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Guião de Educação. Género e Cidadania 2º ciclo
No panorama educativo parece consensual que o conceito de igualdade de género faça
parte integrante, de forma inequívoca, do conteúdo dos discursos e dos documentos                                                           Guião de Educação
normativos que são produzidos a vários níveis de decisão. No plano teórico é aceite, sem



                                                                                                                                            Género e
grandes debates, que todos os seres humanos deverão ser livres de desenvolver as suas
aptidões e de tomar as suas decisões num contexto inclusivo respeitador das múltiplas
individualidades, independentemente das crenças valorizadas socialmente acerca das



                                                                                                                                            Cidadania
características e dos comportamentos tradicionalmente atribuídos aos homens e às
mulheres. Contudo, as práticas educativas não parecem ter conseguido acompanhar, pelo
menos com a eficácia desejada, este discurso teórico.




                                                                                                                                                                          2º ciclo
Foi com o propósito de poder contribuir, de forma intencional e organizada, para a
diminuição do fosso existente entre a igualdade de jure e a igualdade de facto, que se
concebeu este Guião de Educação. Género e Cidadania. As suas autoras ambicionam
não só enriquecer os recursos pedagógicos disponíveis para as e os docentes do 2º ciclo
do ensino básico, mas sobretudo motivar para o desenvolvimento de práticas sensíveis                                                        Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho
ao género promotoras da construção de uma cidadania plena, na escola e na sociedade.                                                        Conde, Aitana Martos García, Alberto Martos García,
                                                                                                                                            Conceição Nogueira, Cristina Vieira, Luísa Saavedra, Paula
                                                                                                                                            Silva, Olga Magalhães e Teresa-Cláudia Tavares.
Guião de Educação
         Género e cidadania
                                                 2º ciclo

Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho Conde, Aitana Martos
     García, Alberto Martos García, Conceição Nogueira, Cristina Vieira,
                Luísa Saavedra, Paula Silva e Olga Magalhães




                               Lisboa, 2012
O conteúdo deste livro não exprime necessariamente a opinião da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género




Ficha Técnica

Título:
Guião de Educação Género e Cidadania. 2º ciclo do ensino básico

Autoria:
Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho Conde, Aitana Martos García, Alberto Martos García, Conceição
Nogueira, Cristina Vieira, Luísa Saavedra, Paula Silva, Olga Magalhães e Teresa-Cláudia Tavares.

Consultoria Científica:
Ângela Rodrigues e Teresa Joaquim.

Revisão:
Isabel de Castro, Teresa Alvarez e Teresa Pinto.

Edição:
Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género

Lisboa, 2012



Design Gráfico e Paginação:
Marta Gonçalves

Impressão e acabamento:
Rolo & Filhos II, S.A.

Tiragem:
1.300 Exemplares

Data de Impressão:
Junho de 2012

Depósito Legal:
346219/12

ISBN:
978-972-597-336-3


Validado pela DGE/MEC

Disponível em: http://www.cig.gov.pt/guiaoeducacao/
Esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nas referências bibliográficas foi respeitada a
grafia original.
GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA




Índice

Nota Prévia	                                                                          VII


INTRODUÇÃO. Género, educação, cidadania... o desafio 	                                  1

1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO 	                                                             5
   1.1. Género e Cidadania 	                                                           7
         1.1.1. De que falamos quando falamos de género? 	                            10
         1.1.2. O género como categoria social 	                                      20
         1.1.3. A formação da identidade de género 	                                  23
         1.1.4. Estereótipos de género 	                                              26
         1.1.5. De que falamos quando falamos em cidadania? 	                         33
         1.1.6. Que relações entre género e cidadania? 	                              37
         1.1.7. De que falamos quando falamos em cidadania e educação? 	              40
         1.1.8. Construindo práticas de cidadania 	                                   46
   1.2. Género e Currículo 	                                                          49
         1.2.1. Currículo Formal e Informal 	                                         49
         1.2.2. O poder da linguagem e dos materiais pedagógicos 	                    55
         1.2.3. Género, saberes e competências 	                                      59
         1.2.4. A importância das interações e dos espaços escolares 	                61
         1.2.5. As e os docentes na educação para a igualdade 	                       63
   1.3. A transversalidade do género na intervenção educativa 	                       67
         1.3.1. A construção do género na intervenção pedagógica	                     69
         1.3.2. Género e percursos escolares	                                         73
         1.3.3. A transversalidade do género nas propostas de intervenção educativa
         do guião	                                                                    75


2. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO E AS PRÁTICAS LÚDICAS DOS TEMPOS
LIVRES 	                                                                               79
   2.1. As atividades lúdico-motoras e o desenvolvimento dos padrões de
   comportamento masculino e feminino 	                                                81
   2.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução	                        87
   a) O que fazem as raparigas e os rapazes nos seus tempos livres? 	                 89
   b) Os tempos livres dos nossos pais e mães eram iguais ou diferentes dos nossos?	 95
   c) As histórias dos tempos livres de uma amiga e de um amigo imaginário 	         101
   d) As notícias desportivas na nossa terra: sobre o quê e sobre quem? 	            107
   e) Género, estilos de vida e saúde	                                                111



                                                                                        V
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA         2 Ciclo

3. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO, HISTÓRIA E PATRIMÓNIO                             115
   3.1. Género, História e Património 	                                             117
   3.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução	                      121
   f) O mosaico romano	                                                             123
   g) Filipa de Lencastre	                                                          127
   h) Personagens do século XX português	                                           133
   i) À Descoberta do Património Imaterial	                                         135
   j) O nome da minha escola	                                                       139


4. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO E AS PERSONAGENS NA LITERATURA 	 141
  4.1. A diferenciação de género nas personagens de literatura infantil e juvenil 	 143
  4.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução 	                      147
  k) Líderes e seguidores/as: e se…?	                                               149
  l) Rapazes de ação, Raparigas de ação	                                            153
  m) Meninas e Meninos: todos iguais? 	                                             157
  n) Contos antigos, versões modernas 	                                             163
  o) As preferências e as escolhas individuais	                                      171
	
BIBLIOGRAFIA 	                                                                      177
RECURSOS 	                                                                          205
GLOSSÁRIO	                                                                          213
NOTAS BIOBIBLIOGRÁFICAS 	                                                           221




 VI    Lisboa, CIG, 2012
GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA




Nota Prévia

Com a publicação de dois novos Guiões de Educação Género e Cidadania, a Comissão para a
Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) dá continuidade ao projeto, iniciado em 2008, de produzir
e editar materiais de apoio à integração da dimensão do género e da igualdade entre raparigas
e rapazes no currículo do ensino básico. Os dois novos Guiões destinam-se, respetivamente,
ao 1º e ao 2º ciclos do ensino básico e, à semelhança dos Guiões editados em 2010, tiveram o
apoio financeiro do POPH, através do Eixo 7 - Igualdade de Género, e foram acompanhados pela
Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) que validou a sua adequação às
orientações curriculares do Ministério da Educação. Destinando-se à educação formal, os Guiões são
instrumentos de apoio para profissionais de educação de todas as áreas curriculares, disciplinares e
não disciplinares, e de todos os tipos e/ou modalidades de ensino.
A finalidade destes Guiões é a integração da dimensão de género nas práticas educativas formais
e nas dinâmicas organizacionais das instituições educativas, com vista à eliminação gradual dos
estereótipos sociais de género que predefinem o que é suposto ser e fazer um rapaz e uma rapariga.
Pretende-se, assim, contribuir para tornar efetiva a educação para a cidadania para raparigas e
para rapazes, garantindo que a educação, e a cidadania como uma das suas áreas transversais,
se configure e estruture a partir, entre outros, do eixo das relações sociais de género, visando uma
verdadeira liberdade de escolha dos percursos académicos e profissionais e dos projetos de vida por
parte, quer de raparigas, quer de rapazes.

A produção destes Guiões enquadra-se nos compromissos internacionais assumidos por
Portugal, inscrevendo-se, nomeadamente, nos Objetivos Estratégicos da Plataforma de Ação de
Pequim (1995) relativos à educação e na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas
de Discriminação Contra as Mulheres (Convenção CEDAW), constituindo uma resposta às
Recomendações dirigidas a Portugal por este Comité, em novembro de 2008. A nível nacional, os
Guiões concretizam uma das medidas previstas no IV Plano Nacional para a Igualdade, Género,
Cidadania e Não Discriminação (2011-2013), respondendo, ainda, às Recomendações emanadas
do Fórum de Educação para a Cidadania que decorreu entre 2006 e 2008. Decorrendo das
responsabilidades acrescidas da CIG que, por força da sua Lei Orgânica de 2007, passou a ter
competências na área da educação para a cidadania, os Guiões traduzem também a intervenção da
CIG nesta área enquanto Mecanismo Nacional para a Igualdade entre Mulheres e Homens.

Os Guiões de Educação Género e Cidadania inscrevem-se na linha de atuação da Comissão que
sempre elegeu a educação como área de intervenção prioritária, nela desenvolvendo uma atividade
estrategicamente conduzida, assente em projetos de intervenção delineados e concretizados de
forma articulada, numa lógica de continuidade, consolidação e avaliação de resultados, identificação
de resistências, lacunas e respostas às mudanças do sistema educativo e à evolução das práticas de
profissionais de educação. Da ação desenvolvida pela Comissão resultou, entre outras, a criação de
uma Rede Nacional informal (a Rede Coeducação) de especialistas, investigadoras e investigadores


                                                                                                  VII
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA          2 Ciclo

em Género, Educação e Formação, docentes de instituições de ensino superior e não superior e
de ONG. Esta Rede é, hoje, um recurso nacional incontornável para uma intervenção na educação,
no domínio da igualdade de género, fundada em rigor, adequação e sustentabilidade científica e
pedagógica. A ela pertencem muitos dos elementos da equipa que concebeu estes Guiões.

Ao longo da elaboração dos novos Guiões, realizam-se ações de formação para docentes em
2010/2011, em diferente zonas do país, e deu-se continuidade à intervenção em escolas piloto.

Uma última nota sobre a utilidade destes Guiões. Tal como tem sido reiterado pela ONU, através do
Comité CEDAW, pelo Conselho da Europa e pela União Europeia, não basta produzir bons materiais
sobre género e educação. É imprescindível uma aposta efetiva, exigente e continuada na formação
de profissionais de educação para que a aplicação destes materiais se concretize, respeitando-se
os objetivos para que foram criados, e para que a sua aplicação tenha um impacto real junto das
crianças e jovens de ambos os sexos a quem se destinam, não apenas no seu percurso escolar
mas durante toda a sua vida, enquanto pessoas e enquanto elementos de pleno direito em todas as
comunidades a que pertencerem.

Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género




 VIII   Lisboa, CIG, 2012
Introdução
INTRODUÇÃO




Introdução

N
               o panorama educativo parece        estrutura basilar compreende uma parte com
               consensual que o conceito de       um enquadramento teórico e uma parte com
               igualdade de género faça parte     propostas de atividades práticas. A componente
               integrante, de forma inequívoca,   teórica inclui um capítulo sobre “Género e
do conteúdo dos discursos e dos documentos        Cidadania” (comum aos outros Guiões), um
normativos que são produzidos a vários níveis     capítulo sobre “Género e Currículo” (comum
de decisão. No plano teórico é aceite, sem        ao Guião do 3º ciclo do ensino básico) e um
grandes debates, que todos os seres humanos       capítulo sobre a “Transversalidade do Género
deverão ser livres de desenvolver as suas         na Intervenção Educativa”. As propostas de
aptidões e de tomar as suas decisões num          intervenção educativa foram organizadas em
contexto inclusivo respeitador das múltiplas      redor de três temáticas: “Género e as práticas
individualidades, independentemente das           lúdicas dos tempos livres”, “Género, história
crenças valorizadas socialmente acerca            e património” e “Género e as personagens na
das características e dos comportamentos          literatura”. Estas temáticas foram selecionadas
tradicionalmente atribuídos aos homens e às       tendo em conta algumas das dimensões da
mulheres. Contudo, as práticas educativas não     vida das crianças e jovens desta faixa etária
parecem ter conseguido acompanhar, pelo           onde se revele pertinente a problematização
menos com a eficácia desejada, este discurso      da igualdade de género. Por seu turno, cada
teórico.                                          conjunto de propostas temáticas é antecedido
                                                  por um breve referencial teórico que pretende
Foi com o propósito de poder contribuir,
                                                  enquadrar, de uma forma mais específica, as
de forma intencional e organizada, para a
                                                  várias sugestões de atividades.
diminuição do fosso existente entre a igualdade
de jure e a igualdade de facto, que se concebeu
                                                  Na temática “Género e as práticas lúdicas
este Guião de Educação, Género e Cidadania.
                                                  dos tempos livres” desenvolvem-se propostas
As suas autoras ambicionam não só enriquecer
                                                  de atividades nas quais as crianças e jovens
os recursos pedagógicos disponíveis para as
                                                  terão oportunidade de analisar as escolhas e
e os docentes do 2º ciclo do ensino básico,
                                                  as oportunidades de prática de atividades de
mas sobretudo motivar ao desenvolvimento
                                                  tempos livres, refletindo sobre os fatores que
de práticas sensíveis ao género promotoras da
                                                  interferem e medeiam essas opções e decisões.
construção de uma cidadania plena, na escola e
na sociedade.                                     Na temática “Género, História e Património”
                                                  procura-se aliar a consciencialização e
Este Guião para o 2º ciclo do ensino básico       análise crítica dos estereótipos de género à
surge integrado no conjunto de Guiões de          sensibilização e descoberta da pluralidade dos
Educação, Género e Cidadania que foram            valores patrimoniais (nas dimensões material
produzidos, especificamente, para cada um dos     e imaterial) do meio e das comunidades em
níveis de educação e ensino, desde a educação     que a escola se insere, considerando-se o
pré-escolar ao 3º ciclo do ensino básico. A sua   princípio da transversalidade do tempo histórico


                                                                           por: Clarinda Pomar   003
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA         2 Ciclo

dos temas tratados (do mundo romano ao           ou de complementaridade das propostas
mundo contemporâneo). Na temática “Género        apresentadas.
e as personagens na literatura”, as sugestões
desenrolam-se, maioritariamente, à volta de      Realçamos ainda que as várias propostas de
obras recomendadas, para estas idades, pelo      intervenção educativa deste Guião pretendem
Plano Nacional de Leitura em que o texto, as     valorizar a interdisciplinaridade permitindo o
características das personagens e as situações   desenvolvimento dos conhecimentos e das
criadas pelos autores e autoras constituem o     competências específicas de várias áreas
pretexto para a problematização das questões     disciplinares.
de género.                                       O Guião faculta ainda um glossário (comum
                                                 aos outros Guiões) bem como todas as
Embora todas as propostas de atividades          referências bibliográficas e webgráficas que
se encontrem devidamente estruturadas,           sustentam os vários textos e que possibilitam o
cada docente terá possibilidade de encontrar     aprofundamento das temáticas aí abordadas.
elementos de flexibilidade que lhe permitirão
proceder a adaptações tendo em conta os          Esperamos, desta forma, envolver ativamente
recursos disponíveis, as características dos     os professores e as professoras, os alunos
seus alunos e das suas alunas, bem como          e as alunas do 2º ciclo e toda a comunidade
as particularidades do contexto educativo        educativa neste compromisso educativo
onde as vão aplicar. Sugerem-se ainda,           fundamental.
frequentemente, atividades de extensão




004    Lisboa, CIG, 2012
1.
Enquadramento
Teórico
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania




   1.1.

Género e Cidadania

Introdução

A diversidade de características dos                    desigualdade qualitativa: elas já são mais
homens e das mulheres constitui                         numerosas do que eles na escola, mas
                                                        ensino misto e coeducação estão longe
um manancial de recursos de tal
                                                        de ser conceitos sinónimos; no mundo
maneira valioso que a trajetória de                     profissional existem ainda disparidades
cada pessoa ao longo do seu ciclo de                    salariais em muitos setores de atividade,
vida está continuamente em aberto,                      persistem os chamados tetos de vidro na
construindo-se em função de uma                         ascensão profissional, as jovens mulheres
                                                        recém​ licenciadas têm mais dificuldade
                                                                -
multiplicidade de fatores históricos e
                                                        de acesso ao emprego do que os seus
contextuais. Estas possibilidades de                    colegas do sexo masculino e o desemprego
desenvolvimento e de aprendizagem                       afecta-as mais. Para além desta situação,
                                                                  




têm sido, no entanto, historicamente                    o discurso sobre a conciliação entre a vida
restringidas, sempre com base na                        doméstica e a carreira continua a existir
                                                        associado essencialmente às mulheres
defesa de estereotipias arcaicas,
                                                        que, na realidade (seja em termos das
conducentes a desigualdades e                           tarefas domésticas, ou do cuidado aos
discriminações, penalizadoras em                        filhos e a familiares dependentes), são
maior escala para o sexo feminino.                      de uma forma geral as garantes da vida
                                                        quotidiana das famílias, vendo a sua saúde
                                                        física e psicológica posta em risco por esta




U
                                                        real sobrecarga. Finalmente, as mulheres,
             ma leitura desatenta das                   se bem que agora mais presentes na
             estatísticas atuais relativas              vida pública, continuam minoritárias em
             à situação das mulheres e                  posições onde o poder importa e o estatuto
             dos homens ocidentais faz                  socioeconómico é fundamental. A atual Lei
crer que a igualdade entre homens e                     da Paridade (Lei Orgânica nº 3/2006, de
mulheres está praticamente conseguida.                  21 de agosto) poderá alterar esta situação,
Porém, a aparente igualdade quantitativa                mas, ainda assim, muito será necessário
em alguns setores escamoteia a real                     fazer para que elas se encontrem igualmente


                                por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   007
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA         2 Ciclo

representadas e todos os seus talentos           Tarizzo e Diana Marchi (1999: 6). Por esse
sejam de igual forma valorizados.                motivo, deve desempenhar o seu papel na
                                                 eliminação das desigualdades entre homens
Embora as mulheres sejam, efetivamente,          e mulheres que continuam a prevalecer.
a face legitimamente mais visível da batalha     Isto pode conseguir-se através de boas
pela igualdade de direitos e oportunidades,      práticas de cidadania ativa e democrática,
é indubitável que um tratamento produtivo        que possam ser aprendidas na escola a
desta problemática deve incluir também           par dos conteúdos do currículo formal.
a consciência do impacto que estas               Para o alcance dos objetivos que norteiam
desigualdades acarretam para o sexo              a efetiva realização desta cidadania ativa é
masculino. São disso bastante expressivos        necessário que a escola assuma também
factos como: a maior taxa de abandono            a responsabilidade de se tornar um local
escolar dos rapazes, sobretudo no ensino         privilegiado de partilha, de cooperação
secundário; o número e                                               e de educação para a
gravidade dos acidentes       A Lei Orgânica nº3/2006, de 21         participação. Uma escola
de viação dos rapazes         de agosto, designada por Lei da        democrática é uma
na adolescência,                                                     organização de liberdade,
                              Paridade, estabelece que as listas
associados a uma                                                     capaz de oferecer
pressão societal              para a Assembleia da República,        resistência contra o
para uma forma                para o Parlamento Europeu e            autoritarismo, a opressão
de masculinidade              para as autarquias locais são          e todas as formas de
hegemónica que                                                       discriminação baseadas
                              compostas de modo a assegurar
também os constrange;                                                no sexo, na classe, na
                              a representação mínima de 33%
e a falta de autonomia                                               raça/etnia, na orientação
a nível da realização         de cada um dos sexos.                  sexual, na religião, na
de tarefas domésticas,                                               cultura. É uma escola que
limitação essa subjacente às razões              supera preconceitos e estereótipos. Uma
alegadas pelos homens para o casamento           cidadania ativa numa sociedade cada vez
na sequência de um primeiro divórcio             mais plural implica a aceitação do valor da
ou viuvez, ou ainda à decisão de alguns          igualdade dos direitos e dos deveres para
idosos (do sexo masculino) saudáveis de          todos e todas, implica um compromisso
passarem a viver em instituições quando          genuíno com a sociedade na sua
ficam sozinhos. Pelo exposto, importa            diversidade, o respeito crítico pelas culturas,
trabalhar no sentido da construção de um         crenças, religiões etc., e implica também
mundo onde homens e mulheres possam              abertura à solidariedade pela diferença,
viver em igualdade, sem constrangimentos         rejeitando qualquer tipo de exploração –
a todas as suas aspirações e com garantias       racismo, sexismo… enfim, recusando a
de oportunidades de exercício dos seus           discriminação sob qualquer forma.
múltiplos talentos.
                                                 Apesar das múltiplas discriminações
A escola, para além de ser um local de           existentes, vamos centrar-
compreensão e de preparação de rapazes           -nos neste guia nas questões da igualdade
e raparigas para a vida, deverá estar            entre homens e mulheres e por isso na
entre os principais agentes de mudança,          erradicação do sexismo, conceito que
contribuindo, “juntamente com outros             abrange todos os preconceitos e formas de
intérpretes sociais, para a construção           discriminação exercidas contra um indivíduo
da realidade”, como escreveram Gisela            devido ao respetivo sexo.


008    Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



Temos bem presente que
há uma multiplicidade de
discriminações que se                       “ trate a aplicação correta do igual e deda igualdade exige que
                                            se
                                               Mas
                                                    de modo igual o que é
                                                                           princípio
                                                                                     modo diferente o que é
podem cruzar e produzir
                                            diferente. Desde que se verifiquem situações de desigualdade à
formas de desigualdade
                                            partida, haverá que corrigir essa desvantagem inicial através de
particulares. Não                           ações positivas que, procurando anulá-la, criem condições para
esquecemos, como advertiu
Conceição Nogueira (2009),
                                            uma real igualdade de oportunidades.
                                            Eliane Vogel-Polsky, 1991: 5.
                                                                                       ”
essas formas intersecionais
de viver as múltiplas
discriminações (como
acontece, por exemplo, no
caso de jovens raparigas        argumentos e diferentes                     sexo e género, a que
provenientes de classes         posicionamentos para                        se segue uma reflexão
desfavorecidas ou de etnias     que este fenómeno do                        sobre a importância do
não dominantes); elas estão     sexismo possa ser pensado,                  género enquanto categoria
presentes ao longo deste        repensado e, quando                         social desde a primeira
trabalho, mesmo que nem         interrelacionado com outras                 infância. Logo em seguida,
sempre nomeadas. Apenas         categorias de pertença                      analisa-se sob o ponto
por razões de ordem             que acarretam também                        de vista psicológico a
prática nos centraremos         discriminações, analisado na                formação e consolidação
essencialmente na               sua inerente complexidade.                  da identidade de género
categoria de sexo (homens                                                   nos primeiros anos de
e mulheres) que tende a         Este capítulo constitui                     vida. O conhecimento dos
fomentar uma visão dos          a parte introdutória de                     estereótipos de género,
dois sexos como opostos.        um Guião destinado à                        por parte das crianças, e
                                promoção da igualdade                       a adopção dos mesmos
Esta divisão, assimétrica       de género no âmbito                         com a idade, são aspectos
do ponto de vista simbólico     de diferentes espaços                       tratados na parte seguinte.
no entender de Lígia            educativos formais, com                     O capítulo termina com uma
Amâncio (1994), perpassa        especial ênfase no ensino                   reflexão sobre o que é a
toda a sociedade e              pré-escolar e no terceiro                   cidadania, sobre a relação
conduz à emergência de          ciclo do ensino básico.                     entre género e cidadania e
estereótipos, preconceitos      Encontra-se dividido em                     sobre as formas de praticar
e discriminações que            sete secções articuladas                    uma verdadeira educação
afetam prioritariamente as      entre si. Numa primeira                     para a cidadania.
mulheres. Importa por isso      secção é feita uma tentativa
clarificar conceitos, mapear    de clarificação dos termos




                               por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   009
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA         2 Ciclo

1.1.1.

De que falamos quando
falamos de género?


O
               sexo de uma criança é sem dúvida    mulheres em termos pessoais e sociais, a partir
               um fator importante para o seu      do conhecimento da sua categoria biológica
               desenvolvimento. Não é por acaso    de pertença, abriu caminho a raciocínios
               que uma das primeiras perguntas     simplistas de explicação dos comportamentos
que se faz às mães e aos pais quando uma           individuais, à crença na estabilidade dos
criança acaba de nascer é se é menina ou           atributos individuais e à ideia de que seria
menino. O próprio nome que se escolhe para         “normal” que os seres masculinos tivessem
o/a bebé deixa antever o seu sexo e a presença     certas características psicológicas e os seres
de um bebé ou de uma criança em relação à          femininos evidenciassem outras, distintas. Para
qual se desconhece o sexo suscita sentimentos      além desta visão dicotómica não ter qualquer
de desconforto naqueles que a rodeiam. Ainda       fundamento científico – sendo por isso de toda
que nos primeiros meses de vida as crianças de
ambos os sexos tenham características físicas
semelhantes, a mãe e o pai começam logo
a construir o género do/a bebé: dão-lhe um
nome, vestem-no/a de cores diferentes e criam
                                                         “ Acredita-se que os panelas e tachos, bonecas
                                                         meninas (conjuntos de
                                                                               brinquedos oferecidos às


um espaço físico de tal forma distintivo que é           e bonecos, eletrodomésticos em miniatura,
fácil para um/a observador/a externo/a adivinhar         estojos de cabeleireira, kits de maquilhagem, etc.),
                                                         uma vez que têm uma finalidade habitualmente
se o/a bebé em questão é do sexo masculino
                                                         prevista, fomentam nelas uma menor criatividade
ou do sexo feminino. Assim sendo, podemos
                                                         do que os brinquedos oferecidos aos rapazes
afirmar que o sexo, para além de ser um fator
                                                         (pistas de carros, legos, construções, bolas,
biológico, é também um fator social e cultural,
                                                         transportes em miniatura, etc.). Os segundos,
uma vez que as pessoas tendem a reagir de                pelo facto de não terem uma utilidade tão pré-
maneira diferente perante uma criança do                 -definida, tendem a ser mais fomentadores da
sexo masculino ou do sexo feminino. Reações              criatividade e inclusive de uma maior ocupação
essas diferentes não só ao nível de aspetos              do espaço circundante. Esta desigualdade
concretos, como a oferta de brinquedos, mas              na estimulação cognitiva despoletada pelos
também ao nível da formação de expectativas              brinquedos poderá refletir-se, mais tarde, de
de desempenho, da expressão de elogios                   forma diferente em ambos os sexos, em aspetos
e encorajamentos, do estabelecimento de                  tão diversos como a capacidade de resolução de
interações verbais e não-verbais e da linguagem          problemas, a apetência para enfrentar desafios,
utilizada.                                               a autoconfiança para a exploração autónoma do
                                                         espaço, etc.
                                                                     ”
                                                         Jeanne Block, 1984.
Esta caracterização (que podemos apelidar
de quase “automática”) dos homens e das


010    Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



a conveniência examinar e                 não tem sido sinónimo de                     que norteiam este Guião,
refletir em torno da origem               diversidade, mas sim de                      parece-nos extremamente
das eventuais diferenças                  desigualdade, de hierarquia                  pertinente e útil, para uma
entre homens e mulheres – a               e de posse dissemelhante de                  atuação pedagógica que
discussão desta problemática              poder e de estatuto social.                  contrarie preconceitos e
ganha ainda maior relevância              Neste enquadramento, e                       discriminações, a distinção
se pensarmos que a diferença              tendo presentes os objetivos                 entre sexo e género.



       “ Um catálogo intituladoartigos organizados em vários capítulos, entrehipermercado no períodoque
       Natal (1999), apresenta os
                                  “Festa dos brinquedos” difundido por um
                                                       ,
                                                                              os quais analisámos dois
                                                                                                       de

       correspondem às seguintes designações:
       » Menina (12 páginas) » Rapaz (14 páginas).
       Passando ao lado das questões linguísticas (meninas vs. rapaz), apresentamos a seguir a lista dos
       brinquedos incluídos em cada um desses dois itens (...).
       Um brinquedo não é um objeto neutro: é um veículo de simulação e de aprendizagem da vida adulta,
       encaminha os comportamentos e as práticas sociais e culturais, define lugares na comunidade e na
       família. Nesta ótica, que informação nos transmite o catálogo do hipermercado?

                                  Feminino                                                  Maculino
        Brinquedo                                 nº de vezes       Brinquedo                               nº de vezes
        Boneca bebé                                    24           Motorizada                                       3
        Banheira para bebé                              3           Figuras espaciais                                2
        Alcofa para bebé                                5           Nave espacial                                    1
        Cadeira para bebé                               1           Robots                                           5
        Carro para bebé                                 6           Heróis de BD e cinema                        21
        Casa das bonecas                                2           Avião de guerra                                  2
        Baloiço para boneca                             1           Viaturas de heróis                               2
        Boneca adulta - tipo “Barbie”                  10           Hidrojet                                         1
        Casa da boneca                                  5           Submarino                                        1
        Automóveis para boneca adulta                   2           Porta aviões                                     1
        Boneco adulto - “Ken”                           1           Pista de carros                                  4
        Parque infantil para boneca                     2           Garagem                                          5
        Escola e enfermaria                             1           Conjunto de carrinhos                            3
        Consultório de pediatra                         1           Jeep                                             1
        Castelo encantado/palácio                       4           Helicóptero                                      2
        Acessórios de toilette                          3           Carro teleguiado                             24
        Cozinha/equipamento de cozinha                  5           Gruas                                            2
        Supermercado/produtos                           2           Comboio elétrico                                 2
        Bonecos Disney                                  2
        Maleta de teatro                                1
        Secretária                                      1
        Patins                                          2

       Permite-nos detetar dois perfis distintos: um encaminha as crianças para a maternidade, para as tarefas
       domésticas e para a estética do corpo; outro aponta claramente para a tecnologia, incluindo alguns
       elementos de violência ou, pelo menos, de conflituosidade.
       Isabel Margarida André, 1999: 98-99.
                                                                            ”

                                        por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares       0
                                                                                                                         011
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA         2 Ciclo

      O termo sexo é usado para distinguir os         de região para região e são ainda sujeitos a
      indivíduos com base na sua pertença a uma       readaptações de acordo com outras variáveis,
      das categorias biológicas: sexo feminino e      como a classe social, a idade, a etnia e a
      sexo masculino.
                                                      religião.
      O termo género é usado para descrever
      inferências e significações atribuídas aos      O estudo da importância do género para a
      indivíduos a partir do conhecimento da sua      compreensão da vida individual de homens
      categoria sexual de pertença. Trata-se, neste   e de mulheres tem despertado a atenção de
      caso, da construção de categorias sociais       cientistas com origens teóricas diversas que,
      decorrentes das diferenças anatómicas e
                                                      fazendo uso de abordagens e metodologias
      fisiológicas
                                                      distintas, trouxeram para a discussão desta
                                                      problemática argumentos de extrema relevância,
No sentido de clarificar a ideia de que as            ainda que nem sempre facilmente conciliáveis
diferenças observadas entre os sexos não              entre si. Este facto tem tornado ainda mais
se justificam simplesmente pela pertença da           profícuo o debate e contribuiu indubitavelmente
pessoa a uma categoria biológica presente             para a compreensão da natureza socialmente
à nascença, mas que resultam sobretudo de             construída do género, a qual legitimou todo um
construções culturais, Ann Oakley propôs,             sistema de relações sociais – de dominação
em 1972, que se efetuasse a distinção entre           e de subordinação – pautadas, ao longo da
os termos sexo e género, distinção essa que           história, por desigualdades de poder tanto ao
passou a servir de referência para as Ciências        nível material como simbólico, como escreveu a
Sociais. Em seu entender, o sexo com que              historiadora Joan Scott (1986).
nascemos diz respeito às características
anatómicas e fisiológicas que legitimam a
diferenciação, em termos biológicos, entre
masculino e feminino. Por seu turno, o género
que desenvolvemos envolve os atributos                        “ Que significa ‘ser homem’ do ponto de
                                                              vista social?
psicológicos e as aquisições culturais que o                  A pergunta é tão complexa quanto
homem e a mulher vão incorporando, ao longo                   aparentemente ingénua. Para a larguíssima
do processo de formação da sua identidade, e                  maioria das pessoas, para o nível a que nas
que tendem a estar associados aos conceitos                   Ciências Sociais chamamos senso comum,
de masculinidade e de feminilidade. Assim, o                  ser homem é fundamentalmente duas coisas:
termo sexo pertence ao domínio da biologia e                  não ser mulher, e ter um corpo que apresenta
o conceito de género inscreve-se no domínio                   órgãos genitais masculinos. A complexidade
da cultura e remete para a construção de                      encontra-se precisamente na ingenuidade –
significados sociais. Para além das diferenças                agora sim –, de remeter para carateres físicos
genéticas entre os sexos espera-se, na maior                  do corpo uma questão de identidade pessoal
                                                              e social. Isto porque ‘ser homem’, no dia a
parte das sociedades, que os homens e as
                                                              dia, na interação social, nas construções
mulheres se comportem de uma maneira
                                                              ideológicas, nunca se reduz aos carateres
diferente e assumam papéis distintos. Ainda na
                                                              sexuais, mas sim a um conjunto de atributos
linha do pensamento da autora atrás citada,
                                                              morais de comportamento, socialmente
convém ter presente que os conceitos de                       sancionados e constantemente reavaliados,
feminilidade e de masculinidade diferem em                    negociados, relembrados. Em suma, em
função de especificidades culturais, o que
significa que variam no espaço e no tempo,
                                                              constante processo de construção.
                                                                                                  ”
                                                              Miguel Vale de Almeida, 1995: 127-128.
apresentando definições distintas de época
para época e, num mesmo período histórico,


012    Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



Já em 1949 Simone de                      evidenciar principalmente as               nos homens e nas mulheres
Beauvoir falava desta                     semelhanças – a chamada                    desenvolvem-se em sintonia
legitimação da construção de              perspetiva do enviesamento                 com uma multiplicidade de
diferenças sociais com base               beta1. De facto, apesar                    influências que são inerentes
nas diferenças sexuais, ao                de numerosos trabalhos                     ao processo de socialização
defender que o ser humano                 concluírem pela inexistência               e que começam logo a partir
do sexo feminino não nasce                de diferenças sexuais em                   do momento em que se toma
mulher, mas sim torna-se                  domínios como, por exemplo,                conhecimento do sexo da
mulher pela incorporação                  o cognitivo2, outros apontam               criança, ou seja, mesmo antes
de modos de ser, de papéis,               para a existência de diferenças            do nascimento.
de posturas e de discursos                entre homens e mulheres,
condizentes com o modelo                  sobretudo ao nível da                      Estudos efetuados com
de feminilidade dominante                 personalidade na vida adulta,
                                                                                     mulheres grávidas e
na cultura a que pertence.                quando se pede às pessoas
                                                                                     descritos por Carole
O mesmo poderá dizer-se a                 que se autodescrevam3 de
propósito da aprendizagem                 acordo com determinadas                    Beal (1994) permitiram
do que é ser homem por                    características. Certos                    concluir que existe uma
parte dos seres humanos que               traços como independência,                 tendência, por parte
nascem do sexo masculino,                 competitividade, agressividade             das futuras mães, para
os quais tendem a ser                     e dominância continuam a                   percecionarem de
socializados de acordo com                ser associados a homens,
                                                                                     maneira diferente os
as características distintivas da         reunidos sob a designação
masculinidade culturalmente               de instrumentalidade                       movimentos fetais, em
preponderante da sua                      masculina; a sensibilidade, a              função do conhecimento
geração.                                  emocionalidade, a gentileza, a             do sexo do bebé. No caso
                                          empatia e a tendência para o               de estarem à espera de
As investigações, sobretudo               estabelecimento de relações                um rapaz, as mulheres
de natureza psicológica e                 continuam a estar associadas
                                                                                     em análise tendiam a
sociológica, dedicadas à                  às mulheres, sob a designação
descoberta de diferenças/                 de expressividade feminina.                descrever os movimentos
/semelhanças entre homens                                                            fetais como vigorosos,
e mulheres, nem sempre                    Quer se dê destaque                        verdadeiros tremores
têm conduzido a conclusões                às eventuais diferenças                    de terra e calmos, mas
coincidentes e há quem tenda              encontradas entre os sexos,                fortes. Caso a criança
a destacar sobretudo as                   quer se valorize a perspetiva
                                                                                     em desenvolvimento
diferenças entre os indivíduos            que defende serem mais
– a chamada perspetiva do                 as semelhanças, o que é
                                                                                     fosse do sexo feminino,
enviesamento alfa – enquanto              importante realçar é que as                as mães inclinavam-
outros/as se inclinam a                   características observadas                 -se a descrevê-las


1
  Para a compreensão desta distinção, recomenda-se a consulta do artigo de Rachel T. Hare-Mustin e Jeanne Marecek
(1988).
2
  Ver, a este propósito, as revisões de estudos específicos que foram efetuadas por Janet Hyde (1981) e por esta autora e
seus colegas (1990).
3
  A revisão de estudos publicada por Alain Feingold (1994) e a investigação de doutoramento de Cristina Vieira (2003;
2006) retratam claramente estas distinções que é possível observar entre homens e mulheres, no que concerne às suas
autodescrições individuais.



                                        por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares     0
                                                                                                                       013
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA             2 Ciclo

como apresentando                         estática, bipolar e categorial se   clarificação é crucial em
movimentos                                situam dentro dos indivíduos        virtude das suas implicações
muito suaves, não                         e que os sexos são opostos.         educativas e daí ser
                                          A continuar-se com esta             necessário desconstruir
excessivamente ativos,
                                          falsa dicotomia, dividindo as       toda a lógica determinista
e vivos, mas não muito
                                          características e as atividades     usada para prescrever a
enérgicos.                                em masculino e feminino,            homens e mulheres atributos,
                                          estar-se-á a transpor para          competências e interesses
Além disso, as diferenças                 a compreensão do humano             decorrentes da diferenciação
observadas dentro de cada                 um sistema de oposições             biológica.
grupo formado com base na                 homólogas, como escreveu
categoria sexual (grupo das               Miguel Vale de Almeida              No campo da psicologia, e
pessoas do sexo masculino e               (1995), como alto/baixo,
                                                                              no âmbito de uma tentativa
das pessoas do sexo feminino)
são mais numerosas do que
                                           Sensivelmente a meio do séc. XX, e partindo de uma
as diferenças entre esses
mesmos dois grupos4, pelo                  análise dos comportamentos das pessoas adultas (da
que as categorias ‘mulher’                 cultura ocidental) – especialmente dos pais e das mães
e ‘homem’ não poderão                      – na família e em pequenos grupos, os sociólogos Talcott
continuar a ser vistas como                Parsons e Robert Bales (1955) defenderam que a mulher
homogéneas nem como
                                           estava mais predisposta ao estabelecimento de interações
passíveis de traduzir modelos
ideais e exclusivos (de                    sociais e à manutenção dos laços e da harmonia familiares.
um grupo ou de outro) de                   Era, por isso, sobretudo expressiva, deixando o homem
conduta.                                   livre para o desempenho dos papéis instrumentais. Entre
Para espelhar a diversidade                os comportamentos mais típicos dos indivíduos do sexo
de formas de ser e de estar,
                                           masculino encontravam-se, por exemplo, a orientação
os termos deverão inclusive
ser formulados no plural –
                                           para o alcance de metas e o estabelecimento de relações
mulheres e homens –, não                   entre a família e o mundo exterior. Tal distinção deu
esquecendo (se o objetivo                  origem ao aparecimento de duas categorias de atributos
for a compreensão das                      da personalidade, que viriam a seu utilizadas em outras
singularidades individuais) o              áreas para classificar e distinguir os homens das mulheres,
seu necessário cruzamento
                                           fazendo corresponder diretamente (e perigosamente)
com outras categorias
pessoais e sociais de                      a distinção biológica a diferenças psicológicas:
análise, algumas delas atrás               instrumentalidade masculina e expressividade feminina.
mencionadas.
                                           sobre/sob, fazendo crer            de compreensão do
Por esta razão, e seguindo o               que a diferença estaria na         comportamento dos homens
pensamento de Conceição                    natureza dos seres e não num       e das mulheres ao longo do
Nogueira (2001), não pode                  processo de aprendizagem           ciclo de vida, uma das visões
continuar a acreditar-se                   e de apropriação diferencial       mais consensuais do conceito
que diferenças de natureza                 de normas e valores. Esta          de género foi influenciada


4
    Ver o trabalho de Hugh Lyntton e David Romney (1991).


014        Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



pelos trabalhos de Janet Spence (1985;
1993), que o considera de natureza
multidimensional e o explica recorrendo                       “ várias alíneas. Estão género tem duas partes
                                                              e
                                                                A minha definição de
                                                                                       interligadas mas são
aos princípios do desenvolvimento
                                                              analiticamente distintas. O cerne da definição
humano. Quer isto dizer que ao falarmos
                                                              reside numa relação completa entre duas
de género nos referimos a um conjunto
                                                              proposições: género é um elemento constitutivo
de componentes, que incluem, para citar                       das relações sociais baseadas nas diferenças
apenas algumas, a identidade de género,                       visíveis de sexo e género é uma forma primária de
a orientação sexual, os papéis de género,                     nos referirmos a relações de poder. (…) Enquanto
as características da personalidade, as                       elemento constitutivo das relações sociais
competências pessoais e os interesses.                        baseadas nas diferenças sexuais, género engloba
                                                              quatro elementos intimamente ligados: primeiro,
No entender da autora atrás citada,                           os símbolos disponíveis numa determinada
os aspetos que contribuem para a                              cultura que evocam múltiplas (e frequentemente
                                                              contraditórias) representações – por exemplo,
diferenciação de cada fator integrante
                                                              Eva e Maria como símbolos de mulher na
do género possuem histórias de
                                                              tradição cristã ocidental. (…) Segundo, conceitos
desenvolvimento idiossincráticas sempre
                                                              normativos que avançam interpretações dos
distintas de pessoa para pessoa e são                         sentidos dos símbolos, que tentam limitar e
influenciados por uma multiplicidade de                       conter as suas possibilidades metafóricas. Estes
variáveis não necessariamente relacionadas                    conceitos são expressos pelas doutrinas religiosas,
com o género. Para além disso, durante os                     educativas, científicas, legais e políticas e mantêm
diferentes períodos da vida de cada sujeito,                  tipicamente a forma de oposições binárias
os fatores que integram o género podem                        fixas, que estabelecem de maneira categórica e
apresentar graus e tipos de associação                        inequívoca os significados de homem e mulher,
variados entre si.                                            masculino e feminino. (…) O terceiro aspeto
O comportamento exibido (por homens e                         (...) inclu[i] não só os laços de parentesco como
                                                              também (...) o mercado de trabalho (…), o sistema
mulheres) resulta da interação complexa
                                                              educativo (…) e o sistema político (…). O quarto
das suas diversas componentes de género.
                                                              aspeto do género é a identidade subjetiva.
Por este motivo, é possível observar uma
                                                              A primeira parte da minha definição de género
considerável variabilidade – intrasexo e                      contém, portanto, estas quatro vertentes e
entre o sexo feminino e o masculino –                         nenhuma delas funciona independentemente de
quanto à constelação de características                       qualquer das outras. Contudo elas não funcionam
congruentes com o género que cada                             em simultâneo, como se uma fosse simplesmente
pessoa é suscetível de manifestar nas                         o reflexo das outras. (…) O que me proponho é
diferentes situações que tiver de enfrentar.                  tornar clara e objetiva a forma como devemos
É ainda fundamental salientar, como                           analisar a influência do género nas relações
referiram Susan Egan e David Perry (2001),                    sociais e institucionais uma vez que esta análise
que a consistência com que os homens e                        não é, na maior parte dos casos, feita de forma
                                                              precisa e sistemática. Uma teoria sobre género
as mulheres apresentam comportamentos
                                                              é portanto desenvolvida na minha segunda
típicos de género, em diferentes dimensões
                                                              formulação: género é uma forma primária de
(por exemplo: papéis de género, orientação
                                                              demonstração das relações de poder. Ou, melhor
sexual), poderá ser apenas modesta.                           dizendo, o género é o primeiro domínio com o
Mas esta visão psicológica do género
constitui simplesmente um dos múltiplos
                                                              qual ou através do qual o poder se articula.
                                                              Joan Scott, 2008: 66-67 (adaptado)
                                                                                                              ”
contributos que diferentes áreas do saber
têm trazido para o debate, havendo


                                 por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   015
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA           2 Ciclo

outras perspetivas feministas (mais críticas – e               A tendência do pensamento de senso comum
aparentemente opostas àquelas) que defendem                    é para uniformizar a caracterização das
o seu relativismo e a sua natureza situacional.
                                                               diferentes componentes de género de
                                                               uma pessoa, a partir do conhecimento de
Hoje em dia a perspetiva feminista mais
crítica e mais próxima das perspetivas                         apenas uma delas. Na sequência de estudos
pós-modernas recusa a possibilidade de                         efetuados por Key Deaux e Melissa Kite
discursos universalizantes e generalizáveis                    (1993), foi observado que é uma crença
acerca do género. Esta perspetiva desafia                      corrente que as mulheres com uma
o caráter natural da diferença de género,
                                                               orientação     homossexual     apresentam
sustentando que todas as características
sociais significativas são ativamente criadas                  características típicas dos homens e que os
e não são nem biologicamente inerentes,                        homens com uma orientação homossexual
nem permanentemente socializadas ou                            tendem a exibir comportamentos ditos
estruturalmente predeterminadas. Segundo                       femininos, o que não corresponde à
este ponto de vista, o género não é apenas
                                                               realidade nem traduz a diversidade
algo que a sociedade impõe aos indivíduos.
                                                               de características de uma pessoa,
Mulheres e homens escolhem certas opções
comportamentais e ignoram outras e, ao fazê-                   independentemente da sua categoria
-lo, elas e eles fazem o género. Pode dizer-                   sexual.
-se fazer o género, isto é, comportar-se de
maneira que, seja qual for a situação, sejam                   Na tentativa de contrariar práticas
quais forem os atores, o comportamento dos                     erróneas    e   discriminatórias    para
homens e das mulheres seja visto, em cada                      ambos os sexos, o compromisso básico
contexto, como adequado às expectativas de                     de todas as feministas, em diferentes
género socialmente delineadas para cada um
                                                               domínios do conhecimento, tem sido a
dos sexos. Nesta sequência, acredita-se que o
                                                               luta pela permanente erradicação das
género é performativo5.
                                                               desigualdades de género, tentando acabar
Este entendimento6 sobre o que é o género                      com os enviesamentos que prejudicam as
ajuda a reconciliar os resultados empíricos,                   mulheres, mas também os homens.
de que mulheres e homens são mais similares
que diferentes na maioria dos traços e                         constrangimentos e expectativas podem ser
competências, com a perceção comum de que                      condicionados a tomar decisões distintas
parecem comportar-se de forma diferente.                       relativamente ao seu repertório de opções.
Com efeito, mulheres e homens ainda                            Desta forma, ao agirem em aparente
que tenham as mesmas competências,                             conformidade com o que é esperado para as
ao enfrentarem diferentes circunstâncias,                      pessoas do seu sexo, acabam por reafirmar



5
 Para um desenvolvimento suplementar deste assunto, ver os trabalhos de Judith Butler (1990; 2002; 2006).
6
 Segundo Chris Beasley (1999), trata-se de uma visão influenciada pelo chamado construcionismo social, o qual apareceu
como resposta alternativa à epistemologia positivista, que defendia a existência de uma verdade fundamental na explicação
de todos os fenómenos, a qual era possível apurar através da razão. Contrariando esta posição, para os construcionistas
sociais são defensáveis, como escreveram Sara Davies e Mary Gergen (1997), os seguintes pressupostos: 1) O
conhecimento é socialmente construído; 2) Não existe uma versão única da verdade; 3) Os significados são constituídos
através do discurso; 4) Os indivíduos são vistos como passíveis de expressões múltiplas.


016      Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



os arranjos baseados nas categorias sexuais                   Passados cerca de quarenta anos desde que o
como sendo naturais, fundamentais e imutáveis,                género foi identificado como uma categoria de
legitimando consequentemente a ordem social.                  análise, sabe-se que muito está por conseguir
                                                              no que diz respeito à igualdade entre homens e
Poder-se-ia então imaginar que a simples
                                                              mulheres e às assimetrias de poder material e
mudança na forma como homens e mulheres                       simbólico daí recorrentes nas diversas esferas
fazem o género poderia ser o caminho para a                   da vida. Com base em ideias sem qualquer
transformação. No entanto, é importante ter em                suporte científico, a família e todos os restantes
atenção que os constrangimentos institucionais,               agentes de socialização continuam a educar
a hierarquia social e as relações sociais de poder            de maneira diferente o rapaz e a rapariga para
limitam a capacidade de ação dos indivíduos.                  o desempenho dos mais variados papéis ao
                                                              longo da vida, como se a diferenciação biológica
                                                              determinasse as características pessoais,
                                                              as oportunidades de desenvolvimento e os
“ Longe de afirmar que as estruturas
de dominação são a-históricas, tentarei
                                                              percursos de vida de uns e de outras.

estabelecer que são um produto de um
trabalho incessante (portanto histórico)
de reprodução para que contribuem
agentes singulares (…) e instituições,                                      “ O ofundamental e na feminino não
                                                                            entre  masculino    o
                                                                                                   diferenciação


Pierre Bourdieu, 1999: 30.
                               ”
famílias, Igreja, Escola, Estado.
                                                                            são os atributos que, aparentemente,
                                                                            os distinguem (…) mas sim o facto
                                                                            dos conteúdos que definem a
                                                                            masculinidade estarem confundidos
                                                                            com outras categorias supraordenadas,
                                                                            como a de pessoa adulta, enquanto os
Deste modo, podemos afirmar que é o                                         significados femininos definem apenas
reconhecimento de que o género resulta de uma                               um corpo sexuado. É neste processo
construção social que nos permite compreender                               de construção social que o simbolismo
como a discriminação continua, apesar de todo                               masculino se constitui como referente
o trabalho de cientistas feministas – os/as quais,                          universal relativamente ao feminino
minimizando ou maximizando as diferenças,                                   que permanece marcado pela categoria
esperavam contribuir para a eliminação das
desigualdades de género na sociedade, tanto
                                                                            sexual.
                                                                                    ”
                                                                            Lígia Amâncio, 2002: 59.
nos espaços públicos como no domínio privado.




“ A categoria analíticaos aspetos relacionaismaisconstruçãoem Portugal nos anos 90 [do séc. XX],
tendo como nó fulcral
                        de género tornou-se
                                             da
                                                  presente
                                                            social do feminino (e do masculino).
Tornou-se numa palavra passe-partout, nomeadamente na sua emigração e tradução em contextos
institucionais cuja utilização – nessa tradução institucionalizada – é muitas vezes indevida, por
escamotear a crítica que essa categoria analítica implica, podendo-se fazê-la ‘despolitizar’ a luta das
mulheres.
          ”
Teresa Joaquim, 2004: 89.




                                      por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   017
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA          2 Ciclo

Daí que seja imperativo falar de género quando   contextos formais de ensino na manutenção
se quer promover uma cidadania ativa. Na         de uma ideologia de género adotada pelo
realidade, o género deve ser encarado como um    coletivo e assumida como inquestionável,
dos princípios organizadores da construção do    ainda que naturalize hierarquias de poder
percurso individual de cada cidadã ou cidadão,   e legitime situações de desigualdade entre
na formação das respetivas competências          homens e mulheres. Correndo-se o risco de
para o exercício pleno da cidadania. Em          deixar de fora deste elenco muitas pesquisas
qualquer sociedade, as crenças associadas        importantes de cientistas portuguesas/es
ao género tendem a constituir, para ambos        empenhadas/os no estudo das questões de
os sexos, normas – muitas vezes silenciosas      género e da sua ligação ao que se passa na
– condicionantes da formação de valores e        escola, citem-se, por exemplo, os trabalhos
de atitudes, com influência directa na auto e    sobre os estereótipos de género nos Manuais
hetero avaliações das variadas expressões        Escolares, adotados oficialmente no ensino
comportamentais e nos desafios que uns e         básico, de Eugénio Brandão (1979), Ivone
outras acreditam serem capazes de enfrentar      Leal (1979), Maria Isabel Barreno (1985), José
com sucesso.                                     Paulo Fonseca (1994), Fernanda Henriques e
                                                 Teresa Joaquim (1995), Maria de Jesus Martelo
                                                 (1999) e Anabela Correia e Maria Alda Ramos
                                                 (2002); a investigação de Teresa Alvarez Nunes
“ Incorporámos, sob ade forma de
esquemas inconscientes    perceção
                                                 (2007) sobre as representações de cidadania
                                                 associadas ao masculino e ao feminino nos
e de avaliação, as estruturas históricas
                                                 Manuais de História e no software educativo
da ordem masculina; arriscamo-nos
portanto a recorrer, para pensar a               utilizados no ensino secundário; o trabalho de
dominação masculina, a modos de                  Luísa Saavedra (2005) sobre a aprendizagem
pensamento que são eles próprios
produtos da dominação.
                         ”
Pierre Bourdieu, 1999: 30.

                                                            “ ensino misto não semostrado que
                                                            o
                                                              As investigações têm
                                                                                   substanciou
                                                            em práticas educativas conducentes
A investigação em torno das diferentes                      à transformação das relações sociais
problemáticas do género, impulsionada,                      de género no processo de socialização
como se disse atrás, pelo pensamento e                      e de construção da identidade de
movimentos feministas, e produzida com                      raparigas e de rapazes. Constata-se a
maior intensidade desde as décadas finais                   persistência de estereótipos de género,
do século XX, chamou a atenção para a                       seja nos materiais pedagógicos, seja
complexidade cultural dos estereótipos de                   nas interações no espaço escolar,
género, para o caráter imbricado das ideias                 que sustentam um imaginário social
                                                            que representa assimetricamente as
associadas à masculinidade e à feminilidade e
                                                            identidades feminina e masculina e
para as arbitrariedades advindas da promoção
                                                            reproduz expectativas diferenciadas
e manutenção de um raciocínio dicotómico,
                                                            para raparigas e rapazes no que respeita
conformista e alicerçado em estereotipias.                  às várias dimensões da sua vida presente
Estudos portugueses desenvolvidos,
sensivelmente desde essa altura, também                             ”
                                                            e futura.
                                                            Teresa Pinto, 2007: 142.
já colocaram em evidência, por exemplo, o
papel dos recursos pedagógicos utilizados em


018     Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



promovida pelo currículo e pela organização             didáticos, quer nas interpretações que fazem do
escolar do que é ser rapaz ou ser rapariga; a           comportamento dos pais e das mães.
pesquisa de Laura Fonseca (2001) sobre as
subjetividades na educação das raparigas;               No que diz respeito à fraca representação das
e o trabalho de Teresa Pinto (2008) sobre a             raparigas em profissões não tradicionalmente
associação (historicamente construída) do               femininas, um trabalho realizado por Luísa
ensino industrial ao sexo masculino.                    Saavedra (1997) deixa antever grandes
                                                        dificuldades a médio prazo na alteração
No que concerne ao que se passa no nível                dos estereótipos de género associados às
pré-escolar, uma investigação recente de
                                                        profissões, pois esta mudança parece exigir
Fernanda Rocha (2009) mostrou que os/as                 uma modificação ideológica das representações
educadores/as de infância são também
                                                        associadas à posição social do grupo feminino
propensos/as ao uso de estereotipias de                 face ao grupo masculino.
género, quer na organização dos espaços




                                 por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   019
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA           2 Ciclo

1.1.2.

O género como categoria
social


O
               género é uma das primeiras                         de a criança ter capacidade de expressar
               categorias que a criança aprende,                  por palavras o seu pensamento. Todavia, ao
               facto que exerce uma influência                    longo dos anos subsequentes são múltiplas as
               marcante na organização do                         influências que podem ocorrer susceptíveis de
seu mundo social e na forma como se avalia                        afectar quer o desenvolvimento posterior das
a si própria e como percepciona as pessoas                        várias componentes do género, quer as suas
que a rodeiam. Para corresponder às normas                        manifestações situacionais. Por esse motivo,
sociais, e como parte integrante do processo                      numa situação particular uma rapariga pode
de socialização, a criança aprende a comportar-​                  exibir um comportamento habitualmente mais
-se de acordo com os modelos dominantes de                        comum nos rapazes e vice-versa.
masculinidade e de feminilidade. Este processo
é movido por uma complexa interacção entre os                     A análise da composição sexual dos grupos
factores individuais e contextuais, neles incluindo               de crianças formados por iniciativa própria em
a relação com o pai e a mãe, os(as) amigos/as,                    situações lúdicas fornece dados que destacam
os/as educadores/as/professores/as e outras                       a importância do género enquanto categoria
pessoas significativas.                                           social, especialmente durante a primeira década
                                                                  de vida. Sobrepondo-se a outras características
Algumas investigações no domínio da psicologia                    individuais como a etnia ou a raça, o sexo surge
têm mostrado que as crianças iniciam o                            como um dos principais critérios na escolha de
processo de desenvolvimento respeitante ao                        um/a potencial companheiro/a de brincadeiras,
género (e a categorização de si e dos outros                      por parte da criança8. Assim, por exemplo,
daí decorrente) muito antes de tomarem                            um rapaz branco de quatro anos brinca mais
consciência do seu sexo, ou seja, dos seus                        prontamente com um rapaz negro do que com
órgãos genitais7. Janet Spence (1985) defende                     uma rapariga branca da mesma idade.
mesmo que o núcleo central da identidade de
género começa a consolidar-se, em crianças                        É importante referir que durante a infância
de ambos os sexos, ainda numa fase pré-                           a distinção entre os sexos remete para a
-verbal do desenvolvimento, ou seja, antes                        prevalência, no pensamento da criança, de duas



7
  Ver, a este respeito, os trabalhos de Diana Poulin-Dubois e colegas (1994), de Teresa Alário Trigueiros e outros/as autores/
as (1999) e de Ana da Silva e e outros/as autores/as (1999), tendo estes dois últimos livros sido publicados pela Comissão
para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, no âmbito dos Cadernos Coeducação.
8
  Ver os estudos citados por Carole Beal (1994) que se debruçaram sobre este comportamento sexista das crianças.



020      Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania



categorias básicas (binárias): a dos homens e                   brincadeiras;
a das mulheres, categorias essas directamente
ligadas a um processo prévio de categorização                   d) É maior em situações não
social que teve como fundamento as diferenças                   estruturadas por adultos, como é o
físicas aparentes entre os sexos.                               caso dos refeitórios escolares, do que
                                                                em contextos mais formais, como sejam
Uma segunda distinção – assente na primeira,
                                                                as salas de aula;
porém, de contornos mais indefinidos – é a que
resulta da aplicação dos conceitos de masculino                 e) Não tem a ver com juízos de valor
e de feminino. Na realidade, um indivíduo pode                  sobre o maior ou menor poder social
ser mais ou menos masculino, mas não pode                       detido pela criança, em virtude da sua
ser mais ou menos homem, como escreveu
                                                                pertença a um ou a outro sexo, ou de
Eleanor Maccoby (1988). Esta segunda
dicotomia reveste-se de uma importância menor
                                                                papéis específicos de género por ela
na compreensão do comportamento social da                       desempenhados;
criança, até porque faz apelo a determinadas
                                                                f) É uma tendência que parece começar
capacidades cognitivas mais abstractas, que ela
                                                                por volta dos dois anos de idade,
ainda não possui.
                                                                continuar durante a fase pré-escolar
O interesse científico pela compreensão do                      e intensificar-se nos anos seguintes da
fenómeno da preferência explícita das crianças                  infância, entre os 6 e os 11 anos;
pelo estabelecimento de interacções com outras
do mesmo sexo deu origem ao desenvolvimento
                                                                g) É um fenómeno que se manifesta
de numerosas investigações9. Entre outras                       de forma equivalente em estudos
conclusões dignas de relevância, foi observado                  realizados em diferentes culturas.
que a predisposição das crianças para a
segregação sexual:                                              Para explicar a segregação dos sexos
                                                                observada na infância, Carole Beal (1994)
a) É um processo grupal, pois                                   apresenta duas ordens de razões. Em primeiro
                                                                lugar, afirma que as crianças preferem brincar
não depende das características
                                                                com outras do mesmo sexo em virtude
particulares exibidas por cada criança
                                                                da semelhança mútua, ao nível dos estilos
ou do seu grau de tipificação de                                de interacção. Em segundo lugar, fala da
género;                                                         necessidade individual de desenvolvimento da
                                                                identidade de género que conduz as crianças
b) Ocorre em ambos os sexos, mas
                                                                a procurar contactar, preferencialmente, com
tende a aparecer mais cedo nas                                  outras parecidas consigo, isto é, outras que
raparigas;                                                      correspondam aos modelos aprendidos do que
                                                                “é ser rapaz” ou “ser rapariga”. Como escreveu
c) Tende a ser tanto mais intensa
                                                                Beverly Fagot (1985), para que a criança inicie o
quanto maior for o número de
                                                                desenvolvimento de algumas regras associadas
crianças do mesmo sexo e da mesma                               ao género basta aprender a designar a categoria
idade disponíveis para participar nas                           sexual a que pertence. Também a este respeito,



9
    Consultar, por exemplo, Eleanor Maccoby (1998) para uma visão abrangente dos resultados destes estudos.



                                         por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   021
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA              2 Ciclo

Eleanor Maccoby (1988) defendeu que as                             As diversas pesquisas sobre a importância
crianças escolhem brincar com outras do                            do género no desenvolvimento da criança,
mesmo sexo porque o processo cognitivo de                          embora nem sempre tenham conduzido a
categorização social, por elas efectuado, é de                     conclusões plenamente coincidentes, parecem
tal maneira forte que a sua opção, a este nível,                   no entanto reunir consenso quanto a dois
deve ser encarada como parte integrante da                         aspectos particulares. A manifestação de
formação da identidade de género.                                  comportamentos típicos de género durante
                                                                   os primeiros anos de vida tende a preceder
                                                                   (1) o desenvolvimento de uma compreensão
A medida em que determinada pessoa                                 sofisticada sobre o género, ou seja, sobre os
                                                                   modelos de masculinidade e de feminilidade
se mostra em conformidade com os
                                                                   culturalmente dominantes10 e (2) a consolidação
papéis de género que lhe são socialmente                           da identidade de género11. Como veremos
prescritos, em virtude de ter nascido                              a seguir, este último aspecto é algo que
do sexo masculino ou feminino, é o que                             se estende no tempo, sobretudo ao longo
                                                                   dos primeiros sete anos de vida. O grau de
se designa por tipificação de género.
                                                                   complexidade das explicações apresentadas
De forma mais sintética, Sandra Bem                                pelas crianças para os comportamentos de
(1981) defende que tal conceito traduz                             género e para a avaliação dos mesmos em si e
                                                                   nas outras pessoas depende directamente do
o processo, através do qual a sociedade
                                                                   desenvolvimento das capacidades intelectuais,
converte as noções de macho e de fêmea                             as quais se tornam progressivamente mais
em masculino e feminino.                                           complexas com a idade em ambos os sexos.




10
     Ver Diana Poulin-Dubois, Lisa A. Serbin e Alison Derbyshire (1994).
11
     Ver Valerie Edwards e Janet T. Spence (1987).



022         Lisboa, CIG, 2012
ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania




 1.1.3.

A formação da identidade de
género


F
               oram várias as posições teóricas          ensino pré-escolar e ao terceiro ciclo do ensino
               desenvolvidas durante o séc.              básico, e abrangendo, portanto, quer crianças
               XX que tentaram esclarecer                muito novas (a partir dos três anos de idade),
               o processo de formação da                 quer adolescentes, optámos por apresentar
identidade de género. Com o intuito de dar               nesta secção do capítulo uma visão psicológica
uma certa organização teórica e conceptual               sobre a formação da identidade de género, que
às mesmas Susan Freedman (1993) reúne-as                 a perspectiva como intrinsecamente ligada ao
em duas classes distintas. A primeira (onde              desenvolvimento humano em outros domínios
inclui, por exemplo, as ideias psicanalíticas            (cognitivo, emocional e social). Esta opção não
e evolucionistas) agrega teorias que tentam              significa, contudo, que outras abordagens mais
explicar as possíveis causas das diferenças              críticas e reflexivas – como aquelas que são
entre os sexos. Trata-se de saber por que é              influenciadas pelo construccionismo social ou
que os sexos podem apresentar diferenças.
A segunda categoria agrupa as teorias (como
as da aprendizagem social, teorias cognitivo-
                                                          Partindo de estudos realizados com
-desenvolvimentistas e teorias da interacção
                                                          crianças e adolescentes, Susan Egan e
social) que abordam os processos conducentes
à observação das diferenças entre homens e                David Perry (2001) apresentaram uma
mulheres. Neste caso, a preocupação dos(as)               possível definição de identidade de género
respectivos/as autores/as gira em torno de                com recurso a quatro proposições teóricas.
como é que os sexos enveredam por formas                  No seu entender, a identidade de género
distintas de comportamento.                               abrange:

Como se disse anteriormente, a coexistência               “(a) A tomada de consciência individual da
de diferentes perspectivas e o recurso a                  pertença do sujeito a uma das categorias
metodologias de análise distintas sobre                   de género;
o género – e as suas implicações para a
                                                          (b) A sensação de compatibilidade com
organização da vida pessoal e social das
                                                          um dos grupos formados a partir da
mulheres e dos homens – tornam difícil a
tarefa de apresentar princípios explicativos e            categorização anterior (…);
modelos que reúnam unanimidade entre as e                 (c) O sentir-se pressionado/a a estar em
os especialistas e que espelhem a riqueza e               conformidade com a ideologia de género;
complexidade das abordagens.
                                                          (d) O desenvolvimento de atitudes para
Sendo este Guião destinado principalmente ao              com os grupos de género” (p. 451).


                                  por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares   023
GUIÃO DE EDUCAÇÃO.
GÉNERO E CIDADANIA           2 Ciclo

pelos feminismos radicais,                corte de cabelo, de tamanho               de compreensão geral do
cuja análise tende a centrar-             e forma do corpo) do que                  mundo em que vive e do seu
-se na compreensão das                    as diferenças relativas aos               papel no mesmo.
múltiplas determinantes dos               órgãos genitais. É partindo da
comportamentos dos homens                 constatação destas distinções             Neste enquadramento, por
e das mulheres na vida adulta             entre pessoas adultas que                 volta dos dois/três anos a
– sejam vistas como menos                 a criança se inclui num dos               criança está apta a designar
interessantes ou com menor                grupos (isto é, se classifica             correctamente o seu género.
valor heurístico. Apenas por              como do sexo masculino ou                 Todavia, a formação da
uma questão prática não serão             do sexo feminino) e começa,               identidade de género, que
aqui referenciadas.                       inevitavelmente, a fazer                  se estende, como se disse,
                                          avaliações da realidade.                  aproximadamente dos 2 aos 7
Na psicologia, a perspectiva                                                        anos de idade, é um processo
cognitivo-desenvolvimentista              Para Kolhberg, as ideias da               que acompanha a transição
– onde merece especial                    criança acerca dos papéis                 para o período das operações
destaque o pioneirismo do                 dos homens e das mulheres                 concretas13 e durante o qual a
pensamento de Lawrence                    são determinantes para a                  criança é capaz de começar
Kolhberg (1966) – reconhece               exibição de comportamentos                a compreender determinadas
à criança um papel activo na              consonantes com os                        categorias sociais – como é o
construção da sua identidade              modelos dominantes                        caso do género.
de género e a impossibilidade             de masculinidade e de
de dissociar este processo                feminilidade; e a motivação               As ideias de Lawrence
do próprio desenvolvimento                para a aprendizagem desses                Kolhberg (1966) a respeito
das capacidades intelectuais.             mesmos papéis resulta da                  do papel da motivação no
Considerando o ciclo de vida,             sua necessidade individual                desenvolvimento do género
e salientando a importância               de se identificarem com                   reuniram grande consenso
da interacção social entre                um dos grupos. Por esse                   na comunidade científica.
as crianças de ambos os                   motivo, acredita que durante              Na sua opinião, para que a
sexos destacada por Key                   o processo de formação                    criança se sinta motivada a
Bussey e Albert Bandura                   da identidade de género                   valorizar os outros do mesmo
(1999), pode afirmar-se que               a criança é capaz de                      sexo e inicie o processo
a primeira etapa do processo              compreender o género, em                  de ensaio/imitação dos
de desenvolvimento das                    vez de, simplesmente, imitar              comportamentos, tem de estar
diferentes dimensões do                   o comportamento daqueles                  assegurada a estabilidade do
género consiste na formação               que são do mesmo sexo que                 seu género; ou seja, tem de
da identidade de género.                  o seu. Assim, a progressiva               ter consciência de que ainda
Ao observar o mundo das                   compreensão que a criança                 que algumas características
pessoas adultas, para as                  evidencia acerca do que é o               externas ou o próprio
crianças são muito mais                   género está intrinsecamente               comportamento, exibido em
aparentes as diferenças                   ligada ao seu desenvolvimento             situações particulares, venham
exteriores (de vestuário, de              cognitivo12, isto é, ao seu nível         a sofrer modificações, o sexo



12
  Ver os trabalhos de Jeanne Brooks-Gunn e Wendy Matthews (1979).
13
  Em virtude da saliência do género na organização da vida individual, Diana Ruble e Carol Martin (1998) defendem que a
‘conservação da categoria sexual’ pode ser considerada uma das primeiras manifestações de pensamento operatório por
parte da criança.


024      Lisboa, CIG, 2012
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Guião Educação Género Cidadania 2o Ciclo

  • 1. Guião de Educação. Género e Cidadania 2º ciclo No panorama educativo parece consensual que o conceito de igualdade de género faça parte integrante, de forma inequívoca, do conteúdo dos discursos e dos documentos Guião de Educação normativos que são produzidos a vários níveis de decisão. No plano teórico é aceite, sem Género e grandes debates, que todos os seres humanos deverão ser livres de desenvolver as suas aptidões e de tomar as suas decisões num contexto inclusivo respeitador das múltiplas individualidades, independentemente das crenças valorizadas socialmente acerca das Cidadania características e dos comportamentos tradicionalmente atribuídos aos homens e às mulheres. Contudo, as práticas educativas não parecem ter conseguido acompanhar, pelo menos com a eficácia desejada, este discurso teórico. 2º ciclo Foi com o propósito de poder contribuir, de forma intencional e organizada, para a diminuição do fosso existente entre a igualdade de jure e a igualdade de facto, que se concebeu este Guião de Educação. Género e Cidadania. As suas autoras ambicionam não só enriquecer os recursos pedagógicos disponíveis para as e os docentes do 2º ciclo do ensino básico, mas sobretudo motivar para o desenvolvimento de práticas sensíveis Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho ao género promotoras da construção de uma cidadania plena, na escola e na sociedade. Conde, Aitana Martos García, Alberto Martos García, Conceição Nogueira, Cristina Vieira, Luísa Saavedra, Paula Silva, Olga Magalhães e Teresa-Cláudia Tavares.
  • 2.
  • 3.
  • 4. Guião de Educação Género e cidadania 2º ciclo Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho Conde, Aitana Martos García, Alberto Martos García, Conceição Nogueira, Cristina Vieira, Luísa Saavedra, Paula Silva e Olga Magalhães Lisboa, 2012
  • 5. O conteúdo deste livro não exprime necessariamente a opinião da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género Ficha Técnica Título: Guião de Educação Género e Cidadania. 2º ciclo do ensino básico Autoria: Clarinda Pomar (coord.), Ângela Balça, Antónia Fialho Conde, Aitana Martos García, Alberto Martos García, Conceição Nogueira, Cristina Vieira, Luísa Saavedra, Paula Silva, Olga Magalhães e Teresa-Cláudia Tavares. Consultoria Científica: Ângela Rodrigues e Teresa Joaquim. Revisão: Isabel de Castro, Teresa Alvarez e Teresa Pinto. Edição: Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género Lisboa, 2012 Design Gráfico e Paginação: Marta Gonçalves Impressão e acabamento: Rolo & Filhos II, S.A. Tiragem: 1.300 Exemplares Data de Impressão: Junho de 2012 Depósito Legal: 346219/12 ISBN: 978-972-597-336-3 Validado pela DGE/MEC Disponível em: http://www.cig.gov.pt/guiaoeducacao/ Esta edição segue a grafia do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Nas referências bibliográficas foi respeitada a grafia original.
  • 6. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA Índice Nota Prévia VII INTRODUÇÃO. Género, educação, cidadania... o desafio 1 1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO 5 1.1. Género e Cidadania 7 1.1.1. De que falamos quando falamos de género? 10 1.1.2. O género como categoria social 20 1.1.3. A formação da identidade de género 23 1.1.4. Estereótipos de género 26 1.1.5. De que falamos quando falamos em cidadania? 33 1.1.6. Que relações entre género e cidadania? 37 1.1.7. De que falamos quando falamos em cidadania e educação? 40 1.1.8. Construindo práticas de cidadania 46 1.2. Género e Currículo 49 1.2.1. Currículo Formal e Informal 49 1.2.2. O poder da linguagem e dos materiais pedagógicos 55 1.2.3. Género, saberes e competências 59 1.2.4. A importância das interações e dos espaços escolares 61 1.2.5. As e os docentes na educação para a igualdade 63 1.3. A transversalidade do género na intervenção educativa 67 1.3.1. A construção do género na intervenção pedagógica 69 1.3.2. Género e percursos escolares 73 1.3.3. A transversalidade do género nas propostas de intervenção educativa do guião 75 2. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO E AS PRÁTICAS LÚDICAS DOS TEMPOS LIVRES 79 2.1. As atividades lúdico-motoras e o desenvolvimento dos padrões de comportamento masculino e feminino 81 2.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução 87 a) O que fazem as raparigas e os rapazes nos seus tempos livres? 89 b) Os tempos livres dos nossos pais e mães eram iguais ou diferentes dos nossos? 95 c) As histórias dos tempos livres de uma amiga e de um amigo imaginário 101 d) As notícias desportivas na nossa terra: sobre o quê e sobre quem? 107 e) Género, estilos de vida e saúde 111 V
  • 7. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo 3. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO, HISTÓRIA E PATRIMÓNIO 115 3.1. Género, História e Património 117 3.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução 121 f) O mosaico romano 123 g) Filipa de Lencastre 127 h) Personagens do século XX português 133 i) À Descoberta do Património Imaterial 135 j) O nome da minha escola 139 4. INTERVENÇÃO EDUCATIVA: GÉNERO E AS PERSONAGENS NA LITERATURA 141 4.1. A diferenciação de género nas personagens de literatura infantil e juvenil 143 4.2. Intervenção educativa: sugestões práticas. Introdução 147 k) Líderes e seguidores/as: e se…? 149 l) Rapazes de ação, Raparigas de ação 153 m) Meninas e Meninos: todos iguais? 157 n) Contos antigos, versões modernas 163 o) As preferências e as escolhas individuais 171 BIBLIOGRAFIA 177 RECURSOS 205 GLOSSÁRIO 213 NOTAS BIOBIBLIOGRÁFICAS 221 VI Lisboa, CIG, 2012
  • 8. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA Nota Prévia Com a publicação de dois novos Guiões de Educação Género e Cidadania, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) dá continuidade ao projeto, iniciado em 2008, de produzir e editar materiais de apoio à integração da dimensão do género e da igualdade entre raparigas e rapazes no currículo do ensino básico. Os dois novos Guiões destinam-se, respetivamente, ao 1º e ao 2º ciclos do ensino básico e, à semelhança dos Guiões editados em 2010, tiveram o apoio financeiro do POPH, através do Eixo 7 - Igualdade de Género, e foram acompanhados pela Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular (DGIDC) que validou a sua adequação às orientações curriculares do Ministério da Educação. Destinando-se à educação formal, os Guiões são instrumentos de apoio para profissionais de educação de todas as áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, e de todos os tipos e/ou modalidades de ensino. A finalidade destes Guiões é a integração da dimensão de género nas práticas educativas formais e nas dinâmicas organizacionais das instituições educativas, com vista à eliminação gradual dos estereótipos sociais de género que predefinem o que é suposto ser e fazer um rapaz e uma rapariga. Pretende-se, assim, contribuir para tornar efetiva a educação para a cidadania para raparigas e para rapazes, garantindo que a educação, e a cidadania como uma das suas áreas transversais, se configure e estruture a partir, entre outros, do eixo das relações sociais de género, visando uma verdadeira liberdade de escolha dos percursos académicos e profissionais e dos projetos de vida por parte, quer de raparigas, quer de rapazes. A produção destes Guiões enquadra-se nos compromissos internacionais assumidos por Portugal, inscrevendo-se, nomeadamente, nos Objetivos Estratégicos da Plataforma de Ação de Pequim (1995) relativos à educação e na Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (Convenção CEDAW), constituindo uma resposta às Recomendações dirigidas a Portugal por este Comité, em novembro de 2008. A nível nacional, os Guiões concretizam uma das medidas previstas no IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não Discriminação (2011-2013), respondendo, ainda, às Recomendações emanadas do Fórum de Educação para a Cidadania que decorreu entre 2006 e 2008. Decorrendo das responsabilidades acrescidas da CIG que, por força da sua Lei Orgânica de 2007, passou a ter competências na área da educação para a cidadania, os Guiões traduzem também a intervenção da CIG nesta área enquanto Mecanismo Nacional para a Igualdade entre Mulheres e Homens. Os Guiões de Educação Género e Cidadania inscrevem-se na linha de atuação da Comissão que sempre elegeu a educação como área de intervenção prioritária, nela desenvolvendo uma atividade estrategicamente conduzida, assente em projetos de intervenção delineados e concretizados de forma articulada, numa lógica de continuidade, consolidação e avaliação de resultados, identificação de resistências, lacunas e respostas às mudanças do sistema educativo e à evolução das práticas de profissionais de educação. Da ação desenvolvida pela Comissão resultou, entre outras, a criação de uma Rede Nacional informal (a Rede Coeducação) de especialistas, investigadoras e investigadores VII
  • 9. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo em Género, Educação e Formação, docentes de instituições de ensino superior e não superior e de ONG. Esta Rede é, hoje, um recurso nacional incontornável para uma intervenção na educação, no domínio da igualdade de género, fundada em rigor, adequação e sustentabilidade científica e pedagógica. A ela pertencem muitos dos elementos da equipa que concebeu estes Guiões. Ao longo da elaboração dos novos Guiões, realizam-se ações de formação para docentes em 2010/2011, em diferente zonas do país, e deu-se continuidade à intervenção em escolas piloto. Uma última nota sobre a utilidade destes Guiões. Tal como tem sido reiterado pela ONU, através do Comité CEDAW, pelo Conselho da Europa e pela União Europeia, não basta produzir bons materiais sobre género e educação. É imprescindível uma aposta efetiva, exigente e continuada na formação de profissionais de educação para que a aplicação destes materiais se concretize, respeitando-se os objetivos para que foram criados, e para que a sua aplicação tenha um impacto real junto das crianças e jovens de ambos os sexos a quem se destinam, não apenas no seu percurso escolar mas durante toda a sua vida, enquanto pessoas e enquanto elementos de pleno direito em todas as comunidades a que pertencerem. Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género VIII Lisboa, CIG, 2012
  • 11.
  • 12. INTRODUÇÃO Introdução N o panorama educativo parece estrutura basilar compreende uma parte com consensual que o conceito de um enquadramento teórico e uma parte com igualdade de género faça parte propostas de atividades práticas. A componente integrante, de forma inequívoca, teórica inclui um capítulo sobre “Género e do conteúdo dos discursos e dos documentos Cidadania” (comum aos outros Guiões), um normativos que são produzidos a vários níveis capítulo sobre “Género e Currículo” (comum de decisão. No plano teórico é aceite, sem ao Guião do 3º ciclo do ensino básico) e um grandes debates, que todos os seres humanos capítulo sobre a “Transversalidade do Género deverão ser livres de desenvolver as suas na Intervenção Educativa”. As propostas de aptidões e de tomar as suas decisões num intervenção educativa foram organizadas em contexto inclusivo respeitador das múltiplas redor de três temáticas: “Género e as práticas individualidades, independentemente das lúdicas dos tempos livres”, “Género, história crenças valorizadas socialmente acerca e património” e “Género e as personagens na das características e dos comportamentos literatura”. Estas temáticas foram selecionadas tradicionalmente atribuídos aos homens e às tendo em conta algumas das dimensões da mulheres. Contudo, as práticas educativas não vida das crianças e jovens desta faixa etária parecem ter conseguido acompanhar, pelo onde se revele pertinente a problematização menos com a eficácia desejada, este discurso da igualdade de género. Por seu turno, cada teórico. conjunto de propostas temáticas é antecedido por um breve referencial teórico que pretende Foi com o propósito de poder contribuir, enquadrar, de uma forma mais específica, as de forma intencional e organizada, para a várias sugestões de atividades. diminuição do fosso existente entre a igualdade de jure e a igualdade de facto, que se concebeu Na temática “Género e as práticas lúdicas este Guião de Educação, Género e Cidadania. dos tempos livres” desenvolvem-se propostas As suas autoras ambicionam não só enriquecer de atividades nas quais as crianças e jovens os recursos pedagógicos disponíveis para as terão oportunidade de analisar as escolhas e e os docentes do 2º ciclo do ensino básico, as oportunidades de prática de atividades de mas sobretudo motivar ao desenvolvimento tempos livres, refletindo sobre os fatores que de práticas sensíveis ao género promotoras da interferem e medeiam essas opções e decisões. construção de uma cidadania plena, na escola e na sociedade. Na temática “Género, História e Património” procura-se aliar a consciencialização e Este Guião para o 2º ciclo do ensino básico análise crítica dos estereótipos de género à surge integrado no conjunto de Guiões de sensibilização e descoberta da pluralidade dos Educação, Género e Cidadania que foram valores patrimoniais (nas dimensões material produzidos, especificamente, para cada um dos e imaterial) do meio e das comunidades em níveis de educação e ensino, desde a educação que a escola se insere, considerando-se o pré-escolar ao 3º ciclo do ensino básico. A sua princípio da transversalidade do tempo histórico por: Clarinda Pomar 003
  • 13. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo dos temas tratados (do mundo romano ao ou de complementaridade das propostas mundo contemporâneo). Na temática “Género apresentadas. e as personagens na literatura”, as sugestões desenrolam-se, maioritariamente, à volta de Realçamos ainda que as várias propostas de obras recomendadas, para estas idades, pelo intervenção educativa deste Guião pretendem Plano Nacional de Leitura em que o texto, as valorizar a interdisciplinaridade permitindo o características das personagens e as situações desenvolvimento dos conhecimentos e das criadas pelos autores e autoras constituem o competências específicas de várias áreas pretexto para a problematização das questões disciplinares. de género. O Guião faculta ainda um glossário (comum aos outros Guiões) bem como todas as Embora todas as propostas de atividades referências bibliográficas e webgráficas que se encontrem devidamente estruturadas, sustentam os vários textos e que possibilitam o cada docente terá possibilidade de encontrar aprofundamento das temáticas aí abordadas. elementos de flexibilidade que lhe permitirão proceder a adaptações tendo em conta os Esperamos, desta forma, envolver ativamente recursos disponíveis, as características dos os professores e as professoras, os alunos seus alunos e das suas alunas, bem como e as alunas do 2º ciclo e toda a comunidade as particularidades do contexto educativo educativa neste compromisso educativo onde as vão aplicar. Sugerem-se ainda, fundamental. frequentemente, atividades de extensão 004 Lisboa, CIG, 2012
  • 15.
  • 16. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania 1.1. Género e Cidadania Introdução A diversidade de características dos desigualdade qualitativa: elas já são mais homens e das mulheres constitui numerosas do que eles na escola, mas ensino misto e coeducação estão longe um manancial de recursos de tal de ser conceitos sinónimos; no mundo maneira valioso que a trajetória de profissional existem ainda disparidades cada pessoa ao longo do seu ciclo de salariais em muitos setores de atividade, vida está continuamente em aberto, persistem os chamados tetos de vidro na construindo-se em função de uma ascensão profissional, as jovens mulheres recém​ licenciadas têm mais dificuldade - multiplicidade de fatores históricos e de acesso ao emprego do que os seus contextuais. Estas possibilidades de colegas do sexo masculino e o desemprego desenvolvimento e de aprendizagem afecta-as mais. Para além desta situação,   têm sido, no entanto, historicamente o discurso sobre a conciliação entre a vida restringidas, sempre com base na doméstica e a carreira continua a existir associado essencialmente às mulheres defesa de estereotipias arcaicas, que, na realidade (seja em termos das conducentes a desigualdades e tarefas domésticas, ou do cuidado aos discriminações, penalizadoras em filhos e a familiares dependentes), são maior escala para o sexo feminino. de uma forma geral as garantes da vida quotidiana das famílias, vendo a sua saúde física e psicológica posta em risco por esta U real sobrecarga. Finalmente, as mulheres, ma leitura desatenta das se bem que agora mais presentes na estatísticas atuais relativas vida pública, continuam minoritárias em à situação das mulheres e posições onde o poder importa e o estatuto dos homens ocidentais faz socioeconómico é fundamental. A atual Lei crer que a igualdade entre homens e da Paridade (Lei Orgânica nº 3/2006, de mulheres está praticamente conseguida. 21 de agosto) poderá alterar esta situação, Porém, a aparente igualdade quantitativa mas, ainda assim, muito será necessário em alguns setores escamoteia a real fazer para que elas se encontrem igualmente por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 007
  • 17. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo representadas e todos os seus talentos Tarizzo e Diana Marchi (1999: 6). Por esse sejam de igual forma valorizados. motivo, deve desempenhar o seu papel na eliminação das desigualdades entre homens Embora as mulheres sejam, efetivamente, e mulheres que continuam a prevalecer. a face legitimamente mais visível da batalha Isto pode conseguir-se através de boas pela igualdade de direitos e oportunidades, práticas de cidadania ativa e democrática, é indubitável que um tratamento produtivo que possam ser aprendidas na escola a desta problemática deve incluir também par dos conteúdos do currículo formal. a consciência do impacto que estas Para o alcance dos objetivos que norteiam desigualdades acarretam para o sexo a efetiva realização desta cidadania ativa é masculino. São disso bastante expressivos necessário que a escola assuma também factos como: a maior taxa de abandono a responsabilidade de se tornar um local escolar dos rapazes, sobretudo no ensino privilegiado de partilha, de cooperação secundário; o número e e de educação para a gravidade dos acidentes A Lei Orgânica nº3/2006, de 21 participação. Uma escola de viação dos rapazes de agosto, designada por Lei da democrática é uma na adolescência, organização de liberdade, Paridade, estabelece que as listas associados a uma capaz de oferecer pressão societal para a Assembleia da República, resistência contra o para uma forma para o Parlamento Europeu e autoritarismo, a opressão de masculinidade para as autarquias locais são e todas as formas de hegemónica que discriminação baseadas compostas de modo a assegurar também os constrange; no sexo, na classe, na a representação mínima de 33% e a falta de autonomia raça/etnia, na orientação a nível da realização de cada um dos sexos. sexual, na religião, na de tarefas domésticas, cultura. É uma escola que limitação essa subjacente às razões supera preconceitos e estereótipos. Uma alegadas pelos homens para o casamento cidadania ativa numa sociedade cada vez na sequência de um primeiro divórcio mais plural implica a aceitação do valor da ou viuvez, ou ainda à decisão de alguns igualdade dos direitos e dos deveres para idosos (do sexo masculino) saudáveis de todos e todas, implica um compromisso passarem a viver em instituições quando genuíno com a sociedade na sua ficam sozinhos. Pelo exposto, importa diversidade, o respeito crítico pelas culturas, trabalhar no sentido da construção de um crenças, religiões etc., e implica também mundo onde homens e mulheres possam abertura à solidariedade pela diferença, viver em igualdade, sem constrangimentos rejeitando qualquer tipo de exploração – a todas as suas aspirações e com garantias racismo, sexismo… enfim, recusando a de oportunidades de exercício dos seus discriminação sob qualquer forma. múltiplos talentos. Apesar das múltiplas discriminações A escola, para além de ser um local de existentes, vamos centrar- compreensão e de preparação de rapazes -nos neste guia nas questões da igualdade e raparigas para a vida, deverá estar entre homens e mulheres e por isso na entre os principais agentes de mudança, erradicação do sexismo, conceito que contribuindo, “juntamente com outros abrange todos os preconceitos e formas de intérpretes sociais, para a construção discriminação exercidas contra um indivíduo da realidade”, como escreveram Gisela devido ao respetivo sexo. 008 Lisboa, CIG, 2012
  • 18. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania Temos bem presente que há uma multiplicidade de discriminações que se “ trate a aplicação correta do igual e deda igualdade exige que se Mas de modo igual o que é princípio modo diferente o que é podem cruzar e produzir diferente. Desde que se verifiquem situações de desigualdade à formas de desigualdade partida, haverá que corrigir essa desvantagem inicial através de particulares. Não ações positivas que, procurando anulá-la, criem condições para esquecemos, como advertiu Conceição Nogueira (2009), uma real igualdade de oportunidades. Eliane Vogel-Polsky, 1991: 5. ” essas formas intersecionais de viver as múltiplas discriminações (como acontece, por exemplo, no caso de jovens raparigas argumentos e diferentes sexo e género, a que provenientes de classes posicionamentos para se segue uma reflexão desfavorecidas ou de etnias que este fenómeno do sobre a importância do não dominantes); elas estão sexismo possa ser pensado, género enquanto categoria presentes ao longo deste repensado e, quando social desde a primeira trabalho, mesmo que nem interrelacionado com outras infância. Logo em seguida, sempre nomeadas. Apenas categorias de pertença analisa-se sob o ponto por razões de ordem que acarretam também de vista psicológico a prática nos centraremos discriminações, analisado na formação e consolidação essencialmente na sua inerente complexidade. da identidade de género categoria de sexo (homens nos primeiros anos de e mulheres) que tende a Este capítulo constitui vida. O conhecimento dos fomentar uma visão dos a parte introdutória de estereótipos de género, dois sexos como opostos. um Guião destinado à por parte das crianças, e promoção da igualdade a adopção dos mesmos Esta divisão, assimétrica de género no âmbito com a idade, são aspectos do ponto de vista simbólico de diferentes espaços tratados na parte seguinte. no entender de Lígia educativos formais, com O capítulo termina com uma Amâncio (1994), perpassa especial ênfase no ensino reflexão sobre o que é a toda a sociedade e pré-escolar e no terceiro cidadania, sobre a relação conduz à emergência de ciclo do ensino básico. entre género e cidadania e estereótipos, preconceitos Encontra-se dividido em sobre as formas de praticar e discriminações que sete secções articuladas uma verdadeira educação afetam prioritariamente as entre si. Numa primeira para a cidadania. mulheres. Importa por isso secção é feita uma tentativa clarificar conceitos, mapear de clarificação dos termos por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 009
  • 19. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo 1.1.1. De que falamos quando falamos de género? O sexo de uma criança é sem dúvida mulheres em termos pessoais e sociais, a partir um fator importante para o seu do conhecimento da sua categoria biológica desenvolvimento. Não é por acaso de pertença, abriu caminho a raciocínios que uma das primeiras perguntas simplistas de explicação dos comportamentos que se faz às mães e aos pais quando uma individuais, à crença na estabilidade dos criança acaba de nascer é se é menina ou atributos individuais e à ideia de que seria menino. O próprio nome que se escolhe para “normal” que os seres masculinos tivessem o/a bebé deixa antever o seu sexo e a presença certas características psicológicas e os seres de um bebé ou de uma criança em relação à femininos evidenciassem outras, distintas. Para qual se desconhece o sexo suscita sentimentos além desta visão dicotómica não ter qualquer de desconforto naqueles que a rodeiam. Ainda fundamento científico – sendo por isso de toda que nos primeiros meses de vida as crianças de ambos os sexos tenham características físicas semelhantes, a mãe e o pai começam logo a construir o género do/a bebé: dão-lhe um nome, vestem-no/a de cores diferentes e criam “ Acredita-se que os panelas e tachos, bonecas meninas (conjuntos de brinquedos oferecidos às um espaço físico de tal forma distintivo que é e bonecos, eletrodomésticos em miniatura, fácil para um/a observador/a externo/a adivinhar estojos de cabeleireira, kits de maquilhagem, etc.), uma vez que têm uma finalidade habitualmente se o/a bebé em questão é do sexo masculino prevista, fomentam nelas uma menor criatividade ou do sexo feminino. Assim sendo, podemos do que os brinquedos oferecidos aos rapazes afirmar que o sexo, para além de ser um fator (pistas de carros, legos, construções, bolas, biológico, é também um fator social e cultural, transportes em miniatura, etc.). Os segundos, uma vez que as pessoas tendem a reagir de pelo facto de não terem uma utilidade tão pré- maneira diferente perante uma criança do -definida, tendem a ser mais fomentadores da sexo masculino ou do sexo feminino. Reações criatividade e inclusive de uma maior ocupação essas diferentes não só ao nível de aspetos do espaço circundante. Esta desigualdade concretos, como a oferta de brinquedos, mas na estimulação cognitiva despoletada pelos também ao nível da formação de expectativas brinquedos poderá refletir-se, mais tarde, de de desempenho, da expressão de elogios forma diferente em ambos os sexos, em aspetos e encorajamentos, do estabelecimento de tão diversos como a capacidade de resolução de interações verbais e não-verbais e da linguagem problemas, a apetência para enfrentar desafios, utilizada. a autoconfiança para a exploração autónoma do espaço, etc. ” Jeanne Block, 1984. Esta caracterização (que podemos apelidar de quase “automática”) dos homens e das 010 Lisboa, CIG, 2012
  • 20. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania a conveniência examinar e não tem sido sinónimo de que norteiam este Guião, refletir em torno da origem diversidade, mas sim de parece-nos extremamente das eventuais diferenças desigualdade, de hierarquia pertinente e útil, para uma entre homens e mulheres – a e de posse dissemelhante de atuação pedagógica que discussão desta problemática poder e de estatuto social. contrarie preconceitos e ganha ainda maior relevância Neste enquadramento, e discriminações, a distinção se pensarmos que a diferença tendo presentes os objetivos entre sexo e género. “ Um catálogo intituladoartigos organizados em vários capítulos, entrehipermercado no períodoque Natal (1999), apresenta os “Festa dos brinquedos” difundido por um , os quais analisámos dois de correspondem às seguintes designações: » Menina (12 páginas) » Rapaz (14 páginas). Passando ao lado das questões linguísticas (meninas vs. rapaz), apresentamos a seguir a lista dos brinquedos incluídos em cada um desses dois itens (...). Um brinquedo não é um objeto neutro: é um veículo de simulação e de aprendizagem da vida adulta, encaminha os comportamentos e as práticas sociais e culturais, define lugares na comunidade e na família. Nesta ótica, que informação nos transmite o catálogo do hipermercado? Feminino Maculino Brinquedo nº de vezes Brinquedo nº de vezes Boneca bebé 24 Motorizada 3 Banheira para bebé 3 Figuras espaciais 2 Alcofa para bebé 5 Nave espacial 1 Cadeira para bebé 1 Robots 5 Carro para bebé 6 Heróis de BD e cinema 21 Casa das bonecas 2 Avião de guerra 2 Baloiço para boneca 1 Viaturas de heróis 2 Boneca adulta - tipo “Barbie” 10 Hidrojet 1 Casa da boneca 5 Submarino 1 Automóveis para boneca adulta 2 Porta aviões 1 Boneco adulto - “Ken” 1 Pista de carros 4 Parque infantil para boneca 2 Garagem 5 Escola e enfermaria 1 Conjunto de carrinhos 3 Consultório de pediatra 1 Jeep 1 Castelo encantado/palácio 4 Helicóptero 2 Acessórios de toilette 3 Carro teleguiado 24 Cozinha/equipamento de cozinha 5 Gruas 2 Supermercado/produtos 2 Comboio elétrico 2 Bonecos Disney 2 Maleta de teatro 1 Secretária 1 Patins 2 Permite-nos detetar dois perfis distintos: um encaminha as crianças para a maternidade, para as tarefas domésticas e para a estética do corpo; outro aponta claramente para a tecnologia, incluindo alguns elementos de violência ou, pelo menos, de conflituosidade. Isabel Margarida André, 1999: 98-99. ” por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 0 011
  • 21. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo O termo sexo é usado para distinguir os de região para região e são ainda sujeitos a indivíduos com base na sua pertença a uma readaptações de acordo com outras variáveis, das categorias biológicas: sexo feminino e como a classe social, a idade, a etnia e a sexo masculino. religião. O termo género é usado para descrever inferências e significações atribuídas aos O estudo da importância do género para a indivíduos a partir do conhecimento da sua compreensão da vida individual de homens categoria sexual de pertença. Trata-se, neste e de mulheres tem despertado a atenção de caso, da construção de categorias sociais cientistas com origens teóricas diversas que, decorrentes das diferenças anatómicas e fazendo uso de abordagens e metodologias fisiológicas distintas, trouxeram para a discussão desta problemática argumentos de extrema relevância, No sentido de clarificar a ideia de que as ainda que nem sempre facilmente conciliáveis diferenças observadas entre os sexos não entre si. Este facto tem tornado ainda mais se justificam simplesmente pela pertença da profícuo o debate e contribuiu indubitavelmente pessoa a uma categoria biológica presente para a compreensão da natureza socialmente à nascença, mas que resultam sobretudo de construída do género, a qual legitimou todo um construções culturais, Ann Oakley propôs, sistema de relações sociais – de dominação em 1972, que se efetuasse a distinção entre e de subordinação – pautadas, ao longo da os termos sexo e género, distinção essa que história, por desigualdades de poder tanto ao passou a servir de referência para as Ciências nível material como simbólico, como escreveu a Sociais. Em seu entender, o sexo com que historiadora Joan Scott (1986). nascemos diz respeito às características anatómicas e fisiológicas que legitimam a diferenciação, em termos biológicos, entre masculino e feminino. Por seu turno, o género que desenvolvemos envolve os atributos “ Que significa ‘ser homem’ do ponto de vista social? psicológicos e as aquisições culturais que o A pergunta é tão complexa quanto homem e a mulher vão incorporando, ao longo aparentemente ingénua. Para a larguíssima do processo de formação da sua identidade, e maioria das pessoas, para o nível a que nas que tendem a estar associados aos conceitos Ciências Sociais chamamos senso comum, de masculinidade e de feminilidade. Assim, o ser homem é fundamentalmente duas coisas: termo sexo pertence ao domínio da biologia e não ser mulher, e ter um corpo que apresenta o conceito de género inscreve-se no domínio órgãos genitais masculinos. A complexidade da cultura e remete para a construção de encontra-se precisamente na ingenuidade – significados sociais. Para além das diferenças agora sim –, de remeter para carateres físicos genéticas entre os sexos espera-se, na maior do corpo uma questão de identidade pessoal e social. Isto porque ‘ser homem’, no dia a parte das sociedades, que os homens e as dia, na interação social, nas construções mulheres se comportem de uma maneira ideológicas, nunca se reduz aos carateres diferente e assumam papéis distintos. Ainda na sexuais, mas sim a um conjunto de atributos linha do pensamento da autora atrás citada, morais de comportamento, socialmente convém ter presente que os conceitos de sancionados e constantemente reavaliados, feminilidade e de masculinidade diferem em negociados, relembrados. Em suma, em função de especificidades culturais, o que significa que variam no espaço e no tempo, constante processo de construção. ” Miguel Vale de Almeida, 1995: 127-128. apresentando definições distintas de época para época e, num mesmo período histórico, 012 Lisboa, CIG, 2012
  • 22. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania Já em 1949 Simone de evidenciar principalmente as nos homens e nas mulheres Beauvoir falava desta semelhanças – a chamada desenvolvem-se em sintonia legitimação da construção de perspetiva do enviesamento com uma multiplicidade de diferenças sociais com base beta1. De facto, apesar influências que são inerentes nas diferenças sexuais, ao de numerosos trabalhos ao processo de socialização defender que o ser humano concluírem pela inexistência e que começam logo a partir do sexo feminino não nasce de diferenças sexuais em do momento em que se toma mulher, mas sim torna-se domínios como, por exemplo, conhecimento do sexo da mulher pela incorporação o cognitivo2, outros apontam criança, ou seja, mesmo antes de modos de ser, de papéis, para a existência de diferenças do nascimento. de posturas e de discursos entre homens e mulheres, condizentes com o modelo sobretudo ao nível da Estudos efetuados com de feminilidade dominante personalidade na vida adulta, mulheres grávidas e na cultura a que pertence. quando se pede às pessoas descritos por Carole O mesmo poderá dizer-se a que se autodescrevam3 de propósito da aprendizagem acordo com determinadas Beal (1994) permitiram do que é ser homem por características. Certos concluir que existe uma parte dos seres humanos que traços como independência, tendência, por parte nascem do sexo masculino, competitividade, agressividade das futuras mães, para os quais tendem a ser e dominância continuam a percecionarem de socializados de acordo com ser associados a homens, maneira diferente os as características distintivas da reunidos sob a designação masculinidade culturalmente de instrumentalidade movimentos fetais, em preponderante da sua masculina; a sensibilidade, a função do conhecimento geração. emocionalidade, a gentileza, a do sexo do bebé. No caso empatia e a tendência para o de estarem à espera de As investigações, sobretudo estabelecimento de relações um rapaz, as mulheres de natureza psicológica e continuam a estar associadas em análise tendiam a sociológica, dedicadas à às mulheres, sob a designação descoberta de diferenças/ de expressividade feminina. descrever os movimentos /semelhanças entre homens fetais como vigorosos, e mulheres, nem sempre Quer se dê destaque verdadeiros tremores têm conduzido a conclusões às eventuais diferenças de terra e calmos, mas coincidentes e há quem tenda encontradas entre os sexos, fortes. Caso a criança a destacar sobretudo as quer se valorize a perspetiva em desenvolvimento diferenças entre os indivíduos que defende serem mais – a chamada perspetiva do as semelhanças, o que é fosse do sexo feminino, enviesamento alfa – enquanto importante realçar é que as as mães inclinavam- outros/as se inclinam a características observadas -se a descrevê-las 1 Para a compreensão desta distinção, recomenda-se a consulta do artigo de Rachel T. Hare-Mustin e Jeanne Marecek (1988). 2 Ver, a este propósito, as revisões de estudos específicos que foram efetuadas por Janet Hyde (1981) e por esta autora e seus colegas (1990). 3 A revisão de estudos publicada por Alain Feingold (1994) e a investigação de doutoramento de Cristina Vieira (2003; 2006) retratam claramente estas distinções que é possível observar entre homens e mulheres, no que concerne às suas autodescrições individuais. por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 0 013
  • 23. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo como apresentando estática, bipolar e categorial se clarificação é crucial em movimentos situam dentro dos indivíduos virtude das suas implicações muito suaves, não e que os sexos são opostos. educativas e daí ser A continuar-se com esta necessário desconstruir excessivamente ativos, falsa dicotomia, dividindo as toda a lógica determinista e vivos, mas não muito características e as atividades usada para prescrever a enérgicos. em masculino e feminino, homens e mulheres atributos, estar-se-á a transpor para competências e interesses Além disso, as diferenças a compreensão do humano decorrentes da diferenciação observadas dentro de cada um sistema de oposições biológica. grupo formado com base na homólogas, como escreveu categoria sexual (grupo das Miguel Vale de Almeida No campo da psicologia, e pessoas do sexo masculino e (1995), como alto/baixo,   no âmbito de uma tentativa das pessoas do sexo feminino) são mais numerosas do que Sensivelmente a meio do séc. XX, e partindo de uma as diferenças entre esses mesmos dois grupos4, pelo análise dos comportamentos das pessoas adultas (da que as categorias ‘mulher’ cultura ocidental) – especialmente dos pais e das mães e ‘homem’ não poderão – na família e em pequenos grupos, os sociólogos Talcott continuar a ser vistas como Parsons e Robert Bales (1955) defenderam que a mulher homogéneas nem como estava mais predisposta ao estabelecimento de interações passíveis de traduzir modelos ideais e exclusivos (de sociais e à manutenção dos laços e da harmonia familiares. um grupo ou de outro) de Era, por isso, sobretudo expressiva, deixando o homem conduta. livre para o desempenho dos papéis instrumentais. Entre Para espelhar a diversidade os comportamentos mais típicos dos indivíduos do sexo de formas de ser e de estar, masculino encontravam-se, por exemplo, a orientação os termos deverão inclusive ser formulados no plural – para o alcance de metas e o estabelecimento de relações mulheres e homens –, não entre a família e o mundo exterior. Tal distinção deu esquecendo (se o objetivo origem ao aparecimento de duas categorias de atributos for a compreensão das da personalidade, que viriam a seu utilizadas em outras singularidades individuais) o áreas para classificar e distinguir os homens das mulheres, seu necessário cruzamento fazendo corresponder diretamente (e perigosamente) com outras categorias pessoais e sociais de a distinção biológica a diferenças psicológicas: análise, algumas delas atrás instrumentalidade masculina e expressividade feminina. mencionadas. sobre/sob, fazendo crer de compreensão do Por esta razão, e seguindo o que a diferença estaria na comportamento dos homens pensamento de Conceição natureza dos seres e não num e das mulheres ao longo do Nogueira (2001), não pode processo de aprendizagem ciclo de vida, uma das visões continuar a acreditar-se e de apropriação diferencial mais consensuais do conceito que diferenças de natureza de normas e valores. Esta de género foi influenciada 4 Ver o trabalho de Hugh Lyntton e David Romney (1991). 014 Lisboa, CIG, 2012
  • 24. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania pelos trabalhos de Janet Spence (1985; 1993), que o considera de natureza multidimensional e o explica recorrendo “ várias alíneas. Estão género tem duas partes e A minha definição de interligadas mas são aos princípios do desenvolvimento analiticamente distintas. O cerne da definição humano. Quer isto dizer que ao falarmos reside numa relação completa entre duas de género nos referimos a um conjunto proposições: género é um elemento constitutivo de componentes, que incluem, para citar das relações sociais baseadas nas diferenças apenas algumas, a identidade de género, visíveis de sexo e género é uma forma primária de a orientação sexual, os papéis de género, nos referirmos a relações de poder. (…) Enquanto as características da personalidade, as elemento constitutivo das relações sociais competências pessoais e os interesses. baseadas nas diferenças sexuais, género engloba quatro elementos intimamente ligados: primeiro, No entender da autora atrás citada, os símbolos disponíveis numa determinada os aspetos que contribuem para a cultura que evocam múltiplas (e frequentemente contraditórias) representações – por exemplo, diferenciação de cada fator integrante Eva e Maria como símbolos de mulher na do género possuem histórias de tradição cristã ocidental. (…) Segundo, conceitos desenvolvimento idiossincráticas sempre normativos que avançam interpretações dos distintas de pessoa para pessoa e são sentidos dos símbolos, que tentam limitar e influenciados por uma multiplicidade de conter as suas possibilidades metafóricas. Estes variáveis não necessariamente relacionadas conceitos são expressos pelas doutrinas religiosas, com o género. Para além disso, durante os educativas, científicas, legais e políticas e mantêm diferentes períodos da vida de cada sujeito, tipicamente a forma de oposições binárias os fatores que integram o género podem fixas, que estabelecem de maneira categórica e apresentar graus e tipos de associação inequívoca os significados de homem e mulher, variados entre si. masculino e feminino. (…) O terceiro aspeto O comportamento exibido (por homens e (...) inclu[i] não só os laços de parentesco como também (...) o mercado de trabalho (…), o sistema mulheres) resulta da interação complexa educativo (…) e o sistema político (…). O quarto das suas diversas componentes de género. aspeto do género é a identidade subjetiva. Por este motivo, é possível observar uma A primeira parte da minha definição de género considerável variabilidade – intrasexo e contém, portanto, estas quatro vertentes e entre o sexo feminino e o masculino – nenhuma delas funciona independentemente de quanto à constelação de características qualquer das outras. Contudo elas não funcionam congruentes com o género que cada em simultâneo, como se uma fosse simplesmente pessoa é suscetível de manifestar nas o reflexo das outras. (…) O que me proponho é diferentes situações que tiver de enfrentar. tornar clara e objetiva a forma como devemos É ainda fundamental salientar, como analisar a influência do género nas relações referiram Susan Egan e David Perry (2001), sociais e institucionais uma vez que esta análise que a consistência com que os homens e não é, na maior parte dos casos, feita de forma precisa e sistemática. Uma teoria sobre género as mulheres apresentam comportamentos é portanto desenvolvida na minha segunda típicos de género, em diferentes dimensões formulação: género é uma forma primária de (por exemplo: papéis de género, orientação demonstração das relações de poder. Ou, melhor sexual), poderá ser apenas modesta. dizendo, o género é o primeiro domínio com o Mas esta visão psicológica do género constitui simplesmente um dos múltiplos qual ou através do qual o poder se articula. Joan Scott, 2008: 66-67 (adaptado) ” contributos que diferentes áreas do saber têm trazido para o debate, havendo por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 015
  • 25. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo outras perspetivas feministas (mais críticas – e A tendência do pensamento de senso comum aparentemente opostas àquelas) que defendem é para uniformizar a caracterização das o seu relativismo e a sua natureza situacional. diferentes componentes de género de uma pessoa, a partir do conhecimento de Hoje em dia a perspetiva feminista mais crítica e mais próxima das perspetivas apenas uma delas. Na sequência de estudos pós-modernas recusa a possibilidade de efetuados por Key Deaux e Melissa Kite discursos universalizantes e generalizáveis (1993), foi observado que é uma crença acerca do género. Esta perspetiva desafia corrente que as mulheres com uma o caráter natural da diferença de género, orientação homossexual apresentam sustentando que todas as características sociais significativas são ativamente criadas características típicas dos homens e que os e não são nem biologicamente inerentes, homens com uma orientação homossexual nem permanentemente socializadas ou tendem a exibir comportamentos ditos estruturalmente predeterminadas. Segundo femininos, o que não corresponde à este ponto de vista, o género não é apenas realidade nem traduz a diversidade algo que a sociedade impõe aos indivíduos. de características de uma pessoa, Mulheres e homens escolhem certas opções comportamentais e ignoram outras e, ao fazê- independentemente da sua categoria -lo, elas e eles fazem o género. Pode dizer- sexual. -se fazer o género, isto é, comportar-se de maneira que, seja qual for a situação, sejam Na tentativa de contrariar práticas quais forem os atores, o comportamento dos erróneas e discriminatórias para homens e das mulheres seja visto, em cada ambos os sexos, o compromisso básico contexto, como adequado às expectativas de de todas as feministas, em diferentes género socialmente delineadas para cada um domínios do conhecimento, tem sido a dos sexos. Nesta sequência, acredita-se que o luta pela permanente erradicação das género é performativo5. desigualdades de género, tentando acabar Este entendimento6 sobre o que é o género com os enviesamentos que prejudicam as ajuda a reconciliar os resultados empíricos, mulheres, mas também os homens. de que mulheres e homens são mais similares que diferentes na maioria dos traços e constrangimentos e expectativas podem ser competências, com a perceção comum de que condicionados a tomar decisões distintas parecem comportar-se de forma diferente. relativamente ao seu repertório de opções. Com efeito, mulheres e homens ainda Desta forma, ao agirem em aparente que tenham as mesmas competências, conformidade com o que é esperado para as ao enfrentarem diferentes circunstâncias, pessoas do seu sexo, acabam por reafirmar 5 Para um desenvolvimento suplementar deste assunto, ver os trabalhos de Judith Butler (1990; 2002; 2006). 6 Segundo Chris Beasley (1999), trata-se de uma visão influenciada pelo chamado construcionismo social, o qual apareceu como resposta alternativa à epistemologia positivista, que defendia a existência de uma verdade fundamental na explicação de todos os fenómenos, a qual era possível apurar através da razão. Contrariando esta posição, para os construcionistas sociais são defensáveis, como escreveram Sara Davies e Mary Gergen (1997), os seguintes pressupostos: 1) O conhecimento é socialmente construído; 2) Não existe uma versão única da verdade; 3) Os significados são constituídos através do discurso; 4) Os indivíduos são vistos como passíveis de expressões múltiplas. 016 Lisboa, CIG, 2012
  • 26. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania os arranjos baseados nas categorias sexuais Passados cerca de quarenta anos desde que o como sendo naturais, fundamentais e imutáveis, género foi identificado como uma categoria de legitimando consequentemente a ordem social. análise, sabe-se que muito está por conseguir no que diz respeito à igualdade entre homens e Poder-se-ia então imaginar que a simples   mulheres e às assimetrias de poder material e mudança na forma como homens e mulheres simbólico daí recorrentes nas diversas esferas fazem o género poderia ser o caminho para a da vida. Com base em ideias sem qualquer transformação. No entanto, é importante ter em suporte científico, a família e todos os restantes atenção que os constrangimentos institucionais, agentes de socialização continuam a educar a hierarquia social e as relações sociais de poder de maneira diferente o rapaz e a rapariga para limitam a capacidade de ação dos indivíduos. o desempenho dos mais variados papéis ao longo da vida, como se a diferenciação biológica determinasse as características pessoais, as oportunidades de desenvolvimento e os “ Longe de afirmar que as estruturas de dominação são a-históricas, tentarei percursos de vida de uns e de outras. estabelecer que são um produto de um trabalho incessante (portanto histórico) de reprodução para que contribuem agentes singulares (…) e instituições, “ O ofundamental e na feminino não entre masculino o diferenciação Pierre Bourdieu, 1999: 30. ” famílias, Igreja, Escola, Estado. são os atributos que, aparentemente, os distinguem (…) mas sim o facto dos conteúdos que definem a masculinidade estarem confundidos com outras categorias supraordenadas, como a de pessoa adulta, enquanto os Deste modo, podemos afirmar que é o significados femininos definem apenas reconhecimento de que o género resulta de uma um corpo sexuado. É neste processo construção social que nos permite compreender de construção social que o simbolismo como a discriminação continua, apesar de todo masculino se constitui como referente o trabalho de cientistas feministas – os/as quais, universal relativamente ao feminino minimizando ou maximizando as diferenças, que permanece marcado pela categoria esperavam contribuir para a eliminação das desigualdades de género na sociedade, tanto sexual. ” Lígia Amâncio, 2002: 59. nos espaços públicos como no domínio privado. “ A categoria analíticaos aspetos relacionaismaisconstruçãoem Portugal nos anos 90 [do séc. XX], tendo como nó fulcral de género tornou-se da presente social do feminino (e do masculino). Tornou-se numa palavra passe-partout, nomeadamente na sua emigração e tradução em contextos institucionais cuja utilização – nessa tradução institucionalizada – é muitas vezes indevida, por escamotear a crítica que essa categoria analítica implica, podendo-se fazê-la ‘despolitizar’ a luta das mulheres. ” Teresa Joaquim, 2004: 89. por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 017
  • 27. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo Daí que seja imperativo falar de género quando contextos formais de ensino na manutenção se quer promover uma cidadania ativa. Na de uma ideologia de género adotada pelo realidade, o género deve ser encarado como um coletivo e assumida como inquestionável, dos princípios organizadores da construção do ainda que naturalize hierarquias de poder percurso individual de cada cidadã ou cidadão, e legitime situações de desigualdade entre na formação das respetivas competências homens e mulheres. Correndo-se o risco de para o exercício pleno da cidadania. Em deixar de fora deste elenco muitas pesquisas qualquer sociedade, as crenças associadas importantes de cientistas portuguesas/es ao género tendem a constituir, para ambos empenhadas/os no estudo das questões de os sexos, normas – muitas vezes silenciosas género e da sua ligação ao que se passa na – condicionantes da formação de valores e escola, citem-se, por exemplo, os trabalhos de atitudes, com influência directa na auto e sobre os estereótipos de género nos Manuais hetero avaliações das variadas expressões Escolares, adotados oficialmente no ensino comportamentais e nos desafios que uns e básico, de Eugénio Brandão (1979), Ivone outras acreditam serem capazes de enfrentar Leal (1979), Maria Isabel Barreno (1985), José com sucesso. Paulo Fonseca (1994), Fernanda Henriques e Teresa Joaquim (1995), Maria de Jesus Martelo (1999) e Anabela Correia e Maria Alda Ramos (2002); a investigação de Teresa Alvarez Nunes “ Incorporámos, sob ade forma de esquemas inconscientes perceção (2007) sobre as representações de cidadania associadas ao masculino e ao feminino nos e de avaliação, as estruturas históricas Manuais de História e no software educativo da ordem masculina; arriscamo-nos portanto a recorrer, para pensar a utilizados no ensino secundário; o trabalho de dominação masculina, a modos de Luísa Saavedra (2005) sobre a aprendizagem pensamento que são eles próprios produtos da dominação. ” Pierre Bourdieu, 1999: 30. “ ensino misto não semostrado que o As investigações têm substanciou em práticas educativas conducentes A investigação em torno das diferentes à transformação das relações sociais problemáticas do género, impulsionada, de género no processo de socialização como se disse atrás, pelo pensamento e e de construção da identidade de movimentos feministas, e produzida com raparigas e de rapazes. Constata-se a maior intensidade desde as décadas finais persistência de estereótipos de género, do século XX, chamou a atenção para a seja nos materiais pedagógicos, seja complexidade cultural dos estereótipos de nas interações no espaço escolar, género, para o caráter imbricado das ideias que sustentam um imaginário social que representa assimetricamente as associadas à masculinidade e à feminilidade e identidades feminina e masculina e para as arbitrariedades advindas da promoção reproduz expectativas diferenciadas e manutenção de um raciocínio dicotómico, para raparigas e rapazes no que respeita conformista e alicerçado em estereotipias. às várias dimensões da sua vida presente Estudos portugueses desenvolvidos, sensivelmente desde essa altura, também ” e futura. Teresa Pinto, 2007: 142. já colocaram em evidência, por exemplo, o papel dos recursos pedagógicos utilizados em 018 Lisboa, CIG, 2012
  • 28. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania promovida pelo currículo e pela organização didáticos, quer nas interpretações que fazem do escolar do que é ser rapaz ou ser rapariga; a comportamento dos pais e das mães. pesquisa de Laura Fonseca (2001) sobre as subjetividades na educação das raparigas; No que diz respeito à fraca representação das e o trabalho de Teresa Pinto (2008) sobre a raparigas em profissões não tradicionalmente associação (historicamente construída) do femininas, um trabalho realizado por Luísa ensino industrial ao sexo masculino. Saavedra (1997) deixa antever grandes dificuldades a médio prazo na alteração No que concerne ao que se passa no nível dos estereótipos de género associados às pré-escolar, uma investigação recente de   profissões, pois esta mudança parece exigir Fernanda Rocha (2009) mostrou que os/as   uma modificação ideológica das representações educadores/as de infância são também   associadas à posição social do grupo feminino propensos/as ao uso de estereotipias de face ao grupo masculino. género, quer na organização dos espaços por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 019
  • 29. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo 1.1.2. O género como categoria social O género é uma das primeiras de a criança ter capacidade de expressar categorias que a criança aprende, por palavras o seu pensamento. Todavia, ao facto que exerce uma influência longo dos anos subsequentes são múltiplas as marcante na organização do influências que podem ocorrer susceptíveis de seu mundo social e na forma como se avalia afectar quer o desenvolvimento posterior das a si própria e como percepciona as pessoas várias componentes do género, quer as suas que a rodeiam. Para corresponder às normas manifestações situacionais. Por esse motivo, sociais, e como parte integrante do processo numa situação particular uma rapariga pode de socialização, a criança aprende a comportar-​ exibir um comportamento habitualmente mais -se de acordo com os modelos dominantes de comum nos rapazes e vice-versa. masculinidade e de feminilidade. Este processo é movido por uma complexa interacção entre os A análise da composição sexual dos grupos factores individuais e contextuais, neles incluindo de crianças formados por iniciativa própria em a relação com o pai e a mãe, os(as) amigos/as,   situações lúdicas fornece dados que destacam os/as educadores/as/professores/as e outras a importância do género enquanto categoria pessoas significativas. social, especialmente durante a primeira década de vida. Sobrepondo-se a outras características Algumas investigações no domínio da psicologia individuais como a etnia ou a raça, o sexo surge têm mostrado que as crianças iniciam o como um dos principais critérios na escolha de processo de desenvolvimento respeitante ao um/a potencial companheiro/a de brincadeiras, género (e a categorização de si e dos outros por parte da criança8. Assim, por exemplo, daí decorrente) muito antes de tomarem um rapaz branco de quatro anos brinca mais consciência do seu sexo, ou seja, dos seus prontamente com um rapaz negro do que com órgãos genitais7. Janet Spence (1985) defende uma rapariga branca da mesma idade. mesmo que o núcleo central da identidade de género começa a consolidar-se, em crianças É importante referir que durante a infância de ambos os sexos, ainda numa fase pré- a distinção entre os sexos remete para a -verbal do desenvolvimento, ou seja, antes prevalência, no pensamento da criança, de duas 7 Ver, a este respeito, os trabalhos de Diana Poulin-Dubois e colegas (1994), de Teresa Alário Trigueiros e outros/as autores/ as (1999) e de Ana da Silva e e outros/as autores/as (1999), tendo estes dois últimos livros sido publicados pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres, no âmbito dos Cadernos Coeducação. 8 Ver os estudos citados por Carole Beal (1994) que se debruçaram sobre este comportamento sexista das crianças. 020 Lisboa, CIG, 2012
  • 30. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania categorias básicas (binárias): a dos homens e brincadeiras; a das mulheres, categorias essas directamente ligadas a um processo prévio de categorização d) É maior em situações não social que teve como fundamento as diferenças estruturadas por adultos, como é o físicas aparentes entre os sexos. caso dos refeitórios escolares, do que em contextos mais formais, como sejam Uma segunda distinção – assente na primeira, as salas de aula; porém, de contornos mais indefinidos – é a que resulta da aplicação dos conceitos de masculino e) Não tem a ver com juízos de valor e de feminino. Na realidade, um indivíduo pode sobre o maior ou menor poder social ser mais ou menos masculino, mas não pode detido pela criança, em virtude da sua ser mais ou menos homem, como escreveu pertença a um ou a outro sexo, ou de Eleanor Maccoby (1988). Esta segunda dicotomia reveste-se de uma importância menor papéis específicos de género por ela na compreensão do comportamento social da desempenhados; criança, até porque faz apelo a determinadas f) É uma tendência que parece começar capacidades cognitivas mais abstractas, que ela por volta dos dois anos de idade, ainda não possui. continuar durante a fase pré-escolar O interesse científico pela compreensão do e intensificar-se nos anos seguintes da fenómeno da preferência explícita das crianças infância, entre os 6 e os 11 anos; pelo estabelecimento de interacções com outras do mesmo sexo deu origem ao desenvolvimento g) É um fenómeno que se manifesta de numerosas investigações9. Entre outras de forma equivalente em estudos conclusões dignas de relevância, foi observado realizados em diferentes culturas. que a predisposição das crianças para a segregação sexual: Para explicar a segregação dos sexos observada na infância, Carole Beal (1994) a) É um processo grupal, pois apresenta duas ordens de razões. Em primeiro lugar, afirma que as crianças preferem brincar não depende das características com outras do mesmo sexo em virtude particulares exibidas por cada criança da semelhança mútua, ao nível dos estilos ou do seu grau de tipificação de de interacção. Em segundo lugar, fala da género; necessidade individual de desenvolvimento da identidade de género que conduz as crianças b) Ocorre em ambos os sexos, mas a procurar contactar, preferencialmente, com tende a aparecer mais cedo nas outras parecidas consigo, isto é, outras que raparigas; correspondam aos modelos aprendidos do que “é ser rapaz” ou “ser rapariga”. Como escreveu c) Tende a ser tanto mais intensa Beverly Fagot (1985), para que a criança inicie o quanto maior for o número de desenvolvimento de algumas regras associadas crianças do mesmo sexo e da mesma ao género basta aprender a designar a categoria idade disponíveis para participar nas sexual a que pertence. Também a este respeito, 9 Consultar, por exemplo, Eleanor Maccoby (1998) para uma visão abrangente dos resultados destes estudos. por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 021
  • 31. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo Eleanor Maccoby (1988) defendeu que as As diversas pesquisas sobre a importância crianças escolhem brincar com outras do do género no desenvolvimento da criança, mesmo sexo porque o processo cognitivo de embora nem sempre tenham conduzido a categorização social, por elas efectuado, é de conclusões plenamente coincidentes, parecem tal maneira forte que a sua opção, a este nível, no entanto reunir consenso quanto a dois deve ser encarada como parte integrante da aspectos particulares. A manifestação de formação da identidade de género. comportamentos típicos de género durante os primeiros anos de vida tende a preceder (1) o desenvolvimento de uma compreensão A medida em que determinada pessoa sofisticada sobre o género, ou seja, sobre os modelos de masculinidade e de feminilidade se mostra em conformidade com os culturalmente dominantes10 e (2) a consolidação papéis de género que lhe são socialmente da identidade de género11. Como veremos prescritos, em virtude de ter nascido a seguir, este último aspecto é algo que do sexo masculino ou feminino, é o que se estende no tempo, sobretudo ao longo dos primeiros sete anos de vida. O grau de se designa por tipificação de género. complexidade das explicações apresentadas De forma mais sintética, Sandra Bem pelas crianças para os comportamentos de (1981) defende que tal conceito traduz género e para a avaliação dos mesmos em si e nas outras pessoas depende directamente do o processo, através do qual a sociedade desenvolvimento das capacidades intelectuais, converte as noções de macho e de fêmea as quais se tornam progressivamente mais em masculino e feminino. complexas com a idade em ambos os sexos. 10 Ver Diana Poulin-Dubois, Lisa A. Serbin e Alison Derbyshire (1994). 11 Ver Valerie Edwards e Janet T. Spence (1987). 022 Lisboa, CIG, 2012
  • 32. ENQUADRAMENTO TEÓRICO | Género e Cidadania 1.1.3. A formação da identidade de género F oram várias as posições teóricas ensino pré-escolar e ao terceiro ciclo do ensino desenvolvidas durante o séc. básico, e abrangendo, portanto, quer crianças XX que tentaram esclarecer muito novas (a partir dos três anos de idade), o processo de formação da quer adolescentes, optámos por apresentar identidade de género. Com o intuito de dar nesta secção do capítulo uma visão psicológica uma certa organização teórica e conceptual sobre a formação da identidade de género, que às mesmas Susan Freedman (1993) reúne-as a perspectiva como intrinsecamente ligada ao em duas classes distintas. A primeira (onde desenvolvimento humano em outros domínios inclui, por exemplo, as ideias psicanalíticas (cognitivo, emocional e social). Esta opção não e evolucionistas) agrega teorias que tentam significa, contudo, que outras abordagens mais explicar as possíveis causas das diferenças críticas e reflexivas – como aquelas que são entre os sexos. Trata-se de saber por que é influenciadas pelo construccionismo social ou que os sexos podem apresentar diferenças. A segunda categoria agrupa as teorias (como as da aprendizagem social, teorias cognitivo- Partindo de estudos realizados com -desenvolvimentistas e teorias da interacção crianças e adolescentes, Susan Egan e social) que abordam os processos conducentes à observação das diferenças entre homens e David Perry (2001) apresentaram uma mulheres. Neste caso, a preocupação dos(as) possível definição de identidade de género respectivos/as autores/as gira em torno de com recurso a quatro proposições teóricas. como é que os sexos enveredam por formas No seu entender, a identidade de género distintas de comportamento. abrange: Como se disse anteriormente, a coexistência “(a) A tomada de consciência individual da de diferentes perspectivas e o recurso a pertença do sujeito a uma das categorias metodologias de análise distintas sobre de género; o género – e as suas implicações para a (b) A sensação de compatibilidade com organização da vida pessoal e social das um dos grupos formados a partir da mulheres e dos homens – tornam difícil a tarefa de apresentar princípios explicativos e categorização anterior (…); modelos que reúnam unanimidade entre as e (c) O sentir-se pressionado/a a estar em os especialistas e que espelhem a riqueza e conformidade com a ideologia de género; complexidade das abordagens. (d) O desenvolvimento de atitudes para Sendo este Guião destinado principalmente ao com os grupos de género” (p. 451). por: Cristina Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa Cláudia Tavares 023
  • 33. GUIÃO DE EDUCAÇÃO. GÉNERO E CIDADANIA 2 Ciclo pelos feminismos radicais, corte de cabelo, de tamanho de compreensão geral do cuja análise tende a centrar- e forma do corpo) do que mundo em que vive e do seu -se na compreensão das as diferenças relativas aos papel no mesmo. múltiplas determinantes dos órgãos genitais. É partindo da comportamentos dos homens constatação destas distinções Neste enquadramento, por e das mulheres na vida adulta entre pessoas adultas que volta dos dois/três anos a – sejam vistas como menos a criança se inclui num dos criança está apta a designar interessantes ou com menor grupos (isto é, se classifica correctamente o seu género. valor heurístico. Apenas por como do sexo masculino ou Todavia, a formação da uma questão prática não serão do sexo feminino) e começa, identidade de género, que aqui referenciadas. inevitavelmente, a fazer se estende, como se disse, avaliações da realidade. aproximadamente dos 2 aos 7 Na psicologia, a perspectiva anos de idade, é um processo cognitivo-desenvolvimentista Para Kolhberg, as ideias da que acompanha a transição – onde merece especial criança acerca dos papéis para o período das operações destaque o pioneirismo do dos homens e das mulheres concretas13 e durante o qual a pensamento de Lawrence são determinantes para a criança é capaz de começar Kolhberg (1966) – reconhece exibição de comportamentos a compreender determinadas à criança um papel activo na consonantes com os categorias sociais – como é o construção da sua identidade modelos dominantes caso do género. de género e a impossibilidade de masculinidade e de de dissociar este processo feminilidade; e a motivação As ideias de Lawrence do próprio desenvolvimento para a aprendizagem desses Kolhberg (1966) a respeito das capacidades intelectuais. mesmos papéis resulta da do papel da motivação no Considerando o ciclo de vida, sua necessidade individual desenvolvimento do género e salientando a importância de se identificarem com reuniram grande consenso da interacção social entre um dos grupos. Por esse na comunidade científica. as crianças de ambos os motivo, acredita que durante Na sua opinião, para que a sexos destacada por Key o processo de formação criança se sinta motivada a Bussey e Albert Bandura da identidade de género valorizar os outros do mesmo (1999), pode afirmar-se que a criança é capaz de sexo e inicie o processo a primeira etapa do processo compreender o género, em de ensaio/imitação dos de desenvolvimento das vez de, simplesmente, imitar comportamentos, tem de estar diferentes dimensões do o comportamento daqueles assegurada a estabilidade do género consiste na formação que são do mesmo sexo que seu género; ou seja, tem de da identidade de género. o seu. Assim, a progressiva ter consciência de que ainda Ao observar o mundo das compreensão que a criança que algumas características pessoas adultas, para as evidencia acerca do que é o externas ou o próprio crianças são muito mais género está intrinsecamente comportamento, exibido em aparentes as diferenças ligada ao seu desenvolvimento situações particulares, venham exteriores (de vestuário, de cognitivo12, isto é, ao seu nível a sofrer modificações, o sexo 12 Ver os trabalhos de Jeanne Brooks-Gunn e Wendy Matthews (1979). 13 Em virtude da saliência do género na organização da vida individual, Diana Ruble e Carol Martin (1998) defendem que a ‘conservação da categoria sexual’ pode ser considerada uma das primeiras manifestações de pensamento operatório por parte da criança. 024 Lisboa, CIG, 2012