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Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200835
S
empre me senti surpre-
endido pela vastidão do
movimento de 1968, que
abrangeu parte importante
do planeta. Do mesmo modo, sempre
me intrigaram os relatos sobre sua
força e influência. Nascido em 1971,
em meio à “geração AI-5”, não aceitei
nunca com tranqüilidade a taxação
de que os jovens das décadas pos-
teriores à de 1960 eram apolíticos,
AgênciaEstado
A revolta mundial da
juventude e o Brasil
movimento Estudantil
José Dirceu,
presidente da União
Estadual dos Estudantes
de São Paulo, em 1968
alienados ou individualistas. E quis
mesmo conferir a tal força de 1968.
Se ainda considero caricata a ima-
gem dos jovens da minha geração
como tão somente individualistas, a
pesquisa à qual me dediquei durante
meu doutoramento me fez aprender
a enorme energia da revolta de 1968.
E o que me propus a fazer foi observá-
la como um movimento juvenil de
caráter mundial.
Parte considerável dos universitários se mobilizou, em especial
nas capitais dos estados, em eventos tão importantes quanto
inesperados Luís Antonio Groppo
Menos que uma coincidência no
tempo de inúmeras revoltas de cunho
nacional, quis ler 1968 – e as revoltas
juvenis dos anos 1960 em seu todo,
na verdade – como fenômeno único,
complexo e contraditório, de cunho
global, como uma onda mundial de
revoltas. Ao mesmo tempo, considerei
que este movimento teve na juventude
real ou presumida de seus integrantes
o seu principal elemento comum. Tal
Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 36
olhar não deve nos abster, entretanto,
de compreender as muitas nuanças
destas revoltas que, é bem verdade,
tiveram características nacionais e
mesmo locais bastante particulares.
Outro risco a se evitar com o olhar
global sobre 1968 é o de considerar
os movimentos algo mais legítimo
ou característico dos países ditos
“desenvolvidos”. Ainda que contrá-
rio à mera inversão simplista desta
postura, o que eu proponho é que
a onda mundial de revoltas teve no
Terceiro Mundo seu início e uma de
suas principais fontes. Isto não signi-
fica desconsiderar a importância dos
movimentos do “Primeiro Mundo”,
ao contrário. O maio francês de 1968
foi provavelmente o movimento em
que as possibilidades emancipatórias
daquela onda tenham ido mais longe.
A Alemanha teve importantes movi-
mentos estudantis na então Berlim
Ocidental desde o início da década
de 1960. E, mesmo depois de 1968,
países que já haviam tido eventos
muito relevantes, atingiriam o ápice
de suas mobilizações, como a Itália
(com uma greve estudantil-operária
de amplas proporções em 1969) e os
tos “anti-socialistas”, mas sim contra
as feições totalitárias, burocráticas e
corruptas assumidas pelos regimes
soviéticos, em prol de mais liberdade
e democracia.
Entre os elementos que deram a
1968 relativa unidade, deve ser cita-
do, primeiro, o fato de que os mais
característicos movimentos eram de
juventude universitária com origem
principalmente nas classes médias
(principalmente das “novas classes
médias”). Como segundo elemento
de unidade, os movimentos se deram
principalmente nas grandes cidades,
que eram centros políticos e econô-
micos (São Francisco, Washington,
Nova York, Londres, Berlim, Paris,
São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do
México, Praga, Tóquio, Cairo etc.).
Terceiro, tinham como elementos
desencadeadores aspectos de um
explosivo contexto histórico mundial:
fatores geopolíticos como a guerra
fria e a descolonização da Ásia e da
África; fatores socioeconômicos como
o enorme avanço da economia mun-
dial no pós-Segunda Guerra Mundial
e a ascensão das novas classes médias
(mais ligadas aos setores de serviços e
técnicos); e fatores político-culturais,
como as transformações nas univer-
sidades, os novos radicalismos e a
contracultura.
Importantes temas de cada movi-
mento nacional giraram em torno de
alguns eixos, em especial a rejeição
agressiva ao imperialismo norte-ame-
ricano (a começar pelos protestos no
interior dos próprios Estados Unidos
contra a guerra do Vietnã). Também
se fez a crítica à tese da “convivência
pacífica” entre o socialismo soviético
e o capitalismo de extração norte-
americano, e adotaram-se temas
sobre a democratização radical da
universidade e da sociedade; mundo
Estados Unidos (com uma enorme
revolta estudantil em 1970 contra a
invasão do Camboja, no contexto da
guerra do Vietnã).
Mas, no Terceiro Mundo, foi forte
e até mesmo precursora esta onda. Na
América Latina, inclusive Brasil e Mé-
xico, na Ásia, em países como Japão,
Vietnã, Paquistão e Bangladesh, Sri
Lanka, Índia, Iraque, Irã, Síria, Israel,
Palestina, Turquia, Líbano, Tailândia,
Birmânia e Malásia, e na África, como
Nigéria, Senegal, Egito, Argélia, Marro-
cos, Mauritânia, Congo e Camarões, a
onda mundial de revoltas teve eventos
tão importantes quanto inesperados
para um olhar que espera apenas do
“Ocidente civilizado” os ímpetos de
emancipação da humanidade.
Também, contra quaisquer sim-
plismos na interpretação destes even-
tos, que poderiam caracterizá-los tão
somente como “anticapitalistas” (que,
em boa medida, realmente eram),
1968 foi muito importante também
no antigo mundo socialista, em pa-
íses como Polônia, ex-Iugoslávia, ex-
Tchecoslováquia, antiga Alemanha
Oriental e, na China, a revolução cul-
tural. Não se tratavam de movimen-
A relativa unidade está no fato de que os mais característicos movimentos eram de juventude
universitária
AgênciaEstado
Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200837
afora, declarou-se solidariedade aos
movimentos de libertação nacional,
fizeram-se presentes de modo con-
tundente os socialismos heterodoxos
– em especial os da revolução cultural
chinesa e os da revolução cubana – e
houve a apologia e algumas vezes até
a prática de guerrilhas, luta armada e
“guerra popular revolucionária”, sob
a influência dos socialismos antes
citados. Esta apologia, demonstrando
a complexidade e a contraditoriedade
desta galáxia de rebeldias, conviveu,
algumas vezes bem, outras mal,
com propostas de reestruturação e
transformação da vida cotidiana,
da cultura e do comportamento, em
especial na práxis da contracultura e
do movimento hippie.
Em todos os movimentos, certa-
mente, foram marcantes as mani-
festações artístico-culturais, como o
Cinema Novo, a canção de protesto e
o tropicalismo no Brasil, o movimento
hippie, as drogas psicodélicas e a revo-
lução sexual nos Estados Unidos e em
outros países da Europa Ocidental, os
grafites e os panfletos no maio de 1968
francês, a literatura e o teatro nos paí-
ses soviéticos do Leste Europeu e, até
dos. As possibilidades de rebeldia
não são as mesmas em todos os tem-
pos. Os jovens não são socializados
sempre com os mesmos valores, nem
sempre as alternativas de contestação
estão abertas a todos. Quase nunca as
manifestações de descontentamento
se dão do modo esperado, da forma
“clássica” de fazer revolta política. Se
houve condições sociais e políticas
que praticamente empurraram os
jovens estudantes das classes médias
à revolta em 1968, os jovens de hoje
não deixam de protagonizar outros
e novos protestos. Temos protestos
recentes contra a globalização neoli-
beral que contaram com importante
participação dos jovens entre os seus
manifestantes, durante reuniões
das instituições financeiras e políti-
cas supranacionais (como o Fundo
Monetário Internacional − FMI −, o
Banco Mundial e o G-7 – o grupo dos
sete países mais ricos do mundo).
Também, contra a segunda guerra do
Iraque, em 2003, em muitos países.
Outro questionamento logo se
apresenta. É preciso perguntar sem-
pre de qual jovem estamos falando,
seja hoje, seja em 1968. A juventude
das camadas trabalhadoras não é a
mesma das camadas mais bem provi-
das de recursos financeiros. A própria
possibilidade de viver a juventude
como tempo de preparação para o fu-
turo papel adulto é algo que esteve e
está mais à disposição de certas clas-
ses, certo gênero, etnia e regiões do
país que de outras. Os jovens rebeldes
de 1968 foram, em ampla margem,
filhos das classes médias.
mesmo, os cartazes e as caricaturas
na revolução cultural chinesa.
Na arte, nas manifestações cultu-
rais e nas novas doutrinas políticas,
todo um rol de respostas alternativas
à situação global insatisfatória vivida
naquele momento estava à disposi-
ção, a serviço do cultivo da rebeldia.
Enquanto o “sistema” oferecia, como
supostas alternativas, a indústria
cultural massificada, o discurso de
fundo moralizante e tradicionalista
do mundo “democrático” ou a versão
estreita da ortodoxia comunista sovi-
ética, os jovens buscaram respostas e
modelos alternativos: Che Guevara e
Cuba, Mao-Tsé e a China, o Vietnã e as
lutas dos povos oprimidos nos países
do Terceiro Mundo, intelectuais e
novas organizações de esquerda que
criticavam o comunismo soviético (o
filósofo alemão Herbert Marcuse e a
Escola de Frankfurt, novas revistas e
organizações de nova esquerda na Eu-
ropa, grupos de discussão e ação estu-
dantil) e contestadores culturais.
Creio que não se devem idealizar
os jovens do passado, nem desprezar
os do presente, muito menos usar os
primeiros para condenar os segun-
Importantes temas de cada movimento nacional giraram
em torno da rejeição agressiva ao imperialismo norte-americano
e a democratização radical da universidade
Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (RJ),
liderou a Passeata dos Cem Mil
AcervoIconographia
Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 38
Como último ponto, apresento
uma breve descrição desta revolta no
Brasil. O Brasil também fez parte da
onda mundial de revoltas estudantis-
juvenis de 1968. Aqui, ela mobilizou
parte considerável dos estudantes
universitários, em especial nas ca-
pitais dos estados, mas também há
notícias de importantes ações em
regiões interioranas, como no estado
de São Paulo. Se a seguir destacarei os
eventos das capitais paulista e cario-
ca, entretanto, é preciso enfatizar que
manifestações muito importantes
se deram em quase todas as demais
capitais, como em Brasília, Belo Ho-
rizonte, Goiânia e Curitiba.
O principal oponente deste movi-
mento foi o regime militar instalado
no Brasil pelo golpe de 1964. O golpe
derrubou a ordem populista em crise,
AUniversidade de Brasília (UnB) era
um sonho em 1968. E ainda é. Há
quarenta anos, era o sonho de inovação,
de renovação, desta que é uma instituição
medieval, conservadora e corporativista,
e que sobrevive há quase mil anos desde
a criação da Universidade de Bolonha, na
Europa1
. A UnB era o sonho da universi-
dade brasileira, em construção.
Aprovado em dois vestibulares da
Universidade Federal de Minas Gerais,
em Belo Horizonte, segui para Brasília
em 1966. Queria estudar na UnB, re-
cém-reaberta depois da invasão das
tropas da ditadura militar em 1965. A
Universidade de Brasília era isso: sonho
que atraía, mobilizava, clamava, paixão
à primeira vista. Estudantes vinham de
todo o Brasil, todos querendo ajudar a
construir a universidade que Juscelino
Kubitschek demorara a aceitar.A UnB era
precoce ruína de concreto. Construção
interrompida pelos militares, o Instituto
Central de Ciência (ICC) − chamado de
“minhocão” –, que hoje é espinha dorsal
da universidade, constituía uma estrutura
de concreto abandonada. O Centro Olím-
pico resumia-se a barracões de madeira
à beira do lago Paranoá, que ocupamos
em 1967 como moradia estudantil; o
Instituto de Teologia – hoje Fundação
Educacional do Distrito Federal –, espigão
de cimento armado invadido pelo mato.
Tudo era sonho, provisório, estruturas de
madeira, poeira vermelha que nos coloria
e dava vida à UnB.
O movimento estudantil organizou-se
desde o seu nascedouro, com a cons-
trução da Federação dos Estudantes
Universitários de Brasília (Feub). A Feub
lutou pela consolidação da UnB, resistiu
ao golpe de 1964, às invasões poli-
cial-militares. Os melhores estudantes
dirigiram a Feub, entre eles, Honestino
Monteiro Guimarães, seu presidente em
1968, morto covardemente no pau-de-
arara em 1973. Estudante de Geologia,
aprovado em primeiro lugar no vestibular
da UnB aos 17 anos, Honestino mostrava
com seu carisma o que todos queríamos
da UnB: comprometimento com nossos
grandes sonhos − redemocratização do
país, fim da ditadura, construção de um
Brasil mais justo e solidário para todos
os brasileiros.
As assembléias da Feub mobilizavam
o conjunto dos estudantes.Todos queriam
participar. O auditório Dois Candangos era
pequeno para a UnB de 1968. A morte
do estudante Edson Luís, no Restaurante
Calabouço, no Rio de Janeiro, foi o es-
topim da indignação de todos. A UnB foi
novamente invadida; Honestino foi preso,
e então o substituí como presidente da
Feub, em julho de 1968. Levamos a
voz livre e solta dos estudantes para a
Esplanada dos Ministérios, para o Teatro
Nacional, para o Congresso Nacional:
“Abaixo a Ditadura!”. Ninguém discor-
dava, o consenso era de todos.
A visibilidade política de Brasília pedia
de seu movimento estudantil atuação en-
focada nas grandes questões nacionais.
Sua arquitetura, distante das grandes
praças e avenidas do Rio de Janeiro e
de São Paulo, exigia criatividade, que
mostramos diante das representações
diplomáticas do imperialismo norte-
americano, na Câmara dos Deputados e
no Senado Federal; diante do Ministério
da Cultura (MEC) e do próprio ministro
da Educação, Favorino Bastos Mércio.
Liderados pela Feub, os estudantes da
UnB deram seu recado na luta em torno
das grandes questões nacionais pela
redemocratização do Brasil. Democracia,
sempre!
Paulo Speller, estudante de psicologia
da UnB em 1968, é professor e reitor da
Universidade Federal do Mato Grosso
UnB, o sonho
1
A Universidade de Bolonha, a mais antiga da
Europa, foi fundada na Itália em 1088. Na
Idade Média, seria reconhecida em toda a
Europa por seus cursos de humanidades e
direito civil. E abrigaria os poetas, então estu-
dantes, Dante Alighieri e Petrarca. (N.E.)
Visibilidade política de Brasília pedia de seu movimento estudantil atuação enfocada
nas grandes questões nacionais Paulo Speller
Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200839
ações e contribuiu para uma relativa
organização das mesmas.
Entretanto, enquanto para boa
parte dos estudantes a revolta signifi-
cava “libertação”, tanto política quan-
to comportamental, e para a própria
classe média se tratava antes de tudo
de uma luta pela redemocratização
do país, para os líderes de 1968 e mi-
litantes dos partidos estudantis (em
geral informados pelos socialismos
heterodoxos e pela apologia da luta
armada) o maior desejo era tornar
possível a “revolução popular” que
levaria o Brasil ao socialismo:
Nós éramos profundamente liber-
tários. O que mais se gritava naquele
momento era a palavra de ordem
“Liberdade”. O curioso, e paradoxal,
é que toda essa visão e toda essa
prática muito libertárias coexistiam
com um discurso ideológico que
apontava para outras direções. Todos
nós, naquele momento, piamente de-
fendíamos a ditadura do proletariado
(Sirkis 1999, p. 114).
promoveu prisões políticas, cassa-
ções, torturas, exílios e tentou, paula-
tinamente, institucionalizar um siste-
ma político autoritário em nosso país,
com Atos Institucionais, leis e Consti-
tuição que foram minando o pouco de
democrático que sobrevivera a 1964.
O final de 1968 selaria a entrada deste
regime em seu momento mais autori-
tário e violento, com a decretação do
Ato Institucional n° 5 (AI-5). Mas isto
se daria apenas em dezembro. Antes
disto, desde março até outubro, 1968
fora o ano de revoltas estudantis que
sacudiram o país e que estiveram no
centro de esperanças democráticas e
de pesadelos da violência.
Por outro lado, o movimento
também era cultural, contracultural,
ainda que não muito consciente disso,
pois ao menos na prática, nos atos da
massa estudantil, também se expres-
sou o desejo da libertação dos com-
portamentos e dos valores, no campo
da arte, da sexualidade e das drogas.
Por fim, 1968 foi o ponto culminante
de uma verdadeira revolução nas ar-
tes populares iniciada no começo da
década de 1960, em torno do Centro
Popular de Cultura (CPC), do Teatro de
Arena e do Teatro Opinião, do Cinema
Novo, dos Festivais de Música Popular,
da canção de protesto, da emergente
Música Popular Brasileira, da jovem
guarda, do tropicalismo etc.
Encabeçando as manifestações,
ainda que de modo mais formal que
de fato, já que a direção dos aconte-
cimentos tomava rumo próprio nas
massivas manifestações populares,
esteve a União Nacional dos Estu-
dantes (UNE). A UNE havia sido
declarada ilegal pelo governo e teria
seus espaços fechados pela ditadura,
culminando na prisão de todos os
participantes do 30º Congresso da
UNE em Ibiúna (SP), em outubro de
1968. Mas, antes disso, ao lado das
uniões estaduais dos estudantes, di-
retórios centrais estudantis e centros
acadêmicos, a UNE ajudou a impri-
mir a marca da nova esquerda nestas
UNE na ilegalidade: todos participantes do 30º Congresso presos em Ibiúna (SP)
AcervoIconographia
Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 40
Dois ápices marcaram os oito
meses de revolta (Moraes, 1989). O
primeiro se deu entre 28 de março
e o início de abril, contando com 26
grandes passeatas em quinze capi-
tais estaduais. O fato que precipitou
essas passeatas foi o assassinato do
estudante secundarista Edson Luís1
Souto pela polícia, no Rio de Janeiro,
no restaurante Calabouço (destinado
a estudantes pobres, em geral vindos
do interior do estado do Rio de Janeiro
e de outras regiões do país). Em meio
à enorme manifestação popular em
que se transformou seu enterro, criou-
se um slogan certeiro: “Mataram um
estudante. Podia ser seu filho”.
O segundo grande momento se
deu na metade de junho, no qual
houve dezessete grandes passeatas
em oito capitais de estado. Outro fato
ocorrido no Rio de Janeiro teria dis-
parado essa segunda onda, quando
a polícia, em 20 de junho, reprimiu
com brutalidade uma passeata
estudantil no centro da cidade, na
chamada “quarta-feira sangrenta”.
No dia 21, centenas de estudantes
que estavam em assembléia na Uni-
versidade Federal foram agredidos
pela polícia no Estádio do Botafogo,
Edson Luís, primeiro estudante assassinado pela ditadura militar, morto durante confronto no
restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro
Manifestações
após a morte
de Edson Luís
mobilizaram
várias capitais
brasileiras
Hamilton/JB
AcervoIconographia
Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200841
quando a televisão transmitiu cenas
da violência oficial. Estava preparado
o cenário para a “sexta-feira sangren-
ta”, no dia 22: a população apoiou os
estudantes e também atacou a polí-
cia, e o confronto que se estendeu até
o final da tarde deixou muitos feridos
e mortos. Novo ato se convocou para
o dia 26, que ficaria conhecido como
a Passeata dos Cem Mil. Postaram-
se ao lado dos estudantes, artistas,
membros do clero, das classes mé-
dias e até dos trabalhadores, anga-
riando à revolta ampla – mas breve
– legitimidade.
A resposta da ditadura não tar-
dou: decretou-se a proibição de pas-
seatas em todo o país. Estava fechado
o principal meio até então legal de
expressão da revolta estudantil e dos
anseios de democratização. As ma-
nifestações que foram convocadas a
partir de então sofreram repressão
cada vez mais vigorosa, desencora-
jando aqueles que antes facilmente se
animavam a seguir os protestos.
Outro importante modo de ação
também tinha seus dias contados,
a saber, as greves e ocupações de
unidades estudantis. Destacaram-
se as ocupações na Universidade de
São Paulo (USP). Momento bastante
indicativo de mais este fechamento
foi a guerra da Maria Antonia (rua
da capital de São Paulo onde se deu
o conflito), quando integrantes do
grupo ultraconservador Comando
de Caça aos Comunistas (CCC), alo-
jados na Universidade Mackenzie,
travaram violento duelo contra os
estudantes esquerdistas que ocupa-
vam a Faculdade de Filosofia da USP.
Ao final, a Faculdade de Filosofia foi
incendiada, sob o olhar conivente da
polícia.
Diante do crescente da violência
da ditadura, que culminou na prisão
de quase oitocentos delegados no
30º Congresso da UNE e no AI-5, o
ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se
dispersaria. Enquanto a classe média
logo se acomodaria ao sistema – fe-
chado politicamente, mas com novas
oportunidades de enriquecimento
acenadas pelo “milagre econômico”
–, a rebelião juvenil bifurcou-se em
duas frentes. Uma delas, a da rebeldia
comportamental de nossos hippies,
amantes da liberdade sexual e da ex-
perimentação psicodélica, não tinha
interesse central pela transformação
do regime político. A outra, a da luta
armada, organizações de esquerda
que entraram em clandestina mas
sangrenta batalha contra o regime,
pouco puderam diante da violência
quase absoluta daquele Estado – que
mobilizou com mais eficácia os di-
versos órgãos de repressão na temível
Operação Bandeirantes (Oban).
Contra os estudantes universitá-
rios, militantes ou não de qualquer
rebelião, o Estado reservara para o
início de 1969 o Decreto n° 477, que
estipulava que fazer ou participar
de greve, passeata ou simplesmente
distribuir “material subversivo” era
um grave delito. Deste modo, os
estudantes dos anos 1970 viram seu
espaço constantemente cerceado e
vigiado, punidos por um radicalismo
que não tinha sido o de sua geração
e, ainda por cima – como os jovens de
hoje –, foram acusados de alienados
pela mesma sociedade que não lhes
dava condições de ser um verdadeiro
protagonista da vida política. ✪
Luís Antonio Groppo é professor do Centro
Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal),
Unidade Americana, e pesquisador do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros,
de Autogestão, Universidade e Movimento
Estudantil, Uma Onda Mundial De Revoltas:
Movimentos Estudantis de 1968 e Juventude:
Ensaios Sobre Sociologia e História das
Juventudes Modernas (Difel, 2000)
1
Nascido em Belém (PA), o secundarista Edson
Luís foi o primeiro estudante morto pela ditadura
militar. Foi assassinado pela Polícia Militar du-
rante um confronto no restaurante Calabouço,
no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava o
Instituto Cooperativo de Ensino. (N.E.)
Bibliografia
Groppo, L. A. Uma Onda Mundial de Revoltas:
Movimentos Estudantis de 1968. Piracica-
ba, Editora da Unimep, 2005.
_____________. Autogestão, Universidade e
Movimento Estudantil. Campinas, Autores
Associados, 2006.
Katsiaficas, G. The Imagination on the New
Left. A Global Analysis of 1968. Boston,
South End Press, 1987.
Moraes, J. Q. de. “A mobilização democrática
e o desencadeamento da luta armada no
Brasil em 1968: notas historiográficas e
observações críticas”. Tempo Social. São
Paulo, I (2), 2o sem./1989, p. 135-158.
Morais, P.; Reis Filho, D. A. 1968. A Paixão de
Uma Utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro, Funda-
ção Getúlio Vargas, 1998.
Sirkis, A. “Os paradoxos de 1968”. In: Gar-
cia, M. A.; Vieira, M. A. (orgs.). Rebeldes e
Contestadores. 1968: Brasil, França e Ale-
manha. 2ª ed. São Paulo, Editora Fundação
Perseu Abramo, 2008, p. 111-116.
Valle, Maria R. do. O Diálogo é a Violência:
Movimento Estudantil e Ditadura Militar no
Brasil. Campinas, Unicamp, 1999.
Zaidan Filho, M.; Machado, O. L. (orgs.). Mo-
vimento Estudantil Brasileiro e a Educação
Superior. Recife. Editora Universitária
UFPE, 2007.
Com a violência da ditadura, que culminou na prisão de quase
oitocentos delegados no 3o
Congresso da UNE e no AI-5, o ímpeto
juvenil e rebelde de 1968 se dispersaria

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Artigo de luís antônio groppo em revista em 2008

  • 1. Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200835 S empre me senti surpre- endido pela vastidão do movimento de 1968, que abrangeu parte importante do planeta. Do mesmo modo, sempre me intrigaram os relatos sobre sua força e influência. Nascido em 1971, em meio à “geração AI-5”, não aceitei nunca com tranqüilidade a taxação de que os jovens das décadas pos- teriores à de 1960 eram apolíticos, AgênciaEstado A revolta mundial da juventude e o Brasil movimento Estudantil José Dirceu, presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, em 1968 alienados ou individualistas. E quis mesmo conferir a tal força de 1968. Se ainda considero caricata a ima- gem dos jovens da minha geração como tão somente individualistas, a pesquisa à qual me dediquei durante meu doutoramento me fez aprender a enorme energia da revolta de 1968. E o que me propus a fazer foi observá- la como um movimento juvenil de caráter mundial. Parte considerável dos universitários se mobilizou, em especial nas capitais dos estados, em eventos tão importantes quanto inesperados Luís Antonio Groppo Menos que uma coincidência no tempo de inúmeras revoltas de cunho nacional, quis ler 1968 – e as revoltas juvenis dos anos 1960 em seu todo, na verdade – como fenômeno único, complexo e contraditório, de cunho global, como uma onda mundial de revoltas. Ao mesmo tempo, considerei que este movimento teve na juventude real ou presumida de seus integrantes o seu principal elemento comum. Tal
  • 2. Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 36 olhar não deve nos abster, entretanto, de compreender as muitas nuanças destas revoltas que, é bem verdade, tiveram características nacionais e mesmo locais bastante particulares. Outro risco a se evitar com o olhar global sobre 1968 é o de considerar os movimentos algo mais legítimo ou característico dos países ditos “desenvolvidos”. Ainda que contrá- rio à mera inversão simplista desta postura, o que eu proponho é que a onda mundial de revoltas teve no Terceiro Mundo seu início e uma de suas principais fontes. Isto não signi- fica desconsiderar a importância dos movimentos do “Primeiro Mundo”, ao contrário. O maio francês de 1968 foi provavelmente o movimento em que as possibilidades emancipatórias daquela onda tenham ido mais longe. A Alemanha teve importantes movi- mentos estudantis na então Berlim Ocidental desde o início da década de 1960. E, mesmo depois de 1968, países que já haviam tido eventos muito relevantes, atingiriam o ápice de suas mobilizações, como a Itália (com uma greve estudantil-operária de amplas proporções em 1969) e os tos “anti-socialistas”, mas sim contra as feições totalitárias, burocráticas e corruptas assumidas pelos regimes soviéticos, em prol de mais liberdade e democracia. Entre os elementos que deram a 1968 relativa unidade, deve ser cita- do, primeiro, o fato de que os mais característicos movimentos eram de juventude universitária com origem principalmente nas classes médias (principalmente das “novas classes médias”). Como segundo elemento de unidade, os movimentos se deram principalmente nas grandes cidades, que eram centros políticos e econô- micos (São Francisco, Washington, Nova York, Londres, Berlim, Paris, São Paulo, Rio de Janeiro, Cidade do México, Praga, Tóquio, Cairo etc.). Terceiro, tinham como elementos desencadeadores aspectos de um explosivo contexto histórico mundial: fatores geopolíticos como a guerra fria e a descolonização da Ásia e da África; fatores socioeconômicos como o enorme avanço da economia mun- dial no pós-Segunda Guerra Mundial e a ascensão das novas classes médias (mais ligadas aos setores de serviços e técnicos); e fatores político-culturais, como as transformações nas univer- sidades, os novos radicalismos e a contracultura. Importantes temas de cada movi- mento nacional giraram em torno de alguns eixos, em especial a rejeição agressiva ao imperialismo norte-ame- ricano (a começar pelos protestos no interior dos próprios Estados Unidos contra a guerra do Vietnã). Também se fez a crítica à tese da “convivência pacífica” entre o socialismo soviético e o capitalismo de extração norte- americano, e adotaram-se temas sobre a democratização radical da universidade e da sociedade; mundo Estados Unidos (com uma enorme revolta estudantil em 1970 contra a invasão do Camboja, no contexto da guerra do Vietnã). Mas, no Terceiro Mundo, foi forte e até mesmo precursora esta onda. Na América Latina, inclusive Brasil e Mé- xico, na Ásia, em países como Japão, Vietnã, Paquistão e Bangladesh, Sri Lanka, Índia, Iraque, Irã, Síria, Israel, Palestina, Turquia, Líbano, Tailândia, Birmânia e Malásia, e na África, como Nigéria, Senegal, Egito, Argélia, Marro- cos, Mauritânia, Congo e Camarões, a onda mundial de revoltas teve eventos tão importantes quanto inesperados para um olhar que espera apenas do “Ocidente civilizado” os ímpetos de emancipação da humanidade. Também, contra quaisquer sim- plismos na interpretação destes even- tos, que poderiam caracterizá-los tão somente como “anticapitalistas” (que, em boa medida, realmente eram), 1968 foi muito importante também no antigo mundo socialista, em pa- íses como Polônia, ex-Iugoslávia, ex- Tchecoslováquia, antiga Alemanha Oriental e, na China, a revolução cul- tural. Não se tratavam de movimen- A relativa unidade está no fato de que os mais característicos movimentos eram de juventude universitária AgênciaEstado
  • 3. Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200837 afora, declarou-se solidariedade aos movimentos de libertação nacional, fizeram-se presentes de modo con- tundente os socialismos heterodoxos – em especial os da revolução cultural chinesa e os da revolução cubana – e houve a apologia e algumas vezes até a prática de guerrilhas, luta armada e “guerra popular revolucionária”, sob a influência dos socialismos antes citados. Esta apologia, demonstrando a complexidade e a contraditoriedade desta galáxia de rebeldias, conviveu, algumas vezes bem, outras mal, com propostas de reestruturação e transformação da vida cotidiana, da cultura e do comportamento, em especial na práxis da contracultura e do movimento hippie. Em todos os movimentos, certa- mente, foram marcantes as mani- festações artístico-culturais, como o Cinema Novo, a canção de protesto e o tropicalismo no Brasil, o movimento hippie, as drogas psicodélicas e a revo- lução sexual nos Estados Unidos e em outros países da Europa Ocidental, os grafites e os panfletos no maio de 1968 francês, a literatura e o teatro nos paí- ses soviéticos do Leste Europeu e, até dos. As possibilidades de rebeldia não são as mesmas em todos os tem- pos. Os jovens não são socializados sempre com os mesmos valores, nem sempre as alternativas de contestação estão abertas a todos. Quase nunca as manifestações de descontentamento se dão do modo esperado, da forma “clássica” de fazer revolta política. Se houve condições sociais e políticas que praticamente empurraram os jovens estudantes das classes médias à revolta em 1968, os jovens de hoje não deixam de protagonizar outros e novos protestos. Temos protestos recentes contra a globalização neoli- beral que contaram com importante participação dos jovens entre os seus manifestantes, durante reuniões das instituições financeiras e políti- cas supranacionais (como o Fundo Monetário Internacional − FMI −, o Banco Mundial e o G-7 – o grupo dos sete países mais ricos do mundo). Também, contra a segunda guerra do Iraque, em 2003, em muitos países. Outro questionamento logo se apresenta. É preciso perguntar sem- pre de qual jovem estamos falando, seja hoje, seja em 1968. A juventude das camadas trabalhadoras não é a mesma das camadas mais bem provi- das de recursos financeiros. A própria possibilidade de viver a juventude como tempo de preparação para o fu- turo papel adulto é algo que esteve e está mais à disposição de certas clas- ses, certo gênero, etnia e regiões do país que de outras. Os jovens rebeldes de 1968 foram, em ampla margem, filhos das classes médias. mesmo, os cartazes e as caricaturas na revolução cultural chinesa. Na arte, nas manifestações cultu- rais e nas novas doutrinas políticas, todo um rol de respostas alternativas à situação global insatisfatória vivida naquele momento estava à disposi- ção, a serviço do cultivo da rebeldia. Enquanto o “sistema” oferecia, como supostas alternativas, a indústria cultural massificada, o discurso de fundo moralizante e tradicionalista do mundo “democrático” ou a versão estreita da ortodoxia comunista sovi- ética, os jovens buscaram respostas e modelos alternativos: Che Guevara e Cuba, Mao-Tsé e a China, o Vietnã e as lutas dos povos oprimidos nos países do Terceiro Mundo, intelectuais e novas organizações de esquerda que criticavam o comunismo soviético (o filósofo alemão Herbert Marcuse e a Escola de Frankfurt, novas revistas e organizações de nova esquerda na Eu- ropa, grupos de discussão e ação estu- dantil) e contestadores culturais. Creio que não se devem idealizar os jovens do passado, nem desprezar os do presente, muito menos usar os primeiros para condenar os segun- Importantes temas de cada movimento nacional giraram em torno da rejeição agressiva ao imperialismo norte-americano e a democratização radical da universidade Vladimir Palmeira, presidente da União Metropolitana dos Estudantes (RJ), liderou a Passeata dos Cem Mil AcervoIconographia
  • 4. Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 38 Como último ponto, apresento uma breve descrição desta revolta no Brasil. O Brasil também fez parte da onda mundial de revoltas estudantis- juvenis de 1968. Aqui, ela mobilizou parte considerável dos estudantes universitários, em especial nas ca- pitais dos estados, mas também há notícias de importantes ações em regiões interioranas, como no estado de São Paulo. Se a seguir destacarei os eventos das capitais paulista e cario- ca, entretanto, é preciso enfatizar que manifestações muito importantes se deram em quase todas as demais capitais, como em Brasília, Belo Ho- rizonte, Goiânia e Curitiba. O principal oponente deste movi- mento foi o regime militar instalado no Brasil pelo golpe de 1964. O golpe derrubou a ordem populista em crise, AUniversidade de Brasília (UnB) era um sonho em 1968. E ainda é. Há quarenta anos, era o sonho de inovação, de renovação, desta que é uma instituição medieval, conservadora e corporativista, e que sobrevive há quase mil anos desde a criação da Universidade de Bolonha, na Europa1 . A UnB era o sonho da universi- dade brasileira, em construção. Aprovado em dois vestibulares da Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte, segui para Brasília em 1966. Queria estudar na UnB, re- cém-reaberta depois da invasão das tropas da ditadura militar em 1965. A Universidade de Brasília era isso: sonho que atraía, mobilizava, clamava, paixão à primeira vista. Estudantes vinham de todo o Brasil, todos querendo ajudar a construir a universidade que Juscelino Kubitschek demorara a aceitar.A UnB era precoce ruína de concreto. Construção interrompida pelos militares, o Instituto Central de Ciência (ICC) − chamado de “minhocão” –, que hoje é espinha dorsal da universidade, constituía uma estrutura de concreto abandonada. O Centro Olím- pico resumia-se a barracões de madeira à beira do lago Paranoá, que ocupamos em 1967 como moradia estudantil; o Instituto de Teologia – hoje Fundação Educacional do Distrito Federal –, espigão de cimento armado invadido pelo mato. Tudo era sonho, provisório, estruturas de madeira, poeira vermelha que nos coloria e dava vida à UnB. O movimento estudantil organizou-se desde o seu nascedouro, com a cons- trução da Federação dos Estudantes Universitários de Brasília (Feub). A Feub lutou pela consolidação da UnB, resistiu ao golpe de 1964, às invasões poli- cial-militares. Os melhores estudantes dirigiram a Feub, entre eles, Honestino Monteiro Guimarães, seu presidente em 1968, morto covardemente no pau-de- arara em 1973. Estudante de Geologia, aprovado em primeiro lugar no vestibular da UnB aos 17 anos, Honestino mostrava com seu carisma o que todos queríamos da UnB: comprometimento com nossos grandes sonhos − redemocratização do país, fim da ditadura, construção de um Brasil mais justo e solidário para todos os brasileiros. As assembléias da Feub mobilizavam o conjunto dos estudantes.Todos queriam participar. O auditório Dois Candangos era pequeno para a UnB de 1968. A morte do estudante Edson Luís, no Restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro, foi o es- topim da indignação de todos. A UnB foi novamente invadida; Honestino foi preso, e então o substituí como presidente da Feub, em julho de 1968. Levamos a voz livre e solta dos estudantes para a Esplanada dos Ministérios, para o Teatro Nacional, para o Congresso Nacional: “Abaixo a Ditadura!”. Ninguém discor- dava, o consenso era de todos. A visibilidade política de Brasília pedia de seu movimento estudantil atuação en- focada nas grandes questões nacionais. Sua arquitetura, distante das grandes praças e avenidas do Rio de Janeiro e de São Paulo, exigia criatividade, que mostramos diante das representações diplomáticas do imperialismo norte- americano, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal; diante do Ministério da Cultura (MEC) e do próprio ministro da Educação, Favorino Bastos Mércio. Liderados pela Feub, os estudantes da UnB deram seu recado na luta em torno das grandes questões nacionais pela redemocratização do Brasil. Democracia, sempre! Paulo Speller, estudante de psicologia da UnB em 1968, é professor e reitor da Universidade Federal do Mato Grosso UnB, o sonho 1 A Universidade de Bolonha, a mais antiga da Europa, foi fundada na Itália em 1088. Na Idade Média, seria reconhecida em toda a Europa por seus cursos de humanidades e direito civil. E abrigaria os poetas, então estu- dantes, Dante Alighieri e Petrarca. (N.E.) Visibilidade política de Brasília pedia de seu movimento estudantil atuação enfocada nas grandes questões nacionais Paulo Speller
  • 5. Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200839 ações e contribuiu para uma relativa organização das mesmas. Entretanto, enquanto para boa parte dos estudantes a revolta signifi- cava “libertação”, tanto política quan- to comportamental, e para a própria classe média se tratava antes de tudo de uma luta pela redemocratização do país, para os líderes de 1968 e mi- litantes dos partidos estudantis (em geral informados pelos socialismos heterodoxos e pela apologia da luta armada) o maior desejo era tornar possível a “revolução popular” que levaria o Brasil ao socialismo: Nós éramos profundamente liber- tários. O que mais se gritava naquele momento era a palavra de ordem “Liberdade”. O curioso, e paradoxal, é que toda essa visão e toda essa prática muito libertárias coexistiam com um discurso ideológico que apontava para outras direções. Todos nós, naquele momento, piamente de- fendíamos a ditadura do proletariado (Sirkis 1999, p. 114). promoveu prisões políticas, cassa- ções, torturas, exílios e tentou, paula- tinamente, institucionalizar um siste- ma político autoritário em nosso país, com Atos Institucionais, leis e Consti- tuição que foram minando o pouco de democrático que sobrevivera a 1964. O final de 1968 selaria a entrada deste regime em seu momento mais autori- tário e violento, com a decretação do Ato Institucional n° 5 (AI-5). Mas isto se daria apenas em dezembro. Antes disto, desde março até outubro, 1968 fora o ano de revoltas estudantis que sacudiram o país e que estiveram no centro de esperanças democráticas e de pesadelos da violência. Por outro lado, o movimento também era cultural, contracultural, ainda que não muito consciente disso, pois ao menos na prática, nos atos da massa estudantil, também se expres- sou o desejo da libertação dos com- portamentos e dos valores, no campo da arte, da sexualidade e das drogas. Por fim, 1968 foi o ponto culminante de uma verdadeira revolução nas ar- tes populares iniciada no começo da década de 1960, em torno do Centro Popular de Cultura (CPC), do Teatro de Arena e do Teatro Opinião, do Cinema Novo, dos Festivais de Música Popular, da canção de protesto, da emergente Música Popular Brasileira, da jovem guarda, do tropicalismo etc. Encabeçando as manifestações, ainda que de modo mais formal que de fato, já que a direção dos aconte- cimentos tomava rumo próprio nas massivas manifestações populares, esteve a União Nacional dos Estu- dantes (UNE). A UNE havia sido declarada ilegal pelo governo e teria seus espaços fechados pela ditadura, culminando na prisão de todos os participantes do 30º Congresso da UNE em Ibiúna (SP), em outubro de 1968. Mas, antes disso, ao lado das uniões estaduais dos estudantes, di- retórios centrais estudantis e centros acadêmicos, a UNE ajudou a impri- mir a marca da nova esquerda nestas UNE na ilegalidade: todos participantes do 30º Congresso presos em Ibiúna (SP) AcervoIconographia
  • 6. Teoria e Debate – Especial 1968 H maio 2008 40 Dois ápices marcaram os oito meses de revolta (Moraes, 1989). O primeiro se deu entre 28 de março e o início de abril, contando com 26 grandes passeatas em quinze capi- tais estaduais. O fato que precipitou essas passeatas foi o assassinato do estudante secundarista Edson Luís1 Souto pela polícia, no Rio de Janeiro, no restaurante Calabouço (destinado a estudantes pobres, em geral vindos do interior do estado do Rio de Janeiro e de outras regiões do país). Em meio à enorme manifestação popular em que se transformou seu enterro, criou- se um slogan certeiro: “Mataram um estudante. Podia ser seu filho”. O segundo grande momento se deu na metade de junho, no qual houve dezessete grandes passeatas em oito capitais de estado. Outro fato ocorrido no Rio de Janeiro teria dis- parado essa segunda onda, quando a polícia, em 20 de junho, reprimiu com brutalidade uma passeata estudantil no centro da cidade, na chamada “quarta-feira sangrenta”. No dia 21, centenas de estudantes que estavam em assembléia na Uni- versidade Federal foram agredidos pela polícia no Estádio do Botafogo, Edson Luís, primeiro estudante assassinado pela ditadura militar, morto durante confronto no restaurante Calabouço, no Rio de Janeiro Manifestações após a morte de Edson Luís mobilizaram várias capitais brasileiras Hamilton/JB AcervoIconographia
  • 7. Teoria e Debate Especial 1968 H maio 200841 quando a televisão transmitiu cenas da violência oficial. Estava preparado o cenário para a “sexta-feira sangren- ta”, no dia 22: a população apoiou os estudantes e também atacou a polí- cia, e o confronto que se estendeu até o final da tarde deixou muitos feridos e mortos. Novo ato se convocou para o dia 26, que ficaria conhecido como a Passeata dos Cem Mil. Postaram- se ao lado dos estudantes, artistas, membros do clero, das classes mé- dias e até dos trabalhadores, anga- riando à revolta ampla – mas breve – legitimidade. A resposta da ditadura não tar- dou: decretou-se a proibição de pas- seatas em todo o país. Estava fechado o principal meio até então legal de expressão da revolta estudantil e dos anseios de democratização. As ma- nifestações que foram convocadas a partir de então sofreram repressão cada vez mais vigorosa, desencora- jando aqueles que antes facilmente se animavam a seguir os protestos. Outro importante modo de ação também tinha seus dias contados, a saber, as greves e ocupações de unidades estudantis. Destacaram- se as ocupações na Universidade de São Paulo (USP). Momento bastante indicativo de mais este fechamento foi a guerra da Maria Antonia (rua da capital de São Paulo onde se deu o conflito), quando integrantes do grupo ultraconservador Comando de Caça aos Comunistas (CCC), alo- jados na Universidade Mackenzie, travaram violento duelo contra os estudantes esquerdistas que ocupa- vam a Faculdade de Filosofia da USP. Ao final, a Faculdade de Filosofia foi incendiada, sob o olhar conivente da polícia. Diante do crescente da violência da ditadura, que culminou na prisão de quase oitocentos delegados no 30º Congresso da UNE e no AI-5, o ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se dispersaria. Enquanto a classe média logo se acomodaria ao sistema – fe- chado politicamente, mas com novas oportunidades de enriquecimento acenadas pelo “milagre econômico” –, a rebelião juvenil bifurcou-se em duas frentes. Uma delas, a da rebeldia comportamental de nossos hippies, amantes da liberdade sexual e da ex- perimentação psicodélica, não tinha interesse central pela transformação do regime político. A outra, a da luta armada, organizações de esquerda que entraram em clandestina mas sangrenta batalha contra o regime, pouco puderam diante da violência quase absoluta daquele Estado – que mobilizou com mais eficácia os di- versos órgãos de repressão na temível Operação Bandeirantes (Oban). Contra os estudantes universitá- rios, militantes ou não de qualquer rebelião, o Estado reservara para o início de 1969 o Decreto n° 477, que estipulava que fazer ou participar de greve, passeata ou simplesmente distribuir “material subversivo” era um grave delito. Deste modo, os estudantes dos anos 1970 viram seu espaço constantemente cerceado e vigiado, punidos por um radicalismo que não tinha sido o de sua geração e, ainda por cima – como os jovens de hoje –, foram acusados de alienados pela mesma sociedade que não lhes dava condições de ser um verdadeiro protagonista da vida política. ✪ Luís Antonio Groppo é professor do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (Unisal), Unidade Americana, e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Autor, entre outros, de Autogestão, Universidade e Movimento Estudantil, Uma Onda Mundial De Revoltas: Movimentos Estudantis de 1968 e Juventude: Ensaios Sobre Sociologia e História das Juventudes Modernas (Difel, 2000) 1 Nascido em Belém (PA), o secundarista Edson Luís foi o primeiro estudante morto pela ditadura militar. Foi assassinado pela Polícia Militar du- rante um confronto no restaurante Calabouço, no centro do Rio de Janeiro, onde funcionava o Instituto Cooperativo de Ensino. (N.E.) Bibliografia Groppo, L. A. Uma Onda Mundial de Revoltas: Movimentos Estudantis de 1968. Piracica- ba, Editora da Unimep, 2005. _____________. Autogestão, Universidade e Movimento Estudantil. Campinas, Autores Associados, 2006. Katsiaficas, G. The Imagination on the New Left. A Global Analysis of 1968. Boston, South End Press, 1987. Moraes, J. Q. de. “A mobilização democrática e o desencadeamento da luta armada no Brasil em 1968: notas historiográficas e observações críticas”. Tempo Social. São Paulo, I (2), 2o sem./1989, p. 135-158. Morais, P.; Reis Filho, D. A. 1968. A Paixão de Uma Utopia. 2ª ed. Rio de Janeiro, Funda- ção Getúlio Vargas, 1998. Sirkis, A. “Os paradoxos de 1968”. In: Gar- cia, M. A.; Vieira, M. A. (orgs.). Rebeldes e Contestadores. 1968: Brasil, França e Ale- manha. 2ª ed. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2008, p. 111-116. Valle, Maria R. do. O Diálogo é a Violência: Movimento Estudantil e Ditadura Militar no Brasil. Campinas, Unicamp, 1999. Zaidan Filho, M.; Machado, O. L. (orgs.). Mo- vimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior. Recife. Editora Universitária UFPE, 2007. Com a violência da ditadura, que culminou na prisão de quase oitocentos delegados no 3o Congresso da UNE e no AI-5, o ímpeto juvenil e rebelde de 1968 se dispersaria