diferentes línguas de sinais, bem destes programas.
como contribuindo para a circulação do Maria Lúcia Vasconcellos vem desenvol-
saber teórico nesta área específica, a partir de vendo pesquisa em Estudos da Tradução desde
iniciativa da UFSC. Os textos traduzidos para início da década de 90, interessando-se, de
este volume inauguram vários temas sobre as forma especial pela linguagem da tradução,
línguas de sinais no Brasil, possibilitando a o que vem explorando por meio de pesquisa
socialização de discussões teóricas, bem como de cunho descritivo, pelo viés da Lingüística
a disseminação de terminologias específicas Sistêmico-Funcional hallidayana e por meio
em português dessa área de investigação. de atividades de formação de tradutores/as,
Ronice Müller de Quadros vem desenvol- nos cursos de Licenciatura e Bacharelado em
vendo pesquisas no campo dos Estudos Surdos Letras/Inglês, do Centro de Comunicação e
desde 1995, dedicando-se especialmente Expressão – CCE, da UFSC. A tradução deste
aos estudos da aquisição da língua de sinais volume resultou do trabalho de uma equipe de
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
no sentido de elucidar questões relativas à tradutores coordenada pela Profª Maria Lúcia,
estrutura da Língua Brasileira de Sinais. O in- que contou com a participação de um docente
teresse especializado pela Língua Brasileira da UEL – Universidade Federal de Londrina
de Sinais possibilitou o projeto de formação (Dr. Lincoln P. Fernandes, também membro do
de professores surdos, professores bilíngües colegiado do Programa de Pós-Graduação em
e tradutores e intérpretes de língua de sinais Estudos da Tradução - PGET) e graduandos,
tanto no nível da graduação, como no nível da mestrandos e doutorandos que trabalham sob a
pós-graduação. Na graduação, a Profa. Ronice supervisão da Profª Maria Lúcia, no Programa
coordena o primeiro Curso de Licenciatura de Estudos da Tradução/PPGET, no Programa
em Letras Língua Brasileira de Sinais que obje- de Pós-Graduação em Inglês/ PPGI e nos cursos
tiva formar professores de língua de sinais, de Graduação em Letras.
oferecido pela Universidade Federal de Santa O método de trabalho incluiu a formação
Catarina (UFSC). Este curso será reeditado da equipe de tradutores, a formação da equipe
com uma nova turma de Licenciatura e passará de revisores, a definição dos consultores para
a ofertar o Bacharelado, sendo que este último questões terminológicas (Ronice Quadros
objetiva formar os tradutores e intérpretes de trabalhando como consultora “natural” do
Língua Brasileira de Sinais, contemplando mais projeto), bem como a definição de procedi-
oito estados brasileiros. No total, o curso estará mentos de tradução a serem adotados e a seleção
formando 950 professores e 450 tradutores do programa de apoio à tradução (PAT) a ser
e intérpretes de língua de sinais até 2011. usado nos trabalhos.
Além deste curso, a Profa. Ronice coordena o Valem algumas palavras sobre o Programa
Inter-Programa de formação de professores de Apoio à Tradução (PAT) selecionado para
e pesquisadores com 14 alunos de mestrado os trabalhos. O PAT utilizado, no nosso caso
e dois alunos de doutorado com pesquisas específico, foi o Wordfast Versão 5.5 (www.
sobre a língua brasileira de sinais em diferentes wordfast.net), um sistema de memória de
programas, Programas de Pós-Graduação em tradução criado por Yves Champollion (para
Literatura, de Pós-Graduação em Lingüística uma avaliação detalhada do Wordfast ver,
e de Pós-Graduação em Estudos da Tradução, Nogueira & Nogueira, 2004 – www.cadernos.
6. Apresentação
ufsc.br/online/volume14.html). Não é nosso (ver Halliday, 2001, “Towards a theory of
objetivo detalhar o funcionamento desse a ‘good’ translation”) do texto de partida,
programa; entretanto, salientamos o fato anteriormente textualizado em outra língua.
de que, com o uso do Wordfast, os ganhos A noção de tradução como retextualização
de produtividade foram grandes, sobretudo foi proposta por Coulthard (1986, 1992) e
pelo fato de o trabalho ter sido feito com um explorada por Costa (1992), que desenvolveu
conjunto de artigos sobre o mesmo tema o seguinte argumento: “por meio de tradução,
(pesquisa em línguas de sinais) e por ter sido um dado texto adquire sua expansão máxima,
desenvolvido por uma equipe de tradutores: o uma vez que transcende os limites lingüísticos
processo exigiu uma rigorosa uniformização dentro dos quais foi concebido” (p. 138,
terminológica, o que foi possibilitado por tradução nossa), tornando-se o ponto de
meio dos recursos de memórias de tradução partida que possibilita ao tradutor produzir
e criação de glossários, disponibilizados pelo um novo texto no contexto tradutório
Wordfast. da chegada: aqui sua mais importante
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
Cumpre ressaltar que o projeto de decisão instala-se na dimensão do o que e
tradução de Questões Teóricas das Pesquisas para quem retextualizar. As implicações e
em Línguas de Sinais contribuiu, de forma conseqüências de tais decisões irão afetar a
substancial, como laboratório para os seleção de significados a serem realizados e
tradutores-em-formação da UFSC. A partici- a configuração textual da tradução. Decidir
pação em um projeto real de tradução – em ‘o que’, ‘para quem’ e, adicionamos, ‘como’,
todas as suas etapas, desde o contato inicial são as dimensões que vêem por informar a
entre as coordenadoras, passando por todas definição das características textuais de um
as etapas intermediárias, incluindo o processo texto a ser traduzido, em um dado contexto
negociação de significados e de revisão e, tradutório (Vasconcellos, 1997).
finalmente, de entrega do produto à Editora Nesse sentido, os procedimentos adotados
Arara Azul – constituiu uma oportunidade neste trabalho de tradução estão intima-
didática única que veio por desenvolver, mente ligados às convenções que regem a
nos tradutores-em-formação, uma noção de produção de textos do tipo específico aqui
profissionalismo que, de outra forma, não trabalhado – textos acadêmicos escritos
teriam adquirido. – no contexto de chegada. No contexto dos
No que tange o conceito de tradução procedimentos de tradução, é importante
que informou os trabalhos, entende-se destacar três preocupações que permearam
tradução como uma nova produção textual os trabalhos: (I) a adoção de convenções
- certamente vinculada a uma produção genéricas do contexto de chegada; (II) o
textual anterior - em novo contexto, em uma uso de nominalizações; e, (III) o uso de
nova língua. Nesse sentido, e em termos do procedimento ‘explicitação’.
arcabouço teórico hallidayano, entendemos a No que diz respeito ao item (I), o gênero
tradução como uma re-textualização, ou seja, em questão é artigo acadêmico, que, no con-
embora em uma nova configuração vinculada texto brasileiro (ocidental?), segue a tradição
ao novo contexto lingüístico e cultural hegemônica da escrita acadêmica veiculada
de recepção, o texto traduzido sempre se em inglês, caracterizada por um uso de lin-
relaciona, no mínimo, ao conteúdo ideacional guagem dita ‘objetiva’, tipicamente despida de
7. Apresentação
colorido ‘emocional’ (ver Bennett, 2007). Em- Com relação ao item (III), o procedi-
bora estejamos cientes da ideologia embutida mento conhecido como ‘explicitação’ é uti-
nesse tipo de ‘receita’ de discurso - que exclui lizado no sentido a ele atribuído por Blum-
a circulação de conhecimento veiculada de Kulka (1986, p. 21): “... redundância semân-
forma não canônica - optamos por seguir essa tica ausente no original”, ou seja, explicações
convenção. Entretanto, uma vez que a natu- contextualizadoras que objetivam a leitura-
reza da interface em que Questões Teóricas das bilidade do texto, tendo em vista os leitores
Pesquisas em Línguas de Sinais foi produzido pretendidos. Inclui-se como ‘explicitação’ o
– Estudos Surdos/Estudos da Tradução – é ine- uso de vários recursos, desde recursos coe-
rentemente não-essencialista e busca o encon- sivos explícitos, até a adição de segmentos
tro do “outro”, tentamos relativizar esse poder mais longos, ou glosas explicativas para con-
do discurso hegemônico da escrita acadêmica, ceitos ou para ‘empréstimos’. A adoção des-
respeitando as diferenças culturais manifestadas se procedimento, que Blum-Kulka (ibid.)
no discurso dos artigos aqui agrupados. Como sugere ser um dos ‘universais’ da tradução,
resultou em um maior número de palavras
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
ilustração, citamos o artigo de Kinda Al-Fityani
e Carol Padden, “Uma Comparação Lexical de nos textos traduzidos, como pode ser ates-
Línguas de Sinais no Mundo Árabe”, cujo estilo tado pelos dados gerados pelo programa
metafórico, não usual em papers acadêmicos do de apoio ao tradutor utilizado – Word Fast.
mundo ocidental, foi considerado na produção Como ilustração, citamos os dados referen-
do texto traduzido, numa tentativa de levar em tes ao texto de Al-Fityani et al, nas Tabelas
conta sua heterogeneidade discursiva e marcar 1 e 2 abaixo:
sua dimensão cultural.
C:Documents and SettingslautenaiAl-Fityani_Padden_EN.doc
Quanto ao item (II), uma questão central
Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes.
que permeou os trabalhos de tradução diz
Analogy segments words char. %
respeito ao fato de os textos em sua configu- Repetitions 10 15 90 0%
ração no pólo de partida - inglês - terem sido 100% 0 0 0 0%
“escritos-para-serem-falados”, já que foram 95%-99% 0 0 0 0%
produzidos para serem apresentados no for- 85%-94% 0 0 0 0%
mato “palestras” e/ou “comunicações”, no 75%-84% 0 0 0 0%
_0%-74% 313 4601 28774 100%
TISLR 9. Na produção dos textos traduzidos,
Total 323 4616 28864
o ‘modo’ do discurso (ver ‘modo’ do discur-
(character
so, como uma das variáveis do conceito de count includes
spaces)
‘registro’, em Halliday, 1989) – “escrito-para-
ser-falado” – mudou, então, para “escrito- Tabela 1: Dados gerados a partir do texto-fonte
para-ser-lido”, o que lhe conferiu algumas
características não presentes em textos ditos Como é possível observar nos segmentos
orais (Koch, 1997, p. 62), como, por exemplo, salientados em negrito nas tabelas 1 e 2, o nú-
maior elaboração, densidade informacional, mero de palavras do texto-fonte corresponde
complexidade oracional (sobretudo com o a 4616, enquanto o número de palavras do
uso de orações complexas e subordinação), texto-alvo corresponde a 5038 ocorrências,
uso de voz passiva, densidade lexical e uso de variação quantitativa essa que se constitui
nominalizações nas traduções. como um dos parâmetros para aferir a uti-
8. Apresentação
lização do procedimento de ‘explicitação’ na (III) problemas de língua e estilo (fluência,
tradução. adequação ao público-alvo, uso de registro
apropriado ou sub-língua, uso apropriado
C:Documents and SettingslautenaiAl-Fityani_Padden_PT.doc de expressões idiomáticas, uso apropriado da
Scanned: document, footnotes, headers/footers, textboxes. “mecânica” da escrita, envolvendo pontua-
Analogy segments words char. %
ção, espaçamento, tipicidades editoriais); e,
Repetitions 102 329 2053 7%
finalmente, (IV) problemas de apresentação
100% 0 0 0 0%
95%-99% 0 0 0 0%
da tradução (layout, tipografia, organização).
85%-94% 0 0 0 0% Nos trabalhos de revisão de Questões Teóri-
75%-84% 0 0 0 0% cas das Pesquisas em Línguas de Sinais, a re-
_0%-74% 226 4709 29083 93% visão do tipo “Grupo A” – cotejamento com
Total 328 5038 31136 o texto-fonte – foi feita pelos coordenadores
(character count
includes spaces) de cada uma das quatro equipes de tradução,
pela equipe de revisão e pela coordenado-
Tabela 2: Dados gerados a partir do texto-alvo
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
ra geral; a revisão do tipo “Grupo B” leitu-
ra apenas do texto alvo – foi feita por esses
Ressalta-se o trabalho dos revisores dessa coordenadores, pela equipe de revisão e pela
edição. O trabalho de revisão foi informa- coordenadora geral da tradução e, em última
do pelos parâmetros de revisão sugeridos por instância, legitimada pela coordenadora do
Mossop 2001 (Editing and Revising for Trans- Projeto Libras, Ronice Müller de Quadros,
lators, St. Jerome, United Kingdom). Mossop sobretudo quanto à questão da terminolo-
(ibid. pp. 100-112) sugere seus parâmetros a gia a ser adotada. Buscou-se, assim, garantir
partir de pesquisa empírica sobre o que ele uma tradução que atendesse aos anseios de
chama de “tipos de erros mais comuns” em seu público-alvo, a saber, pesquisadores, es-
tradução. Embora o autor utilize o termo tudantes e todos interessados em uma visão
“transferência” – do qual discordamos, por teórica dos estudos de língua de sinais.
não ser compatível com a noção de tradução As organizadoras do volume estão cien-
aqui adotada, como produção textual e não tes de sua responsabilidade no que tange à
como transferência de significados – para seleção dos textos aqui organizados e o traba-
descrever as ocorrências de erros, ele conse- lho de sua tradução, bem como da relevância
gue sistematizar os problemas tipicamente do presente volume em termos da dissemi-
encontrados e sugerir soluções para sua re- nação de terminologia a ser utilizada pela co-
visão. Os problemas elencados são de quatro munidade científica da área, em língua por-
tipos, sendo divididos em dois grandes gru- tuguesa. No mínimo dois motivos atestam a
pos de trabalho de revisão, a saber: Grupo A relevância de Questões Teóricas das Pesquisas
– que envolve leitura comparativa ou coteja- em Línguas de Sinais: (I) as traduções aqui
mento do texto-fonte com o texto-alvo: (I) apresentadas foram utilizadas como ‘texto-
problemas de ‘transferência’ de significado fonte’ para a tradução ‘indireta’ para Libras;
(precisão; totalidade); (II) problemas de con- e (II) os termos aqui que escolhemos “pro-
teúdo (lógica e fatos); Grupo B – que envolve duzir” irão, certamente, influenciar a produ-
leitura unilingual, ou seja, já apenas do texto- ção e consumo de conhecimento na área, no
alvo enquanto entidade com status próprio; contexto brasileiro. Krieger Finatto (2004)
9. Apresentação
apontam, com propriedade, a importância aqui publicados, com vistas a facilitar a comu-
do processo denominativo para as atividades nicação na área, em termos de oferta de uma
de conceitualização de uma área, explicando linguagem a ser compartilhada por pesquisa-
o papel das terminologias na fixação e na cir- dores e estudantes interessados em pesquisa
culação do saber científico: em línguas de sinais, no contexto de falantes
da língua portuguesa. Apresentamos, a seguir
O léxico temático configura-se, portan- e a título de ilustração, algumas soluções en-
to, como um componente lingüístico, não contradas na tradução de termos centrais (para
apenas inerente, mas também a serviço de mais detalhamentos, favor consultar o glossário
comunicações especializadas, posto que os oferecido no final deste volume). Esclarecemos
termos transmitem conteúdos próprios de que as decisões quanto aos procedimentos
cada área. Por isso, os termos realizam duas adotados foram inspiradas pelo conjunto de
funções essenciais: a de representação e a de possíveis estratégias tipicamente utilizadas por
transmissão do conhecimento especializado. tradutores profissionais elencadas por Baker
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
(2004, p. 17) (1992, p. 34). Em alguns casos, a decisão das
organizadoras do volume, em negociações com
É nesse contexto que Questões Teóricas das a equipe de tradução, foi fazer uso de “emprés-
Pesquisas em Línguas de Sinais busca oferecer timos” – introduzindo, em português, o termo
uma contribuição, por meio da construção e em sua configuração morfológica na língua de
apresentação de um glossário – aqui definido partida, o inglês, muitas vezes com o acom-
como “... repertório de unidades lexicais de panhamento de uma glosa, como foi o caso,
uma especialidade” (Krieger Finatto, 2004, por exemplo, de “línguas pro-drop (línguas de
p. 51), que reflete um panorama da produção sujeito nulo)” (Quadros Quer) (ver métodos
e do pensamento nacional e internacional de tradução em Vinay Darbelnet 1958/1995,
da pesquisa em línguas de sinais, conforme pp.30-40). Em outros casos, uma tradução
manifestada nos textos selecionados para literal, como em “body-anchored verbs”, em
compor Questões Teóricas das Pesquisas em cuja tradução foram feitos, apenas, ajustes
Línguas de Sinais – base de dados para o corpus devidos aos diferentes sistemas lingüísticos,
textual - centrando-se no léxico especializado nesse caso, mudança na ordem das palavras:
e freaseologias típicas da área. O pesquisador “verbos ancorados ao corpo” (Meir). Outra
responsável pela elaboração do glossário solução comumente adotada foi a recriação, em
apoiou-se em ferramentas eletrônicas: Word- português, de um termo em inglês, de tal forma
Fast, o programa de memória de tradução a explicar o sentido implícito na expressão da
utilizado e a suíte de programas WordSmith língua fonte, como em “bilingual bootstrap-
Tools, um software de análise lexical para ping” (que sugere sucesso e facilidade, por um
PCs, criado por Mike Scott e publicado pela indivíduo, no processo de aquisição bilíngüe,
Oxford University Press desde 1996, agora em com pouca ou nenhuma ajuda externa), retex-
sua versão beta 5.0 (esclarecemos que a versão tualizado como “desencadeamento bilíngüe”
utilizada foi a 4.0). (Pust e Weinmeister).
O glossário, organizado em ordem alfa- Finalmente, cumpre observar que os
bética, buscou representar os termos-chave e termos do glossário são apresentados com
conceitos que se fizeram presentes nos artigos ilustração, a cada entrada, de sua ocorrência
10. Apresentação
nos textos, tanto texto-fonte como texto-alvo, devido aos processos lingüísticos de mudan-
para facilitar seu entendimento em seu habitat ça, mas talvez devido à natureza das próprias
natural. línguas de sinais. O autor explora essas formas
Resta, finalmente, apresentar os trabalhos que, como apontado por ele, incluem apon-
que compõem Questões Teóricas das Pesquisas tadores espaciais, direção de movimento do
em Línguas de Sinais. Os artigos selecionados verbo como um marcador de concordância e
representam diferentes áreas da lingüística, o uso de configurações de mão classificadoras.
bem como suas possíveis interfaces. Os temas Como resultado de pesquisa interlingüística
abordados anunciam novas perspectivas nos envolvendo 15 línguas de sinais que surgi-
estudos das línguas de sinais de questões que ram naturalmente em diferentes partes do
são vistas e revistas, além de temas completa- mundo, Supalla consegue mostrar que todas
mente originais. Os artigos dos palestrantes as línguas utilizam localização e movimento
convidados, Ted Supalla, Ulrike Zeshan, Paul através do espaço de maneira similar, para
Dudis, Diane Lillo-Martin e Richard Meier marcar concordância gramatical com o su-
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
estabeleceram uma divisão “natural” entre as jeito e o objeto e, com base nesses resulta-
temáticas abordadas. Iniciamos com uma vi- dos, sugere que, devido a essas semelhanças
são histórica dos estudos das línguas de sinais, entre línguas de sinais não relacionadas,
partimos para as análises no campo da fono- falantes de línguas de sinais mutuamente
logia, morfologia, sintaxe e semântica; vamos ininteligíveis são capazes de desenvolver
para o bloco das interfaces da lingüística com um pidgin sinalizado (denominado sinal
outros campos de investigação, com um foco internacional) que conserva tais estruturas
nos estudos de aquisição da língua de sinais, morfológicas. Finalmente, observa que, na
além de outras interfaces. Estes textos repre- pesquisa histórica e comparativa, é possível
sentam algumas possibilidades das temáticas observar tanto processos de divergência,
a serem investigadas na Língua Brasileira de quanto de convergência entre línguas de
Sinais. Portanto, apresentam, de certa forma, sinais internacionais e tanto os processos
impacto no desenvolvimento das pesquisas comuns a todas as línguas como processos
no Brasil. específicos às línguas de sinais.
O texto de abertura do volume, escrito A seguir, em “Raízes, folhas e ramos – A
por Ted Supalla – “Arqueologia da Língua de tipologia de línguas de sinais”, Ulrich Zeshan
Sinais: Integrando Lingüística Histórica com salienta o aumento de disponibilidade de da-
Pesquisa de Campo em Línguas de Sinais Jo- dos de várias línguas de sinais ao redor do
vens” – explora a interface entre a lingüística mundo como fator que possibilitou, pela pri-
histórica e a pesquisa de campo para mostrar meira vez na história da pesquisa em língua
a possibilidade de uma nova abordagem para de sinais, a ampliação do banco interlingüís-
a arqueologia da língua de sinais, por meio tico de dados para realizar estudos tipoló-
de um conjunto alternativo de ferramentas e gicos significativos entre línguas de sinais.
de uma explicação alternativa para as formas Sua contribuição para a discussão se dá em
atuais. Supalla argumenta que uma arqueo- termos de oferta de um estudo que resume
logia deve reconhecer a existência de formas e exemplifica os importantes resultados que
pré-determinadas comuns ao longo da história emergiram da pesquisa comparativa e siste-
10 das línguas de sinais que podem surgir não mática de línguas de sinais ao longo dos últi-
11. Apresentação
mos anos. Zeshan faz um passeio descritivo que informam o estudo são: Hipótese 1 - os
e analítico, em oposição a um mero relatório sinalizantes demonstrarão maior sensibilida-
sistemático e exaustivo de todo o campo de de com informações simultâneas e restrições
estudo, examinando a nova sub-disciplina de fonológicas específicas da língua de sinais
tipologia de língua de sinais sob uma varie- (LS) – tais como a distribuição de configu-
dade de perspectivas. Observa, entre outras rações de mão (CMs), pontos de articulação
fontes, aquelas cuja confluência cria o cam- (PAs) e movimentos (Ms) – do que os não-
po de tipologia de língua de sinais (as “raí- sinalizantes; e Hipótese 2 – a natureza visual
zes”, nos termos da metáfora do título), as do sinal fará com que tanto falantes, como si-
diferentes maneiras de se fazer tipologia de nalizantes utilizem a informação em nível da
língua de sinais e as metodologias associadas palavra para seus julgamentos na LS, apesar
(os “ramos”) e alguns dados fascinantes e seu do fato de o trabalho em uma língua falada
significado tipológico e teórico (as “folhas”). mostrar que falantes estão pré-dispostos a
O autor organiza seu texto em quatro partes, usar seqüências de sílabas (por exemplo, o
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
que propõem: (i) apresentar a tipologia de pé) para fazer julgamentos de segmentação
língua de sinais, concentrando a atenção nos da palavra nas línguas faladas. A Hipótese
objetivos e metodologias da área; (ii) ilustrar 1 foi parcialmente confirmada: sinalizantes
os tipos de resultados que emergem dos estu- são mais sensíveis às informações simultâ-
dos interlingüísticos em línguas de sinais; (iii) neas no sinal do que não-sinalizantes. A Hi-
examinar exemplos dos resultados de estudos pótese 2 também foi confirmada: não-sina-
comparativos amplos, assim como dados de lizantes adaptaram-se às estratégias de LSs
línguas de sinais utilizadas em comunidades ao fazerem julgamentos de segmentação da
com surdez hereditária; e, finalmente, (iv) palavra na modalidade visual.
mostrar, no contexto de uma questão teori- Ronice Müller de Quadros e Josep Quer
camente importante a respeito da natureza revisam – em seu artigo “Revertendo os ver-
da linguagem humana na modalidade visu- bos reversos e seguindo em frente: sobre
al-gestual, como a ampliação do banco de concordância, auxiliares e classes verbais em
dados na tipologia de língua de sinais pode línguas de sinais” – as idéias principais das
conduzir a pontos teoricamente desafiado- diferentes abordagens sobre a concordância
res. Como consideração final, Zeshan chama verbal em LS e aperfeiçoam algumas delas,
a atenção do leitor para o impacto, para além contribuindo para uma caracterização mais
da lingüística, que a pesquisa em tipologia de precisa da concordância, da tipologia verbal e
língua de sinais tem em comunidades surdas, dos chamados predicados auxiliares nas LSs.
em todo o mundo. Ao revisitar a classificação tripartite padrão
O texto de Diane Brentari e Ronnie Wil- dos verbos da língua de sinais, que é baseada
bur faz um estudo interlingüístico de segmen- na suposição da diferença entre a concordân-
tação da palavra em três línguas de sinais, no cia exibida por verbos espaciais e aquela exi-
qual os autores analisam as estratégias de seg- bida por verbos de concordância, os autores
mentação da palavra utilizada em 3 grupos questionam essa diferença, mostrando que
de sinalizantes surdos (ASL, HZJ e ÖGS) e 3 os predicados espaciais que expressam mo-
grupos de ouvintes não-sinalizantes (falantes vimento e os verbos de concordância recor-
de Inglês, Croata e Austríaco). As Hipóteses rem ao mesmo tipo de elemento morfológico 11
12. Apresentação
para realizar o suposto tipo diferente de con- espacial), com argumentos pessoais (con-
cordância: TRAJETÓRIA (PATH). Confor- cordância de pessoa), ou ambos; (b) os pre-
me afirmam, a contribuição semântica desse dicados auxiliares podem concordar, apenas,
morfema nas duas classes seria essencialmen- com argumentos pessoais/animados (con-
te a mesma: em verbos espaciais, as posições cordância de pessoa); (c) os verbos reversos
(slots) iniciais e finais de TRAJETÓRIA estão são verbos lexicais manuais, cujas trajetórias
alinhadas com as localizações e, em verbos de são determinadas pela concordância espacial
concordância, estão alinhados com os loci de e não pela concordância de pessoa gramati-
sujeito e objeto. Visto que os verbos de con- cal; (ii) a concordância com traços locativos
cordância parecem denotar transferência de e de pessoa gramatical é, com freqüência, in-
um tema ou um sentido literal ou abstrato, distinguível na superfície, embora a estrutura
estabelece-se, então, a generalização semânti- do argumento de cada predicado imponha
ca que os espaços do morfema direcional de condições de licenciamento, em que o ar-
TRAJETÓRIA podem ser ocupados por pa- gumento-sujeito de um predicado manual
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
péis temáticos fonte e alvo em ambas as clas- deve ser licenciado pelo traço de pessoa; e,
ses de predicados. Para verbos espaciais, isso finalmente, (iii) existe, ainda, ambigüidade
é relativamente direto; para verbos de con- do locus como localização ou R-locus (por
cordância, fonte e alvo são restritos a [+hu- exemplo, TELL [dizer] com concordância de
mano], podendo, assim, ser renomeados pessoa gramatical vs. TELL com concordân-
como agente e benefactivo, respectivamente. cia locativa no argumento-ALVO), havendo
Quadros e Quer mostram que, por mais atra- necessidade de mais pesquisas para se de-
ente que esse quadro possa ser, ele também se terminar até que ponto um locus atribuído
depara com alguns sérios desafios, dentre os a um referente animado pode ser ambíguo,
quais, provavelmente, o mais explorado é o entre um locus de pessoa gramatical ou um
problema da subclasse dos verbos de concor- locus espacial.
dância chamados “reversos” (backwards): em Em “Repensando classes verbais em lín-
tais predicados, o alinhamento da trajetória guas de sinais: o corpo como sujeito”, Irit
não é com o sujeito e o objeto, mas com a Meir, Carol Padden, Mark Aronoff e Wendy
fonte e o alvo, o que resulta em uma trajetória Sandler lançam um novo olhar sobre a aná-
que vai do locus do objeto ao locus do sujei- lise tradicional das classes verbais em línguas
to. Para examinar essa questão e apresentar e de sinais. Para tanto, re-examinam o papel do
sustentar seus argumentos, os autores discu- corpo e das mãos nos diversos tipos de verbos
tem evidências recentes a partir da Língua de em ASL e ISL, voltam à classificação dos ver-
Sinais Brasileira (LSB) e da Língua de Sinais bos nessas línguas e oferecem uma maneira
Catalã (LSC). Os resultados de seus estudos alternativa de caracterizar estas classes: en-
demonstram que: (i) o quadro que emerge quanto a análise tradicional se concentra no
sobre concordância e classes verbais em LSs é papel das mãos na codificação das proprie-
substancialmente modificado, com relação às dades gramaticais relevantes (as mãos são o
suposições atuais, sendo possível afirmar que articulador ativo na língua de sinais e elas
(a) os verbos não simples (“espaciais” + “de concentram a maior parte da carga informa-
concordância”) podem, em geral, concordar cional contida no sinal), esses pesquisadores
12 com argumentos locativos (concordância propõem uma nova classificação dos verbos
13. Apresentação
em língua de sinais, observando não somen- nadas pelo campo semântico em que ele está
te o que as mãos fazem, mas o papel que o sendo usado. Meir é cauteloso ao deixar claro
corpo tem nas diferentes classes verbais. Afir- que não pretende sugerir a existência de um
mam que a análise por eles proposta apresen- morfema específico na língua que codifique o
ta vantagens, por ser capaz de explicar a pe- campo semântico ou indique o uso metafóri-
culiaridade tipológica da concordância ver- co. Ao invés disso, afirma, diferentes campos
bal em língua de sinais (a proeminência do semânticos possuem diferentes propriedades
objeto em relação ao sujeito na concordância morfológicas na LSI, refletidas nas proprie-
verbal) e a razão de algumas formas verbais dades morfológicas dos verbos utilizados
serem mais complexas que outras, em rela- nesses campos. No desenvolvimento de seu
ção à competição entre os diferentes papéis argumento, o autor analisa, primeiramente,
do corpo em diversos sub-sistemas da língua as várias manifestações dos campos semân-
e por conseguir fazer previsões interessantes ticos nas línguas faladas, para, a seguir, exa-
acerca da tipologia e avanços diacrônicos em minar as propriedades morfológicas de cada
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
línguas de sinais. O padrão ‘corpo como su- um dos campos na LSI e, então, investigar as
jeito’, mesmo sendo básico, como argumen- implicações da análise para a teoria lingü-
tam, é freqüentemente ofuscado por outros ística. A contribuição de Meir, no contexto
sistemas em línguas de sinais. Entretanto, dessa discussão específica, reside na explici-
uma vez que este padrão é reconhecido, ele tação, feita por ele, do significado teórico da
se torna uma ferramenta explicativa robusta realização morfológica desses campos se-
para um grande número de fenômenos inter- mânticos que, conforme demonstra, pode
linguais e intralinguais, explicando porque ser vista em três dimensões: (i) a aceitação
‘corpo como sujeito’ emerge como estratégia da realização morfológica desses campos se-
modelo em verbos de concordância de argu- mânticos preenche uma lacuna na relação
mento único, esclarecendo a complexidade entre semântica e morfologia, pois, como o
das formas de objeto em 1ª pessoa e, final- trabalho demonstra, a polissemia sistemática
mente, explicando a aparente supremacia do de itens lexicais usados em diferentes campos
objeto no sistema de concordância verbal em semânticos é codificada em uma língua trans-
línguas de sinais. mitida na modalidade visual-espacial, a LSI
No contexto de um questionamento e, muito possivelmente, também em outras
do fato comumente aceito de que a forma línguas de sinais; (ii) as formas morfológicas
morfológica de um verbo não reflete o cam- são, freqüentemente, levadas em conta como
po semântico em que ele está sendo usado, evidência para a existência da categoria se-
Irit Meir aponta uma lacuna na relação en- mântica específica expressa por essas formas
tre morfologia e semântica, em seu texto “A (por exemplo, a existência de morfemas em
Realização Morfológica dos Campos Semân- algumas línguas que expressam certas distin-
ticos”. Conforme ele argumenta, contrarian- ções semânticas - como telicidade - pode ser
do esse axioma, a Língua de Sinais Israelense interpretada como evidência de suporte para
(LSI), aqui investigada como uma represen- análises que assumem a existência de entes
tante das línguas de sinais em geral, constitui primitivos semânticos correspondentes a tais
uma língua em que as propriedades morfo- distinções; de modo similar, as diferenças
lógicas de um verbo refletem e são determi- morfológicas entre as classes verbais em dife- 13
14. Apresentação
rentes domínios semânticos na LSI podem ser dada na literatura sobre a língua falada, mas
interpretadas como suporte para teorias que ainda não investigada em dados relativos a
assumem a existência dos campos semânticos línguas de sinais. Por fim, discutem as evi-
e as propriedades morfológicas dos diferentes dências de uma natureza locativa subjacente
campos podem oferecer uma perspectiva me- às construções possessivas e existenciais na
lhor sobre suas propriedades); (iii) as distin- ASL, na ÖGS e na HZJ, geradas a partir dos
ções morfológicas entre os campos semânti- dados analisados. Ao analisar seus dados, os
cos, que uma vez identificadas, podem apoiar autores observam semelhanças entre essas
uma análise específica em detrimento de três línguas quanto às estruturas sintáticas
outra (por exemplo, no contexto da contro- empregadas para expressar posse e existên-
vérsia existente com relação ao fato de verbos cia, bem como uma visível restrição com re-
de MDE serem de natureza semelhante aos lação a quais dessas estruturas podem ocorrer
verbos de mudança de localização). com possuidores inanimados e certos casos
O estudo de Deborah Chen Pichler, Ka- de posse inalienável (por exemplo, posse de
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
tharina Schalber, Julie Hochgesang, Marina parte do corpo). Os autores explicam tal res-
Milković, Ronnie Wilbur, Martina Vulje trição por haver possibilidade de ela decorrer
e Ljubica Pribanić – “Posse e existência em do fato de que a posse é, em sua expressão
três línguas de sinais” – descreve, compara mais canônica, uma relação entre um pos-
e documenta construções possessivas e exis- suidor animado e um possessum inanimado
tenciais em três línguas de sinais: Língua de e que essa relação particular é enfatizada pelo
Sinais Americana (ASL), Língua de Sinais pronome POSS explícito. Os autores cha-
Austríaca (ÖGS) e Língua de Sinais da Cro- mam a atenção para (i) as características lo-
ata (HZJ). Os autores observam as similari- cativas ou espaciais subjacentes às estruturas
dades estruturais em construções possessivas existenciais e possessivas observadas na ASL,
e existenciais nas três línguas, bem como as na ÖGS e na HZJ, sobretudo no que se refere
restrições semânticas nos tipos de ‘possuidor’ aos mecanismos alternativos para expressar
e de ‘possessum’ permitidos. Apontam, ain- posse (envolvendo uma apontação em dire-
da, evidências para uma relação subjacente ção ao locus do possuidor ou um movimen-
entre possessivos, existenciais e locativos, si- to do sinal do possessum em direção ao locus
milar ao que é relatado sobre muitas línguas do possuidor) e para (ii) a natureza também
faladas. Inicialmente, fazem uma descrição espacial da expressão de existência por meio
geral das construções relevantes produzidas do estabelecimento de construções de figu-
pelos participantes de seu projeto, que in- ra-base, nas quais a base é codificada como
clui uma comparação de características sin- locação e a figura como o objeto ao qual se
táticas e semânticas de diversas construções atribui existência. Por fim, apontam uma
possessivas nas três línguas em estudo, obser- evidência diacrônica secundária das origens
vando a ocorrência de padrões semelhantes locativas do verbo existencial/possessivo usa-
nos corpora utilizados. Em seguida, discutem do na ÖGS e de um verbo existencial na HZJ.
a noção de que as construções possessivas e Os autores fecham seu artigo reconhecendo
existenciais são sintaticamente relaciona- a necessidade de cuidado ao se aplicar aná-
das, não apenas entre si, mas também com lises originalmente desenvolvidas para dados
14 as construções locativas, noção essa consoli- de línguas faladas para as línguas de sinais,
15. Apresentação
deixando claro, entretanto, sua crença que de sinais são línguas distintas, em oposição a
as atuais evidências da natureza locativa de dialetos e não são relacionadas historicamen-
(certas) estruturas possessivas e existenciais te, podendo, assim, as similaridades em seus
na ASL, na ÖGS e na HZJ são suficientemen- vocabulários serem atribuídas aos valores
te convincentes para merecer uma investiga- culturais comumente compartilhados e aos
ção rigorosa. repertórios gestuais.
No cenário de uma descrição das lín- Elena Pizzuto, Paolo Rossini, Marie-
guas de sinais do Oriente Médio, o trabalho Anne Sallandre e Erin Wilkinson exploram
de Kinda Al-Fityani e Carol Padden explora – em “Dêixis, anáfora e estruturas altamente
a possibilidade de existência de uma relação icônicas: Evidências interlingüísticas nas Lín-
entre as línguas de sinais da região, por meio guas de Sinais Americana (ASL), Francesa
das estatísticas lexicais – um método de com- (LSF) e Italiana (LIS)” – fatores tipológicos,
paração de vocabulário entre as línguas de supostamente específicos de línguas de sinais,
sinais para determinar o tipo de extensão da que afetam a dêixis e a anáfora nessa modali-
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
relação lingüística. Os autores apontam pelo dade. Nesse contexto, o objetivo dos autores
menos três circunstâncias simultâneas que é definir as estruturas dêitico-anafóricas como
afetam a distribuição das línguas de sinais na recursos de coesão textual que permitem a fa-
região: (i) as tradições de casamento comuns, lantes ou sinalizantes introduzir referentes no
segundo as quais a existência de casamentos discurso (dêixis) e, subseqüentemente, referir-
consangüíneos tem levado a altas freqüências se a eles em momentos posteriores (anáfora).
de caracteres recessivos, em termos de sur- O estudo oferece evidências relevantes, a par-
dez hereditária; (ii) as circunstâncias sociais tir de um exame comparativo de narrativas
e culturais no mundo árabe que, de algum curtas produzidas nas três línguas de sinais;
modo, propiciam mais oportunidades para amostras analisadas permitiram, também,
se aprender a língua de sinais desde o nasci- avaliar, ainda que parcialmente, a influência
mento, talvez em função de incidência mais das relações entre as línguas sobre os fenô-
alta de surdez genética; e, (iii) as circunstân- menos investigados. A atenção da pesquisa
cias culturais, sociais, políticas e econômicas, está concentrada em duas grandes classes de
que levam as línguas de sinais no mundo recursos de referência dêitico-anafórica, no
árabe a serem mais propensas ao isolamento contexto de línguas de sinais: (i) a classe ‘pa-
umas das outras – aqui incluídos os costumes drão’, já amplamente investigada, realizada
relacionados ao casamento no mundo árabe por meio de apontações manuais e visuais que
e os fatores políticos das regulamentações estabelecem posições marcadas no espaço (os
da imigração entre os países árabes que, por “loci”), às quais os referentes podem ser sim-
dificultarem a migração, favorecem o desen- bolicamente atribuídos; e, (ii) a classe de com-
volvimento de línguas de sinais isoladas. Os plexas unidades manuais e não-manuais que
autores concluem que, dada a tradição de en- exibem características altamente icônicas e são
dogamia no mundo árabe, o que leva a altas marcadas por padrões específicos do olhar,
taxas de surdez genética, é muito provável que aqui referidas como Estruturas Altamente Icô-
tenha havido uma longa história de línguas nicas (EAI) ou ‘Transferências’. Além dos pa-
de sinais na região. Como mostram os resul- drões específicos do olhar, os autores apontam
tados de sua pesquisa, muitas dessas línguas outros elementos que compõem as EAIs: (a) 1
16. Apresentação
formas manuais que codificam características contribui para uma categorização mais rigo-
perceptivelmente salientes das relações entre rosa dos vários tipos de representação obser-
os referentes e o referencial, identificadas na li- vados no discurso em ASL, o que, por sua vez,
teratura sobre LS sob diferentes termos: “clas- leva a um maior entendimento de questões
sificadores”, “morfemas produtivos”, sinais que envolvem a representação, dentre as quais
“polissintéticos” ou “multicomponenciais”; e, a relação entre a representação de um evento
(b) expressões faciais marcadas e/ou modifi- que envolve um sujeito e os sinais produzidos
cações na direção da cabeça, dos ombros e do durante a representação.
tronco, tipicamente identificadas na literatura Diane Lillo-Martin, no artigo “Estudos
como “recursos de troca de papéis”. Conforme de aquisição de línguas de sinais: passado,
concluem, diferentes subtipos de EAIs podem presente e futuro”, organiza uma apresenta-
ser combinados entre si, ou com sinais padrão, ção das investigações no campo da aquisição
para codificar simultaneamente informações da linguagem com crianças adquirindo algu-
referentes a dois (ou até mais) referentes, per- ma língua de sinais, produzida nos últimos 20
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
mitindo assim uma especificação multilinear anos. A autora propõe esta revisão consideran-
da referência dêitico-anafórica, que parece ser do algumas categorias para a sua apresentação,
exclusiva da modalidade visual-gestual. uma vez que estes estudos tiveram diferentes
Discutindo o papel do corpo e do espaço enfoques ao longo de suas produções. Alguns
ao seu redor na representação de cenários, ob- estudos ocuparam-se de analisar o processo de
jetos e eventos no discurso da ASL, Paul Dudis aquisição da língua de sinais em crianças sur-
- no artigo intitulado “Tipos de Representação das, filhas de pais surdos, ou seja, em ambien-
em ASL” – mostra como, se demonstrado que tes de aquisição espontânea da língua de sinais.
os verbos e as construções da ASL têm com- Tais estudos verificaram que essas crianças ad-
ponentes representando traços semânticos, a quirem a língua de sinais nos mesmos estágios
representação se torna o foco da análise gra- de aquisição observados em quaisquer línguas.
matical, na perspectiva lingüística cognitiva Esses resultados estabeleceram o paralelo entre
a que ele se afilia. Conforme aponta Dudis, a aquisição de línguas de sinais e de línguas fa-
a abordagem estabelecida no artigo, iniciada ladas. A partir desta conclusão, os estudos co-
por outros lingüistas cognitivos que investi- meçaram a enfocar aspectos da lingüística que
gam línguas de sinais, demonstra o potencial pudessem trazer contribuições para o desen-
de análises adicionais para elucidar o papel volvimento teórico da ciência. A busca pelos
da representação na gramática da ASL, dando efeitos da modalidade tornou-se importante,
suporte à visão que, embora existam algumas pois o fato de as línguas de sinais se apresen-
facetas da gramática da ASL que “submergem” tarem em uma modalidade visual-espacial
a iconidade, outras facetas existem onde a ico- poderia trazer contribuições relevantes para a
nicidade “emerge”. Uma análise minuciosa ciência lingüística. Percorrendo os 20 anos de
da representação usando padrões lingüísticos pesquisas produzidas nesta área, Lillo-Martin
cognitivos sugere que componentes adicio- apresenta algumas perspectivas para o desen-
nais se revelam nessas representações icônicas: volvimento de investigações no futuro, con-
o sujeito (ou o ‘eu’), o ponto de visualização tando com a presença mais efetiva de pesqui-
(vantage point ou V-POINT) e a progressão sadores surdos. Os estudos comparativos en-
1 temporal. A identificação desses componentes tre as diferentes línguas de sinais, bem como
17. Apresentação
as pesquisas tendo como interlocutores os servados em quaisquer crianças nesse perí-
pesquisadores de aquisição da linguagem em odo de aquisição.
geral, parecem ser passos importantes no fu- Gladis Tang, Scholastica Lam, Feliz Sze,
turo para a continuidade das investigações da Prudence Lau e Jafi Lee também trazem um
aquisição das línguas de sinais, além, é claro, estudo no campo da aquisição da linguagem
de contarmos com crianças adquirindo lín- com crianças surdas adquirindo uma língua
guas de sinais. de sinais. No artigo, “Aquisição de concor-
Um dos pesquisadores que deu início dância verbal em HKSL: Opcional ou obriga-
aos estudos da aquisição da língua de sinais tória?”, os autores apresentam uma análise de
é Richard P. Meier, que nos brinda com um uma questão gramatical que tem sido motivo
artigo sobre os efeitos da modalidade na de grande debate nos estudos lingüísticos das
aquisição da linguagem, um exemplo dos línguas de sinais, a questão da concordância
estudos mencionados por Lillo-Martin que, verbal. Considerando as categorias apresen-
também, integra Questões Teóricas das Pes- tadas por Lillo-Martin, a pesquisa realizada
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
quisas em Línguas de Sinais (TISLR9). No por estes autores apresenta a característica
seu artigo – “Modalidade e Aquisição da de desenvolver uma análise de um aspecto
Língua: Estratégias e Restrições na Aprendi- gramatical que poderá elucidar aspectos da
zagem dos primeiros sinais” – Meier apre- gramática das línguas de sinais e que podem,
senta um estudo realizado com crianças também, representar uma contribuição teó-
surdas adquirindo a língua de sinais muito rica para a lingüística. O trabalho apresentado
cedo, por volta dos oito meses. As primeiras por estes pesquisadores está baseado em um
produções das crianças, embora conside- estudo longitudinal com uma criança surda,
radas como os primeiros sinais produzidos adquirindo a língua de sinais de Hong Kong.
antes das primeiras palavras faladas produ- Os autores analisaram a produção de verbos
zidas pelas crianças adquirindo línguas fala- com concordância verbal, observando que
das, são, na verdade, combinações de mãos a aquisição desta categoria gramatical se dá
com movimentos paralelos às combinações tardiamente. Os autores verificaram erros de
dos primeiros sons produzidos pelas crian- omissão e comissão nesta criança traçando um
ças ouvintes expostas a uma língua falada. paralelo com os estudos que verificaram este
Nesse sentido, as crianças surdas balbu- mesmo padrão em outras línguas de sinais.
ciam por volta dos oito meses e começam Carolina Plaza Pust e Knut Weinmeis-
a produzir os primeiros sinais em período ter, em “Aquisição bilíngüe da Língua de Si-
análogo àquele das crianças ouvintes. A nais Alemã e do alemão escrito: Ausência de
questão da modalidade, especialmente, a sincronia no desenvolvimento e contato com
aparente iconicidade de alguns sinais, não a língua”, avançam no campo da Psicolin-
apresenta papel relevante no processo de güística, realizando uma análise da aquisição
aquisição da língua de sinais, pois os sinais de crianças surdas na língua de sinais e na es-
produzidos pelos bebês surdos apresentam crita da língua falada em seu país, Alemanha.
o mesmo padrão arbitrário dos sinais pro- O estudo faz parte de um grande projeto que
duzidos pelos adultos. Os erros observados coleta dados do desenvolvimento bilíngüe de
na produção dos bebês estão relacionados crianças da escola bilíngüe de Berlim. A inves-
com aspectos lingüísticos comumente ob- tigação objetiva analisar a interação gramatical 1
18. Apresentação
entre as duas línguas envolvidas no processo mento seja processo na língua de sinais gra-
de aquisição, bem como os efeitos de modali- maticalmente.
dade no desenvolvimento bilíngüe (língua de Entramos no campo da sociolingüística
sinais e língua escrita). Na análise apresentada, com o artigo de Ceil Lucas e Robert Bayley
Pust e Weinmeister elencaram evidências de – “Variação na língua de sinais americana: o
variação inter- e intra-individual no desen- papel da função gramatical” – que analisa-
volvimento bilíngüe da DGS e do alemão es- ram a variação de alguns sinais com mais de
crito. Ao longo do período analisado, os alu- 200 sinalizantes americanos. Os autores ob-
nos surdos apresentam um desenvolvimento servaram que os fatores fonológicos são con-
significativo na produção de textos na língua sistentemente menos importantes do que a
de sinais e na língua escrita. Esses alunos de- classe gramatical a que pertencem os sinais. A
senvolvem a competência bilíngüe na escola, pesquisa realizada em escala significativa evi-
onde aprendem a língua escrita alemã, e têm dencia a existência de restrições gramaticais
contato com a língua de sinais alemã. que se aplicam à variação na língua de sinais
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
O último texto que envolve o campo de que podem ou não ser comuns às variações já
aquisição de linguagem é o de Sarah Taub, identificadas nas línguas faladas.
Dennis Galvan, Pilar Piñar e Susan Mather Relativo à variação sociolingüística lexical,
– “Gesticulação e aquisição da ASL como se- David McKee, Rachel McKee e George Major
gunda língua”. A pesquisa aborda a aquisição – “Variação Sociolingüística em Numerais da
da língua de sinais americana como segunda NZSL” – apresentam uma análise das variantes
língua por pessoas ouvintes, mais especifica- existentes na forma de apresentação dos núme-
mente, as possibilidades de transferência de ros na língua de sinais da Nova Zelândia. Os au-
uma língua para outra, tema de pesquisas no tores analisam as variantes sob três aspectos so-
campo da aquisição de segunda língua em ge- ciais: a região, a idade e o gênero dos sinalizantes.
ral. Por se tratar de uma segunda língua na Os fatores sociais mais marcantes na variação
modalidade visual-espacial, os autores apre- dos numerais da língua de sinais da Nova Zelân-
sentam a hipótese de haver o aproveitamen- dia foram referentes à idade, seguidos de fatores
to do uso de gestos para produção de sinais. regionais e de gênero (variáveis não marcadas).
A habilidade gestual existente entre pessoas De modo geral, portanto, os autores observaram
falantes está relacionada com a capacidade que as variáveis sociais determinam a variação
cognitiva de representar conceitos no es- das formas dos numerais nessa língua. Há uma
paço. A pesquisa vai verificar se essa repre- tendência a uma padronização mais consistente
sentação mental coincide com a capacidade entre os sinalizantes mais jovens.
mental cognitiva de representar os conceitos Rachel Sutton-Spence nos remete à pro-
por meio da língua de sinais, especialmente, dução literária na língua de sinais, mais espe-
quando a expressão manual-gestual é similar cificamente, na produção poética com o texto
(por exemplo, com o uso de dêiticos). Os au- “Imagens da Identidade e Cultura Surda na
tores observaram que, embora haja esta apro- Poesia em Línguas de Sinais”. A autora analisa,
ximação entre as formas gestuais produzidas por meio da produção poética, elementos que
por usuários e aprendizes da língua de sinais, traduzem marcas culturais e identitárias. A po-
há necessidade do aprendiz reavaliar o uso esia na língua de sinais é uma forma de cultuar
1 em termos lingüísticos para que o conheci- as questões relacionadas com o ser surdo, tor-
19. Apresentação
nando-a um instrumento de empoderamento em ambientes de comunicação mediada por
da comunidade surda. A autora identifica as computador (CMC): explorações e conside-
imagens que se refletem nas poesias, trazendo rações iniciais” – encerra o presente volume.
elementos que identificam os surdos, como a Seu trabalho entra no campo da lingüística
celebração da língua de sinais, a celebração do aplicada trazendo contribuições para o de-
ser surdo, a surdez como perda, a experiência senvolvimento da tecnologia associada ao uso
visual dos surdos, a opressão que os surdos da língua de sinais como instrumento de co-
sofrem e o lugar dos surdos. Sutton-Spence municação. Mertzani observou em seu estu-
analisa estas manifestações traduzidas em dois do que o ensino da língua de sinais utilizando
poemas, A escadaria e Cinco sentidos. Esses são a interação síncrona e assíncrona proporcio-
apenas dois exemplos da criação de imagens na aos alunos a possibilidade de desenvolver
que empoderam os surdos por meio de uma habilidades receptivas, bem como, interativas
expressão criativa poética. na língua de sinais. O uso da ferramenta ofe-
O trabalho de Brendan Costello, Javier rece a possibilidade do desenvolvimento da
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
Fernández e Alazne Landa – “O sinalizan- interação negociada com feedback presente de
te nativo não-(existente): pesquisa em língua forma sistematizada. As correções realizadas
de sinais em uma pequena população surda” durante as interações online, normalmente,
– concentra a atenção no conceito de usuário focaram o significado e a forma. Neste espaço
nativo de uma língua e examina as diferentes de aprendizagem, houve negociações de tur-
definições de sinalizante nativo no campo de no constante, instaurando-se o uso efetivo da
pesquisa em línguas de sinais. Uma descrição língua de sinais entre os participantes.
da população surda sinalizante do país Basco As organizadoras de Questões Teóricas
mostrou que a porcentagem de 5% a 10% ti- das Pesquisas em Línguas de Sinais esperam
picamente citada para indivíduos surdos nas- que a interface recém-instalada entre os Es-
cidos de famílias surdas não se sustenta e, con- tudos Surdos e os Estudos da Tradução es-
seqüentemente, existem poucos sinalizantes tará não apenas oportunizando contatos te-
que podem ser considerados usuários nativos óricos e práticos entre as duas áreas, como
da língua. Em virtude disso, foi desenvolvida também contribuindo para a circulação do
uma metodologia de pesquisa que envolve o saber teórico na área de Estudos Surdos, no
registro de meta-dados sociolingüísticos para Brasil. Reafirmamos, além disso, a relevân-
cada informante, para que se meça até que cia do presente volume na criação de valores
ponto um indivíduo pode ou não ser consi- sociais e culturais, o que, no caso específico
derado um sinalizante nativo. Uma análise da de Questões Teóricas da Pesquisa em Línguas
expressão de trocas de papel revela correlações de Sinais em Pesquisas sobre Línguas de Sinais
entre competência nativa e aspectos específi- consolida a presença do ser surdo não apenas
cos do uso da língua e sugere que o exame da no contexto social, mas na comunidade cien-
produção lingüística de falantes não-nativos tífica brasileira.
pode trazer informações importantes sobre os
processos da gramaticalização e também sobre Florianópolis, 18 de março de 2008.
a estrutura da língua em geral.
Maria Mertzani com seu artigo – “Refle- Ronice Müller de Quadros e
xões sobre a língua de sinais e a cultura surda Maria Lúcia Vasconcellos 1
20. Apresentação
Referências Language Interpreting. In: The Sign Language
Yranslator and Interpreter, v.1, no. 1, p. 15-
BAKER, M. In other words: A coursebook on 51, 2007.
translation. London: Routledge, (1992). HALLIDAY, M.A.K. Spoken and Written Lan-
BAKER, M. Corpus Linguistics and Translation guage. Oxford: OUP, 1989.
Studies: Implications and Applications. In: HALLIDAY, M.A.K. Towards a theory of a ‘good’
BAKER, M.; FRANCIS; ELENA-TOGNINI- translation. In: STEINER, E.; YALLOP, C.
BONELLI (Orgs.). Text and Technology: In (Eds.) Exploring Translation and Multilin-
honour of John Sinclair. Amsterdam Phila- gual Text Production: Beyond Content. Ber-
delphia: John Benjamins Publishers Company, lin / New York: Mouton de Gruyter, p.13-18,
pp. 233-50, 1993. 2001.
BAKER, M. Corpora in translation studies: an KOCH, I. O texto e a construção dos sentidos.
overview and some suggestions for future re- São Paulo, SP: Editora Contexto, 1997.
search. In: Target – International Journal of KRIEGER, M. da G.; FINATTO, M. J. B. In-
Questões Teóricas das Pesquisas em Línguas de Sinais
Translation Studies, v. 7:2, p. 223-243, 1995. trodução à Terminologia. Teoria práti-
BENNETT, K. Epistemicida! The Tale of a Preda- ca. São Paulo: Contexto, 2004.
tory Discourse. In: The Translator, v.13, n. 2, MOSSOP, B. Revising and Editing for Transla-
p.141-149, 2007. tors. Manchester, UK: Sst. Jerome Publishing,
BLUM-KULKA, S. Shifts of Cohesion and Cohe- 2001.
rence in Translation. In: HOUSE, J.; BLUM- NOGUEIRA, D.; NOGUEIRA, V. M. Cadernos
KULKA, S. (Eds.).Interlingual and Intercultu- de Tradução, v. 14,p. 17-35, 2004/2.
ral communication- Discourse and cognition VASCONCELLOS, M. L. Retextualizing Du-
in translation and second language acquisition bliners: A Systemic Functional Approach
studies. Tübingen: Narr, pp. 17-35, 1986. to Translation Quality Assessment. Tese de
COSTA, W.C. The translated text as re-textua- doutorado não-publicada. Programa de Pós-
lization. In: COULTHARD, R.M. (Org.). Ilha Graduação em Inglês - PPGI, Universidade Fe-
do Desterro, v. 28, Studies in translation, p. deral de Santa Catarina, UFSC, 1997.
133-153, 1992. VINAY, J.-P.; DARBELNET, J. Comparative
COULTHARD, R.M. Evaluative text analysis. Stylistics of French and English: A Methodo-
In: STEELE, R.; THREADGOLD, T. (Orgs.). logy for Translation. (traduzido e editado por
Language topics: Essays in honour of Michael Juan C. Sager M.-J. Hamel). Amsterdam
Halliday. Amsterdam: John Benjamins, 1987. Philadelphia: John Benjamins Publishing
COULTHARD, R.M. Linguistic constraints on Company. 1995. Tradução de Vinay Darbe-
translation. IN: COULTHARD, R.M. (Org.). lnet 1958.]
Ilha do Desterro, v. 28, Studies in translation,
p. 9-23, 1992. Sites
GRBIC, N. Where do we come from? What are www.wordfast.net
we? Where are we going? – A Bibliometrical www.wordfast.net/zip/wf_brief.pdf
Analysis of Writings and Research on Sign www.cadernos.ufsc.br/online/volume14.html
20
21.
22. Arqueologia das Línguas de Sinais:
integrando lingüística histórica com pesquisa de campo em lín-
guas de sinais jovens1,2
Ted Supalla
University of Rochester
1. O Estado Atual da Teoria e da Prática majoritária. Além disso, os itens lexicais das
línguas de sinais estrangeiras eram freqüente-
A natureza de nosso entendimento das lín- mente importados na medida em que novas
guas de sinais de todo o mundo baseia-se em escolas eram instaladas em países em desen-
nossa história específica de pesquisa em lín- volvimento. Essa noção de línguas de sinais
gua de sinais. A história de 40 anos da pes- “impuras” significou que os pesquisadores de
quisa em línguas de sinais modernas inclui lingüística histórica se depararam com o fato
tanto as conquistas importantes que fizeram de que processos históricos “naturais” eram
avançar nosso conhecimento, quanto as pau- provavelmente ofuscados ou destruídos pelo
tas de pesquisa que delimitaram nosso foco imperialismo lingüístico. Entretanto, tal visão
e limitaram o nosso conhecimento. Durante nega, equivocadamente, a origem natural do
esse período, a gênese e a evolução das línguas contato entre línguas na história mundial da
de sinais se constituíram como uma área des- humanidade. O estudo da gênese e evolução
considerada em nosso foco de pesquisa. Essa da língua é um “vôo cego”, se tais interações
negligência pode ser atribuída à crença que as humanas naturais não forem levadas em con-
línguas de sinais em desenvolvimento eram sideração na pesquisa em lingüística históri-
freqüentemente “contaminadas” por práticas ca. Pesquisas como a reconstrução da lingüís-
pedagógicas opressivas que tentavam moldar a tica comparativa em línguas de sinais não são
língua de sinais para se adaptar à língua falada apenas possíveis, mas também valiosas, para
1
Traduzido por: Maria Lúcia Barbosa de Vasconcellos, Elaine Espíndola, Thiago Blanch Pires, Carolina Vidal
Ferreira
2
O autor agradece a seus colaboradores pelas importantes contribuições ao trabalho sobre a história da ASL, das
línguas de sinais recentes e da Língua Internacional de Sinais, especialmente, aos membros atuais e anteriores do
Research Team do Sign Language Research Center: Aaron Brace, Patricia Clark, Merrie Davidson, Markku Joki-
nen, Donald Metlay, Doug McKenney, Elissa Newport, Erin Sigmund, Annie Senghas, Marie Coppolla, Wanette
Reynolds, Yutaka Osugi e Rebecca Webb. Agradece, ainda, a Betsy Hicks McDonald pela ajuda na escrita e na
edição deste artigo. Esta pesquisa foi parcialmente financiada pelo NIH (National Institutes of Health), pela
concessão da bolsa DC00167 para Elissa L. Newport e Ted Supalla e dois prêmios da NEH (National Endowment
for the Humanities) Fellowship Awards a Ted Supalla.