O documento trata de um recurso especial interposto por Carlos Alberto Brilhante Ustra contra uma sentença que o declarou responsável por torturas cometidas durante a ditadura militar brasileira. Os recorridos argumentam que a Lei da Anistia não se aplica a crimes de tortura, que são crimes comuns e não políticos. Além disso, a anistia não pode ser "em branco" e pressupõe a investigação e responsabilização individual dos agentes da ditadura.
Recurso especial questiona condenação por tortura na ditadura
1. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO ESPECIAL Nº 1.434.498-SP
RELATOR: EXCELENTÍSSIMA SENHORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE: CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA
RECORRIDOS: CÉSAR AUGUSTO TELES E OUTROS
MEMORIAL
(RAZÕES DOS RECORRIDOS)
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2. Trata-se de recurso especial interposto por Carlos Alberto Brilhante Ustra, em que alega
violação aos arts. 3º1, 458, II2, 4633, II, e 535, II4, todos do CPC; 206, § 3º5, do CC/02; 1176, do
CC/16; 1º e 3º7 da Lei 12.528/11 e 1º8 da Lei 6.683/79, suscitando, em síntese, negativa da prestação
jurisdicional, incompetência do juízo, ausência de interesse de agir, prescrição e sentença ultra petita.
Na origem, a r. sentença julgou procedente o pedido de declaração por responsabilidade civil,
a fim de declarar o recorrente como responsável por torturas cometidas no DOI-Codi quando era seu
comandante na capital paulista durante a ditadura, entre 29.9.1970 e 23.1.1974, o que foi mantido
pelo e. Tribunal Estadual, o que ensejou a interposição do recurso especial a essa c. Corte Superior.
Iniciado o julgamento do recurso, após o voto da Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi,
relatora do processo, seguida pelo Exmo. Sr. Ministro João Otávio Noronha, que proviam o recurso,
o Exmo. Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino pediu vista dos autos.
Com efeito, não obstante todo o respeito e acatamento que merecem os sempre judiciosos
votos proferidos pela il. Relatora, entendem os recorridos que o recurso especial não deve ser
provido, conforme os fundamentos que passa a expor.
DAS RAZÕES QUE AUTORIZAM O DESPROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
DA INAPLICABILIDADE DA LEI DA ANISTIA
PARA CRIMES CONTRA A HUMANIDADE.
De início cabe salientar que, no entendimento dos recorridos, a conclusão a que chegou o
voto da il. Relatora, com o devido respeito e conforme bem colocado pelo e. Professor Marcelo
Cattoni9:
“(...) repete o falseamento histórico que esteve presente em alguns votos na ADPF
153 ao afirmar que os agentes da ditadura foram legitimamente perdoados pela
sociedade. Ora, a incrível mobilização popular em prol da anistia entre os anos de
1974 e 1979 em nenhum momento pediu a anistia a torturadores, pelo contrário,
constava expressamente dos resultados das plenárias dos Comitês Brasileiros de
1 CPC. Art. 3º Para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade.
2 CPC. Art. 458. São requisitos essenciais da sentença: (...)
II - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito.
3 CPC. Art. 463. Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: (...)
II - por meio de embargos de declaração.
4 CPC. Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: (...)
II - for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.
5 CC/02. Art. 206. Prescreve: (...)
§ 3o Em três anos: (...)
V - a pretensão de reparação civil.
6 CC/16. Art. 117. Não se considera condição a cláusula, que não derive exclusivamente da vontade das partes, mas decorra
necessariamente da natureza do direito, a que acede.
7 Lei 12.528/11. Art. 1º É criada, no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, a Comissão Nacional da Verdade,
com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período fixado no art. 8o
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover
a reconciliação nacional.
Art. 3o São objetivos da Comissão Nacional da Verdade: (...)
8 Lei 6.683/79. Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de
agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos
suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores
dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em
Atos Institucionais e Complementares.
9 Cattoni, Marcelo; Araújo Pinto, Cristiano P.; Meyer, Emilio Peluso; Silva Filho, José Carlos Moreira da; e Torelly,
Marcelo D.. Memória E Verdade. Não há anistia para crimes contra a humanidade. Consultor Jurídico. Publicado em 15
de setembro de 2014.
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3. Anistia a investigação e responsabilização dos crimes praticados pelos agentes da
ditadura. A anistia “ampla” era para alcançar os presos políticos que participaram
da resistência armada e que, no fim, não foram mesmo anistiados. Estender a
anistia aos torturadores foi uma imposição do governo ditatorial, ainda que na
forma da expressão esotérica dos “crimes conexos”.
Isso porque os ora recorridos fazem referência à ADPF nº 15310, para afirmar que a Lei da
Anistia não tem aplicação aos delitos de tortura cometidos durante a ditadura, visto não serem
"crimes políticos e conexos", mas sim crimes comuns.
É bem verdade que a tese arguida pelo CFOAB na referida ADPF 153 foi rechaçada pela
maioria dos Ministros do e. STF, no entanto, para o Ministro Ricardo Lewandowski, “não haveria
como se conceber tal conexão, uma vez que crimes políticos não estariam necessariamente conexos
àqueles de caráter comum e atroz perpetuados pelos agentes do estado, sendo que cabe ao juízo de
conhecimento a análise da incidência ou não da lei de anistia, no caso concreto”.
Ademais, ponderou: “os Estados-Partes da Convenção Interamericana de Direitos
Humanos, internalizada pelo Brasil, têm o dever de investigar e coibir lesões a tais direitos, quando
praticadas dentro de seu território nacional, de modo que a não observância de tal preceito gera
responsabilidade internacional do Estado, uma vez que esta obrigação nasce a partir do momento
da ratificação do texto da Convenção”.
Por conseguinte, o e. Ministro Carlos Ayres Britto invocou o instituto da recepção para
afirmar que nossa Constituição da República veda expressamente a concessão de anistia ao delito
de tortura e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores
e os que, podendo evitá-los, se omitirem, toda a legislação anterior a 1988 deve-se adequar a esta
nova realidade.
Ademais, refutando a conclusão a que chegou o voto da il. Relatora, com todo o respeito,
apesar da improcedência, por maioria, o julgamento da referida ADPF 153 ainda não se findou. Isso
porque o CFOAB opôs embargos de declaração, os quais se encontram conclusos para decisão ao e.
Ministro Luiz Fux, atual Relator, desde 28.6.2012.
Além do mais, os Recorridos entendem que o voto da il. Relatora assume a existência de uma
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“anistia em branco”.
Isto é, não considera que, assim como a sanção penal, a anistia é necessariamente individual
e concreta. Assim, os que foram tidos pela ditadura como criminosos políticos, e que na democracia
devem ser considerados resistentes, além de toda a violência ilegal e bárbara que sofreram, foram
objeto de denúncias, investigações, julgamentos e sanções, para então poderem obter a anistia.
Para destacar a importância do tema, Elizabeth Salmón11, ao fazer algumas reflexões sobre o
direito internacional humanitário, assim dispõe:
“(...) A anistia deveria referir-se a delitos próprios do conflito, tais como atos de
rebelião, sedição, ou todas aquelas violações conexas leves – como prisões
arbitrárias ou maus-tratos leves. Para tanto, o DIH impõe certos limites, e as
anistias que promove não se aplicam aos crimes de guerra. Com efeito, o direito
internacional dos delitos humanos e o DIG erigem-se como um dos parâmetros a se
tomar em conta se o que se pretende for lograr uma “anistia verdadeira”, já que o
outorgamento deste tipo de lei não pode negar a existência de pautas que guiam o
10 STF. ADPF 153. Rel. Min. Luiz Fux. Julgado em 29.4.2010.
11 Salmón, Elizabeth. Justiça de Transição. Manual para a América Latina. ICTJ: 2011, p. 240.
4. processo transacional. Estes parâmetros são deduzidos de todo o corpus iuris do
direito internacional, no interior do qual se encontram as normas do DIH.
Uma das limitações fundamentais consiste, portanto, na obrigação dos Estados de
investigar e julgar aqueles que cometeram graves infrações do DIH. Esta
obrigação independe da condição de poder do perpetrador ou da vontade das
vítimas de buscar justiça, pois se trata de um interesse do Estado punir certas
“violações tão graves que podem ser consideradas repudiáveis por toda a
comunidade internacional”.
Nesse sentido, ainda fazendo remissão ao artigo do professor Cattoni:
Recusar-se a declarar se os autores sofreram, com fundamento nos atos de
exceção, por ação, omissão ou tolerância de determinado agente do Estado, em
determinada situação, etc., viola a Constituição, em seus artigos 8º e 9º do ADCT,
além de configurar recusa de jurisdição (artigo 5º, inciso XXXV). Do mesmo modo,
tal recusa viola as leis federais referentes ao direito à reparação
constitucionalmente previsto, ou seja, Leis 9.140/1995 e 10.559/2002. O fato de o
Estado assumir para si o dever de reparação nesses casos não impede, quanto
menos proíbe, averiguar em que circunstâncias alguém alega ter sofrido, nos
termos do ADCT e da legislação vigente, com os atos de exceção e suas
consequências.
Assim, a condição para ser anistiado, nos termos dos arts. 8º12 e 9º13 do ADCT, da
Constituição da República, é demonstrar ter sofrido ato de exceção, institucionais,
complementares, entre outros, consoante o que determinam as Leis Federais nº 9.140/95 e nº
10.559/2002, que regulamentam. Isso é básico para gerar não apenas o direito à indenização,
recolocação, restituição de vencimentos e até de emprego, mas também o reconhecimento pelo
Estado brasileiro da condição de anistiado.
Nesse sentido, com o devido respeito, não merece prosperar a afirmação da Ministra ao dizer
que “sem a declaração ou certificação da condição de vítima do arbítrio praticado por agente do
Estado, o Estado não teria como anistiar e reparar o dano causado ou com a tolerância por ou de
seu agente”.
Isso porque mesmo do ponto de vista do processo ou do direito material mais básico, a
verificação e certificação da situação jurídica alegada é conditio sine qua non da possibilidade
de reparação pelo Estado.
Afinal, o que se pede neste caso é a declaração de quem cometeu ou sob a
responsabilidade de quem esses atos de exceção foram cometidos.
12 ADCT. Art. 8º - É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da
Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou
complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos
pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto
ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade
previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores
públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.
13 ADCT. Art. 9º - Os que, por motivos exclusivamente políticos, foram cassados ou tiveram seus direitos políticos
suspensos no período de 15 de julho a 31 de dezembro de 1969, por ato do então Presidente da República, poderão requerer
ao Supremo Tribunal Federal o reconhecimento dos direitos e vantagens interrompidos pelos atos punitivos, desde que
comprovem terem sido estes eivados de vício grave.
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5. Outro aspecto importante no voto da il. Ministra Nancy Andrighi que merece ser refutado,
com todo o respeito, é o que diz respeito ao denominado “direito ao esquecimento”.
Neste ponto, cabe colacionar alguns trechos do voto da Exma. Sra. Ministra Carmen Lúcia,
nos autos da ADPF 153, em que, embora tenha votado pela improcedência do pedido, conferiu
entendimento diferente ao analisar a questão em específico:
“Ao contrário do que comumente se afirma de que anistia é esquecimento, o que
aqui se tem é situação bem diversa: o Brasil ainda procura saber exatamente a
extensão do que aconteceu nas décadas de sessenta, setenta e início de oitenta
(período dos atentados contra o Conselho Federal da OAB e do Riocentro), quem
fez, o que se fez, como se fez, por que se fez e para que se fez, exatamente para que,
a partir do que venha a ser apurado, ressalva feita à questão penal nos crimes
políticos e conexos, em relação aos quais prevalece a Lei n. 6683/79, se adotem as
providências administrativas e jurídicas adequadas”.
O fato de o Estado assumir para si o dever de reparação nesses casos não proíbe averiguar em
que circunstâncias alguém alega ter sofrido, nos termos do ADCT e da legislação, atos de exceção.
Assim, com o devido respeito, ao contrário do entendimento a que chegou a Exma. Sra.
Ministra Nancy Andrighi em seu voto, o conhecimento dessas circunstâncias e a certificação
delas, com efeitos declaratórios, é condição para o Estado cumprir seu dever constitucional de
anistia e de reparação.
Ademais, neste ponto, importante reafirmar a evidência de que o instituto da anistia, previsto
no art. 48, inciso VIII, da Constituição da República14, tem caráter exclusivamente penal. Ela
extingue a punibilidade, como dispõe o art. 107, inciso II, do Código Penal15. Não tem repercussão
alguma na esfera cível, uma vez que “a responsabilidade civil é independente da criminal” (Código
Civil, art. 935).
Como se não bastasse, a simples leitura do artigo 1° da Lei da Anistia16 já é suficiente para se
concluir que a anistia refere-se apenas a crimes e não pode se estender às questões de natureza
civil.
Importante ressaltar que o Ex-Coordenador da Comissão Nacional da Verdade, o e. Ministro
aposentado desse e. Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp defende que a Lei de Anistia já está
revogada em parte - o que abriria margem para processar e punir agentes do Estado que cometeram
crimes como tortura, sequestro e desaparecimento de pessoas durante a ditadura militar.17
Para o e. Ministro Dipp, no julgamento da ADPF 153, o c. STF não analisou o fato de que a
Emenda Constitucional 26, de 1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte, excluiu do
alcance da Lei de Anistia os crimes comuns - como tortura, sequestro e desaparecimento.
14 CR. Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado
nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre: (...)
VIII - concessão de anistia.
15 CP. Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (...)
II - pela anistia, graça ou indulto.
16 Lei da Anistia. Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15
de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos
políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos
Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com
fundamento em Atos Institucionais e Complementares.
17 Valor Econômico – 16.10.2014 às 05h00.
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6. E avalia que, devido a essa alteração, a Lei de Anistia não foi recepcionada pela Constituição
de 1988 na forma original, e sim com uma nova interpretação gerada pela emenda.
O texto original prevê o perdão a "crimes políticos ou conexos com estes". Um trecho
especifica que crimes conexos seriam "os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes
políticos ou praticados por motivação política."
Já a Emenda 26 excluiu a expressão "crimes de qualquer natureza", especificando apenas
que a anistia seria concedida "aos autores de crimes políticos ou conexos".
Para o e. Ministro Dipp, ao omitir a expressão "crimes de qualquer natureza", a emenda
excluiu o perdão a atos como sequestro, tortura e desaparecimento praticados por representantes do
Estado.
"Na ação que analisou a constitucionalidade da lei, o STF não entrou nesses detalhes. Só
disse que a Constituição de 1988 recepcionou a lei, mas não enfrentou a questão envolvendo a
Emenda Constitucional 26", afirmou Dipp.
Para o il. ex-Ministro, os crimes contra a humanidade, como tortura e desaparecimento
forçado, não prescrevem, por isso podem ser punidos ainda hoje.
Corroborando esse entendimento, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) ajuizou, em
15.5.2014, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 320/DF18, objetivando que a
Lei 6.683/79 (Lei da Anistia) não tenha aplicação aos crimes de graves violações de direitos
humanos cometidos por agentes públicos – militares ou civis – contra pessoas que, de modo efetivo
ou suposto, praticaram crimes políticos.
Para sustentar o pedido, o PSOL utilizou-se da decisão da Corte Interamericana de
Direitos Humanos (CorteIDH), em que o Brasil foi condenado, à unanimidade, em virtude de
crimes cometidos na chamada Guerrilha do Araguaia, no caso Gomes Lund e Outros v. Brasil.
Para aquela e. Corte de Direitos Humanos, as disposições da Lei da Anistia brasileira que
impedem a investigação e a sanção a graves violações de direitos humanos são incompatíveis
com a Convenção Americana e não podem permanecer como obstáculo para a investigação dos
fatos, nem para a identificação e punição dos responsáveis.
Na sentença da CorteIDH, declarou-se que o Estado brasileiro é responsável pelo
desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da
personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal das pessoas indicadas
na decisão. A Corte determinou, assim, que o Brasil deve conduzir a investigação penal dos fatos,
determinar o paradeiro das vítimas e entregar seus restos mortais às famílias, realizar ato público de
responsabilidade pelos fatos e indenizar as vítimas ou suas famílias, entre outras disposições.
O Ministério Público Federal, nos autos da referida ADPF 320/DF, emitiu parecer favorável
à persecução penal desses delitos perpetrados por agentes públicos durante o regime autoritário de
1964-1985.
Por oportuno, colaciona-se ementa do referido parecer:
ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL.
SENTENÇA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO
GOMES LUND E OUTROS VS. BRASIL. ADMISSIBILIDADE DA ADPF. LEI
18 STF. ADPF 320. Rel. Min. Luiz Fux. Ajuizada em 15.5.2014.
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7. 6.683, DE 28 DE AGOSTO DE 1979 (LEI DA ANISTIA). AUSÊNCIA DE
CONFLITO COM A ADPF 153/DF. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E
CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. CARÁTER VINCULANTE DAS
DECISÕES DA CORTE IDH, POR FORÇA DA CONVENÇÃO AMERICANA
SOBRE DIREITOS HUMANOS, EM PLENO VIGOR NO PAÍS. CRIMES
PERMANENTES E OUTRAS GRAVES VIOLAÇÕES A DIREITOS HUMANOS
PERPETRADAS NO PERÍODO PÓS-1964. DEVER DO BRASIL DE
PROMOVER-LHES A PERSECUÇÃO PENAL.
É admissível arguição de descumprimento de preceito fundamental contra
interpretações judiciais que, contrariando o disposto na sentença do caso GOMES
LUND E OUTROS VERSUS BRASIL, da Corte Interamericana de Direitos
Humanos, declarem extinta a punibilidade de agentes envolvidos em graves
violações a direitos humanos, com fundamento na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979),
sob fundamento de prescrição da pretensão punitiva do Estado ou por não
caracterizarem como crime permanente o desaparecimento forçado de pessoas, ante
a tipificação de sequestro ou de ocultação de cadáver, e outros crimes graves
perpetrados por agentes estatais no período pós-1964. Essas interpretações
violentam preceitos fundamentais contidos pelo menos nos arts. 1º, III, 4º, I e II, e 5º,
§§ 1º a 3º, da Constituição da República de 1988.
Não deve ser conhecida a ADPF com a extensão almejada na petição inicial, para
obrigar o Estado brasileiro, de forma genérica, ao cumprimento de todos os pontos
resolutivos da sentença no caso GOMES LUND, por ausência de prova de
inadimplemento do país em todos eles.
Não procede a ADPF relativamente à persecução de crimes continuados, por
inexistir prova de que o Brasil a tenha obstado indevidamente.
A pretensão contida nesta arguição não conflita com o decidido pelo Supremo
Tribunal Federal na ADPF 153/DF nem caracteriza superfetação (bis in idem). Ali
se efetuou controle de constitucionalidade da Lei 6.683/1979. Aqui se pretende
reconhecimento de validade e de efeito vinculante da decisão da Corte IDH no caso
GOMES LUND, a qual agiu no exercício legítimo do controle de convencionalidade.
A República Federativa do Brasil, de maneira soberana e juridicamente válida,
submeteu-se à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte
IDH), mediante convergência dos Poderes Legislativo e Executivo. As decisões desta
são vinculantes para todos os órgãos e poderes do país. O Brasil promulgou a
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)
por meio do Decreto 678/1992. Com o Decreto 4.463/2002, reconheceu de maneira
expressa e irrestrita como obrigatória, de pleno direito e por prazo indeterminado, a
competência da Corte IDH em todos os casos relativos à interpretação e aplicação
da convenção. O artigo 68(1) da convenção estabelece que os Estados-partes se
comprometem a cumprir a decisão da Corte em todo caso no qual forem partes.
Dever idêntico resulta da própria Constituição brasileira, à luz do art. 7º do Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias de 1988. Para negar eficácia à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos ou às decisões da Corte IDH, seria necessário
declarar inconstitucionalidade do ato de incorporação desse instrumento ao Direito
interno. Disso haveria de resultar denúncia integral da convenção, na forma de seu
art. 75 e do art. 44(1) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (Decreto
7.030/2009).
No que se refere à investigação e à persecução penal de graves violações a direitos
humanos perpetradas por agentes públicos durante o regime autoritário de 1964-
1985, iniciativas propostas pelo Ministério Público Federal têm sido rejeitadas por
decisões judiciais que se baseiam em fundamentos de anistia, prescrição e coisa
julgada e não reconhecem a natureza permanente dos crimes de desaparecimento
forçado (equivalentes, no Direito interno, aos delitos de sequestro ou ocultação de
cadáver, conforme o caso). A Corte IDH expressamente julgou o Brasil
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8. responsável por violação às garantias dos arts. 8(1) e 25(1) da Convenção
Americana, pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis por
esses ilícitos. Decidiu igualmente que as disposições da Lei da Anistia que
impedientes da investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são
incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não
podem seguir representando obstáculo à persecução penal nem à identificação e
punição dos responsáveis. Cabe ADPF para que o Supremo Tribunal Federal
profira, com efeito vinculante (art. 10, caput e § 3o, da Lei 9.882/1999), decisão
que impeça se adotarem os fundamentos mencionados para obstar a persecução
daqueles delitos, sem embargo da observância das demais regras e princípios
aplicáveis ao processo penal, tanto no plano constitucional quanto no
infraconstitucional.
Sequestros cujas vítimas não tenham sido localizadas, vivas ou não, consideram-se
crimes de natureza permanente (precedentes do Supremo Tribunal Federal nas
Extradições 974, 1.150 e 1.278). Essa condição afasta a incidência das regras
penais de prescrição (Código Penal, art. 111, inciso III) e da Lei de Anistia, cujo
âmbito temporal de validade compreendia apenas o período entre 2 de setembro de
1961 e 15 de agosto de 1979 (art. 1º).
Instrumentos internacionais, a doutrina e a jurisprudência de tribunais de direitos
humanos e cortes constitucionais de numerosos países reconhecem que delitos
perpetrados por agentes estatais com grave violação a direitos fundamentais
constituem crimes de lesa-humanidade, não sujeitos à extinção de punibilidade por
prescrição. Essas categorias jurídicas são plenamente compatíveis com o Direito
nacional e devem permitir a persecução penal de crimes dessa natureza
perpetrados no período do regime autoritário brasileiro pós-1964.
Parecer pelo conhecimento parcial da arguição e, nessa parte, pela procedência
parcial do pedido.
O e. Procurador Geral da República, no referido parecer, reforçou o caráter vinculante das
decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao aduzir que o conceito de “Graves
Violações de Direitos Humanos” inclui condutas “cometidas no contexto da repressão política do
Estado ditatorial”, expressando-se como um delito de lesa-humanidade (ou a ele conexo) e, desse
modo, insuscetível de anistia.
Como se não bastasse, o il. PGR, ao demonstrar que os crimes cometidos por agentes da
ditadura militar de 1964 são graves delitos contra a humanidade, sustentou:
(…) os métodos empregados na repressão aos opositores do regime militar
exorbitaram a própria legalidade autoritária instaurada pelo golpe de 1964. Isso
ocorreu, entre outros motivos, porque o objetivo primário do sistema não era a
produção de provas válidas para serem usadas em processos judiciais, como seria
de esperar, mas o desmantelamento, a qualquer custo, independentemente das
regras jurídicas aplicáveis, das organizações de oposição, especialmente as
envolvidas em ações de resistência armada.
Não se pretende estabelecer nesta manifestação discussão acerca da legitimidade
dos métodos empregados pelos opositores do regime autoritário no período pós-
1964. O que se aponta é que ao Estado cabia resistir às ações que reputasse
ilegítimas nos termos da lei. Foram as ações à margem da lei dos agentes estatais
que resultaram no cometimento de crimes de lesa-humanidade, de graves violações
a direitos humanos, objeto da sentença da Corte IDH, objeto deste processo.
Nesses termos, o respeito às garantias mais fundamentais das pessoas suspeitas ou
presas era frequentemente letra morta para os agentes públicos envolvidos na
repressão política. Como era notório e foi atestado nos últimos meses por novas
provas obtidas pelo Ministério Público Federal, a prática de invasões de domicílio,
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9. sequestros e tortura não era estranha ao sistema. Ao contrário, tais ações faziam
parte do método regular de obtenção de informações empregado por órgãos como
o Centro de Informações do Exército (CIE) e os Destacamentos de Operações de
Informações (DOIs).
Além disso, a partir dos desaparecimentos de VIRGÍLIO GOMES DA SILVA, em São
Paulo, em setembro de 1969, e de MÁRIO ALVES DE SOUZA VIEIRA, no Rio de
Janeiro, no início de 1970, verificou-se cometimento sistemático do crime
internacionalmente conhecido como desaparecimento forçado. (…)
Sem prejuízo das considerações acerca da estrutura e funcionamento dos
organismos da repressão política lançadas nas nove ações penais já ajuizadas,
importa enfatizar que torturas, mortes e desaparecimentos não eram
acontecimentos isolados no quadro da repressão política, mas a parte mais violenta
e clandestina de um sistema organizado para suprimir a oposição ao regime, não
raro mediante ações criminosas cometidas e acobertadas por agentes do Estado.
Desaparecimentos forçados, execuções sumárias, tortura e muitas infrações penais
a eles conexas já eram, na época de seu cometimento pelo regime autoritário,
qualificados como crimes contra a humanidade, razão pela qual devem sobre eles
incidir as consequências jurídicas decorrentes da subsunção às normas cogentes
de direito internacional, notadamente a imprescritibilidade e a insuscetibilidade de
concessão de anistia.
Após oferecer esse parecer nos autos da ADPF supra, o próprio MPF ofereceu, inclusive,
denúncia contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, ora recorrente, em 22 de setembro de 2014.
Na denúncia, o PGR enfatizou as atrocidades cometidas pelo recorrente, considerado número
um nas listas de denúncias de tortura formuladas por ex-perseguidos políticos.
Sustentou o il. Procurador que a prática sistemática dos crimes de desaparecimento forçado,
assassinato e tortura praticados por agentes públicos durante a ditadura de 1964-1985 com vistas à
eliminação de opositores políticos, embora cometidos há 43 anos, são crimes contra a humanidade e
por isso não há se falar em prescrição e anistia.
Assim, pretender o recorrente equiparar os agentes públicos repressores do regime
militar, com os autores de crimes políticos ou contra a segurança nacional, constitui um insulto
à dignidade do povo brasileiro.
Em razão de todo o exposto, requerem os recorridos que seja negado provimento ao presente
recurso especial, mantendo na íntegra as razões do r. acórdão.
Nestes termos,
P. E. Deferimento.
Brasília-DF, 9 de dezembro de 2014.
Joelson Dias
OAB-DF 10.441
Pedro Bannwart Costa
OAB-DF 26.798
Camila Carolina Damasceno Santana
OAB-DF 35.758
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