(Alguns) dilemas da política fiscal e do federalismo brasileiro josé roberto afonso
(Alguns) Dilemas
da Política Fiscal
e do Federalismo Brasileiro
José Roberto R. Afonso
CONSEPLAN
53º Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Planejamento
São Paulo, 28/02/2013
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Síntese: Dilemas
Política Fiscal :
Metas Fiscais: contabilidade criativa esconde mudanças mais
profundas como modelo de crescente endividamento público para
financiar créditos pelo Banco Tesouro Nacional.
Orçamentos: necessário carga tributária alta/crescente para
sustentar trajetória expansionista de gastos, sem queda de juros abrir
espaço fiscal e nem priorizar investimentos.
Federalismo :
Recentralização: concentração tributária (esvaziamento das bases
das receitas estaduais) respondida com onda de endividamento
estadual a custa e risco do Banco Tesouro Nacional.
Agenda federativa carregada: reforma do ICMS interestadual
(guerra fiscal), rateio do FPE; ajuste na rolagem da dívida; divisão de
royalties... Mas desconhecida estratégia.
Dilemas exigem mais avaliações técnicas e negociações políticas
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Dilemas de Política Fiscal
“.... É pena, portanto, que o governo perca credibilidade em troca de
nada, como, por exemplo, estimular a contabilidade “criativa”, pois um
superávit primário de 2% do PIB faz todo o serviço de que precisamos.
A recente “quadrangulação” para cumprir o superávit primário foi uma
deplorável operação de alquimia. A repetição desses “truques contábeis”
está construindo uma relação incestuosa entre o Tesouro Nacional, a
Petrobras, o BNDES, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal.
Trata-se de uma sucessão de “espertezas” capazes de destruir o esforço
de transparência que culminou na magnífica Lei de Responsabilidade
Fiscal, duramente combatida pelo Partido dos Trabalhadores na sua
fase de pré-entendimento da realidade nacional, mas que continua sob
seu permanente ataque.…”
Delfim Neto
Valor, 15/1/2013
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Engenharia Fiscal e Financeira
Banco do Tesouro Nacional:
Crédito extraordinário (subsidiado) para bancos oficiais aumentou em 8.3% do
PIB pós-crise: do incremento de crédito (ago08xdez12), explicou 92% do
discricionário e 55% do total do sistema financeiro (variação 15% do PIB).
Já haviam créditos correntes: FAT, fundos regionais, setoriais; somados, Tesouro
se torna maior banco na economia: 16.1% do PIB, equivale a 30% do total de
crédito do sistema financeiro (dez/12); se contar rolagem, para 26.9% do PIB.
Endividamento público:
Dívida líquida perdeu qualidade para mensurar saúde fiscal: -7.3% PIB
(ago08xdez12) distorcida por deduções (+13.7% PIB) e reservas (+5.5% PIB)
Dívida bruta cresceu forte (+7.6% PIB mesmo período) e, ainda, encurtou com
operações via BC (+6.7% PIB de carteira títulos).
Governo brasileiro mais endividado (DBGG = 67.2% PIB) que média dos
emergentes, mas beneficiado por ser basicamente financiada internamente.
Resposta brasileira à crise não diferiu na essência dos países mais ricos: socorro
financeiro para bancos e empresas à custa de endividamento (mas eles também
lograram aumentar investimentos públicos).
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Banco Tesouro Nacional
Créditos extraordinários pós-crise
Evolução do crédito às instituições financeiras oficiais:
em % do PIB - Dez/2006 a Dez/2012
-10,0%
-9,0%
-8,0%
-7,0%
-6,0% Crédito as
instituições
-5,0% financeiras
oficias
-4,0%
-3,0%
-2,0%
-1,0%
0,0%
dez/06 dez/07 dez/08 dez/09 dez/10 dez/11 dez/12
Fonte primária: BACEN
Banco Tesouro Nacional
Créditos para Bancos em % da Dívida Federal
Evolução da Relação entre Créditos do Governo Central para Instituições Oficiais e Dívidas
Públicas (Mobiliária em Mercado, Líquida do Setor Público e Bruta do Governo Geral):
Em % das Dívidas - Dezembro/2000 a Dez/2012
47%
42%
37%
32%
27%
22%
17%
12%
Créditos/DPMFi PP Créditos/DLSP Créditos/DBGG(ant)
Fonte primária: BACEN
Dívida Pública
Diferentes metodologias e trajetórias pós-crise
Evolução da Dívida Pública em Diferentes Metodologias:
em % do PIB - Dezembro/2000 a Dez/2012
Bruta do Governo Geral (metodologia até2007xpós2008) e Liquida do Setor Público
80%
75%
70%
65%
60%
55%
50%
45%
40%
35%
DBGG - Metodologia Antiga DBGG - Metodologia Nova DLSP
Fonte primária: BACEN
Dilema Fiscal: Relações intrincadas
Evolução da dívida líquida:
Cada vez menos explicada pelo superávit primário e cada vez mais pelas
variações patrimoniais, inclusive reservas internacionais, créditos
governamentais e operações compromissadas e compulsórios...
Maior presença estatal no mercado de crédito e acionário
Aumento mais forte de relações cruzadas e internas ao setor público, entre
bancos e entre estatais, inclusive bancos estatais não se atém mais a nichos...
Maior presença estatal, via crédito e via participações acionárias, inclusive
“paraestatal” (fundos de pensão)
Conclusão: política fiscal, que já era muito vinculada aos juros e ao câmbio, se
tornou também ao crédito.
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Dilemas da Federação
Carga tributária crescente e cada vez mais centralizadas as decisões e
também a geração da arrecadação – contribuições mais rentáveis que
impostos na União... ICMS estagnado por conta da desindustrialização e
guerra fiscal – reforma da fatia das transações interestaduais ...
Transferências com viés pró-municípios na repartição constitucional (cota
do ICMS até FUNDEB), no SUS e nas transferências voluntárias >>> impasses
nos rateios dos royalties e do FPE (tendência à judicialização)
Envidamento subnacional, se não há maior empenho em reequilibrar a
rolagem da dívida, opção mais fácil pela crescente flexibilização , com nova
onda de endividamento indireto junto ao Tesouro >>> indexador da rolagem
se tornou questão menor
Não há uma agenda nacional federativa consistente e coordenada:
governo federal privilegia relacionamento direto com prefeituras e
estados não organizam foruns adequados
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Algumas estatísticas recentes...
Carga pós-guerra: recordes sucessivos
CARGA TRIBUTARIA BRUTA GLOBAL NO PÓS-GUERRA: 1947 a 2012
37%
35%
33%
31%
29%
27%
Em % do PIB
25%
23%
21%
19%
17%
15%
13%
1947
1951
1955
1959
1963
1973
1977
1981
1985
1989
1993
2003
2007
2011
1949
1953
1957
1961
1965
1967
1969
1971
1975
1979
1983
1987
1991
1995
1997
1999
2001
2005
2009
Anos
11
Elaboração própria
Tributação indireta
Esvaziamento do IVA e expansão cumulativa
Evolução dos tributos indiretos: valor adicionado x cumulativos
16
14
12
10
Em % do PIB
8
6
4
2
0
Anos
Valor Adicionado Cumulativos Total
12
Elaboração própria
Divisão do “Bolo” Tributário
Histórico encolhimento estadual
EVOLUÇÃO DA DIVISÃO FEDERATIVA DA RECEITA TRIBUTÁRIA POR NÍVEL DE GOVERNO
(conceito contas nacionais)
Conceito Central
Estadual Local Total Central Estadual Local Total
Carga - % do PIB Composição - % do Total
ARRECADAÇÃO DIRETA
1960 11,14 5,45 0,82 17,41 64,0 31,3 4,7 100,0
1970 17,33 7,95 0,70 25,98 66,7 30,6 2,7 100,0
1980 18,31 5,31 0,90 24,52 74,7 21,6 3,7 100,0
1988 16,08 5,74 0,61 22,43 71,7 25,6 2,7 100,0
2000 20,77 8,61 1,77 31,15 66,7 27,6 5,7 100,0
2012 25,03 9,27 2,08 36,39 68,8 25,5 5,7 100,0
RECEITA DISPONÍVEL
1960 10,37 5,94 1,11 17,41 59,5 34,1 6,4 100,0
1970 15,79 7,59 2,60 25,98 60,8 29,2 10,0 100,0
1980 16,71 5,70 2,10 24,52 68,2 23,3 8,6 100,0
1988 13,48 5,97 2,98 22,43 60,1 26,6 13,3 100,0
2000 17,38 8,19 5,58 31,15 55,8 26,3 17,9 100,0
2012 20,97 8,86 6,56 36,39 57,6 24,4 18,0 100,0
Fonte: Elaboração própria, a partir de STN, SRF, IBGE, Ministério da Previdência, CEF, Confaz e Balanços Municipais.
Metodologia das contas nacionais inclui impostos, taxas e contribuições, inclusive CPMF, FGTS e royalties, bem assim dívida ativa.
Receita Dispon'ivel = arrecadação própria mais e/ou menos repartição constitucional de receitas tributárias e outros repasses compulsórios.
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Transferências Voluntárias União
crescente “ligação direta” local
Transferências Voluntárias da União aos Estados e Municípios :
Em % do PIB - 1997-2012
0,6%
0,4%
0,2%
0,0%
1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Estados Municípios Soma 14
Fonte primária: STN
Dilema fiscal-federativo
Metas Fiscais sempre cumpridas pelos governos subnacionais
Dívida:
Redução sustentada da dívida líquida subnacional, graças a expansão
da receita superior a da dívida;
União segue sem qualquer limite para dívida consolidada (Senado) e
nem mobiliária (lei); dívida líquida decresceu mas bruta (padrão
internacoinal) subiu e segue patamar elevado.
Superávit:
Governos subnacionais com trajetória sustentada de superávit
primário, mesmo sem acesso à engenharia fiscal e fácil aumento de
carga tributária, como a União.
Geração até de superávits nominais em muitos anos
Novo padrão de financiamento
Autofinanciamento é crucial para governos subnacionais
LRF – vedação para novo socorro fechou crédito bancário privado e restringiu
crédito estatal, menos atraente que externo de organimos (único garantido pelo
Tesouro)
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Flexibilizações já realizadas – crédito visto como transferência negociada
Propostas para Política
Macro-Fiscal
Recuperar credibilidade da política fiscal e econômica e aproveitar para promover
reformas estruturais operações;
Prática imediata: consenso a favor de reduzir a meta de superávit primário ao invés
de aplicar deduções e adotar operações heterodoxas;
Solução ideal: adotar cálculo de resultado estrutural que ajusta os efeitos do ciclo
(metodologia disponível);
Reformas fiscais:
Completar regulação da LRF: criação do conselho de gestão; aprovar limites para
dívida da União, mobiliária (lei) e consolidada (Senador); revisão periódica dos
limites....
Revisão da LRF: melhorar disciplina e fechar brechas já identificadas (projeto
iniciativa do Senador Jereissati e parecer Senador Virgilio).
Reforma do orçamento, contabilidade pública e gestão financeira e patrimonial:
50 anos da Lei 4320 de 1964 (mesmo projeto).
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Dilemas do ICMS
As contradições nas quais está mergulhado o ICMS revelam a sua derrocada
como imposto. Só não se qualifica como falência porque o ICMS preserva uma
última e inegavelmente preciosa qualidade: a capacidade de custear os governos
estaduais, de fazer isso por sua livre e plena decisão, e ainda de ter um raio de
manobra para promover o desenvolvimento local.
A opção pela dita autonomia federativa pode significar se prender a um imposto
de importância relativa certamente decrescente (vide desindustrialização), e que
só consegue manter o mesmo nível de carga, a custa de mais distorções para a
competitividade (onera investimentos, exportações, produção) e a equidade
(sobrecarrega consumo de bens). Não há nada no horizonte para apostar que o
ICMS no futuro volte a ser o importante e grande imposto que já foi no passado.
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Dilemas da Dívida Estadual
Flexibilização
Foco em mudar fluxo e nada alterar no estoque cruzado da dívida: gera receitas imediatas para atuais
governantes e nada muda ou agrava para sucessores;
Manter prática e acelerar flexibilizações da rolagem com concessões pontuais – decisões ad hoc e sem
racionalidade técnica para distribuir benefícios;
Não muda LRF e nem contratos de rolagem: alterações via MPs e CMN.
Mas, na prática, Tesouro Nacional se torna financiador de última instância: estímulo indireto às
captações externas em organismos internacionais - único caso em que Tesouro garante crédito; e aos
bancos estatais – Tesouro concede funding (empréstimos extraordinários) mas permanece risco de
crédito (torna bancos mais criteriosos e lentos)
Reestruturação
Foco em corrigir estoque e só oferta fluxo se reduzir limite de cumprimento.
Exige alterações legislativas e soluções horizontais – sem margem para escolher beneficiários ou grau
de benefício de cada ente.
Lei complementar (LRF) é necessária para autorizar revisão dos encargos da rolagem.
Tesouro Nacional sofrerá aumento futuro (ou até passado) de sua dívida líquida (redução do crédito) e
eventual postergação no nível atual do fluxo de receita (se limite de comprotimento mensal for
reduzido) – isto é, precisará melhorar o ajuste fiscal federal. 22
Proposta Espaço Fiscal Estadual
Excelente desempenho fiscal dos governos subnacionais abre espaço para
redirecionar recursos do serviço da dívida pública para investimentos, sem maiores
danos a austeridade fiscal desses governos – é forçoso reconhecer que exigirá, sim,
maior ajuste das contas do governo federal.
Investimentos públicos no Brasil são historicamente executados de forma bastante
descentralizada e seria o caminho mais eficiente para elevação da taxa de inversões:
Além de baixa proporção executada diretamente pela União, a redução da
SELIC não abre espaço fiscal na mesma proporção e ritmo (comprometido
com custos de carretamento das reservas e subsídios do Banco do Tesouro).
Estimular tais gastos estaduais e municipais preferencial ou unicamente via
crédito aumenta a dívida bruta (duplo, no caso dos bancos federais com
funding do Tesouro) e risco fiscal futuro (dívida externa sem que haja
receita ou ativo na mesma moeda).
O atalho mais seguro e eficiente é corrigir distorções do saldo da dívida
renegociada e reduzir limite de comprometimento vinculado ao aumento do
investimento estadual e municipal.
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DILEMAS
Mudar aos poucos não é mudar pouco
visão estratégica deveria primeiro a pactuar princípios para mudanças
estruturais que reorganizassem os sistemas fiscal e tributário
simular efeitos e, depois, elaborar e apreciar alterações de projetos
legislativos seriam os passos seguintes
mudanças sempre passarão por atos diferentes em momentos distintos mas
que deveriam seguir um fio condutor para guardarem consistência entre si
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Para mais detalhes sobre o tema da palestra, ver:
Ensaio Técnico publicado pelo IBRE/FGV
Sobre “Fazer o Cumprimento” da Meta de Superávit Primário de 2012
Com Gabriel Leal Barros, Fevereiro/2013. Disponível em: http://bit.ly/YbMrgm
Artigo publicado na Revista Econômica da UFF
As Intricadas Relações entre Política Fiscal e Creditícia no Brasil Pós-2008. Niterói, v 13, n 2,
p. 125-154, dezembro 2011. Disponível em: http://bit.ly/SU52rO
José Roberto Afonso é economista, especialista em finanças públicas.
Opiniões de exclusiva responsabilidade do palestrante.
Julia Morais, Kleber Castro, Marcia Monteiro e Felipe Azevedo deram suporte às pesquisas..
Mais trabalhos no site do autor :
www.joserobertoafonso.com.br
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