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Capítulo 10 | Mundos-bebês em gestação




     AUGUSTO DE FRANCO
  Vida humana e convivência social nos novos
mundos altamente conectados do terceiro milênio



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                 Mundos-bebês em gestação


                             – E o que vocês esperam que eu faça?
                                                    – Você já sabe.
                              – Não, não sei. Por favor, ensine-me!
– Você fez muitas coisas sem precisar que o ensinassem a fazê-las.
                          Será que lhe ensinamos a desobediência?
             Diálogo entre um ghola Duncan Idaho e o bashar Miles Teg
                      por Frank Herbert em Os hereges de Duna (1984)



               O homem vive num filme, o homem vive num filme.
                        Mark Slade em The New Metamorphosis (1975),
 realçando comentário de Joseph Conrad em O coração das trevas (1902)



 O terrível segredo, que ninguém parece ter a coragem de encarar,
                 é que o mundo não pode ser salvo de uma só vez.
                      Não há como se varrer a miséria da existência
                             em grandes e eficientes vassouradas...
         Salvar o mundo é um serviço sujo que só você pode fazer,
                        ao ritmo de um ínfimo passo de cada vez...
                           redimindo-se um momento de cada vez.
                Um remédio de cada vez. Uma refeição de cada vez.
                Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada vez.
                                     Uma caminhada de cada vez.
                                   Paulo Brabo em Microsalvamentos:
                  como salvar o mundo um instante de cada vez (2007)




                             3
A despeito do fato, incontestável, de a dinâmica global da interação
      entre as velhas instâncias organizativas ter mudado, anunciando a
      emersão de uma verdadeira sociedade-rede, um novo padrão de
      organização distribuído não logrou se materializar no interior e no
      entorno das organizações empresariais, governamentais e sociais,
      que continuaram ainda se estruturando de modo centralizado ou
      hierárquico. Ou seja, o muro que caiu em 1989, caiu para o mundo
      construído pelo broadcasting como um único mundo, sob o efeito das
      poderosas forças da globalização (sobretudo da globalização das
      telecomunicações e da globalização dos mercados), mas não chegou
      a se localizar nas organizações realmente existentes em todos os
      setores. A mudança continuou acontecendo, mas os novos (e
      múltiplos) Highly Connected Worlds como que "cresceram
      escondidos" nesta época de mudança e não apareceram ainda à luz
      do dia, de sorte a consumar o que poderíamos chamar de uma
      mudança de época. Esses mundos-bebês estão agora em gestação.

      Os fenômenos acompanhantes do glocal swarming serão
      surpreendentes. Alguns já começaram a se manifestar: uma
      tendência acentuada à desobediência dentro das organizações
      hierárquicas, a incapacidade dessas organizações de inovar no ritmo
      exigido pelas mudanças contemporâneas (ou melhor, de se estruturar
      para inovar permanentemente) e - o que é mais drástico - as perdas
      irreversíveis de oportunidades e condições de sustentabilidade para
      as organizações fechadas que não forem capazes iniciar a transição
      do seu padrão piramidal para um padrão de rede.




Fluzz é a queda dos muros. Em 1989 houve uma queda: a do Muro de
Berlim. O episódio, pleno de significado simbólico, assinalou o início de uma
época de mudanças nos padrões de relação entre Estado e sociedade. Um
processo até então oculto de mudança social tornou-se visível de repente.
Embora fugaz, o momento abriu uma brecha pela qual se pode ver um novo
tecido societário em gestação, uma nova topologia – mais distribuída – da


                                     4
rede social sendo tramada. Com efeito, nos anos seguintes, como se diz, "o
mundo mudou": a Internet (com a World Wide Web) nos anos 90 expressou
aspectos importantes dessa mudança profunda.

Os anos 2000, contrariando uma série de profecias futuristas, não raro
inspiradas por algum tipo de milenarismo, e frustrando as mais animadoras
expectativas da New Age, não consumaram o que foi prefigurado. A
primeira década do século 21 - marcada indelevelmente pela queda das
torres gêmeas do World Trade Center - conquanto tal evento também seja
riquíssimo de significado simbólico (místico, como revela a famosa Carta 16
do Tarot; e ideológico: o que ruiu foi um centro mundial de comércio, dando
a alguns a impressão, não raro regressiva, de que a dinâmica reguladora do
mercado estava com os dias contados e seria substituída pela normatização
estatal), não foi o vestíbulo de entrada para aquele terceiro milênio
imaginário desejado.

No entanto, subterraneamente, prosseguiu a gestação de novos padrões
societários. O mundo descobriu as redes. Entrou em franco
desenvolvimento uma nova ciência das redes. E surgiram por toda parte
novas plataformas tecnológicas interativas de articulação e animação de
redes sociais. As ferramentas começaram a ficar disponíveis. Faltaram ao
encontro apenas as pessoas, ainda arrebanhadas e cercadas, em grande
parte, nos tradicionais currais organizativos.

E tudo permanecerá assim nos mundos em que as pessoas não
desobedecerem, não saírem do seu quadrado (as fortalezas organizativas
que criaram para se proteger do “mundo exterior”), não inovarem e não
iniciarem a transição para uma padrão de rede. Por isso não haverá mesmo
uma (única) New Age. Enquanto as pessoas não desistirem da Old Age
permanecerão em mundos murados contra fluzz; ou melhor: vice-versa.

É claro que o vento continuará soprando, mas – dependendo da opacidade
de seus muros – você pode nem notar. Assim como não notou a formidável
orgia fúngica sob seus pés (uma espécie de sexo grupal que está
acontecendo agora em Zion, i. e., nos subterrâneos, com hifas surgindo por
toda parte). Assim como não notou o espalhamento dos esporos no ar que
você respira. Assim como não está vendo as miríades de interfaces
conectando miríades de mundos à sua volta e “explodindo como uma
ramada de neurônios”... (1)

Esse é o glocal swarming – que você só percebe se estiver nele. Para
invocá-lo em seu mundo você precisa, antes de qualquer coisa, conceber e




                                    5
dar à luz ao seu mundo. Sim, agora chegou a hora de você mesmo fazer o
seu mundo!




                                  6
Não global, glocal swarming

                     Um mundo mais-fluzz quer dizer muitos mundos-fluzz




Não haverá aquela grande transformação capaz de lhe dar um novo mundo
de presente. Se você está aguardando essa mudança global apocalíptica,
escatológica, é melhor esperar sentado. Simplesmente não vai acontecer. É
inútil apostar no parto de um novo mundo como um evento épico de
magníficas proporções. No plano global não vem nada por aí – no curto
prazo, vamos dizer assim, no próximo milhão de anos – capaz de gerar um
novo mundo (2).

É claro que podem acontecer catástrofes de dimensões planetárias, pode
até irromper uma terceira guerra mundial (conquanto isso não seja muito
provável). Mas apostar que uma tragédia de proporções planetárias possa
criar condições para uma revolução internacional ou para uma batalha
cósmica entre as forças do bem e as forças do mal capaz de produzir um
mundo radicalmente novo em termos sociais é não entender o que se
chama de sociedade humana ou ser humano.

Como escreveu Paulo Brabo (2007), em Microsalvamentos: “o mundo não
pode ser salvo de uma só vez. Não há como se varrer a miséria da
existência em grandes e eficientes vassouradas... Salvar o mundo é um
serviço sujo que só você pode fazer, ao ritmo de um ínfimo passo de cada
vez... redimindo-se um momento de cada vez. Um remédio de cada vez.
Uma refeição de cada vez. Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada
vez. Uma caminhada de cada vez” (3).

Catástrofes não trarão nada de novo. Combates, batalhas, guerras e
revoluções, só produzirão repetição de mundo velho. Só um sociopata pode
acreditar que a violência é a parteira da história (e só alguém muito
intoxicado das crenças do mundo único pode acreditar que exista uma
história).

O plano global é uma construção, uma abstração. Nenhuma mudança
concreta pode acontecer nesse terreno abstrato. As mudanças nos padrões
de relação societários ocorrem sempre em sociosferas. Por isso a queda dos
muros não poderá ser uma (única) queda, de um (único) muro. Serão
muitas quedas, provavelmente em cascata ou swarming, de muitos muros.
Do ponto de vista dos movimentos invisíveis que se processam no espaço-
tempo dos fluxos, 'muro' significa centralização, obstrução de fluxo. Onde


                                    7
quer que existam "muros" impedindo o livre curso de fluições, “muros”
estes que caracterizam organizações mais centralizadas do que distribuídas,
poderá haver uma "queda". Não será um global swarming, mas um glocal
swarming.

Cada mundo altamente conectado que emergirá será o mundo todo, como
se fosse uma imagem holográfica de uma nova matriz de mundo mais
distribuído. Não um mundo interligado – pois que isso já se materializou
desde que a conexão global-local tornou-se uma possibilidade – e sim um
mundo-gerador intermitente de novos, inéditos, mundos altamente
tramados, para fora e para dentro, que emergirão a cada instante. Um
mundo mais-fluzz, quer dizer, muitos mundos-fluzz. Esta será,
propriamente falando, a primavera das redes.

A livre interação de múltiplos mundos altamente conectados, estruturados
com outras topologias e regidos por outras dinâmicas, vai substituir
processualmente as remanescências deste mundo aprisionado, sob o influxo
de velhas narrativas ideológicas totalizantes, em grandes ou pequenas
estruturas hierárquicas unificadoras top down.

Mundos-bebês começam a ser gerados na medida em que tais estruturas
vão sendo desmontadas. E elas estão sendo desmontadas cada vez que
você desobedece, inova, sai do seu quadrado e inicia a transição da
organização hierárquica em que você vive e convive para uma organização
em rede.




                                    8
Desobedeça

                                         Uma inspiração para o netweaving




Tudo começa com a desobediência. Cada pequeno ato ou gesto de
desobediência contribui para desestabilizar a dominação. É assim que a
desobediência vai deixando fluzz passar.

Desobedecer é sempre abrir um caminho. Mas cada ato ou gesto de
desobediência abre um novo caminho. Manter-se no mesmo caminho, à
revelia da direção do vento, acreditando que ele é o seu caminho para a
vida toda ou o único caminho e tentar impingí-lo a outras pessoas... aí já é
obedecer.

Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos
anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem
obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não
podem ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e
bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito
“sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados. Como assim? –
perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias heterodoxas
(e perigosas) vicejassem, seria o caos!

E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana (2009), duas décadas
depois, ousou declarar que o liderazgo (a liderança), o xodó das teorias
empresariais que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa,
posto que “el liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia
autonomía reflexiva y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a
sus directrices o deseos...” (4).

Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as
conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê-
las no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a
fenecer, para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de
múltiplos mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída.
Embora anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como
“redes de conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob
o influxo das visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes.
Cabe a nós, que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus insights
geniais à luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do netweaving.




                                     9
Sim, netweaving. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua
primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um netweaver é,
por definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente,
caminha fora dos trilhos já estabelecidos por alguém.

Mas a quem você deve desobedecer?

Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes do
velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo,
mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes,
que são muitos, merecem ser destacados os que já foram tratados aqui: os
ensinadores, os codificadores de doutrinas, os aprisionadores de corpos, os
construtores de pirâmides, os fabricantes de guerras e os condutores de
rebanhos.

Desobedeça aos ensinadores. Aprenda o que você quiser, quando quiser e
do jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que
aprendeu com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus
conhecimentos nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas
instituições que sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo
caminhos obrigatórios, cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe
o acesso; ou, ainda, nos livros submetidos à normas odiosas de copyright.
Conhecimento trancado apodrece.

E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o
“mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa
mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em
interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como
todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos,
fuja dos “mestres”!

Desobedeça aos codificadores de doutrinas. Não entre em suas armações,
não replique seus discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus
vaticínios e ameaças e ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos
trilhos que eles assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles
cavaram para fazer escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo
isso: faça o seu próprio caminho.

Desobedeça aos aprisionadores de corpos. Monte seu próprio
empreendimento individual ou coletivo compartilhado, empresarial ou
social. Corra atrás do seu próprio sonho ao invés de servir de instrumento
para realizar o sonho alheio. Sim, você é capaz. A evolução investiu quatro
bilhões de anos desenvolvendo seu hardware, que é igualzinho ao daquele



                                    10
cara esperto que quer capturá-lo e aprisioná-lo e que ainda por cima tem a
desfaçatez de alegar que está fazendo um bem para a humanidade por lhe
oferecer um emprego.

Desobedeça aos construtores de pirâmides, em primeiro lugar, cortando o
barato daquele “construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você:
não faça patotas, não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação
de juntar “os seus” e separá-los dos “dos outros”, mas – para quem quer
fazer redes – é absolutamente necessário. E, sobretudo, abra mão de
querer mandar nos outros. Em vez de arquitetar organizações tradicionais,
a partir de organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou
trabalho, teça redes: quase tudo que se organizou até agora de forma
hierárquica (com estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de
rede (com estrutura distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando-
e-controle.

Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de
comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um
período (que não pode ser muito longo, do contrário você estará
bloqueando seu desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas
sempre resistindo. Isso significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as
vontades, vamos dizer assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo,
subserviente, serviçal. Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo.
Não fique na penumbra, recuado, servindo de escada para ele subir ou se
destacar. Não faça o jogo.

Desobedeça aos fabricantes de guerras, esses hierarcas. Recuse-se a entrar
em organizações militares ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a
entrar em qualquer organização política de combate, que pregue que o bem
só será alcançado com a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente
como adversário em princípio: em princípio todo ser humano é um potencial
parceiro de outro ser humano, não um inimigo.

Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que
elegem inimigos para ser eliminados: física, econômica, psicológica ou
politicamente. A ética do netweaver é uma ética do simbionte, não do
predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha
de travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo
estará gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer
dizer, de fazer redes.

Desobedeça aos condutores de rebanhos, esses líderes. Não os siga para
parte alguma. Não se deixe conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo



                                      11
cabresto como se fosse uma cavalgadura. Não existem guias geniais dos
povos. Nos sistemas representativos, as pessoas que você elegeu são seus
empregados (mandatados pelos eleitores), não seus patrões.

Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação
humanizante entre as pessoas: transformam gente em gado, em
contingente moldável e manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se
desse rebanho. “Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam
olhando para cima de boca aberta, esperando pelas benesses de um
salvador (pois o simples fato de pertencer a elas já é um indicador de
exclusão, quer dizer, de incapacidade de pensar por si mesmo e de andar
com as próprias pernas). Toda pessoa, se estiver disposta a desobedecer,
será um alguém (com nome reconhecido) fora da massa, não apenas um
número em uma estatística. Toda pessoa que desobedece, em um mundo
ainda infestado por organizações hierárquicas, é um ponto fora da curva:
alguém único, singular, insubstituível como você.

Isto posto, é tudo.

Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos
que se levam muito a sério e que se acham responsáveis.

Você deve desobedecer às     leis? De uma maneira geral, você nunca deve
obedecer a pessoas, sejam    elas quais forem. Dizendo de uma forma ainda
mais ampla: você nunca         deve obedecer a nenhuma individualidade
portadora de vontade, real   ou imaginária, humana ou extra-humana, seja
ela qual for.

Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às
normas da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as
leis.

Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos
livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em
leis em um processo democrático.

Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é o
império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a
pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis.

Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis
de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer
legitimidade.



                                     12
A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios democráticos:
a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou alternância), a
legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter sido eleito para
ter legitimidade.

Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras
clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor
escala, por democracias parasitadas por regimes populistas manipuladores.

Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos
que violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E
esteja preparado para arcar com as conseqüências, é claro.

Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo
realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência
pacífica das pessoas.

Você deve desobedecer aos dirigentes das organizações políticas a que
pertence? Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve
pertencer a organizações que não tomam a democracia como um valor.

Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não
pode aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer
alguma coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção
proveniente de instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de
convivência, é legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a
acatar uma decisão com a qual não concorde ou mesmo concordando não
queira acatar, por medo de sanção, ainda que tal decisão tenha sido
tomada por maioria. Obediência nada tem a ver com colaboração, que
pressupõe adesão voluntária, seja por concordância, seja por resultado de
convencimento ou por livre assentimento.

Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de
disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida
dos participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram.
Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo
em virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram.
Todos têm o direito de não acatar decisões.

Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e
punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas
autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais
autocrática for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais



                                     13
“virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam
comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em
contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser)
constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece”
(ou melhor, acata) quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em
relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem
não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento
antidemocrático.

Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido
“forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir
seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a
democratização contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas
Ghandi, não existe caminho para a democracia: a democracia é o
caminho...

Você deve desobedecer aos seus patrões? Outra objeção freqüente diz
respeito à obediência àquele que paga o seu salário: como você pode não-
obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver?

Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe para alguém e sim com alguém
(em vez de dizer trabalhe com alguém seria melhor dizer: empreenda com
alguém). Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é
necessária.

Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos
alguém você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para
sentir esse sopro criador só há uma via: desobedeça!

Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça!
Uma pessoa (qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais
do que a bosta de um emprego.

É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou,
dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro,
para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não
aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar
com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas
pelo seu esforço e pela sua inteligência). Aí o chefe fica contente e mantém
tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas). Se o chefe
ficar muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção
do "colaborador" que lhe fez tão bem as vontades.




                                    14
Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para
promover uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora,
para poder ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e
desenvolver esses talentos. Essa é uma característica central daquele tipo
de inteligência tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma
inteligência que cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha,
com a colaboração. Uma inteligência colaborativa.

Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras
pessoas que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão
renunciando, em alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente
humanas. O diabo é que os funcionários burocráticos e outros empregados
ou prestadores de serviços em organizações hierárquicas já introjetaram
tão fundo as idéias que sustentam tais práticas, que o hábito, já não se
diria de servir, mas de ser serviçal, se instalou no andar de baixo da sua
consciência (?) e emerge como uma pulsão. Freqüentemente eles se
escondem para promover seus superiores, tendo medo, inclusive, de
proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um artigo em um
blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de
comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se
vestir de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua
própria humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la
como poderiam.

Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo
conscientemente), em troca do emprego ou da contratação. Argumentam
que se não obedecerem e fizerem a vontade dos chefes, perderão a
remuneração sem a qual não terão como viver. Mas dá no mesmo. Se, para
sobreviver, uma pessoa precisa castrar suas potencialidades, então tal
sobrevivência não poderá ser digna. Um trabalho que deixe de promover o
desenvolvimento humano de quem trabalha não pode ser digno.

Os chefes, por sua vez – como aquele senhor de escravo, escravo do
escravo, a que se referia Hegel, em outros termos – também estão
aprisionados neste círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas
ideologias do comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais se
não for assim, as coisas não funcionam. De que alguém tem sempre que
liderar – quer dizer: mandar nos outros – para que uma ação possa ser
realizada a contento. Por isso não se adaptam à cultura e à prática de rede,
onde não é possível mandar alguém fazer alguma coisa contra a sua
vontade.




                                    15
É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio
tremendo em um mundo ainda infestado, em grande parte, por
organizações hierárquicas.

Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre
esse interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma
coisa que fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas...
hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que
usando as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu
poder ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino
pelo tal "marketing viral", de resto uma vigarice).

As organizações hierárquicas – em termos do ser coletivo que se forma,
diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram – não vêem as redes
como fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou
humanizada pelo social, e sim como meio para alguma coisa não-humana.
Sim, organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-
humanos. A afirmação é forte, mas não há como dizer de outro modo se
quisermos ir ao coração do problema. Entenda-se bem: as pessoas
continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que se forma não será,
posto que não será 'social' (naquele especialíssimo sentido que Maturana
empresta ao termo).

O principal é quebrar o círculo vicioso do poder. Em que medida você tem
coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências? Sua resposta a
essa pergunta define o seu campo de liberdade e de possibilidade.

Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão,
reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação
e morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas
para desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a
vida de terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você
deve avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve
deixar de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude,
vamos dizer assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se
abaixe, não se deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado,
não colabore (voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes
de qualquer coisa, resistir.

Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as
grandes correntes de humanização do mundo, quer dizer, dos mundos-
bebês que estão gestando o simbionte social. Quando você cede,




                                    16
sujeitando-se a alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá
no mesmo), contribui para desumanizar os mundos e a você mesmo.

O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que
você vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente
um ímpeto de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está
irrompendo na sua vida.

Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos,
ao obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando-se nas dinâmicas
dessas organizações, você está, na verdade, subordinando-se a seres não-
humanos.

Ordem         hierarquia       disciplina         obediência

Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela
saudável desobediência-fluzz (5).




                                  17
Inove permanentemente

Colocar-se em processo de inovação permanente é viver em processo de
Ítaca (ou em processo de fluzz)




Nos Highly Connected Worlds estamos todos condenados a inovar
permanentemente. Não se trata mais de buscar uma grande inovação para
viver dela até o fim da vida: coroar uma bela carreira, inaugurar um grande
empreendimento ou amealhar uma fabulosa fortuna. A inovação passa a ser
o modo cotidiano de viver e conviver.

A maior parte dos sistemas de inovação urdidos por organizações
hierárquicas são, de fato, contra a inovação. Não querem a inovação,
querem a inovação que eles querem. Ora, mas se eles já sabem qual é a
inovação que deve acontecer, então não é inovação. Se fosse, não
poderiam conhecê-la de antemão. Via de regra acabam constituindo escolas
de inovação (que são túmulos para as novas idéias). Querem usar as novas
idéias para justificar as velhas (porque suas escolas, lato sensu, nada mais
são do que coagulações de velhas idéias).

Em termos de idéias, a inovação acontece quando os muros epistemológicos
são perfurados por hifas, viabilizando a polinização, a fertilização cruzada
entre campos do conhecimento que foram separados (pelas escolas).

Grande parte dos que falam em inovação não são inovadores. Inovador é
quem inova, não quem fala como a inovação deve ser. Para inovar você
deve fazer o contrário do que lhe dizem, do que querem ouvir de você, do
que esperam que você faça. Simplesmente, faça diferente. Para tanto, você
tem que ter liberdade. Como já foi dito, o espírito de liberdade é a fonte de
toda criatividade. Você não pode inovar sob encomenda e vigilância de um
sistema que quer que você inove, sim, ma non troppo. É como se lhe
dissessem: inove, mas não exagere: não saia fora de nossa visão, não
bagunce nossos processos, não desarrume nosso modelo de gestão. A
mesma pulsão de morte que exige obediência para disciplinar a interação,
quer também disciplinar a inovação.

De modo geral, toda inovação é fluzz. Mas inovação-fluzz propriamente dita
é aquela que aumenta a interatividade. Grandes inovações-fluzz serão, por
exemplo, aquelas que favorecem a articulação de interworlds (por isso os
inovadores-fluzz têm muito com que se ocupar na construção das novas
internets distribuídas). Ou, dizendo de outro modo, na construção de


                                     18
“membranas sociais”. Ou, ainda, na remoção das separações: entre pessoas
(inclusive entre pessoas que falam idiomas diferentes), entre quem busca e
quem gera conhecimento, entre dispositivos tecnológicos e o corpo humano
e entre pessoas e não-pessoas.

Você quer inovar seguindo o curso (ou surfando na onda-fluzz)? Não seja
por falta de pauta. Tudo que você inventar para remover a centralização
das comunicações e para superar a descentralização da Internet (em
direção a mais distribuição) será inovação-fluzz. Tudo que você inventar
para oferecer alternativas às caixas-pretas onde alguém trancou um
algorítmo, um programa, um conhecimento (para poder viver à custa de
sua inovação aprisionada), será inovação-fluzz. Tudo que você inventar
para derrubar a barreira da língua será inovação-fluzz. Tudo que você
inventar para ensejar que cada busca crie novos significados, evitando que
significados únicos sejam arquivados de modo centralizado, será inovação-
fluzz. Tudo que você inventar para aproximar do corpo humano dipositivos
tecnológicos nômades que intensifiquem a interação, será inovação-fluzz.

Esses são apenas alguns exemplos, apresentados a título ilustrativo, para
tentar tornar compreensível um sentido. A rigor, não há como fazer uma
pauta concreta das inovações-fluzz porque uma verdadeira inovação-fluzz
(como qualquer inovação) é aquela que sequer conseguimos imaginar antes
que apareça. Isso não significa, entretanto, que não possamos afirmar que
o sentido do curso é +interatividade.

Além da desobediência aos que querem aprisioná-lo no mundo de baixa
interatividade, para poder se colocar em processo de inovação permanente
(ou em processo de Ítaca = em processo de fluzz) você precisa sair da
prisão que você mesmo construiu para você ao se aquartelar no seu
quadrado para enfrentar o “mundo exterior”.




                                   19
Saia já do seu quadrado

“Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado (4x) / Eu disse: Ado
a-ado cada um no seu quadrado/ Ado a-ado cada um no seu quadrado” (6)




Em geral, quando ouvem falar dos temas tratados neste livro, as pessoas
dizem: “ - Legal esse papo de rede! Aqui na minha organização, acho que é
meio cedo. Ainda estamos aprendendo. Gostaria de ver como funciona na
prática. Você tem algum exemplo concreto?” Mas isso não é bom o
suficiente. Se você não sair já do seu quadrado, nada pode ser feito.

Entretanto, compreender e aceitar a possibilidade da organização em rede
distribuída é um processo de aprendizagem mais árduo do que pensam
aqueles que agora estão aderindo à moda meio ligeiramente.

É um processo que exige uma varrição no subsolo onde estão fundeados os
nossos pré-conceitos. Isso quer dizer que as principais resistências às redes
não estão propriamente no terreno das idéias que comparecem nos
debates, senão naquelas que em geral não se explicitam e a partir das
quais formamos nossas concepções. A resistência está nos pressupostos
não-declarados.

Em qualquer lista tentativa desses pressupostos, comparecerão, pelo menos
os quatro seguintes:

      O ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo
      (totalmente ou parcialmente).

      As pessoas sempre fazem escolhas tentando maximizar a satisfação
      de seus próprios interesses materiais (egotistas).

      Nada pode funcionar sem um mínimo de hierarquia.

      Sem líderes destacados não é possível mobilizar e organizar a ação
      coletiva.

Nossa “wikipedia memética” está lotada de significadores-replicadores como
esses, que privilegiam e propagam determinadas interpretações baseadas
na inevitabilidade da centralização. E o problema é que essa “wikipedia” não
está arquivada somente nos nossos cérebros e sim na rede social que foi




                                     20
vítima de seguidas centralizações, em razão, justamente, da replicação de
memes verticalizadores.

O resultado prático dessa impregnação ideológica é que desconfiamos da
colaboração. Intoxicados por esses pressupostos antropológicos –
falsamente legitimados como científicos – até conseguimos aceitar a
colaboração, mas em função da competição com quem está em outro
quadrado. Ou – pelo inverso e de maneira aparentemente paradoxal –
aceitamos a cooperação com alguns outros quadrados dentro de um campo
(não raro para competir com quadrados que estão em outro campo), mas
não nos organizamos de forma cooperativa dentro do nosso próprio
quadrado.

A contradição é apenas aparente: tudo, no fundo, é a mesma coisa. A
observação cuidadosa revela que quando não aceitamos a cooperação com
os “de fora”, também não conseguimos nos organizar de uma forma que
facilite a cooperação entre os “de dentro”. E vice-versa.

Nossa capacidade de aceitar o padrão de rede é função da forma como nos
organizamos. Um ambiente organizacional favorável à cooperação é aquele
cuja topologia é mais distribuída do que centralizada. Quanto mais
distribuída for uma rede social, mais fácil é ensejar o fenômeno da
cooperação. Ou, dizendo de maneira inversa, quanto mais centralizada for
uma estrutura organizacional, mais ela gerará e emulará a competição e
seus bad feelings acompanhantes, como a desconfiança.

Ao contrário do que sugere o senso comum, a cooperação não é uma
característica intrínseca do indivíduo, inata ou adquirida pela sua formação.
Não decorre de nenhum gene nem da sua boa índole ou da sua alma
generosa. Tal fenômeno se manifesta em função dos graus de distribuição e
de conectividade da rede social em que uma pessoa está inserida.

Quanto mais distribuídas e densas forem as redes sociais, mais elas terão
capacidade de converter competição em cooperação, como resultado de sua
dinâmica. Elas não convertem pessoas competitivas, beligerantes e
possuidoras de forte ânimo adversarial em pessoas cooperativas, pacíficas e
amigáveis. Ao favorecer a interação e permitir a polinização mútua de
muitos padrões de comportamento, o resultado do “funcionamento” de uma
rede social (distribuída) é produzir mais cooperação, como já descobriram
(ou estão descobrindo) os que trabalham com o conceito de capital social.
As pessoas podem continuar querendo competir umas com as outras,
porém, quando conectadas em uma rede (distribuída), esse esforço não
prevalece como resultado geral visto que, na rede, elas não podem impedir



                                     21
que outras pessoas façam o que desejam fazer, nem podem obrigá-las a
fazer o que não querem. Sim, essa é a essência dos processos de comando-
e-controle: mandar nos outros.

Essa constatação pode até parecer meio óbvia, mas está longe disso. A
prova é a nossa imensa dificuldade de aceitar o padrão de rede dentro de
nossas próprias organizações.

Nossa dificuldade de aceitar o padrão de rede é função da forma como nos
organizamos e não da nossa falta de capacidade de entendimento do
assunto.

Hoje, como o tema virou moda, as pessoas gostam de falar em redes, no
mínimo, para não parecerem ultrapassadas. Mas quando falam em redes,
em geral, elas falam da conexão em rede de estruturas centralizadas. Os
nodos não são redes. No seu próprio nodo não querem saber dessa
conversa. E, para falar a verdade, nem se importam muito com a maneira
como os outros nodos se organizam internamente, desde que... fique lá
cada um no seu quadrado. É isso então: “Ado, a-ado, cada um no seu
quadrado”.

Meu “quadrado” é o meu bunkerzinho. É dali que eu enfrento o mundo em
vez de me relacionar com ele com abertura.

Pode-se argumentar que essa visão é característica do mercado (que tem
uma dinâmica competitiva), mas o fato é que ela também comparece em
outras formas de agenciamento, como a sociedade civil (cuja racionalidade
é cooperativa). Nas empresas e em outras organizações de mercado,
entretanto, é mais do que uma visão: é uma disposição emocional. Para
além de uma racionalidade, é uma emocionalidade que induz a replicação
de comportamentos. Por isso é tão difícil para a cultura empresarial aceitar
de fato as redes sociais.

A cultura empresarial foi contaminada por uma ideologia construída sobre o
mercado. É claro que, mesmo do ponto de vista puramente racional, há um
problema com a visão que foi construída sobre o mercado, quer dizer, com
a visão que parte dos pressupostos assumidos pelos que propagam o
liberalismo de mercado. É uma visão que valoriza e emula o chamado
“instinto animal” do empreendedor, imaginando que o resultado variacional
da confluência das ações de miríades de agentes animados desse espírito
belicoso do conquistador, será, ao fim e ao cabo, o do incremento produto.
Essa visão, por sua vez, é legitimada pela crença de que o ser humano é
por natureza assim mesmo e que cada indivíduo gera suas preferências a



                                    22
partir de uma perspectiva egocêntrica. A interação desses múltiplos inputs
seria então capaz de estabelecer uma autoregulação no plano em que se
estabelece (quer dizer, no do próprio mercado). Mas como tal esquema não
garante coesão social, é preciso escorá-lo com uma concepção política
segundo a qual caberia a uma estrutura de poder, supostamente acima das
partes, resolver os dilemas da ação coletiva estabelecendo top down a
regulação, emitindo normas a partir do Estado ou de outra instância
centralizada capaz de cumprir esse papel.

Nesse esquema, como se pode ver, não há lugar para a autoregulação
societária. E é por isso que, para o liberalismo econômico e sua ‘ciência do
crescimento’ – a chamada Economics – a sociedade civil não é uma forma
de agenciamento capaz de subsistir por si mesma. Sim, aqui ainda estamos
em Hobbes.

Padrão variacional de mudança no mercado combinado com lógica
normativa do Estado e... nada mais (como provocava Margaret Thatcher no
final dos anos 80: “And, you know, there is no such thing as society”) (7).
Eis a concepção de mundo que foi produzida. No limite, o mercadocentrismo
(não o mercado, mas a ideologia que foi construída sobre o mercado), como
qualquer ideologia de raiz hobbesiana, é sempre hierarquizante e
autocratizante e, assim, está longe de ser um liberalismo em termos sócio-
políticos.

Tudo isso contaminou a cultura empresarial, sobretudo das grandes
empresas (invariavelmente mancomunadas com o Estado para gerar isso
que chamamos de capitalismo), na medida em que essa ideologia foi
disseminada pelos novos sacerdotes da modernidade – os economistas –
que, ademais, adquiriram status científico e trabalham sempre no complexo
Estado-Empresa, legitimados pela Universidade. Das grandes empresas,
essas crenças extravasaram para as médias e pequenas, cujo sonho não é
serem-bem o que são, mas se tornarem grandes. De sorte que uma cultura
mais cooperativa só consegue penetrar em certas brechas abertas pela
assimetria da competição mercantil: por exemplo, pequenas empresas de
um setor aceitam estabelecer laços cooperativos entre si – formando
sistemas sócio-produtivos (como os arranjos produtivos locais) – não para
compartilhar e inovar a partir da polinização mútua ou da fertilização
cruzada de diferentes visões de gestão, processo e produto, mas para
concorrer com as grandes e médias empresas ou com outros clusters de
pequenas empresas. A cooperação é então compreendida, aceita e
justificada pela necessidade de adquirir condições mais competitivas.




                                    23
Não se pode aprender muito sobre redes em organizações hierárquicas. Só
muito recentemente, algumas empresas começaram a se dar conta de que
um padrão de organização mais favorável à cooperação – tanto
internamente, quanto no âmbito dos seus stakeholders – pode ter alguma
coisa a ver com sua capacidade de se adaptar tempestivamente às
mudanças do meio em que estão inseridas. Colocou-se então, para além da
questão da competitividade (e da qualidade e da produtividade como
atributos conexos), a questão da sustentabilidade.

Mas tal não foi suficiente para alterar os, digamos, drives dos agentes
empresariais. Mesmo os mais avançados, que já foram capazes de perceber
que tudo que é sustentável tem o padrão de rede e, assim, conseguiram
entender a necessidade da transição de sua forma de organização
hierárquico-vertical ou centralizada para formas mais horizontais ou
distribuídas, mesmo estes, não conseguem mudar seu “código-fonte”. E não
conseguem fazê-lo simplesmente porque continuam se organizando de
forma hierárquica. Eis o ponto!

Até as empresas de consultoria estratégica que atuam na perspectiva dessa
transição (e mesmo as que declaram trabalhar com redes sociais)
permanecem se organizando de forma mais centralizada do que distribuída.
E as teorias e metodologias que aplicam em seus clientes empresariais
continuam reforçando visões e práticas hierarquizantes. Um bom exemplo
disso são as crenças liderancistas que proliferaram nas últimas décadas,
segundo as quais haveria pessoas, por alguma razão, predestinadas a
captar pioneiramente as mudanças, que deveriam se destacar das demais,
caminhando à sua frente a fim de conduzi-las para o futuro que anteviram.

A ideologia do liderancismo fornece um bom exemplo da dificuldade de
entender as redes sociais. Pois quando falam em líderes os adeptos do
liderancismo empresarial estão, na verdade, falando de monoliderança. Não
querem muitos líderes e sim apenas alguns (aqueles que se destacam): se
muitos puderem liderar, desconstitui-se o papel do líder, pelo menos dentro
de cada fortaleza organizativa. Ou melhor, eles até querem líderes, no
plural, sim, mas... cada um no seu quadrado. Mais uma vez é isso: “Ado, a-
ado, cada um no seu quadrado”.

Ora, as redes (distribuídas) constituem ambientes favoráveis à emersão da
multiliderança. Mas a observação acrítica de que sempre tem alguém que
lidera, que puxa, do contrário a coisa não anda, reforça as tão ingênuas
quanto interesseiras crenças liderancistas.




                                    24
Bastaria experimentar uma organização em rede distribuída para ver surgir
o “misterioso” fenômeno (o da multiliderança). Ah! Mas esse passo eles não
querem dar, porque têm medo de... perder a liderança! Trata-se aqui, como
parece óbvio, do monopólio da liderança, que, na sua raiz, está
inegavelmente associado não propriamente à propriedade, mas ao uso que
dela se possa fazer (diretamente, no caso dos donos; ou por delegação, no
caso dos CEOs ou altos dirigentes) para ocupar uma posição de comando-e-
controle; quer dizer: para mandar nos outros.

A interpretação do líder que se destaca e que seria capaz de ver o que os
outros não são capazes e que seria, portanto, capaz de comandar e
controlar seus “colaboradores” em prol do bem-comum agrada a todos,
vendedores e compradores. Os dirigentes hierárquicos têm seu ego
fortalecido e obtêm mais um argumento de peso para justificar seus
processos discricionários de tomada de decisões. E ficam motivados para
comprar serviços e metodologias baseados nessa metafísica. Mas caminha
em direção contrária aos ventos da mudança da sociedade hierárquica para
a sociedade em rede. E constitui um obstáculo à necessária transição do
padrão de organização das empresas e de outras instituições.

É claro – e ninguém pode negar – que existem pessoas visionárias, mais
antenadas para captar as tendências e capazes de ver à frente dos seus
contemporâneos. O problema é que não se pode atribuir essa “capacidade”
a uma condição intrínseca do sujeito, independentemente das funções
exercidas por ele nas redes sociais em que está inserido. E,
fundamentalmente, não se pode associar essa capacidade às posições
ocupadas por ele em organizações hierárquicas, fazendo um raciocínio
primário do tipo: se o cara está ali naquela posição é porque demonstrou
que é um líder destacado, logo... ele tem (ou tem mais chances de ter) as
condições (genéticas ou culturais) de captar as mudanças e tem também
não apenas o dever mas o direito de conduzir as outras pessoas.

Mas posições em estruturas verticais de comando-e-controle são diferentes
de funções exercidas em estruturas horizontais de relacionamento. O que
confere capacidades extraordinárias a alguns indivíduos, além, é claro, do
seu esforço, são as funções assumidas por eles na dinâmica coletiva das
fluições que os atravessam e não as posições ocupadas nos degraus da
escadinha do poder de mandar nas outras pessoas. Em outras palavras,
líderes são expressões do capital social (são produzidos, por assim dizer,
em grande parte, pela fenomenologia da rede) e não o resultado de uma
competição entre diferentes unidades de capital humano para ver quem
chega primeiro. O recente estudo de Malcolm Gladwell (2008) – Outliers – é
bastante ilustrativo a esse respeito (8).



                                   25
Tudo é aceitável, menos mexer no meu quadrado, disse o reizinho. O
problema com as organizações hierárquicas é que elas são capazes de
aceitar qualquer nova moda, qualquer linguagem vanguardista e qualquer
metodologia revolucionária justificada pela metafísica mais influente da
hora, suposta ou realmente sintonizada com o Zeitgeist, mas – dos pontos
de vista dos padrões de organização e dos modos de regulação – querem
continuar sendo como são! Ou como acham que são. Ou como querem ser
(9).

Isso é mais freqüente nas empresas. Dirigentes empresariais mostram-se
predispostos a comprar qualquer coisa inusitada, mesmo aquelas que vêm
justificadas por esquemas míticos de interpretação do mundo, da natureza
e do ser humano (basta ver o incalculável número de consultorias que
proliferou na esteira da New Age) ou aderem, pressurosos, às novas
“religiões laicas” que surgem (sobretudo após a falência das grandes
narrativas ideológicas utópicas do século 20, como as que hoje pretendem
“salvar o planeta” do aquecimento global) desde que: a) não questionem e
propriedade; e b) não questionem as formas de organização baseadas no
acesso diferencial à propriedade para estabelecer mecanismos de comando-
e-controle (mas é aí que está o problema).

Tudo é aceitável, menos mexer no meu quadrado, que delimita o perímetro
do meu reino. Sim, pode-se dizer o que se quiser, mas não se pode,
honestamente, deixar de encarar o fato de que as empresas – assim como
a maior parte das organizações – ainda são monárquicas em um mundo
que, pelo menos no que tange às sociedades consideradas mais
desenvolvidas, já superou as monarquias (absolutistas) há bem mais de um
século.

O reizinho não se preocupava muito com a maneira como os outros povos
(estrangeiros) se organizavam. Mas lá no seu reino, êpa! Aqui mando eu.
Era isso: “Ado, a-ado, cada um no seu quadrado”.

Se você não está disposto a sair do seu quadrado, abandonando o seu
reino, não vai conseguir entrar em outros mundos. Para você, essa
conversa de mundos-bebês em gestação não passará de uma divagação
abstrata, de uma metáfora sem sentido, de uma especulação ociosa e sem
aplicação prática. É justo. Um rei deve ter mesmo a responsabilidade de
manter o mundo em que reina (o que significa que ele é o primeiro-escravo
do seu reino).

Sair do seu quadrado não é bombardear, incinerar, demolir a sua
organização, seja ela qual for, tenha ou não fins lucrativos. É iniciar a



                                   26
transição do padrão hierárquico dessa organização para um padrão de rede
(10).




                                  27
Inicie agora a transição

                       Nos já descobrimos a “fórmula”: é a rede distribuída




Para iniciar a transição do padrão hierárquico de organização para um
padrão de rede, você precisa ser um netweaver.

A transição da organização hierárquica para a organização em rede (mais
distribuída do que centralizada) é o grande desafio glocal, não de nosso
tempo (posto que tal não existe mais como um mesmo tempo para todos) e
sim de todos os tempos.

Como fazer isso? Pode parecer incrível, mas nós já temos a resposta.
Embora, a rigor, não haja nenhuma fórmula, nós já descobrimos a
"fórmula" da transição do padrão hierárquico para o padrão rede. Essa
"fórmula" é a rede (distribuída).

Dito assim, causa surpresa. Mas é, exatamente, isso mesmo. Estamos, já
faz tempo, dando voltas na questão para não ir ao centro da questão:
articular e animar redes distribuídas.

Quase sempre é difícil ver o óbvio. E o óbvio, aqui, é o seguinte: se
queremos efetuar a transição de uma sociedade ou organização hierárquica
(centralizada ou multicentralizada) para uma sociedade ou organização em
rede (distribuída), nada mais nos cabe fazer senão netweaving.

O nosso problema não está no desconhecimento da "receita" e sim na nossa
incapacidade de mostrar que ela é eficaz. Na verdade, o que nos falta são
os argumentos suficientes para convencer os hierarcas e seus prepostos das
organizações (governamentais e não-governamentais) de que é possível,
sim, re-organizar as coisas em um padrão distribuído. Não é o caminho (a
direção e o sentido do movimento a ser feito) que nos falta e sim o discurso
convincente, os exemplos e as tecnologias (e metodologias) para promover
e conduzir tal transição. Como não conseguimos "vender" a idéia, achamos
que não temos a "fórmula".

Mas nós já temos a "fórmula". Achamos que não temos porque, na maior
parte dos casos, não queremos nos organizar – nós mesmos – segundo um
padrão de rede distribuída. Então montamos uma empresa de consultoria
ou uma ONG hierárquica e queremos sair por aí "vendendo o nosso peixe"
para outros hierarcas. É claro que o sujeito (potencial cliente de nossos


                                    28
serviços ou tecnologia) desconfia da nossa conversa. Logo de cara pergunta
onde tal coisa foi aplicada com sucesso. Quer conhecer as best practices,
porque não quer entrar em uma aventura, seguir um maluco qualquer que
anda pregando algo que pode colocar em risco seu negócio ou seu projeto.

Uma organização hierárquica copia a outra. É por isso que todas as
organizações do mesmo setor ou ramo de negócio ou atividade são tão
parecidas. Não somente seus projetos, produtos e serviços são similares,
mas também seus processos de produção, seus modelos de gestão e seus
sistemas de governança. Se você chega lá falando uma coisa diferente, sua
proposta é de pronto considerada out of topic. E há uma associação, tácita
e involuntária na maior parte dos casos (e em alguns casos voluntária:
quando existe corrupção), entre compradores e vendedores de tecnologias
e metodologias.

Por quê? Ora, porque organizações hierárquicas competem entre si (e
quando colaboram é para competir com outras organizações hierárquicas).
A competição nivela e, mais do que isso, torna os competidores
semelhantes. Em qualquer disputa você, mais cedo ou mais tarde, adquire
as características do seu adversário. É aquela história: para lutar com o
urso você adquire garras de urso. Então o comprador quer comprar o que
seus concorrentes compram para não ficar para trás. Mas, ao fazer isso,
perde completamente a originalidade e reduz sua capacidade de inovar. E,
ainda que não desconfie disso, perde também capacidade de “viver” (ou
reduz suas chances de alcançar sustentabilidade).

Bem, mas aí você chega lá falando da transição do padrão de organização e
o seu interlocutor quer ver suas credenciais, seu portfólio, seus cases. E
você não tem nada disso para apresentar. Tem apenas as suas idéias...
Idéias de que uma organização em rede é mais produtiva, mais inovadora e
mais sustentável do que uma organização hierárquica.

Mas suas idéias não valem muito. E os que olham para você com
desconfiança, têm certa razão. Porque não é o seu conhecimento que vai
conseguir transformar aquela organização hierárquica em uma organização
em rede e sim a maneira como as pessoas vão passar a se relacionar
dentro da organização. Seu papel – ao contrário do que muitos acreditam –
não é fazer a cabeça dos decisores da organização. Em geral eles são
pessoas inteligentes o suficiente para entender suas idéias. Mas isso não
adianta porque a organização hierárquica, a despeito do que acreditam seus
dirigentes, continuará funcionando na dinâmica do comando-e-controle.




                                   29
Seu papel – se você é, por exemplo, um consultor estratégico voltado à
inovação e à sustentabilidade – é desencadear uma mudança nos padrões
de convivência entre as pessoas da organização. Mas não são as idéias que
mudam os comportamentos. São novos comportamentos que podem gerar
novos comportamentos. Ninguém muda se não muda o seu viver. Nenhuma
organização muda se não muda o seu conviver. Os chamados modelos
mentais são sociais. As mentes não são cérebros individualmente
parasitados por idéias e sim nuvens de computação da rede social onde
rodam determinados programas meméticos. Esses velhos programas não
param de rodar enquanto os graus de distribuição e de conectividade dessa
rede social não mudam.

E enquanto você, que quer ser um agente da mudança, não muda o seu
viver e o seu conviver, também não pode desencadear qualquer mudança.
Se, por exemplo, você vier com esse papo de rede, mas trabalhar a partir
de uma organização hierárquica, não terá condições de introduzir
mudanças. Seu padrão de relacionamento (da sua organização) com a
organização que você quer transformar será conservador e não inovador.

Não se trata de coerência. É bom não misturar os canais. Não estamos aqui
no terreno do discurso ético. Trata-se da capacidade de introduzir estímulos
que podem se replicar em um sistema alterando o comportamento dos
agentes do sistema.

Isso exige outro padrão de consultoria que não aquele do técnico que vai lá
vender o seu conhecimento para quem quiser pagar o preço. Só é possível
realizar essa consultoria se você for parte do processo, como um dos nodos
da rede dos stakeholders da organização. Não é uma aplicação tecnológica
ou metodológica que possa ser feita por um agente desinteressado, neutro,
imparcial. Você também é transformado na interação. Se não for, não
haverá mudança alguma. Os caras vão fazer de conta que acreditam no seu
discurso, vão experimentar suas tecnologias e metodologias e, no final,
você vai sair mais ou menos como entrou e a organização vai ficar mais ou
menos como você a pegou. Vai passar a ter um novo discurso –
materializado formalmente em novas declarações sobre visão, missão,
valores – mas o conviver que expressa os seus fluxos cotidianos
permanecerá (quase) inalterado.

Hierarquia (ordem top down, disciplina, obediência, monoliderança),
desconfiança     e   inimizade,  competição,    comando-e-controle     são
características de programas verticalizadores que rodam na rede social da
organização. Não são os indivíduos – ou as idéias que estão dentro das
cabeças deles – os responsáveis pela reprodução dessas disposições e sim a



                                    30
configuração e a dinâmica dos arranjos em que as pessoas foram colocadas
para viver e conviver.

Esses programas verticalizadores (ou softwares centralizadores) já estão
rodando há tanto tempo que modificaram o hardware. Não é possível
desinstalá-los a partir do discurso ou fazendo a cabeça das pessoas. É
necessário mudar o hardware.

Como? Ah! Basta aplicar a "fórmula" que – não é demais repetir – nós já
descobrimos. Basta alterar a topologia e a conectividade da rede social
composta pelos stakeholders da organização. Se fizermos isso, vão emergir
conexões     em rede      (ordem   bottom     up,   liberdade,  autonomia,
multiliderança), confiança e amizade, colaboração e auto-regulação como
características   de    programas     horizontalizadores    (ou  softwares
distribuidores) que poderão (então) rodar nos novos arranjos em que as
pessoas vão passar a viver e conviver.

Não é necessário mudar os indivíduos. É necessário mudar o padrão de
relacionamento entre eles (quer dizer, mudar as pessoas). Mas por onde
começar para obter tal resultado?

Articulando uma rede distribuída dentro da organização (uma espécie de
embrião da rede na qual a organização vai se tornar). Essas pessoas
conectadas em rede terão a liberdade de propor mudanças e construir
"espelhos" (em rede) dos mecanismos e processos de governança, gestão e
produção que estão organizados hierarquicamente. Por exemplo, vão
reconfigurar os departamentos, seções ou áreas administrativas da
organização, superpondo, às caixinhas do velho organograma, novos
clusters onde as pessoas vão se aglomerar por afinidade (segundo a
máxima: "a melhor pessoa para realizar um trabalho é aquela que deseja
fazê-lo"). Vão criar redundâncias mesmo, em todos os lugares em que isso
for possível. Na verdade, vão criar uma outra (nova) organização dentro da
velha.

Mas isso não vai dar uma confusão danada? É claro que vai. Criar uma
espécie de Zona Autônoma Temporária (11) dentro da organização, não é
uma coisa trivial. Há o risco de bagunçar os atuais processos que, bem ou
mal, estão permitindo que a organização sobreviva e muitas vezes se
destaque na competição com suas congêneres. Por outro lado, o que se
pode ganhar com isso, caso a transição consiga se realizar, é muito mais do
que se pode ganhar com qualquer suposta inovação – em geral cosmética –
lançada pelas consultorias estratégicas organizacionais da moda, cujo
principal resultado é fazer você ficar igualzinho a seus concorrentes. Os



                                    31
indicadores de produtividade, inovação e, sobretudo, de sustentabilidade
que uma organização em rede pode alcançar não são comparáveis aqueles
que podem ser atingidos por uma organização hierárquica. Não há
comparação porque o que muda aqui é a própria natureza da organização.

A organização em rede deixará de ser uma unidade administrativo-
produtiva isolada e passará a ser uma coligação móvel de stakeholders.
Isso significa que ela não contará apenas com os capitais econômicos e
extra-econômicos,    sempre    limitados,   que   seus  investidores   ou
constituidores são capazes de aportar. Para dar um exemplo, em termos de
capital humano, ela não terá à sua disposição apenas algumas dezenas ou
centenas (ou, em alguns casos, poucos milhares) de cérebros que contratou
e é capaz de pagar e sim dezenas e centenas de milhares. Assim, não terá
as dificuldades inerentes – e os custos correspondentes – do
aprisionamento de corpos (que sustentam os cérebros alugados) que foi
capaz de realizar e funcionará, em grande parte, lançando mão do peer
production e do crowdsourcing.

A organização em rede importará a custo zero (ou por baixo preço) capital
social (que é um recurso caríssimo) do meio onde está situada. Se as
populações locais começarem a fazer parte da rede de stakeholders da
organização, elas também farão parte da comunidade de negócios ou de
projeto em que ela se transformará. Isso reduzirá drasticamente os
famosos custos de transação, além de trazer outras vantagens
inimagináveis atualmente.




                                   32
Afinal, redes são apenas (múltiplos) caminhos

                                    “Ah, sim, isso é evidentemente óbvio”




De que transição se trata? Da transição da organização hierárquica para a
organização em rede (entendendo-se por isso, a rigor, o aumento dos graus
de distribuição-conectividade).

Transição evoca caminho. Mas não existe um caminho, em primeiro lugar,
porque os caminhos são múltiplos (aliás, rede é, por definição, múltiplos
caminhos).

Mas também não existe caminho para se chegar a um padrão de rede, em
segundo lugar, porque a maneira de ter +rede é tendo +distribuição. Em
outras palavras: a rede é o caminho! Não é possível chegar às redes a não
ser pelas redes.

Mohandas Ghandi disse certa vez que "não existe caminho para a paz: a
paz é o caminho". John Dewey, antes de Ghandi – e Amartya Sen, muito
depois – já haviam sugerido que não existe caminho para a democracia a
não ser a própria democracia. Com as redes é a mesma coisa: 'não existe
caminho para as redes: as redes são o caminho'. A paráfrase não é apenas
literária. Há uma relação intrínseca entre essas realidades processuais –
paz, democracia e redes: na verdade não há paz, senão +pazeamento; e
não há democracia, senão +democratização; e não há redes, senão
+enredamento ou +reticulação ou, ainda, +distribuição.

Entendida assim, processualmente, a problemática da transição deixa-se
ver sob nova luz. Trata-se de aumentar os graus de distribuição-
conectividade na rede social conformada pelas pessoas afetadas, de algum
modo, pela vida orgânica: não só os empregados e os gestores, mas
também os donos ou acionistas, os fornecedores, os clientes, usuários ou
consumidores e todas as outras pessoas concernidas na atividade da
organização (os chamados stakeholders, lato sensu).

Qual é a novidade aqui? A novidade é a seguinte: isso tem que ser feito
agora, não depois. Não pode haver uma transição para uma organização em
rede mantendo-se intocado o padrão centralizado atual (+centralizado do
que distribuído, entenda-se) em nome de um futuro padrão de rede
(+distribuído do que centralizado). Essa é a desculpa para não mexer nos




                                   33
graus de centralização e é por isso que uma transição assim não costuma
dar certo.

Na transição não existe o futuro a não ser na medida em que o
antecipamos. Se não anteciparmos padrões de rede, nunca teremos um
futuro de rede. Se queremos chegar às redes, temos que começar, aqui-e-
agora, a fazer redes; quer dizer: netweaving. A rede é o caminho!

Mas como fazer redes? Não há um guia, um verdadeiro how-to. Por isso,
fuja dos receituários. Todos esses receituários contemporâneos que
pretendem ensinar a fazer redes, em geral não servem porque confundem
redes sociais com midias sociais. Então elencam 5 passos, recomendam 10
medidas, sugerem 15 procedimentos, dão 20 dicas para você usar melhor
(?) o seu blog ou alguma plataforma interativa da moda como o Twitter e o
Facebook. Mas não falam nada sobre seus encontros com seus amigos na
sua casa, nos restaurantes, nas festas, nos seus locais de estudo e
trabalho. Ou seja, não falam das redes sociais propriamente ditas.

Para aprender, você tem que começar a fazer. Começar conversando, no
mínimo, com outras duas pessoas (que não podem estar acima nem abaixo
de você em qualquer sentido). Depois você vai ver o que acontece. O
essencial é que você não mande em ninguém, nem obedeça a alguém.

Só redes podem gerar redes. Os que querem assumir o papel de agentes,
indutores, facilitadores, promotores da mudança, não poderão fazer nada se
eles mesmos não se organizarem em rede (ou seja, de modo +distribuído
do que centralizado). Esta é uma daquelas argumentações evidentes por si
mesmas, das quais falava Wittgenstein (1931) em conversa com Friedrich
Waismann – e narrada por este último em Ludwig Wittgenstein and the
Vienna Circle (1979) – que seriam capazes de provocar no interlocutor uma
reação do tipo: "Ah, sim, isso é evidentemente óbvio" (12).




                                   34
Mundos-bebês em gestação | 10



(1) Referência a um artigo de Pierre Lèvy: Op. cit.

(2) No final de 2010 as pessoas fingiam que não viam, mas a situação do mundo
único – baseado no equilíbrio competitivo internacional, uma estrutura
descentralizada de menos de duas centenas de Estados – já estava ficando muito
complicada: expansão do capitalismo autoritário na China e em outros continentes,
inclusive com uma espécie de neocolonização econômica da África, domínio
crescente do fundamentalismo islâmico em todos os países árabes e no Oriente
Médio, perpetuação de governos de assassinos da KGB (FSB) na Rússia, avanço do
parasitismo democrático via neopopulismo na América Latina, democracia nos
Estados-nações claramente em recuo, restando apenas 26 países (menos de 13%
da população mundial) em que o regime democrático representativo vigorava em
plenitude.

(3) BRABO, Paulo (2007): Op. cit.

(4) MATURANA, Humberto et all. (2009): “Ethical matrix of human habitat” (texto
enviado pelos autores para uma lista restrita de discussão).

(5) Esta seção intitulada “Desobedeça” é a terceira versão do texto de FRANCO,
Augusto (2010). Desobedeça: uma inspiração para o netweaving (2ª Versão).
Slideshare [5.168 views em 30/01/2011]

<http://www.slideshare.net/augustodefranco/desobedea>

(6) Refrão da “Dança do Quadrado”, música de origem desconhecida utilizada por
Sharon Aciole com o objetivo de animar o pessoal nas praias de Porto Seguro no
verão de 2007 e que acabou virando um hit no Brasil em 2008. Ouça aqui antes de
ler: <http://migre.me/knQS>

(7) "I think we've been through a period where too many people have been given
to understand that if they have a problem, it's the government's job to cope with it.
'I have a problem, I'll get a grant.' 'I'm homeless, the government must house me.'
They're casting their problem on society. And, you know, there is no such thing as
society. There are individual men and women, and there are families. And no
government can do anything except through people, and people must look to
themselves first. It's our duty to look after ourselves and then, also to look after
our neighbour. People have got the entitlements too much in mind, without the
obligations. There's no such thing as entitlement, unless someone has first met an
obligation”. Prime minister Margaret Thatcher, talking to Women's Own magazine,
October 31 1987.

(8) GLADWELL, Malcolm (2008): Op. cit.



                                         35
(9) Como disse certa vez um mestre sufi da Turquia a um grupo de visitantes
(citado recentemente por uma pesquisadora conectada à Escola-de-Redes), “as
pessoas no ocidente são engraçadas; elas dizem: ‘eu sinto muito, mas eu sou
assim’, quando, na verdade, elas nem sentem muito e nem são assim”. Cf. Bia
Machado em <http://escoladeredes.ning.com>

(10) Esta seção intitulada “Cada um no seu quadrado” é a segunda versão do texto
de FRANCO, Augusto (2009). Cada um no seu quadrado: algumas notas sobre o
difícil aprendizado das redes sociais nas organizações hierárquicas. Slideshare
[1.088 views em 30/11/2011]

<http://www.slideshare.net/augustodefranco/cada-um-no-seu-quadrado-
3215261>

(11) Referência ao texto seminal BEY, Hakim (1984). TAZ – Zona Autônoma
Temporária: Op. cit. Disponível para download em:

<http://www.4shared.com/get/88283715/b2c341c8/TAZ_-_Hakim_Bey.html>

(12) WAISMANN, Friedrich (1979). Ludwig Wittgenstein and the Vienna Circle. New
York: Routledge, 2003.




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Fluzz capítulo 10

  • 1. Capítulo 10 | Mundos-bebês em gestação AUGUSTO DE FRANCO Vida humana e convivência social nos novos mundos altamente conectados do terceiro milênio 1
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  • 3. 10 Mundos-bebês em gestação – E o que vocês esperam que eu faça? – Você já sabe. – Não, não sei. Por favor, ensine-me! – Você fez muitas coisas sem precisar que o ensinassem a fazê-las. Será que lhe ensinamos a desobediência? Diálogo entre um ghola Duncan Idaho e o bashar Miles Teg por Frank Herbert em Os hereges de Duna (1984) O homem vive num filme, o homem vive num filme. Mark Slade em The New Metamorphosis (1975), realçando comentário de Joseph Conrad em O coração das trevas (1902) O terrível segredo, que ninguém parece ter a coragem de encarar, é que o mundo não pode ser salvo de uma só vez. Não há como se varrer a miséria da existência em grandes e eficientes vassouradas... Salvar o mundo é um serviço sujo que só você pode fazer, ao ritmo de um ínfimo passo de cada vez... redimindo-se um momento de cada vez. Um remédio de cada vez. Uma refeição de cada vez. Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada vez. Uma caminhada de cada vez. Paulo Brabo em Microsalvamentos: como salvar o mundo um instante de cada vez (2007) 3
  • 4. A despeito do fato, incontestável, de a dinâmica global da interação entre as velhas instâncias organizativas ter mudado, anunciando a emersão de uma verdadeira sociedade-rede, um novo padrão de organização distribuído não logrou se materializar no interior e no entorno das organizações empresariais, governamentais e sociais, que continuaram ainda se estruturando de modo centralizado ou hierárquico. Ou seja, o muro que caiu em 1989, caiu para o mundo construído pelo broadcasting como um único mundo, sob o efeito das poderosas forças da globalização (sobretudo da globalização das telecomunicações e da globalização dos mercados), mas não chegou a se localizar nas organizações realmente existentes em todos os setores. A mudança continuou acontecendo, mas os novos (e múltiplos) Highly Connected Worlds como que "cresceram escondidos" nesta época de mudança e não apareceram ainda à luz do dia, de sorte a consumar o que poderíamos chamar de uma mudança de época. Esses mundos-bebês estão agora em gestação. Os fenômenos acompanhantes do glocal swarming serão surpreendentes. Alguns já começaram a se manifestar: uma tendência acentuada à desobediência dentro das organizações hierárquicas, a incapacidade dessas organizações de inovar no ritmo exigido pelas mudanças contemporâneas (ou melhor, de se estruturar para inovar permanentemente) e - o que é mais drástico - as perdas irreversíveis de oportunidades e condições de sustentabilidade para as organizações fechadas que não forem capazes iniciar a transição do seu padrão piramidal para um padrão de rede. Fluzz é a queda dos muros. Em 1989 houve uma queda: a do Muro de Berlim. O episódio, pleno de significado simbólico, assinalou o início de uma época de mudanças nos padrões de relação entre Estado e sociedade. Um processo até então oculto de mudança social tornou-se visível de repente. Embora fugaz, o momento abriu uma brecha pela qual se pode ver um novo tecido societário em gestação, uma nova topologia – mais distribuída – da 4
  • 5. rede social sendo tramada. Com efeito, nos anos seguintes, como se diz, "o mundo mudou": a Internet (com a World Wide Web) nos anos 90 expressou aspectos importantes dessa mudança profunda. Os anos 2000, contrariando uma série de profecias futuristas, não raro inspiradas por algum tipo de milenarismo, e frustrando as mais animadoras expectativas da New Age, não consumaram o que foi prefigurado. A primeira década do século 21 - marcada indelevelmente pela queda das torres gêmeas do World Trade Center - conquanto tal evento também seja riquíssimo de significado simbólico (místico, como revela a famosa Carta 16 do Tarot; e ideológico: o que ruiu foi um centro mundial de comércio, dando a alguns a impressão, não raro regressiva, de que a dinâmica reguladora do mercado estava com os dias contados e seria substituída pela normatização estatal), não foi o vestíbulo de entrada para aquele terceiro milênio imaginário desejado. No entanto, subterraneamente, prosseguiu a gestação de novos padrões societários. O mundo descobriu as redes. Entrou em franco desenvolvimento uma nova ciência das redes. E surgiram por toda parte novas plataformas tecnológicas interativas de articulação e animação de redes sociais. As ferramentas começaram a ficar disponíveis. Faltaram ao encontro apenas as pessoas, ainda arrebanhadas e cercadas, em grande parte, nos tradicionais currais organizativos. E tudo permanecerá assim nos mundos em que as pessoas não desobedecerem, não saírem do seu quadrado (as fortalezas organizativas que criaram para se proteger do “mundo exterior”), não inovarem e não iniciarem a transição para uma padrão de rede. Por isso não haverá mesmo uma (única) New Age. Enquanto as pessoas não desistirem da Old Age permanecerão em mundos murados contra fluzz; ou melhor: vice-versa. É claro que o vento continuará soprando, mas – dependendo da opacidade de seus muros – você pode nem notar. Assim como não notou a formidável orgia fúngica sob seus pés (uma espécie de sexo grupal que está acontecendo agora em Zion, i. e., nos subterrâneos, com hifas surgindo por toda parte). Assim como não notou o espalhamento dos esporos no ar que você respira. Assim como não está vendo as miríades de interfaces conectando miríades de mundos à sua volta e “explodindo como uma ramada de neurônios”... (1) Esse é o glocal swarming – que você só percebe se estiver nele. Para invocá-lo em seu mundo você precisa, antes de qualquer coisa, conceber e 5
  • 6. dar à luz ao seu mundo. Sim, agora chegou a hora de você mesmo fazer o seu mundo! 6
  • 7. Não global, glocal swarming Um mundo mais-fluzz quer dizer muitos mundos-fluzz Não haverá aquela grande transformação capaz de lhe dar um novo mundo de presente. Se você está aguardando essa mudança global apocalíptica, escatológica, é melhor esperar sentado. Simplesmente não vai acontecer. É inútil apostar no parto de um novo mundo como um evento épico de magníficas proporções. No plano global não vem nada por aí – no curto prazo, vamos dizer assim, no próximo milhão de anos – capaz de gerar um novo mundo (2). É claro que podem acontecer catástrofes de dimensões planetárias, pode até irromper uma terceira guerra mundial (conquanto isso não seja muito provável). Mas apostar que uma tragédia de proporções planetárias possa criar condições para uma revolução internacional ou para uma batalha cósmica entre as forças do bem e as forças do mal capaz de produzir um mundo radicalmente novo em termos sociais é não entender o que se chama de sociedade humana ou ser humano. Como escreveu Paulo Brabo (2007), em Microsalvamentos: “o mundo não pode ser salvo de uma só vez. Não há como se varrer a miséria da existência em grandes e eficientes vassouradas... Salvar o mundo é um serviço sujo que só você pode fazer, ao ritmo de um ínfimo passo de cada vez... redimindo-se um momento de cada vez. Um remédio de cada vez. Uma refeição de cada vez. Uma conversa de cada vez. Um abraço de cada vez. Uma caminhada de cada vez” (3). Catástrofes não trarão nada de novo. Combates, batalhas, guerras e revoluções, só produzirão repetição de mundo velho. Só um sociopata pode acreditar que a violência é a parteira da história (e só alguém muito intoxicado das crenças do mundo único pode acreditar que exista uma história). O plano global é uma construção, uma abstração. Nenhuma mudança concreta pode acontecer nesse terreno abstrato. As mudanças nos padrões de relação societários ocorrem sempre em sociosferas. Por isso a queda dos muros não poderá ser uma (única) queda, de um (único) muro. Serão muitas quedas, provavelmente em cascata ou swarming, de muitos muros. Do ponto de vista dos movimentos invisíveis que se processam no espaço- tempo dos fluxos, 'muro' significa centralização, obstrução de fluxo. Onde 7
  • 8. quer que existam "muros" impedindo o livre curso de fluições, “muros” estes que caracterizam organizações mais centralizadas do que distribuídas, poderá haver uma "queda". Não será um global swarming, mas um glocal swarming. Cada mundo altamente conectado que emergirá será o mundo todo, como se fosse uma imagem holográfica de uma nova matriz de mundo mais distribuído. Não um mundo interligado – pois que isso já se materializou desde que a conexão global-local tornou-se uma possibilidade – e sim um mundo-gerador intermitente de novos, inéditos, mundos altamente tramados, para fora e para dentro, que emergirão a cada instante. Um mundo mais-fluzz, quer dizer, muitos mundos-fluzz. Esta será, propriamente falando, a primavera das redes. A livre interação de múltiplos mundos altamente conectados, estruturados com outras topologias e regidos por outras dinâmicas, vai substituir processualmente as remanescências deste mundo aprisionado, sob o influxo de velhas narrativas ideológicas totalizantes, em grandes ou pequenas estruturas hierárquicas unificadoras top down. Mundos-bebês começam a ser gerados na medida em que tais estruturas vão sendo desmontadas. E elas estão sendo desmontadas cada vez que você desobedece, inova, sai do seu quadrado e inicia a transição da organização hierárquica em que você vive e convive para uma organização em rede. 8
  • 9. Desobedeça Uma inspiração para o netweaving Tudo começa com a desobediência. Cada pequeno ato ou gesto de desobediência contribui para desestabilizar a dominação. É assim que a desobediência vai deixando fluzz passar. Desobedecer é sempre abrir um caminho. Mas cada ato ou gesto de desobediência abre um novo caminho. Manter-se no mesmo caminho, à revelia da direção do vento, acreditando que ele é o seu caminho para a vida toda ou o único caminho e tentar impingí-lo a outras pessoas... aí já é obedecer. Quando o biólogo chileno Humberto Maturana Romesin afirmou, no final dos anos 80, que relações hierárquicas, relações de subordinação, que exigem obediência, baseiam-se na negação do outro e que essas relações não podem ser consideradas relações propriamente sociais, alguns acadêmicos e bem-pensantes e, sobretudo, aqueles que se tinham por indivíduos muito “sérios” e “responsáveis”, ficaram meio escandalizados. Como assim? – perguntavam, indignados. Pois pensavam que, caso tais idéias heterodoxas (e perigosas) vicejassem, seria o caos! E a coisa piorou um pouco quando ele, Maturana (2009), duas décadas depois, ousou declarar que o liderazgo (a liderança), o xodó das teorias empresariais que floresceram nos anos 90, não era uma idéia nada boa, posto que “el liderazgo requiere que los liderados abandonen su propia autonomía reflexiva y se dejen guiar por otro confiando o sometiéndose a sus directrices o deseos...” (4). Mas o fato que até agora ainda não tivemos coragem de derivar todas as conseqüências dessas impactantes constatações de Maturana e desenvolvê- las no contexto da transição de uma sociedade hierárquica, que tende a fenecer, para uma florescente sociedade em rede, diante da emergência de múltiplos mundos altamente conectados de forma cada vez mais distribuída. Embora anunciador de uma visão pioneira sobre redes (que qualificou como “redes de conversações”), Maturana não reestruturou seu pensamento sob o influxo das visões contemporâneas inspiradas pela nova ciência das redes. Cabe a nós, que investigamos o assunto, dar continuidade aos seus insights geniais à luz da teoria e da prática de redes, quer dizer, do netweaving. 9
  • 10. Sim, netweaving. Se você quer mesmo aprender a “fazer” redes, então sua primeira “prova” é: desobedeça! Aprenda a desobedecer! Um netweaver é, por definição, um desobediente. Porque é alguém que, criativamente, caminha fora dos trilhos já estabelecidos por alguém. Mas a quem você deve desobedecer? Ora, a todos que querem obrigá-lo a obedecer. Em especial aos agentes do velho mundo hierárquico e autocrático cujos alicerces já estão apodrecendo, mas que continua, resilientemente, a nos assombrar. Dentre tais agentes, que são muitos, merecem ser destacados os que já foram tratados aqui: os ensinadores, os codificadores de doutrinas, os aprisionadores de corpos, os construtores de pirâmides, os fabricantes de guerras e os condutores de rebanhos. Desobedeça aos ensinadores. Aprenda o que você quiser, quando quiser e do jeito que você quiser. Aprenda com seus amigos. E compartilhe o que aprendeu com quem você quiser, gerando mais conhecimento. Guarde seus conhecimentos nos seus amigos, não na cabeça dos professores; nem nas instituições que sobrevivem trancando o conhecimento e estabelecendo caminhos obrigatórios, cheios de barreiras e permissões, para dificultar-lhe o acesso; ou, ainda, nos livros submetidos à normas odiosas de copyright. Conhecimento trancado apodrece. E não siga mestres de qualquer tipo: todos somos aprendentes. ‘Quando o “mestre” está preparado o discípulo desaparece’, quer dizer, ele não precisa mais da muleta chamada “discípulo”: pode se tornar, por si mesmo e em interação com outras pessoas, um aprendente, livre... e tão ignorante como todos nós. Mas enquanto eles estiverem pensando em conquistar discípulos, fuja dos “mestres”! Desobedeça aos codificadores de doutrinas. Não entre em suas armações, não replique seus discursos: pense com sua própria cabeça. Ria dos seus vaticínios e ameaças e ponha-se fora do alcance de suas patrulhas. Saia dos trilhos que eles assentaram, escape das valetas (os pré-cursos) que eles cavaram para fazer escorrer por elas as coisas que ainda virão. Recuse tudo isso: faça o seu próprio caminho. Desobedeça aos aprisionadores de corpos. Monte seu próprio empreendimento individual ou coletivo compartilhado, empresarial ou social. Corra atrás do seu próprio sonho ao invés de servir de instrumento para realizar o sonho alheio. Sim, você é capaz. A evolução investiu quatro bilhões de anos desenvolvendo seu hardware, que é igualzinho ao daquele 10
  • 11. cara esperto que quer capturá-lo e aprisioná-lo e que ainda por cima tem a desfaçatez de alegar que está fazendo um bem para a humanidade por lhe oferecer um emprego. Desobedeça aos construtores de pirâmides, em primeiro lugar, cortando o barato daquele “construtorzinho de pirâmide” que mora aí dentro de você: não faça patotas, não erija igrejinhas. Sim, é muito difícil resistir à tentação de juntar “os seus” e separá-los dos “dos outros”, mas – para quem quer fazer redes – é absolutamente necessário. E, sobretudo, abra mão de querer mandar nos outros. Em vez de arquitetar organizações tradicionais, a partir de organogramas centralizados, para realizar qualquer projeto ou trabalho, teça redes: quase tudo que se organizou até agora de forma hierárquica (com estrutura centralizada) pode ser organizado em forma de rede (com estrutura distribuída); menos, é claro, os sistemas de comando- e-controle. Em segundo lugar, nunca se enquadre docemente em sistemas de comando-e-controle. Se for obrigado a tanto para sobreviver, por um período (que não pode ser muito longo, do contrário você estará bloqueando seu desenvolvimento humano), faça-o resignadamente, mas sempre resistindo. Isso significa: não se curve a seu chefe, não lhe faça as vontades, vamos dizer assim, tão solicitamente. Não seja tão prestativo, subserviente, serviçal. Não caminhe um quilômetro a mais para agradá-lo. Não fique na penumbra, recuado, servindo de escada para ele subir ou se destacar. Não faça o jogo. Desobedeça aos fabricantes de guerras, esses hierarcas. Recuse-se a entrar em organizações militares ou para-militares de qualquer tipo. Recuse-se a entrar em qualquer organização política de combate, que pregue que o bem só será alcançado com a destruição do mal. Recuse-se a olhar o diferente como adversário em princípio: em princípio todo ser humano é um potencial parceiro de outro ser humano, não um inimigo. Recuse-se a construir inimigos. Recuse-se a entrar em organizações que elegem inimigos para ser eliminados: física, econômica, psicológica ou politicamente. A ética do netweaver é uma ética do simbionte, não do predador. Adote um comportamento pazeante para não cair na armadilha de travar uma guerra contra o mal, pois, assim procedendo, você mesmo estará gerando o mal ao construir inimigos em vez de fazer amigos, quer dizer, de fazer redes. Desobedeça aos condutores de rebanhos, esses líderes. Não os siga para parte alguma. Não se deixe conduzir, ser puxado pelo nariz ou guiado pelo 11
  • 12. cabresto como se fosse uma cavalgadura. Não existem guias geniais dos povos. Nos sistemas representativos, as pessoas que você elegeu são seus empregados (mandatados pelos eleitores), não seus patrões. Arrebanhamentos e assembleísmos são o contrário da interação humanizante entre as pessoas: transformam gente em gado, em contingente moldável e manipulável. Pule para fora desse curral. Aparte-se desse rebanho. “Inclua-se fora” dessas listas de excluídos que ficam olhando para cima de boca aberta, esperando pelas benesses de um salvador (pois o simples fato de pertencer a elas já é um indicador de exclusão, quer dizer, de incapacidade de pensar por si mesmo e de andar com as próprias pernas). Toda pessoa, se estiver disposta a desobedecer, será um alguém (com nome reconhecido) fora da massa, não apenas um número em uma estatística. Toda pessoa que desobedece, em um mundo ainda infestado por organizações hierárquicas, é um ponto fora da curva: alguém único, singular, insubstituível como você. Isto posto, é tudo. Mas ainda resta tratar das objeções dos bem-pensantes e dos indivíduos que se levam muito a sério e que se acham responsáveis. Você deve desobedecer às leis? De uma maneira geral, você nunca deve obedecer a pessoas, sejam elas quais forem. Dizendo de uma forma ainda mais ampla: você nunca deve obedecer a nenhuma individualidade portadora de vontade, real ou imaginária, humana ou extra-humana, seja ela qual for. Freqüentemente surge uma objeção: mas se as pessoas não obedecerem às normas da vida civilizada será o caos. Por isso, todos devem respeitar as leis. Será mesmo? Depende. Você não deve, por certo, romper com os pactos livremente celebrados por uma sociedade e que foram transformados em leis em um processo democrático. Dizer que a democracia é o império da lei significa dizer que não ela não é o império de pessoas. Obedecer às leis significa, então, não-obedecer a pessoas. Mas isso depende do processo que fabricou as leis. Você não tem obrigação moral de obedecer às leis das ditaduras. Assim, leis de exceção podem ser desobedecidas. Por princípio, elas não têm qualquer legitimidade. 12
  • 13. A legitimidade é o resultado da confluência de vários critérios democráticos: a liberdade, a publicidade, a eletividade, a rotatividade (ou alternância), a legalidade e a institucionalidade. Sim, não basta alguém ter sido eleito para ter legitimidade. Tais critérios – ou alguns deles – são violados não somente pelas ditaduras clássicas, mas também por protoditaduras e, ainda, se bem que em menor escala, por democracias parasitadas por regimes populistas manipuladores. Você mesmo avaliará até onde vão as normas estabelecidas por processos que violam os critérios acima. Se achar que violam, desobedeça-as. E esteja preparado para arcar com as conseqüências, é claro. Um princípio geral da ética do simbionte poderia ser: o único objetivo realmente humano (e humanizante) das leis é assegurar a convivência pacífica das pessoas. Você deve desobedecer aos dirigentes das organizações políticas a que pertence? Eis aqui outra questão recorrente. Liminarmente, você não deve pertencer a organizações que não tomam a democracia como um valor. Ora, com exceção das leis democraticamente aprovadas, a democracia não pode aceitar que alguém faça alguma coisa que não quer ou deixe de fazer alguma coisa que quer em virtude de sanção ou ameaça de sanção proveniente de instância hierárquica. Portanto, respeitado o pacto de convivência, é legítima a desobediência política e ninguém é obrigado a acatar uma decisão com a qual não concorde ou mesmo concordando não queira acatar, por medo de sanção, ainda que tal decisão tenha sido tomada por maioria. Obediência nada tem a ver com colaboração, que pressupõe adesão voluntária, seja por concordância, seja por resultado de convencimento ou por livre assentimento. Assim, em coletivos políticos de adesão voluntária, nenhum tipo de disciplina deve ser imposto e nenhum tipo de obediência deve ser exigida dos participantes, além daquelas às regras a que voluntariamente aderiram. Nenhum tipo de sanção pode ser imposta aos participantes, nem mesmo em virtude do descumprimento das regras a que voluntariamente aderiram. Todos têm o direito de não acatar decisões. Ordem, hierarquia, disciplina e obediência, vigilância (ou patrulha) e punição; e fidelidade imposta top down, são virtudes de sistemas autocráticos. Nada disso tem a ver com a democracia. Quanto mais autocrática for uma organização, mais ela insistirá na exaltação de tais 13
  • 14. “virtudes”. As razões para isso são tão claras que dispensariam comentários. Todas as organizações não-estatais e não baseadas em contratos (de trabalho ou de prestação de serviços) são (ou deveriam ser) constituídas por adesão voluntária. Em organizações voluntárias, “obedece” (ou melhor, acata) quem concorda. Querer exigir disciplina e obediência em relações sociais (stricto sensu) é um absurdo. Impor sanções para quem não obedece é uma violência e, como tal, um comportamento antidemocrático. Organizações que visem chegar à (ou praticar a) democracia (no sentido “forte” do conceito), não podem se organizar autocraticamente para atingir seus fins. Não existe caminho para a democracia a não ser a democratização contínua das relações; ou, parafraseando Mohandas Ghandi, não existe caminho para a democracia: a democracia é o caminho... Você deve desobedecer aos seus patrões? Outra objeção freqüente diz respeito à obediência àquele que paga o seu salário: como você pode não- obedecer aos seus patrões se tem que sobreviver? Uma boa regra geral seria: nunca trabalhe para alguém e sim com alguém (em vez de dizer trabalhe com alguém seria melhor dizer: empreenda com alguém). Todas as coisas podem ser feitas em parceria. A obediência não é necessária. Mas é você quem decide. Quanto mais você trabalha para alguém, menos alguém você é. O espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade! Para sentir esse sopro criador só há uma via: desobedeça! Você não concorda e querem que você faça assim mesmo? Desobedeça! Uma pessoa (qualquer pessoa, em especial, a sua pessoa) vale muito mais do que a bosta de um emprego. É preciso considerar que a organização piramidal trabalha para o cume. Ou, dizendo de outro modo, a organização centralizada trabalha para o centro, para o chefe, para o líder. E as pessoas que trabalham em geral não aparecem, pois seu papel precípuo é o de fazer o chefe aparecer (ou ficar com o crédito por todas as realizações, inclusive por aquelas alcançadas pelo seu esforço e pela sua inteligência). Aí o chefe fica contente e mantém tais pessoas nas suas funções (empregadas ou contratadas). Se o chefe ficar muito contente com o resultado, pode até retribuir com uma promoção do "colaborador" que lhe fez tão bem as vontades. 14
  • 15. Ocorre que quando um conjunto de pessoas aplica seus talentos para promover uma atividade, todas as pessoas devem aparecer. Para quê? Ora, para poder ser reconhecidas, para poder compartilhar, aumentar e desenvolver esses talentos. Essa é uma característica central daquele tipo de inteligência tipicamente humana de que falava Humberto Maturana: uma inteligência que cresce e se realiza com a troca, com o jogo ganha-ganha, com a colaboração. Uma inteligência colaborativa. Se as pessoas abrem mão de fazer isso em prol da projeção de outras pessoas que estão acima delas na estrutura hierárquica, elas estão renunciando, em alguma medida, a exercer suas qualidades propriamente humanas. O diabo é que os funcionários burocráticos e outros empregados ou prestadores de serviços em organizações hierárquicas já introjetaram tão fundo as idéias que sustentam tais práticas, que o hábito, já não se diria de servir, mas de ser serviçal, se instalou no andar de baixo da sua consciência (?) e emerge como uma pulsão. Freqüentemente eles se escondem para promover seus superiores, tendo medo, inclusive, de proferir uma opinião própria em uma reunião, escrever um artigo em um blog, dar uma entrevista ou gravar um vídeo para um meio de comunicação. Essas pessoas até se orgulham de habitar a penumbra e se vestir de cinza, adotando a servidão voluntária e, com isso, violando sua própria humanidade ou, no mínimo, deixando de explorá-la e desenvolvê-la como poderiam. Alguns fazem isso taticamente (e imaginam que estão agindo conscientemente), em troca do emprego ou da contratação. Argumentam que se não obedecerem e fizerem a vontade dos chefes, perderão a remuneração sem a qual não terão como viver. Mas dá no mesmo. Se, para sobreviver, uma pessoa precisa castrar suas potencialidades, então tal sobrevivência não poderá ser digna. Um trabalho que deixe de promover o desenvolvimento humano de quem trabalha não pode ser digno. Os chefes, por sua vez – como aquele senhor de escravo, escravo do escravo, a que se referia Hegel, em outros termos – também estão aprisionados neste círculo desumanizante. Estão intoxicados pelas ideologias do comando-e-controle e do liderancismo, segundo as quais se não for assim, as coisas não funcionam. De que alguém tem sempre que liderar – quer dizer: mandar nos outros – para que uma ação possa ser realizada a contento. Por isso não se adaptam à cultura e à prática de rede, onde não é possível mandar alguém fazer alguma coisa contra a sua vontade. 15
  • 16. É por isso que organizar as coisas em rede distribuída é um desafio tremendo em um mundo ainda infestado, em grande parte, por organizações hierárquicas. Quando organizações hierárquicas se interessam por redes, quase sempre esse interesse é instrumental. Querem usar as redes para obter alguma coisa que fortaleça os seus objetivos e a manutenção das suas estruturas... hierárquicas! Seus chefes – e isso quando mais ilustrados – acham que usando as "tecnologias de rede" vão conseguir aumentar sua influência, seu poder ou, quem sabe, suas vendas (daí todo esse súbito interesse cretino pelo tal "marketing viral", de resto uma vigarice). As organizações hierárquicas – em termos do ser coletivo que se forma, diga-se: não, é claro, das pessoas que as integram – não vêem as redes como fim, como uma nova forma de interação propriamente humana ou humanizada pelo social, e sim como meio para alguma coisa não-humana. Sim, organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não- humanos. A afirmação é forte, mas não há como dizer de outro modo se quisermos ir ao coração do problema. Entenda-se bem: as pessoas continuarão sendo humanas, mas o ser coletivo que se forma não será, posto que não será 'social' (naquele especialíssimo sentido que Maturana empresta ao termo). O principal é quebrar o círculo vicioso do poder. Em que medida você tem coragem de desobedecer e arcar com as conseqüências? Sua resposta a essa pergunta define o seu campo de liberdade e de possibilidade. Dependendo das circunstâncias, desobedecer pode acarretar demissão, reprovação, agressão, perseguição, condenação, prisão, tortura, mutilação e morte. Você não deve se suicidar. Quando não há condições objetivas para desobedecer (ou seja, quando isso colocar em risco a sua vida ou a vida de terceiros, a sua liberdade ou a liberdade de seus semelhantes) você deve avaliar cuidadosamente os riscos e as possibilidades. Mas nunca deve deixar de desobedecer interiormente. O que importa aqui é sua atitude, vamos dizer assim, espiritual, de desobediência. Não se curve, não se abaixe, não se deixe instrumentalizar, não se conforme em ser mandado, não colabore (voluntariamente) com o poder vertical. Desobedecer é, antes de qualquer coisa, resistir. Quando você resiste ao poder vertical, você estabelece uma sintonia com as grandes correntes de humanização do mundo, quer dizer, dos mundos- bebês que estão gestando o simbionte social. Quando você cede, 16
  • 17. sujeitando-se a alguém ou sujeitando outras pessoas a você (no fundo, dá no mesmo), contribui para desumanizar os mundos e a você mesmo. O mais importante é: não faça um pacto com a morte. Sim, toda vez que você vende sua alma, sujeitando-se a alguém ou toda vez que você sente um ímpeto de controlar alguém, é sinal de que uma pulsão de morte está irrompendo na sua vida. Se organizações hierárquicas de seres humanos geram seres não-humanos, ao obedecer voluntariamente aos chefes, enquadrando-se nas dinâmicas dessas organizações, você está, na verdade, subordinando-se a seres não- humanos. Ordem hierarquia disciplina obediência Eis é a seqüencia maligna, o círculo vicioso que deve ser quebrado pela saudável desobediência-fluzz (5). 17
  • 18. Inove permanentemente Colocar-se em processo de inovação permanente é viver em processo de Ítaca (ou em processo de fluzz) Nos Highly Connected Worlds estamos todos condenados a inovar permanentemente. Não se trata mais de buscar uma grande inovação para viver dela até o fim da vida: coroar uma bela carreira, inaugurar um grande empreendimento ou amealhar uma fabulosa fortuna. A inovação passa a ser o modo cotidiano de viver e conviver. A maior parte dos sistemas de inovação urdidos por organizações hierárquicas são, de fato, contra a inovação. Não querem a inovação, querem a inovação que eles querem. Ora, mas se eles já sabem qual é a inovação que deve acontecer, então não é inovação. Se fosse, não poderiam conhecê-la de antemão. Via de regra acabam constituindo escolas de inovação (que são túmulos para as novas idéias). Querem usar as novas idéias para justificar as velhas (porque suas escolas, lato sensu, nada mais são do que coagulações de velhas idéias). Em termos de idéias, a inovação acontece quando os muros epistemológicos são perfurados por hifas, viabilizando a polinização, a fertilização cruzada entre campos do conhecimento que foram separados (pelas escolas). Grande parte dos que falam em inovação não são inovadores. Inovador é quem inova, não quem fala como a inovação deve ser. Para inovar você deve fazer o contrário do que lhe dizem, do que querem ouvir de você, do que esperam que você faça. Simplesmente, faça diferente. Para tanto, você tem que ter liberdade. Como já foi dito, o espírito de liberdade é a fonte de toda criatividade. Você não pode inovar sob encomenda e vigilância de um sistema que quer que você inove, sim, ma non troppo. É como se lhe dissessem: inove, mas não exagere: não saia fora de nossa visão, não bagunce nossos processos, não desarrume nosso modelo de gestão. A mesma pulsão de morte que exige obediência para disciplinar a interação, quer também disciplinar a inovação. De modo geral, toda inovação é fluzz. Mas inovação-fluzz propriamente dita é aquela que aumenta a interatividade. Grandes inovações-fluzz serão, por exemplo, aquelas que favorecem a articulação de interworlds (por isso os inovadores-fluzz têm muito com que se ocupar na construção das novas internets distribuídas). Ou, dizendo de outro modo, na construção de 18
  • 19. “membranas sociais”. Ou, ainda, na remoção das separações: entre pessoas (inclusive entre pessoas que falam idiomas diferentes), entre quem busca e quem gera conhecimento, entre dispositivos tecnológicos e o corpo humano e entre pessoas e não-pessoas. Você quer inovar seguindo o curso (ou surfando na onda-fluzz)? Não seja por falta de pauta. Tudo que você inventar para remover a centralização das comunicações e para superar a descentralização da Internet (em direção a mais distribuição) será inovação-fluzz. Tudo que você inventar para oferecer alternativas às caixas-pretas onde alguém trancou um algorítmo, um programa, um conhecimento (para poder viver à custa de sua inovação aprisionada), será inovação-fluzz. Tudo que você inventar para derrubar a barreira da língua será inovação-fluzz. Tudo que você inventar para ensejar que cada busca crie novos significados, evitando que significados únicos sejam arquivados de modo centralizado, será inovação- fluzz. Tudo que você inventar para aproximar do corpo humano dipositivos tecnológicos nômades que intensifiquem a interação, será inovação-fluzz. Esses são apenas alguns exemplos, apresentados a título ilustrativo, para tentar tornar compreensível um sentido. A rigor, não há como fazer uma pauta concreta das inovações-fluzz porque uma verdadeira inovação-fluzz (como qualquer inovação) é aquela que sequer conseguimos imaginar antes que apareça. Isso não significa, entretanto, que não possamos afirmar que o sentido do curso é +interatividade. Além da desobediência aos que querem aprisioná-lo no mundo de baixa interatividade, para poder se colocar em processo de inovação permanente (ou em processo de Ítaca = em processo de fluzz) você precisa sair da prisão que você mesmo construiu para você ao se aquartelar no seu quadrado para enfrentar o “mundo exterior”. 19
  • 20. Saia já do seu quadrado “Cada um no seu quadrado, cada um no seu quadrado (4x) / Eu disse: Ado a-ado cada um no seu quadrado/ Ado a-ado cada um no seu quadrado” (6) Em geral, quando ouvem falar dos temas tratados neste livro, as pessoas dizem: “ - Legal esse papo de rede! Aqui na minha organização, acho que é meio cedo. Ainda estamos aprendendo. Gostaria de ver como funciona na prática. Você tem algum exemplo concreto?” Mas isso não é bom o suficiente. Se você não sair já do seu quadrado, nada pode ser feito. Entretanto, compreender e aceitar a possibilidade da organização em rede distribuída é um processo de aprendizagem mais árduo do que pensam aqueles que agora estão aderindo à moda meio ligeiramente. É um processo que exige uma varrição no subsolo onde estão fundeados os nossos pré-conceitos. Isso quer dizer que as principais resistências às redes não estão propriamente no terreno das idéias que comparecem nos debates, senão naquelas que em geral não se explicitam e a partir das quais formamos nossas concepções. A resistência está nos pressupostos não-declarados. Em qualquer lista tentativa desses pressupostos, comparecerão, pelo menos os quatro seguintes: O ser humano é inerentemente (ou por natureza) competitivo (totalmente ou parcialmente). As pessoas sempre fazem escolhas tentando maximizar a satisfação de seus próprios interesses materiais (egotistas). Nada pode funcionar sem um mínimo de hierarquia. Sem líderes destacados não é possível mobilizar e organizar a ação coletiva. Nossa “wikipedia memética” está lotada de significadores-replicadores como esses, que privilegiam e propagam determinadas interpretações baseadas na inevitabilidade da centralização. E o problema é que essa “wikipedia” não está arquivada somente nos nossos cérebros e sim na rede social que foi 20
  • 21. vítima de seguidas centralizações, em razão, justamente, da replicação de memes verticalizadores. O resultado prático dessa impregnação ideológica é que desconfiamos da colaboração. Intoxicados por esses pressupostos antropológicos – falsamente legitimados como científicos – até conseguimos aceitar a colaboração, mas em função da competição com quem está em outro quadrado. Ou – pelo inverso e de maneira aparentemente paradoxal – aceitamos a cooperação com alguns outros quadrados dentro de um campo (não raro para competir com quadrados que estão em outro campo), mas não nos organizamos de forma cooperativa dentro do nosso próprio quadrado. A contradição é apenas aparente: tudo, no fundo, é a mesma coisa. A observação cuidadosa revela que quando não aceitamos a cooperação com os “de fora”, também não conseguimos nos organizar de uma forma que facilite a cooperação entre os “de dentro”. E vice-versa. Nossa capacidade de aceitar o padrão de rede é função da forma como nos organizamos. Um ambiente organizacional favorável à cooperação é aquele cuja topologia é mais distribuída do que centralizada. Quanto mais distribuída for uma rede social, mais fácil é ensejar o fenômeno da cooperação. Ou, dizendo de maneira inversa, quanto mais centralizada for uma estrutura organizacional, mais ela gerará e emulará a competição e seus bad feelings acompanhantes, como a desconfiança. Ao contrário do que sugere o senso comum, a cooperação não é uma característica intrínseca do indivíduo, inata ou adquirida pela sua formação. Não decorre de nenhum gene nem da sua boa índole ou da sua alma generosa. Tal fenômeno se manifesta em função dos graus de distribuição e de conectividade da rede social em que uma pessoa está inserida. Quanto mais distribuídas e densas forem as redes sociais, mais elas terão capacidade de converter competição em cooperação, como resultado de sua dinâmica. Elas não convertem pessoas competitivas, beligerantes e possuidoras de forte ânimo adversarial em pessoas cooperativas, pacíficas e amigáveis. Ao favorecer a interação e permitir a polinização mútua de muitos padrões de comportamento, o resultado do “funcionamento” de uma rede social (distribuída) é produzir mais cooperação, como já descobriram (ou estão descobrindo) os que trabalham com o conceito de capital social. As pessoas podem continuar querendo competir umas com as outras, porém, quando conectadas em uma rede (distribuída), esse esforço não prevalece como resultado geral visto que, na rede, elas não podem impedir 21
  • 22. que outras pessoas façam o que desejam fazer, nem podem obrigá-las a fazer o que não querem. Sim, essa é a essência dos processos de comando- e-controle: mandar nos outros. Essa constatação pode até parecer meio óbvia, mas está longe disso. A prova é a nossa imensa dificuldade de aceitar o padrão de rede dentro de nossas próprias organizações. Nossa dificuldade de aceitar o padrão de rede é função da forma como nos organizamos e não da nossa falta de capacidade de entendimento do assunto. Hoje, como o tema virou moda, as pessoas gostam de falar em redes, no mínimo, para não parecerem ultrapassadas. Mas quando falam em redes, em geral, elas falam da conexão em rede de estruturas centralizadas. Os nodos não são redes. No seu próprio nodo não querem saber dessa conversa. E, para falar a verdade, nem se importam muito com a maneira como os outros nodos se organizam internamente, desde que... fique lá cada um no seu quadrado. É isso então: “Ado, a-ado, cada um no seu quadrado”. Meu “quadrado” é o meu bunkerzinho. É dali que eu enfrento o mundo em vez de me relacionar com ele com abertura. Pode-se argumentar que essa visão é característica do mercado (que tem uma dinâmica competitiva), mas o fato é que ela também comparece em outras formas de agenciamento, como a sociedade civil (cuja racionalidade é cooperativa). Nas empresas e em outras organizações de mercado, entretanto, é mais do que uma visão: é uma disposição emocional. Para além de uma racionalidade, é uma emocionalidade que induz a replicação de comportamentos. Por isso é tão difícil para a cultura empresarial aceitar de fato as redes sociais. A cultura empresarial foi contaminada por uma ideologia construída sobre o mercado. É claro que, mesmo do ponto de vista puramente racional, há um problema com a visão que foi construída sobre o mercado, quer dizer, com a visão que parte dos pressupostos assumidos pelos que propagam o liberalismo de mercado. É uma visão que valoriza e emula o chamado “instinto animal” do empreendedor, imaginando que o resultado variacional da confluência das ações de miríades de agentes animados desse espírito belicoso do conquistador, será, ao fim e ao cabo, o do incremento produto. Essa visão, por sua vez, é legitimada pela crença de que o ser humano é por natureza assim mesmo e que cada indivíduo gera suas preferências a 22
  • 23. partir de uma perspectiva egocêntrica. A interação desses múltiplos inputs seria então capaz de estabelecer uma autoregulação no plano em que se estabelece (quer dizer, no do próprio mercado). Mas como tal esquema não garante coesão social, é preciso escorá-lo com uma concepção política segundo a qual caberia a uma estrutura de poder, supostamente acima das partes, resolver os dilemas da ação coletiva estabelecendo top down a regulação, emitindo normas a partir do Estado ou de outra instância centralizada capaz de cumprir esse papel. Nesse esquema, como se pode ver, não há lugar para a autoregulação societária. E é por isso que, para o liberalismo econômico e sua ‘ciência do crescimento’ – a chamada Economics – a sociedade civil não é uma forma de agenciamento capaz de subsistir por si mesma. Sim, aqui ainda estamos em Hobbes. Padrão variacional de mudança no mercado combinado com lógica normativa do Estado e... nada mais (como provocava Margaret Thatcher no final dos anos 80: “And, you know, there is no such thing as society”) (7). Eis a concepção de mundo que foi produzida. No limite, o mercadocentrismo (não o mercado, mas a ideologia que foi construída sobre o mercado), como qualquer ideologia de raiz hobbesiana, é sempre hierarquizante e autocratizante e, assim, está longe de ser um liberalismo em termos sócio- políticos. Tudo isso contaminou a cultura empresarial, sobretudo das grandes empresas (invariavelmente mancomunadas com o Estado para gerar isso que chamamos de capitalismo), na medida em que essa ideologia foi disseminada pelos novos sacerdotes da modernidade – os economistas – que, ademais, adquiriram status científico e trabalham sempre no complexo Estado-Empresa, legitimados pela Universidade. Das grandes empresas, essas crenças extravasaram para as médias e pequenas, cujo sonho não é serem-bem o que são, mas se tornarem grandes. De sorte que uma cultura mais cooperativa só consegue penetrar em certas brechas abertas pela assimetria da competição mercantil: por exemplo, pequenas empresas de um setor aceitam estabelecer laços cooperativos entre si – formando sistemas sócio-produtivos (como os arranjos produtivos locais) – não para compartilhar e inovar a partir da polinização mútua ou da fertilização cruzada de diferentes visões de gestão, processo e produto, mas para concorrer com as grandes e médias empresas ou com outros clusters de pequenas empresas. A cooperação é então compreendida, aceita e justificada pela necessidade de adquirir condições mais competitivas. 23
  • 24. Não se pode aprender muito sobre redes em organizações hierárquicas. Só muito recentemente, algumas empresas começaram a se dar conta de que um padrão de organização mais favorável à cooperação – tanto internamente, quanto no âmbito dos seus stakeholders – pode ter alguma coisa a ver com sua capacidade de se adaptar tempestivamente às mudanças do meio em que estão inseridas. Colocou-se então, para além da questão da competitividade (e da qualidade e da produtividade como atributos conexos), a questão da sustentabilidade. Mas tal não foi suficiente para alterar os, digamos, drives dos agentes empresariais. Mesmo os mais avançados, que já foram capazes de perceber que tudo que é sustentável tem o padrão de rede e, assim, conseguiram entender a necessidade da transição de sua forma de organização hierárquico-vertical ou centralizada para formas mais horizontais ou distribuídas, mesmo estes, não conseguem mudar seu “código-fonte”. E não conseguem fazê-lo simplesmente porque continuam se organizando de forma hierárquica. Eis o ponto! Até as empresas de consultoria estratégica que atuam na perspectiva dessa transição (e mesmo as que declaram trabalhar com redes sociais) permanecem se organizando de forma mais centralizada do que distribuída. E as teorias e metodologias que aplicam em seus clientes empresariais continuam reforçando visões e práticas hierarquizantes. Um bom exemplo disso são as crenças liderancistas que proliferaram nas últimas décadas, segundo as quais haveria pessoas, por alguma razão, predestinadas a captar pioneiramente as mudanças, que deveriam se destacar das demais, caminhando à sua frente a fim de conduzi-las para o futuro que anteviram. A ideologia do liderancismo fornece um bom exemplo da dificuldade de entender as redes sociais. Pois quando falam em líderes os adeptos do liderancismo empresarial estão, na verdade, falando de monoliderança. Não querem muitos líderes e sim apenas alguns (aqueles que se destacam): se muitos puderem liderar, desconstitui-se o papel do líder, pelo menos dentro de cada fortaleza organizativa. Ou melhor, eles até querem líderes, no plural, sim, mas... cada um no seu quadrado. Mais uma vez é isso: “Ado, a- ado, cada um no seu quadrado”. Ora, as redes (distribuídas) constituem ambientes favoráveis à emersão da multiliderança. Mas a observação acrítica de que sempre tem alguém que lidera, que puxa, do contrário a coisa não anda, reforça as tão ingênuas quanto interesseiras crenças liderancistas. 24
  • 25. Bastaria experimentar uma organização em rede distribuída para ver surgir o “misterioso” fenômeno (o da multiliderança). Ah! Mas esse passo eles não querem dar, porque têm medo de... perder a liderança! Trata-se aqui, como parece óbvio, do monopólio da liderança, que, na sua raiz, está inegavelmente associado não propriamente à propriedade, mas ao uso que dela se possa fazer (diretamente, no caso dos donos; ou por delegação, no caso dos CEOs ou altos dirigentes) para ocupar uma posição de comando-e- controle; quer dizer: para mandar nos outros. A interpretação do líder que se destaca e que seria capaz de ver o que os outros não são capazes e que seria, portanto, capaz de comandar e controlar seus “colaboradores” em prol do bem-comum agrada a todos, vendedores e compradores. Os dirigentes hierárquicos têm seu ego fortalecido e obtêm mais um argumento de peso para justificar seus processos discricionários de tomada de decisões. E ficam motivados para comprar serviços e metodologias baseados nessa metafísica. Mas caminha em direção contrária aos ventos da mudança da sociedade hierárquica para a sociedade em rede. E constitui um obstáculo à necessária transição do padrão de organização das empresas e de outras instituições. É claro – e ninguém pode negar – que existem pessoas visionárias, mais antenadas para captar as tendências e capazes de ver à frente dos seus contemporâneos. O problema é que não se pode atribuir essa “capacidade” a uma condição intrínseca do sujeito, independentemente das funções exercidas por ele nas redes sociais em que está inserido. E, fundamentalmente, não se pode associar essa capacidade às posições ocupadas por ele em organizações hierárquicas, fazendo um raciocínio primário do tipo: se o cara está ali naquela posição é porque demonstrou que é um líder destacado, logo... ele tem (ou tem mais chances de ter) as condições (genéticas ou culturais) de captar as mudanças e tem também não apenas o dever mas o direito de conduzir as outras pessoas. Mas posições em estruturas verticais de comando-e-controle são diferentes de funções exercidas em estruturas horizontais de relacionamento. O que confere capacidades extraordinárias a alguns indivíduos, além, é claro, do seu esforço, são as funções assumidas por eles na dinâmica coletiva das fluições que os atravessam e não as posições ocupadas nos degraus da escadinha do poder de mandar nas outras pessoas. Em outras palavras, líderes são expressões do capital social (são produzidos, por assim dizer, em grande parte, pela fenomenologia da rede) e não o resultado de uma competição entre diferentes unidades de capital humano para ver quem chega primeiro. O recente estudo de Malcolm Gladwell (2008) – Outliers – é bastante ilustrativo a esse respeito (8). 25
  • 26. Tudo é aceitável, menos mexer no meu quadrado, disse o reizinho. O problema com as organizações hierárquicas é que elas são capazes de aceitar qualquer nova moda, qualquer linguagem vanguardista e qualquer metodologia revolucionária justificada pela metafísica mais influente da hora, suposta ou realmente sintonizada com o Zeitgeist, mas – dos pontos de vista dos padrões de organização e dos modos de regulação – querem continuar sendo como são! Ou como acham que são. Ou como querem ser (9). Isso é mais freqüente nas empresas. Dirigentes empresariais mostram-se predispostos a comprar qualquer coisa inusitada, mesmo aquelas que vêm justificadas por esquemas míticos de interpretação do mundo, da natureza e do ser humano (basta ver o incalculável número de consultorias que proliferou na esteira da New Age) ou aderem, pressurosos, às novas “religiões laicas” que surgem (sobretudo após a falência das grandes narrativas ideológicas utópicas do século 20, como as que hoje pretendem “salvar o planeta” do aquecimento global) desde que: a) não questionem e propriedade; e b) não questionem as formas de organização baseadas no acesso diferencial à propriedade para estabelecer mecanismos de comando- e-controle (mas é aí que está o problema). Tudo é aceitável, menos mexer no meu quadrado, que delimita o perímetro do meu reino. Sim, pode-se dizer o que se quiser, mas não se pode, honestamente, deixar de encarar o fato de que as empresas – assim como a maior parte das organizações – ainda são monárquicas em um mundo que, pelo menos no que tange às sociedades consideradas mais desenvolvidas, já superou as monarquias (absolutistas) há bem mais de um século. O reizinho não se preocupava muito com a maneira como os outros povos (estrangeiros) se organizavam. Mas lá no seu reino, êpa! Aqui mando eu. Era isso: “Ado, a-ado, cada um no seu quadrado”. Se você não está disposto a sair do seu quadrado, abandonando o seu reino, não vai conseguir entrar em outros mundos. Para você, essa conversa de mundos-bebês em gestação não passará de uma divagação abstrata, de uma metáfora sem sentido, de uma especulação ociosa e sem aplicação prática. É justo. Um rei deve ter mesmo a responsabilidade de manter o mundo em que reina (o que significa que ele é o primeiro-escravo do seu reino). Sair do seu quadrado não é bombardear, incinerar, demolir a sua organização, seja ela qual for, tenha ou não fins lucrativos. É iniciar a 26
  • 27. transição do padrão hierárquico dessa organização para um padrão de rede (10). 27
  • 28. Inicie agora a transição Nos já descobrimos a “fórmula”: é a rede distribuída Para iniciar a transição do padrão hierárquico de organização para um padrão de rede, você precisa ser um netweaver. A transição da organização hierárquica para a organização em rede (mais distribuída do que centralizada) é o grande desafio glocal, não de nosso tempo (posto que tal não existe mais como um mesmo tempo para todos) e sim de todos os tempos. Como fazer isso? Pode parecer incrível, mas nós já temos a resposta. Embora, a rigor, não haja nenhuma fórmula, nós já descobrimos a "fórmula" da transição do padrão hierárquico para o padrão rede. Essa "fórmula" é a rede (distribuída). Dito assim, causa surpresa. Mas é, exatamente, isso mesmo. Estamos, já faz tempo, dando voltas na questão para não ir ao centro da questão: articular e animar redes distribuídas. Quase sempre é difícil ver o óbvio. E o óbvio, aqui, é o seguinte: se queremos efetuar a transição de uma sociedade ou organização hierárquica (centralizada ou multicentralizada) para uma sociedade ou organização em rede (distribuída), nada mais nos cabe fazer senão netweaving. O nosso problema não está no desconhecimento da "receita" e sim na nossa incapacidade de mostrar que ela é eficaz. Na verdade, o que nos falta são os argumentos suficientes para convencer os hierarcas e seus prepostos das organizações (governamentais e não-governamentais) de que é possível, sim, re-organizar as coisas em um padrão distribuído. Não é o caminho (a direção e o sentido do movimento a ser feito) que nos falta e sim o discurso convincente, os exemplos e as tecnologias (e metodologias) para promover e conduzir tal transição. Como não conseguimos "vender" a idéia, achamos que não temos a "fórmula". Mas nós já temos a "fórmula". Achamos que não temos porque, na maior parte dos casos, não queremos nos organizar – nós mesmos – segundo um padrão de rede distribuída. Então montamos uma empresa de consultoria ou uma ONG hierárquica e queremos sair por aí "vendendo o nosso peixe" para outros hierarcas. É claro que o sujeito (potencial cliente de nossos 28
  • 29. serviços ou tecnologia) desconfia da nossa conversa. Logo de cara pergunta onde tal coisa foi aplicada com sucesso. Quer conhecer as best practices, porque não quer entrar em uma aventura, seguir um maluco qualquer que anda pregando algo que pode colocar em risco seu negócio ou seu projeto. Uma organização hierárquica copia a outra. É por isso que todas as organizações do mesmo setor ou ramo de negócio ou atividade são tão parecidas. Não somente seus projetos, produtos e serviços são similares, mas também seus processos de produção, seus modelos de gestão e seus sistemas de governança. Se você chega lá falando uma coisa diferente, sua proposta é de pronto considerada out of topic. E há uma associação, tácita e involuntária na maior parte dos casos (e em alguns casos voluntária: quando existe corrupção), entre compradores e vendedores de tecnologias e metodologias. Por quê? Ora, porque organizações hierárquicas competem entre si (e quando colaboram é para competir com outras organizações hierárquicas). A competição nivela e, mais do que isso, torna os competidores semelhantes. Em qualquer disputa você, mais cedo ou mais tarde, adquire as características do seu adversário. É aquela história: para lutar com o urso você adquire garras de urso. Então o comprador quer comprar o que seus concorrentes compram para não ficar para trás. Mas, ao fazer isso, perde completamente a originalidade e reduz sua capacidade de inovar. E, ainda que não desconfie disso, perde também capacidade de “viver” (ou reduz suas chances de alcançar sustentabilidade). Bem, mas aí você chega lá falando da transição do padrão de organização e o seu interlocutor quer ver suas credenciais, seu portfólio, seus cases. E você não tem nada disso para apresentar. Tem apenas as suas idéias... Idéias de que uma organização em rede é mais produtiva, mais inovadora e mais sustentável do que uma organização hierárquica. Mas suas idéias não valem muito. E os que olham para você com desconfiança, têm certa razão. Porque não é o seu conhecimento que vai conseguir transformar aquela organização hierárquica em uma organização em rede e sim a maneira como as pessoas vão passar a se relacionar dentro da organização. Seu papel – ao contrário do que muitos acreditam – não é fazer a cabeça dos decisores da organização. Em geral eles são pessoas inteligentes o suficiente para entender suas idéias. Mas isso não adianta porque a organização hierárquica, a despeito do que acreditam seus dirigentes, continuará funcionando na dinâmica do comando-e-controle. 29
  • 30. Seu papel – se você é, por exemplo, um consultor estratégico voltado à inovação e à sustentabilidade – é desencadear uma mudança nos padrões de convivência entre as pessoas da organização. Mas não são as idéias que mudam os comportamentos. São novos comportamentos que podem gerar novos comportamentos. Ninguém muda se não muda o seu viver. Nenhuma organização muda se não muda o seu conviver. Os chamados modelos mentais são sociais. As mentes não são cérebros individualmente parasitados por idéias e sim nuvens de computação da rede social onde rodam determinados programas meméticos. Esses velhos programas não param de rodar enquanto os graus de distribuição e de conectividade dessa rede social não mudam. E enquanto você, que quer ser um agente da mudança, não muda o seu viver e o seu conviver, também não pode desencadear qualquer mudança. Se, por exemplo, você vier com esse papo de rede, mas trabalhar a partir de uma organização hierárquica, não terá condições de introduzir mudanças. Seu padrão de relacionamento (da sua organização) com a organização que você quer transformar será conservador e não inovador. Não se trata de coerência. É bom não misturar os canais. Não estamos aqui no terreno do discurso ético. Trata-se da capacidade de introduzir estímulos que podem se replicar em um sistema alterando o comportamento dos agentes do sistema. Isso exige outro padrão de consultoria que não aquele do técnico que vai lá vender o seu conhecimento para quem quiser pagar o preço. Só é possível realizar essa consultoria se você for parte do processo, como um dos nodos da rede dos stakeholders da organização. Não é uma aplicação tecnológica ou metodológica que possa ser feita por um agente desinteressado, neutro, imparcial. Você também é transformado na interação. Se não for, não haverá mudança alguma. Os caras vão fazer de conta que acreditam no seu discurso, vão experimentar suas tecnologias e metodologias e, no final, você vai sair mais ou menos como entrou e a organização vai ficar mais ou menos como você a pegou. Vai passar a ter um novo discurso – materializado formalmente em novas declarações sobre visão, missão, valores – mas o conviver que expressa os seus fluxos cotidianos permanecerá (quase) inalterado. Hierarquia (ordem top down, disciplina, obediência, monoliderança), desconfiança e inimizade, competição, comando-e-controle são características de programas verticalizadores que rodam na rede social da organização. Não são os indivíduos – ou as idéias que estão dentro das cabeças deles – os responsáveis pela reprodução dessas disposições e sim a 30
  • 31. configuração e a dinâmica dos arranjos em que as pessoas foram colocadas para viver e conviver. Esses programas verticalizadores (ou softwares centralizadores) já estão rodando há tanto tempo que modificaram o hardware. Não é possível desinstalá-los a partir do discurso ou fazendo a cabeça das pessoas. É necessário mudar o hardware. Como? Ah! Basta aplicar a "fórmula" que – não é demais repetir – nós já descobrimos. Basta alterar a topologia e a conectividade da rede social composta pelos stakeholders da organização. Se fizermos isso, vão emergir conexões em rede (ordem bottom up, liberdade, autonomia, multiliderança), confiança e amizade, colaboração e auto-regulação como características de programas horizontalizadores (ou softwares distribuidores) que poderão (então) rodar nos novos arranjos em que as pessoas vão passar a viver e conviver. Não é necessário mudar os indivíduos. É necessário mudar o padrão de relacionamento entre eles (quer dizer, mudar as pessoas). Mas por onde começar para obter tal resultado? Articulando uma rede distribuída dentro da organização (uma espécie de embrião da rede na qual a organização vai se tornar). Essas pessoas conectadas em rede terão a liberdade de propor mudanças e construir "espelhos" (em rede) dos mecanismos e processos de governança, gestão e produção que estão organizados hierarquicamente. Por exemplo, vão reconfigurar os departamentos, seções ou áreas administrativas da organização, superpondo, às caixinhas do velho organograma, novos clusters onde as pessoas vão se aglomerar por afinidade (segundo a máxima: "a melhor pessoa para realizar um trabalho é aquela que deseja fazê-lo"). Vão criar redundâncias mesmo, em todos os lugares em que isso for possível. Na verdade, vão criar uma outra (nova) organização dentro da velha. Mas isso não vai dar uma confusão danada? É claro que vai. Criar uma espécie de Zona Autônoma Temporária (11) dentro da organização, não é uma coisa trivial. Há o risco de bagunçar os atuais processos que, bem ou mal, estão permitindo que a organização sobreviva e muitas vezes se destaque na competição com suas congêneres. Por outro lado, o que se pode ganhar com isso, caso a transição consiga se realizar, é muito mais do que se pode ganhar com qualquer suposta inovação – em geral cosmética – lançada pelas consultorias estratégicas organizacionais da moda, cujo principal resultado é fazer você ficar igualzinho a seus concorrentes. Os 31
  • 32. indicadores de produtividade, inovação e, sobretudo, de sustentabilidade que uma organização em rede pode alcançar não são comparáveis aqueles que podem ser atingidos por uma organização hierárquica. Não há comparação porque o que muda aqui é a própria natureza da organização. A organização em rede deixará de ser uma unidade administrativo- produtiva isolada e passará a ser uma coligação móvel de stakeholders. Isso significa que ela não contará apenas com os capitais econômicos e extra-econômicos, sempre limitados, que seus investidores ou constituidores são capazes de aportar. Para dar um exemplo, em termos de capital humano, ela não terá à sua disposição apenas algumas dezenas ou centenas (ou, em alguns casos, poucos milhares) de cérebros que contratou e é capaz de pagar e sim dezenas e centenas de milhares. Assim, não terá as dificuldades inerentes – e os custos correspondentes – do aprisionamento de corpos (que sustentam os cérebros alugados) que foi capaz de realizar e funcionará, em grande parte, lançando mão do peer production e do crowdsourcing. A organização em rede importará a custo zero (ou por baixo preço) capital social (que é um recurso caríssimo) do meio onde está situada. Se as populações locais começarem a fazer parte da rede de stakeholders da organização, elas também farão parte da comunidade de negócios ou de projeto em que ela se transformará. Isso reduzirá drasticamente os famosos custos de transação, além de trazer outras vantagens inimagináveis atualmente. 32
  • 33. Afinal, redes são apenas (múltiplos) caminhos “Ah, sim, isso é evidentemente óbvio” De que transição se trata? Da transição da organização hierárquica para a organização em rede (entendendo-se por isso, a rigor, o aumento dos graus de distribuição-conectividade). Transição evoca caminho. Mas não existe um caminho, em primeiro lugar, porque os caminhos são múltiplos (aliás, rede é, por definição, múltiplos caminhos). Mas também não existe caminho para se chegar a um padrão de rede, em segundo lugar, porque a maneira de ter +rede é tendo +distribuição. Em outras palavras: a rede é o caminho! Não é possível chegar às redes a não ser pelas redes. Mohandas Ghandi disse certa vez que "não existe caminho para a paz: a paz é o caminho". John Dewey, antes de Ghandi – e Amartya Sen, muito depois – já haviam sugerido que não existe caminho para a democracia a não ser a própria democracia. Com as redes é a mesma coisa: 'não existe caminho para as redes: as redes são o caminho'. A paráfrase não é apenas literária. Há uma relação intrínseca entre essas realidades processuais – paz, democracia e redes: na verdade não há paz, senão +pazeamento; e não há democracia, senão +democratização; e não há redes, senão +enredamento ou +reticulação ou, ainda, +distribuição. Entendida assim, processualmente, a problemática da transição deixa-se ver sob nova luz. Trata-se de aumentar os graus de distribuição- conectividade na rede social conformada pelas pessoas afetadas, de algum modo, pela vida orgânica: não só os empregados e os gestores, mas também os donos ou acionistas, os fornecedores, os clientes, usuários ou consumidores e todas as outras pessoas concernidas na atividade da organização (os chamados stakeholders, lato sensu). Qual é a novidade aqui? A novidade é a seguinte: isso tem que ser feito agora, não depois. Não pode haver uma transição para uma organização em rede mantendo-se intocado o padrão centralizado atual (+centralizado do que distribuído, entenda-se) em nome de um futuro padrão de rede (+distribuído do que centralizado). Essa é a desculpa para não mexer nos 33
  • 34. graus de centralização e é por isso que uma transição assim não costuma dar certo. Na transição não existe o futuro a não ser na medida em que o antecipamos. Se não anteciparmos padrões de rede, nunca teremos um futuro de rede. Se queremos chegar às redes, temos que começar, aqui-e- agora, a fazer redes; quer dizer: netweaving. A rede é o caminho! Mas como fazer redes? Não há um guia, um verdadeiro how-to. Por isso, fuja dos receituários. Todos esses receituários contemporâneos que pretendem ensinar a fazer redes, em geral não servem porque confundem redes sociais com midias sociais. Então elencam 5 passos, recomendam 10 medidas, sugerem 15 procedimentos, dão 20 dicas para você usar melhor (?) o seu blog ou alguma plataforma interativa da moda como o Twitter e o Facebook. Mas não falam nada sobre seus encontros com seus amigos na sua casa, nos restaurantes, nas festas, nos seus locais de estudo e trabalho. Ou seja, não falam das redes sociais propriamente ditas. Para aprender, você tem que começar a fazer. Começar conversando, no mínimo, com outras duas pessoas (que não podem estar acima nem abaixo de você em qualquer sentido). Depois você vai ver o que acontece. O essencial é que você não mande em ninguém, nem obedeça a alguém. Só redes podem gerar redes. Os que querem assumir o papel de agentes, indutores, facilitadores, promotores da mudança, não poderão fazer nada se eles mesmos não se organizarem em rede (ou seja, de modo +distribuído do que centralizado). Esta é uma daquelas argumentações evidentes por si mesmas, das quais falava Wittgenstein (1931) em conversa com Friedrich Waismann – e narrada por este último em Ludwig Wittgenstein and the Vienna Circle (1979) – que seriam capazes de provocar no interlocutor uma reação do tipo: "Ah, sim, isso é evidentemente óbvio" (12). 34
  • 35. Mundos-bebês em gestação | 10 (1) Referência a um artigo de Pierre Lèvy: Op. cit. (2) No final de 2010 as pessoas fingiam que não viam, mas a situação do mundo único – baseado no equilíbrio competitivo internacional, uma estrutura descentralizada de menos de duas centenas de Estados – já estava ficando muito complicada: expansão do capitalismo autoritário na China e em outros continentes, inclusive com uma espécie de neocolonização econômica da África, domínio crescente do fundamentalismo islâmico em todos os países árabes e no Oriente Médio, perpetuação de governos de assassinos da KGB (FSB) na Rússia, avanço do parasitismo democrático via neopopulismo na América Latina, democracia nos Estados-nações claramente em recuo, restando apenas 26 países (menos de 13% da população mundial) em que o regime democrático representativo vigorava em plenitude. (3) BRABO, Paulo (2007): Op. cit. (4) MATURANA, Humberto et all. (2009): “Ethical matrix of human habitat” (texto enviado pelos autores para uma lista restrita de discussão). (5) Esta seção intitulada “Desobedeça” é a terceira versão do texto de FRANCO, Augusto (2010). Desobedeça: uma inspiração para o netweaving (2ª Versão). Slideshare [5.168 views em 30/01/2011] <http://www.slideshare.net/augustodefranco/desobedea> (6) Refrão da “Dança do Quadrado”, música de origem desconhecida utilizada por Sharon Aciole com o objetivo de animar o pessoal nas praias de Porto Seguro no verão de 2007 e que acabou virando um hit no Brasil em 2008. Ouça aqui antes de ler: <http://migre.me/knQS> (7) "I think we've been through a period where too many people have been given to understand that if they have a problem, it's the government's job to cope with it. 'I have a problem, I'll get a grant.' 'I'm homeless, the government must house me.' They're casting their problem on society. And, you know, there is no such thing as society. There are individual men and women, and there are families. And no government can do anything except through people, and people must look to themselves first. It's our duty to look after ourselves and then, also to look after our neighbour. People have got the entitlements too much in mind, without the obligations. There's no such thing as entitlement, unless someone has first met an obligation”. Prime minister Margaret Thatcher, talking to Women's Own magazine, October 31 1987. (8) GLADWELL, Malcolm (2008): Op. cit. 35
  • 36. (9) Como disse certa vez um mestre sufi da Turquia a um grupo de visitantes (citado recentemente por uma pesquisadora conectada à Escola-de-Redes), “as pessoas no ocidente são engraçadas; elas dizem: ‘eu sinto muito, mas eu sou assim’, quando, na verdade, elas nem sentem muito e nem são assim”. Cf. Bia Machado em <http://escoladeredes.ning.com> (10) Esta seção intitulada “Cada um no seu quadrado” é a segunda versão do texto de FRANCO, Augusto (2009). Cada um no seu quadrado: algumas notas sobre o difícil aprendizado das redes sociais nas organizações hierárquicas. Slideshare [1.088 views em 30/11/2011] <http://www.slideshare.net/augustodefranco/cada-um-no-seu-quadrado- 3215261> (11) Referência ao texto seminal BEY, Hakim (1984). TAZ – Zona Autônoma Temporária: Op. cit. Disponível para download em: <http://www.4shared.com/get/88283715/b2c341c8/TAZ_-_Hakim_Bey.html> (12) WAISMANN, Friedrich (1979). Ludwig Wittgenstein and the Vienna Circle. New York: Routledge, 2003. 36