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OS CORPOS ENCARNADOS
  NO PASSEIO PÚBLICO
O LADRÃO
Gosto de conversar, gosto muito de conversar, mas não gosto de deixar que os
outros falem. Encontro-me acostumado a estar só, conversando comigo, por
isso quando tenho alguém para conversar continuo falando sem parar.
Acredito que sou confuso, mas na realidade acho que não gosto muito das
pessoas e creio que elas também não gostam de mim. Passo a acreditar
sinceramente que não preciso delas. Nunca tive muita coisa; na realidade antes
eu não tinha nada e as pessoas me tratavam como o nada que eu tinha. Isso me
deixava mal, porque eu queria me aproximar e sentir o contato com as
pessoas, fazer amigos, ter uma namorada, mas absolutamente ninguém me
dava atenção, não demonstravam interesse em iniciar uma amizade comigo e
para completar minha solidão, nenhuma menina bonita sequer me olhava.
Nunca gostei de estudar e permaneço assim. Logo, sempre soube que nunca
seria advogado e muito menos um médico de respeito. Sabia também que não
tinha vocação para ser garoto de programa porque não consigo imaginar uma
velha rica querendo um homem negro, pobre e feio como eu. Sempre soube
que nunca teria ajuda de ninguém por pensar que nesse mundo não existe
solidariedade. Logo decidi que as coisas comigo iriam ser diferentes e são.
                                                                    Continua...
O LADRÃO
Agora eu tenho dinheiro sempre que quero. Posso conseguir um tênis que esteja na
moda, um celular de última geração, qualquer coisa que eu desejar. Sou ladrão, por
profissão e por prazer. Não sei o por quê dessa sensação surgir; sei que a ausência de
um olhar amoroso e de uma compaixão para com o próximo estão presentes e tiram a
culpa dos meus ombros. Hoje, para mim, ver o medo no olhar de uma vítima que não
tem a coragem de dar uma esmola a um necessitado na rua me deixa confortável.
Consigo me divertir como se estivesse me vingando em nome dos pobres. Não uso da
violência, nunca gostei dela e espero não ter que usá-la contra ninguém. Adoro ver o
medo nos outros por ser fácil me impor como ladrão, mas evito bater nas pessoas e
estou sempre munido com uma arma apenas para assustar e, sinceramente, espero
nunca ter que matar ninguém. Nunca chamei um ser de vagabundo por invejar quem é
escolarizado e trabalha direito, isso não me motiva. O verdadeiro núcleo de minha
motivação é sentir o medo do outro e vê-los fazer o que eu mando, submetendo-se a
mim sem ter outra escolha, sem saber que não quero machucá-los. Costumava assaltar
aqui no Passeio Público, mas essa nova administração colocou os guardas municipais
que me olham como se eu fosse atacar alguém a qualquer momento e com o grande
número de pessoas vindo em grupos, percebi que seria muito desgastante e difícil
realizar meu trabalho por aqui. Portanto, decidi parar apenas para descansar e pensar
na vida. Termino por sentar nesses bancos olhando as meninas que passam, às vezes
encontro alguém conhecido para conversar e por vezes passo a noite por aqui,
principalmente quando não quero voltar para casa.
O SORVETEIRO
Faz um bom tempo que vendo picolés e sorvetes aqui no Passeio Público de Fortaleza. Nos dias
atuais, vejo que minhas condições estão bem melhores e vendo muito mais, principalmente nos dias
de domingo, quando as crianças aparecem em grande número. Elas sempre me tratam bem. Na
verdade, todos me tratam agradavelmente por aqui. Me sinto velho, desgastado, sem ânimo ou
coragem para andar por toda a cidade vendendo meus produtos. Aqui, o público é garantido e não
preciso me locomover com tanta frequência e, quando o cansaço bate, sento em um desses bancos
para descansar. Mesmo quando escolho uma dessas sombras para me encostar e descansar os
braços, depois de tanto empurrar esse carrinho pesado, as pessoas vêm comprar e terminam por
conversar comigo. Quando menos espero estou fazendo uma amizade, contando histórias de vida e
conhecendo um pouco mais dessas pessoas. Com minha coragem se esvaindo, a velhice chegando e
o cansaço aparecendo cada vez mais, não consigo trabalhar todos os dias como antigamente, quando
conseguia vender nas praias da cidade, em todo o centro, principalmente, na Praça do Ferreira. Hoje,
venho ao Passeio Público aos sábados e aos domingos. Costumava andar pelas ruas dessa linda
Fortaleza com meu carrinho e, quando o final da tarde chegava, minhas pernas apresentavam o
início de exaustão e eu vinha para o Passeio descansar. Passei a aparecer tanto por aqui que todos os
ladrões me conheciam e me deixavam tranquilo, todas as garotas de programa me respeitavam e às
vezes dava alguns picolés para elas para me deixarem em paz e não me oferecerem mais os seus
serviços. Comecei a interagir mais com os fregueses do lugar durante os anos como vendedor,
principalmente, quando as moças vêm comprar, quando são bonitas faço um preço mais acessível e
se me chamam de “tio”, me sinto com mais liberdade e solto algumas brincadeiras e cantadas, mas
se for feia e já com alguns anos de vida, como a minha mulher, deixo o preço convencional e nem
converso muito.
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O SORVETEIRO
Gosto do que faço, nunca ganhei muito dinheiro e nem quis ser um
homem rico cheio de luxo. Todo meu trabalho honesto me deu o
suficiente para criar meus filhos com o pouco que precisam para
serem felizes. É interessante o fato de eu sempre querer ser
sorveteiro, desde menino. Adorava sorvete quando criança e
minha mãe nunca podia comprar e dava a desculpa de que eu era
muito novo para comer aquelas coisas, isso me inspirava a dizer
que quando crescesse seria vendedor de sorvete e picolé para poder
comer quantos eu quisesse. Minha mãe era dona de uma barraca no
centro, logo, desde pequeno, sempre ia com ela para ajudar nas
vendas e conheci todas as ruas dali que passaram a ser minha
segunda casa. Quando comprei meu primeiro carrinho de vendas e
iniciei meus trabalhos senti uma facilidade enorme por conta desse
fato que me fazia lembrar tanto de minha mãe.
O SOLDADO
Tenho vinte e quatro anos e sou soldado desde os dezoito. Eu gosto dessa minha escolha de
profissão, apesar de ficar muito tempo fora de casa e sentir saudades dos meus pais e também do
meu cachorro. Mas a saudade que mais me arremata é a de minha noiva. Começamos a namorar
muito cedo ambos com apenas quinze anos de idade e, desde então, não conseguimos nos separar.
No momento, estamos juntos no coração por causa de todo o tempo que fico distante em serviço pelo
exército e ela passa muito tempo sozinha sentindo minha falta e eu a dela. Sei que sou bruto e um
tanto grosseiro para conseguir falar com delicadeza coisas bonitas para minha amada e, por vezes,
percebo que não consigo dizer o tamanho da saudade que sinto dela. Sempre que pode, ela vem aqui
no Passeio Público que fica logo ao lado do quartel, parede com parede, geralmente aos domingos
para podermos saciar um pouco a vontade enorme de estarmos juntos. Toda vez que a vejo prometo
que um dia iremos nos casar e que esse dia não tardará a chegar. Falo com toda convicção o que
sinto, esperando que esse dia chegue logo e que ela acredite em mim. Falo com sinceridade e nunca
penso em enganá-la.
Nós, soldados desse quartel, não podemos sair para muito longe nas noites de folga. Quando posso,
venho para o Passeio Público e fico pensando nela. A saudade é tanta que, quando menos percebo,
estou escrevendo nosso nome naquela enorme e larga árvore. Não gosto de falar muito, mas no dia
que Deus me der a graça de prover uma vida digna e boa para ela, vou conseguir dizer a ela o quanto
ela é importante para mim. Mas um homem tem necessidades, fico muito tempo só e preciso me
ocupar, portanto, em algumas noites de folga eu e alguns amigos do quartel nos juntamos para
paquerar algumas moças que vem ao Passeio, só para isso, para tentar ter algo com alguns de nós.
Elas sabem que a maioria tem namoradas ou esposas e não ligam, já sabem que se não conseguir algo
mais sério pelo menos terão uma diversão com soldados.
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O SOLDADO
Eu amo e respeito muito a minha namorada, não me entenda mal,
mas essas relações mais íntimas eu só posso ter com ela depois do
casamento. Enquanto isso, vou me divertindo com essas moças que
aparecem por aqui. É difícil rejeitá-las porque elas vêm preparadas
para ficar o dia inteiro paquerando com a gente durante o serviço, e
esperam ansiosas por nossas folgas, uma tentação muito complicada
de suportar.
Além dessas relações que tenho com as mulheres dentro do Passeio
Público, seja com minha noiva ou com alguma das moças que
aparecem, gosto bastante deste lugar que é tranquilo e me
proporciona um ambiente favorável para colocar as ideias em dia e
tentar pensar em um futuro bom. E tem o ar daqui que é limpo e, de
verdade, diferente do ar das ruas de Fortaleza que parece ser uma
fumaça pura.
A MOÇA BONITA
Toda vez que venho ao Passeio Público sinto como se estivesse em outra cidade, como se por alguns
momentos conseguisse sair de Fortaleza e viajar para um lugar tranquilo e cheio de natureza linda e
preservada. As árvores daqui sempre me encantam bastante e ajudam a tornar o lugar mais livre. Um dos
motivos que me fazem vir com frequência é o fato de ser um lugar aonde as pessoas parecem me respeitar
mais, onde sinto uma sensação de liberdade maior, isso porque tenho uma relação homossexual. Venho
com minha namorada e nós passamos horas por aqui sem perceber o tempo passar. Sentimos uma
segurança enorme pela presença dos guardas municipais que nos tratam muito bem. Além disso, o lugar
tem uma beleza que não cansa e um lanche muito gostoso no novo restaurante que foi instalado no
quiosque. É um lugar perfeito para que nós possamos curtir um tempo juntas, sem sermos perturbadas
por preconceitos. Estamos juntas há dois anos e, desde o início de nosso namoro, frequentamos o lugar. Já
aparecemos por aqui em todos os dias da semana: nos que estão vazios e nos cheios. O tratamento é o
mesmo, não sofremos distinção alguma mesmo com os públicos diferentes que aparecem todos os dias.
Nos dias de sábado, quando acontecem aquelas feijoadas que fazem com que o lugar se encha de gente e,
também nos domingos, quando as histórias contadas alegram as crianças, também percebo uma boa
recepção e liberdade. Minha companheira toca cavaquinho e em alguns dias chegamos aqui e ela começa
a tocar chorinho e eu a admiro com muita felicidade.
Esse lugar me faz ter mais esperança de igualdade, pela forma como sou tratada aqui. Todas as pessoas
parecem se tratarem bem, como se todos os preconceitos e temores ficassem do lado de fora, separados
pelas grades; como se os sentimentos negativos não conseguissem sobreviver dentro das ruas do Passeio.
Parece que há uma chance de que todas as pessoas sejam educadas e aceitem bem todas as opções de cada
um, seja ela qual for, tanto de estilo de se vestir como de opção sexual. É como se aqui fosse um lugar de
gente do bem, pessoas de verdade que respeitam as outras como deveria ser no mundo inteiro, gostando
de estar na presença de quem quer que seja, fazendo o que for. Me sinto em outra cidade mesmo, fora da
realidade das ruas de Fortaleza.
O MÉDICO
Sou membro de uma família simples, que migrou de uma cidade do interior para o Rio de Janeiro. Estávamos
passando por uma crise financeira quando nos víamos em uma situação precária e meus pais se sentiram na
obrigação de tomar uma decisão difícil diante desse momento decisivo em nossas vidas. Mesmo naquela cidade
grande e cheia de promessas, a situação não melhorou, meu pai teve de vender o pouco que tinha para que ele
pudesse levar sua esposa e os seis filhos para a cidade de Fortaleza e tentar uma nova vida, na tentativa de
conseguir uma vida digna novamente. Essa decisão não foi fácil, minha avó morava no quintal de nossa casa e
presenciava nosso sofrimento, diariamente, sem poder fazer nada. No dia vinte e dois de novembro, quando eu
tinha treze anos de idade, meu pai tomou sua decisão de migrar para esta nova cidade nordestina. Contudo, ele
percebeu que o dinheiro que tinha não daria para levar todos juntos. Logo, juntamente com a minha avó, ele
decidiu que iria na frente comigo e com minha irmã mais nova, deixando meus quatro irmãos esperando. Esse
dia em que tivemos de nos separar foi o pior de minha vida. Deixá-los para trás foi um sofrimento enorme por
sermos muito apegados e o fato de nunca termos nos separado antes. Minha mãe não tinha muito o que falar e
apenas chorava e arrumava as malas para seguir conosco, confiando nas palavras de meu pai que afirmava
voltar para pegá-los assim que pudesse. Foi muito difícil para minha mãe deixar os seus filhos para trás.
Chegamos em Fortaleza, meu pai logo conseguiu um casebre muito pequeno e bagunçado para morarmos e
sempre nos confortava dizendo que aquilo era apenas o começo e em breve tudo iria melhorar. Ele sempre foi
muito confiante e passava uma segurança muito grande para mim e para minha irmã mais nova. Nos sentíamos
com uma ótima autoestima que nos impulsionava a ajudá-lo confiando que tudo ficaria bem. Via meu pai sair
para procurar emprego, vestindo sua melhor roupa que transparecia toda a sua simplicidade e humildade. Por
diversas vezes o vi voltando com um ar triste e sem emprego. Um dia chegou em casa dizendo que nós dois
precisávamos estudar, sem estudo não iríamos conseguir nada na vida. Ele convenceu a minha mãe de ir
procurar vagas nas escolas próximas. Como nunca havíamos estudado antes, minha mãe teve de enfrentar uma
burocracia enorme para conseguir nos colocar na escola, toda a determinação e paciência dela fez com que nós
começássemos a estudar.
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O MÉDICO
Durante meu período de escolarização sofri humilhações e desprezo por parte dos colegas
de turma por ser uma pessoa simples e não ter como comprar as roupas da moda e não ser
como os outros. Até o Ensino Médio foi assim, tive de suportar intrigas e o menosprezo dos
outros colegas. Constantemente penso na força que meu pai me dava para eu conseguir
continuar estudando, apesar de tudo. Tive que passar por alguns supletivos cheios de
provas para alcançar os alunos de minha idade e compensar os anos que fiquei sem
estudar. Fui bem. Estava cursando o primeiro ano do Ensino Médio quando consegui uma
vaga como vendedor de cachorro quente aqui no Passeio Público. Um senhor amigo de
meu pai anunciou que precisava de ajuda e logo ele me indicou. Com o dinheiro que
recebia comecei a ajudar em casa. Meu pai havia começado a trabalhar como ajudante de
pedreiro e tudo parecia melhorar em nossas vidas. Foi quando recebemos uma terrível
notícia de que meu irmão do meio estava com febre amarela, não sabíamos muito sobre
aquela doença e meu pai pensava que era apenas uma doença comum e todos nós
pensávamos que logo ele estaria bem. Contudo, em pouco tempo, recebemos a notícia de
que ele havia falecido. Foi um dos dias mais tristes de minha vida. Senti a necessidade de
fazer um juramento que iria estudar para conseguir ser médico e ajudar as pessoas
enfermas. Estudei e consegui passar para o curso de medicina na Universidade Federal do
Ceará, continuei meu trabalho de vendedor aqui no Passeio Público, enquanto estudava na
universidade. Hoje, sou médico e preservo o hábito de visitar esse lugar tão especial, que
me acompanhou durante toda a minha estadia nesta cidade, e que me faz lembrar de tudo
que passei para chegar aonde estou hoje.
OS AMIGOS AMANTES
Conheci esse amor há um bom tempo, nunca tivemos o hábito de conversar muito porque, na
verdade, eu o via como um soldado metido e inconveniente. Ele acreditava ser melhor do que
os outros por causa de sua profissão. Nos víamos bastante pelo fato de nossas famílias serem
amigas. Em um belo dia vim ao Passeio Público e o vi do outro lado da grade, que delimita os
fundos do lugar; ele estava trabalhando juntamente com os outros soldados e de repente
percebi o quanto o achava bonito. Fui até a fronteira entre o Passeio Público e o quartel para
entrar em contato com ele. Com uma facilidade inesperada começamos a conversar e, a partir
dali, iniciamos uma amizade. Passei a frequentar mais o lugar só para encontrar com ele, e
logo passei a confiar plenamente nele, confidenciando-lhe todos os meus segredos e tudo o
que me acontecia. Nossos contatos geralmente aconteciam entre as grades, e ele também
passou a confiar em mim. Eu escutava com muita atenção a todas as suas histórias e passei a
amar os nossos encontros. Frequentemente, ele contava como eram os encontros que tinha
com as meninas que iam ao Passeio Público para flertar com os soldados. Mas, com o tempo,
fui sentindo ciúmes. Fui sentindo que estava começando a gostar muito dele e que esperava
algo para além das palavras de amizade, o sentimento foi aumentando como nunca antes.
Um dia fui ao Passeio bastante determinada. Entreguei a um amigo soldado uma carta para
ser entregue nas mãos dele e nela declarava todo o sentimento que estava crescendo dentro
de mim. Voltei no dia seguinte e fui surpreendida por um beijo inesquecível. Hoje somos
casados há três anos e voltamos com frequência ao Passeio Público para namorar e relembrar
o início de nossa história.
A GRÁVIDA
Há exatamente vinte e quarto anos, quando tinha apenas quinze anos de idade, conheci o grande amor da
minha vida aqui no Passeio Público. Durante uma visita do colégio no qual estudávamos, conheci esse
maravilhoso lugar. Tivemos a oportunidade de nos conhecer e logo aflorou uma paixão enorme, de tirar os
nossos fôlegos. Sentíamos vontade de estar perto o tempo inteiro. Rapidamente começamos um namoro
que durou cinco anos de forma escondida, pois meu pai não aceitava a nossa união. O Passeio Público era
o lugar que escolhemos para realizar nossos encontros escondidos, todos os sábados e domingos. Nada
poderia impedir nosso amor de continuar. Fiz vinte anos e já estava cursando o quarto semestre da
faculdade, quando descobri que estava grávida. Essa notícia mudou tudo naquele momento; minha vida
de repente ficou diferente, o medo da reação de meu pai era paralisante e imaginava tudo o de mais
terrível, até a morte. Além disso, o medo de não conseguir me formar na universidade era também
constante, não conseguia me imaginar sem alcançar esse sonho por causa de uma gravidez. Fui conversar
com meu amor, contei toda a história e todos os meus medos. O meu companheiro me entendeu
completamente e o seu apoio foi total. Decidimos juntos que teríamos aquela criança e faríamos o possível
para que todos os nossos sonhos se tornassem realidade e que iríamos enfrentar nossos pais para que
pudéssemos finalmente nos casar.
O encontro com minha família foi árduo, uma verdadeira confusão. O conservadorismo de meu pai o
cegava a ponto de pensar apenas na vergonha que sentia de ter uma filha grávida sem estar casada. Para
ele, aquilo era uma tremenda tragédia para toda a nossa família, como se eu estivesse sujando toda a nossa
reputação. Contudo, minha doce mãe conseguiu aos poucos convencê-lo de que o importante era a nossa
saúde e a chegada de um neto. As coisas foram melhorando e recebi a bênção para casar com o pai de
minha filha. O amor de meu companheiro por mim era tão grande que o fez decidir trancar a sua
faculdade para ajudar com nossa bebê, a fim de que eu pudesse terminar minha graduação como sempre
havia sonhado. Hoje, tenho mestrado e estamos casados há vinte anos. Minha filha que é fruto de toda
nossa batalha e amor, é graduanda na Universidade Federal do Ceará e me acompanha todos os domingos
ao Passeio Público para contarmos histórias para as crianças que vêm com tanto entusiasmo e alegria para
este lugar.
A GAROTA PERSEVERANTE

Tinha apenas treze anos de idade quando em uma ida a um dos passeios da escola conheci um
garoto de dezesseis anos de uma turma mais avançada. Em pouco tempo nos tornamos muito amigos
e fomos percebendo que ambos estávamos apaixonados. Falei que ele precisava falar com meu pai
para pedir a minha mão em namoro. Para a minha surpresa, a arrogância e o moralismo presentes
por parte de um pai ausente foram mais fortes do que eu imaginava. Fomos proibidos de namorar,
porque meu pretendente não trabalhava e, portanto, era considerado um vagabundo. Tudo o que eu
mais queria era estar perto do garoto que me tratou com respeito e carinho, como nunca havia sido
tratada antes. Não consegui me afastar dele e logo meu pai começou a me privar de minha vida
social. Foi quando entramos de férias que sofri um susto inimaginável. Fui passear com a minha
família em uma pequena cidade em outro um estado e depois de um bom tempo de diversão meu
pai anunciou que eu e meus irmãos iríamos ficar morando ali e não voltaríamos mais para Fortaleza.
Ele e minha mãe voltaram à cidade apenas para pegar nossas coisas e fazer as transferências de
colégio. Me falaram que a razão de nossa mudança era para que meu pai pudesse desfrutar de sua
aposentadoria em uma cidade mais pacata, sem muitos problemas. Mas eu sabia, que no fundo, ele
também queria me ver longe do garoto que tanto eu amava e durante trinta anos sofri nessa nova
cidade do interior tentando em vão encontrá-lo.
Consegui retornar para Fortaleza e há um ano atrás encontrei o garoto em uma rede social na
internet. Com muita esperança deixei um recado para ele a fim de saber se ainda lembrava de mim e
do rápido romance que vivemos. Para a minha surpresa ele havia sofrido também com minha
ausência. Passamos algum tempo conversando por meios virtuais até que decidimos nos
reencontrarmos no Passeio Público. O momento de nosso encontro foi inesquecível. Com muita
emoção nos abraçamos e nos beijamos sem acreditar que tudo aquilo era verdade. Aquele foi
certamente um dos dias mais felizes de minha vida. Hoje, estamos casados e bem realizados no amor.
A PROSTITUTA
Sou garota de programa. Tenho apenas vinte e cinco anos e desde os dezoito que recebo dinheiro em troca
de favores sexuais. Não comecei a fazer isso por escolha própria e nunca sonhei em ser prostituta. O início
de minha história nessa profissão aconteceu quando me apaixonei aos dezesseis anos por um homem que
não tinha muitas coisas e era muito simples, mas ele me amava e nós estávamos em um romance incrível.
Por diversas vezes me encontrava com esse rapaz e como em um acidente inesperado, eu engravidei. Me
vi sem saída e logo que contei o fato ao meu companheiro, ele desapareceu. Nunca mais tive notícias dele.
Precisei contar sobre a gravidez ao meu pai, ele era o único que poderia me ajudar. Para agravar ainda
mais a minha situação, ele não quis saber de conversa alguma e com muito ódio no olhar e nas palavras
disse que eu teria de me virar sozinha. Entrei em desespero, não havia estudado e não sabia fazer nada,
nem empregada poderia ser, porque não sabia cozinhar direito. A única saída que encontrei foi a de ir até
uma das grandes avenidas de Fortaleza e começar a oferecer meu corpo em troca de algum dinheiro.
Conheci uma garota que estava em uma situação parecida com a minha, sozinha no mundo, precisando de
dinheiro, e logo ficamos amigas. Ela me explicou que havia um lugar no centro que tinham bons clientes e
era mais seguro do que as avenidas. Foi assim que conheci o Passeio Público. Passei muitos anos aqui, a
clientela é garantida, o dinheiro é bom e em pouco tempo me tornei uma profissional.
Hoje em dia, depois da reforma do Passeio Público feita pela prefeita, não posso mais fazer meus serviços
dentro do Passeio Público. Antes eu e as outras garotas que ficam por aqui não precisávamos pagar um
motel pra fazer os serviços, porque os homens não se importavam em ficar pelos bancos mais escondidos
do lugar. Agora, a gente tem que conversar com eles aqui dentro e combinar o preço para poder sair para
algum dos motéis baratos que ficam do outro lado da rua. Já me acostumei com o serviço e sei fazer bem,
não amo o que faço e nem me orgulho dele, mas sei que é a única maneira que tenho para cuidar de meu
filho. O que me incomoda é o preconceito das pessoas que não têm a mínima noção do por quê estou aqui,
como garota de programa. Elas pensam que eu gosto e escolhi com felicidade essa profissão. A falta de
respeito me incomoda e tenho medo de que isso afete meu filho. Este é o fator que me motiva a sair dessa
vida, antes que ele comece a entender qual é o meu trabalho e comece a sofrer por isso.
O CASAL
Estava cursando o segundo ano de Engenharia Civil, no ano de 2003, quando tive de me mudar para essa
linda cidade de Fortaleza. Como um novato, cheguei à faculdade sem conhecer ninguém e com vontade de
conhecer mais pessoas. Nunca tive dificuldade para fazer amigos, sou bem sociável e gosto de conversar.
Vi que foi fácil conhecer algumas pessoas e me sentir como se estivesse em casa. As meninas da minha
turma eram amigáveis e muito bonitas, mas tinha uma que me chamava muita atenção e eu precisava me
aproximar dela. Consegui conversar com ela e para a minha tristeza, ela estava a fim de outro rapaz de
nossa turma. Como não queria perder o contato com ela, ajudei-a a encontrar-se com o garoto e fazer com
que eles se conhecessem melhor. Este foi o meio que encontrei para ficar mais próximo dela. Eles
começaram a ficar juntos e ela me contava tudo, eu era o único que sabia de tudo e mantinha tudo em
segredo, porque ela não queria que ninguém soubesse. Tudo era escondido dos pais dela que acreditavam
que a filha era uma verdadeira menina quieta, que apenas pensava em estudar. Eu comecei a namorar com
uma amiga dela, que era muito legal, mas não me encantava completamente. O cara se mostrou muito
grosseiro, não tinha paciência e a traía com outras garotas, mas ela aguentava tudo por gostar dele. Um
dia, ele recebeu a noticia de que teria de se mudar para outra cidade e, com um alívio, me enchi de
felicidade. Eu queria estar com ela, mas percebi durante esse tempo que ela era muito namoradeira e logo
que ficou solteira passou a se relacionar com vários garotos, toda semana ela tinha uma paixão diferente.
Fiquei sem coragem de terminar meu namoro para investir em alguém que não parecia querer ficar com
alguém. Mas a minha vontade de estar com ela era tão grande que foi me consumindo aos poucos. Decidi
chamá-la para me encontrar no Passeio Público, conversamos e me declarei a ela. Ela também me
confessou que sempre quis ficar comigo, nos beijamos e nos abraçamos como se estivéssemos enamorados
por muitos anos. Demorei para terminar o namoro, mas consegui confiar nela o suficiente para acabar com
o meu outro relacionamento e continuar o meu tão esperado romance. Passamos a nos encontrar todas as
quintas-feiras, às nove horas da noite. Começamos a namorar em pouco tempo e já fazem dois anos que
estamos juntos. Preservamos nossas vindas ao Passeio Público e tivemos o prazer de participar da
revitalização do lugar que é tão importante para nossa história, por ter sido o primeiro lugar onde ficamos
juntos.
A DIRETORA
Sou diretora de uma escola da região metropolitana de Fortaleza, gosto muito da
história do Ceará e fico triste por ela ser tão negligenciada nas escolas. Acredito que
deveriam dar mais atenção a essa matéria tão importante, saber das origens do local
onde moramos e muitos nasceram. A história é essencial para compreendermos melhor
a cidade atualmente. Gosto de incentivar o conhecimento através de idas aos locais
históricos de Fortaleza. Vou pessoalmente com os meninos às visitas. O Passeio Público
é um dos meus preferidos. Trago as crianças para cá, juntamente com suas professoras,
e fazemos piquenique, contamos histórias sobre a cidade e sobre o local de forma
interativa, para que eles possam imaginar como aconteceram as coisas por aqui. Eles
adoram, fazem perguntas e demonstram verdadeiro interesse nas histórias e nas
oficinas de artesanato e de construção de brinquedos que fazemos com eles aqui no
Passeio. É um lugar tranquilo e seguro que fornece espaço para que possamos fazer
essas atividades tão importantes para o crescimento dos alunos. Quando chegamos
aqui, as crianças logo correm para aquela árvore enorme, chamada baobá, que fica na
entrada, querem abraçar, subir nos caules que ficam para fora da terra e adoram bater
fotos com ela. Eles nos perguntam sobre o por quê dos nomes escritos no tronco e
também querem deixar nele as suas marcas. Eu e as professoras ficamos muito felizes
em ver o interesse dos alunos por locais históricos; vê-los correndo pelas ruas do
Passeio Público é uma verdadeira alegria e faz com que me eu me sinta realizada como
educadora.
O MENDIGO
Sou morador de rua e frequento o Passeio Público há mais de dez anos. Penso ter quase trinta e
quatro anos de vida, não tenho certeza. Os bancos daqui são ótimos para dormir e o lugar é
tranquilo. À noite não tem muitos guardas pra ficarem interrompendo meu sono e ninguém
aparece para mexer comigo. Nos dias de domingo me sinto muito feliz, muita gente me ajuda e
as pessoas me dão comida, trazem roupas e alguns acessórios. Essa gente me conhece e me
trata bem, sou boa pessoa e faço por onde ser bem tratado por acreditar que é preciso ser
gentil. O guarda que fica aqui durante as noites da semana já é meu amigo e me protege, não
deixa ninguém fazer maldade comigo. O lugar é bom para dormir, é bem ventilado, tranquilo,
mas nem sempre foi assim. Antes da reforma que foi feita por aqui, as garotas de programa e
os viciados faziam muito barulho e algazarra dentro do Passeio e o deixavam aos pedaços.
Hoje em dia, parece ser outro lugar, muito diferente. Consigo dormir sem problemas e sonho
todas as noites.
Sou mendigo mas não deixo de fazer meu trabalho. Recolho todo o material reciclável que
encontro pelas ruas do centro durante o dia e tenho meu carrinho para armazenar tudo que
encontro. Como não posso entrar com ele dentro do Passeio, ele fica do lado de fora e o guarda
fica olhando. Tenho um companheiro, meu cachorro, que me companha em todos os lugares
para onde vou e me faz companhia, até quando venho dormir aqui nos bancos. Não fico
reclamando por estar sem dinheiro, o pouco que recebo pela troca dos materiais recicláveis
serve para que eu possa comprar minha comida e as moedas que recebo das pessoas na rua,
ajudam a completar para as minhas refeições. Sou feliz, não tenho nenhuma doença e sempre
me cuido para não pegar nada. Sinto-me livre, tenho amigos moradores de rua por todo o
centro da cidade e todos os cachorros gostam de mim.
O ARTISTA
Sou artista de rua há oito anos, trabalho nas ruas de Fortaleza vendendo minha arte. Faço artesanato,
sou malabarista profissional e conto histórias para crianças aqui no Passeio Público. Antigamente eu
tinha um pequeno preconceito com esse lugar, sempre que passava via algumas pessoas mal
encaradas e não me sentia à vontade para entrar. Depois de 2007, quando a atual prefeita fez a
reforma no lugar, eu passei a criar um certo afeto pelo Passeio Público, poderia até dizer que me
sinto apegado ao ambiente, às árvores, principalmente, ao baobá, aos bancos e estátuas. A princípio
foi difícil criar um vínculo com o Passeio. Quando fui convidado a contar histórias aqui, quase
ninguém vinha. A organizadora dizia que a divulgação ainda estava lenta e muita gente não
acreditava ou não sabia da mudança que havia ocorrido e, portanto, tinham receio de entrar. Recebi
muito apoio de meus colegas de trabalho que passaram a vir e aos poucos meu medo do lugar foi
passando e pude transmitir aos que vinham, toda uma alegria através de histórias. Comecei a me
identificar com o lugar e, logo resolvi chamar meus amigos para virem contemplar as atividades que
ocorriam diariamente. Todos gostavam e falavam que não imaginavam que o Passeio Público
estivesse tão diferente e renovado. Começamos a divulgar as nossas atividades nas escolas em que
trabalhávamos e em ONGs parceiras que conhecíamos, percebemos que os alunos poderiam
aprender bastante neste lugar e, também, por ser um ambiente com o conforto para os estudantes.
Consegui trazer inclusive a escola de teatro onde comecei a lecionar e todos adoravam. Até os dias de
hoje, quando trago alguém novo, não canso de me satisfazer com a felicidade e a surpresa das
pessoas.
Com o tempo, o público foi ficando cada vez mais diversificado e alguns músicos amigos começaram
a aparecer e a trazer pessoas de todos os ramos da música. Os tocadores de chorinho adotaram o
lugar para tocar aos sábados, quando passou a acontecer a hoje tradicional feijoada. Quando vejo
tudo isso acontecendo, me sinto muito feliz de ter participado do início de tudo e espero poder
permanecer por quanto tempo puder e que minha arte me acompanhe sempre nessa jornada.
A CRIANÇA
Já faz algum tempo que meu pai começou a trazer eu e meu irmão para brincar aqui no
Passeio Público aos domingos. Desde a primeira vez que eu vim, me sinto feliz aqui dentro, é
divertido e podemos andar de bicicleta à vontade porque tem umas ruas bem grandes e são
protegidas por grades, o que deixa meu pai mais tranquilo. A gente brinca de muitas coisas
aqui dentro. Onde nós moramos não tem espaço pra correr assim e não tem essas árvores
grandes. Toda vez que venho, tem uma moça muito bonita que usa uma maquiagem bastante
colorida e conta histórias muito interessantes. Às vezes ela usa alguns bonecos e tudo fica
mais divertido. Meu pai traz uma toalha bem grande e uma cesta cheia de comidas gostosas
para que a gente fique até o final da tarde. Tem uns moços que passam vendendo picolé e
toda vez que nós nos comportamos bem, meu pai compra um para cada, é justo porque nós
somos bem comportados. Enquanto a diversão acontece para nós, meu pai fica sentado no
restaurante que tem no quiosque vermelho do Passeio Público e bebe cerveja conversando
com alguns amigos. É legal porque ele se ocupa e a gente brinca com os filhos dos amigos
dele. Terminamos fazendo várias amizades, isso é bom porque às vezes tenho que vir só,
como hoje, e brinco com as outras crianças.
Minha parte preferida é aquela perto da árvore gigante, tem uma fonte lá que parece uma
piscina e se fosse mais limpa e com mais água, eu pularia para nadar um pouco. Meu pai
sempre diz que é sujo e que eu posso ficar doente se entrar ali, Fico apenas olhando a água
parada, imaginando como seria um banho de fonte. Hoje está um pouco diferente porque meu
irmão não veio porque se machucou e não conseguiu ficar bem para vir e não tem muitas
crianças para brincar. Minha mãe já me deu meu almoço e estou começando a ficar cansada.
Quando acontece de ter dias assim, sempre vou me deitar na nossa toalha ali na sombra e
durmo um pouco.
O COMERCIANTE
Trabalho aqui em uma dessas lojas de eletrodomésticos e derivados, no meio do centro de
Fortaleza, onde o sol parece ser mais presente que em todas as outras ruas. Chego cedo para
trabalhar. Às sete e trinta já estou abrindo os portões da loja, com todos os produtos bem
colocados nas estantes das vitrines e os fregueses já estão à espera para checar as novas
promoções. É bem desgastante, tem dias que entro em contato com mais de trinta pessoas em
apenas uma manhã e não vendo nada, e em outros dias abençoados, vendo até os mais caros
dos produtos. A hora do almoço é uma das mais esperadas, é o intervalo do dia quando posso
parar em algum lugar para tranquilamente recarregar minhas energias. Tem alguns
vendedores aqui que almoçam muito rápido, não saem da loja e por vezes dormem nos
armazéns da loja que são fechados e escuros. Eu tenho o prazer de pegar minha marmita que
chega na loja todas as manhãs e venho até o Passeio Público. Escolho o banquinho verde com
mais sombra, de preferência um dos que ficam perto da avenida Caio Prado, para poder sentir
melhor a brisa do mar invadindo o lugar e balançando as árvores. É indescritível o modo como
a comida parece ser incrivelmente mais gostosa quando venho almoçar por aqui, e assim que
termino, jogo o recipiente da marmita no lixo e deito no banquinho verde com o boné no rosto.
Consigo dormir um sono de meia hora que completa todo o processo de recarga de energia e
vou para a loja voltar a trabalhar.
Não sou o único a fazer isso, alguns colegas de trabalho e muitos outros de outras lojas do
centro, preferem vir aqui na hora do almoço para descansar. Faço de tudo para chegar o mais
cedo possível, porque se me atrasar um pouco, os bancos com mais sombra já estão tomados
por outros trabalhadores do centro. O Passeio Público é o único lugar aqui perto do centro que
tem silêncio, sombra e um vento constante que vem do mar. Isso para quem trabalha em meio
à loucura do centro da cidade de Fortaleza é um verdadeiro paraíso na Terra.
O TURISTA
Sou de Brasília, me casei com um cearense que se mudou para minha cidade há alguns anos
atrás e desde então venho ao nordeste para conhecer as lindas praias desse litoral brasileiro.
Adoro o Ceará, acredito que aqui seja uma terra verdadeiramente abençoada com beleza e as
pessoas me encantam com sua alegria e receptividade. Sempre me dei muito bem com minha
sogra e ela faz questão de me levar sempre a algum ponto turístico de Fortaleza. Dessa vez,
ela decidiu me trazer aqui ao Passeio Público, essa praça tão verde e ventilada. Preciso
confessar que quando vim pela pela primeira vez, senti um certo medo ao vê-la dirigindo em
direção ao centro da cidade que é tão sujo e cheio de movimento, mas logo me tranquilizei
quando ela estacionou ao lado desse lugar tão lindo, com uma aparência organizada e limpo.
Não tinha nada acontecendo, eram apenas os inúmeros bancos verdes, as luminárias com
estilo retrô e uma decoração clássica com estátuas gregas e fontes espalhadas pelas avenidas
do lugar. Mas, o que realmente me chamou a atenção e me deixou paralisada por alguns
segundos foi aquela árvore chamada baobá. A expansão como um todo dela me encantou,
fomos juntas escrever nossos nomes no largo tronco e não consegui evitar, me veio uma
vontade súbita de abraçá-la e não resisti. Foi um momento único e cheio de energia, nunca irei
esquecer esse meu primeiro contato com o Passeio Público.
Desde então, já vim duas vezes aos sábados para comer a deliciosa e tradicional feijoada e
beber uma cerveja gelada escutando uma boa música. Me impressiono com o preço das coisas
aqui, tudo é acessível e com qualidade. Já está se tornando um hábito meu e de meu marido
vir ao Passeio Público para relaxarmos e aproveitarmos os dias ensolarados e ventilados do
nordeste. Se algum dia eu decidir me mudar de vez para cá, irei, com certeza, frequentar o
Passeio Público todas as semanas.
A FREIRA
Sou religiosa, sirvo como freira da igreja católica há bastante tempo. Tenho cinquenta e cinco anos
e também trabalho como professora em uma grande escola daqui de Fortaleza. Gosto bastante do
que faço e de minha cidade. Conheço o Passeio Público há muito tempo e hoje estou aqui por uma
ocasião especial: uma das irmãs que trabalha comigo está doente e teve de ser internada na Santa
Casa de Misericórdia que fica aqui do outro lado da rua. Somos muito amigas e assim que ela
adoeceu prometi que iria acompanhá-la durante todo o processo de cura. Agora que ela está
internada fico aqui todos os dias e presencio todo o tratamento que ela está recebendo. Isso é um
tanto desgastante para ela e para mim também. Quando ela consegue dormir, aproveito para vir
aqui no Passeio Público fazer as minhas orações com mais tranquilidade e respirar esse ar puro e
refletir um pouco sobre o estado em que se encontra esse hospital. A situação em que se
encontram as pessoas lá dentro é complexa, a miséria está presente em todos os cantos, pessoas
adoentadas encostadas por todos os corredores e os médicos e enfermeiras fazem o que podem
para ajudar. Percebo que são muitos pacientes para poucos funcionários e por isso tenho a
impressão de que as enfermeiras não se relacionam muito bem com os pacientes e terminam os
tratando com frieza. As pessoas menos favorecidas que vêm aqui, não entendem muito bem como
funciona o sistema dos médicos e das enfermeiras. Converso muito com os pacientes e familiares
sobre isso. Sempre que posso chamo alguns acompanhantes para virem até o Passeio Público.
Aqui é mais tranquilo para fazer as orações ou simplesmente para os resultados dos exames. Nas
conversas que tenho por aqui, sempre escuto os lamentos dos parentes que me contam as
situações dos internos e alguns também falam como é bom vir ao Passeio Público para espairecer
um pouco depois de ver tantos enfermos no hospital. Rezo diariamente e peço a Deus que tudo dê
certo para todos nós que esperamos aqui. Enquanto estou por aqui me inspiro nessa natureza
linda que nos cerca dentro do Passeio para conseguir renovar as forças para continuar orando.
O GARI
Tenho quarenta e seis anos de idade. Já fazem três anos que fui selecionado para vir limpar o
Passeio Público. Eu gosto muito de fazer a limpeza das ruas da praça, por mais que ela seja bem
espaçosa e me faz ter muito trabalho todos os dias, eu gosto bastante. O que mais gosto são as
pessoas que frequentam aqui, tem gente de todos os tipos e a maioria adora conversar. Eu
também gosto de falar, logo, fico alternando a limpeza do lugar com breves pausas para trocar
algumas ideias com os que passam por aqui. O coordenador do Passeio Público é meu amigo e
deixa eu fazer a limpeza do meu jeito, com as minhas pausas e descansos. Ele sabe que eu limpo
tudo direito e passo pelos quatro cantos do lugar. Como estou ficando velho, minhas pernas
começam a doer com mais rapidez e logo sento nos banquinhos para descansar um pouco e
depois continuar meu trabalho. Por incrível que pareça, as pessoas me ajudam aqui, diferente
dos outros lugares que já trabalhei, jogam os lixos nas lixeiras e levantam os pés quando vou
varrer perto dos bancos onde sentam. Até nos dias de sábado, quando vem muita gente pra
feijoada, não tem muito lixo no chão. Tem um pessoal que faz oficinas com material reciclado
que pede pra eu juntar as latinhas das cervejas de sábado e as garrafas de plástico que encontro
durante a semana. Junto com o maior prazer por saber que vão virar alguma coisa útil. Já fiz a
limpeza da Praça do Ferreira e do Parque das Crianças. Não gostava muito daqueles lugares por
serem muito cheio de gente mal educada e de correr o perigo de ser assaltado ou até mal tratado.
As pessoas daqui são diferentes, a maioria é muito educada e são poucos os dias que vejo esse
lugar com muita gente. Sinto que meu trabalho é respeitado aqui, que faço a diferença, fico tão
bem, que quando estou de folga, trago meus filhos aqui para brincarem e escutarem as histórias
que contam aos domingos. Somos tratados muito bem e com igualdade, eu e meus meninos
adoramos vir aqui.
O MÉDICO DESLOCADO
Sou médico da Santa Casa que fica aqui do outro lado da rua. Nunca havia entrado nessa
praça, sempre vi que os acompanhantes dos pacientes e alguns dos que vêm se tratar
entram aqui e passam um bom tempo. Nunca tive curiosidade de entrar no Passeio
Público. Não tenho muito tempo para lazer e sempre tenho que atender muitos pacientes
no hospital. Hoje foi um dia muito estressante para mim, não consegui ficar muito tempo
pensando nos problemas do trabalho e resolvi entrar aqui para pensar em outras coisas e
também para refletir sobre a minha situação como médico. Já ouvira falar sobre o Passeio
Público. Muitos amigos e familiares me contaram sobre as atividades que acontecem
aqui e como o lugar é bonito. A única pessoa que me falou o contrário foi minha mãe, ela
contou que na época em que ela era jovem o lugar não era muito bem frequentado e
muitas garotas de programa e drogados vinham aqui. Ela certamente parece convencida
de que o lugar permanece da mesma forma de antes, com os mesmos frequentadores.
Agora, vejo como é realmente muito bonito e organizado por dentro. Apesar de ter
gostado do lugar, não acredito que irei voltar aqui muitas vezes, não tenho tempo
sobrando para fazer esses tipos de visita. Sempre que saio do trabalho penso em chegar
em casa o mais rápido que puder, não consigo me imaginar parando em algum lugar
para refletir e relaxar. Hoje foi um dia muito puxado, fora do normal. Há muito tempo
não vejo um dia cheio como o de hoje, não tive muita escolha e percebi logo que minha
única opção era sair dali. Como sei que o centro é um lugar muito perigoso e cheio de
barulho e confusão, minha única saída era entrar aqui no Passeio Público. Devo admitir
que consegui o silêncio e a tranquilidade que estava precisando.
OS MÚSICOS
Somos músicos há um bom tempo, tocamos juntos desde sempre. Uma de nossas maiores conquistas foi
conseguir tocar em uma bar, em todas as noites de sábado. É uma verdadeira diversão poder tocar para os
fregueses do lugar. Não costumamos ensaiar ao ar livre, mas um dia viemos almoçar aqui, era um sábado e
estávamos com nossos instrumentos. Rapidamente tivemos algumas ideias de arranjos musicais e decidimos
tocar aqui mesmo, nas ruas do Passeio Público. Foi maravilhoso, nos afastamos um pouco do movimento das
pessoas que almoçavam e começamos a tocar. Em pouco tempo alguns se juntaram a nós para escutar nosso
som e acompanhar nosso ensaio improvisado. Desde então, todos os sábados, antes de tocar no bar, nós nos
reunimos aqui para passar os acordes das músicas que iremos tocar à noite. Aqui nós temos companhias
muito boas, as pessoas param para ouvir as nossas músicas, a tranquilidade e o silêncio do lugar nos ajudam
bastante e ainda tem uma vista muito agradável. Em meio ao horizonte da vista, há uma boate muito
conhecida da cidade de Fortaleza, uma das mais tradicionais, ficamos tocando e olhando para lá imaginando
um dia em que conseguiremos tocar naquele lugar. De tanto tocarmos por aqui, fomos chamados para nos
apresentar durante uma das tradicionais feijoadas de sábado. Nós gostamos da experiência, mas percebemos
que não fazemos o estilo das pessoas que frequentam o Passeio nesse horário. Elas estão acostumadas a
escutar um bom samba e nosso repertório não contempla esse estilo musical.
O ambiente é bem informal e descontraído, gostamos de frequentar o Passeio Público. Quando tem
apresentações musicais por aqui, percebemos que os músicos interagem bastante com as pessoas e o clima fica
muito agradável. O público que frequenta é bem diverso e bem educado, conseguimos perceber que são
pessoas cultas, bem informadas e que gostam de boa música. Conseguimos perceber que a diversidade é bem
ampla aqui, não existe preconceito e todos se aceitam do jeito que for. Tem gente que vem de short e sandálias
de dedo e alguns que se vestem com roupas de marca e adoram acessórios de ouro. O interessante também é
que as pessoas interagem entre si, procuram conhecer a cultura do outro e conversar sobre as diferenças que
existem nos estilos de vida e musical. Isso afetou nossa banda, conseguimos abrir nossa mente para outros
estilos de música e estamos ensaiando outros estilos musicais além do rock. O Passeio Público traz bastante
inspiração para nossa banda.
A TURMA DA CERVEJA
Sou cearense e tenho um grupo de amigos desde que entrei na escola. Sempre andávamos juntos e
conseguimos manter nossa amizade mesmo depois de seguir caminhos tão diferentes em nossas
vidas. Conseguimos entrar em um acordo de que nos encontraríamos uma vez por semana para
colocar as novidades em dia e conversar sobre a vida, para manter a amizade que tanto gostamos.
Sempre procuramos novos lugares para variar nossos encontros. O Passeio Público foi escolhido
recentemente quando um de nós veio com a família em um sábado e o recomendou para o restante
do grupo. Agora, todos os sábados nós estamos aqui bebendo cerveja e interagindo com os amigos e
com o ambiente que é muito agradável. Gostei tanto do lugar que fui atrás de me informar acerca das
atividades que ocorrem durante a semana. Tenho uma loja que fica perto do Passeio Público e, aos
sábados, fecho as portas às duas da tarde e venho direto para cá. Ligo para minha esposa e ela vem
com nosso filho para almoçar e escutar boa música. A criançada adora o espaço que tem para correr e
se divertir, todos nós nos divertimos aqui. Passei a gostar tanto do lugar que recomendei para todos
os meus amigos. Quando menos percebi comecei a encontrar diversos conhecidos por aqui, aos
sábados. Posso confessar que tem algumas pessoas estranhas que frequentam o Passeio Público, mas
eu não ligo porque fico tão feliz e tranquilo aqui dentro que nem percebo as diferenças e me preocupo
mesmo é com a alegria da minha família e amigos. Combinei com minha esposa que aos sábados ela
dirige para que eu possa beber com os amigos e ela fica conversando com as amigas e aceita bem
nosso acordo. Aos domingos venho com meu filho para que possamos brincar e desfrutar das
atividades que acontecem por aqui. O lugar fica muito bonito com todas as toalhas estendidas pelas
gramas, com as famílias fazendo piquenique. Me sinto muito tranquilo e trago um livro para ler
enquanto meu filho participa das atividades que são propostas e brinca com as outras crianças.
AS IRMÃS
Sou jovem, estou longe de fazer trinta anos de idade. Não tenho medo de assumir quem realmente
sou. Nunca tive problemas para defender meus pontos de vista e sempre gostei de ir atrás do que
gosto e acredito. Minha sexualidade sempre foi uma incógnita. Há pouco tempo comecei a me
conhecer melhor e compreender o que me interessa. Conheci uma garota que me interessou bastante e
começamos a nos relacionar, estamos namorando e me sinto muito bem. Contudo, tem um grande
problema que eu não esperava enfrentar, a reação dos meus pais. Eles não aceitaram muito bem o fato
de eu ter escolhido namorar uma garota e disseram que preferem que eu pare com isso. Eu não
consigo, é algo que faz parte de mim e me faz muito feliz. Percebi, no entretanto, que eu tinha que
fazer algo para conseguir continuar me encontrando com minha namorada sem que meus pais
soubessem. Consegui trocar o turno de minha faculdade para o período da noite sem que eles
soubessem. Assim passei a me encontrar com minha amada aqui no Passeio Público durante os dias
para matar a saudade e ficar com ela. Aqui é um dos poucos lugares em que conseguimos ficar
tranquilas e namorar sem ninguém nos perturbar. Tenho uma irmã que me apoia apesar de não gostar
da ideia e não aceitar minha escolha sexual. Somos muito amigas e apesar de nossas diferenças ela me
ajuda sempre que preciso. Por vezes venho aqui de carona com ela e vejo como ela fica preocupada
com meus encontros. Uma vez perguntou se os guardas mexiam com a gente, expliquei para ela que
eles respeitam bastante e que não havia necessidade de se preocupar.
Não gosto de fazer carinhos em público, acho que devo respeitar os outros também e ser discreta
quando venho para namorar. A gente entra de mãos dadas e ficamos sentadas juntas conversando,
quase ninguém olha para nós. O lugar me faz refletir bastante, sempre que estou aqui sinto a
necessidade de conversar um pouco com Deus, como se estivesse rezando para pedir que meus pais
comecem a aceitar a minha condição e as minhas escolhas. Não gosto de me esconder e acredito que
eles me amam muito. Sei que um dia iremos conseguir vencer isso e, por vezes, começo a imaginar
todos nós vindo aqui ao Passeio juntos, para almoçar e conversar sobre a vida.
O ESTILISTA
Sou estudante de estilismo e moda, recebi um trabalho da faculdade para essa semana e não
estava conseguindo encontrar inspiração em casa. Resolvi sair e procurar algum lugar que
pudesse me sentar e pensar sobre o trabalho que consiste em realizar uma coleção para um
desfile. Lembrei do Passeio Público e que fazia um bom tempo que não vinha aqui. Quando
aqui cheguei logo vi todo esse verde que me lembra a enorme natureza brasileira. Senti o ar
misterioso e cheio de história que esse lugar tem e vi as estátuas que me lembram a Grécia
antiga. Me senti como se tivesse viajado no tempo, me senti em outra época. Lembrei-me de
algumas aulas de História do Ceará, quando aprendi um pouco sobre a história do Passeio
Público e das imagens das mulheres com aqueles vestidos longos, lindos, andando pelas
avenidas daqui. Senti uma grande inspiração, comecei a imaginar um cenário de filme
antigo e comecei a escrever notas para meu trabalho. Comecei a perceber como o lugar é
propício para eventos de moda e desfiles, um cenário natural com avenidas espaçosas
perfeitas para lançar uma coleção. Gostaria que a prefeitura começasse a realizar eventos
assim por aqui. Seria muito bom ver os eventos de música que geralmente acontecem por
aqui começarem a se juntar com a moda. Seria ótimo para que as pessoas de fora, que são
ligadas à arte, conhecessem esse lugar lindo e aconchegante. Algumas vezes sinto vontade
de morar aqui dentro, fico sentado olhando toda essa beleza e penso como deve ser bom
visitar esse lugar todos os dias. Voltarei mais vezes para buscar inspiração aqui. Minha
mente se sentiu livre quando entrei aqui e logo comecei a criar, vou indicar para os amigos
da faculdade também.
O CAMBISTA
Tenho cinquenta anos e conheço o Passeio Público há muito tempo. Tive uma
banquinha aqui dentro, ficava ao lado do quiosque e eu fazia o jogo do bicho. Muitas
pessoas que andavam pelo centro já me conheciam e entravam aqui só para fazer a
aposta do dia. Meu ponto dentro do Passeio foi muito conhecido e frequentado. Eu
fazia meu trabalho do jeito correto, era afiliado a uma empresa que organizava as
apostas do jogo e sempre mantinha meus clientes informados de tudo. Um dia,
aprovaram uma lei que proibia a existência dos cassinos e dos jogos de aposta nas
ruas e aconteceram várias operações policiais para fechar esses lugares. Não consegui
sair do Passeio Público a tempo e fui apreendido durante alguns dias. Minha
barraquinha foi levada e perdi o direito que tinha sobre ela. A principio entrei em
desespero porque não sabia fazer outra coisa, vivia daquilo desde que comecei a
trabalhar e já sabia o que dizer para os clientes. Tenho o dom de encher as pessoas
com esperança para apostarem alguns poucos reais sonhando em receber muitos em
troca. Fui atrás de trabalhar com algo parecido, consegui ser representante da loteria
dos sonhos e também vendo algumas cartelas de aposta. Mas, os antigos clientes não
querem saber dessas apostas legais, o que eles realmente querem é o jogo do bicho.
Continuo frequentando o Passeio Público porque muitas pessoas me conhecem daqui
e ainda vêm me procurar aqui dentro, o lugar é agradável e ninguém meche comigo.
Fim

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Passeio Público ponto de encontro

  • 1. OS CORPOS ENCARNADOS NO PASSEIO PÚBLICO
  • 2.
  • 3. O LADRÃO Gosto de conversar, gosto muito de conversar, mas não gosto de deixar que os outros falem. Encontro-me acostumado a estar só, conversando comigo, por isso quando tenho alguém para conversar continuo falando sem parar. Acredito que sou confuso, mas na realidade acho que não gosto muito das pessoas e creio que elas também não gostam de mim. Passo a acreditar sinceramente que não preciso delas. Nunca tive muita coisa; na realidade antes eu não tinha nada e as pessoas me tratavam como o nada que eu tinha. Isso me deixava mal, porque eu queria me aproximar e sentir o contato com as pessoas, fazer amigos, ter uma namorada, mas absolutamente ninguém me dava atenção, não demonstravam interesse em iniciar uma amizade comigo e para completar minha solidão, nenhuma menina bonita sequer me olhava. Nunca gostei de estudar e permaneço assim. Logo, sempre soube que nunca seria advogado e muito menos um médico de respeito. Sabia também que não tinha vocação para ser garoto de programa porque não consigo imaginar uma velha rica querendo um homem negro, pobre e feio como eu. Sempre soube que nunca teria ajuda de ninguém por pensar que nesse mundo não existe solidariedade. Logo decidi que as coisas comigo iriam ser diferentes e são. Continua...
  • 4. O LADRÃO Agora eu tenho dinheiro sempre que quero. Posso conseguir um tênis que esteja na moda, um celular de última geração, qualquer coisa que eu desejar. Sou ladrão, por profissão e por prazer. Não sei o por quê dessa sensação surgir; sei que a ausência de um olhar amoroso e de uma compaixão para com o próximo estão presentes e tiram a culpa dos meus ombros. Hoje, para mim, ver o medo no olhar de uma vítima que não tem a coragem de dar uma esmola a um necessitado na rua me deixa confortável. Consigo me divertir como se estivesse me vingando em nome dos pobres. Não uso da violência, nunca gostei dela e espero não ter que usá-la contra ninguém. Adoro ver o medo nos outros por ser fácil me impor como ladrão, mas evito bater nas pessoas e estou sempre munido com uma arma apenas para assustar e, sinceramente, espero nunca ter que matar ninguém. Nunca chamei um ser de vagabundo por invejar quem é escolarizado e trabalha direito, isso não me motiva. O verdadeiro núcleo de minha motivação é sentir o medo do outro e vê-los fazer o que eu mando, submetendo-se a mim sem ter outra escolha, sem saber que não quero machucá-los. Costumava assaltar aqui no Passeio Público, mas essa nova administração colocou os guardas municipais que me olham como se eu fosse atacar alguém a qualquer momento e com o grande número de pessoas vindo em grupos, percebi que seria muito desgastante e difícil realizar meu trabalho por aqui. Portanto, decidi parar apenas para descansar e pensar na vida. Termino por sentar nesses bancos olhando as meninas que passam, às vezes encontro alguém conhecido para conversar e por vezes passo a noite por aqui, principalmente quando não quero voltar para casa.
  • 5.
  • 6. O SORVETEIRO Faz um bom tempo que vendo picolés e sorvetes aqui no Passeio Público de Fortaleza. Nos dias atuais, vejo que minhas condições estão bem melhores e vendo muito mais, principalmente nos dias de domingo, quando as crianças aparecem em grande número. Elas sempre me tratam bem. Na verdade, todos me tratam agradavelmente por aqui. Me sinto velho, desgastado, sem ânimo ou coragem para andar por toda a cidade vendendo meus produtos. Aqui, o público é garantido e não preciso me locomover com tanta frequência e, quando o cansaço bate, sento em um desses bancos para descansar. Mesmo quando escolho uma dessas sombras para me encostar e descansar os braços, depois de tanto empurrar esse carrinho pesado, as pessoas vêm comprar e terminam por conversar comigo. Quando menos espero estou fazendo uma amizade, contando histórias de vida e conhecendo um pouco mais dessas pessoas. Com minha coragem se esvaindo, a velhice chegando e o cansaço aparecendo cada vez mais, não consigo trabalhar todos os dias como antigamente, quando conseguia vender nas praias da cidade, em todo o centro, principalmente, na Praça do Ferreira. Hoje, venho ao Passeio Público aos sábados e aos domingos. Costumava andar pelas ruas dessa linda Fortaleza com meu carrinho e, quando o final da tarde chegava, minhas pernas apresentavam o início de exaustão e eu vinha para o Passeio descansar. Passei a aparecer tanto por aqui que todos os ladrões me conheciam e me deixavam tranquilo, todas as garotas de programa me respeitavam e às vezes dava alguns picolés para elas para me deixarem em paz e não me oferecerem mais os seus serviços. Comecei a interagir mais com os fregueses do lugar durante os anos como vendedor, principalmente, quando as moças vêm comprar, quando são bonitas faço um preço mais acessível e se me chamam de “tio”, me sinto com mais liberdade e solto algumas brincadeiras e cantadas, mas se for feia e já com alguns anos de vida, como a minha mulher, deixo o preço convencional e nem converso muito. Continua...
  • 7. O SORVETEIRO Gosto do que faço, nunca ganhei muito dinheiro e nem quis ser um homem rico cheio de luxo. Todo meu trabalho honesto me deu o suficiente para criar meus filhos com o pouco que precisam para serem felizes. É interessante o fato de eu sempre querer ser sorveteiro, desde menino. Adorava sorvete quando criança e minha mãe nunca podia comprar e dava a desculpa de que eu era muito novo para comer aquelas coisas, isso me inspirava a dizer que quando crescesse seria vendedor de sorvete e picolé para poder comer quantos eu quisesse. Minha mãe era dona de uma barraca no centro, logo, desde pequeno, sempre ia com ela para ajudar nas vendas e conheci todas as ruas dali que passaram a ser minha segunda casa. Quando comprei meu primeiro carrinho de vendas e iniciei meus trabalhos senti uma facilidade enorme por conta desse fato que me fazia lembrar tanto de minha mãe.
  • 8.
  • 9. O SOLDADO Tenho vinte e quatro anos e sou soldado desde os dezoito. Eu gosto dessa minha escolha de profissão, apesar de ficar muito tempo fora de casa e sentir saudades dos meus pais e também do meu cachorro. Mas a saudade que mais me arremata é a de minha noiva. Começamos a namorar muito cedo ambos com apenas quinze anos de idade e, desde então, não conseguimos nos separar. No momento, estamos juntos no coração por causa de todo o tempo que fico distante em serviço pelo exército e ela passa muito tempo sozinha sentindo minha falta e eu a dela. Sei que sou bruto e um tanto grosseiro para conseguir falar com delicadeza coisas bonitas para minha amada e, por vezes, percebo que não consigo dizer o tamanho da saudade que sinto dela. Sempre que pode, ela vem aqui no Passeio Público que fica logo ao lado do quartel, parede com parede, geralmente aos domingos para podermos saciar um pouco a vontade enorme de estarmos juntos. Toda vez que a vejo prometo que um dia iremos nos casar e que esse dia não tardará a chegar. Falo com toda convicção o que sinto, esperando que esse dia chegue logo e que ela acredite em mim. Falo com sinceridade e nunca penso em enganá-la. Nós, soldados desse quartel, não podemos sair para muito longe nas noites de folga. Quando posso, venho para o Passeio Público e fico pensando nela. A saudade é tanta que, quando menos percebo, estou escrevendo nosso nome naquela enorme e larga árvore. Não gosto de falar muito, mas no dia que Deus me der a graça de prover uma vida digna e boa para ela, vou conseguir dizer a ela o quanto ela é importante para mim. Mas um homem tem necessidades, fico muito tempo só e preciso me ocupar, portanto, em algumas noites de folga eu e alguns amigos do quartel nos juntamos para paquerar algumas moças que vem ao Passeio, só para isso, para tentar ter algo com alguns de nós. Elas sabem que a maioria tem namoradas ou esposas e não ligam, já sabem que se não conseguir algo mais sério pelo menos terão uma diversão com soldados. Continua...
  • 10. O SOLDADO Eu amo e respeito muito a minha namorada, não me entenda mal, mas essas relações mais íntimas eu só posso ter com ela depois do casamento. Enquanto isso, vou me divertindo com essas moças que aparecem por aqui. É difícil rejeitá-las porque elas vêm preparadas para ficar o dia inteiro paquerando com a gente durante o serviço, e esperam ansiosas por nossas folgas, uma tentação muito complicada de suportar. Além dessas relações que tenho com as mulheres dentro do Passeio Público, seja com minha noiva ou com alguma das moças que aparecem, gosto bastante deste lugar que é tranquilo e me proporciona um ambiente favorável para colocar as ideias em dia e tentar pensar em um futuro bom. E tem o ar daqui que é limpo e, de verdade, diferente do ar das ruas de Fortaleza que parece ser uma fumaça pura.
  • 11.
  • 12. A MOÇA BONITA Toda vez que venho ao Passeio Público sinto como se estivesse em outra cidade, como se por alguns momentos conseguisse sair de Fortaleza e viajar para um lugar tranquilo e cheio de natureza linda e preservada. As árvores daqui sempre me encantam bastante e ajudam a tornar o lugar mais livre. Um dos motivos que me fazem vir com frequência é o fato de ser um lugar aonde as pessoas parecem me respeitar mais, onde sinto uma sensação de liberdade maior, isso porque tenho uma relação homossexual. Venho com minha namorada e nós passamos horas por aqui sem perceber o tempo passar. Sentimos uma segurança enorme pela presença dos guardas municipais que nos tratam muito bem. Além disso, o lugar tem uma beleza que não cansa e um lanche muito gostoso no novo restaurante que foi instalado no quiosque. É um lugar perfeito para que nós possamos curtir um tempo juntas, sem sermos perturbadas por preconceitos. Estamos juntas há dois anos e, desde o início de nosso namoro, frequentamos o lugar. Já aparecemos por aqui em todos os dias da semana: nos que estão vazios e nos cheios. O tratamento é o mesmo, não sofremos distinção alguma mesmo com os públicos diferentes que aparecem todos os dias. Nos dias de sábado, quando acontecem aquelas feijoadas que fazem com que o lugar se encha de gente e, também nos domingos, quando as histórias contadas alegram as crianças, também percebo uma boa recepção e liberdade. Minha companheira toca cavaquinho e em alguns dias chegamos aqui e ela começa a tocar chorinho e eu a admiro com muita felicidade. Esse lugar me faz ter mais esperança de igualdade, pela forma como sou tratada aqui. Todas as pessoas parecem se tratarem bem, como se todos os preconceitos e temores ficassem do lado de fora, separados pelas grades; como se os sentimentos negativos não conseguissem sobreviver dentro das ruas do Passeio. Parece que há uma chance de que todas as pessoas sejam educadas e aceitem bem todas as opções de cada um, seja ela qual for, tanto de estilo de se vestir como de opção sexual. É como se aqui fosse um lugar de gente do bem, pessoas de verdade que respeitam as outras como deveria ser no mundo inteiro, gostando de estar na presença de quem quer que seja, fazendo o que for. Me sinto em outra cidade mesmo, fora da realidade das ruas de Fortaleza.
  • 13.
  • 14. O MÉDICO Sou membro de uma família simples, que migrou de uma cidade do interior para o Rio de Janeiro. Estávamos passando por uma crise financeira quando nos víamos em uma situação precária e meus pais se sentiram na obrigação de tomar uma decisão difícil diante desse momento decisivo em nossas vidas. Mesmo naquela cidade grande e cheia de promessas, a situação não melhorou, meu pai teve de vender o pouco que tinha para que ele pudesse levar sua esposa e os seis filhos para a cidade de Fortaleza e tentar uma nova vida, na tentativa de conseguir uma vida digna novamente. Essa decisão não foi fácil, minha avó morava no quintal de nossa casa e presenciava nosso sofrimento, diariamente, sem poder fazer nada. No dia vinte e dois de novembro, quando eu tinha treze anos de idade, meu pai tomou sua decisão de migrar para esta nova cidade nordestina. Contudo, ele percebeu que o dinheiro que tinha não daria para levar todos juntos. Logo, juntamente com a minha avó, ele decidiu que iria na frente comigo e com minha irmã mais nova, deixando meus quatro irmãos esperando. Esse dia em que tivemos de nos separar foi o pior de minha vida. Deixá-los para trás foi um sofrimento enorme por sermos muito apegados e o fato de nunca termos nos separado antes. Minha mãe não tinha muito o que falar e apenas chorava e arrumava as malas para seguir conosco, confiando nas palavras de meu pai que afirmava voltar para pegá-los assim que pudesse. Foi muito difícil para minha mãe deixar os seus filhos para trás. Chegamos em Fortaleza, meu pai logo conseguiu um casebre muito pequeno e bagunçado para morarmos e sempre nos confortava dizendo que aquilo era apenas o começo e em breve tudo iria melhorar. Ele sempre foi muito confiante e passava uma segurança muito grande para mim e para minha irmã mais nova. Nos sentíamos com uma ótima autoestima que nos impulsionava a ajudá-lo confiando que tudo ficaria bem. Via meu pai sair para procurar emprego, vestindo sua melhor roupa que transparecia toda a sua simplicidade e humildade. Por diversas vezes o vi voltando com um ar triste e sem emprego. Um dia chegou em casa dizendo que nós dois precisávamos estudar, sem estudo não iríamos conseguir nada na vida. Ele convenceu a minha mãe de ir procurar vagas nas escolas próximas. Como nunca havíamos estudado antes, minha mãe teve de enfrentar uma burocracia enorme para conseguir nos colocar na escola, toda a determinação e paciência dela fez com que nós começássemos a estudar. Continua...
  • 15. O MÉDICO Durante meu período de escolarização sofri humilhações e desprezo por parte dos colegas de turma por ser uma pessoa simples e não ter como comprar as roupas da moda e não ser como os outros. Até o Ensino Médio foi assim, tive de suportar intrigas e o menosprezo dos outros colegas. Constantemente penso na força que meu pai me dava para eu conseguir continuar estudando, apesar de tudo. Tive que passar por alguns supletivos cheios de provas para alcançar os alunos de minha idade e compensar os anos que fiquei sem estudar. Fui bem. Estava cursando o primeiro ano do Ensino Médio quando consegui uma vaga como vendedor de cachorro quente aqui no Passeio Público. Um senhor amigo de meu pai anunciou que precisava de ajuda e logo ele me indicou. Com o dinheiro que recebia comecei a ajudar em casa. Meu pai havia começado a trabalhar como ajudante de pedreiro e tudo parecia melhorar em nossas vidas. Foi quando recebemos uma terrível notícia de que meu irmão do meio estava com febre amarela, não sabíamos muito sobre aquela doença e meu pai pensava que era apenas uma doença comum e todos nós pensávamos que logo ele estaria bem. Contudo, em pouco tempo, recebemos a notícia de que ele havia falecido. Foi um dos dias mais tristes de minha vida. Senti a necessidade de fazer um juramento que iria estudar para conseguir ser médico e ajudar as pessoas enfermas. Estudei e consegui passar para o curso de medicina na Universidade Federal do Ceará, continuei meu trabalho de vendedor aqui no Passeio Público, enquanto estudava na universidade. Hoje, sou médico e preservo o hábito de visitar esse lugar tão especial, que me acompanhou durante toda a minha estadia nesta cidade, e que me faz lembrar de tudo que passei para chegar aonde estou hoje.
  • 16.
  • 17. OS AMIGOS AMANTES Conheci esse amor há um bom tempo, nunca tivemos o hábito de conversar muito porque, na verdade, eu o via como um soldado metido e inconveniente. Ele acreditava ser melhor do que os outros por causa de sua profissão. Nos víamos bastante pelo fato de nossas famílias serem amigas. Em um belo dia vim ao Passeio Público e o vi do outro lado da grade, que delimita os fundos do lugar; ele estava trabalhando juntamente com os outros soldados e de repente percebi o quanto o achava bonito. Fui até a fronteira entre o Passeio Público e o quartel para entrar em contato com ele. Com uma facilidade inesperada começamos a conversar e, a partir dali, iniciamos uma amizade. Passei a frequentar mais o lugar só para encontrar com ele, e logo passei a confiar plenamente nele, confidenciando-lhe todos os meus segredos e tudo o que me acontecia. Nossos contatos geralmente aconteciam entre as grades, e ele também passou a confiar em mim. Eu escutava com muita atenção a todas as suas histórias e passei a amar os nossos encontros. Frequentemente, ele contava como eram os encontros que tinha com as meninas que iam ao Passeio Público para flertar com os soldados. Mas, com o tempo, fui sentindo ciúmes. Fui sentindo que estava começando a gostar muito dele e que esperava algo para além das palavras de amizade, o sentimento foi aumentando como nunca antes. Um dia fui ao Passeio bastante determinada. Entreguei a um amigo soldado uma carta para ser entregue nas mãos dele e nela declarava todo o sentimento que estava crescendo dentro de mim. Voltei no dia seguinte e fui surpreendida por um beijo inesquecível. Hoje somos casados há três anos e voltamos com frequência ao Passeio Público para namorar e relembrar o início de nossa história.
  • 18.
  • 19. A GRÁVIDA Há exatamente vinte e quarto anos, quando tinha apenas quinze anos de idade, conheci o grande amor da minha vida aqui no Passeio Público. Durante uma visita do colégio no qual estudávamos, conheci esse maravilhoso lugar. Tivemos a oportunidade de nos conhecer e logo aflorou uma paixão enorme, de tirar os nossos fôlegos. Sentíamos vontade de estar perto o tempo inteiro. Rapidamente começamos um namoro que durou cinco anos de forma escondida, pois meu pai não aceitava a nossa união. O Passeio Público era o lugar que escolhemos para realizar nossos encontros escondidos, todos os sábados e domingos. Nada poderia impedir nosso amor de continuar. Fiz vinte anos e já estava cursando o quarto semestre da faculdade, quando descobri que estava grávida. Essa notícia mudou tudo naquele momento; minha vida de repente ficou diferente, o medo da reação de meu pai era paralisante e imaginava tudo o de mais terrível, até a morte. Além disso, o medo de não conseguir me formar na universidade era também constante, não conseguia me imaginar sem alcançar esse sonho por causa de uma gravidez. Fui conversar com meu amor, contei toda a história e todos os meus medos. O meu companheiro me entendeu completamente e o seu apoio foi total. Decidimos juntos que teríamos aquela criança e faríamos o possível para que todos os nossos sonhos se tornassem realidade e que iríamos enfrentar nossos pais para que pudéssemos finalmente nos casar. O encontro com minha família foi árduo, uma verdadeira confusão. O conservadorismo de meu pai o cegava a ponto de pensar apenas na vergonha que sentia de ter uma filha grávida sem estar casada. Para ele, aquilo era uma tremenda tragédia para toda a nossa família, como se eu estivesse sujando toda a nossa reputação. Contudo, minha doce mãe conseguiu aos poucos convencê-lo de que o importante era a nossa saúde e a chegada de um neto. As coisas foram melhorando e recebi a bênção para casar com o pai de minha filha. O amor de meu companheiro por mim era tão grande que o fez decidir trancar a sua faculdade para ajudar com nossa bebê, a fim de que eu pudesse terminar minha graduação como sempre havia sonhado. Hoje, tenho mestrado e estamos casados há vinte anos. Minha filha que é fruto de toda nossa batalha e amor, é graduanda na Universidade Federal do Ceará e me acompanha todos os domingos ao Passeio Público para contarmos histórias para as crianças que vêm com tanto entusiasmo e alegria para este lugar.
  • 20.
  • 21. A GAROTA PERSEVERANTE Tinha apenas treze anos de idade quando em uma ida a um dos passeios da escola conheci um garoto de dezesseis anos de uma turma mais avançada. Em pouco tempo nos tornamos muito amigos e fomos percebendo que ambos estávamos apaixonados. Falei que ele precisava falar com meu pai para pedir a minha mão em namoro. Para a minha surpresa, a arrogância e o moralismo presentes por parte de um pai ausente foram mais fortes do que eu imaginava. Fomos proibidos de namorar, porque meu pretendente não trabalhava e, portanto, era considerado um vagabundo. Tudo o que eu mais queria era estar perto do garoto que me tratou com respeito e carinho, como nunca havia sido tratada antes. Não consegui me afastar dele e logo meu pai começou a me privar de minha vida social. Foi quando entramos de férias que sofri um susto inimaginável. Fui passear com a minha família em uma pequena cidade em outro um estado e depois de um bom tempo de diversão meu pai anunciou que eu e meus irmãos iríamos ficar morando ali e não voltaríamos mais para Fortaleza. Ele e minha mãe voltaram à cidade apenas para pegar nossas coisas e fazer as transferências de colégio. Me falaram que a razão de nossa mudança era para que meu pai pudesse desfrutar de sua aposentadoria em uma cidade mais pacata, sem muitos problemas. Mas eu sabia, que no fundo, ele também queria me ver longe do garoto que tanto eu amava e durante trinta anos sofri nessa nova cidade do interior tentando em vão encontrá-lo. Consegui retornar para Fortaleza e há um ano atrás encontrei o garoto em uma rede social na internet. Com muita esperança deixei um recado para ele a fim de saber se ainda lembrava de mim e do rápido romance que vivemos. Para a minha surpresa ele havia sofrido também com minha ausência. Passamos algum tempo conversando por meios virtuais até que decidimos nos reencontrarmos no Passeio Público. O momento de nosso encontro foi inesquecível. Com muita emoção nos abraçamos e nos beijamos sem acreditar que tudo aquilo era verdade. Aquele foi certamente um dos dias mais felizes de minha vida. Hoje, estamos casados e bem realizados no amor.
  • 22.
  • 23. A PROSTITUTA Sou garota de programa. Tenho apenas vinte e cinco anos e desde os dezoito que recebo dinheiro em troca de favores sexuais. Não comecei a fazer isso por escolha própria e nunca sonhei em ser prostituta. O início de minha história nessa profissão aconteceu quando me apaixonei aos dezesseis anos por um homem que não tinha muitas coisas e era muito simples, mas ele me amava e nós estávamos em um romance incrível. Por diversas vezes me encontrava com esse rapaz e como em um acidente inesperado, eu engravidei. Me vi sem saída e logo que contei o fato ao meu companheiro, ele desapareceu. Nunca mais tive notícias dele. Precisei contar sobre a gravidez ao meu pai, ele era o único que poderia me ajudar. Para agravar ainda mais a minha situação, ele não quis saber de conversa alguma e com muito ódio no olhar e nas palavras disse que eu teria de me virar sozinha. Entrei em desespero, não havia estudado e não sabia fazer nada, nem empregada poderia ser, porque não sabia cozinhar direito. A única saída que encontrei foi a de ir até uma das grandes avenidas de Fortaleza e começar a oferecer meu corpo em troca de algum dinheiro. Conheci uma garota que estava em uma situação parecida com a minha, sozinha no mundo, precisando de dinheiro, e logo ficamos amigas. Ela me explicou que havia um lugar no centro que tinham bons clientes e era mais seguro do que as avenidas. Foi assim que conheci o Passeio Público. Passei muitos anos aqui, a clientela é garantida, o dinheiro é bom e em pouco tempo me tornei uma profissional. Hoje em dia, depois da reforma do Passeio Público feita pela prefeita, não posso mais fazer meus serviços dentro do Passeio Público. Antes eu e as outras garotas que ficam por aqui não precisávamos pagar um motel pra fazer os serviços, porque os homens não se importavam em ficar pelos bancos mais escondidos do lugar. Agora, a gente tem que conversar com eles aqui dentro e combinar o preço para poder sair para algum dos motéis baratos que ficam do outro lado da rua. Já me acostumei com o serviço e sei fazer bem, não amo o que faço e nem me orgulho dele, mas sei que é a única maneira que tenho para cuidar de meu filho. O que me incomoda é o preconceito das pessoas que não têm a mínima noção do por quê estou aqui, como garota de programa. Elas pensam que eu gosto e escolhi com felicidade essa profissão. A falta de respeito me incomoda e tenho medo de que isso afete meu filho. Este é o fator que me motiva a sair dessa vida, antes que ele comece a entender qual é o meu trabalho e comece a sofrer por isso.
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  • 25. O CASAL Estava cursando o segundo ano de Engenharia Civil, no ano de 2003, quando tive de me mudar para essa linda cidade de Fortaleza. Como um novato, cheguei à faculdade sem conhecer ninguém e com vontade de conhecer mais pessoas. Nunca tive dificuldade para fazer amigos, sou bem sociável e gosto de conversar. Vi que foi fácil conhecer algumas pessoas e me sentir como se estivesse em casa. As meninas da minha turma eram amigáveis e muito bonitas, mas tinha uma que me chamava muita atenção e eu precisava me aproximar dela. Consegui conversar com ela e para a minha tristeza, ela estava a fim de outro rapaz de nossa turma. Como não queria perder o contato com ela, ajudei-a a encontrar-se com o garoto e fazer com que eles se conhecessem melhor. Este foi o meio que encontrei para ficar mais próximo dela. Eles começaram a ficar juntos e ela me contava tudo, eu era o único que sabia de tudo e mantinha tudo em segredo, porque ela não queria que ninguém soubesse. Tudo era escondido dos pais dela que acreditavam que a filha era uma verdadeira menina quieta, que apenas pensava em estudar. Eu comecei a namorar com uma amiga dela, que era muito legal, mas não me encantava completamente. O cara se mostrou muito grosseiro, não tinha paciência e a traía com outras garotas, mas ela aguentava tudo por gostar dele. Um dia, ele recebeu a noticia de que teria de se mudar para outra cidade e, com um alívio, me enchi de felicidade. Eu queria estar com ela, mas percebi durante esse tempo que ela era muito namoradeira e logo que ficou solteira passou a se relacionar com vários garotos, toda semana ela tinha uma paixão diferente. Fiquei sem coragem de terminar meu namoro para investir em alguém que não parecia querer ficar com alguém. Mas a minha vontade de estar com ela era tão grande que foi me consumindo aos poucos. Decidi chamá-la para me encontrar no Passeio Público, conversamos e me declarei a ela. Ela também me confessou que sempre quis ficar comigo, nos beijamos e nos abraçamos como se estivéssemos enamorados por muitos anos. Demorei para terminar o namoro, mas consegui confiar nela o suficiente para acabar com o meu outro relacionamento e continuar o meu tão esperado romance. Passamos a nos encontrar todas as quintas-feiras, às nove horas da noite. Começamos a namorar em pouco tempo e já fazem dois anos que estamos juntos. Preservamos nossas vindas ao Passeio Público e tivemos o prazer de participar da revitalização do lugar que é tão importante para nossa história, por ter sido o primeiro lugar onde ficamos juntos.
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  • 27. A DIRETORA Sou diretora de uma escola da região metropolitana de Fortaleza, gosto muito da história do Ceará e fico triste por ela ser tão negligenciada nas escolas. Acredito que deveriam dar mais atenção a essa matéria tão importante, saber das origens do local onde moramos e muitos nasceram. A história é essencial para compreendermos melhor a cidade atualmente. Gosto de incentivar o conhecimento através de idas aos locais históricos de Fortaleza. Vou pessoalmente com os meninos às visitas. O Passeio Público é um dos meus preferidos. Trago as crianças para cá, juntamente com suas professoras, e fazemos piquenique, contamos histórias sobre a cidade e sobre o local de forma interativa, para que eles possam imaginar como aconteceram as coisas por aqui. Eles adoram, fazem perguntas e demonstram verdadeiro interesse nas histórias e nas oficinas de artesanato e de construção de brinquedos que fazemos com eles aqui no Passeio. É um lugar tranquilo e seguro que fornece espaço para que possamos fazer essas atividades tão importantes para o crescimento dos alunos. Quando chegamos aqui, as crianças logo correm para aquela árvore enorme, chamada baobá, que fica na entrada, querem abraçar, subir nos caules que ficam para fora da terra e adoram bater fotos com ela. Eles nos perguntam sobre o por quê dos nomes escritos no tronco e também querem deixar nele as suas marcas. Eu e as professoras ficamos muito felizes em ver o interesse dos alunos por locais históricos; vê-los correndo pelas ruas do Passeio Público é uma verdadeira alegria e faz com que me eu me sinta realizada como educadora.
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  • 29. O MENDIGO Sou morador de rua e frequento o Passeio Público há mais de dez anos. Penso ter quase trinta e quatro anos de vida, não tenho certeza. Os bancos daqui são ótimos para dormir e o lugar é tranquilo. À noite não tem muitos guardas pra ficarem interrompendo meu sono e ninguém aparece para mexer comigo. Nos dias de domingo me sinto muito feliz, muita gente me ajuda e as pessoas me dão comida, trazem roupas e alguns acessórios. Essa gente me conhece e me trata bem, sou boa pessoa e faço por onde ser bem tratado por acreditar que é preciso ser gentil. O guarda que fica aqui durante as noites da semana já é meu amigo e me protege, não deixa ninguém fazer maldade comigo. O lugar é bom para dormir, é bem ventilado, tranquilo, mas nem sempre foi assim. Antes da reforma que foi feita por aqui, as garotas de programa e os viciados faziam muito barulho e algazarra dentro do Passeio e o deixavam aos pedaços. Hoje em dia, parece ser outro lugar, muito diferente. Consigo dormir sem problemas e sonho todas as noites. Sou mendigo mas não deixo de fazer meu trabalho. Recolho todo o material reciclável que encontro pelas ruas do centro durante o dia e tenho meu carrinho para armazenar tudo que encontro. Como não posso entrar com ele dentro do Passeio, ele fica do lado de fora e o guarda fica olhando. Tenho um companheiro, meu cachorro, que me companha em todos os lugares para onde vou e me faz companhia, até quando venho dormir aqui nos bancos. Não fico reclamando por estar sem dinheiro, o pouco que recebo pela troca dos materiais recicláveis serve para que eu possa comprar minha comida e as moedas que recebo das pessoas na rua, ajudam a completar para as minhas refeições. Sou feliz, não tenho nenhuma doença e sempre me cuido para não pegar nada. Sinto-me livre, tenho amigos moradores de rua por todo o centro da cidade e todos os cachorros gostam de mim.
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  • 31. O ARTISTA Sou artista de rua há oito anos, trabalho nas ruas de Fortaleza vendendo minha arte. Faço artesanato, sou malabarista profissional e conto histórias para crianças aqui no Passeio Público. Antigamente eu tinha um pequeno preconceito com esse lugar, sempre que passava via algumas pessoas mal encaradas e não me sentia à vontade para entrar. Depois de 2007, quando a atual prefeita fez a reforma no lugar, eu passei a criar um certo afeto pelo Passeio Público, poderia até dizer que me sinto apegado ao ambiente, às árvores, principalmente, ao baobá, aos bancos e estátuas. A princípio foi difícil criar um vínculo com o Passeio. Quando fui convidado a contar histórias aqui, quase ninguém vinha. A organizadora dizia que a divulgação ainda estava lenta e muita gente não acreditava ou não sabia da mudança que havia ocorrido e, portanto, tinham receio de entrar. Recebi muito apoio de meus colegas de trabalho que passaram a vir e aos poucos meu medo do lugar foi passando e pude transmitir aos que vinham, toda uma alegria através de histórias. Comecei a me identificar com o lugar e, logo resolvi chamar meus amigos para virem contemplar as atividades que ocorriam diariamente. Todos gostavam e falavam que não imaginavam que o Passeio Público estivesse tão diferente e renovado. Começamos a divulgar as nossas atividades nas escolas em que trabalhávamos e em ONGs parceiras que conhecíamos, percebemos que os alunos poderiam aprender bastante neste lugar e, também, por ser um ambiente com o conforto para os estudantes. Consegui trazer inclusive a escola de teatro onde comecei a lecionar e todos adoravam. Até os dias de hoje, quando trago alguém novo, não canso de me satisfazer com a felicidade e a surpresa das pessoas. Com o tempo, o público foi ficando cada vez mais diversificado e alguns músicos amigos começaram a aparecer e a trazer pessoas de todos os ramos da música. Os tocadores de chorinho adotaram o lugar para tocar aos sábados, quando passou a acontecer a hoje tradicional feijoada. Quando vejo tudo isso acontecendo, me sinto muito feliz de ter participado do início de tudo e espero poder permanecer por quanto tempo puder e que minha arte me acompanhe sempre nessa jornada.
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  • 33. A CRIANÇA Já faz algum tempo que meu pai começou a trazer eu e meu irmão para brincar aqui no Passeio Público aos domingos. Desde a primeira vez que eu vim, me sinto feliz aqui dentro, é divertido e podemos andar de bicicleta à vontade porque tem umas ruas bem grandes e são protegidas por grades, o que deixa meu pai mais tranquilo. A gente brinca de muitas coisas aqui dentro. Onde nós moramos não tem espaço pra correr assim e não tem essas árvores grandes. Toda vez que venho, tem uma moça muito bonita que usa uma maquiagem bastante colorida e conta histórias muito interessantes. Às vezes ela usa alguns bonecos e tudo fica mais divertido. Meu pai traz uma toalha bem grande e uma cesta cheia de comidas gostosas para que a gente fique até o final da tarde. Tem uns moços que passam vendendo picolé e toda vez que nós nos comportamos bem, meu pai compra um para cada, é justo porque nós somos bem comportados. Enquanto a diversão acontece para nós, meu pai fica sentado no restaurante que tem no quiosque vermelho do Passeio Público e bebe cerveja conversando com alguns amigos. É legal porque ele se ocupa e a gente brinca com os filhos dos amigos dele. Terminamos fazendo várias amizades, isso é bom porque às vezes tenho que vir só, como hoje, e brinco com as outras crianças. Minha parte preferida é aquela perto da árvore gigante, tem uma fonte lá que parece uma piscina e se fosse mais limpa e com mais água, eu pularia para nadar um pouco. Meu pai sempre diz que é sujo e que eu posso ficar doente se entrar ali, Fico apenas olhando a água parada, imaginando como seria um banho de fonte. Hoje está um pouco diferente porque meu irmão não veio porque se machucou e não conseguiu ficar bem para vir e não tem muitas crianças para brincar. Minha mãe já me deu meu almoço e estou começando a ficar cansada. Quando acontece de ter dias assim, sempre vou me deitar na nossa toalha ali na sombra e durmo um pouco.
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  • 35. O COMERCIANTE Trabalho aqui em uma dessas lojas de eletrodomésticos e derivados, no meio do centro de Fortaleza, onde o sol parece ser mais presente que em todas as outras ruas. Chego cedo para trabalhar. Às sete e trinta já estou abrindo os portões da loja, com todos os produtos bem colocados nas estantes das vitrines e os fregueses já estão à espera para checar as novas promoções. É bem desgastante, tem dias que entro em contato com mais de trinta pessoas em apenas uma manhã e não vendo nada, e em outros dias abençoados, vendo até os mais caros dos produtos. A hora do almoço é uma das mais esperadas, é o intervalo do dia quando posso parar em algum lugar para tranquilamente recarregar minhas energias. Tem alguns vendedores aqui que almoçam muito rápido, não saem da loja e por vezes dormem nos armazéns da loja que são fechados e escuros. Eu tenho o prazer de pegar minha marmita que chega na loja todas as manhãs e venho até o Passeio Público. Escolho o banquinho verde com mais sombra, de preferência um dos que ficam perto da avenida Caio Prado, para poder sentir melhor a brisa do mar invadindo o lugar e balançando as árvores. É indescritível o modo como a comida parece ser incrivelmente mais gostosa quando venho almoçar por aqui, e assim que termino, jogo o recipiente da marmita no lixo e deito no banquinho verde com o boné no rosto. Consigo dormir um sono de meia hora que completa todo o processo de recarga de energia e vou para a loja voltar a trabalhar. Não sou o único a fazer isso, alguns colegas de trabalho e muitos outros de outras lojas do centro, preferem vir aqui na hora do almoço para descansar. Faço de tudo para chegar o mais cedo possível, porque se me atrasar um pouco, os bancos com mais sombra já estão tomados por outros trabalhadores do centro. O Passeio Público é o único lugar aqui perto do centro que tem silêncio, sombra e um vento constante que vem do mar. Isso para quem trabalha em meio à loucura do centro da cidade de Fortaleza é um verdadeiro paraíso na Terra.
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  • 37. O TURISTA Sou de Brasília, me casei com um cearense que se mudou para minha cidade há alguns anos atrás e desde então venho ao nordeste para conhecer as lindas praias desse litoral brasileiro. Adoro o Ceará, acredito que aqui seja uma terra verdadeiramente abençoada com beleza e as pessoas me encantam com sua alegria e receptividade. Sempre me dei muito bem com minha sogra e ela faz questão de me levar sempre a algum ponto turístico de Fortaleza. Dessa vez, ela decidiu me trazer aqui ao Passeio Público, essa praça tão verde e ventilada. Preciso confessar que quando vim pela pela primeira vez, senti um certo medo ao vê-la dirigindo em direção ao centro da cidade que é tão sujo e cheio de movimento, mas logo me tranquilizei quando ela estacionou ao lado desse lugar tão lindo, com uma aparência organizada e limpo. Não tinha nada acontecendo, eram apenas os inúmeros bancos verdes, as luminárias com estilo retrô e uma decoração clássica com estátuas gregas e fontes espalhadas pelas avenidas do lugar. Mas, o que realmente me chamou a atenção e me deixou paralisada por alguns segundos foi aquela árvore chamada baobá. A expansão como um todo dela me encantou, fomos juntas escrever nossos nomes no largo tronco e não consegui evitar, me veio uma vontade súbita de abraçá-la e não resisti. Foi um momento único e cheio de energia, nunca irei esquecer esse meu primeiro contato com o Passeio Público. Desde então, já vim duas vezes aos sábados para comer a deliciosa e tradicional feijoada e beber uma cerveja gelada escutando uma boa música. Me impressiono com o preço das coisas aqui, tudo é acessível e com qualidade. Já está se tornando um hábito meu e de meu marido vir ao Passeio Público para relaxarmos e aproveitarmos os dias ensolarados e ventilados do nordeste. Se algum dia eu decidir me mudar de vez para cá, irei, com certeza, frequentar o Passeio Público todas as semanas.
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  • 39. A FREIRA Sou religiosa, sirvo como freira da igreja católica há bastante tempo. Tenho cinquenta e cinco anos e também trabalho como professora em uma grande escola daqui de Fortaleza. Gosto bastante do que faço e de minha cidade. Conheço o Passeio Público há muito tempo e hoje estou aqui por uma ocasião especial: uma das irmãs que trabalha comigo está doente e teve de ser internada na Santa Casa de Misericórdia que fica aqui do outro lado da rua. Somos muito amigas e assim que ela adoeceu prometi que iria acompanhá-la durante todo o processo de cura. Agora que ela está internada fico aqui todos os dias e presencio todo o tratamento que ela está recebendo. Isso é um tanto desgastante para ela e para mim também. Quando ela consegue dormir, aproveito para vir aqui no Passeio Público fazer as minhas orações com mais tranquilidade e respirar esse ar puro e refletir um pouco sobre o estado em que se encontra esse hospital. A situação em que se encontram as pessoas lá dentro é complexa, a miséria está presente em todos os cantos, pessoas adoentadas encostadas por todos os corredores e os médicos e enfermeiras fazem o que podem para ajudar. Percebo que são muitos pacientes para poucos funcionários e por isso tenho a impressão de que as enfermeiras não se relacionam muito bem com os pacientes e terminam os tratando com frieza. As pessoas menos favorecidas que vêm aqui, não entendem muito bem como funciona o sistema dos médicos e das enfermeiras. Converso muito com os pacientes e familiares sobre isso. Sempre que posso chamo alguns acompanhantes para virem até o Passeio Público. Aqui é mais tranquilo para fazer as orações ou simplesmente para os resultados dos exames. Nas conversas que tenho por aqui, sempre escuto os lamentos dos parentes que me contam as situações dos internos e alguns também falam como é bom vir ao Passeio Público para espairecer um pouco depois de ver tantos enfermos no hospital. Rezo diariamente e peço a Deus que tudo dê certo para todos nós que esperamos aqui. Enquanto estou por aqui me inspiro nessa natureza linda que nos cerca dentro do Passeio para conseguir renovar as forças para continuar orando.
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  • 41. O GARI Tenho quarenta e seis anos de idade. Já fazem três anos que fui selecionado para vir limpar o Passeio Público. Eu gosto muito de fazer a limpeza das ruas da praça, por mais que ela seja bem espaçosa e me faz ter muito trabalho todos os dias, eu gosto bastante. O que mais gosto são as pessoas que frequentam aqui, tem gente de todos os tipos e a maioria adora conversar. Eu também gosto de falar, logo, fico alternando a limpeza do lugar com breves pausas para trocar algumas ideias com os que passam por aqui. O coordenador do Passeio Público é meu amigo e deixa eu fazer a limpeza do meu jeito, com as minhas pausas e descansos. Ele sabe que eu limpo tudo direito e passo pelos quatro cantos do lugar. Como estou ficando velho, minhas pernas começam a doer com mais rapidez e logo sento nos banquinhos para descansar um pouco e depois continuar meu trabalho. Por incrível que pareça, as pessoas me ajudam aqui, diferente dos outros lugares que já trabalhei, jogam os lixos nas lixeiras e levantam os pés quando vou varrer perto dos bancos onde sentam. Até nos dias de sábado, quando vem muita gente pra feijoada, não tem muito lixo no chão. Tem um pessoal que faz oficinas com material reciclado que pede pra eu juntar as latinhas das cervejas de sábado e as garrafas de plástico que encontro durante a semana. Junto com o maior prazer por saber que vão virar alguma coisa útil. Já fiz a limpeza da Praça do Ferreira e do Parque das Crianças. Não gostava muito daqueles lugares por serem muito cheio de gente mal educada e de correr o perigo de ser assaltado ou até mal tratado. As pessoas daqui são diferentes, a maioria é muito educada e são poucos os dias que vejo esse lugar com muita gente. Sinto que meu trabalho é respeitado aqui, que faço a diferença, fico tão bem, que quando estou de folga, trago meus filhos aqui para brincarem e escutarem as histórias que contam aos domingos. Somos tratados muito bem e com igualdade, eu e meus meninos adoramos vir aqui.
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  • 43. O MÉDICO DESLOCADO Sou médico da Santa Casa que fica aqui do outro lado da rua. Nunca havia entrado nessa praça, sempre vi que os acompanhantes dos pacientes e alguns dos que vêm se tratar entram aqui e passam um bom tempo. Nunca tive curiosidade de entrar no Passeio Público. Não tenho muito tempo para lazer e sempre tenho que atender muitos pacientes no hospital. Hoje foi um dia muito estressante para mim, não consegui ficar muito tempo pensando nos problemas do trabalho e resolvi entrar aqui para pensar em outras coisas e também para refletir sobre a minha situação como médico. Já ouvira falar sobre o Passeio Público. Muitos amigos e familiares me contaram sobre as atividades que acontecem aqui e como o lugar é bonito. A única pessoa que me falou o contrário foi minha mãe, ela contou que na época em que ela era jovem o lugar não era muito bem frequentado e muitas garotas de programa e drogados vinham aqui. Ela certamente parece convencida de que o lugar permanece da mesma forma de antes, com os mesmos frequentadores. Agora, vejo como é realmente muito bonito e organizado por dentro. Apesar de ter gostado do lugar, não acredito que irei voltar aqui muitas vezes, não tenho tempo sobrando para fazer esses tipos de visita. Sempre que saio do trabalho penso em chegar em casa o mais rápido que puder, não consigo me imaginar parando em algum lugar para refletir e relaxar. Hoje foi um dia muito puxado, fora do normal. Há muito tempo não vejo um dia cheio como o de hoje, não tive muita escolha e percebi logo que minha única opção era sair dali. Como sei que o centro é um lugar muito perigoso e cheio de barulho e confusão, minha única saída era entrar aqui no Passeio Público. Devo admitir que consegui o silêncio e a tranquilidade que estava precisando.
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  • 45. OS MÚSICOS Somos músicos há um bom tempo, tocamos juntos desde sempre. Uma de nossas maiores conquistas foi conseguir tocar em uma bar, em todas as noites de sábado. É uma verdadeira diversão poder tocar para os fregueses do lugar. Não costumamos ensaiar ao ar livre, mas um dia viemos almoçar aqui, era um sábado e estávamos com nossos instrumentos. Rapidamente tivemos algumas ideias de arranjos musicais e decidimos tocar aqui mesmo, nas ruas do Passeio Público. Foi maravilhoso, nos afastamos um pouco do movimento das pessoas que almoçavam e começamos a tocar. Em pouco tempo alguns se juntaram a nós para escutar nosso som e acompanhar nosso ensaio improvisado. Desde então, todos os sábados, antes de tocar no bar, nós nos reunimos aqui para passar os acordes das músicas que iremos tocar à noite. Aqui nós temos companhias muito boas, as pessoas param para ouvir as nossas músicas, a tranquilidade e o silêncio do lugar nos ajudam bastante e ainda tem uma vista muito agradável. Em meio ao horizonte da vista, há uma boate muito conhecida da cidade de Fortaleza, uma das mais tradicionais, ficamos tocando e olhando para lá imaginando um dia em que conseguiremos tocar naquele lugar. De tanto tocarmos por aqui, fomos chamados para nos apresentar durante uma das tradicionais feijoadas de sábado. Nós gostamos da experiência, mas percebemos que não fazemos o estilo das pessoas que frequentam o Passeio nesse horário. Elas estão acostumadas a escutar um bom samba e nosso repertório não contempla esse estilo musical. O ambiente é bem informal e descontraído, gostamos de frequentar o Passeio Público. Quando tem apresentações musicais por aqui, percebemos que os músicos interagem bastante com as pessoas e o clima fica muito agradável. O público que frequenta é bem diverso e bem educado, conseguimos perceber que são pessoas cultas, bem informadas e que gostam de boa música. Conseguimos perceber que a diversidade é bem ampla aqui, não existe preconceito e todos se aceitam do jeito que for. Tem gente que vem de short e sandálias de dedo e alguns que se vestem com roupas de marca e adoram acessórios de ouro. O interessante também é que as pessoas interagem entre si, procuram conhecer a cultura do outro e conversar sobre as diferenças que existem nos estilos de vida e musical. Isso afetou nossa banda, conseguimos abrir nossa mente para outros estilos de música e estamos ensaiando outros estilos musicais além do rock. O Passeio Público traz bastante inspiração para nossa banda.
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  • 47. A TURMA DA CERVEJA Sou cearense e tenho um grupo de amigos desde que entrei na escola. Sempre andávamos juntos e conseguimos manter nossa amizade mesmo depois de seguir caminhos tão diferentes em nossas vidas. Conseguimos entrar em um acordo de que nos encontraríamos uma vez por semana para colocar as novidades em dia e conversar sobre a vida, para manter a amizade que tanto gostamos. Sempre procuramos novos lugares para variar nossos encontros. O Passeio Público foi escolhido recentemente quando um de nós veio com a família em um sábado e o recomendou para o restante do grupo. Agora, todos os sábados nós estamos aqui bebendo cerveja e interagindo com os amigos e com o ambiente que é muito agradável. Gostei tanto do lugar que fui atrás de me informar acerca das atividades que ocorrem durante a semana. Tenho uma loja que fica perto do Passeio Público e, aos sábados, fecho as portas às duas da tarde e venho direto para cá. Ligo para minha esposa e ela vem com nosso filho para almoçar e escutar boa música. A criançada adora o espaço que tem para correr e se divertir, todos nós nos divertimos aqui. Passei a gostar tanto do lugar que recomendei para todos os meus amigos. Quando menos percebi comecei a encontrar diversos conhecidos por aqui, aos sábados. Posso confessar que tem algumas pessoas estranhas que frequentam o Passeio Público, mas eu não ligo porque fico tão feliz e tranquilo aqui dentro que nem percebo as diferenças e me preocupo mesmo é com a alegria da minha família e amigos. Combinei com minha esposa que aos sábados ela dirige para que eu possa beber com os amigos e ela fica conversando com as amigas e aceita bem nosso acordo. Aos domingos venho com meu filho para que possamos brincar e desfrutar das atividades que acontecem por aqui. O lugar fica muito bonito com todas as toalhas estendidas pelas gramas, com as famílias fazendo piquenique. Me sinto muito tranquilo e trago um livro para ler enquanto meu filho participa das atividades que são propostas e brinca com as outras crianças.
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  • 49. AS IRMÃS Sou jovem, estou longe de fazer trinta anos de idade. Não tenho medo de assumir quem realmente sou. Nunca tive problemas para defender meus pontos de vista e sempre gostei de ir atrás do que gosto e acredito. Minha sexualidade sempre foi uma incógnita. Há pouco tempo comecei a me conhecer melhor e compreender o que me interessa. Conheci uma garota que me interessou bastante e começamos a nos relacionar, estamos namorando e me sinto muito bem. Contudo, tem um grande problema que eu não esperava enfrentar, a reação dos meus pais. Eles não aceitaram muito bem o fato de eu ter escolhido namorar uma garota e disseram que preferem que eu pare com isso. Eu não consigo, é algo que faz parte de mim e me faz muito feliz. Percebi, no entretanto, que eu tinha que fazer algo para conseguir continuar me encontrando com minha namorada sem que meus pais soubessem. Consegui trocar o turno de minha faculdade para o período da noite sem que eles soubessem. Assim passei a me encontrar com minha amada aqui no Passeio Público durante os dias para matar a saudade e ficar com ela. Aqui é um dos poucos lugares em que conseguimos ficar tranquilas e namorar sem ninguém nos perturbar. Tenho uma irmã que me apoia apesar de não gostar da ideia e não aceitar minha escolha sexual. Somos muito amigas e apesar de nossas diferenças ela me ajuda sempre que preciso. Por vezes venho aqui de carona com ela e vejo como ela fica preocupada com meus encontros. Uma vez perguntou se os guardas mexiam com a gente, expliquei para ela que eles respeitam bastante e que não havia necessidade de se preocupar. Não gosto de fazer carinhos em público, acho que devo respeitar os outros também e ser discreta quando venho para namorar. A gente entra de mãos dadas e ficamos sentadas juntas conversando, quase ninguém olha para nós. O lugar me faz refletir bastante, sempre que estou aqui sinto a necessidade de conversar um pouco com Deus, como se estivesse rezando para pedir que meus pais comecem a aceitar a minha condição e as minhas escolhas. Não gosto de me esconder e acredito que eles me amam muito. Sei que um dia iremos conseguir vencer isso e, por vezes, começo a imaginar todos nós vindo aqui ao Passeio juntos, para almoçar e conversar sobre a vida.
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  • 51. O ESTILISTA Sou estudante de estilismo e moda, recebi um trabalho da faculdade para essa semana e não estava conseguindo encontrar inspiração em casa. Resolvi sair e procurar algum lugar que pudesse me sentar e pensar sobre o trabalho que consiste em realizar uma coleção para um desfile. Lembrei do Passeio Público e que fazia um bom tempo que não vinha aqui. Quando aqui cheguei logo vi todo esse verde que me lembra a enorme natureza brasileira. Senti o ar misterioso e cheio de história que esse lugar tem e vi as estátuas que me lembram a Grécia antiga. Me senti como se tivesse viajado no tempo, me senti em outra época. Lembrei-me de algumas aulas de História do Ceará, quando aprendi um pouco sobre a história do Passeio Público e das imagens das mulheres com aqueles vestidos longos, lindos, andando pelas avenidas daqui. Senti uma grande inspiração, comecei a imaginar um cenário de filme antigo e comecei a escrever notas para meu trabalho. Comecei a perceber como o lugar é propício para eventos de moda e desfiles, um cenário natural com avenidas espaçosas perfeitas para lançar uma coleção. Gostaria que a prefeitura começasse a realizar eventos assim por aqui. Seria muito bom ver os eventos de música que geralmente acontecem por aqui começarem a se juntar com a moda. Seria ótimo para que as pessoas de fora, que são ligadas à arte, conhecessem esse lugar lindo e aconchegante. Algumas vezes sinto vontade de morar aqui dentro, fico sentado olhando toda essa beleza e penso como deve ser bom visitar esse lugar todos os dias. Voltarei mais vezes para buscar inspiração aqui. Minha mente se sentiu livre quando entrei aqui e logo comecei a criar, vou indicar para os amigos da faculdade também.
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  • 53. O CAMBISTA Tenho cinquenta anos e conheço o Passeio Público há muito tempo. Tive uma banquinha aqui dentro, ficava ao lado do quiosque e eu fazia o jogo do bicho. Muitas pessoas que andavam pelo centro já me conheciam e entravam aqui só para fazer a aposta do dia. Meu ponto dentro do Passeio foi muito conhecido e frequentado. Eu fazia meu trabalho do jeito correto, era afiliado a uma empresa que organizava as apostas do jogo e sempre mantinha meus clientes informados de tudo. Um dia, aprovaram uma lei que proibia a existência dos cassinos e dos jogos de aposta nas ruas e aconteceram várias operações policiais para fechar esses lugares. Não consegui sair do Passeio Público a tempo e fui apreendido durante alguns dias. Minha barraquinha foi levada e perdi o direito que tinha sobre ela. A principio entrei em desespero porque não sabia fazer outra coisa, vivia daquilo desde que comecei a trabalhar e já sabia o que dizer para os clientes. Tenho o dom de encher as pessoas com esperança para apostarem alguns poucos reais sonhando em receber muitos em troca. Fui atrás de trabalhar com algo parecido, consegui ser representante da loteria dos sonhos e também vendo algumas cartelas de aposta. Mas, os antigos clientes não querem saber dessas apostas legais, o que eles realmente querem é o jogo do bicho. Continuo frequentando o Passeio Público porque muitas pessoas me conhecem daqui e ainda vêm me procurar aqui dentro, o lugar é agradável e ninguém meche comigo.
  • 54. Fim