1. RECOMENDAÇÃO nº 008/2011
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, pela
Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da Comarca de Natal, com
fundamento no art. 6o, Inc. XX, da Lei Complementar Federal nº 75/93, combinado
com o art. 80 da Lei Federal nº 8.625/93;
Considerando que incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público, na
forma dos artigos 127, caput, e 129, Inc. III, ambos da Constituição Federal; artigo 25,
Inc. IV, alínea 'a', da Lei Federal 8.625/93; e art. 67, Inc. IV, alínea 'a', da Lei
Complementar Estadual 141/96, competindo-lhe, ainda, expedir recomendações
visando ao efetivo respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe
promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências pertinentes;
Considerando que a PREFEITURA MUNICIPAL DE NATAL efetuou contratos
de “Promoção Turística do destino Natal mediante inserção da marca Prefeitura
nos uniformes” dos clubes ABC, AMÉRICA e ALECRIM, nos valores de R$
130.000,00; R$ 130.000,00 e R$ 100.000,00, respectivamente, mediante
inexigibilidade de licitação;
Considerando que o GOVERNO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
anunciou o patrocínio de R$ 1.000.000,00 (hum milhão de reais) para clubes de
futebol do Estado, sendo R$ 475 mil para o ABC, R$ 325 mil para o AMÉRICA,
R$ 100 mil para o ALECRIM e R$ 100 mil para o SANTA CRUZ;
Considerando que os Clubes de Futebol profissional são empresas privadas com fins
lucrativos e sem fins sociais, na forma da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998,
regulamentada pelo Decreto nº 2.574/98, cujo artigo 26 dispõe:
Art. 26. As atividades relacionadas a competições de atletas profissionais são privativas
de:
I – sociedades civis de fins econômicos;
II – sociedades comerciais admitidas na legislação em vigor;
III – entidades de prática desportiva que constituírem sociedade comercial para
administração da atividades de que trata este artigo. [o grifo não consta do original];
Considerando que as competições esportivas de que participam os clubes de futebol
profissionais não se resumem a mera atividade lúdica, sendo organizadas, em caráter
privado, por federações e confederações de clubes, mediante o pagamento de ingressos
em estádios e concessões onerosas de transmissão de rádio e televisão, visando o lucro
2. e sem qualquer retorno para a coletividade, apenas usufruindo desse espetáculo aquelas
pessoas que por ele podem pagar;
Considerando que os recursos auferidos pelos clubes e federações de futebol
incorporam-se direta ou indiretamente ao patrimônio de seus sócios proprietários,
empregados e jogadores;
Considerando que os recursos e interesses públicos são indisponíveis, não sendo
facultado aos Gestores Públicos transferi-los a particulares no estrito interesse desses
últimos e, ainda, que a discricionariedade administrativa não lhes confere o arbítrio de
dispor dos recursos públicos como lhes aprouver, devendo sempre respeitar a
Constituição, as leis do País e os Princípios norteadores da Administração Pública;
Considerando que não há qualquer demonstração de que o patrocínio a clubes de
futebol atenda o interesse da coletividade ou de que a inserção dos dizeres “Prefeitura
do Natal” ou “Governo do Rio Grande do Norte” nos uniformes dos clubes vá trazer
qualquer benefício a esses Entes Públicos ou incremento turístico ao Estado;
Considerando que fere o Princípio Constitucional da Moralidade repassar recursos
públicos a empresas privadas sem qualquer atuação social em detrimento do interesse
da coletividade, cujas demandas sociais são muitas e urgentes, especialmente diante do
notório desajuste orçamentário e financeiro da Prefeitura do Natal e do Governo do
Estado do Rio Grande do Norte, com salários de servidores atrasados, diversas
categorias profissionais em greve e atividades essenciais à população prejudicadas;
Considerando, ainda, que não é razoável, diante do atual quadro do futebol profissional
e da mazela social do Estado, que os Governos tenham que abrir seus cofres para
manter, ainda que temporariamente, clubes de futebol profissional, até porque as
administrações dessas entidades não podem e não devem sofrer influências da
Administração Pública, muito menos receber verbas para manutenção;
Considerando, também, que não é razoável que seja realizado repasse de verbas
públicas a um restrito grupo de pessoas em detrimento de toda a comunidade e sem
qualquer benefício desta, quando há evidente necessidade de serem alocados recursos
públicos para suprir as deficiência nas áreas de educação, saúde, segurança, saneamento
básico, esportes comunitários, lazer, entre outros, em todo o Estado do Rio Grande do
Norte e em especial no Município de Natal;
Considerando que facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao
patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores
integrantes do acervo patrimonial dos entes estatais constitui ato de improbidade
administrativa, tipificado no art. 10, Inc, I, da Lei nº 8.429/92;
Considerando que o patrocínio a alguns clubes do Estado em detrimento dos demais
ofende o Princípio Constitucional da Isonomia e causa desequilíbrio entre as equipes;
Considerando que “é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-
formais, como direito de cada um, observada a destinação de recursos públicos para a
promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do
desporto de alto rendimento” (Art. 217, Inc. II, da Constituição Federal);
3. Considerando, por outro lado, que o incentivo governamental ao esporte não se
apresenta como um fim em si mesmo e sim pelas vantagens que a prática esportiva
pode representar, contribuindo para o desenvolvimento integral do indivíduo, para o
exercício da cidadania, para a promoção da saúde e da educação e para a preservação do
meio ambiente, vantagens essas inerentes, apenas, ao esporte de educação ou de
participação, mas não ao esporte profissional;
Considerando, ainda, que o repasse de recursos públicos a clubes de futebol profissional
não se afigura como incentivo ao esporte porque não traz em seu bojo as vantagens
anteriormente descritas;
Considerando que nos termos do artigo 25 da Lei 8.666, de 21.06.1993, a
inexigibilidade de licitação, pressupõe a inviabilidade de competição, sendo vedada, em
qualquer hipótese, para os contratos de publicidade e divulgação;
Considerando que, mesmo que os referidos contratos de patrocínio se enquadrassem no
art. 25 da Lei de Licitações, dispensando o certame licitatório por inviabilidade de
competição, o que se admite apenas para argumentar, ainda assim, de qualquer forma,
subsistiria a necessidade de constituir processo e fazer estudos preliminares
abrangendo o diagnóstico da necessidade, a definição do objeto e a pesquisa de
mercado, formalidades, destinadas a assegurar o fiel cumprimento do interesse público;
Considerando a imprescindibilidade de um estudo específico sobre os benefícios
advindos do patrocínio a clubes de futebol, que examine, por exemplo, a aceitação ou
não da marca no mercado e que compare os benefícios de eventual patrocínio a outros
times e/ou seleções brasileiras, a atletas olímpicos e paraolímpicos, e demais
possibilidades esportivas, visando à seleção da proposta mais vantajosa para a
Administração e em consonância com o princípio constitucional da isonomia e os
princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, ínsitos no art. 3º da Lei nº
8.666/93, o que não foi feito;
Considerando que a inexigibilidade indevida de licitação configura, em tese, crime e ato
de improbidade administrativa, tipificados, respectivamente, no artigo 89 da Lei
8.666/93 e no artigo 10, Inc. VIII, da Lei nº 8.429/92;
Por fim, considerando que a Administração Pública de qualquer dos poderes do Estado
deve necessariamente obedecer aos princípios constitucionais da legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, nos termos do artigo 37 da
Constituição da República, e que a violação de tais princípios importa ato de
improbidade administrativa, punido na forma da Lei nº 8.429/92;
Resolve RECOMENDAR ao Ilustríssimo Sr. SECRETÁRIO MUNICIPAL DE
TURISMO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO - SETURDE que anule os
processos administrativos nº 051872/2010-28, 051873/2010-72 e
040199/2010-09, cujos beneficiários são o ABC Futebol Clube (R$ 130.000,00),
o AMÉRICA Futebol Clube (R$ 130.000,00) e o ALECRIM Futebol Clube (R$
100.000,00), abstendo-se de repassar recursos públicos a clubes de futebol
profissionais sob qualquer forma de contratação ou convênio;
4. Resolve RECOMENDAR ao Excelentíssimos Senhores SECRETÁRIO DE
ESTADO DO PLANEJAMENTO e CHEFE DO GABINETE CIVIL que anulem
qualquer contrato ou convênio de patrocínio, divulgação ou fomento aos clubes
ABC, AMÉRICA, ALECRIM e SANTA CRUZ, abstendo-se de repassar recursos
públicos a clubes de futebol profissionais sob qualquer forma de contratação ou
convênio;
Publique-se a presente recomendação, remetendo-se cópia, por fax, ao Gabinete
Civil do Governo do Estado, à Secretaria de Estado do Planejamento e à
Secretária Municipal de Turismo e Desenvolvimento Econômico.
Remeta-se, ainda, cópias às Controladorias Gerais do Estado e da Prefeitura
Municipal do Natal e ao Tribunal de Contas do Estado.
Natal/RN, 15 de julho de 2011
SÍLVIO RICARDO GONÇALVES DE ANDRADE BRITO
Promotor de Justiça
EMANUEL DHAYAN BEZERRA DE ALMEIDA
Promotor de Justiça
DANIELLI CHRISTINE DE OLIVEIRA G. PEREIRA
Promotora de Justiça
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO NORTE
PROMOTORIA DE JUSTIÇA – COMARCA DE LAJES
Travessa Raimundo de Melo, nº. 52 – Centro. CEP.: 59.535-000. Fone: 3532-3578
PUBLICADO DOE Nº 12.506 EM 22/07/2011