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Através da nossa página no Facebook vamos disponibilizar todos os ar-
tigos do livro BRASIL NÃO MOTORIZADO. A cada semana um texto será
editado. Desse modo, ao final de 16 semanas o livro estará completo e terá sido
aberto mais um canal de leitura e discussão dos temas abordados.
A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su-
cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos
e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000
exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos
dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a
edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens.
Boa leitura
Vale lembrar que os interessados ainda podem adquirir o livro nas Li-
vrarias Cultura; sob encomenda ou pela internet. www.livrariacultura.com.br
IMPORTANTE
Empresas e entidades que patrocinaram essa 1ª edição:
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
Duas rodas, quatro rodas, duas
pernas, mobilidade urbana
JoãoCarlosCASCAES
1
1.	Introdução
O tema da sustentabilidade está presente em todas as nossas atividades,
graças a grandes interesses industriais, assim como a partir de visões realmente
respeitáveis sobre os efeitos da civilização moderna. Com certeza devemos mu-
dar muitos de nossos hábitos se quisermos preservar a natureza e evitar que as
cidades se transformem em verdadeiros pesadelos.
Vamos, a partir de uma experiência que nasceu em Blumenau, na década
de 1940, e continua em Curitiba, falar sobre a importância da mobilidade ur-
bana do pedestre, do ciclista, da pessoa com deficiência e finalmente do idoso,
com doenças e limitações crescentes.
2.	Blumenau, anos 40 e 50
Era uma cidade pequena, com população em torno de 50 mil pessoas,
industrial, operária e trabalhadora. Seus moradores tinham uma expectativa de
vida próxima dos 40 anos ou algo mais. A cidade convivia com poucos veículos
motorizados. Por ela passavam caminhões barulhentos, carregados de madeira
em direção ao porto de Itajaí. Na volta do litoral, apenas com o cavalo mecâni-
co, deslocavam-se rumo ao Alto Vale do Itajaí, onde as serrarias não paravam.
Cidade dedicada à indústria têxtil, Blumenau abrigava dezenas de milha-
res de operários. E eles ao sair de suas fábricas vinham acompanhados dos seus
gerentes e patrões. Automóvel era um tremendo luxo. A simplicidade reinava
na calmaria das ruas ladeadas de belíssimos jardins. Blumenau estava imersa
na floresta subtropical, ao lado de um rio que parecia manso, mas que se trans-
formava furiosamente quando chovia demais. Era o lugar ideal de garotos que
queriam pescar, andar pelo mato, jogar bola na rua em frente de casa etc.
O centenário de fundação da cidade, em 2 de setembro de 1950, trouxe
ruas asfaltadas (uma espécie de antipó), que logo ganharam mais asfalto, auto-
móveis, caminhões e alguns ônibus. As longas caminhadas de final de semana
1	 Engenheiro eletricista pela EFEI (Itajubá, 1968). Mestre em Engenharia Elétrica pela UFSC
(Florianópolis, 1974). Diretor de Planejamento e Engenharia da URBS, de 1986 a 1988. Presidente da
COPEL, de 1993 a 1994. Ex-professor em diversas universidades (UFSC, UFPR, TUIUTI) e do CEFET-PR.
Fundador, diretor e/ou presidente e conselheiro das seguintes associações: APC, APEE, ADAPTE, AAB, IEP,
ABDC e LIONS Curitiba. E-mail: jccascaes@onda.com.br
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
para visitar famílias amigas ou o dia a dia do ciclista começaram a dar
lugar a pequenas viagens de ônibus ou automóvel. Era o progresso.
Blumenau tinha boas calçadas, lajotas de cimento imitando o petit pavè,
talvez para agradar os getulistas cariocas que durante a guerra mandaram e
desmandaram na cidade. Ir à escola de bicicleta era o padrão, “batendo queixo”
no inverno, suando no verão tempestuoso, típico do Baixo Vale do Itajaí.
Ao fazer cursinho em São Paulo (1963) e Engenharia em Itajubá (1964 a
1968) o jovem catarinense com pretensões a ter um diploma de nível superior
tinha de suportar um verdadeiro choque cultural. Tinha de ser em São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais etc. Não existia onde fazer cursos semelhantes em
Santa Catarina, nos anos 60, exceto Direito, em Florianópolis.
A capital paulistana, já com engarrafamentos homéricos e discutindo
quando e de que maneira construir viadutos, avenidas, túneis, metrô etc., ainda
era caminhável. Uma maravilha sair domingo cedo para ver e ouvir concertos
da Orquestra Sinfônica no centro, passear no Ibirapuera, gastar duas horas no
Planetário (lembrando as estrelas que não era possível enxergar em São Paulo),
comer um churrasquinho de gato, visitar casinhas de paulistanos amigos em
bairros distantes, ouvir a rádio que só tocava música erudita. Era genial. A ca-
pital paulista estava no início do que é hoje: uma “monstrópole neuratizante”.
Itajubá foi uma surpresa. Primeiro pelo seu território reduzido, apesar
de abrigar o Instituto Eletrotécnico de Itajubá (IEI), tão antigo que meu pai
sonhava ter um filho formado lá (ele era eletricista). Mais uma vez, vivi a expe-
riência de morar numa cidade minúscula, carinhosa, politizada. Andávamos
simplesmente. Qualquer lugar da cidade era acessível ao pedestre, que maravi-
lha! Tudo isso sem esquecer a pracinha onde os homens andavam num sentido
e as mulheres no outro, contornando-a sem parar, apenas trocando olhares e
galanteios, até que alguns pares se destacavam. Bicicletas? Poucas, comparando
com a Blumenau da época.
Casei e em Itajubá nasceu minha primeira filha, Tatiana. Felizmente sau-
dável e podendo ser sustentada com o pouco que ganhávamos lecionando, além
do aluguel do apartamento herdado em Blumenau. Em 1966 perdi meu pai de
câncer (fumava demais) e ganhei uma família pela qual me tornei responsável.
1.	Curitiba, do jovem adulto ao idoso e à Pessoa com Deficiência – PcD
Na capital do Paraná, a partir dezembro de 1968, iniciei a vida profis-
sional e social que agora me permite escrever sobre tantas coisas. Em especial
sobre a questão ética do cidadão que procura o exercício da “parrésia”, atento
aos problemas dos idosos e pessoas com deficiência, além das crianças e gente
com doenças transitoriamente restritivas.
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
O aprendizado foi longo, passando pelo exercício de lutas contra proje-
tos que consideramos inoportunos. E ele continuou nos três anos na Diretoria
de Planejamento da URBS (1986 a 1988), e na diretoria e presidência da Copel
(1991 a 1994), assim como em inúmeras atividades jornalísticas e de atuação
política e social.
Na prefeitura de Curitiba, convivi com especialistas em mobilidade,
transporte coletivo e urbanismo. Fui estagiário do governo francês em 1988 e,
além disso, viajei muito pelo Brasil e exterior, e aprendi bastante.
Problemas familiares colocaram em destaque a situação da pessoa com
deficiência, motivando por aí um aprofundamento que não para de avançar nas
questões relativas à acessibilidade.
1.	O Brasil e as cidades ao final do século XX e início do Terceiro Mi-
lênio
A principal vitrine que ilustra o desenvolvimento político e cultural, em
torno dos direitos humanos e da cidadania, é a cidade. Nela também sentimos
a convergência das neuroses mundiais e nacionais, expressas em projetos episó-
dicos e propostas educativas circunstanciais.
A preocupação com os idosos e as pessoas com deficiência, estranhamen-
te, era quase inexistente no Brasil. Ainda na década de 1980 era muito raro
perceber essa discussão. Quando muito, havia a luta pelas rampas de acesso a
calçadas, ainda que elas não fossem transitáveis.
Mais ainda, os passeios eram instrumento de decoração e de cuidados
com a permeabilidade do solo. A utilização do petit pavè estava na moda, en-
chendo de desenhos pisos que deveriam respeitar as condições de trânsito de
pessoas com dificuldades visuais, que tudo confundiam. Detalhes técnicos,
como coeficientes de atrito, abrasão, continuidade, resistência a peso, ao clima,
facilidades de manutenção etc., eram desprezados.
Sempre ficávamos surpresos com os padrões europeus, mas logo enten-
díamos o que víamos como uma necessidade para os mutilados de guerra. O
Brasil não os tinha em quantidade suficiente para justificar “privilégios”.
Acessibilidade e inclusão eram assuntos para ambientes especiais e um
pesadelo para os pais, que chegavam a mudar de cidade para encontrar escolas
capazes de atender os filhos com deficiência. Em Curitiba um conjunto de es-
colas especiais gerou a preocupação com o transporte coletivo de seus alunos,
levando-nos a construir um terminal de integração e adaptar uma frota de ôni-
bus para o transporte especial na década de 1980.
Simplesmente não existia uma preocupação com a pessoa com deficiên-
cia, algo notável em projetos de arquitetura, urbanismo, transporte coletivo,
escolas e universidades, hospitais etc., sem recursos para a acessibilidade, para a
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
inclusão. Essa condição excluía o idoso e a PcD do convívio social, do
trabalho, da vida urbana.
Os movimentos a favor das pessoas com deficiência eram dispersos e
ineficazes. Aos poucos ganharam consistência, ainda mais com a mobilização
vinda de outros países, de onde ganhamos lógica e propostas. Paralelamente, o
Brasil sentia o peso dos excluídos da lavoura.
O crescimento dos aglomerados urbanos decorrentes da migração do
campo, somado ao despreparo dos migrantes para enfrentar a vida urbana, as-
sim como suas dificuldades em se incluírem na dinâmica, produção e consumo
das grandes metrópoles, foram (e ainda são) fatores que pesam na transforma-
ção das cidades e, também, em seus orçamentos.
No Brasil este é um processo tardio. Em geral, os migrantes brasileiros
nas grandes cidades vieram de regiões sem ambiente escolar, sem saneamen-
to básico, sem condições profissionais e sociais suficientemente desenvolvidas
para que a inclusão desses contingentes ocorresse de forma harmoniosa.
Em volta das capitais políticas e econômicas descobrimos cinturões de
favelas e de pessoas lutando pelo essencial. Pessoas batalhando pelo mínimo
necessário à própria sobrevivência, poucos deles em condições de competir e
conquistar lugares melhores na escala social. Acrescentem-se a isto as drogas,
as endemias, a subnutrição, a alimentação inadequada, a violência do trânsito
e o submundo do crime, produzindo pessoas com inúmeras formas de lesão.
O crescimento das grandes metrópoles atuais aconteceu em tempos de
crises econômicas e financeiras graves, surpreendendo prefeitos com novas
responsabilidades em tempos de poucos recursos. A Constituição Federal de
1988 definiu uma nova ordem na distribuição dos recursos fiscais, mas manteve
muitas atribuições aos municípios. Com isto fragilizou-os, apesar de suas enor-
mes responsabilidades. A lógica da dependência inibiu inciativas e autonomia,
criando uma relação perversa entre cidadãos que não sabem como corrigir suas
cidades.
Concomitantemente ao processo de redemocratização, o país mergulhou
em um processo de hiperinflação, dívidas externas determinadas pelo peso da
banca financeira internacional. As prioridades brasileiras deixaram de ser qua-
lidade de vida e justiça social.
O Brasil demorou demais para sair de suas crises maiores na área eco-
nômica, e agora, fruto de uma distribuição perversa dos impostos, inibe ações
que atenderiam melhor a população em geral, destacando-se o que é necessário
para bem atender suas pessoas carentes de melhor estrutura urbana.
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
A educação não se desenvolveu de forma adequada. Escolas insuficientes
e mal preparadas são uma das causas da falta de percepção aos problemas ur-
banos e de cidadania. Algo distante do que se ensinou desde sempre no Brasil.
O pesadelo das pessoas com deficiência e dos idosos continua. A popu-
lação de pessoas com mais de 60 anos vem aumentando, assim como a expec-
tativa de vida do brasileiro, mas este contingente convive com as guerras do
trânsito, da mobilidade, da acessibilidade e da tentativa de inclusão de todos,
sem exceção.
A pessoa com deficiência e os idosos são vítimas da deseducação, dos
erros de planejamento, das obras mal feitas, do gerenciamento ineficaz e, final-
mente, da falta de recursos por efeito da corrupção. Há carência de recursos e
inexistência de vontade política em relação às suas necessidades.
Agravando tudo, portanto, há a demagogia, a corrupção e a pura incom-
petência aumentando as contas municipais, desviando prioridades e projetos
para setores não essenciais.
Um exemplo clássico desse fato é a realização de campeonatos mundiais
gerenciados pela FIFA. Essa entidade tem força descomunal, pois além de suas
receitas diretas defende conveniências industriais e comerciais internacionais.
Assim, constatamos que, graças à mídia fortíssima em torno do futebol, as pes-
soas se alienam totalmente, aceitando imposições inacreditáveis geradas por
uma entidade dedicada ao esporte profissional. O principal aspecto negativo é a
concentração de recursos em projetos não prioritários, principalmente em pa-
íses como o Brasil, recém-saído de décadas de crises financeiras e econômicas.
Qualquer cidade brasileira ainda tem muito a fazer a favor da pessoa com
deficiência. Um exemplo dessa carência é o transporte coletivo urbano e a mo-
bilidade dos usuários desse sistema. Não entra na cabeça dos formadores de
opinião e dos gerentes municipais que a segurança e as facilidades de trânsito
dos pedestres são essenciais à opção pelo “transporte coletivo”.
Figura 1: Condições de uma calçada curitibana, mas comum em todas as cidades brasileiras
FONTE: Foto do autor, 2012
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
Se pensarmos na importância das caminhadas pelas cidades chegaremos
ao básico: a falta, a má qualidade e a descontinuidade dos passeios, autênticas
faixas de servidão de concessionárias e flagrantemente governadas por auto-
ridades externas aos muros e paredes do imóvel. O proprietário do imóvel é o
“bode expiatório” da omissão de empresas que deveriam formar consórcios e
com racionalidade técnica e gerencial cuidar desses circuitos para pedestres, as
calçadas.
Entre as calçadas e ruas, as ciclovias. A utilização de bicicletas ressurge
com força em países mais desenvolvidos, conscientes da importância do resgate
de meios de mobilidade não poluentes.
Assim, temos registros e opiniões que se perdem pela absoluta falta de
vontade política das lideranças municipais, a quem compete realmente a res-
ponsabilidade pela tragédia urbana (atropelamentos, acidentes, poluição, im-
postos...) e que têm força para decidir sobre a qualidade das cidades.
Na escala social, as atenções se diluem à medida que o cidadão ou cidadã
demonstram menos sangue azul ou moedas fortes no bolso e contas bancárias.
Além da acessibilidade ao transporte coletivo urbano e às calçadas, sen-
timos a péssima acolhida em repartições públicas, agências de concessionárias,
bancos, comércio, hospitais, cartórios, principalmente ao idoso e à pessoa com
deficiência auditiva. É fácil de entender se lembrarmos que a legislação é poste-
rior ao período escolar dos nossos dirigentes, pessoas que não foram educadas
para o respeito recíproco.
Lendo livros sobre sociedades estrangeiras, e lembrando as lógicas nazis-
tas que quase dominaram o mundo no meio do século passado, compreende-
mos com facilidade o que é o ser humano.
Estamos num momento da história da humanidade em que poderemos
retroagir a culturas antigas, primitivas, ou avançar para um período luminoso.
A atenção para os direitos e deveres sociais poderá salvar a humanidade do ra-
dicalismo religioso e político, bem como da degradação ambiental.
Exemplos não faltam ao longo de milênios, desde que alguma coisa se
assemelhou à civilização, de que o império de fanáticos é assustador. Nossas
aglomerações urbanas mostram, contudo, mais ainda a radicalização da omis-
são. Cidades criando blocos gigantescos de concreto, desfiladeiros e espaços co-
munitários perigosos apontando para o medo e o isolamento.
A PcD precisa exatamente do oposto, de facilidades urbanas, de aceitação
e tolerância para demonstrar seu potencial, sempre capaz de surpreender quem
quer que seja.
Note-se que a pessoa idosa naturalmente se isola à medida que vai perce-
bendo suas limitações, o que é péssimo, pois com a experiência que adquiriram
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
poderiam ser um reforço importantíssimo na inclusão. Habituamo-nos
a ver os “velhos” com curiosidade ou afeto, quando parentes. Mas todos são
cidadãos e merecem viver nas cidades sem restrições.
E isto é possível?
Perfeitamente, desde que nossas autoridades e legisladores tenham essa
preocupação. Não existe limite para a engenharia que impeça a criação de so-
luções. Nossos urbanistas e arquitetos precisam dar mais espaço para os enge-
nheiros e todos eles, aos sociólogos, psicólogos, médicos etc., que saberão orien-
tar quem realmente tiver disposição e poder para fazer mudanças, urgentes
inclusive.
Dentro das cidades temos todos os equipamentos e instalações de que a
imensa maioria dos povos modernos precisa para viver bem, mal ou pessima-
mente. Tudo depende da vontade política dos administradores públicos e de
seus eleitores. Ou seja, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiên-
cia não existiriam se nossos administradores tivessem maior seriedade em seus
trabalhos.
Normas técnicas? Especialistas? Temo-los em excelente nível e disponí-
veis, além de inúmeros fóruns, ONGs etc. Ninguém pode alegar ignorância.
Seria até o caso de processar nossas autoridades por desrespeito à legislação
existente, mas o Poder Judiciário reagiria de que forma?
1.	A luta pela acessibilidade e inclusão, do pedestre ao ciclista
Todos são responsáveis devido ao potencial que têm para transformar a
vida. A luta pela acessibilidade começa pelo mais simples: as calçadas. Por que,
apesar das leis existentes, dos prazos vencidos, das normas técnicas aprovadas,
do potencial industrial e dos serviços, continuamos a ter calçadas tão ruins?
Algo alarmante no Brasil é o descaso de nossas autoridades com as con-
cessionárias de serviços públicos que se utilizam dos passeios, transformados
em faixas de servidão. Inacreditavelmente a população convive com desconti-
nuidades, falhas, buracos, cabos aéreos etc., sem reagir de forma adequada.
A simples aplicação da lei, ainda que injusta, atribuindo ao proprietário
do imóvel a obrigação de construir e manter as calçadas, poderia em poucos
anos transformar o cenário urbano. Infelizmente a preocupação com a vontade
dos eleitores inibe políticos que sonham fazer carreira.
Os maiores prejudicados pela omissão das nossas autoridades e dos habi-
tantes das cidades são aquelas pessoas que se veem obrigadas a restringir dras-
ticamente suas atividades por impedimentos ou riscos insuportáveis de mo-
bilidade. Quem pode usa o transporte individual ou táxis, forma também de
existência descontínua. É até interessante saber de leis que obrigam as empresas
    Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana.
a contratar PcD, mas que ficam sem candidatos aos postos de trabalho
diante da impossibilidade de o cidadão se deslocar poucos quarteirões com se-
gurança.
Não há mistério. Pode ser dito que a carência de desenvolvimento tecno-
lógico, de conhecimentos científicos e técnicos, voltados à viabilização do trân-
sito de pedestres. Carecemos, acima de tudo, de vontade enérgica das autorida-
des e de lideranças civis a favor daqueles que não podem nem usar o transporte
coletivo urbano, porque não conseguem sozinhos ir e vir ao ponto de ônibus,
em Curitiba e em outras cidades brasileiras.
Não existe a necessidade de acrescentar muito ao que sabemos, e os
exemplos de desrespeito à legislação existente são flagrantes em Curitiba. Note-
-se que isso transcende questões de arquitetura e urbanismo. Convivemos, in-
clusive, com o pesadelo da falta de cuidados com cães de guarda.
1.	Conclusão
As cidades brasileiras precisam de profissionais e cidadãos atentos às ne-
cessidades das pessoas com deficiência, aos idosos, às crianças, às pessoas de-
bilitadas etc.
Temos leis, decretos, normas, regulamentos e estatutos, mas não temos
consciência da gravidade da não inclusão dessas pessoas, com segurança e dig-
nidade. Esperamos que este livro e as fontes de referências nele presentes contri-
buam para os esclarecimentos sobre a tragédia brasileira representada hoje pela
mobilidade dos PcDs e idosos. Precisamos nos convencer – um povo pode ser
muito mais feliz e saudável se aprender a respeitar o próximo.

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Capítulo 6 - Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana

  • 1. 06
  • 2. VOCÊ TAMBÉM PODE COMPARTILHAR Através da nossa página no Facebook vamos disponibilizar todos os ar- tigos do livro BRASIL NÃO MOTORIZADO. A cada semana um texto será editado. Desse modo, ao final de 16 semanas o livro estará completo e terá sido aberto mais um canal de leitura e discussão dos temas abordados. A publicação dos artigos no formato eletrônico também se deve ao su- cesso da edição. Além das cotas dos patrocinadores, vendas em lançamentos e livrarias e doações a instituições de ensino, foram colocados mais de 1.000 exemplares. Isso demonstra o interesse pelo assunto “mobilidade urbana” e nos dá a certeza de continuarmos com a coleção. Está prevista ainda para 2015 a edição do nosso 2º volume – com alguns novos autores e novas abordagens. Boa leitura Vale lembrar que os interessados ainda podem adquirir o livro nas Li- vrarias Cultura; sob encomenda ou pela internet. www.livrariacultura.com.br IMPORTANTE Empresas e entidades que patrocinaram essa 1ª edição:
  • 3.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana JoãoCarlosCASCAES 1 1. Introdução O tema da sustentabilidade está presente em todas as nossas atividades, graças a grandes interesses industriais, assim como a partir de visões realmente respeitáveis sobre os efeitos da civilização moderna. Com certeza devemos mu- dar muitos de nossos hábitos se quisermos preservar a natureza e evitar que as cidades se transformem em verdadeiros pesadelos. Vamos, a partir de uma experiência que nasceu em Blumenau, na década de 1940, e continua em Curitiba, falar sobre a importância da mobilidade ur- bana do pedestre, do ciclista, da pessoa com deficiência e finalmente do idoso, com doenças e limitações crescentes. 2. Blumenau, anos 40 e 50 Era uma cidade pequena, com população em torno de 50 mil pessoas, industrial, operária e trabalhadora. Seus moradores tinham uma expectativa de vida próxima dos 40 anos ou algo mais. A cidade convivia com poucos veículos motorizados. Por ela passavam caminhões barulhentos, carregados de madeira em direção ao porto de Itajaí. Na volta do litoral, apenas com o cavalo mecâni- co, deslocavam-se rumo ao Alto Vale do Itajaí, onde as serrarias não paravam. Cidade dedicada à indústria têxtil, Blumenau abrigava dezenas de milha- res de operários. E eles ao sair de suas fábricas vinham acompanhados dos seus gerentes e patrões. Automóvel era um tremendo luxo. A simplicidade reinava na calmaria das ruas ladeadas de belíssimos jardins. Blumenau estava imersa na floresta subtropical, ao lado de um rio que parecia manso, mas que se trans- formava furiosamente quando chovia demais. Era o lugar ideal de garotos que queriam pescar, andar pelo mato, jogar bola na rua em frente de casa etc. O centenário de fundação da cidade, em 2 de setembro de 1950, trouxe ruas asfaltadas (uma espécie de antipó), que logo ganharam mais asfalto, auto- móveis, caminhões e alguns ônibus. As longas caminhadas de final de semana 1 Engenheiro eletricista pela EFEI (Itajubá, 1968). Mestre em Engenharia Elétrica pela UFSC (Florianópolis, 1974). Diretor de Planejamento e Engenharia da URBS, de 1986 a 1988. Presidente da COPEL, de 1993 a 1994. Ex-professor em diversas universidades (UFSC, UFPR, TUIUTI) e do CEFET-PR. Fundador, diretor e/ou presidente e conselheiro das seguintes associações: APC, APEE, ADAPTE, AAB, IEP, ABDC e LIONS Curitiba. E-mail: jccascaes@onda.com.br
  • 4.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. para visitar famílias amigas ou o dia a dia do ciclista começaram a dar lugar a pequenas viagens de ônibus ou automóvel. Era o progresso. Blumenau tinha boas calçadas, lajotas de cimento imitando o petit pavè, talvez para agradar os getulistas cariocas que durante a guerra mandaram e desmandaram na cidade. Ir à escola de bicicleta era o padrão, “batendo queixo” no inverno, suando no verão tempestuoso, típico do Baixo Vale do Itajaí. Ao fazer cursinho em São Paulo (1963) e Engenharia em Itajubá (1964 a 1968) o jovem catarinense com pretensões a ter um diploma de nível superior tinha de suportar um verdadeiro choque cultural. Tinha de ser em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais etc. Não existia onde fazer cursos semelhantes em Santa Catarina, nos anos 60, exceto Direito, em Florianópolis. A capital paulistana, já com engarrafamentos homéricos e discutindo quando e de que maneira construir viadutos, avenidas, túneis, metrô etc., ainda era caminhável. Uma maravilha sair domingo cedo para ver e ouvir concertos da Orquestra Sinfônica no centro, passear no Ibirapuera, gastar duas horas no Planetário (lembrando as estrelas que não era possível enxergar em São Paulo), comer um churrasquinho de gato, visitar casinhas de paulistanos amigos em bairros distantes, ouvir a rádio que só tocava música erudita. Era genial. A ca- pital paulista estava no início do que é hoje: uma “monstrópole neuratizante”. Itajubá foi uma surpresa. Primeiro pelo seu território reduzido, apesar de abrigar o Instituto Eletrotécnico de Itajubá (IEI), tão antigo que meu pai sonhava ter um filho formado lá (ele era eletricista). Mais uma vez, vivi a expe- riência de morar numa cidade minúscula, carinhosa, politizada. Andávamos simplesmente. Qualquer lugar da cidade era acessível ao pedestre, que maravi- lha! Tudo isso sem esquecer a pracinha onde os homens andavam num sentido e as mulheres no outro, contornando-a sem parar, apenas trocando olhares e galanteios, até que alguns pares se destacavam. Bicicletas? Poucas, comparando com a Blumenau da época. Casei e em Itajubá nasceu minha primeira filha, Tatiana. Felizmente sau- dável e podendo ser sustentada com o pouco que ganhávamos lecionando, além do aluguel do apartamento herdado em Blumenau. Em 1966 perdi meu pai de câncer (fumava demais) e ganhei uma família pela qual me tornei responsável. 1. Curitiba, do jovem adulto ao idoso e à Pessoa com Deficiência – PcD Na capital do Paraná, a partir dezembro de 1968, iniciei a vida profis- sional e social que agora me permite escrever sobre tantas coisas. Em especial sobre a questão ética do cidadão que procura o exercício da “parrésia”, atento aos problemas dos idosos e pessoas com deficiência, além das crianças e gente com doenças transitoriamente restritivas.
  • 5.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. O aprendizado foi longo, passando pelo exercício de lutas contra proje- tos que consideramos inoportunos. E ele continuou nos três anos na Diretoria de Planejamento da URBS (1986 a 1988), e na diretoria e presidência da Copel (1991 a 1994), assim como em inúmeras atividades jornalísticas e de atuação política e social. Na prefeitura de Curitiba, convivi com especialistas em mobilidade, transporte coletivo e urbanismo. Fui estagiário do governo francês em 1988 e, além disso, viajei muito pelo Brasil e exterior, e aprendi bastante. Problemas familiares colocaram em destaque a situação da pessoa com deficiência, motivando por aí um aprofundamento que não para de avançar nas questões relativas à acessibilidade. 1. O Brasil e as cidades ao final do século XX e início do Terceiro Mi- lênio A principal vitrine que ilustra o desenvolvimento político e cultural, em torno dos direitos humanos e da cidadania, é a cidade. Nela também sentimos a convergência das neuroses mundiais e nacionais, expressas em projetos episó- dicos e propostas educativas circunstanciais. A preocupação com os idosos e as pessoas com deficiência, estranhamen- te, era quase inexistente no Brasil. Ainda na década de 1980 era muito raro perceber essa discussão. Quando muito, havia a luta pelas rampas de acesso a calçadas, ainda que elas não fossem transitáveis. Mais ainda, os passeios eram instrumento de decoração e de cuidados com a permeabilidade do solo. A utilização do petit pavè estava na moda, en- chendo de desenhos pisos que deveriam respeitar as condições de trânsito de pessoas com dificuldades visuais, que tudo confundiam. Detalhes técnicos, como coeficientes de atrito, abrasão, continuidade, resistência a peso, ao clima, facilidades de manutenção etc., eram desprezados. Sempre ficávamos surpresos com os padrões europeus, mas logo enten- díamos o que víamos como uma necessidade para os mutilados de guerra. O Brasil não os tinha em quantidade suficiente para justificar “privilégios”. Acessibilidade e inclusão eram assuntos para ambientes especiais e um pesadelo para os pais, que chegavam a mudar de cidade para encontrar escolas capazes de atender os filhos com deficiência. Em Curitiba um conjunto de es- colas especiais gerou a preocupação com o transporte coletivo de seus alunos, levando-nos a construir um terminal de integração e adaptar uma frota de ôni- bus para o transporte especial na década de 1980. Simplesmente não existia uma preocupação com a pessoa com deficiên- cia, algo notável em projetos de arquitetura, urbanismo, transporte coletivo, escolas e universidades, hospitais etc., sem recursos para a acessibilidade, para a
  • 6.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. inclusão. Essa condição excluía o idoso e a PcD do convívio social, do trabalho, da vida urbana. Os movimentos a favor das pessoas com deficiência eram dispersos e ineficazes. Aos poucos ganharam consistência, ainda mais com a mobilização vinda de outros países, de onde ganhamos lógica e propostas. Paralelamente, o Brasil sentia o peso dos excluídos da lavoura. O crescimento dos aglomerados urbanos decorrentes da migração do campo, somado ao despreparo dos migrantes para enfrentar a vida urbana, as- sim como suas dificuldades em se incluírem na dinâmica, produção e consumo das grandes metrópoles, foram (e ainda são) fatores que pesam na transforma- ção das cidades e, também, em seus orçamentos. No Brasil este é um processo tardio. Em geral, os migrantes brasileiros nas grandes cidades vieram de regiões sem ambiente escolar, sem saneamen- to básico, sem condições profissionais e sociais suficientemente desenvolvidas para que a inclusão desses contingentes ocorresse de forma harmoniosa. Em volta das capitais políticas e econômicas descobrimos cinturões de favelas e de pessoas lutando pelo essencial. Pessoas batalhando pelo mínimo necessário à própria sobrevivência, poucos deles em condições de competir e conquistar lugares melhores na escala social. Acrescentem-se a isto as drogas, as endemias, a subnutrição, a alimentação inadequada, a violência do trânsito e o submundo do crime, produzindo pessoas com inúmeras formas de lesão. O crescimento das grandes metrópoles atuais aconteceu em tempos de crises econômicas e financeiras graves, surpreendendo prefeitos com novas responsabilidades em tempos de poucos recursos. A Constituição Federal de 1988 definiu uma nova ordem na distribuição dos recursos fiscais, mas manteve muitas atribuições aos municípios. Com isto fragilizou-os, apesar de suas enor- mes responsabilidades. A lógica da dependência inibiu inciativas e autonomia, criando uma relação perversa entre cidadãos que não sabem como corrigir suas cidades. Concomitantemente ao processo de redemocratização, o país mergulhou em um processo de hiperinflação, dívidas externas determinadas pelo peso da banca financeira internacional. As prioridades brasileiras deixaram de ser qua- lidade de vida e justiça social. O Brasil demorou demais para sair de suas crises maiores na área eco- nômica, e agora, fruto de uma distribuição perversa dos impostos, inibe ações que atenderiam melhor a população em geral, destacando-se o que é necessário para bem atender suas pessoas carentes de melhor estrutura urbana.
  • 7.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. A educação não se desenvolveu de forma adequada. Escolas insuficientes e mal preparadas são uma das causas da falta de percepção aos problemas ur- banos e de cidadania. Algo distante do que se ensinou desde sempre no Brasil. O pesadelo das pessoas com deficiência e dos idosos continua. A popu- lação de pessoas com mais de 60 anos vem aumentando, assim como a expec- tativa de vida do brasileiro, mas este contingente convive com as guerras do trânsito, da mobilidade, da acessibilidade e da tentativa de inclusão de todos, sem exceção. A pessoa com deficiência e os idosos são vítimas da deseducação, dos erros de planejamento, das obras mal feitas, do gerenciamento ineficaz e, final- mente, da falta de recursos por efeito da corrupção. Há carência de recursos e inexistência de vontade política em relação às suas necessidades. Agravando tudo, portanto, há a demagogia, a corrupção e a pura incom- petência aumentando as contas municipais, desviando prioridades e projetos para setores não essenciais. Um exemplo clássico desse fato é a realização de campeonatos mundiais gerenciados pela FIFA. Essa entidade tem força descomunal, pois além de suas receitas diretas defende conveniências industriais e comerciais internacionais. Assim, constatamos que, graças à mídia fortíssima em torno do futebol, as pes- soas se alienam totalmente, aceitando imposições inacreditáveis geradas por uma entidade dedicada ao esporte profissional. O principal aspecto negativo é a concentração de recursos em projetos não prioritários, principalmente em pa- íses como o Brasil, recém-saído de décadas de crises financeiras e econômicas. Qualquer cidade brasileira ainda tem muito a fazer a favor da pessoa com deficiência. Um exemplo dessa carência é o transporte coletivo urbano e a mo- bilidade dos usuários desse sistema. Não entra na cabeça dos formadores de opinião e dos gerentes municipais que a segurança e as facilidades de trânsito dos pedestres são essenciais à opção pelo “transporte coletivo”. Figura 1: Condições de uma calçada curitibana, mas comum em todas as cidades brasileiras FONTE: Foto do autor, 2012
  • 8.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. Se pensarmos na importância das caminhadas pelas cidades chegaremos ao básico: a falta, a má qualidade e a descontinuidade dos passeios, autênticas faixas de servidão de concessionárias e flagrantemente governadas por auto- ridades externas aos muros e paredes do imóvel. O proprietário do imóvel é o “bode expiatório” da omissão de empresas que deveriam formar consórcios e com racionalidade técnica e gerencial cuidar desses circuitos para pedestres, as calçadas. Entre as calçadas e ruas, as ciclovias. A utilização de bicicletas ressurge com força em países mais desenvolvidos, conscientes da importância do resgate de meios de mobilidade não poluentes. Assim, temos registros e opiniões que se perdem pela absoluta falta de vontade política das lideranças municipais, a quem compete realmente a res- ponsabilidade pela tragédia urbana (atropelamentos, acidentes, poluição, im- postos...) e que têm força para decidir sobre a qualidade das cidades. Na escala social, as atenções se diluem à medida que o cidadão ou cidadã demonstram menos sangue azul ou moedas fortes no bolso e contas bancárias. Além da acessibilidade ao transporte coletivo urbano e às calçadas, sen- timos a péssima acolhida em repartições públicas, agências de concessionárias, bancos, comércio, hospitais, cartórios, principalmente ao idoso e à pessoa com deficiência auditiva. É fácil de entender se lembrarmos que a legislação é poste- rior ao período escolar dos nossos dirigentes, pessoas que não foram educadas para o respeito recíproco. Lendo livros sobre sociedades estrangeiras, e lembrando as lógicas nazis- tas que quase dominaram o mundo no meio do século passado, compreende- mos com facilidade o que é o ser humano. Estamos num momento da história da humanidade em que poderemos retroagir a culturas antigas, primitivas, ou avançar para um período luminoso. A atenção para os direitos e deveres sociais poderá salvar a humanidade do ra- dicalismo religioso e político, bem como da degradação ambiental. Exemplos não faltam ao longo de milênios, desde que alguma coisa se assemelhou à civilização, de que o império de fanáticos é assustador. Nossas aglomerações urbanas mostram, contudo, mais ainda a radicalização da omis- são. Cidades criando blocos gigantescos de concreto, desfiladeiros e espaços co- munitários perigosos apontando para o medo e o isolamento. A PcD precisa exatamente do oposto, de facilidades urbanas, de aceitação e tolerância para demonstrar seu potencial, sempre capaz de surpreender quem quer que seja. Note-se que a pessoa idosa naturalmente se isola à medida que vai perce- bendo suas limitações, o que é péssimo, pois com a experiência que adquiriram
  • 9.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. poderiam ser um reforço importantíssimo na inclusão. Habituamo-nos a ver os “velhos” com curiosidade ou afeto, quando parentes. Mas todos são cidadãos e merecem viver nas cidades sem restrições. E isto é possível? Perfeitamente, desde que nossas autoridades e legisladores tenham essa preocupação. Não existe limite para a engenharia que impeça a criação de so- luções. Nossos urbanistas e arquitetos precisam dar mais espaço para os enge- nheiros e todos eles, aos sociólogos, psicólogos, médicos etc., que saberão orien- tar quem realmente tiver disposição e poder para fazer mudanças, urgentes inclusive. Dentro das cidades temos todos os equipamentos e instalações de que a imensa maioria dos povos modernos precisa para viver bem, mal ou pessima- mente. Tudo depende da vontade política dos administradores públicos e de seus eleitores. Ou seja, as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiên- cia não existiriam se nossos administradores tivessem maior seriedade em seus trabalhos. Normas técnicas? Especialistas? Temo-los em excelente nível e disponí- veis, além de inúmeros fóruns, ONGs etc. Ninguém pode alegar ignorância. Seria até o caso de processar nossas autoridades por desrespeito à legislação existente, mas o Poder Judiciário reagiria de que forma? 1. A luta pela acessibilidade e inclusão, do pedestre ao ciclista Todos são responsáveis devido ao potencial que têm para transformar a vida. A luta pela acessibilidade começa pelo mais simples: as calçadas. Por que, apesar das leis existentes, dos prazos vencidos, das normas técnicas aprovadas, do potencial industrial e dos serviços, continuamos a ter calçadas tão ruins? Algo alarmante no Brasil é o descaso de nossas autoridades com as con- cessionárias de serviços públicos que se utilizam dos passeios, transformados em faixas de servidão. Inacreditavelmente a população convive com desconti- nuidades, falhas, buracos, cabos aéreos etc., sem reagir de forma adequada. A simples aplicação da lei, ainda que injusta, atribuindo ao proprietário do imóvel a obrigação de construir e manter as calçadas, poderia em poucos anos transformar o cenário urbano. Infelizmente a preocupação com a vontade dos eleitores inibe políticos que sonham fazer carreira. Os maiores prejudicados pela omissão das nossas autoridades e dos habi- tantes das cidades são aquelas pessoas que se veem obrigadas a restringir dras- ticamente suas atividades por impedimentos ou riscos insuportáveis de mo- bilidade. Quem pode usa o transporte individual ou táxis, forma também de existência descontínua. É até interessante saber de leis que obrigam as empresas
  • 10.     Duas rodas, quatro rodas, duas pernas, mobilidade urbana. a contratar PcD, mas que ficam sem candidatos aos postos de trabalho diante da impossibilidade de o cidadão se deslocar poucos quarteirões com se- gurança. Não há mistério. Pode ser dito que a carência de desenvolvimento tecno- lógico, de conhecimentos científicos e técnicos, voltados à viabilização do trân- sito de pedestres. Carecemos, acima de tudo, de vontade enérgica das autorida- des e de lideranças civis a favor daqueles que não podem nem usar o transporte coletivo urbano, porque não conseguem sozinhos ir e vir ao ponto de ônibus, em Curitiba e em outras cidades brasileiras. Não existe a necessidade de acrescentar muito ao que sabemos, e os exemplos de desrespeito à legislação existente são flagrantes em Curitiba. Note- -se que isso transcende questões de arquitetura e urbanismo. Convivemos, in- clusive, com o pesadelo da falta de cuidados com cães de guarda. 1. Conclusão As cidades brasileiras precisam de profissionais e cidadãos atentos às ne- cessidades das pessoas com deficiência, aos idosos, às crianças, às pessoas de- bilitadas etc. Temos leis, decretos, normas, regulamentos e estatutos, mas não temos consciência da gravidade da não inclusão dessas pessoas, com segurança e dig- nidade. Esperamos que este livro e as fontes de referências nele presentes contri- buam para os esclarecimentos sobre a tragédia brasileira representada hoje pela mobilidade dos PcDs e idosos. Precisamos nos convencer – um povo pode ser muito mais feliz e saudável se aprender a respeitar o próximo.