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O QUE É
Estamos começando a experimentar um projeto de investigação-
aprendizagem democrática pelo exercício do reconhecimento de padrões
autocráticos (esta parte inicial do projeto é baseada em 10 livros clássicos
de ficção e 10 filmes). Esta primeira experiência foi intitulada 100 DIAS DE
VERÃO (e está programada para acontecer de 10 de janeiro a 20 de abril
de 2015). Mas o projeto é mais amplo: depois ele vai abordar 10 livros
históricos e, em seguida, 10 textos teóricos fundamentais de referência
(ver a lista completa no final).
Tudo começa com a leitura e reflexão exploratória na busca de
"isomorfismos" (em sentido figurado ou metafórico), ou melhor, de
3
características que permitam o mapeamento entre objetos para desvelar
relações entre suas propriedades ou operações. No caso estamos
buscando identificar padrões de organização e de regulação que permitam
reconhecer a presença - em diferentes manifestações ou eventos - de
matrizes hierárquicas e autocráticas próprias do estatismo. O estatismo é
definido como um tipo de comportamento político conforme a uma visão
estadocêntrica do mundo (que não reconhece, para além do Estado, a
autonomia - e, em alguns casos, a legitimidade - de outros modos de
agenciamento, como o mercado e a sociedade civil, as comunidades
glocais e as redes (mais distribuídas do que centralizadas) de pessoas.
O estatismo não incide apenas no comportamento político que foi
identificado como fascismo (nazismo ou nacional-socialismo), mas
também naqueles de raiz marxista (marxista-leninista ou marxista-
gramscista) que se declararam socialistas ou comunistas (do socialismo
realmente existente) e, ainda, nos diversos tipos de jihadismo (com ou
sem Estado formal instalado e reconhecido), como o jihadismo
fundamentalista islâmico ou os jihadismos laicos (de caráter nacionalista
e, via de regra, militarista), nas teocracias (como a iraniana) e nas
ditaduras em geral e, por último, nas formas híbridas (como o
neoexpansionismo da Rússia de Putin que pretende reeditar a guerra fria
e a política de blocos - neste caso apenas como pretexto para consolidar
uma hegemonia de longa duração de um grupo privado sobre a sociedade
russa a partir do Estado controlado pela FSB).
Um exemplo de reconhecimento de padrões é o culto necrófilo do
trabalho: A <=> B | A = Na entrada dos campos de concentração nazistas
4
(como Auschwitz I e Sachsenhausen, Dachau, Gross-Rosen e
Theresienstadt, Auschwitz III / Buna / Monowitz e Flossenbürg), bem em
cima de portões de ferro, havia a frase: Arbeit macht frei (O trabalho
liberta) | B = Na entrada dos campos de concentração soviéticos (Gulag),
em geral em lugar bem visível, havia inscrições com frases de Josef Stálin.
Uma delas era: "Honra e glória ao trabalho, exemplo de entrega e
heroísmo".
Quando se trata de padrões de organização ou comportamento,
isomorfismos (lato sensu) são pistas de deciframento. Mas a "ciência" de
reconhecimento de padrões está apenas começando.
Usamos a palavra isomorfismo em sentido figurado (e deslizado do seu
sentido matemático original). Na álgebra abstrata, um isomorfismo é um
homomorfismo bijetivo. Duas estruturas matemáticas são ditas isomorfas
se há um mapeamento um-para-um entre os elementos das suas
estruturas matemáticas. Essencialmente, dois objetos são isomorfos se
eles são indistinguíveis com base apenas na seleção de suas características
correspondentes. Isomorfismo é então o mapeamento entre objetos que
mostra um relacionamento entre duas propriedades ou operações. Como
toda metáfora é imperfeita e corre alto risco não ser bem-entendida.
Vejamos mais um exemplo. Robert Paxton (2004), em Anatomia do
Fascismo, conta a seguinte passagem:
"O cabo Adolf Hitler, de volta ao serviço ativo no IV Comando dos Grupos
do Exército, em Munique, após se recuperar da cegueira histérica que o
acometera ao saber da derrota alemã, foi enviado pelo Serviço de
5
Inteligência do Exército, em setembro de 1919, para investigar um dos
muitos movimentos nacionalistas que vinham surgindo na desordem do
pós-guerra. O Partido dos Trabalhadores Alemães (Deutsche
Arbeiterpartei - DAP) havia sido criado ao final da guerra por um chaveiro
patriota, Anton Drexler. Encontrando um punhado de artesãos e
jornalistas que sonhavam em conquistar trabalhadores para a causa
nacionalista, mas que não faziam ideia de por onde começar, Hitler se
juntou a eles, recebendo o cartão do partido número 555. Ele logo se
tornou um dos oradores mais hábeis do movimento e membro de seu
comitê diretor.
Em inícios da década de 1920, Hitler foi colocado no comando da
propaganda do DAP. Com o auxílio de oficiais do exército simpatizantes,
como o capitão Ernst Röhm, e de alguns partidários ricos de Munique,
Hitler ampliou em muito a audiência do partido. Perante quase duas mil
pessoas reunidas numa grande cervejaria de Munique, o Hofbräuhaus, em
24 de fevereiro de 1920, Hitler deu ao movimento um novo nome - o
National-sozialistische Arbeiterpartei (NSDAP, ou o partido "nazi",
abreviando) - e apresentou um programa de vinte e cindo pontos que
misturava nacionalismo, anti-semitismo e ataques a lojas de
departamentos e ao capital internacional. No 1 de abril que se seguiu,
deixou o exército para se dedicar em tempo integral ao NSDAP. Cada vez
mais, ele era reconhecido como seu líder, seu Führer (termo adotado -
assim também como a saudação "Heil" - do líder pan-germânico Georg
von Schönerer, muito influente na Viena do pré-guerra)".
6
Em apenas dois parágrafos temos terabytes de dados para fazer
mapeamentos um-para-um (bijetivos). Para quem está trabalhando com
reconhecimento de padrões, este é um excelente exercício teórico. Em
princípio, tudo é sinal, mas aqui eles abundam. Vamos apresentar, apenas
a título de exemplo, algumas pistas:
1) O partido original se chamava Partido dos Trabalhadores
(Arbeiterpartei). Por que tanta fixação no trabalho? Como vimos acima, o
culto necrófico do poder é um elemento importante. O novo nome desse
partido manteve a denominação original, acrescentada do termo
National-sozialistische (nacional-socialista). A introdução do termo
nacional é de fácil explicação em razão do caráter nacionalista (e do
ressentimento com a derrota alemã) do movimento: o nome original já
dizia que o partido era dos trabalhadores alemães. Mas por que também
socialista?
2) O programa do partido renomeado como Partido Nacional-Socialista
dos Trabalhadores, já sob a liderança de Hitler, pregava ataques a lojas de
departamentos e ao capital internacional. Não há como não fazer uma
correspondência (atenção, apenas formal: estamos tratando de
isomorfismo e não de intenções subjacentes ou aderentes a conteúdos)
com a tática Black Bloc. É bom repetir: não estamos dizendo com isso que
os Black Blocs sejam nazistas, pois as relações aqui não são de conteúdo (e
não têm nada a ver com ideologia ou visão de mundo). São disposições
estruturais que possibilitam - e mais do que isso: ensejam -
comportamentos conformes (não por causalidade, mas por
condicionamentos recíprocos).
7
3) Hitler ascendeu no Arbeiterpartei quando foi colocado no comando da
propaganda partidária e iniciou uma vigorosa campanha de marketing
financiada com doações das elites econômicas (as pessoas ricas) de
Munique. As elites financiavam um partido de trabalhadores.
4) Até o momento em que assumiu a posição de mono-líder (um líder
único com altagravitatem) e de chefe (ou Führer, condutor), Hitler atuava
como agente do Serviço de Inteligência do Exército. Ora, mesmo depois de
uma "paz celebrada", inteligência militar continua sendo guerra (essa é a
essência característica da construção cultural militar: si vis pacem, para
bellum). O paralelo militar na política (que leva à perversão da política
como arte da guerra ou como continuação da guerra por outros meios na
fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin) aparece aqui em estado puro. Hitler
era um agente em preparação de conquista de hegemonia no sentido
leniniano do termo (que corresponde ao seu sentido original grego de
comando de um exército) que exige mesmo a centralização da rede ou a
deformação do campo social introduzida pela existência de um Führer.
5) A reunião que simbolicamente marcou a virada do pequeno partido dos
trabalhadores (de quadros) em um partido socialista dos trabalhadores
(de massa) aconteceu numa grande cervejaria. Os sinais aqui são mais
fracos, mas isso não significa que não signifiquem alguma coisa...
Uma infinidade de outros sinais (alguns mais fortes, outros mais fracos)
também estão contidos explícita ou implicitamente nos dois parágrafos
acima: o ressentimento social (e a vontade de revanche) que levou um
artesão a criar um partido dos trabalhadores; a ligação entre um
8
patriotismo-trabalhador do pós-guerra e a ideologia de um pan-
germanismo do pré-guerra; a indefinição generalizada (considerada sinal
de desordem) sobre "por onde começar" - título de um texto de Lenin
(1901) que antecedeu ao seu famoso Que fazer? (1902); a fusão de
nacionalismo com socialismo (em maior ou menor grau verificada em
todos os movimentos para consertar o mundo a partir de grandes
experimentos sociais, sejam considerados de esquerda ou de direita: por
exemplo, a fusão da figura de José Martí em Cuba com a trinca Marx-
Engels-Lenin, criando o quatérnio em que se baseou por décadas a
propaganda castrista); o papel assinalado à propaganda: antes de Joseph
Goebbels, o propagandista número 1 era o próprio Adolf Hitler (o caminho
da conversão de um cabo do exército em Führer foi o caminho da
propaganda, do marketing) e os princípios hitlerianos (e depois
goebbelianos) da mistificação das massas pela propaganda política são até
hoje adotados em ditaduras, protoditaduras e democracias formais
parasitadas por regimes neopopulistas manipuladores e autocratizantes.
Bem... a "ciência" (se é que existirá uma propriamente dita) de
reconhecimento de padrões está apenas começando. Ela aqui, neste
exemplo, está identificando padrões de hierarquia e autocracia que são
próprios do estatismo.
Na verdade, tudo isso é um programa de investigação (todo programa de
aprendizagem é um programa de investigação, de vez que reprodução de
investigações pretéritas não é realmente aprendizagem e sim ensino).
9
Estamos investigando a democracia no que ela é essencialmente
(processo de desconstituição de autocracia) e por isso pode-se dizer que é
impossível investigar-aprender democracia sem investigar-aprender
autocracia. Como estamos há quase seis mil anos vivendo sob autocracias
(e tivemos experiências estáveis de democracia em menos de meio
milênio e ainda assim, na metade desse tempo, localizadas: no caso em
apenas um local, Atenas entre 509 e 322 a. E. C.), toda nossa cultura é
basicamente autocrática. A democracia como modo-de-vida (como queria
John Dewey) é então um meio de desprogramar cultura autocrática (não
no sentido neurolinguístico, da desprogramação do cérebro dos indivíduos
e sim da rede social).
Em outras palavras: aprender democracia é desaprender autocracia.
Compreendendo o que pode florescer em ambientes sociais fortemente
centralizados e nos quais os modos de regulação de conflitos não são
democráticos, podemos perceber os sinais e interpretar os sintomas do
processo de autocratização da política onde quer que eles surjam,
inclusive no interior de regimes formalmente democráticos. Pode-se,
inclusive, aprender a detectar as tentativas contemporâneas de
autocratização da democracia, baseadas no uso instrumental da
democracia no sentido “fraco” do conceito (quer dizer, na utilização de
alguns dos mecanismos, instituições e procedimentos da democracia
representativa, como o sistema eleitoral), para enfrear o processo de
democratização das sociedades, seja pela via da protoditadura (que se
caracteriza, fundamentalmente, pela abolição legal ou de facto da
rotatividade democrática), seja pelo emprego da manipulação em larga
10
escala, como ocorre nas novas vertentes do populismo que vêm sempre
acompanhadas do banditismo de Estado, da corrupção no governo (e nas
empresas estatais), da perversão da política (como "arte da guerra") e da
degeneração das instituições por meio da privatização partidária da esfera
pública e do aparelhamento da administração governamental. De
qualquer modo, para conhecer o poder vertical – a sua “anatomia” e a sua
“fisiologia”, vamos dizer assim – devemos estudá-lo em estado puro.
Depois será mais fácil perceber seus indícios em nosso cotidiano, inclusive
quando surgem em uma pequena organização.
Ainda que estudemos textos teóricos sobre a democracia e
experimentemos a democracia como modo de administração política do
Estado (que foi ao que se reduziu, nos últimos três séculos, a democracia
reinventada pelos modernos), não conseguimos ter um entendimento
profundo da democracia na medida em que nossas redes de conversações
repetem circularidades inerentes que são próprias da cultura autocrática.
Em contrapartida, não é preciso qualquer esforço para aprender
autocracia: começamos aprendendo na família monogâmica e depois
vamos aprendendo na escola, na igreja, nas organizações juvenis, no
quartel, na universidade, no trabalho em empresas hierárquicas, nas
corporações, nos partidos e nos órgãos do Estado.
Aprender democracia exige então identificar matrizes de comportamentos
que estão presentes nesses ambientes hierárquicos regidos por modos
autocráticos. E é muito difícil fazer isso porque tais padrões estão
escondidos sob camadas e camadas de discursos legitimatórios ou
11
disfarçados por explicações funcionais e pragmáticas baseadas na
inevitabilidade da hierarquia ou numa suposta competitividade inerente à
natureza humana (a besta-fera - um Homo Hostilis - que existiria no
interior profundo de cada um de nós, a espera de ser domada pela
civilização ou pela religião, como apregoam alguns discursos liberais e
conservadores).
Para identificá-los precisamos observá-los e estudá-los - como foi dito
acima - em estado puro (por exemplo, num campo de concentração
nazista; ou mesmo num campo dito socialista: seja um Gulag do período
stalinista ou num campo atual da Coreia do Norte ou numa prisão política
cubana).
Por isso é tão importante estudar as 60 ditaduras que remanescem no
mundo contemporâneo (e sob as quais - pasme-se! - ainda vive mais da
metade da população do planeta). Há uma quantidade imensa de material
sobre isso não apenas na história, mas nas práticas institucionais atuais
dos seguintes países: Afeganistão, Angola, Arábia Saudita, Argélia,
Azerbaidjão, Barein, Belarus, Brunei, Burkina Faso, Burma, Camarões,
Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Comoros, Congo (Kinshasa |
Brazzaville), Coréia do Norte, Costa do Marfim, Cuba, Djibuti, Egito,
Emirados Árabes Unidos, Eritreia, Etiópia, Fiji, Gabão, Gâmbia, Guine,
Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Irã, Jordan, Kuwait, Laos, Líbia,
Madagascar, Marrocos, Mianmar, Nigéria, Omã, Palestina (Faixa de Gaza,
sob controle do Hamas), Qatar, República Centro Africana, República
Democrática do Congo, Ruanda, Rússia, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão,
Sudão do Sul, Tajiquistão, Togo, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela,
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Vietnam, Yemen e Zimbábue. A esses talvez ainda se possa acrescentar,
em futuro próximo, Nicarágua, Bolívia, Equador e - oxalá não -
democracias formais parasitadas por governos neopopulistas
manipuladores e autocratizantes (como Argentina, Brasil e alguns outros).
Por razões facilmente explicáveis, os que desvendaram esses padrões
autocráticos tiveram, muitas vezes, que disfarçar suas descobertas e
embuti-las na forma de livros de ficção (e mesmo assim sofreram com os
ataques das patrulhas da esquerda e da direita). O mesmo ocorreu com os
relatos históricos (que são, pelas mesmas razões, em geral, tardios:
Varlam Shalamov só conseguiu contar o que viu e o que sofreu no Gulag
de Kolyma, no nordeste da Sibéria, já no final de sua vida, aos 75 anos e a
obra só foi publicada na União Soviética nos anos 80).
Arbitrariamente escolhemos então uma lista de 10 obras de ficção e de 10
livros históricos como universo a ser explorado neste projeto de
reconhecimento de padrões autocráticos. Acrescentamos também 10
textos teóricos que contêm algumas pistas de deciframento.
OBRAS DE FICÇÃO
1. A Nova Utopia. Jerome K. Jerome (1891)
2. Nós. Yevgeny Zamyatin (1921)
3. Admirável Mundo Novo. Aldous Huxley (1932)
4. O Zero e o Infinito. Arthur Koestler (1941)
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5. A Revolução dos Bichos. George Orwell (1945)
6. 1984. George Orwell (1949)
7. Fahrenheit 451. Ray Bradbury (1953)
8. O Senhor das Moscas. William Golding (1954)
9. Um dia na vida de Ivan Denisovich. Alexander Soljenítsin (1962)
10. Duna. Frank Herbert (1965)
ESTUDOS HISTÓRICOS
1. O julgamento de Sócrates. I. F. Stone (1988)
2. Lênin: a biografia definitiva. Robert Service (2000)
3. Stálin: a corte do czar vermelho. Simon Sebag Montefiore (2003)
4. Mao: a história desconhecida. Jung Chang e Jon Halliday (2005)
5. Contos de Kolyma. Varlam Shalamov (1954-1962 ou 1973)
6. Hitler, 1889-1936. Ian Kershaw (1998-2000)
7. Mussolini. Pierre Milza (1999)
8. Eichmann em Jerusalém: Hannah Arendt (1963)
9. O Imperador: a queda de um autocrata. Ryszard Kapuscinski (1978)
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10. A era dos assassinos. Yuri Felshtinsky e Vladimir Pribilovski (2008)
REFERENCIAIS TEÓRICOS
1. A democracia na América. Alexis de Tocqueville (1835)
2. Sobre a liberdade. John Stuart Mill (1859)
3. Escritos Políticos Escolhidos (Em busca do público, Em busca da grande
comunidade, A ideia filosófica inclusiva, Liberalismo renascente, A
democracia é radical e Democracia criativa: a tarefa diante de nós). John
Dewey (1927-1939)
4. O que é política? Hannah Arendt (c. 1950-9)
5. As origens do totalitarismo. Hannah Arendt (1951)
6. A invenção democrática. Claude Lefort (1981)
7. Sobre O Político de Platão. Cornelius Castoriadis (1986)
8. Conversações Matrísticas e Patriarcais. Humberto Maturana (1993)
9. A democracia é uma obra de arte. Humberto Maturana (1993)
10. Democracia como valor universal. Amartya Sen (1999)
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ALGUNS SINAIS
Esta é uma lista demonstrativa (não-analítica) contendo apenas exemplos
de indícios da presença de processos de autocratização da vida cotidiana,
de reprodução de pressupostos hierárquico-autocráticos, em geral aceitos
como verdades evidentes por si mesmas (ideias-implante básicas ou
rotinas de um programa autocrático instalado na mente coletiva), da
existência de acentuada hierarquização (topologias da rede social mais
centralizadas do que distribuídas), da adesão por boa parte dos agentes a
princípios de modos de regulação autocráticos, da existência de estado de
guerra como dinâmica organizadora do cosmo social e do estatismo como
ideologia e comportamento político.
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A - INDICADORES (SIMBÓLICOS) DE AUTOCRATIZAÇÃO DA VIDA
COTIDIANA
A1 - A limpeza e a pureza (a aversão à sujeira e à contaminação pelo
contato com o que é impuro).
A2 - A predominância do branco (e da luz que espanca as trevas).
A3 - As formas geométricas retilíneas (as linhas e ângulos retos) na
arquitetura de interiores e exteriores, urbana e rural (ruas, praças,
prédios, plantações etc.).
A4 - A arquitetura monumental privilegiando a direção vertical e a
repartição e separação dos espaços: muros, escadas, portas, fechaduras...
A5 - A sociedade totalmente organizada e uniformizada (as pessoas com
uniformes ou roupas semelhantes, com cortes padrão de cabelo ou
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penteados canônicos, os conjuntos habitacionais com construções e
aparência iguais etc.)
A6 - Os horários fixos válidos para determinadas atividades (eletivas ou
compulsórias): a existência de uma espécie de regulamento geral das
horas (ou tabela taylorista, com horas para trabalhar, descansar, dormir,
fazer sexo, se divertir etc.)
A7 - O silêncio (a aversão ao alarido do chamado populacho ou da turba
considerada vil e ao falar alto).
A8 - A ordem (e a aversão ao que é julgado como bagunça ou baderna).
A9 - O culto à bandeira, ao hino e aos símbolos pátrios (e à pátria) e a
exaltação do patriotismo.
A10 - Os regulamentos e as numerosíssimas proibições ("levíticas": para
tudo ou quase haverá uma disposição ou modo-de-fazer correto).
A11 - A espada, a coroa, o cetro, o bastão (como símbolos de poder
deslizados para a política).
A12 - O intrincado protocolo para qualquer cerimônia, os modos de
tratamento canônicos, os numerosos títulos e as reverências ou
prostrações para falar com o governante (ou coexistir em sua presença ou
até sobreviver diante da sua passagem).
A13 - O culto (necrófilo) do trabalho e a exaltação do trabalhador.
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A14 - As restrições à livre sexualidade e a deslegitimação da imaginação
criadora.
A15 - A existência - e onipresença - de uma polícia política.
A16 - O sentimento geral de poder estar violando - nas menores ações
privadas do dia-a-dia - alguma regra estabelecida conhecida ou ser
interpretado como violador de alguma regra desconhecida e, por isso, cair
em desgraça, ter suas aspirações ou demandas preteridas ou ser
reprimido pela polícia política (supostamente onisciente).
A17 - A constante vigilância de todos sobre todos e a existência de
mecanismos de delação espalhados (que podem ser usados por qualquer
um).
A18 - A naturalização da ordem social que impede a percepção,
deslegitima alternativas e promove a configuração social existente como
necessária (de sorte a fazer com que as pessoas imaginem que as coisas
'são' assim e não que 'estão' assim).
A19 - A despessoalização: os seres humanos - as pessoas, sempre únicas -
são transformados em indivíduos, não raro, designados por números (e
não por nomes próprios; ou seus nomes são antecedidos por tratamentos
niveladores (camarada, companheiro, irmão) ou sucedidos pelas
designações dos cargos funcionais ou hierárquicos que ocupam.
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B - IDEIAS-IMPLANTE (ROTINAS DO PROGRAMA BÁSICO)
B1 - A felicidade como ideal supremo.
B2 - A igualdade como ideal supremo (e como pré-condição para a
liberdade); ou a ideia de que não pode haver (verdadeira) liberdade sem
(ou até que se alcance a perfeita) igualdade.
B3 - A abundância como ideal supremo (que, para ser alcançado, exige a
politização da economia como administração da escassez, em geral
artificialmente introduzida).
B4 - A utopia (qualquer utopia) como modelo a ser alcançado no futuro (e
que, para ser alcançada, exige algum tipo de sacrifício ou de restrição às
liberdades no presente).
B5 - O esforço para consertar a natureza, a sociedade ou o ser humano
(que teriam vindo com alguma espécie de "defeito de fábrica").
B6 - A ideia de que existe uma sociedade igual para colocar no lugar da
sociedade desigual (e de que essa sociedade igual estaria em alguma
espécie de mundo paralelo pronta para ser trazida - ou realizada - a partir
das contradições da sociedade desigual, elidindo a evidência de que a
sociedade igual é somente o conjunto das relações igualitárias que se
traçam aqui e agora por meio de atos singulares e precários).
B7 - A ideia de que a nação é uma grande comunidade de destino e a
própria ideia de destino (ou da existência de leis ou disposições
transcendentes ou imanentes à história).
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B8 - A ideia de que existe uma História (assim mesmo, com H maiúsculo) e
ela tem leis (que podem ser conhecidas por quem tem a teoria e o
método corretos de interpretação da realidade).
B9 - A ideia de que a superestrutura da sociedade (a política, a cultura
etc.) é determinada em última instância pela sua infraestrutura
econômica.
B10 - A ideia de que o ser humano é inerentemente (ou por natureza)
competitivo e de que as pessoas se movem buscando sempre maximizar a
satisfação de seus interesses (que são, ao fim e ao cabo, egotistas).
B11 - A ideia de que não é possível mobilizar a ação coletiva a não ser a
partir de lideranças destacadas.
B12 - A ideia de povo como rebanho à espera de um condutor, salvador
(messias).
B13 - A ideia de povo eleito (escolhido ou ungido por alguma entidade
transcendente que intervém na história para conduzi-lo para algum
destino já configurado ou prefigurado).
B14 - A ideia de espaço vital (necessário à consumação do destino de um
povo predestinado a cumprir um ideal ou de uma raça superior).
B15 - A ideia de que é direito do povo eleito dominar os demais sem
limitações de qualquer natureza, sejam elas impostas por leis humanas ou
divinas (sendo esse direito determinado pelo critério único do valor do
grupo no interior de uma luta darwiniana).
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B16 - O mito fundante: de que a nação teria alguma origem comum em
um suposto evento épico ou glorioso (perdido nas brumas do passado).
B17 - A ideia de que não é possível organizar nada sem (uma boa dose de)
hierarquia.
C - INDICADORES DE PRESENÇA DA HIERARQUIA
C1 - A existência de sacerdócio (a burocracia, a intermediação, a
descentralização da rede em vez da sua distribuição).
C2 - A ordenação top down do Estado e da sociedade (os graus, degraus, a
estratificação: camadas sobre camadas).
C3 - Ordem, hierarquia, disciplina, obediência, fidelidade imposta top
down, punição e recompensa.
C4 - A busca e manutenção da estabilidade pela aproximação do estado de
equilíbrio (e não feita e refeita no fluxo dos sistemas afastados do estado
de equilíbrio).
C5 - As opções pré-ordenadas e a redução dos caminhos possíveis
(levando à escolhas sempre limitadas).
D - PRINCÍPIOS DO MODO DE REGULAÇÃO AUTOCRÁTICO
D1 - O conflito como uma disfunção (malfunction).
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D2 - A resolução do conflito pela eliminação (ou recuperação, restauração
ou conserto de um defeito) do elemento ou polo conflitante.
D3 - A regulação do conflito pela imposição da vontade da maioria
(ignorando-se os desejos das minorias).
D4 - As restrições à liberdade (de opinião, de ir-e-vir, de imprensa, de
manifestação, de organização, de difusão de ideias por qualquer meio,
inclusive no ciberespaço etc.).
D5 - O segredo nos negócios de Estado (e nos negócios do chefe de Estado
e de suas organizações), a opacidade das instituições e procedimentos:
inexistência de transparência e impossibilidade de accountability.
D6 - A ideia de que democracia é o poder do povo ou o poder da maioria
da população (pervertendo a ideia fundante - ou o meme democrático
original - de que ela é 'o poder de qualquer um', quer dizer, a indiferença
das capacidades para ocupar as posições de governante ou de governado).
D7 - O regime político baseado em votação por maioria, em que as
minorias não têm direitos (ou têm menos direitos do que a maioria).
D8 - O julgamento de que a oposição não é legítima e de que os que se
opõem aos chefes do Estado ou aos seus representantes ou delegados são
traidores ou sabotadores.
D9 - A caracterização (e inculpação) de quem desobedece, diverge, desvia
ou destoa como traidor.
23
D10 - A ideia (meritocrática) de que quem deve governar (dirigir o Estado,
o país, a cidade e, por decorrência, a sociedade) é quem sabe mais.
D11 - A sociedade regulada por um algoritmo, sem necessidade de um
chefe ou comandante.
E - A GUERRA COMO DINÂMICA ORGANIZADORA DO COSMO SOCIAL
E1 - A separação nós x eles (e todas as separações decorrentes dessa
separação primordial: bem x mal, explorados x exploradores, povo x elites,
esquerda x direita, socialistas x liberais, fieis x infiéis de qualquer religião
ou seita, nacionais x estrangeiros, leste x oeste, sul x norte, brancos x não-
brancos, heterossexuais x homossexuais etc.)
E2 - A ideia e a prática da política como arte da guerra, ou como
continuação da guerra por outros meios (a fórmule-inverse de Clausewitz-
Lenin).
E3 - O culto do conflito e a guerra como instituição permanente (e como
realidade inexorável, sobretudo a guerra não-ocorrida como guerra-
quente ou conflito violento - como o é toda guerra - mas latente e
eternamente presente nos períodos considerados de paz.
E4 - A ideia e a prática de que governar é comandar (uma força, um
contingente, um exército, um povo).
E5 - O culto do herói.
24
E6 - A ideia de que a luta de classes é o motor da história.
E7 - A ideia de que a violência é a parteira da história.
E8 - A ideia da beleza da violência e a eficácia da vontade, quando
voltadas para o êxito do grupo que tem uma causa redentora ou
reformadora do mundo.
E9 - A construção e manutenção de inimigos.
F - O ESTATISMO COMO IDEOLOGIA E COMPORTAMENTO POLÍTICO
F1 - A ideia de Estado como materialização do espírito ou da vontade
divina (ou de alguma realidade ou entidade transcendente).
F2 - O culto do Estado (e a ideologia estatista, ou seja, a visão
estadocêntrica do mundo).
F3 - A sociedade como dominium do Estado (no sentido feudal do termo)
e a ideia de que é o Estado que deve dirigir a sociedade.
F4 - O partido fundido ao Estado, que conquistou hegemonia sobre a
sociedade e transformou a sociedade em um ente privado.
F5 - A existência de um líder supremo, benfeitor, condutor, com alta
gravitatem e carisma, que ocupa o centro do Estado para fazer uma
ligação direta com as massas bypassando as mediações institucionais.
25
F6 - Os direitos encarados como privilégios (ou concessões de um
benfeitor).
F7 - Os cidadãos reduzidos a súditos (do Estado e, às vezes, do chefe de
Estado).
F8 - As pessoas - todas as pessoas - transformadas em funcionários (stricto
ou latu sensu) do Estado.
F9 - A ideia de que o Estado - quando nas mãos certas - é o grande agente
transformador da sociedade e a ele compete educar as massas para
produzir o Homem Novo.
26
JEROME K. JEROME NUM MUNDO LIMPO
Jerome K. Jerome (1859-1927) escreveu em 1891 o pequeno conto A Nova
Utopia. Jerome era um humorista e escritor inglês que acabou ficando
mais famoso pela sua novela cômica Three Men in a Boat (Três homens
num barco) publicada em 1889.
A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome (1891) talvez possa ser
considerada o berço do gênero que utiliza as distopias como cenário. É
provável que o conto tenha sido a inspiração para o livro Nós de Zamyatin
(1921), para O Admirável Mundo Novo de Huxley (1932) e para o 1984 de
Orwell (1949).
27
Jerome era amigo de H. G. Wells, Rudyard Kipling e Arthur Conan Doyle
(criador de Sherlock Holmes). Seu pequeno conto inspirou Wells para a
criação de Little Wars (1913).
José Leonardo Souza Buzelli, da Universidade Estadual de Campinas,
traduziu em 2013 A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome para o
português e aduziu uma pequena introdução ao texto. Disponível no link
abaixo:
http://www.revistamorus.com.br/index.php/morus/article/download/205
/183
É uma sátira profética. O mundo totalmente ordenado, geometricamente
reto, completamente limpo, sem sociedade civil (sim, só havia Estado) do
sonho distópico de Jerome, era um mundo de pessoas sem almas e sem
nomes (as pessoas eram designadas por números). Eis um trecho do livro
em que Jerome descreve a cidade utópica socialista:
"A cidade era toda limpa e muito quieta. As ruas, que têm números em
vez de nomes, saem umas das outras em ângulos retos, e todas tinham
exatamente a mesma aparência. Não havia cavalos, nem carruagens em
volta; todo o tráfego era feito por carros elétricos. Todas as pessoas
encontradas por nós tinham a mesma expressão grave e quieta, e se
pareciam tanto umas com as outras que era como se fossem membros da
mesma família. Assim como meu guia, todos vestiam calças cinzas e uma
túnica cinza abotoada até o pescoço e presa por um cinto. Todos os
homens estavam perfeitamente barbeados e tinham cabelos pretos".
28
Sim, havia um "regulamento capilar" (tal como hoje na Coréia do Norte do
ditador Kim Jong-un). Eis o relato:
"O que seria da igualdade se um homem ou uma mulher pudesse se
vangloriar por aí de seu cabelo dourado, enquanto um outro parecesse
uma cenoura? Os homens não devem ser só iguais nestes dias felizes, eles
também devem ter a mesma aparência, tanto quanto possível. Fazendo
com que todos os homens estejam bem barbeados, e com que todos os
homens e mulheres tenham cabelo preto, e cortado no mesmo
comprimento, a gente remedia, até certo ponto, os erros da Natureza".
Para quem quer exercitar o reconhecimento de padrões autocráticos
esses dois parágrafos (reproduzidos acima) têm material suficiente para
um longa e profunda investigação sobre as tentativas antidemocráticas de
consertar o mundo.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Jerome constitui material de pesquisa
do primeiro módulo.
29
THX 1138: NUM MUNDO LIMPO
Vamos agora aos filmes. O primeiro deles é THX 1138 de George Lucas
(1971).
"Trabalhe duro, aumente a produção, previna acidentes e seja feliz" - eis o
lema do mundo distópico de THX 1138. O máximo controle social num
mundo subterrâneo limpo, branco, harmônico, previsível, no qual o
protagonista (THX - pronunciado como "Tex" por sua amante LUH 3417 e
interpretado por Robert Duvall) é mais um cidadão sem nome, careca,
vestido de branco, técnico de uma usina nuclear, que vive a rotina normal
de todos os habitantes (o que inclui confissões frequentes a uma entidade
religiosa cibernética, sancionada pelo Estado, chamada OMM 0910 e o
consumo rotineiro de drogas). LUH (sua companheira de quarto) é a Eva
primordial da desobediência: ela para de tomar as drogas (do controle
pela não-emoção e da "felicidade") e substitui as de THX por placebo (a
30
não-maçã?). Sem as drogas THX começa a transar com LUH e se apaixona.
O casal é preso por "crimes sexuais" e "evasão de drogas". Após saber que
LUH está morta, THX foge para a superfície
O site O Bacamarte, faz uma resenha razoável:
"Não existem nomes: um indivíduo é identificado por um número e um
prefixo de três letras. Logo, também não existem famílias; quem decide
onde e com quem moram as pessoas são computadores. Todos se vestem
de branco, todas as cabeças são raspadas. Em situações de pressão, não se
sente nada além de calma; e também nunca ninguém se apaixona: drogas
farmacológicas anulam esse tipo de impulsos humanos.
É, como nas outras distopias, a história dos personagens que conseguem
escapar. THX 1138, o protagonista, deixa de tomar seus remédios e se
envolve (comete crimes sexuais, na linguagem do filme) demais com a sua
companheira de quarto. Aqui, como em dezenas de outras obras, de Adão
e Eva a Romeu e Julieta, da Guerra de Tróia à Pequena Sereia, é o amor
que causa o desequilíbrio na ordem social. THX acaba preso e depois foge,
sempre mantendo o objetivo de encontrar LUH 3417, sua amada. Com ele,
vão outros dois. Um deles tentava ser líder dos prisioneiros rumo à
liberdade. Outro era um holograma: alguém que só existe para as
televisões, representando cenas eróticas (para que se masturbem os
telespectadores) ou didáticas, (com policiais punindo um presumível
criminoso), entre outras.
Mas há uma diferença crucial neste filme: a segurança é efêmera. Eles são
presos, sim, em uma imensidão branca, onde não se vê horizonte, nem
31
entradas nem saídas, mas é paradoxalmente simples escapar dela. Só foi
necessário caminhar além do lugar em que estavam todos e atravessar
uma porta de metal. Eles são perseguidos na fuga, sim, mas por policias
robôs sem nenhuma estratégia de captura bem elaborada, e
extremamente fáceis de derrotar. E os administradores se preocupam
com as contravenções, mas até o limite de 5% acima da verba destinada
ao caso. Se ultrapassada essa quantia, a operação é cancelada e o
criminoso é deixado à própria sorte.
Ninguém checa se as pílulas são tomadas nos dormitórios. Ninguém grava
o que se fala nos confessionários religiosos espalhados pela cidade. Há um
profundo desprezo pela iniciativa humana, uma crença absoluta na ideia
de que nenhuma pessoa vai tentar fugir. De que não haverá um só a não
cumprir as regras e mesmo que isso aconteça, crê-se que este não é
perigoso ou importante para exceder o orçamento. Não haverá
abordagens positivas desse mundo em lugar algum na internet, mas, antes
de uma parábola obscura sobre o totalitarismo, THX 1138 é uma apologia
à rebeldia".
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos o filme THX 1138 constitui material de pesquisa do
primeiro módulo.
32
ZAMYATIN ANTEVENDO TUDO
Yevgeny Ivanovich Zamyatin (1884-1937) foi um escritor russo famoso
pelo seu romance distópico Nós (Мы/Mii), escrito entre 1920 e 1921 e
lançado em 1924.
O verbete da Wikipedia conta que "a história narra as impressões de um
cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente
perfeita, mas opressora, ao perceber seus conflitos e imperfeições e ao
travar contato com um grupo opositor que luta contra o "Benfeitor",
regente supremo da nação. A obra é baseada, pelo menos em parte, nas
experiências do autor com as revoluções russas de 1905 e 1917 e no
período em que trabalhou supervisionando a construção de navios na
33
Inglaterra (por volta do ano de 1916). Embora escrito no início da década
de 1920, Nós só publicado pela primeira vez em 1924, e em inglês e em
Nova Iorque, por estar proibido na então União Soviética devido à censura
imperante no país. A primeira edição no idioma russo só foi lida em
1927/1928, quando publicada em um jornal de emigrados. O livro só
adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de
abertura do regime soviético... O livro leva a extremos os aspectos mais
totalitários e o conformismo da sociedade industrial moderna,
descrevendo um Estado que acredita que o livre-arbítrio é a causa da
infelicidade e que a vida dos cidadãos deve ser controlada com precisão
matemática baseada nos sistemas de precisão industrial criados por
Frederick Winslow Taylor".
George Orwell - que foi visivelmente influenciado por Zamyatin - chegou a
qualificar Nós como a experiência literária crucial e aventou que o
Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1932) foi parcialmente
derivado do livro de Zamyatin. Ele também escreveu uma resenha sobre o
livro, publicada em Tribune Magazine em 4 de janeiro de 1946. Disponível
no link abaixo:
http://www.orwelltoday.com/weorwellreview.shtml
Ao que tudo indica Zamyatin foi fortemente influenciado, por sua vez,
pelo conto A Nova Utopia de Jerome K. Jerome (1891).
Zamyatin anteviu o stalinismo ou viu suas sementes germinando no
bolchevismo? Talvez tal pergunta não seja mais tão relevante, pois, de
algum modo, ele reconheceu e registrou na sua obra padrões autocráticos
34
que estiveram presentes em tentativas autocráticas de todos os matizes
que pretenderam reformar o mundo. Foi uma antevisão, sim, mas de tudo
e não apenas das consequências do socialismo real.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Zamyatin constitui material de pesquisa
do segundo módulo.
35
STALIN
Na primeira experiência de investigação-aprendizagem que vai começar
no dia 10 de janeiro de 2015, além de 10 romances clássicos, constituem
material de pesquisa 10 filmes.
Agora estamos apresentando os filmes. O segundo deles é Stalin de Ivan
Passer (1992).
Stalin é um filme de televisão de 1992, produzido para a HBO, com Robert
Duvall interpretando o líder soviético. O filme ganhou três prêmios Globo
de Ouro. A filmagem foi feita em Budapeste, na Hungria e em Moscou, na
Rússia.
36
O filme retrata a carreira política e a vida pessoal do ex-líder da União
Soviética, Joseph Stalin. A história é narrada pela filha de Stalin, que
emigrou para os Estados Unidos em 1967.
O filme narra o terror de Estado na União Soviética. Como se sabe, apenas
no período da ditadura stalinista (1921-1953), milhões de pessoas foram
destruídas. O escritor Vadim Erlikman fez as seguintes estimativas em
2004: 1,5 milhões de executados (boa parte dos quais stalinistas...), 5
milhões de presos em campos de concentração (Gulags), 7,5 milhões de
deportados e 1 milhão de mortos civis em países ocupados pela Rússia.
Excluindo-se os mortos pela fome, é possível que 10 milhões de pessoas
tenham sucumbido sob Stalin. Mas embora impactantes, esses números
não são o material mais importante para o desvendamento dos padrões
autocráticos.
Conhecer a ascensão e o apogeu do império stalinista - e a vida cotidiana
sob a gravitatem do novo czar - é desvendar a autocracia em estado puro.
Como reconheceu Nikita Kruschev, todos os que viveram esse período
foram um pouco stalinistas. O ambiente conformado - o Estado totalitário
do partido que configurou todos os espaços sociais, privatizando a
sociedade - gerava continuamente hierarquia e autocracia e reproduzia
stalins em cada funcionário e, no limite, em cada pessoa (aliás, em boa
medida, todas as pessoas viraram funcionárias lato sensu). Mas até hoje,
quando alguma forma de organização hierárquica invoca uma dinâmica
autocrática é o mesmo padrão que está se configurando. A melhor
descrição ainda é a de George Orwell (1949) em Nineteen Eighty-Four,
1984 (material de investigação do sexto módulo do programa): o Partido
37
não apenas representa o Estado (ao qual se fundiu), mas estrutura
hierarquicamente a própria sociedade.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos, o filme Stalin de Ivan Passer constitui material de
pesquisa do segundo módulo.
38
HUXLEY E A SOCIEDADE TOTALMENTE ORGANIZADA
Aldous Huxley (1894-1963) escreveu Admirável Mundo Novo (Brave New
World) em quatro meses (durante o ano de 1931). O livro, publicado no
ano seguinte, "narra - segundo a Wikipedia - um hipotético futuro onde as
pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas
psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais,
dentro de uma sociedade organizada por castas. Na sociedade desse
"futuro" criado por Huxley... qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos
era dissipada com o consumo de uma droga sem efeitos colaterais
aparentes chamada "soma"... O livro desenvolve-se a partir do
contraponto entre esta hipotética civilização ultra-estruturada (com o fim
de obter a felicidade de todos os seus membros, qualquer que seja a sua
39
posição social) e as impressões humanas e sensíveis do personagem
"selvagem" John que, visto como algo aberrante, cria um fascínio estranho
entre os habitantes".
A sociedade distópica de Huxley é uma sociedade totalmente organizada
sob um sistema científico de castas, onde não haveria vontade livre,
abolida pelo condicionamento. A servidão seria aceitável devido as doses
regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam
ministradas em cursos (uma ironia com o sistema educacional?) durante o
sono.
Para que houvesse estabilidade social neste mundo totalmente
organizado era preciso que as pessoas fossem felizes, satisfeitas com o
que lhes foi estabelecido, condicionado: "homens sãos de espírito,
obedientes, satisfeitos em sua estabilidade”. Segundo o livro, “o controle
do comportamento indesejável por intermédio do castigo é menos eficaz,
no fim das contas, do que o controle por meio de reforço do
comportamento desejável mediante recompensas".
Neste admirável mundo novo, o condicionamento imposto começava
desde logo no período da incubação, onde cada sujeito era condicionado
para ocupar o seu lugar na estrutura social criada, cada qual predestinado
para uma função: uns para serem mineiros, outros tecedores de seda,
dentre outras funções. Sendo assim seu espírito seria formado de maneira
a confirmar as predisposições do corpo. Para serem felizes as pessoas
precisavam aceitar passivamente seu destino: "fazer as pessoas amarem o
40
destino social de que não podem escapar”. Tudo era feito para o bem do
próprio Estado.
Huxley, como é óbvio, está descrevendo as consequências do estatismo
levado às suas últimas consequências. Para a prorrogação de um estado
(qualquer estado e não apenas o Estado científico totalitário imaginado na
obra), a estabilidade era a necessidade fundamental e definitiva.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Huxley constitui material de pesquisa
do terceiro módulo.
41
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO
O terceiro filme do programa é Admirável Mundo Novo (Brave New
World) de Leslie Libman e Larry Williams (1998). Foi um filme feito para TV
(destacando-se a participação de Leonard Nimoy - o Spock de Star Trek -
como Mustapha Mond).
Existem várias versões de Brave New World, baseadas no romance
homônimo de Aldou Huxley (1932), já tratado aqui. No programa de
investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões
autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do terceiro módulo.
42
KOESTLER RECONHECENDO DARTH STALIN
Arthur Koestler (1905-1983) escreveu O Zero e o Infinito (Darkness at
Noon) em 1941, narrando as reflexões do fictício preso político Rubachov,
um velho militante bolchevique massacrado pelo regime stalinista durante
o Grande Expurgo na União Soviética. O livro foi uma tremenda inspiração
para George Orwell que escreveu sobre ele e o autor um ensaio em 1944
muito interessante (clique no link abaixo para ler):
https://ebooks.adelaide.edu.au/o/orwell/george/o79e/part21.html
O livro jamais foi levado ao cinema. Faz parte dos "missing movies", como
afirmou Kenneth Lloyd Billingsley (2000) num ensaio sub-intitulado "Why
American films have ignored life under communism" (o link está abaixo):
43
http://reason.com/archives/2000/06/01/hollywoods-missing-movies
Um esboço de verbete da Wikipedia explica que "comunistas americanos
e europeus consideraram O Zero e o Infinito como anti-estalinista e anti-
URSS. Na década de 1940, vários roteiristas de Hollywood ainda eram
comunistas, geralmente foram atraídos para o partido durante as crises
econômicas e sociais da década de 1930... e esses comunistas
consideraram o romance de Koestler importante o suficiente para evitar a
sua adaptação para o cinema".
O livro relata as reflexões do preso político e o processo que o conduz à
morte. O crítico João Pereira Coutinho observa que "o prisioneiro de O
Zero e o Infinito começou por acreditar na revolução e foi um dos mais
importantes dirigentes bolcheviques, até o dia em que deixou de usar a
primeira pessoa do plural - "nós, o partido"; "nós, o Estado"; "nós, o povo"
- e começou a escutar a primeira pessoa do singular: o solitário e
insubornável "eu". O primeiro grande crime de Rubashov é, literalmente,
um crime gramatical. Mas é mais do que isso: é um crime religioso.
Rubashov deixou de ter "fé" na sua "religião secular" (veja no link abaixo a
resenha de Coutinho):
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1295218-critica-livro-o-
zero-e-o-infinito-compoe-retrato-agudo-do-totalitarismo.shtml
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Koestler constitui material de pesquisa
do quarto módulo.
44
O ASSASSINATO DE TROTSKY
O quarto filme do programa é O Assassinato de Trotsky (The Assassination
of Trotsky), de Joseph Losey (1972). A história é conhecida. Trotsky tinha
sido forçado a deixar a União Soviética em 1929 com a ascensão do
stalinismo. O filme tem seu ponto culminante no ano de 1940, quando
Trotsky estava vivendo no México. Mas nem tão distante logrou escapar
das garras do então ditador da União Soviética, Joseph Stalin, que envia ao
seu encalço um assassino chamado Frank Jackson. O assassino decide se
infiltrar na casa de Trotsky travando amizade com um dos jovens
comunistas do seu círculo mais íntimo no exílio.
45
O filme está no mesmo módulo do livro de Arthur Koestler (1941), O Zero
e o Infinito (Darkness at Noon), escrito no mesmo ano do assassinato de
Trotsky, não por acaso. Assim como Rubashov, importante líder
bolchevique fictício assassinado pelo regime bolchevique, Leon Trotsky,
um dos principais dirigentes da revolução de outubro, também é tragado
pelo poder despótico que ajudou a instaurar. Ao contrário, porém, de
Rubashov, que deixou de ter fé na sua religião secular, Trotsky, não
abandona o padrão hierárquico-autocrático na sua oposição à Stalin, na
sua campanha contra uma suposta degeneração que teria ocorrido após a
morte de Lenin e nas circunstâncias da horrível luta interna que levaram
ao seu posterior exílio.
O padrão autocrático é sempre um padrão de comportamento é persiste
mesmo formalmente fora do Estado.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quarto
módulo.
46
ORWELL É O BICHO
George Orwell (1903-1950) - pseudônimo do escritor e jornalista inglês
Eric Arthur Blair, nascido na Índia Britânica - publicou em 1945 a novela
satírica A Revolução dos Bichos (Animal Farm). O livro foi incluído na lista
dos cem melhores romances do século 20. Há um bom Orwell Reader no
link abaixo:
http://www.theorwellreader.com/index.shtml
A Revolução dos Bichos é uma sátira da revolução bolchevique e uma
crítica contundente do período stalinista na União Soviética. Na fábula os
animais de uma granja se revoltam contra os humanos e fazem uma
revolução. Liderados pelos porcos Bola-de-Neve (Snowball) e Napoleão
47
(Napoleon), os animais tentam criar uma sociedade utópica, mas
Napoleão, seduzido pelo poder, afasta Bola-de-Neve e estabelece uma
ditadura semelhante a dos humanos.
A sociedade pós-revolucionária da fazenda dos bichos reproduzia a
estrutura (hierárquica) e a dinâmica (autocrática) da antiga dominação
humana. Em vez de uma revolução social propriamente dita, houve
apenas a troca dos ocupantes humanos por ocupantes animais. As regras
iniciais foram então sendo adaptadas às conveniências dos que tomaram
o poder. Assim, os preceitos revolucionários iniciais viraram preceitos de
adaptação às condições pretéritas:
- "Nenhum animal dormirá em cama" virou "Nenhum animal dormirá em
cama com lençóis".
- "Nenhum animal beberá álcool" (o antigo dono humano, o fazendeiro
Jones, era um beberrão cruel) virou "Nenhum animal beberá álcool em
excesso".
- "Nenhum animal matará outro animal" virou "Nenhum animal matará
outro animal sem motivo".
- "Todos os animais são iguais" virou "Todos os animais são iguais, mas
alguns são mais iguais que os outros".
No final os animais que fizeram a "revolução" mas não estavam no poder
já não conseguiam mais distinguir os porcos dos homens.
48
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Orwell constitui material de pesquisa
do quinto módulo.
49
A REVOLUÇÃO DOS BICHOS
O quinto filme do programa é A Revolução dos Bichos (Animal Farm) de
John Stephenson (1999). Há uma versão anterior (animação), de Joy
Batchelor e John Halas (1954).
O filme é baseado no conto satírico de George Orwell (1945) de mesmo
nome e que já foi tratado no link aqui.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quinto
módulo.
50
ORWELL VIAJANDO NO TEMPO
George Orwell escreveu em 1948 o livro 1984 (Nineteen Eighty-Four). O
livro foi publicado em 1949 e representou, talvez, a distopia definitiva do
século 20, escrita no dealbar da guerra-fria (mas que, de certo modo,
ainda remanesce no século 21). Por isso é uma viagem no tempo: o livro
até hoje é proibido em algumas ditaduras. Recentemente nasceu um
movimento de desobediência civil na Tailândia, onde pequenos grupos se
reúnem nas ruas e praças da cidade para ler a obra proibida pelo regime
em pleno ano de 2014!
1984 narra a história fictícia de um Estado totalitário fundido a um partido
autocrático. O Partido - que conquistou hegemonia sobre a sociedade (em
51
termos leninianos e gramscianos) - é dirigido por um Partido Interno,
comandado pelo Grande Irmão (Big Brother: o chefe supremo, o líder, o
führer) que congrega ou representa 2% da sociedade ou sua camada
superior. As camadas médias compõem o Partido Externo, representando
13% da sociedade. Todos os 85% restantes compõem a camada baixa (os
Proles). Ou seja, o Partido não apenas representa o Estado (ao qual se
fundiu), mas estrutura hierarquicamente a própria sociedade. De sorte
que toda a sociedade vira assim, na distopia de Orwell, uma organização
privada.
A novela que serve de veículo para a crítica de George Orwell é centrada
no personagem Winston Smith, que é (segundo o sofrível verbete da
Wikipedia) "um homem com uma vida aparentemente insignificante, que
recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime através da
falsificação de documentos públicos e da literatura a fim de que o governo
sempre esteja correto no que faz. Smith fica cada vez mais desiludido com
sua existência miserável e assim começa uma rebelião contra o sistema".
Em 1984 a guerra é o fundamento de tudo. Mas não a guerra quente, a
guerra de facto, e sim a guerra que era simulada como engendramento
para construir e manter inimigos como pretexto para reproduzir cosmos
sociais estruturados segundo padrões autocráticos e regidos por
dinâmicas autocráticas. No livro, o membro do Partido Interno O'Brien
descreve a visão de futuro do partido:
"Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida. Todos os
prazeres concorrentes serão destruídos. Mas sempre... não se esqueça,
52
Winston... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente
crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo
momento, haverá o gozo da vitória, a sensação de pisar um inimigo
vencido. Se quer uma imagem do futuro, pense numa bota pisando um
rosto humano – para sempre".
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos o livro 1984 de Orwell constitui material de pesquisa
do sexto módulo.
53
1984
O sexto filme do programa é 1984 (Nineteen Eighty-Four) de Michael
Radford (1984). Há uma versão anterior, de Michael Anderson (1956).
O filme é baseado no livro homônimo de George Orwell (1949) e que já foi
tratado aqui.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sexto
módulo.
54
BRADBURY QUEIMANDO À 451F
Ray Bradbury (1920-2012) - um escritor americano de ficção científica -
escreveu Fahrenheit 451 em 1953, três anos após a publicação do
excelente Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles). Mas tudo indica
que Fahrenheit 451 foi seu preferido pois, a seu pedido, a sua lápide
funerária no cemitério Westwood Village Memorial Park, contém o
epitáfio: «Autor de Fahrenheit 451».
O verbete da Wikipedia sobre Fahrenheit 451 é bem razoável. Abaixo
seguem excertos.
"O conceito inicial do livro começou em 1947 com o conto "Bright
Phoenix" (que só seria publicado na revista Magazine of Fantasy and
55
Science Fiction em 1963). O conto original foi reformulado na novela The
Fireman, e publicada na edição de fevereiro de 1951 da revista Galaxy
Science Fiction. A novela também teve seus capítulos publicados entre
março e maio de 1954 em edições da revista Playboy. Escrito nos anos
iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma
crescente e disfuncional sociedade americana.
O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos,
opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o
pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag,
trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de
livro"). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima
do papel, equivalente a 233 graus Celsius...
O romance reflete importantes temas inquietantes da época de sua
escrita, deixando muitos interpretarem diferentemente do que pretendia
Bradbury. Entre os temas atribuídos para o romance, o que Bradbury
chamou de "força destruidora de pensamentos" da censura nos anos 50,
os incêndios de livros na Alemanha Nazista que começaram em 1933 e as
horríveis consequências da explosão de uma arma nuclear:
"Eu quis dizer qualquer espécie de tirania, em qualquer parte do mundo, a
qualquer hora, na direita, na esquerda ou no centro".
Uma circunstância particularmente irônica é que, sem o conhecimento de
Ray Bradbury, foi publicado uma edição censurada em 1967, omitindo as
palavras "droga" e "inferno", para a distribuição em escolas".
56
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos o livro Fahrenheit 451 de Bradbury constitui material
de pesquisa do sétimo módulo.
57
FAHRENHEIT 451
O sétimo filme do programa é Fahrenheit 451 de François Truffaut (1966)
e conta com a participação de Julie Christie (como Clarice / Linda Montag)
que não consegue ofuscar a de Oskar Werner (o protagonista Guy
Montag).
O filme é baseado no livro homônimo de Ray Bradbury (1953) e que já foi
tratado aqui.
Cenas finais foram colocadas no segundo vídeo (de menos de 5 minutos)
que divulga o programa 100 DIAS DE VERÃO e estão no link abaixo:
http://youtu.be/MWSP4AP_AqM
58
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sétimo
módulo.
59
GOLDING E BA'AL ZEBUB
William Golding (1911-1993) - poeta inglês e Nobel de literatura em 1983 -
escreveu a novela alegórica O Senhor das Moscas em 1953. O livro,
publicado no ano seguinte, não fez sucesso na época. O livro retrata o
comportamento de um grupo de crianças inglesas de um colégio interno,
preso em uma ilha deserta após a queda do avião que as transportava
para longe da guerra.
O Senhor das Moscas (1954) faz parte da literatura do pós-guerra e - como
A Revolução dos Bichos de George Orwell e tantos outros - explora, de
forma peculiar, a tensão entre democracia e autocracia no dealbar da
guerra fria a partir do comportamento social de indivíduos em condições
60
de escassez (natural e artificial, porém mais artificial do que natural - e aí
pode estar uma chave de interpretação para o surgimento de modos de
regulação autocráticos aderentes a padrões de organização hierárquicos).
Segundo a análise do verbete na Wikipedia, "muitos interpretaram O
Senhor das Moscas como um trabalho de filosofia moral. O cenário da
ilha, um paraíso com toda a comida e a água necessários, pode ser visto
como uma metáfora para o Jardim do Éden. Assim, a primeira aparição do
“Bicho” seria o surgimento da serpente, como o mal surge no livro de
Gênesis. Um dos principais temas do livro é a natureza do Mal. Isto pode
ser claramente visto na conversa que Simon [um dos personagens]
mantem com o crânio do porco, que se refere a si mesmo como “O Senhor
das Moscas” (uma tradução literal do nome hebraico de Ba'alzevuv, ou
Beelzebub em grego). O nome, enquanto se refere aos enxames de
moscas sobre si, claramente refere-se ao personagem bíblico".
Talvez seja melhor interpretá-lo, entretanto, como a descrição de um
experimento social do que como uma reflexão sobre a origem do mal ou,
mesmo, como uma alegoria política stricto sensu. O livro permite uma
leitura capaz de fazer correspondências entre o social e o político, ou seja,
sobre os condicionamentos recíprocos entre padrão de organização e
modo de regulação.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos o livro de Golding constitui material de pesquisa do
oitavo módulo.
61
O SENHOR DAS MOSCAS
O oitavo filme do programa é O Senhor das Moscas (Lord of the Flies), de
Peter Brook (1963).
O filme é baseado no livro homônimo de William Golding (1954) e que já
foi tratado aqui.
Em termos bem simplórios, a ementa divulgada pelas distribuidoras diz o
seguinte. Após um terrível acidente aéreo, um grupo de crianças vê-se
perdido numa ilha deserta. Ao perceberem as dificuldades de obterem
socorro, os meninos unem-se para fazer frente ao medo e ao desespero.
Mas a medida que se apossam da ilha, cresce um sentimento de
competição e de luta pelo poder, que os divide em dois grupos. O título é
62
uma referência a Belzebu (do nome hebraico Ba’al Zebub), um sinônimo
para o Diabo). É melhor ler a resenha do livro no link acima para entender
por que O Senhor das Moscas está incluído na lista.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do oitavo
módulo.
63
SOLJENÍTSIN E O INNER CIRCLE
Alexander Soljenítsin ou Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008) foi um
romancista russo - Nobel de literatura em 1970 - que escreveu, entre
outros, o livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (1962). Publicado no
auge da Guerra Fria (sob licença expressa de Nikita Kruschev ) a obra foi
escrita em segredo. Reportagem da época do lançamento (publicada em
outubro de 1962 na revista Veja) relata o seguinte:
"O autor da obra, um professor e historiador de 43 anos, não imaginou as
atrocidades relatadas no livro nem ouviu os testemunhos de antigos
prisioneiros – Solzhenitsyn sentiu a fúria do regime na própria pele, numa
longa detenção que só por milagre não lhe custou a vida. Comandante de
64
um pelotão de artilharia no Exército Vermelho durante a II Guerra
Mundial, ele foi condecorado duas vezes no decorrer dos combates. No
fim da campanha, entretanto, foi detido por criticar Stalin numa carta
privada enviada a um amigo. Até esse momento, Solzhenitsyn jamais
questionara a ideologia comunista ou a propalada superioridade dos
soviéticos frente ao mundo capitalista. Tudo isso mudou nos oito anos de
prisão nos campos para prisioneiros políticos. Em um deles, em Ekibastuz,
no Cazaquistão, o autor foi escravizado como mineiro e pedreiro, sempre
sob condições desumanas. Só deixou o campo em 1953, vítima de câncer
[na verdade de um tumor não identificado] e à beira da morte. Curado
num hospital de Tashkent, Solzhenitsyn foi perdoado e pôde retornar à
porção européia da URSS, onde passou a trabalhar como professor de
escola secundária. À noite, contudo, o ex-prisioneiro escrevia em segredo,
sem jamais imaginar que algum dia poderia mostrar essas páginas para
qualquer outra pessoa.
Descrente das ilusões marxistas, Solzhenitsyn inspirou-se na sua própria
trajetória pelos campos do gulag [realidade tenebrosa revelada ao mundo,
anos mais tarde, por ele mesmo, em Arquipélago Gulag (1973)] para
escrever Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Assim como ele, o
personagem do título é capturado pela máquina do Kremlin graças a uma
acusação esdrúxula – no caso de Denisovich, a suspeita de que teria
espionado para os alemães depois de ser capturado na II Guerra. O
prisioneiro era inocente, mas recebeu uma pena de dez anos no gulag. O
livro revela aspectos estarrecedores do sistema de repressão aos
dissidentes. Denisovich já acorda passando mal, é castigado por dormir
65
alguns minutos a mais, passa o dia trabalhando num frio de rachar a
espinha e tem de brigar para conseguir engolir uma ração miserável. O
cenário descrito pelo personagem é desolador: os prisioneiros enfrentam
o inferno branco do Cazaquistão com sapatos menores que seus pés, luvas
que rasgam a qualquer movimento, camas raquíticas e cobertas
esburacadas. Acabam torcendo por um frio ainda mais intenso – a única
situação em que são dispensados dos massacrantes trabalhos braçais é
quando o termômetro aponta menos de 41 graus abaixo de zero.
Solzhenitsyn só resolveu mostrar ao mundo sua obra há alguns meses,
quando tomou coragem e procurou o editor-chefe da Noviy Mir, um poeta
chamado Alexander Tvardovsky, com o manuscrito em mãos".
Massacrado pela máquina infernal do Estado soviético - antes, durante e
depois da sua prisão, inclusive no seu tempo de exílio nos Estados Unidos -
, vítima da contra-propaganda dos comunistas que jamais o perdoaram
por ter desmascarado o horror do regime soviético, Soljenítsin refugiou-se
na religião, denegou a democracia (conquanto tenha se notabilizado pela
denúncia mais veemente do terror de Estado autocrático), aplaudiu
ditaduras como a de Franco e Pinochet, para acabar sucumbindo aos
encantos de Putin (chefe da FSB, sucessora da KGB, sucessora da NKVD
que o prendera em 1945 simplesmente por ter feito críticas indiretas a
Stalin em correspondência privada a um amigo).
Na interpretação do livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (assim como
do restante da sua obra, em especial Arquipélago Gulag e O Primeiro
Círculo) não conta para nada a trajetória posterior da vida de Soljenítsin.
Não se trata de uma luta entre Soljenítsin e o comunismo (ou melhor, a
66
ditadura na Rússia e satélites, chamada de União Soviética) para ver quem
é melhor ou menos pior e sim da denúncia de quem sofreu na pele suas
terríveis consequências. Não há mais o que dizer. É preciso ler.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse livro de Soljenítsin constitui material de
pesquisa do nono módulo.
67
O CÍRCULO DO PODER
O nono filme do programa é O Círculo do Poder (The Inner Circle), de
Andrei Konchalovsky (1991). Inspirado em um personagem real, um
funcionário da KGB, projecionista e devoto do ditador Joseph Stalin. Um
retrato cruel do totalitarismo na Rússia stalinista.
O site 50 Anos de Filmes faz uma resenha razoável:
"Uma característica fantástica é o fato de ele ter sido feito ainda na União
Soviética, numa co-produção ítalo-soviética-americana. Eram os
momentos finais, era o auge da glasnost de Gorbachev, 1991, mas o
império ainda existia, e o filme foi todo rodado em Moscou.
68
É fantástico também saber que aquilo se baseia em fatos reais. O
personagem central, Alexander Ganshin, existiu de fato, e estava vivo
quando o filme foi rodado; Tom Hulce, o ator que havia feito Mozart no
Amadeus de Milos Forman, e que interpreta Alexander Ganshin,
conversou com ele, na época da filmagem.
Ganshin era um competente projecionista de filmes, um sujeito humilde,
apolítico, simplório, meio bobo, meio pateta, mas competente no que
fazia – e, um belo dia, foi chamado ao Kremlim para ser o projecionista na
sala onde Josef Stálin (Aleksandr Zbruyev) via filmes com sua camarilha, o
inner circle, o círculo do poder do título. Foi o projecionista do ditador até
a morte dele, e o filme conta toda a sua história, desde o dia em que é
levado pela primeira vez ao Kremlim, em 1939, até 1953, o ano da morte
de Stálin. Aliás, as sequências em que uma multidão imensa presta as
derradeiras homenagens ao chefe do regime que assassinou milhões são
belíssimas.
O filme mostra os dois ambientes – a vida do projecionista com sua
mulher em uma habitação coletiva, a dura vida real das pessoas normais,
e a sala de projeção no Kremlin. Tom Hulce está um tanto exagerado nas
caretas, assim como Lolita Davidovich, como sua mulher, pessoa humilde
que de repente passa a ter um marido assim com os homens lá do alto do
império, e é capaz de, de vez em quando, levar, para a habitação coletiva
restos das iguarias servidas na Versalhes do Ditador Sol, coisas que os
vizinhos nunca tinham visto na vida.
69
Sim, os dois estão um tanto exagerados, mas é impressionante o
striptease que o diretor Andrei Konchalovsky faz da hipocrisia dos
próximos ao poder, do medo onipresente de que um pequeno passo em
falso de qualquer pessoa do povo naquele império totalitário pudesse
levar à degradação, à prisão, à morte...
O diretor nasceu em 1945, o ano do final da Segunda Guerra e o primeiro
da guerra fria; era garoto, portanto, quando Stálin morreu, em 1953, e os
crimes stalinistas começaram a ser denunciados dentro da União
Soviética. Filho de dois escritores, descendente de um pintor famoso,
irmão do também cineasta Nikita Mikhalkov, ele estudou cinema e ficou
próximo de Andrei Tarkovsky, um diretor que Stálin seguramente teria
banido para a Sibéria por ser independente demais. Como ele,
Konchalovsky se afastou da ortodoxia do cinema soviético, e sofreu duras
críticas por isso; acabou passando uma temporada no Ocidente, onde fez,
entre outros, Os Amantes de Maria/Maria’s Lover, com Nastassja Kinski,
Gente Diferente/Shy People, com Jill Clayburgh e Barbara Hershey, e até
um policialzinho, Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russell.
Voltou para a terra natal para fazer esta beleza de filme".
O Circulo do Poder é um excelente material para o reconhecimento de
padrões autocráticos na vida cotidiana, nos comportamento e gestos mais
comezinhos dos que se acercavam da fonte dessa imensa perturbação do
campo social que gerava a autocracia soviética.
70
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do nono
módulo.
71
HERBERT E O JIHADISMO FREMEN
Um depoimento pessoal (de Augusto de Franco), escrito em julho de 2010
e publicado na Escola-de-Redes:
"Conheci o famoso "Duna" (1965) de Frank Herbert apenas em 1987. De lá
para cá, não parei de ler - repetidamente - todos os seis livros da série,
que foi interrompida em 1985 com a morte do autor (+1986).
Cada vez que leio Herbert, descubro mais e mais coisas interessantes. Em
parte, minha compreensão das redes sociais, devo-a a ele. Sobretudo a
uma frase - uma pérola do segundo livro da série, "O messias de Duna"
(1969) - que não me canso de citar: "Não reunir é a derradeira
ordenação".
72
Agora, relendo, pela terceira ou quarta vez, "Os filhos de Duna" (1976) - o
terceiro da série - me deparo com um diálogo em que Leto (filho de Paul
Atreides que se transmutaria no Imperador-Deus de Duna) diz: "Nós
seremos um ecossistema em miniatura... Seja qual for o sistema que um
animal escolha para sobreviver, deve basear-se num padrão de
comunidades interligadas, interdependentes, trabalhando juntas para o
objetivo comum que é o sistema". Ora, o que é isso senão uma poderosa
antevisão do que agora chamamos de sustentabilidade (de um ponto de
vista sistêmico)? E o que é isso senão um entendimento profundo da
dinâmica de rede que nos permite afirmar, como fiz em 2008, sem ter
consciência dessa passagem (que, por certo, já havia lido) que "tudo que é
sustentável tem o padrão de rede"?
Herbert escreveu uma série ecológica. Mas ele sabia - ao contrário dos
ambientalistas atuais, que pensam em salvar o planeta fazendo
proselitismo e emprenhando as pessoas pelo ouvido - que nada disso
depende do que se chama de consciência. Como epígrafe de um dos
capítulos de "Os filhos de Duna", ele colocou na boca de Harq al-Ada,
cronista do Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas
inteligentes):
"O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar
melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela uma
perigosa ignorância. Essa tem sido freqüentemente a abordagem
ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e tecnólogos".
73
Aprendi mais política com Frank Herbert do que na minha longa incursão
pelos clássicos. No livro Alfabetização Democrática (2007) indiquei a
leitura da série Duna como parte de um programa de aprendizagem em
democracia. Reproduzo a passagem:
"Existem também algumas obras de ficção que ajudam a compreender a
natureza e perceber as manifestações – explícitas ou implícitas – do poder
vertical. Pouca gente se dá conta de que é possível aprender mais sobre
política democrática lendo atentamente esses livros do que estudando
volumosos tratados teóricos sobre política. Para quem está interessado na
"arte" da política democrática é importantíssimo ler, por exemplo, a série
de livros de Frank Herbert, que se inicia com o clássico "Duna". Um curso
prático de política democrática deveria recomendar a leitura dos seis
volumes que compõem essa série: Dune (1965), Dune Messiah (1969),
Children of Dune (1976), God Emperor of Dune (1981), Heretics of Dune
(1984) e Chapterhouse: Dune (1985). Herbert faleceu em 1986, quando
estava trabalhando no sétimo volume da série. Seus livros foram
publicados no Brasil pela Nova Fronteira, com os respectivos títulos: Duna,
O Messias de Duna, Os Filhos de Duna, O Imperador-Deus de Duna, Os
Hereges de Duna e As Herdeiras de Duna. Um bom - e além de tudo
prazeroso – exercício de formação política seria tentar desvendar Duna,
do ponto de vista daquelas manifestações do poder vertical que se
contrapõem à prática da democracia - quer dizer, das atitudes míticas
diante da história, sacerdotais diante do saber, hierárquicas diante do
poder e autocráticas diante da política – realizando explorações nesse
maravilhoso universo ficcional de Frank Herbert".
74
Herbert parecia saber que a chave para a formação da pessoa como ser
singular - e não como mais um indivíduo de um rebanho, mera
reprodução de um sistema de dominação - está na desobediência. Um
ghola (ao contrário de um clone) só poderia ser despertado dessa forma.
Mas um diálogo entre um ghola Duncan Idaho e o bashar Miles Teg, em
"Os hereges de Duna" (1984) dá uma pista de que a desobediência deve
ser aprendida, não pode ser ensinada:
" - E o que vocês esperam que eu faça?
- Você já sabe.
- Não, não sei. Por favor, ensine-me!
- Você fez muitas coisas sem precisar que o ensinassem a fazê-las.
Será que lhe ensinamos a desobediência?"
Ao escrever o Desobedeça (2010) talvez tenha sido inconscientemente
influenciado por essa passagem de Herbert. E agora, que estou
trabalhando no meu novo livro "Fluzz: vida humana e convivência social
nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio", ainda
estou sob tal influência. Reproduzo um trecho já rascunhado da
introdução do novo livro:
"Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida
humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os
“tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente humanos.
Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas sociais”.
75
Os tanques onde somos formados como pessoas são clusters, regiões da
rede social a que estamos mais imediatamente conectados.
Um tipo especial de ghola: não um clone de um indivíduo, mas um “clone”
de uma configuração de pessoas. Toda pessoa, já dizia Novalis em 1798, é
uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoa é um ente
cultural que replica uma configuração. É um ghola social".
No universo ficcional de Duna, os tanques axlotl são mulheres tleilaxu que
sofreram um coma cerebral químico induzido, a par de outras
intervenções genéticas, para servir como usina de gholas. Os Tleilaxu (ou
Bene Tleilax) são uma sociedade fechada de religiosos altamente
avançados tecnologicamente, em especial em engenharia genética. Meio
assustador, por certo. Mas para entender esse universo de Herbert é
preciso ler as camadas da sua escritura: literal, alegórica ou metafórica,
simbólica ou até, quem sabe, um pouco mais do que isso.
Como qualquer pessoa que consegue realmente libertar a imaginação,
Frank Herbert acaba roçando nos padrões ocultos que estão, por assim
dizer, por trás das manifestações visíveis. Sobre isso, aliás, já havia
escolhido, para epígrafe do livro que ainda não consegui terminar - "A
Rede: Explorações no multiverso das conexões ocultas que configuram o
que chamamos de social" - uma outra passagem de Herbert, também de
"Os filhos de Duna" (1976):
"E naquele instante ele viu o planeta inteiro: cada vila, cada cidade, cada
metrópole, os lugares desertos e os lugares plantados. Todas as formas
que se chocavam em sua visão traziam relacionamentos específicos de
76
elementos interiores e exteriores. Ele via as estruturas da sociedade
imperial refletidas nas estruturas físicas de seus planetas e de suas
comunidades. Como um gigantesco desdobramento dentro dele, ele via
nessa revelação o que ela devia ser: uma janela para as partes invisíveis da
sociedade. Percebendo isso, notou que todo sistema devia possuir tal
janela. Mesmo o sistema representado por ele mesmo e o universo.
Começou a perscrutar as janelas, como um voyeur cósmico."
Bem, este tributo é apenas uma nota introdutória à aventura, muito
prazerosa para mim, de explorar o universo ficcional de Frank Herbert".
[Fim da transcrição]
E agora, mais de quatro anos depois, Duna volta à cena, desta feita para
ser explorado do ponto de vista do surgimento de padrões autocráticos,
sobretudo na organização dos fremen: uma alegoria de Herbert para os
mujahidin (ou jihadistas). Mujahidin (‫ن‬ ‫;مجاهدي‬ também transliterado como
mujāhidīn, mujahedin, mujaidim, etc.) é a forma plural de mujahid (‫,)مجاهد‬
que se traduz literalmente do árabe ‫ن‬ ‫مجاهدي‬ (muǧāhidīn), como
"combatente" ou "alguém que se empenha na luta (jihad)", embora o
termo seja frequentemente traduzido como "guerreiro santo".
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos o livro Duna constitui material de pesquisa do
décimo e último módulo.
77
DUNA
O décimo - e último - filme do programa é Duna (Dune), de David Lynch
(1984). Em 10.191 d. C., a substância mais cobiçada do universo é a
especiaria (melange, especiaria, traduzida ridiculamente na versão
dublada por "tempero"), encontrada somente no planeta desértico
Arrakis, conhecido como Duna. Depois que seu pai é assassinado pelo
cruel Barão Harkonnen, o jovem Paul Atreides descobre que seu destino
está ligado à Duna, onde terá início uma batalha monumental que irá
redefinir o cosmos.
O filme de Lynch não faz jus ao livro de Frank Herbert (sobretudo por um
absurdo ecológico cometido no final, abreviando para minutos um
78
processo que levou séculos - a volta da chuva em Duna - e introduzindo
com isso um milagre que destrói a lógica da narrativa). No entanto,
contém detalhes interessantes para o reconhecimento de padrões (com
destaque para o figurino de Bob Ringwood).
O livro homônimo de Frank Herbert (1965) já foi tratado aqui.
No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de
padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do décimo -
e último - módulo.
Danienlared (num site hoje desativado) fez em 2010 o seguinte resumo da
trama (em espanhol):
"La Casa Atreides, recibe del Emperador Paddishah imperial Shaddam IV
Corrino, el feudo del planeta Arrakis (llamado tambien Dune) para
encargarse de la explotacion de la especia o melange, una sustancia unica
en el universo, y de vital importancia. Quien controla la especia, controla
el universo.
La familia, comandada por el Duque Leto Atreides, con su concubina Bene
Gesserit Dama Jessica, su hijo Paul, y sus fieles servidores, el Mentat Thufir
Hawat, el Doctor Suk Wellington Yueh, y los Maestros de armas Gurney
Halleck y Duncan Idaho, emprenden el viaje desde Caladan para tomar el
control de Arrakis.
Para una Casa menor, como es la Atreides, es un gran honor, pero en
realidad es una trampa que preparan los anteriores poseedores del feudo,
los Harkonnen y el Emperador Corrino, como venganza por pasadas
79
rencillas con el Duque Leto. El plan Harkonnen incluye la traicion del
Dr.Yueh una vez esten instalados en la capital de Arrakis, Arrakeen, e
consiste en un ataque de los invencible soldados Sardaukar imperiales,
vestidos con uniforme Harkonnen.
Los Atreides huelen la trampa, y tratan de establecer alianzas con los
desconocidos y salvajes Fremen, habitantes del desierto profundo, cosa
que consiguen en un principio. Pero el ataque se produce y caen los
Atreides, que son capturados. El Dr.Yueh implanta en la boca del Duque
un diente con un gas venenoso, para que mate al Baron Harkonnen, señor
de esa Casa. A cambio, Yueh preparara la huida de su concubina Jessica y
su hijo Paul. El Duque falla en su intento, asesinando al Mentat del Baron,
Piter DeVries, pero Jessica y Paul si logran, tras utilizar los poderes de la
Voz contra los soldados Harkonnen que los transportan al desierto para
dejarlos alli y que se los coman los gusanos de arena (especie unica de
este planeta), huir, y entrar en contacto con los Fremen. El Naib Fremen,
Stilgar, les da cobijo.
Debido a las manipulaciones religiosas de la Missionaria Protectiva de la
Bene Gesserit, los Fremen ven a Paul como el Mesías que guiará a su
pueblo en la transformación del arido Dune en un ecosistema verde. Su
lider, el planetologo imperial Liet-Kynes, muere a manos de los
Harkonnen. Jessica acepta convertirse en la Sayyadina de los Fremen, y
supera la Agonia de la Especia. Al estar embarazada en ese momento, su
futura hija, Alia, sera una “abominacion”, una niña con todos los
conocimientos de una Bene Gesserit adulta. Paul adopta el nombre
fremen de Muad’Dib y conoce a Chani, encargada de protegerle y
80
enseñarle las costumbres Fremen. El amor surgirá entre la pareja, y Chani
será su compañera. Con ella, tiene un hijo que morira en un ataque
Harkonnen a un sietch Fremen.
Paul Muad’Dib se convierte en el líder de los Fremen, guiándoles en una
revolución contra los Harkonnen y el Emperador, saboteando la
producción de especia. Pero ademas sus poderes prescientes aumentan
día a día. Paul, para descubrir si es verdaderamente el Kwisatz Haderach,
se somete a la Agonia de la Especia, que supera tras un coma.
Una vez recuperado, Paul Muad’Dib vence con sus fieles Fedaykin y los
Fremen, a los hasta entonces invencibles soldados Sardaukar imperiales,
en la Batalla de Arrakeen. Ya en el Palacio, frente al Emperador, derrota
en un combate a muerte al heredero de los Harkonnen, Feyd-Rautha.
Obliga al Emperador al exilio, toma por esposa a la hija mayor de este,
Irulan Corrino (como gesto ante las demas Casas del Landsraad), y se
proclama Emperador del Universo Conocido. La Yihad de Muad’Dib se
extiende por todos los planetas del universo hasta la victoria final".
Para quem tiver interesse, todos os livros da saga Duna estão
apresentados em um tópico do grupo DUNA da Escola-de-Redes que pode
ser acessado no link abaixo:
http://escoladeredes.net/group/duna/forum/topics/todos-os-livros-da-
saga-duna

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Reconhecimento de padrões autocráticos em documentos históricos

  • 1. 1
  • 2. 2 O QUE É Estamos começando a experimentar um projeto de investigação- aprendizagem democrática pelo exercício do reconhecimento de padrões autocráticos (esta parte inicial do projeto é baseada em 10 livros clássicos de ficção e 10 filmes). Esta primeira experiência foi intitulada 100 DIAS DE VERÃO (e está programada para acontecer de 10 de janeiro a 20 de abril de 2015). Mas o projeto é mais amplo: depois ele vai abordar 10 livros históricos e, em seguida, 10 textos teóricos fundamentais de referência (ver a lista completa no final). Tudo começa com a leitura e reflexão exploratória na busca de "isomorfismos" (em sentido figurado ou metafórico), ou melhor, de
  • 3. 3 características que permitam o mapeamento entre objetos para desvelar relações entre suas propriedades ou operações. No caso estamos buscando identificar padrões de organização e de regulação que permitam reconhecer a presença - em diferentes manifestações ou eventos - de matrizes hierárquicas e autocráticas próprias do estatismo. O estatismo é definido como um tipo de comportamento político conforme a uma visão estadocêntrica do mundo (que não reconhece, para além do Estado, a autonomia - e, em alguns casos, a legitimidade - de outros modos de agenciamento, como o mercado e a sociedade civil, as comunidades glocais e as redes (mais distribuídas do que centralizadas) de pessoas. O estatismo não incide apenas no comportamento político que foi identificado como fascismo (nazismo ou nacional-socialismo), mas também naqueles de raiz marxista (marxista-leninista ou marxista- gramscista) que se declararam socialistas ou comunistas (do socialismo realmente existente) e, ainda, nos diversos tipos de jihadismo (com ou sem Estado formal instalado e reconhecido), como o jihadismo fundamentalista islâmico ou os jihadismos laicos (de caráter nacionalista e, via de regra, militarista), nas teocracias (como a iraniana) e nas ditaduras em geral e, por último, nas formas híbridas (como o neoexpansionismo da Rússia de Putin que pretende reeditar a guerra fria e a política de blocos - neste caso apenas como pretexto para consolidar uma hegemonia de longa duração de um grupo privado sobre a sociedade russa a partir do Estado controlado pela FSB). Um exemplo de reconhecimento de padrões é o culto necrófilo do trabalho: A <=> B | A = Na entrada dos campos de concentração nazistas
  • 4. 4 (como Auschwitz I e Sachsenhausen, Dachau, Gross-Rosen e Theresienstadt, Auschwitz III / Buna / Monowitz e Flossenbürg), bem em cima de portões de ferro, havia a frase: Arbeit macht frei (O trabalho liberta) | B = Na entrada dos campos de concentração soviéticos (Gulag), em geral em lugar bem visível, havia inscrições com frases de Josef Stálin. Uma delas era: "Honra e glória ao trabalho, exemplo de entrega e heroísmo". Quando se trata de padrões de organização ou comportamento, isomorfismos (lato sensu) são pistas de deciframento. Mas a "ciência" de reconhecimento de padrões está apenas começando. Usamos a palavra isomorfismo em sentido figurado (e deslizado do seu sentido matemático original). Na álgebra abstrata, um isomorfismo é um homomorfismo bijetivo. Duas estruturas matemáticas são ditas isomorfas se há um mapeamento um-para-um entre os elementos das suas estruturas matemáticas. Essencialmente, dois objetos são isomorfos se eles são indistinguíveis com base apenas na seleção de suas características correspondentes. Isomorfismo é então o mapeamento entre objetos que mostra um relacionamento entre duas propriedades ou operações. Como toda metáfora é imperfeita e corre alto risco não ser bem-entendida. Vejamos mais um exemplo. Robert Paxton (2004), em Anatomia do Fascismo, conta a seguinte passagem: "O cabo Adolf Hitler, de volta ao serviço ativo no IV Comando dos Grupos do Exército, em Munique, após se recuperar da cegueira histérica que o acometera ao saber da derrota alemã, foi enviado pelo Serviço de
  • 5. 5 Inteligência do Exército, em setembro de 1919, para investigar um dos muitos movimentos nacionalistas que vinham surgindo na desordem do pós-guerra. O Partido dos Trabalhadores Alemães (Deutsche Arbeiterpartei - DAP) havia sido criado ao final da guerra por um chaveiro patriota, Anton Drexler. Encontrando um punhado de artesãos e jornalistas que sonhavam em conquistar trabalhadores para a causa nacionalista, mas que não faziam ideia de por onde começar, Hitler se juntou a eles, recebendo o cartão do partido número 555. Ele logo se tornou um dos oradores mais hábeis do movimento e membro de seu comitê diretor. Em inícios da década de 1920, Hitler foi colocado no comando da propaganda do DAP. Com o auxílio de oficiais do exército simpatizantes, como o capitão Ernst Röhm, e de alguns partidários ricos de Munique, Hitler ampliou em muito a audiência do partido. Perante quase duas mil pessoas reunidas numa grande cervejaria de Munique, o Hofbräuhaus, em 24 de fevereiro de 1920, Hitler deu ao movimento um novo nome - o National-sozialistische Arbeiterpartei (NSDAP, ou o partido "nazi", abreviando) - e apresentou um programa de vinte e cindo pontos que misturava nacionalismo, anti-semitismo e ataques a lojas de departamentos e ao capital internacional. No 1 de abril que se seguiu, deixou o exército para se dedicar em tempo integral ao NSDAP. Cada vez mais, ele era reconhecido como seu líder, seu Führer (termo adotado - assim também como a saudação "Heil" - do líder pan-germânico Georg von Schönerer, muito influente na Viena do pré-guerra)".
  • 6. 6 Em apenas dois parágrafos temos terabytes de dados para fazer mapeamentos um-para-um (bijetivos). Para quem está trabalhando com reconhecimento de padrões, este é um excelente exercício teórico. Em princípio, tudo é sinal, mas aqui eles abundam. Vamos apresentar, apenas a título de exemplo, algumas pistas: 1) O partido original se chamava Partido dos Trabalhadores (Arbeiterpartei). Por que tanta fixação no trabalho? Como vimos acima, o culto necrófico do poder é um elemento importante. O novo nome desse partido manteve a denominação original, acrescentada do termo National-sozialistische (nacional-socialista). A introdução do termo nacional é de fácil explicação em razão do caráter nacionalista (e do ressentimento com a derrota alemã) do movimento: o nome original já dizia que o partido era dos trabalhadores alemães. Mas por que também socialista? 2) O programa do partido renomeado como Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores, já sob a liderança de Hitler, pregava ataques a lojas de departamentos e ao capital internacional. Não há como não fazer uma correspondência (atenção, apenas formal: estamos tratando de isomorfismo e não de intenções subjacentes ou aderentes a conteúdos) com a tática Black Bloc. É bom repetir: não estamos dizendo com isso que os Black Blocs sejam nazistas, pois as relações aqui não são de conteúdo (e não têm nada a ver com ideologia ou visão de mundo). São disposições estruturais que possibilitam - e mais do que isso: ensejam - comportamentos conformes (não por causalidade, mas por condicionamentos recíprocos).
  • 7. 7 3) Hitler ascendeu no Arbeiterpartei quando foi colocado no comando da propaganda partidária e iniciou uma vigorosa campanha de marketing financiada com doações das elites econômicas (as pessoas ricas) de Munique. As elites financiavam um partido de trabalhadores. 4) Até o momento em que assumiu a posição de mono-líder (um líder único com altagravitatem) e de chefe (ou Führer, condutor), Hitler atuava como agente do Serviço de Inteligência do Exército. Ora, mesmo depois de uma "paz celebrada", inteligência militar continua sendo guerra (essa é a essência característica da construção cultural militar: si vis pacem, para bellum). O paralelo militar na política (que leva à perversão da política como arte da guerra ou como continuação da guerra por outros meios na fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin) aparece aqui em estado puro. Hitler era um agente em preparação de conquista de hegemonia no sentido leniniano do termo (que corresponde ao seu sentido original grego de comando de um exército) que exige mesmo a centralização da rede ou a deformação do campo social introduzida pela existência de um Führer. 5) A reunião que simbolicamente marcou a virada do pequeno partido dos trabalhadores (de quadros) em um partido socialista dos trabalhadores (de massa) aconteceu numa grande cervejaria. Os sinais aqui são mais fracos, mas isso não significa que não signifiquem alguma coisa... Uma infinidade de outros sinais (alguns mais fortes, outros mais fracos) também estão contidos explícita ou implicitamente nos dois parágrafos acima: o ressentimento social (e a vontade de revanche) que levou um artesão a criar um partido dos trabalhadores; a ligação entre um
  • 8. 8 patriotismo-trabalhador do pós-guerra e a ideologia de um pan- germanismo do pré-guerra; a indefinição generalizada (considerada sinal de desordem) sobre "por onde começar" - título de um texto de Lenin (1901) que antecedeu ao seu famoso Que fazer? (1902); a fusão de nacionalismo com socialismo (em maior ou menor grau verificada em todos os movimentos para consertar o mundo a partir de grandes experimentos sociais, sejam considerados de esquerda ou de direita: por exemplo, a fusão da figura de José Martí em Cuba com a trinca Marx- Engels-Lenin, criando o quatérnio em que se baseou por décadas a propaganda castrista); o papel assinalado à propaganda: antes de Joseph Goebbels, o propagandista número 1 era o próprio Adolf Hitler (o caminho da conversão de um cabo do exército em Führer foi o caminho da propaganda, do marketing) e os princípios hitlerianos (e depois goebbelianos) da mistificação das massas pela propaganda política são até hoje adotados em ditaduras, protoditaduras e democracias formais parasitadas por regimes neopopulistas manipuladores e autocratizantes. Bem... a "ciência" (se é que existirá uma propriamente dita) de reconhecimento de padrões está apenas começando. Ela aqui, neste exemplo, está identificando padrões de hierarquia e autocracia que são próprios do estatismo. Na verdade, tudo isso é um programa de investigação (todo programa de aprendizagem é um programa de investigação, de vez que reprodução de investigações pretéritas não é realmente aprendizagem e sim ensino).
  • 9. 9 Estamos investigando a democracia no que ela é essencialmente (processo de desconstituição de autocracia) e por isso pode-se dizer que é impossível investigar-aprender democracia sem investigar-aprender autocracia. Como estamos há quase seis mil anos vivendo sob autocracias (e tivemos experiências estáveis de democracia em menos de meio milênio e ainda assim, na metade desse tempo, localizadas: no caso em apenas um local, Atenas entre 509 e 322 a. E. C.), toda nossa cultura é basicamente autocrática. A democracia como modo-de-vida (como queria John Dewey) é então um meio de desprogramar cultura autocrática (não no sentido neurolinguístico, da desprogramação do cérebro dos indivíduos e sim da rede social). Em outras palavras: aprender democracia é desaprender autocracia. Compreendendo o que pode florescer em ambientes sociais fortemente centralizados e nos quais os modos de regulação de conflitos não são democráticos, podemos perceber os sinais e interpretar os sintomas do processo de autocratização da política onde quer que eles surjam, inclusive no interior de regimes formalmente democráticos. Pode-se, inclusive, aprender a detectar as tentativas contemporâneas de autocratização da democracia, baseadas no uso instrumental da democracia no sentido “fraco” do conceito (quer dizer, na utilização de alguns dos mecanismos, instituições e procedimentos da democracia representativa, como o sistema eleitoral), para enfrear o processo de democratização das sociedades, seja pela via da protoditadura (que se caracteriza, fundamentalmente, pela abolição legal ou de facto da rotatividade democrática), seja pelo emprego da manipulação em larga
  • 10. 10 escala, como ocorre nas novas vertentes do populismo que vêm sempre acompanhadas do banditismo de Estado, da corrupção no governo (e nas empresas estatais), da perversão da política (como "arte da guerra") e da degeneração das instituições por meio da privatização partidária da esfera pública e do aparelhamento da administração governamental. De qualquer modo, para conhecer o poder vertical – a sua “anatomia” e a sua “fisiologia”, vamos dizer assim – devemos estudá-lo em estado puro. Depois será mais fácil perceber seus indícios em nosso cotidiano, inclusive quando surgem em uma pequena organização. Ainda que estudemos textos teóricos sobre a democracia e experimentemos a democracia como modo de administração política do Estado (que foi ao que se reduziu, nos últimos três séculos, a democracia reinventada pelos modernos), não conseguimos ter um entendimento profundo da democracia na medida em que nossas redes de conversações repetem circularidades inerentes que são próprias da cultura autocrática. Em contrapartida, não é preciso qualquer esforço para aprender autocracia: começamos aprendendo na família monogâmica e depois vamos aprendendo na escola, na igreja, nas organizações juvenis, no quartel, na universidade, no trabalho em empresas hierárquicas, nas corporações, nos partidos e nos órgãos do Estado. Aprender democracia exige então identificar matrizes de comportamentos que estão presentes nesses ambientes hierárquicos regidos por modos autocráticos. E é muito difícil fazer isso porque tais padrões estão escondidos sob camadas e camadas de discursos legitimatórios ou
  • 11. 11 disfarçados por explicações funcionais e pragmáticas baseadas na inevitabilidade da hierarquia ou numa suposta competitividade inerente à natureza humana (a besta-fera - um Homo Hostilis - que existiria no interior profundo de cada um de nós, a espera de ser domada pela civilização ou pela religião, como apregoam alguns discursos liberais e conservadores). Para identificá-los precisamos observá-los e estudá-los - como foi dito acima - em estado puro (por exemplo, num campo de concentração nazista; ou mesmo num campo dito socialista: seja um Gulag do período stalinista ou num campo atual da Coreia do Norte ou numa prisão política cubana). Por isso é tão importante estudar as 60 ditaduras que remanescem no mundo contemporâneo (e sob as quais - pasme-se! - ainda vive mais da metade da população do planeta). Há uma quantidade imensa de material sobre isso não apenas na história, mas nas práticas institucionais atuais dos seguintes países: Afeganistão, Angola, Arábia Saudita, Argélia, Azerbaidjão, Barein, Belarus, Brunei, Burkina Faso, Burma, Camarões, Camboja, Cazaquistão, Chade, China, Comoros, Congo (Kinshasa | Brazzaville), Coréia do Norte, Costa do Marfim, Cuba, Djibuti, Egito, Emirados Árabes Unidos, Eritreia, Etiópia, Fiji, Gabão, Gâmbia, Guine, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Irã, Jordan, Kuwait, Laos, Líbia, Madagascar, Marrocos, Mianmar, Nigéria, Omã, Palestina (Faixa de Gaza, sob controle do Hamas), Qatar, República Centro Africana, República Democrática do Congo, Ruanda, Rússia, Síria, Somália, Suazilândia, Sudão, Sudão do Sul, Tajiquistão, Togo, Turcomenistão, Uzbequistão, Venezuela,
  • 12. 12 Vietnam, Yemen e Zimbábue. A esses talvez ainda se possa acrescentar, em futuro próximo, Nicarágua, Bolívia, Equador e - oxalá não - democracias formais parasitadas por governos neopopulistas manipuladores e autocratizantes (como Argentina, Brasil e alguns outros). Por razões facilmente explicáveis, os que desvendaram esses padrões autocráticos tiveram, muitas vezes, que disfarçar suas descobertas e embuti-las na forma de livros de ficção (e mesmo assim sofreram com os ataques das patrulhas da esquerda e da direita). O mesmo ocorreu com os relatos históricos (que são, pelas mesmas razões, em geral, tardios: Varlam Shalamov só conseguiu contar o que viu e o que sofreu no Gulag de Kolyma, no nordeste da Sibéria, já no final de sua vida, aos 75 anos e a obra só foi publicada na União Soviética nos anos 80). Arbitrariamente escolhemos então uma lista de 10 obras de ficção e de 10 livros históricos como universo a ser explorado neste projeto de reconhecimento de padrões autocráticos. Acrescentamos também 10 textos teóricos que contêm algumas pistas de deciframento. OBRAS DE FICÇÃO 1. A Nova Utopia. Jerome K. Jerome (1891) 2. Nós. Yevgeny Zamyatin (1921) 3. Admirável Mundo Novo. Aldous Huxley (1932) 4. O Zero e o Infinito. Arthur Koestler (1941)
  • 13. 13 5. A Revolução dos Bichos. George Orwell (1945) 6. 1984. George Orwell (1949) 7. Fahrenheit 451. Ray Bradbury (1953) 8. O Senhor das Moscas. William Golding (1954) 9. Um dia na vida de Ivan Denisovich. Alexander Soljenítsin (1962) 10. Duna. Frank Herbert (1965) ESTUDOS HISTÓRICOS 1. O julgamento de Sócrates. I. F. Stone (1988) 2. Lênin: a biografia definitiva. Robert Service (2000) 3. Stálin: a corte do czar vermelho. Simon Sebag Montefiore (2003) 4. Mao: a história desconhecida. Jung Chang e Jon Halliday (2005) 5. Contos de Kolyma. Varlam Shalamov (1954-1962 ou 1973) 6. Hitler, 1889-1936. Ian Kershaw (1998-2000) 7. Mussolini. Pierre Milza (1999) 8. Eichmann em Jerusalém: Hannah Arendt (1963) 9. O Imperador: a queda de um autocrata. Ryszard Kapuscinski (1978)
  • 14. 14 10. A era dos assassinos. Yuri Felshtinsky e Vladimir Pribilovski (2008) REFERENCIAIS TEÓRICOS 1. A democracia na América. Alexis de Tocqueville (1835) 2. Sobre a liberdade. John Stuart Mill (1859) 3. Escritos Políticos Escolhidos (Em busca do público, Em busca da grande comunidade, A ideia filosófica inclusiva, Liberalismo renascente, A democracia é radical e Democracia criativa: a tarefa diante de nós). John Dewey (1927-1939) 4. O que é política? Hannah Arendt (c. 1950-9) 5. As origens do totalitarismo. Hannah Arendt (1951) 6. A invenção democrática. Claude Lefort (1981) 7. Sobre O Político de Platão. Cornelius Castoriadis (1986) 8. Conversações Matrísticas e Patriarcais. Humberto Maturana (1993) 9. A democracia é uma obra de arte. Humberto Maturana (1993) 10. Democracia como valor universal. Amartya Sen (1999)
  • 15. 15 ALGUNS SINAIS Esta é uma lista demonstrativa (não-analítica) contendo apenas exemplos de indícios da presença de processos de autocratização da vida cotidiana, de reprodução de pressupostos hierárquico-autocráticos, em geral aceitos como verdades evidentes por si mesmas (ideias-implante básicas ou rotinas de um programa autocrático instalado na mente coletiva), da existência de acentuada hierarquização (topologias da rede social mais centralizadas do que distribuídas), da adesão por boa parte dos agentes a princípios de modos de regulação autocráticos, da existência de estado de guerra como dinâmica organizadora do cosmo social e do estatismo como ideologia e comportamento político.
  • 16. 16 A - INDICADORES (SIMBÓLICOS) DE AUTOCRATIZAÇÃO DA VIDA COTIDIANA A1 - A limpeza e a pureza (a aversão à sujeira e à contaminação pelo contato com o que é impuro). A2 - A predominância do branco (e da luz que espanca as trevas). A3 - As formas geométricas retilíneas (as linhas e ângulos retos) na arquitetura de interiores e exteriores, urbana e rural (ruas, praças, prédios, plantações etc.). A4 - A arquitetura monumental privilegiando a direção vertical e a repartição e separação dos espaços: muros, escadas, portas, fechaduras... A5 - A sociedade totalmente organizada e uniformizada (as pessoas com uniformes ou roupas semelhantes, com cortes padrão de cabelo ou
  • 17. 17 penteados canônicos, os conjuntos habitacionais com construções e aparência iguais etc.) A6 - Os horários fixos válidos para determinadas atividades (eletivas ou compulsórias): a existência de uma espécie de regulamento geral das horas (ou tabela taylorista, com horas para trabalhar, descansar, dormir, fazer sexo, se divertir etc.) A7 - O silêncio (a aversão ao alarido do chamado populacho ou da turba considerada vil e ao falar alto). A8 - A ordem (e a aversão ao que é julgado como bagunça ou baderna). A9 - O culto à bandeira, ao hino e aos símbolos pátrios (e à pátria) e a exaltação do patriotismo. A10 - Os regulamentos e as numerosíssimas proibições ("levíticas": para tudo ou quase haverá uma disposição ou modo-de-fazer correto). A11 - A espada, a coroa, o cetro, o bastão (como símbolos de poder deslizados para a política). A12 - O intrincado protocolo para qualquer cerimônia, os modos de tratamento canônicos, os numerosos títulos e as reverências ou prostrações para falar com o governante (ou coexistir em sua presença ou até sobreviver diante da sua passagem). A13 - O culto (necrófilo) do trabalho e a exaltação do trabalhador.
  • 18. 18 A14 - As restrições à livre sexualidade e a deslegitimação da imaginação criadora. A15 - A existência - e onipresença - de uma polícia política. A16 - O sentimento geral de poder estar violando - nas menores ações privadas do dia-a-dia - alguma regra estabelecida conhecida ou ser interpretado como violador de alguma regra desconhecida e, por isso, cair em desgraça, ter suas aspirações ou demandas preteridas ou ser reprimido pela polícia política (supostamente onisciente). A17 - A constante vigilância de todos sobre todos e a existência de mecanismos de delação espalhados (que podem ser usados por qualquer um). A18 - A naturalização da ordem social que impede a percepção, deslegitima alternativas e promove a configuração social existente como necessária (de sorte a fazer com que as pessoas imaginem que as coisas 'são' assim e não que 'estão' assim). A19 - A despessoalização: os seres humanos - as pessoas, sempre únicas - são transformados em indivíduos, não raro, designados por números (e não por nomes próprios; ou seus nomes são antecedidos por tratamentos niveladores (camarada, companheiro, irmão) ou sucedidos pelas designações dos cargos funcionais ou hierárquicos que ocupam.
  • 19. 19 B - IDEIAS-IMPLANTE (ROTINAS DO PROGRAMA BÁSICO) B1 - A felicidade como ideal supremo. B2 - A igualdade como ideal supremo (e como pré-condição para a liberdade); ou a ideia de que não pode haver (verdadeira) liberdade sem (ou até que se alcance a perfeita) igualdade. B3 - A abundância como ideal supremo (que, para ser alcançado, exige a politização da economia como administração da escassez, em geral artificialmente introduzida). B4 - A utopia (qualquer utopia) como modelo a ser alcançado no futuro (e que, para ser alcançada, exige algum tipo de sacrifício ou de restrição às liberdades no presente). B5 - O esforço para consertar a natureza, a sociedade ou o ser humano (que teriam vindo com alguma espécie de "defeito de fábrica"). B6 - A ideia de que existe uma sociedade igual para colocar no lugar da sociedade desigual (e de que essa sociedade igual estaria em alguma espécie de mundo paralelo pronta para ser trazida - ou realizada - a partir das contradições da sociedade desigual, elidindo a evidência de que a sociedade igual é somente o conjunto das relações igualitárias que se traçam aqui e agora por meio de atos singulares e precários). B7 - A ideia de que a nação é uma grande comunidade de destino e a própria ideia de destino (ou da existência de leis ou disposições transcendentes ou imanentes à história).
  • 20. 20 B8 - A ideia de que existe uma História (assim mesmo, com H maiúsculo) e ela tem leis (que podem ser conhecidas por quem tem a teoria e o método corretos de interpretação da realidade). B9 - A ideia de que a superestrutura da sociedade (a política, a cultura etc.) é determinada em última instância pela sua infraestrutura econômica. B10 - A ideia de que o ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo e de que as pessoas se movem buscando sempre maximizar a satisfação de seus interesses (que são, ao fim e ao cabo, egotistas). B11 - A ideia de que não é possível mobilizar a ação coletiva a não ser a partir de lideranças destacadas. B12 - A ideia de povo como rebanho à espera de um condutor, salvador (messias). B13 - A ideia de povo eleito (escolhido ou ungido por alguma entidade transcendente que intervém na história para conduzi-lo para algum destino já configurado ou prefigurado). B14 - A ideia de espaço vital (necessário à consumação do destino de um povo predestinado a cumprir um ideal ou de uma raça superior). B15 - A ideia de que é direito do povo eleito dominar os demais sem limitações de qualquer natureza, sejam elas impostas por leis humanas ou divinas (sendo esse direito determinado pelo critério único do valor do grupo no interior de uma luta darwiniana).
  • 21. 21 B16 - O mito fundante: de que a nação teria alguma origem comum em um suposto evento épico ou glorioso (perdido nas brumas do passado). B17 - A ideia de que não é possível organizar nada sem (uma boa dose de) hierarquia. C - INDICADORES DE PRESENÇA DA HIERARQUIA C1 - A existência de sacerdócio (a burocracia, a intermediação, a descentralização da rede em vez da sua distribuição). C2 - A ordenação top down do Estado e da sociedade (os graus, degraus, a estratificação: camadas sobre camadas). C3 - Ordem, hierarquia, disciplina, obediência, fidelidade imposta top down, punição e recompensa. C4 - A busca e manutenção da estabilidade pela aproximação do estado de equilíbrio (e não feita e refeita no fluxo dos sistemas afastados do estado de equilíbrio). C5 - As opções pré-ordenadas e a redução dos caminhos possíveis (levando à escolhas sempre limitadas). D - PRINCÍPIOS DO MODO DE REGULAÇÃO AUTOCRÁTICO D1 - O conflito como uma disfunção (malfunction).
  • 22. 22 D2 - A resolução do conflito pela eliminação (ou recuperação, restauração ou conserto de um defeito) do elemento ou polo conflitante. D3 - A regulação do conflito pela imposição da vontade da maioria (ignorando-se os desejos das minorias). D4 - As restrições à liberdade (de opinião, de ir-e-vir, de imprensa, de manifestação, de organização, de difusão de ideias por qualquer meio, inclusive no ciberespaço etc.). D5 - O segredo nos negócios de Estado (e nos negócios do chefe de Estado e de suas organizações), a opacidade das instituições e procedimentos: inexistência de transparência e impossibilidade de accountability. D6 - A ideia de que democracia é o poder do povo ou o poder da maioria da população (pervertendo a ideia fundante - ou o meme democrático original - de que ela é 'o poder de qualquer um', quer dizer, a indiferença das capacidades para ocupar as posições de governante ou de governado). D7 - O regime político baseado em votação por maioria, em que as minorias não têm direitos (ou têm menos direitos do que a maioria). D8 - O julgamento de que a oposição não é legítima e de que os que se opõem aos chefes do Estado ou aos seus representantes ou delegados são traidores ou sabotadores. D9 - A caracterização (e inculpação) de quem desobedece, diverge, desvia ou destoa como traidor.
  • 23. 23 D10 - A ideia (meritocrática) de que quem deve governar (dirigir o Estado, o país, a cidade e, por decorrência, a sociedade) é quem sabe mais. D11 - A sociedade regulada por um algoritmo, sem necessidade de um chefe ou comandante. E - A GUERRA COMO DINÂMICA ORGANIZADORA DO COSMO SOCIAL E1 - A separação nós x eles (e todas as separações decorrentes dessa separação primordial: bem x mal, explorados x exploradores, povo x elites, esquerda x direita, socialistas x liberais, fieis x infiéis de qualquer religião ou seita, nacionais x estrangeiros, leste x oeste, sul x norte, brancos x não- brancos, heterossexuais x homossexuais etc.) E2 - A ideia e a prática da política como arte da guerra, ou como continuação da guerra por outros meios (a fórmule-inverse de Clausewitz- Lenin). E3 - O culto do conflito e a guerra como instituição permanente (e como realidade inexorável, sobretudo a guerra não-ocorrida como guerra- quente ou conflito violento - como o é toda guerra - mas latente e eternamente presente nos períodos considerados de paz. E4 - A ideia e a prática de que governar é comandar (uma força, um contingente, um exército, um povo). E5 - O culto do herói.
  • 24. 24 E6 - A ideia de que a luta de classes é o motor da história. E7 - A ideia de que a violência é a parteira da história. E8 - A ideia da beleza da violência e a eficácia da vontade, quando voltadas para o êxito do grupo que tem uma causa redentora ou reformadora do mundo. E9 - A construção e manutenção de inimigos. F - O ESTATISMO COMO IDEOLOGIA E COMPORTAMENTO POLÍTICO F1 - A ideia de Estado como materialização do espírito ou da vontade divina (ou de alguma realidade ou entidade transcendente). F2 - O culto do Estado (e a ideologia estatista, ou seja, a visão estadocêntrica do mundo). F3 - A sociedade como dominium do Estado (no sentido feudal do termo) e a ideia de que é o Estado que deve dirigir a sociedade. F4 - O partido fundido ao Estado, que conquistou hegemonia sobre a sociedade e transformou a sociedade em um ente privado. F5 - A existência de um líder supremo, benfeitor, condutor, com alta gravitatem e carisma, que ocupa o centro do Estado para fazer uma ligação direta com as massas bypassando as mediações institucionais.
  • 25. 25 F6 - Os direitos encarados como privilégios (ou concessões de um benfeitor). F7 - Os cidadãos reduzidos a súditos (do Estado e, às vezes, do chefe de Estado). F8 - As pessoas - todas as pessoas - transformadas em funcionários (stricto ou latu sensu) do Estado. F9 - A ideia de que o Estado - quando nas mãos certas - é o grande agente transformador da sociedade e a ele compete educar as massas para produzir o Homem Novo.
  • 26. 26 JEROME K. JEROME NUM MUNDO LIMPO Jerome K. Jerome (1859-1927) escreveu em 1891 o pequeno conto A Nova Utopia. Jerome era um humorista e escritor inglês que acabou ficando mais famoso pela sua novela cômica Three Men in a Boat (Três homens num barco) publicada em 1889. A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome (1891) talvez possa ser considerada o berço do gênero que utiliza as distopias como cenário. É provável que o conto tenha sido a inspiração para o livro Nós de Zamyatin (1921), para O Admirável Mundo Novo de Huxley (1932) e para o 1984 de Orwell (1949).
  • 27. 27 Jerome era amigo de H. G. Wells, Rudyard Kipling e Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes). Seu pequeno conto inspirou Wells para a criação de Little Wars (1913). José Leonardo Souza Buzelli, da Universidade Estadual de Campinas, traduziu em 2013 A Nova Utopia de Jerome Klapka Jerome para o português e aduziu uma pequena introdução ao texto. Disponível no link abaixo: http://www.revistamorus.com.br/index.php/morus/article/download/205 /183 É uma sátira profética. O mundo totalmente ordenado, geometricamente reto, completamente limpo, sem sociedade civil (sim, só havia Estado) do sonho distópico de Jerome, era um mundo de pessoas sem almas e sem nomes (as pessoas eram designadas por números). Eis um trecho do livro em que Jerome descreve a cidade utópica socialista: "A cidade era toda limpa e muito quieta. As ruas, que têm números em vez de nomes, saem umas das outras em ângulos retos, e todas tinham exatamente a mesma aparência. Não havia cavalos, nem carruagens em volta; todo o tráfego era feito por carros elétricos. Todas as pessoas encontradas por nós tinham a mesma expressão grave e quieta, e se pareciam tanto umas com as outras que era como se fossem membros da mesma família. Assim como meu guia, todos vestiam calças cinzas e uma túnica cinza abotoada até o pescoço e presa por um cinto. Todos os homens estavam perfeitamente barbeados e tinham cabelos pretos".
  • 28. 28 Sim, havia um "regulamento capilar" (tal como hoje na Coréia do Norte do ditador Kim Jong-un). Eis o relato: "O que seria da igualdade se um homem ou uma mulher pudesse se vangloriar por aí de seu cabelo dourado, enquanto um outro parecesse uma cenoura? Os homens não devem ser só iguais nestes dias felizes, eles também devem ter a mesma aparência, tanto quanto possível. Fazendo com que todos os homens estejam bem barbeados, e com que todos os homens e mulheres tenham cabelo preto, e cortado no mesmo comprimento, a gente remedia, até certo ponto, os erros da Natureza". Para quem quer exercitar o reconhecimento de padrões autocráticos esses dois parágrafos (reproduzidos acima) têm material suficiente para um longa e profunda investigação sobre as tentativas antidemocráticas de consertar o mundo. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Jerome constitui material de pesquisa do primeiro módulo.
  • 29. 29 THX 1138: NUM MUNDO LIMPO Vamos agora aos filmes. O primeiro deles é THX 1138 de George Lucas (1971). "Trabalhe duro, aumente a produção, previna acidentes e seja feliz" - eis o lema do mundo distópico de THX 1138. O máximo controle social num mundo subterrâneo limpo, branco, harmônico, previsível, no qual o protagonista (THX - pronunciado como "Tex" por sua amante LUH 3417 e interpretado por Robert Duvall) é mais um cidadão sem nome, careca, vestido de branco, técnico de uma usina nuclear, que vive a rotina normal de todos os habitantes (o que inclui confissões frequentes a uma entidade religiosa cibernética, sancionada pelo Estado, chamada OMM 0910 e o consumo rotineiro de drogas). LUH (sua companheira de quarto) é a Eva primordial da desobediência: ela para de tomar as drogas (do controle pela não-emoção e da "felicidade") e substitui as de THX por placebo (a
  • 30. 30 não-maçã?). Sem as drogas THX começa a transar com LUH e se apaixona. O casal é preso por "crimes sexuais" e "evasão de drogas". Após saber que LUH está morta, THX foge para a superfície O site O Bacamarte, faz uma resenha razoável: "Não existem nomes: um indivíduo é identificado por um número e um prefixo de três letras. Logo, também não existem famílias; quem decide onde e com quem moram as pessoas são computadores. Todos se vestem de branco, todas as cabeças são raspadas. Em situações de pressão, não se sente nada além de calma; e também nunca ninguém se apaixona: drogas farmacológicas anulam esse tipo de impulsos humanos. É, como nas outras distopias, a história dos personagens que conseguem escapar. THX 1138, o protagonista, deixa de tomar seus remédios e se envolve (comete crimes sexuais, na linguagem do filme) demais com a sua companheira de quarto. Aqui, como em dezenas de outras obras, de Adão e Eva a Romeu e Julieta, da Guerra de Tróia à Pequena Sereia, é o amor que causa o desequilíbrio na ordem social. THX acaba preso e depois foge, sempre mantendo o objetivo de encontrar LUH 3417, sua amada. Com ele, vão outros dois. Um deles tentava ser líder dos prisioneiros rumo à liberdade. Outro era um holograma: alguém que só existe para as televisões, representando cenas eróticas (para que se masturbem os telespectadores) ou didáticas, (com policiais punindo um presumível criminoso), entre outras. Mas há uma diferença crucial neste filme: a segurança é efêmera. Eles são presos, sim, em uma imensidão branca, onde não se vê horizonte, nem
  • 31. 31 entradas nem saídas, mas é paradoxalmente simples escapar dela. Só foi necessário caminhar além do lugar em que estavam todos e atravessar uma porta de metal. Eles são perseguidos na fuga, sim, mas por policias robôs sem nenhuma estratégia de captura bem elaborada, e extremamente fáceis de derrotar. E os administradores se preocupam com as contravenções, mas até o limite de 5% acima da verba destinada ao caso. Se ultrapassada essa quantia, a operação é cancelada e o criminoso é deixado à própria sorte. Ninguém checa se as pílulas são tomadas nos dormitórios. Ninguém grava o que se fala nos confessionários religiosos espalhados pela cidade. Há um profundo desprezo pela iniciativa humana, uma crença absoluta na ideia de que nenhuma pessoa vai tentar fugir. De que não haverá um só a não cumprir as regras e mesmo que isso aconteça, crê-se que este não é perigoso ou importante para exceder o orçamento. Não haverá abordagens positivas desse mundo em lugar algum na internet, mas, antes de uma parábola obscura sobre o totalitarismo, THX 1138 é uma apologia à rebeldia". No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos o filme THX 1138 constitui material de pesquisa do primeiro módulo.
  • 32. 32 ZAMYATIN ANTEVENDO TUDO Yevgeny Ivanovich Zamyatin (1884-1937) foi um escritor russo famoso pelo seu romance distópico Nós (Мы/Mii), escrito entre 1920 e 1921 e lançado em 1924. O verbete da Wikipedia conta que "a história narra as impressões de um cientista sobre o mundo em que vive, uma sociedade aparentemente perfeita, mas opressora, ao perceber seus conflitos e imperfeições e ao travar contato com um grupo opositor que luta contra o "Benfeitor", regente supremo da nação. A obra é baseada, pelo menos em parte, nas experiências do autor com as revoluções russas de 1905 e 1917 e no período em que trabalhou supervisionando a construção de navios na
  • 33. 33 Inglaterra (por volta do ano de 1916). Embora escrito no início da década de 1920, Nós só publicado pela primeira vez em 1924, e em inglês e em Nova Iorque, por estar proibido na então União Soviética devido à censura imperante no país. A primeira edição no idioma russo só foi lida em 1927/1928, quando publicada em um jornal de emigrados. O livro só adentrou legalmente a pátria-mãe do autor em 1988, com as políticas de abertura do regime soviético... O livro leva a extremos os aspectos mais totalitários e o conformismo da sociedade industrial moderna, descrevendo um Estado que acredita que o livre-arbítrio é a causa da infelicidade e que a vida dos cidadãos deve ser controlada com precisão matemática baseada nos sistemas de precisão industrial criados por Frederick Winslow Taylor". George Orwell - que foi visivelmente influenciado por Zamyatin - chegou a qualificar Nós como a experiência literária crucial e aventou que o Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley (1932) foi parcialmente derivado do livro de Zamyatin. Ele também escreveu uma resenha sobre o livro, publicada em Tribune Magazine em 4 de janeiro de 1946. Disponível no link abaixo: http://www.orwelltoday.com/weorwellreview.shtml Ao que tudo indica Zamyatin foi fortemente influenciado, por sua vez, pelo conto A Nova Utopia de Jerome K. Jerome (1891). Zamyatin anteviu o stalinismo ou viu suas sementes germinando no bolchevismo? Talvez tal pergunta não seja mais tão relevante, pois, de algum modo, ele reconheceu e registrou na sua obra padrões autocráticos
  • 34. 34 que estiveram presentes em tentativas autocráticas de todos os matizes que pretenderam reformar o mundo. Foi uma antevisão, sim, mas de tudo e não apenas das consequências do socialismo real. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Zamyatin constitui material de pesquisa do segundo módulo.
  • 35. 35 STALIN Na primeira experiência de investigação-aprendizagem que vai começar no dia 10 de janeiro de 2015, além de 10 romances clássicos, constituem material de pesquisa 10 filmes. Agora estamos apresentando os filmes. O segundo deles é Stalin de Ivan Passer (1992). Stalin é um filme de televisão de 1992, produzido para a HBO, com Robert Duvall interpretando o líder soviético. O filme ganhou três prêmios Globo de Ouro. A filmagem foi feita em Budapeste, na Hungria e em Moscou, na Rússia.
  • 36. 36 O filme retrata a carreira política e a vida pessoal do ex-líder da União Soviética, Joseph Stalin. A história é narrada pela filha de Stalin, que emigrou para os Estados Unidos em 1967. O filme narra o terror de Estado na União Soviética. Como se sabe, apenas no período da ditadura stalinista (1921-1953), milhões de pessoas foram destruídas. O escritor Vadim Erlikman fez as seguintes estimativas em 2004: 1,5 milhões de executados (boa parte dos quais stalinistas...), 5 milhões de presos em campos de concentração (Gulags), 7,5 milhões de deportados e 1 milhão de mortos civis em países ocupados pela Rússia. Excluindo-se os mortos pela fome, é possível que 10 milhões de pessoas tenham sucumbido sob Stalin. Mas embora impactantes, esses números não são o material mais importante para o desvendamento dos padrões autocráticos. Conhecer a ascensão e o apogeu do império stalinista - e a vida cotidiana sob a gravitatem do novo czar - é desvendar a autocracia em estado puro. Como reconheceu Nikita Kruschev, todos os que viveram esse período foram um pouco stalinistas. O ambiente conformado - o Estado totalitário do partido que configurou todos os espaços sociais, privatizando a sociedade - gerava continuamente hierarquia e autocracia e reproduzia stalins em cada funcionário e, no limite, em cada pessoa (aliás, em boa medida, todas as pessoas viraram funcionárias lato sensu). Mas até hoje, quando alguma forma de organização hierárquica invoca uma dinâmica autocrática é o mesmo padrão que está se configurando. A melhor descrição ainda é a de George Orwell (1949) em Nineteen Eighty-Four, 1984 (material de investigação do sexto módulo do programa): o Partido
  • 37. 37 não apenas representa o Estado (ao qual se fundiu), mas estrutura hierarquicamente a própria sociedade. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos, o filme Stalin de Ivan Passer constitui material de pesquisa do segundo módulo.
  • 38. 38 HUXLEY E A SOCIEDADE TOTALMENTE ORGANIZADA Aldous Huxley (1894-1963) escreveu Admirável Mundo Novo (Brave New World) em quatro meses (durante o ano de 1931). O livro, publicado no ano seguinte, "narra - segundo a Wikipedia - um hipotético futuro onde as pessoas são pré-condicionadas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, dentro de uma sociedade organizada por castas. Na sociedade desse "futuro" criado por Huxley... qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos era dissipada com o consumo de uma droga sem efeitos colaterais aparentes chamada "soma"... O livro desenvolve-se a partir do contraponto entre esta hipotética civilização ultra-estruturada (com o fim de obter a felicidade de todos os seus membros, qualquer que seja a sua
  • 39. 39 posição social) e as impressões humanas e sensíveis do personagem "selvagem" John que, visto como algo aberrante, cria um fascínio estranho entre os habitantes". A sociedade distópica de Huxley é uma sociedade totalmente organizada sob um sistema científico de castas, onde não haveria vontade livre, abolida pelo condicionamento. A servidão seria aceitável devido as doses regulares de felicidade química e ortodoxias e ideologias seriam ministradas em cursos (uma ironia com o sistema educacional?) durante o sono. Para que houvesse estabilidade social neste mundo totalmente organizado era preciso que as pessoas fossem felizes, satisfeitas com o que lhes foi estabelecido, condicionado: "homens sãos de espírito, obedientes, satisfeitos em sua estabilidade”. Segundo o livro, “o controle do comportamento indesejável por intermédio do castigo é menos eficaz, no fim das contas, do que o controle por meio de reforço do comportamento desejável mediante recompensas". Neste admirável mundo novo, o condicionamento imposto começava desde logo no período da incubação, onde cada sujeito era condicionado para ocupar o seu lugar na estrutura social criada, cada qual predestinado para uma função: uns para serem mineiros, outros tecedores de seda, dentre outras funções. Sendo assim seu espírito seria formado de maneira a confirmar as predisposições do corpo. Para serem felizes as pessoas precisavam aceitar passivamente seu destino: "fazer as pessoas amarem o
  • 40. 40 destino social de que não podem escapar”. Tudo era feito para o bem do próprio Estado. Huxley, como é óbvio, está descrevendo as consequências do estatismo levado às suas últimas consequências. Para a prorrogação de um estado (qualquer estado e não apenas o Estado científico totalitário imaginado na obra), a estabilidade era a necessidade fundamental e definitiva. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Huxley constitui material de pesquisa do terceiro módulo.
  • 41. 41 ADMIRÁVEL MUNDO NOVO O terceiro filme do programa é Admirável Mundo Novo (Brave New World) de Leslie Libman e Larry Williams (1998). Foi um filme feito para TV (destacando-se a participação de Leonard Nimoy - o Spock de Star Trek - como Mustapha Mond). Existem várias versões de Brave New World, baseadas no romance homônimo de Aldou Huxley (1932), já tratado aqui. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do terceiro módulo.
  • 42. 42 KOESTLER RECONHECENDO DARTH STALIN Arthur Koestler (1905-1983) escreveu O Zero e o Infinito (Darkness at Noon) em 1941, narrando as reflexões do fictício preso político Rubachov, um velho militante bolchevique massacrado pelo regime stalinista durante o Grande Expurgo na União Soviética. O livro foi uma tremenda inspiração para George Orwell que escreveu sobre ele e o autor um ensaio em 1944 muito interessante (clique no link abaixo para ler): https://ebooks.adelaide.edu.au/o/orwell/george/o79e/part21.html O livro jamais foi levado ao cinema. Faz parte dos "missing movies", como afirmou Kenneth Lloyd Billingsley (2000) num ensaio sub-intitulado "Why American films have ignored life under communism" (o link está abaixo):
  • 43. 43 http://reason.com/archives/2000/06/01/hollywoods-missing-movies Um esboço de verbete da Wikipedia explica que "comunistas americanos e europeus consideraram O Zero e o Infinito como anti-estalinista e anti- URSS. Na década de 1940, vários roteiristas de Hollywood ainda eram comunistas, geralmente foram atraídos para o partido durante as crises econômicas e sociais da década de 1930... e esses comunistas consideraram o romance de Koestler importante o suficiente para evitar a sua adaptação para o cinema". O livro relata as reflexões do preso político e o processo que o conduz à morte. O crítico João Pereira Coutinho observa que "o prisioneiro de O Zero e o Infinito começou por acreditar na revolução e foi um dos mais importantes dirigentes bolcheviques, até o dia em que deixou de usar a primeira pessoa do plural - "nós, o partido"; "nós, o Estado"; "nós, o povo" - e começou a escutar a primeira pessoa do singular: o solitário e insubornável "eu". O primeiro grande crime de Rubashov é, literalmente, um crime gramatical. Mas é mais do que isso: é um crime religioso. Rubashov deixou de ter "fé" na sua "religião secular" (veja no link abaixo a resenha de Coutinho): http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/06/1295218-critica-livro-o- zero-e-o-infinito-compoe-retrato-agudo-do-totalitarismo.shtml No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Koestler constitui material de pesquisa do quarto módulo.
  • 44. 44 O ASSASSINATO DE TROTSKY O quarto filme do programa é O Assassinato de Trotsky (The Assassination of Trotsky), de Joseph Losey (1972). A história é conhecida. Trotsky tinha sido forçado a deixar a União Soviética em 1929 com a ascensão do stalinismo. O filme tem seu ponto culminante no ano de 1940, quando Trotsky estava vivendo no México. Mas nem tão distante logrou escapar das garras do então ditador da União Soviética, Joseph Stalin, que envia ao seu encalço um assassino chamado Frank Jackson. O assassino decide se infiltrar na casa de Trotsky travando amizade com um dos jovens comunistas do seu círculo mais íntimo no exílio.
  • 45. 45 O filme está no mesmo módulo do livro de Arthur Koestler (1941), O Zero e o Infinito (Darkness at Noon), escrito no mesmo ano do assassinato de Trotsky, não por acaso. Assim como Rubashov, importante líder bolchevique fictício assassinado pelo regime bolchevique, Leon Trotsky, um dos principais dirigentes da revolução de outubro, também é tragado pelo poder despótico que ajudou a instaurar. Ao contrário, porém, de Rubashov, que deixou de ter fé na sua religião secular, Trotsky, não abandona o padrão hierárquico-autocrático na sua oposição à Stalin, na sua campanha contra uma suposta degeneração que teria ocorrido após a morte de Lenin e nas circunstâncias da horrível luta interna que levaram ao seu posterior exílio. O padrão autocrático é sempre um padrão de comportamento é persiste mesmo formalmente fora do Estado. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quarto módulo.
  • 46. 46 ORWELL É O BICHO George Orwell (1903-1950) - pseudônimo do escritor e jornalista inglês Eric Arthur Blair, nascido na Índia Britânica - publicou em 1945 a novela satírica A Revolução dos Bichos (Animal Farm). O livro foi incluído na lista dos cem melhores romances do século 20. Há um bom Orwell Reader no link abaixo: http://www.theorwellreader.com/index.shtml A Revolução dos Bichos é uma sátira da revolução bolchevique e uma crítica contundente do período stalinista na União Soviética. Na fábula os animais de uma granja se revoltam contra os humanos e fazem uma revolução. Liderados pelos porcos Bola-de-Neve (Snowball) e Napoleão
  • 47. 47 (Napoleon), os animais tentam criar uma sociedade utópica, mas Napoleão, seduzido pelo poder, afasta Bola-de-Neve e estabelece uma ditadura semelhante a dos humanos. A sociedade pós-revolucionária da fazenda dos bichos reproduzia a estrutura (hierárquica) e a dinâmica (autocrática) da antiga dominação humana. Em vez de uma revolução social propriamente dita, houve apenas a troca dos ocupantes humanos por ocupantes animais. As regras iniciais foram então sendo adaptadas às conveniências dos que tomaram o poder. Assim, os preceitos revolucionários iniciais viraram preceitos de adaptação às condições pretéritas: - "Nenhum animal dormirá em cama" virou "Nenhum animal dormirá em cama com lençóis". - "Nenhum animal beberá álcool" (o antigo dono humano, o fazendeiro Jones, era um beberrão cruel) virou "Nenhum animal beberá álcool em excesso". - "Nenhum animal matará outro animal" virou "Nenhum animal matará outro animal sem motivo". - "Todos os animais são iguais" virou "Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros". No final os animais que fizeram a "revolução" mas não estavam no poder já não conseguiam mais distinguir os porcos dos homens.
  • 48. 48 No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Orwell constitui material de pesquisa do quinto módulo.
  • 49. 49 A REVOLUÇÃO DOS BICHOS O quinto filme do programa é A Revolução dos Bichos (Animal Farm) de John Stephenson (1999). Há uma versão anterior (animação), de Joy Batchelor e John Halas (1954). O filme é baseado no conto satírico de George Orwell (1945) de mesmo nome e que já foi tratado no link aqui. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do quinto módulo.
  • 50. 50 ORWELL VIAJANDO NO TEMPO George Orwell escreveu em 1948 o livro 1984 (Nineteen Eighty-Four). O livro foi publicado em 1949 e representou, talvez, a distopia definitiva do século 20, escrita no dealbar da guerra-fria (mas que, de certo modo, ainda remanesce no século 21). Por isso é uma viagem no tempo: o livro até hoje é proibido em algumas ditaduras. Recentemente nasceu um movimento de desobediência civil na Tailândia, onde pequenos grupos se reúnem nas ruas e praças da cidade para ler a obra proibida pelo regime em pleno ano de 2014! 1984 narra a história fictícia de um Estado totalitário fundido a um partido autocrático. O Partido - que conquistou hegemonia sobre a sociedade (em
  • 51. 51 termos leninianos e gramscianos) - é dirigido por um Partido Interno, comandado pelo Grande Irmão (Big Brother: o chefe supremo, o líder, o führer) que congrega ou representa 2% da sociedade ou sua camada superior. As camadas médias compõem o Partido Externo, representando 13% da sociedade. Todos os 85% restantes compõem a camada baixa (os Proles). Ou seja, o Partido não apenas representa o Estado (ao qual se fundiu), mas estrutura hierarquicamente a própria sociedade. De sorte que toda a sociedade vira assim, na distopia de Orwell, uma organização privada. A novela que serve de veículo para a crítica de George Orwell é centrada no personagem Winston Smith, que é (segundo o sofrível verbete da Wikipedia) "um homem com uma vida aparentemente insignificante, que recebe a tarefa de perpetuar a propaganda do regime através da falsificação de documentos públicos e da literatura a fim de que o governo sempre esteja correto no que faz. Smith fica cada vez mais desiludido com sua existência miserável e assim começa uma rebelião contra o sistema". Em 1984 a guerra é o fundamento de tudo. Mas não a guerra quente, a guerra de facto, e sim a guerra que era simulada como engendramento para construir e manter inimigos como pretexto para reproduzir cosmos sociais estruturados segundo padrões autocráticos e regidos por dinâmicas autocráticas. No livro, o membro do Partido Interno O'Brien descreve a visão de futuro do partido: "Não haverá curiosidade, nem fruição do processo da vida. Todos os prazeres concorrentes serão destruídos. Mas sempre... não se esqueça,
  • 52. 52 Winston... sempre haverá a embriaguez do poder, constantemente crescendo e constantemente se tornando mais sutil. Sempre, a todo momento, haverá o gozo da vitória, a sensação de pisar um inimigo vencido. Se quer uma imagem do futuro, pense numa bota pisando um rosto humano – para sempre". No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos o livro 1984 de Orwell constitui material de pesquisa do sexto módulo.
  • 53. 53 1984 O sexto filme do programa é 1984 (Nineteen Eighty-Four) de Michael Radford (1984). Há uma versão anterior, de Michael Anderson (1956). O filme é baseado no livro homônimo de George Orwell (1949) e que já foi tratado aqui. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sexto módulo.
  • 54. 54 BRADBURY QUEIMANDO À 451F Ray Bradbury (1920-2012) - um escritor americano de ficção científica - escreveu Fahrenheit 451 em 1953, três anos após a publicação do excelente Crônicas Marcianas (The Martian Chronicles). Mas tudo indica que Fahrenheit 451 foi seu preferido pois, a seu pedido, a sua lápide funerária no cemitério Westwood Village Memorial Park, contém o epitáfio: «Autor de Fahrenheit 451». O verbete da Wikipedia sobre Fahrenheit 451 é bem razoável. Abaixo seguem excertos. "O conceito inicial do livro começou em 1947 com o conto "Bright Phoenix" (que só seria publicado na revista Magazine of Fantasy and
  • 55. 55 Science Fiction em 1963). O conto original foi reformulado na novela The Fireman, e publicada na edição de fevereiro de 1951 da revista Galaxy Science Fiction. A novela também teve seus capítulos publicados entre março e maio de 1954 em edições da revista Playboy. Escrito nos anos iniciais da Guerra Fria, o livro é uma crítica ao que Bradbury viu como uma crescente e disfuncional sociedade americana. O romance apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de livro"). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius... O romance reflete importantes temas inquietantes da época de sua escrita, deixando muitos interpretarem diferentemente do que pretendia Bradbury. Entre os temas atribuídos para o romance, o que Bradbury chamou de "força destruidora de pensamentos" da censura nos anos 50, os incêndios de livros na Alemanha Nazista que começaram em 1933 e as horríveis consequências da explosão de uma arma nuclear: "Eu quis dizer qualquer espécie de tirania, em qualquer parte do mundo, a qualquer hora, na direita, na esquerda ou no centro". Uma circunstância particularmente irônica é que, sem o conhecimento de Ray Bradbury, foi publicado uma edição censurada em 1967, omitindo as palavras "droga" e "inferno", para a distribuição em escolas".
  • 56. 56 No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos o livro Fahrenheit 451 de Bradbury constitui material de pesquisa do sétimo módulo.
  • 57. 57 FAHRENHEIT 451 O sétimo filme do programa é Fahrenheit 451 de François Truffaut (1966) e conta com a participação de Julie Christie (como Clarice / Linda Montag) que não consegue ofuscar a de Oskar Werner (o protagonista Guy Montag). O filme é baseado no livro homônimo de Ray Bradbury (1953) e que já foi tratado aqui. Cenas finais foram colocadas no segundo vídeo (de menos de 5 minutos) que divulga o programa 100 DIAS DE VERÃO e estão no link abaixo: http://youtu.be/MWSP4AP_AqM
  • 58. 58 No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do sétimo módulo.
  • 59. 59 GOLDING E BA'AL ZEBUB William Golding (1911-1993) - poeta inglês e Nobel de literatura em 1983 - escreveu a novela alegórica O Senhor das Moscas em 1953. O livro, publicado no ano seguinte, não fez sucesso na época. O livro retrata o comportamento de um grupo de crianças inglesas de um colégio interno, preso em uma ilha deserta após a queda do avião que as transportava para longe da guerra. O Senhor das Moscas (1954) faz parte da literatura do pós-guerra e - como A Revolução dos Bichos de George Orwell e tantos outros - explora, de forma peculiar, a tensão entre democracia e autocracia no dealbar da guerra fria a partir do comportamento social de indivíduos em condições
  • 60. 60 de escassez (natural e artificial, porém mais artificial do que natural - e aí pode estar uma chave de interpretação para o surgimento de modos de regulação autocráticos aderentes a padrões de organização hierárquicos). Segundo a análise do verbete na Wikipedia, "muitos interpretaram O Senhor das Moscas como um trabalho de filosofia moral. O cenário da ilha, um paraíso com toda a comida e a água necessários, pode ser visto como uma metáfora para o Jardim do Éden. Assim, a primeira aparição do “Bicho” seria o surgimento da serpente, como o mal surge no livro de Gênesis. Um dos principais temas do livro é a natureza do Mal. Isto pode ser claramente visto na conversa que Simon [um dos personagens] mantem com o crânio do porco, que se refere a si mesmo como “O Senhor das Moscas” (uma tradução literal do nome hebraico de Ba'alzevuv, ou Beelzebub em grego). O nome, enquanto se refere aos enxames de moscas sobre si, claramente refere-se ao personagem bíblico". Talvez seja melhor interpretá-lo, entretanto, como a descrição de um experimento social do que como uma reflexão sobre a origem do mal ou, mesmo, como uma alegoria política stricto sensu. O livro permite uma leitura capaz de fazer correspondências entre o social e o político, ou seja, sobre os condicionamentos recíprocos entre padrão de organização e modo de regulação. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos o livro de Golding constitui material de pesquisa do oitavo módulo.
  • 61. 61 O SENHOR DAS MOSCAS O oitavo filme do programa é O Senhor das Moscas (Lord of the Flies), de Peter Brook (1963). O filme é baseado no livro homônimo de William Golding (1954) e que já foi tratado aqui. Em termos bem simplórios, a ementa divulgada pelas distribuidoras diz o seguinte. Após um terrível acidente aéreo, um grupo de crianças vê-se perdido numa ilha deserta. Ao perceberem as dificuldades de obterem socorro, os meninos unem-se para fazer frente ao medo e ao desespero. Mas a medida que se apossam da ilha, cresce um sentimento de competição e de luta pelo poder, que os divide em dois grupos. O título é
  • 62. 62 uma referência a Belzebu (do nome hebraico Ba’al Zebub), um sinônimo para o Diabo). É melhor ler a resenha do livro no link acima para entender por que O Senhor das Moscas está incluído na lista. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do oitavo módulo.
  • 63. 63 SOLJENÍTSIN E O INNER CIRCLE Alexander Soljenítsin ou Aleksandr Solzhenitsyn (1918-2008) foi um romancista russo - Nobel de literatura em 1970 - que escreveu, entre outros, o livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (1962). Publicado no auge da Guerra Fria (sob licença expressa de Nikita Kruschev ) a obra foi escrita em segredo. Reportagem da época do lançamento (publicada em outubro de 1962 na revista Veja) relata o seguinte: "O autor da obra, um professor e historiador de 43 anos, não imaginou as atrocidades relatadas no livro nem ouviu os testemunhos de antigos prisioneiros – Solzhenitsyn sentiu a fúria do regime na própria pele, numa longa detenção que só por milagre não lhe custou a vida. Comandante de
  • 64. 64 um pelotão de artilharia no Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, ele foi condecorado duas vezes no decorrer dos combates. No fim da campanha, entretanto, foi detido por criticar Stalin numa carta privada enviada a um amigo. Até esse momento, Solzhenitsyn jamais questionara a ideologia comunista ou a propalada superioridade dos soviéticos frente ao mundo capitalista. Tudo isso mudou nos oito anos de prisão nos campos para prisioneiros políticos. Em um deles, em Ekibastuz, no Cazaquistão, o autor foi escravizado como mineiro e pedreiro, sempre sob condições desumanas. Só deixou o campo em 1953, vítima de câncer [na verdade de um tumor não identificado] e à beira da morte. Curado num hospital de Tashkent, Solzhenitsyn foi perdoado e pôde retornar à porção européia da URSS, onde passou a trabalhar como professor de escola secundária. À noite, contudo, o ex-prisioneiro escrevia em segredo, sem jamais imaginar que algum dia poderia mostrar essas páginas para qualquer outra pessoa. Descrente das ilusões marxistas, Solzhenitsyn inspirou-se na sua própria trajetória pelos campos do gulag [realidade tenebrosa revelada ao mundo, anos mais tarde, por ele mesmo, em Arquipélago Gulag (1973)] para escrever Um Dia na Vida de Ivan Denisovich. Assim como ele, o personagem do título é capturado pela máquina do Kremlin graças a uma acusação esdrúxula – no caso de Denisovich, a suspeita de que teria espionado para os alemães depois de ser capturado na II Guerra. O prisioneiro era inocente, mas recebeu uma pena de dez anos no gulag. O livro revela aspectos estarrecedores do sistema de repressão aos dissidentes. Denisovich já acorda passando mal, é castigado por dormir
  • 65. 65 alguns minutos a mais, passa o dia trabalhando num frio de rachar a espinha e tem de brigar para conseguir engolir uma ração miserável. O cenário descrito pelo personagem é desolador: os prisioneiros enfrentam o inferno branco do Cazaquistão com sapatos menores que seus pés, luvas que rasgam a qualquer movimento, camas raquíticas e cobertas esburacadas. Acabam torcendo por um frio ainda mais intenso – a única situação em que são dispensados dos massacrantes trabalhos braçais é quando o termômetro aponta menos de 41 graus abaixo de zero. Solzhenitsyn só resolveu mostrar ao mundo sua obra há alguns meses, quando tomou coragem e procurou o editor-chefe da Noviy Mir, um poeta chamado Alexander Tvardovsky, com o manuscrito em mãos". Massacrado pela máquina infernal do Estado soviético - antes, durante e depois da sua prisão, inclusive no seu tempo de exílio nos Estados Unidos - , vítima da contra-propaganda dos comunistas que jamais o perdoaram por ter desmascarado o horror do regime soviético, Soljenítsin refugiou-se na religião, denegou a democracia (conquanto tenha se notabilizado pela denúncia mais veemente do terror de Estado autocrático), aplaudiu ditaduras como a de Franco e Pinochet, para acabar sucumbindo aos encantos de Putin (chefe da FSB, sucessora da KGB, sucessora da NKVD que o prendera em 1945 simplesmente por ter feito críticas indiretas a Stalin em correspondência privada a um amigo). Na interpretação do livro Um dia na vida de Ivan Denisovich (assim como do restante da sua obra, em especial Arquipélago Gulag e O Primeiro Círculo) não conta para nada a trajetória posterior da vida de Soljenítsin. Não se trata de uma luta entre Soljenítsin e o comunismo (ou melhor, a
  • 66. 66 ditadura na Rússia e satélites, chamada de União Soviética) para ver quem é melhor ou menos pior e sim da denúncia de quem sofreu na pele suas terríveis consequências. Não há mais o que dizer. É preciso ler. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse livro de Soljenítsin constitui material de pesquisa do nono módulo.
  • 67. 67 O CÍRCULO DO PODER O nono filme do programa é O Círculo do Poder (The Inner Circle), de Andrei Konchalovsky (1991). Inspirado em um personagem real, um funcionário da KGB, projecionista e devoto do ditador Joseph Stalin. Um retrato cruel do totalitarismo na Rússia stalinista. O site 50 Anos de Filmes faz uma resenha razoável: "Uma característica fantástica é o fato de ele ter sido feito ainda na União Soviética, numa co-produção ítalo-soviética-americana. Eram os momentos finais, era o auge da glasnost de Gorbachev, 1991, mas o império ainda existia, e o filme foi todo rodado em Moscou.
  • 68. 68 É fantástico também saber que aquilo se baseia em fatos reais. O personagem central, Alexander Ganshin, existiu de fato, e estava vivo quando o filme foi rodado; Tom Hulce, o ator que havia feito Mozart no Amadeus de Milos Forman, e que interpreta Alexander Ganshin, conversou com ele, na época da filmagem. Ganshin era um competente projecionista de filmes, um sujeito humilde, apolítico, simplório, meio bobo, meio pateta, mas competente no que fazia – e, um belo dia, foi chamado ao Kremlim para ser o projecionista na sala onde Josef Stálin (Aleksandr Zbruyev) via filmes com sua camarilha, o inner circle, o círculo do poder do título. Foi o projecionista do ditador até a morte dele, e o filme conta toda a sua história, desde o dia em que é levado pela primeira vez ao Kremlim, em 1939, até 1953, o ano da morte de Stálin. Aliás, as sequências em que uma multidão imensa presta as derradeiras homenagens ao chefe do regime que assassinou milhões são belíssimas. O filme mostra os dois ambientes – a vida do projecionista com sua mulher em uma habitação coletiva, a dura vida real das pessoas normais, e a sala de projeção no Kremlin. Tom Hulce está um tanto exagerado nas caretas, assim como Lolita Davidovich, como sua mulher, pessoa humilde que de repente passa a ter um marido assim com os homens lá do alto do império, e é capaz de, de vez em quando, levar, para a habitação coletiva restos das iguarias servidas na Versalhes do Ditador Sol, coisas que os vizinhos nunca tinham visto na vida.
  • 69. 69 Sim, os dois estão um tanto exagerados, mas é impressionante o striptease que o diretor Andrei Konchalovsky faz da hipocrisia dos próximos ao poder, do medo onipresente de que um pequeno passo em falso de qualquer pessoa do povo naquele império totalitário pudesse levar à degradação, à prisão, à morte... O diretor nasceu em 1945, o ano do final da Segunda Guerra e o primeiro da guerra fria; era garoto, portanto, quando Stálin morreu, em 1953, e os crimes stalinistas começaram a ser denunciados dentro da União Soviética. Filho de dois escritores, descendente de um pintor famoso, irmão do também cineasta Nikita Mikhalkov, ele estudou cinema e ficou próximo de Andrei Tarkovsky, um diretor que Stálin seguramente teria banido para a Sibéria por ser independente demais. Como ele, Konchalovsky se afastou da ortodoxia do cinema soviético, e sofreu duras críticas por isso; acabou passando uma temporada no Ocidente, onde fez, entre outros, Os Amantes de Maria/Maria’s Lover, com Nastassja Kinski, Gente Diferente/Shy People, com Jill Clayburgh e Barbara Hershey, e até um policialzinho, Tango e Cash, com Sylvester Stallone e Kurt Russell. Voltou para a terra natal para fazer esta beleza de filme". O Circulo do Poder é um excelente material para o reconhecimento de padrões autocráticos na vida cotidiana, nos comportamento e gestos mais comezinhos dos que se acercavam da fonte dessa imensa perturbação do campo social que gerava a autocracia soviética.
  • 70. 70 No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do nono módulo.
  • 71. 71 HERBERT E O JIHADISMO FREMEN Um depoimento pessoal (de Augusto de Franco), escrito em julho de 2010 e publicado na Escola-de-Redes: "Conheci o famoso "Duna" (1965) de Frank Herbert apenas em 1987. De lá para cá, não parei de ler - repetidamente - todos os seis livros da série, que foi interrompida em 1985 com a morte do autor (+1986). Cada vez que leio Herbert, descubro mais e mais coisas interessantes. Em parte, minha compreensão das redes sociais, devo-a a ele. Sobretudo a uma frase - uma pérola do segundo livro da série, "O messias de Duna" (1969) - que não me canso de citar: "Não reunir é a derradeira ordenação".
  • 72. 72 Agora, relendo, pela terceira ou quarta vez, "Os filhos de Duna" (1976) - o terceiro da série - me deparo com um diálogo em que Leto (filho de Paul Atreides que se transmutaria no Imperador-Deus de Duna) diz: "Nós seremos um ecossistema em miniatura... Seja qual for o sistema que um animal escolha para sobreviver, deve basear-se num padrão de comunidades interligadas, interdependentes, trabalhando juntas para o objetivo comum que é o sistema". Ora, o que é isso senão uma poderosa antevisão do que agora chamamos de sustentabilidade (de um ponto de vista sistêmico)? E o que é isso senão um entendimento profundo da dinâmica de rede que nos permite afirmar, como fiz em 2008, sem ter consciência dessa passagem (que, por certo, já havia lido) que "tudo que é sustentável tem o padrão de rede"? Herbert escreveu uma série ecológica. Mas ele sabia - ao contrário dos ambientalistas atuais, que pensam em salvar o planeta fazendo proselitismo e emprenhando as pessoas pelo ouvido - que nada disso depende do que se chama de consciência. Como epígrafe de um dos capítulos de "Os filhos de Duna", ele colocou na boca de Harq al-Ada, cronista do Jihad Butleriano (a guerra ludista contra as máquinas inteligentes): "O pressuposto de que todo um sistema pode ser levado a funcionar melhor através da abordagem de seus elementos conscientes revela uma perigosa ignorância. Essa tem sido freqüentemente a abordagem ignorante daqueles que chamam a si mesmos de cientistas e tecnólogos".
  • 73. 73 Aprendi mais política com Frank Herbert do que na minha longa incursão pelos clássicos. No livro Alfabetização Democrática (2007) indiquei a leitura da série Duna como parte de um programa de aprendizagem em democracia. Reproduzo a passagem: "Existem também algumas obras de ficção que ajudam a compreender a natureza e perceber as manifestações – explícitas ou implícitas – do poder vertical. Pouca gente se dá conta de que é possível aprender mais sobre política democrática lendo atentamente esses livros do que estudando volumosos tratados teóricos sobre política. Para quem está interessado na "arte" da política democrática é importantíssimo ler, por exemplo, a série de livros de Frank Herbert, que se inicia com o clássico "Duna". Um curso prático de política democrática deveria recomendar a leitura dos seis volumes que compõem essa série: Dune (1965), Dune Messiah (1969), Children of Dune (1976), God Emperor of Dune (1981), Heretics of Dune (1984) e Chapterhouse: Dune (1985). Herbert faleceu em 1986, quando estava trabalhando no sétimo volume da série. Seus livros foram publicados no Brasil pela Nova Fronteira, com os respectivos títulos: Duna, O Messias de Duna, Os Filhos de Duna, O Imperador-Deus de Duna, Os Hereges de Duna e As Herdeiras de Duna. Um bom - e além de tudo prazeroso – exercício de formação política seria tentar desvendar Duna, do ponto de vista daquelas manifestações do poder vertical que se contrapõem à prática da democracia - quer dizer, das atitudes míticas diante da história, sacerdotais diante do saber, hierárquicas diante do poder e autocráticas diante da política – realizando explorações nesse maravilhoso universo ficcional de Frank Herbert".
  • 74. 74 Herbert parecia saber que a chave para a formação da pessoa como ser singular - e não como mais um indivíduo de um rebanho, mera reprodução de um sistema de dominação - está na desobediência. Um ghola (ao contrário de um clone) só poderia ser despertado dessa forma. Mas um diálogo entre um ghola Duncan Idaho e o bashar Miles Teg, em "Os hereges de Duna" (1984) dá uma pista de que a desobediência deve ser aprendida, não pode ser ensinada: " - E o que vocês esperam que eu faça? - Você já sabe. - Não, não sei. Por favor, ensine-me! - Você fez muitas coisas sem precisar que o ensinassem a fazê-las. Será que lhe ensinamos a desobediência?" Ao escrever o Desobedeça (2010) talvez tenha sido inconscientemente influenciado por essa passagem de Herbert. E agora, que estou trabalhando no meu novo livro "Fluzz: vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio", ainda estou sob tal influência. Reproduzo um trecho já rascunhado da introdução do novo livro: "Nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio, vida humana e convivência social se aproximarão a ponto de revelar os “tanques axlotl” onde somos gerados como seres propriamente humanos. Todos compreenderemos a nossa natureza de “gholas sociais”.
  • 75. 75 Os tanques onde somos formados como pessoas são clusters, regiões da rede social a que estamos mais imediatamente conectados. Um tipo especial de ghola: não um clone de um indivíduo, mas um “clone” de uma configuração de pessoas. Toda pessoa, já dizia Novalis em 1798, é uma pequena sociedade; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoa é um ente cultural que replica uma configuração. É um ghola social". No universo ficcional de Duna, os tanques axlotl são mulheres tleilaxu que sofreram um coma cerebral químico induzido, a par de outras intervenções genéticas, para servir como usina de gholas. Os Tleilaxu (ou Bene Tleilax) são uma sociedade fechada de religiosos altamente avançados tecnologicamente, em especial em engenharia genética. Meio assustador, por certo. Mas para entender esse universo de Herbert é preciso ler as camadas da sua escritura: literal, alegórica ou metafórica, simbólica ou até, quem sabe, um pouco mais do que isso. Como qualquer pessoa que consegue realmente libertar a imaginação, Frank Herbert acaba roçando nos padrões ocultos que estão, por assim dizer, por trás das manifestações visíveis. Sobre isso, aliás, já havia escolhido, para epígrafe do livro que ainda não consegui terminar - "A Rede: Explorações no multiverso das conexões ocultas que configuram o que chamamos de social" - uma outra passagem de Herbert, também de "Os filhos de Duna" (1976): "E naquele instante ele viu o planeta inteiro: cada vila, cada cidade, cada metrópole, os lugares desertos e os lugares plantados. Todas as formas que se chocavam em sua visão traziam relacionamentos específicos de
  • 76. 76 elementos interiores e exteriores. Ele via as estruturas da sociedade imperial refletidas nas estruturas físicas de seus planetas e de suas comunidades. Como um gigantesco desdobramento dentro dele, ele via nessa revelação o que ela devia ser: uma janela para as partes invisíveis da sociedade. Percebendo isso, notou que todo sistema devia possuir tal janela. Mesmo o sistema representado por ele mesmo e o universo. Começou a perscrutar as janelas, como um voyeur cósmico." Bem, este tributo é apenas uma nota introdutória à aventura, muito prazerosa para mim, de explorar o universo ficcional de Frank Herbert". [Fim da transcrição] E agora, mais de quatro anos depois, Duna volta à cena, desta feita para ser explorado do ponto de vista do surgimento de padrões autocráticos, sobretudo na organização dos fremen: uma alegoria de Herbert para os mujahidin (ou jihadistas). Mujahidin (‫ن‬ ‫;مجاهدي‬ também transliterado como mujāhidīn, mujahedin, mujaidim, etc.) é a forma plural de mujahid (‫,)مجاهد‬ que se traduz literalmente do árabe ‫ن‬ ‫مجاهدي‬ (muǧāhidīn), como "combatente" ou "alguém que se empenha na luta (jihad)", embora o termo seja frequentemente traduzido como "guerreiro santo". No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos o livro Duna constitui material de pesquisa do décimo e último módulo.
  • 77. 77 DUNA O décimo - e último - filme do programa é Duna (Dune), de David Lynch (1984). Em 10.191 d. C., a substância mais cobiçada do universo é a especiaria (melange, especiaria, traduzida ridiculamente na versão dublada por "tempero"), encontrada somente no planeta desértico Arrakis, conhecido como Duna. Depois que seu pai é assassinado pelo cruel Barão Harkonnen, o jovem Paul Atreides descobre que seu destino está ligado à Duna, onde terá início uma batalha monumental que irá redefinir o cosmos. O filme de Lynch não faz jus ao livro de Frank Herbert (sobretudo por um absurdo ecológico cometido no final, abreviando para minutos um
  • 78. 78 processo que levou séculos - a volta da chuva em Duna - e introduzindo com isso um milagre que destrói a lógica da narrativa). No entanto, contém detalhes interessantes para o reconhecimento de padrões (com destaque para o figurino de Bob Ringwood). O livro homônimo de Frank Herbert (1965) já foi tratado aqui. No programa de investigação-aprendizagem sobre reconhecimento de padrões autocráticos esse filme constitui material de pesquisa do décimo - e último - módulo. Danienlared (num site hoje desativado) fez em 2010 o seguinte resumo da trama (em espanhol): "La Casa Atreides, recibe del Emperador Paddishah imperial Shaddam IV Corrino, el feudo del planeta Arrakis (llamado tambien Dune) para encargarse de la explotacion de la especia o melange, una sustancia unica en el universo, y de vital importancia. Quien controla la especia, controla el universo. La familia, comandada por el Duque Leto Atreides, con su concubina Bene Gesserit Dama Jessica, su hijo Paul, y sus fieles servidores, el Mentat Thufir Hawat, el Doctor Suk Wellington Yueh, y los Maestros de armas Gurney Halleck y Duncan Idaho, emprenden el viaje desde Caladan para tomar el control de Arrakis. Para una Casa menor, como es la Atreides, es un gran honor, pero en realidad es una trampa que preparan los anteriores poseedores del feudo, los Harkonnen y el Emperador Corrino, como venganza por pasadas
  • 79. 79 rencillas con el Duque Leto. El plan Harkonnen incluye la traicion del Dr.Yueh una vez esten instalados en la capital de Arrakis, Arrakeen, e consiste en un ataque de los invencible soldados Sardaukar imperiales, vestidos con uniforme Harkonnen. Los Atreides huelen la trampa, y tratan de establecer alianzas con los desconocidos y salvajes Fremen, habitantes del desierto profundo, cosa que consiguen en un principio. Pero el ataque se produce y caen los Atreides, que son capturados. El Dr.Yueh implanta en la boca del Duque un diente con un gas venenoso, para que mate al Baron Harkonnen, señor de esa Casa. A cambio, Yueh preparara la huida de su concubina Jessica y su hijo Paul. El Duque falla en su intento, asesinando al Mentat del Baron, Piter DeVries, pero Jessica y Paul si logran, tras utilizar los poderes de la Voz contra los soldados Harkonnen que los transportan al desierto para dejarlos alli y que se los coman los gusanos de arena (especie unica de este planeta), huir, y entrar en contacto con los Fremen. El Naib Fremen, Stilgar, les da cobijo. Debido a las manipulaciones religiosas de la Missionaria Protectiva de la Bene Gesserit, los Fremen ven a Paul como el Mesías que guiará a su pueblo en la transformación del arido Dune en un ecosistema verde. Su lider, el planetologo imperial Liet-Kynes, muere a manos de los Harkonnen. Jessica acepta convertirse en la Sayyadina de los Fremen, y supera la Agonia de la Especia. Al estar embarazada en ese momento, su futura hija, Alia, sera una “abominacion”, una niña con todos los conocimientos de una Bene Gesserit adulta. Paul adopta el nombre fremen de Muad’Dib y conoce a Chani, encargada de protegerle y
  • 80. 80 enseñarle las costumbres Fremen. El amor surgirá entre la pareja, y Chani será su compañera. Con ella, tiene un hijo que morira en un ataque Harkonnen a un sietch Fremen. Paul Muad’Dib se convierte en el líder de los Fremen, guiándoles en una revolución contra los Harkonnen y el Emperador, saboteando la producción de especia. Pero ademas sus poderes prescientes aumentan día a día. Paul, para descubrir si es verdaderamente el Kwisatz Haderach, se somete a la Agonia de la Especia, que supera tras un coma. Una vez recuperado, Paul Muad’Dib vence con sus fieles Fedaykin y los Fremen, a los hasta entonces invencibles soldados Sardaukar imperiales, en la Batalla de Arrakeen. Ya en el Palacio, frente al Emperador, derrota en un combate a muerte al heredero de los Harkonnen, Feyd-Rautha. Obliga al Emperador al exilio, toma por esposa a la hija mayor de este, Irulan Corrino (como gesto ante las demas Casas del Landsraad), y se proclama Emperador del Universo Conocido. La Yihad de Muad’Dib se extiende por todos los planetas del universo hasta la victoria final". Para quem tiver interesse, todos os livros da saga Duna estão apresentados em um tópico do grupo DUNA da Escola-de-Redes que pode ser acessado no link abaixo: http://escoladeredes.net/group/duna/forum/topics/todos-os-livros-da- saga-duna