O documento resume um estudo sobre as aprendizagens geográficas de alunos com deficiência visual. Aborda os conceitos de deficiência visual, a educação inclusiva e as dificuldades enfrentadas por professores e alunos. Descreve a importância de recursos didáticos diferenciados em Geografia e apresenta uma oficina pedagógica desenvolvida com alunos deficientes visuais.
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE GEOGRAFIA
O QUE VÊ QUEM NÃO VÊ?
(UM ESTUDO COM APRENDIZAGENS GEOGRÁFICAS DE ALUNOS
COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS)
Eder Lira
Fernando Domingos Vieira Sartório
Kátia Nazaré dos Santos de Lima
Renata Nunes da Silva
Vitória-ES
2010
2. Eder Lira
Fernando Domingos Vieira Sartório
Kátia Nazaré dos Santos de Lima
Renata Nunes da Silva
O QUE VÊ QUEM NÃO VÊ?
(UM ESTUDO COM APRENDIZAGENS GEOGRÁFICAS DE ALUNOS
COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS)
Trabalho de conclusão de curso apresentado
como exigência parcial para a conclusão da
disciplina Tópicos Especiais de Ensino de
Geografia III, do Curso de Licenciatura em
Geografia da Universidade Federal do
Espírito Santo, sob orientação da Professora
Mestra Solange Lins Gonçalves.
Vitória-ES
2010
3. Eder Lira
Fernando Domingos Vieira Sartório
Kátia Nazaré dos Santos de Lima
Renata Nunes da Silva
O QUE VÊ QUEM NÃO VÊ?
(UM ESTUDO COM APRENDIZAGENS GEOGRÁFICAS DE ALUNOS
COM DEFICIÊNCIAS VISUAIS)
Trabalho de conclusão de curso apresentado como exigência parcial para a
conclusão da disciplina Tópicos Especiais de Ensino de Geografia III, do Curso de
Licenciatura em Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo, sob
orientação da Professora Mestra Solange Lins Gonçalves.
Aprovada em 01 de julho de 2010.
Comissão Examinadora
____________________________________
Profª Mestra Solange Lins Gonçalves.
Universidade Federal do Espírito Santo.
Orientadora.
____________________________________
Profª Pós-Doutora Denise Meyrelles de Jesus.
Universidade Federal do Espírito Santo.
____________________________________
Bacharel em História e Direito Profº Jair Marquioli.
EEEFM “Desembargador Carlos Xavier Paes
Barreto” / Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas
Portadoras de Deficiência Visual.
4. DEDICATÓRIA
Dedicamos este trabalho a todos que
contribuíram de forma positiva para a sua
elaboração. Em especial, a todos aqueles
que nos ensinaram “a ver o que não
víamos”.
5. AGRADECIMENTOS
Agradecemos primeiramente a Deus, que nos amparou em todos os momentos de
alegrias, dúvidas, (des)gostos e, principalmente, através da fé nos fez perceber o
quanto o outro é importante e assim, nos fortaleceu nesta caminhada.
Às nossas famílias, nossos pilares, sustentáculos de nossas existências.
Agradecemos a todo apoio, concedido por aqueles, sem o qual, nosso caminho
seria muito, muito, muito mais difícil.
Agradecemos também aos nossos professores desde o ensino fundamental até os
atuais, que nos conduziram até este honroso momento.
Ao CAP (Centro de Apoio Pedagógico), especialmente ao professor Jair e a nossa
amiga Penha, que tanto contribuíram para a realização da oficina pedagógica,
ensinando e mediando nossas relações com os deficientes visuais. Deixamos aqui,
nosso muito obrigado às meninas que participaram da oficina pedagógica, provando-
nos que valeria a pena nos dedicarmos a este trabalho.
O desenvolvimento deste trabalho não seria possível sem a colaboração de todos os
integrantes do grupo, que se empenharam no levantamento bibliográfico, na
realização das entrevistas, na confecção dos recursos didáticos e no tempo
despendido na realização de todas as atividades referentes à pesquisa:
Ao Eder, pelos momentos de descontração em meio ao caos.
Ao Fernando, pelo afeto e carinho.
À Kátia, por suas palavras, que tanto enriqueceram o conteúdo deste trabalho.
À Renata, por seu envolvimento e responsabilidade.
6. "Se os meus olhos não me deixam obter
informações sobre homens e eventos, sobre
ideias e doutrinas, terei de encontrar uma
outra forma." (Louis Braille)
7. RESUMO
Caracteriza a atual fase, pela qual a educação inclusiva brasileira passa e as
dificuldades enfrentadas pelos deficientes visuais nas escolas. Expressa a
necessidade de se formar profissionais capacitados para atuarem com deficientes.
Demonstra os variados tipos de deficiência visuais existentes, desde a baixa visão,
até a cegueira, classificando cada uma delas. Propõe o uso de oficinas pedagógicas
para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem de alunos deficientes
visuais, melhorando a prática pedagógica de professores com pouca experiência e
dando acesso à educação de direito aos deficientes visuais. Desvela sobre as
diversas possibilidades de trabalho, sobre as dificuldades dos deficientes visuais no
ensino da Geografia em sala de aula. Diagnostica, através de entrevistas, os
problemas enfrentados por instituições que dão suporte aos deficientes visuais, bem
como as dificuldades enfrentadas pelos mesmos no ensino de Geografia.
Desenvolve uma oficina pedagógica, baseada nas dificuldades diagnosticadas em
entrevistas realizadas com deficientes visuais. Produz recursos didáticos – mapa e
globo tátil – com materiais diferenciados (miçangas, tecidos, papéis importados), a
fim de levar aos deficientes visuais a compreensão de localização, sendo esta, uma
iniciação cartográfica de que eles tanto urgem. Conclui que as dificuldades
enfrentadas pelos deficientes visuais nas escolas de ensino regular são muitas e
que há falta de formação para os profissionais que se relacionam com esses
indivíduos.
Palavras-chave: Ensino de Geografia. Deficientes visuais. Recursos-didáticos.
9. LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Documentos catalogados.........................................................................33
Tabela 2 - Atividades previstas..................................................................................43
10. SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO ................................................................................................... 11
2. - CAPÍTULO 1 – O QUANTO VÊ QUEM NÃO VÊ: CONCEITOS,
PROBLEMÁTICAS E O COTIDIANO ESCOLAR ................................................ 13
2.1 Deficiência visual: Conceitos ........................................................................... 13
3.- CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO INCLUSIVA E VIVÊNCIAS: A FORMAÇÃO
DOCENTE EM GEOGRAFIA E DEFICIÊNCIA VISUAL ...................................... 17
4.- CAPÍTULO 3 - A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS DIDÁTICOS EM
GEOGRAFIA PARA O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE
DEFICIENTES VISUAIS ....................................................................................... 24
5.- CAPÍTULO 4 - TATEANDO CAMINHOS: METODOLOGIA,
PROCEDIMENTOS, ABORDAGENS E TRAJETÓRIAS ..................................... 29
5.1 A Abordagem ................................................................................................... 29
5.1.1 Caracterização do Lócus do Estudo ............................................................. 30
5.2 Revisão bibliográfica ........................................................................................ 31
5.3 As técnicas de coleta de dados ....................................................................... 32
5.4 Processos e instrumentos para obtenção de dados ........................................ 32
5.4.1 Pesquisa documental:................................................................................... 33
5.5 Entrevistas ....................................................................................................... 34
5.6 Oficina pedagógica .......................................................................................... 36
5.6.1 Globo Terrestre ............................................................................................. 38
5.6.2 Mapas táteis ................................................................................................. 41
5.7 Cronograma ..................................................................................................... 43
6. - CAPÍTULO 5 – O COTIDIANO ESCOLAR A PARTIR DA VIVÊNCIA, DO
EXPERIMENTADO: HISTÓRIA ORAL DE COORDENADORES,
PROFESSORES E ALUNOS................................................................................ 44
6.1 Entrevista 1 - Presidente do Instituto Braille do Espírito Santo – Sr Altamares
de Freitas ............................................................................................................... 44
6.1.1 Análise da Entrevista 1 ................................................................................. 52
6.2 Entrevista 2 - Pedagoga, coordenadora do CAP – Centro de Apoio
Pedagógico – Iris Fátima do Rosário ..................................................................... 53
6.2.1 - Análise da Entrevista 2 ............................................................................... 62
6.3 Entrevista 3 - Professor do CAP – Centro de Apoio Pedagógico - Jair Antonio
Marquioli ................................................................................................................ 63
6.3.1 Análise da Entrevista 3 ................................................................................. 75
6.4 Entrevista 4 - Alunos deficientes visuais da Escola Paes Barreto – Vitória/ES76
6.4.1 Análise da Entrevista 4 ................................................................................. 87
7. - CAPÍTULO 6 - OFICINA PEDAGÓGICA: “O QUE VÊ QUEM NÃO VÊ?
INICIAÇÃO GEOGRÁFICA”................................................................................. 88
7.1 Objetivos gerais ............................................................................................... 88
7.2 Objetivos específicos ....................................................................................... 88
7.3 Justificativa: ..................................................................................................... 88
7.4 Metodologia e Procedimentos: ........................................................................ 89
7.5 Passo-a-passo: ................................................................................................ 90
7.6 Avaliação: ........................................................................................................ 92
8.- CAPÍTULO 7 - A APLICAÇÃO DA OFICINA PEDAGÓGICA “O QUE VÊ
QUEM NÃO VÊ”:EXPERIMENTAÇÃO, APRENDIZADO E CONTENTAMENTO93
9. CONCLUSÃO ................................................................................................... 96
11. 10.REFERÊNCIAS ................................................................................................ 98
ANEXO A – SUGESTÕES DE SITES SOBRE O ASSUNTO: DEFICIÊNCIA
VISUAL ............................................................................................................... 102
ANEXO B – SUGESTÕES DE VÍDEOS SOBRE O ASSUNTO: DEFICIÊNCIA
VISUAL ............................................................................................................... 103
ANEXO C – SUGESTÕES DE FILMES SOBRE O ASSUNTO: DEFICIÊNCIA
VISUAL ............................................................................................................... 104
ANEXO D – SUGESTÕES DE LIVROS SOBRE O ASSUNTO: DEFICIÊNCIA
VISUAL ............................................................................................................... 106
12. 11
1. 1INTRODUÇÃO
Grandes são os desafios enfrentados para que se possa garantir um ensino
de qualidade aos alunos em nosso sistema de ensino e, maiores ainda são aqueles
enfrentados por quem necessita de um grau a mais de atenção e dedicação. As
pessoas são diferentes e aprendem de maneiras diferentes, porém quando são
acrescentadas a essas diferenças, deficiências sensoriais, físicas e intelectuais, é
imprescindível a formação de profissionais capacitados, para que se possa de fato
garantir-lhes o direito constitucional à educação.
Nesta perspectiva, pensando na efetiva inclusão de pessoas com algum tipo
de deficiência no cotidiano escolar, propomo-nos a trabalhar, especificamente,
pesquisando e preparando recursos didáticos, na área de Geografia, voltados para
pessoas com deficiência visual, que estudam nas escolas regulares, considerando
que a inclusão escolar:
[...] abrange o significado de ações, posturas sociais e políticas
democráticas, visando ao reconhecimento e estabelecimento dos direitos
dos grupos excluídos dentro da sociedade, pela via da escola
(GONÇALVES, A. F. S.; JESUS, D. M., 2001, p.1).
Essa busca por informações não foi uma tarefa fácil. Surgiram dificuldades ao
longo do caminho, no que se refere a localizar e selecionar fontes bibliográficas e
outros tipos de materiais que tratassem sobre o assunto. Pensando contribuir
positivamente no processo de ensino-aprendizagem, decidimos oferecer uma
1
Correção ortográfica e normatização realizada por Ingrid Regina Malaquias dos Santos.
Professora formada em Letras Português/Inglês na Faculdade Saberes.
13. 12
pequena lista contendo sugestões de leitura, vídeos, entre outros (Anexo A, B, C e
D).
Segundo De Masi (2002, p. 20): “A deficiência da visão é uma limitação
sensorial que pode atingir uma gravidade capaz de praticamente anular a
capacidade de ver, abrangendo vários graus de acuidade visual, permitindo diversas
classificações de redução da visão.” Percebendo essa limitação, enfatizamos a
importância de intervenções pedagógicas que priorizem o aprimoramento dos outros
órgãos sensoriais, reforçando a validade da produção e da utilização de recursos
didáticos como meio de contribuir para a formação da imagem mental e a
representação simbólica necessárias à aprendizagem, fato que dentro da Geografia,
possa permitir uma melhor percepção de mundo para essas pessoas.
Ressaltamos que, para o desenvolvimento desse estudo e para a produção
dos recursos didáticos, nos valemos de uma metodologia que permitisse o uso de
uma grande variedade de procedimentos e instrumentos de coletas de dados e
análise dos mesmos, como: revisão bibliográfica e pesquisas em documentos
oficiais, escolha do lócus para a aplicação do estudo (Centro de Apoio Pedagógico
às Pessoas com Deficiência Visual/Vitória, ES), entrevistas, aplicação de oficina
pedagógica e a consequente avaliação dos recursos didáticos produzidos – um
globo e um mapa tátil.
O trajeto dessa pesquisa foi longo e denso, na compressão do espaço-tempo
do período de estudo. Embora tenhamos a compreensão da importância de cada
proposta envidada para contribuir com a formação da cidadania dos jovens
estudantes com deficiência visual, incluindo este nosso trabalho, no qual
empregamos os nossos melhores esforços, sabemos que há ainda muito por fazer.
O que nos conforta, estimula e nos dá certeza de que vale a pena insistir, pode ser
sintetizado nas admiradas expressões das jovens parceiras desta pesquisa: “Olha,
que lindo! Não sabia que a Índia tinha assim esse jeito, nem que a Ásia era assim
tão grande”
O convite para “olhar” o que a jovem achou “tão lindo”, nos dá força para
continuar socializando o pouco que nos foi possível produzir, e para convidar cada
leitor a nos acompanhar nesse esforço de entender o que vê quem não vê...
14. 13
2. – CAPÍTULO 1 – O QUANTO VÊ QUEM NÃO VÊ: CONCEITOS,
PROBLEMÁTICAS E O COTIDIANO ESCOLAR
2.1 Deficiência visual: Conceitos
A história da deficiência, como a própria denominação indica, tem-se
colocado em nossa cultura como uma forma de caracterizar aqueles
sujeitos que, por razões variadas, apresentam um déficit, uma perda, tanto
na esfera orgânica quanto na psíquica (DINIZ, M.; RAHME, M. p.112, 2004).
Partindo desse pressuposto, ao longo da história da humanidade, a
deficiência sensorial foi tratada de acordo com as características e particularidades
culturais de cada sociedade. Na antiguidade, quem possuía algum tipo de
deficiência era tratado à margem da sociedade e assim, eram classificados como
não hábeis, débeis e aleijados.
[...] nos séculos XVIII e meados do século XIX, encontra-se a fase
de institucionalização, em que os indivíduos que apresentavam deficiência
eram segregados e protegidos em instituições residenciais. [...] já no final do
século XIX e meados do século XX, pelo desenvolvimento de escolas e/ou
classes especiais em escolas públicas, visando oferecer à pessoa deficiente
uma educação à parte. [...] no final do século XX, por volta da década de 70,
observa-se um movimento de integração social dos indivíduos que
apresentavam deficiência, cujo objetivo era integrá-los em ambientes
escolares, o mais próximo possível daqueles oferecidos à pessoa normal
(MIRANDA, A. A. B. p. 2. [200-] Disponível em:
<http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis15/art1_15.pdf>.
Acesso em: 13 de set. 2010.)
Com a ascensão dos valores cristãos, os que antes ficavam excluídos
passaram a ter a proteção da Igreja. Já na Idade Moderna, a filosofia humanista
inicia o processo de entendimento dos problemas relacionados ao homem e assim,
inicia-se a tentativa educacional sob o enfoque patológico. Com os ideais da
Revolução Francesa - igualdade, liberdade e fraternidade - na Idade Moderna,
prolifera-se a necessidade da elaboração de uma consciência social; e as correntes
que defendiam os direitos do homem ganham forte adesão no mundo. Quando a
15. 14
sociedade passou a diferenciar os indivíduos quanto a sua deficiência, já estava
sendo feita uma classificação primária das pessoas com necessidades especiais.
Ao elaborar uma tentativa de classificação, ainda hoje se percebe resquícios
dos períodos da humanidade em que a deficiência era vista como algo maligno,
porém algumas linhas de pensamentos vêm contra essa concepção. Qualquer
análise que é feita que envolva diversos níveis, seja ela para diferenciar um grupo
de outro ou não, deve seguir um critério de classificação para uma posterior
equiparação desses dados. Quanto aos deficientes visuais é necessário
primeiramente que se faça uma classificação para saber o quanto cada indivíduo
enxerga. Dentre as classificações existentes destacam-se a legal, médica,
educacional e a esportiva.
Para os artigos publicados na revista digital EFDEPORTES (2001) “[...] há
várias classificações para a deficiência visual, que variam conforme as limitações e
os fins de que se destinam” (Disponível em:
<http://www.efdeportes.com/efd93/defic.htm>. Acesso em 08 de abril de 2010).
Para Munster e Almeida (2005):
[...] elas surgem para que as desvantagens decorrentes da visão funcional
de cada indivíduo sejam minimizadas, pois apesar das pessoas com
deficiência visual possuírem em comum o comprometimento do órgão da
visão, as alterações estruturais e anatômicas promovem modificações que
resultam em níveis diferenciados nas funções visuais, que interferem de
forma diferenciada no desempenho de cada indivíduo (Disponível em:
<http://www.efdeportes.com/efd93/defic.htm >. Acesso em 08 de abril de
2010.).
Quanto à classificação legal, ela existe para oferecer à pessoa com essa
necessidade especial os direitos e dessa forma permitir o acesso a cidadania.
Segundo as leis no âmbito do desporto (Piva e Pelé), certa quantia da arrecadação
das loterias deve ser repassada também para o comitê para olímpico brasileiro:
Leis no âmbito do desporto 10.264 (Lei Piva) e 9.615 (lei Pelé), de 16 de
julho de 2001: A lei 10.264, conhecida como Lei Piva foi sancionada pelo
Ex-Presidente da República Fernando Henrique Cardoso, estabelecendo
que 2% da arrecadação bruta das loterias federais do País sejam
16. 15
repassados ao Comitê Olímpico Brasileiro (85%) e Comitê Paraolímpico
Brasileiro (15%) (Disponível em:
<http://www.efdeportes.com/efd93/defic.htm >. Acesso em 08 de abril de
2010.).
Existem também outras leis que visam à integração social das pessoas com
deficiência visual como:
Lei Nº 7.853, de 24 de Outubro de 1989: Dispõe sobre o apoio às pessoas
com deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde. Institui a tutela
jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a
atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências.
Lei Nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996: Estabelece as diretrizes e bases
da Educação Nacional (Disponível em:
<http://www.efdeportes.com/efd93/defic.htm >. Acesso em 08 de abril de
2010.).
Além dessas classificações existe também a médica que, por sua vez,
estabelece critérios para a classificação segundo a capacidade de distinguir ou não
certos objetos:
Segundo o texto da ACSM (American College of Sports Medicine) (1997)
citado por Fugita (2002) a cegueira pode ser definida como:
Cegueira por acuidade: significa possuir visão de 20/200 pés ou
inferior, com a melhor correção (uso de óculos). É a habilidade de ver em 20
pés ou 6,096 metros, o que o olho normal vê em 200 pés ou 60,96 metros
(ou seja, 1/10 ou menos que a visão normal), onde 1pé = 30,48
cm.Cegueira por campo visual: significa ter um campo visual menor do que
10° de visão central - ter uma visão de túnel.Cegueira total ou "não
percepção de luz": é a ausência de percepção visual ou a inabilidade de
reconhecer uma luz intensa exposta diretamente no olho.
Já no âmbito educacional estabelece-se o critério de eficiência visual como
citado no artigo da revista digital EFDEPORTES.COM apud Kirk e Gallagher (1991):
Pessoa Cega: é aquela que possui perda total ou resíduo mínimo de visão,
necessitando do método Braille como meio de leitura e escrita e/ou outros
métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para o processo
ensino-aprendizagem. Pessoa com baixa visão: é aquela que possui
resíduos visuais em grau que permitam ler textos impressos à tinta, desde
que se empreguem recursos didáticos e equipamentos especiais, excluindo
as deficiências facilmente corrigidas pelo uso adequado de lentes (BRASIL.
Ministério da Educação e do Desporto, 1993).
Quanto às concepções esportivas, também no âmbito do acesso dos
deficientes visuais e para oferecer maior integração social, conforme a
17. 16
Confederação Brasileira de Desportos para Cegos é necessário estabelecer um
critério oftalmológico para diferenciar os diversos níveis de deficiências:
[...] B1: De nenhuma percepção luminosa em ambos os olhos até a
percepção de luz, mas com incapacidade de reconhecer o formato de uma
mão a qualquer distância ou direção.
B2: Da capacidade em reconhecer a forma de uma mão até a acuidade
visual de 2/60 e/ou campo visual inferior a 5 graus.
B3: Da acuidade visual de 2/60 a acuidade visual de 6/60 e/ou campo
visual de mais de 5 graus e menos de 20 graus (Disponível em >
<http://www.cbdc.org.br/novo_site/index.php?idmenu=26&codtipoconteudo=
4> Acesso em 08 de abril de 2010.).
Por fim, pode-se através do que foi explicitado, compreender que,
dependendo do meio ao qual a classificação é solicitada, a mesma sofrerá influência
daquele que a solicita. Assim, seja qual for a necessidade de classificação, deve-se
primeiramente identificar o objeto, para assim, estabelecer o critério que mais se
adéqua a mesma.
18. 17
3. – CAPÍTULO 2 – EDUCAÇÃO INCLUSIVA E VIVÊNCIAS: A
FORMAÇÃO DOCENTE EM GEOGRAFIA E DEFICIÊNCIA VISUAL
É direito de todos os indivíduos o acesso a uma educação de qualidade,
dizem os documentos nacionais oficiais. A complexidade da diversidade não se
esgota nas diferenças de cultura, de educação, de histórias de vida. Esta
complexidade habita cada espaço entre as diferenças, impregnando-as também. E
se as diferenças são muitas entre as pessoas, elas são muito exigentes quando as
pessoas acrescentam a estas diferenças, deficiências como dificuldades na visão,
na audição, na movimentação e tantas outras, pois cada uma é um tipo e exige um
cuidar e um trabalhar com ela, especial. Nesta perspectiva, urge que sejam
formados professores capacitados a trabalhar com a diversidade de alunos
presentes no ambiente escolar.
É consenso entre os profissionais da área da educação que a escola deve ser
um espaço de integração entre os indivíduos e que este espaço deve estar acessível
a todos, sendo assim, democrático. Porém, ao analisar a realidade da educação
brasileira, não é isto que constatamos. As marcas da exclusão estão presentes no
ambiente escolar, em processos explícitos e subliminares que segregam e
marginalizam com extrema perversidade indivíduos oriundos das classes populares
menos privilegiadas e com dupla intensidade aqueles que são portadores de algum
tipo de deficiência.
Os documentos oficiais prevêem o caminho certo a ser tomado, mas isso não
é o suficiente. Esforços financeiros precisam ser investidos tanto em infraestrutura
física, quanto intelectual. Isso inclui desde prédios, equipamentos e mobiliários
adequados à diversidade até chegar na formação de educadores capazes de lidar
cuidadosa e competentemente com as diferenças, dando sustentação e promovendo
transformações necessárias às escolas.
Em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil, já dispunha em
seu capítulo III, que:
“Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivada mediante a
garantia de:
19. 18
III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino “(BRASIL, Constituição da
República Federativa do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988).
Essas orientações legais se coadunam com o campo conceitual concernente
à questão. Para Marchesi e Martin (1995), o aluno com necessidades especiais é
aquele que apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua
escolarização, que exige uma atenção mais específica e mais recursos educacionais
do que os necessários para os colegas de sua idade.
Ainda segundo esses estudiosos, (MARCHESI e MARTIN, 1995) o conceito
Necessidades Educacionais Especiais, passou a ser utilizado a partir da década de
1960. De acordo com Sassaki (1997), essa época testemunhou o boom de
instituições especializadas, tais como escolas especiais, centros de habilitação,
centros de reabilitação, oficinas protegidas de trabalho, clubes sociais especiais,
associações desportivas especiais, dentre outras. Sendo assim, a referida década
foi caracterizada pela tentativa de derrubar a prática da exclusão social a que foram
submetidas às pessoas deficientes por vários séculos.
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação especial passa a
constituir a proposta pedagógica da escola, definindo como seu público-alvo
os alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Nestes casos e outros, que implicam em
transtornos funcionais específicos, a educação especial atua de forma
articulada com o ensino comum, orientando para o atendimento às
necessidades educacionais especiais desses alunos (MEC/Secretaria de
Educação Especial. p.15, 2008. Disponível em: <
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000011730.pdf>.
Acesso em: 13 de set. de 2010.).
A educação inclusiva propõe novas exigências ao atual sistema de educação
que precisa ser repensado. A formação adequada de professores preparados para
atuar em escolas regulares com alunos de necessidades educacionais especiais,
por conseguinte, tornou-se imprescindível. A LDB prevê, no Capítulo V, que os
sistemas de ensino deverão assegurar aos educandos com necessidades especiais:
“Art. 59 –
...
III – Professores com especialização adequada em nível médio ou superior,
para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular
capacitados para integração desses educandos nas classes comuns”
20. 19
(BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394 de
1996).
Apesar da Lei de Diretrizes e Bases prever como necessário um atendimento
especializado e professores capacitados, Ferreira (1998) destaca que as discussões
sobre as necessidades especiais não estão presentes nos cursos de formação de
professores. Porém, acreditamos que somente espaços de discussão garantidos em
universidades e academias não serão suficientes para a melhoria do processo de
aprendizagem dos alunos com necessidades especiais. Também não postulamos
que a inserção de temas, oficinas ou programas curriculares resolvam sozinhos tais
demandas. Pensamos que é preciso mais: uma mudança de postura de concepção
pedagógica é urgente e só se concretizará no esforço conjugado de ensino,
pesquisa e extensão como formação inicial e contínua de professores.
Os professores enfrentam, cada vez mais, dificuldades em lidar com alunos.
Num jogo de palavras, dificuldades especiais ao lidarem com alunos com
dificuldades especiais. Segundo Almeida (1984) e Denari (1984), a expansão das
classes especiais nos anos 80 acarretou a democratização do ensino e suas
consequências ao ambiente escolar. Houve uma multiplicidade quantitativa na
entrada de alunos oriundos das camadas populares da sociedade, os quais
dispunham de um repertório cultural imensamente diferente daquele que a escola
exigia ou pretendia ter. Sendo assim, estes enfrentaram maiores dificuldades em
aprender o conteúdo escolar.
De acordo com MEC/Secretaria de Educação Especial:
Para atuar na educação especial, o professor deve ter como base
da sua formação, inicial e continuada, conhecimentos gerais para o
exercício da docência e conhecimentos específicos da área. Essa formação
possibilita a sua atuação no atendimento educacional especializado e deve
aprofundar o caráter interativo e interdisciplinar da atuação [...] para a oferta
dos serviços e recursos de educação especial (MEC/Secretaria de
Educação Especial. p.17 e 18, 2008. Disponível em: <
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000011730.pdf>.
Acesso em: 13 de set. de 2010.).
A falta de preparo dos professores para tratar com tais alunos fazia com que
estes fossem encaminhados para classes especiais. Tal medida isentava esses
21. 20
profissionais da responsabilidade de aprender a lidar com os mesmos e com as
dificuldades que apresentavam.
Estudos apresentados por Marin (1996) destacam que é necessário repensar
os cursos de formação de professores, adotando a história de vida dos alunos e
suas formas de socialização como alternativa para maior compreensão dos
processos de aprendizagens e possíveis limitações individuais ou sociais dos
sujeitos envolvidos na formação. A autora também afirma que, desde a década de
1950, a precariedade na formação dos professores e nos ambientes profissionais é
notória. Havia distância entre aquilo que era ensinado nas escolas e aquilo que era
forjado na vida profissional dos professores. Porém, apesar de todas as dificuldades
enfrentadas pelos professores e da falta de preparo, a autora ainda afirma que
existem profissionais que buscam continuamente acertar, mesmo diante da
realidade problemática.
Isso inclui pensar que formação e construção da identidade profissional do
professor acontecem em conjunto, numa sintonia que se dará durante todo o curso
de sua vida, do seu cotidiano, da historicidade vivida. Segundo Santos (2002), a
trajetória do professor será marcada por contradições e conflitos, que ganham força
no ambiente escolar, e, acreditamos, com intensas ramificações, em sua vida
pessoal.
Assim, com Cavaco (1991), acreditamos que o professor, notadamente, o
recém formado, traz consigo incertezas e inseguranças, muitas delas nascidas na
transição entre o fazer docente imediato e as orientações dos modelos tradicionais,
principalmente aqueles apresentados por seus antigos professores da escola
regular. Toda a experiência vivida e mais aquela que pode ser tecida, criada,
construída como proposta inovadora, e, que estes professores poderiam/deveriam
trazer para a escola, se contrai e acaba não sendo colocada em prática no sistema,
porque este os obriga a receber alunos especiais, em salas de aula lotadas, em
ambientes mal organizados e mal equipados – e, sobretudo, sem prepará-los para
este exercício.
A escola, um ambiente marcado pela hierarquização e homogeneização,
necessita de profissionais comprometidos com a democratização, com a
22. 21
solidariedade e com a cooperação. Por isto o papel do professor é fundamental na
educação inclusiva. Ele irá contra o modelo hegemônico, a fim de criar um novo
modelo que insira aqueles que possuem algum tipo de deficiência. Ele não poderá
se isentar de agir, sequer pelos problemas expostos.
Diante dessas considerações, a formação de professores para a inclusão de
alunos deficientes não se dará apenas através da criação de leis ou especialização
de professores e mesmo de conteúdos voltados para a inclusão. Deve-se levar em
consideração que o professor traz consigo sua historicidade, conceitos pré
concebidos, imagens, crenças e valores em relação às pessoas com deficiência.
Urge então que, durante a formação desses professores, a história seja modificada,
os preconceitos sejam lapidados, modificados, a fim de que o professor possa
receber da melhor forma possível todo o treinamento oferecido e principalmente os
alunos com algum tipo de deficiência.
Acreditando nisto, tomando como foco o ensino de Geografia e alunos com
dificuldades visuais, empenhamos nossos melhores esforços para colocar em
prática o que colhemos numa pesquisa que deu origem ao nosso trabalho. O que vê
quem não vê? Essa pergunta nos impulsiona e nos fez mergulhar em estudos que
nos permitisse ousar, pensar como quem não vê. Que geografias passam pela
percepção aguçada que se desenvolve em quem não vê? Como mediar
aprendizagens que lhes permitam (vi) ver num mundo que é pura Geografia?
Se ensinar Geografia deve ser muito mais do que simplesmente repetir os
conteúdos dos livros didáticos e fazer com que os alunos decorem nomes de
lugares, de rios, de acidentes geográficos e conceitos utilizados pela matéria, como
trabalhar com quem nem vê rios, montes, lagos, cidades – a não ser pelo toque,
pelos sons, pelos cheiros, pelo pulsar da vida?
Estudando a Geografia como alunos, aprendemos que esta ciência se ocupa
em compreender as relações espaciais existentes. Como professores, ao estudar
Geografia, entendemos que os educandos devem conseguir captar a essência do
que está sendo estudado para elaborar uma visão crítica do mundo em que vivem.
Neste momento do nosso estudo, tal pretensão ganha especial força: os alunos com
dificuldades visuais precisam dessa aprendizagem geográfica – desenvolver uma
23. 22
visão crítica do mundo em que vivem e para conseguir isto, precisam aprender a (vi)
vê-lo, de formas diferentes e todas elas, formas conscientes.
Percebe-se que trabalhar com esta perspectiva não é uma tarefa fácil, porém
é necessária para que seja garantido a esses indivíduos o direito de acesso ao
estudo e, consequentemente, sua integração – como cidadãos de direito – na
sociedade.
Em nosso trabalho, na tentativa de interferirmos e agirmos de acordo com
essa concepção docente, que abraçamos, no desenvolver deste trabalho investimos
em duas direções, metodologicamente: 1. Aplicamos um questionário junto a
profissionais que trabalham com portadores de dificuldades visuais, buscando
entender como trabalham e que obstáculos encontram; 2. Preparamos uma oficina
pedagógica, visando contribuir com professores, a partir dos nossos estudos.
De acordo com o IBGE a partir da promulgação da Lei nº 7.853, de 24 de
outubro de 1989, tornou-se obrigatório a inclusão nos censos nacionais de questões
que possibilitassem determinar de modo preciso as necessidades das pessoas com
deficiência. Tal medida visava fornecer bases que pudessem sustentar e definir a
tomada de medidas adequadas a esta parcela da população. Sendo assim, a partir
do Censo Demográfico de 2001, questões específicas foram elaboradas visando o
estudo das incapacidades na busca pela identificação de deficiências e do grau de
interferência das mesmas no desenvolvimento das atividades, no comportamento e
na participação social das pessoas inquiridas.
Ainda, segundo o IBGE, considerando também o grau de severidade da
incapacidade, pode-se observar no Brasil a existência de aproximadamente 148 000
pessoas cegas, sendo que cerca de 77 900 são mulheres, e 70 100 são do sexo
masculino. Um total de 2.435.873 milhões de pessoas declarou ter grandes
dificuldades em enxergar e 14.060.946 milhões de pessoas declaram ter alguma
dificuldade para enxergar. No estado do Espírito Santo um total de 2.304 pessoas
declarou ser incapaz de enxergar, 51.610 se declaram com grande dificuldade para
enxergar e um total de 250.993 pessoas declara ter alguma dificuldade para
enxergar.
24. 23
Os dados obtidos pelo órgão acima mencionado informam que entre a parcela
da população com algum tipo de deficiência, as que possuem algum grau de
deficiência visual são as menos afetadas na frequência escolar apresentando uma
taxa de 93,3 % de crianças na escola, enquanto a taxa de escolarização de crianças
que declara não possuir nenhuma das incapacidades investigadas fica em torno de
95%.
25. 24
4. - CAPÍTULO 3 - A IMPORTÂNCIA DOS RECURSOS DIDÁTICOS
EM GEOGRAFIA PARA O PROCESSO DE ENSINO-
APRENDIZAGEM DE DEFICIENTES VISUAIS
Ensinar Geografia deve ser muito mais
do que simplesmente repetir os conteúdos
dos livros didáticos e fazer com que os alunos
decorem nomes de lugares, de rios, de
acidentes geográficos e conceitos utilizados
pela matéria. Os educandos devem
Foto 1 – Autoria: Renata Nunes
compreender as relações espaciais existentes
e conseguir captar a essência do que está sendo estudado para elaborar uma visão
crítica do mundo em que vivem.
Limitados à leitura de textos e às exposições dos professores, os alunos
encontram dificuldade para interagir com as diferentes linguagens e com os
recursos próprios da Geografia [...].
Quando, na escola, vigoram estratégias de ensino centradas na voz do
professor e na passividade do aluno, e o livro didático ainda comanda a
cena em sala de aula, outros recursos de excepcional relevância [...] têm
seu uso relegado. É compreensível que, neste caso, com alunos assim
desatendidos, o conhecimento geográfico não seja construído e a
memorização seja a forma habitual utilizada para mascarar o entendimento
(SCHÄFFER et al, 2003, p.16).
A prática do professor em sala de aula torna-se fundamental para possibilitar
o entendimento crítico da Geografia, e consequentemente de mundo, pelos
educandos. Ao planejar suas aulas e preparar recursos didáticos, o professor
precisa considerar a pluralidade existente em cada turma. Deve-se entender que
mesmo em um grupo aparentemente homogêneo, existem grandes diferenças entre
seus componentes, como por exemplo, pessoas com deficiências sensoriais,
mentais, com déficits de aprendizagem, de classes sociais e culturas distintas, entre
outros.
O Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial (2003) ressalta
que, constantemente tratamos esse grupo de alunos como uma unidade, quando na
verdade ele não é, pois é composto por pessoas singulares, únicas, que devem ser
conhecidas para que ocorra o sucesso no processo de ensino-aprendizagem. Ainda
26. 25
de acordo com o Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial no que
se refere às singularidades de cada aluno:
Há os que aprendem melhor através da experiência concreta. Há os que
aprendem melhor através da via auditiva. Há os que aprendem melhor, se
utilizarmos a via escrita. Há os que aprendem melhor, se puderem escrever
sobre o assunto que está sendo abordado (2003, p. 19).
Dessa maneira, a educação deve se orientar pela utilização de recursos
didáticos que garantam o acesso do aluno ao conhecimento, não se esquecendo
dos que necessitam de uma atenção especial por apresentarem algum tipo de
deficiência física, mental, visual, auditiva e até mesmo altas habilidades.
No processo de ensino-aprendizagem de deficientes visuais deve-se enfatizar
a importância dessas intervenções pedagógicas, que priorizem o
desenvolvimento/treinamento dos sentidos. De acordo com o Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Especial (2001), o desenvolvimento dos sentidos
(tátil-cinestésico-auditivo-olfativo-gustativo) deve ser encorajado no dia-a-dia das
pessoas com deficiência visual. Portanto, é vital a utilização de recursos didáticos na
sala de aula que auxiliem esse desenvolvimento dos sentidos e permitam uma
melhor percepção de mundo para essas pessoas.
Na educação de crianças com deficiência visual fica evidente a importância
da utilização de estratégias metodológicas que assegurem a integração e a
articulação do sistema multissensorial e que favoreça a construção do
sistema de significação e da linguagem pela ação da criança no tempo e no
espaço (Ministério da Educação/Secretaria de Educação Especial, 2001,
p.160).
Para aprimorar o processo de ensino-
aprendizagem dos alunos com deficiência
visual é válido a manipulação de objetos
tridimensionais, construção de maquetes
com aproveitamento de sucatas, grãos de
tamanhos e textura variados. Tecidos,
barbantes ou tintas em alto relevo, entre
Foto 2 – Autoria: Kátia dos Santos
outros, sendo esses materiais transformados
em recursos didáticos simples e práticos para contribuir com a formação da imagem
mental e a representação simbólica, necessárias à aprendizagem. “As mãos são os
olhos das pessoas com deficiência visual. O uso das mãos como instrumento de
27. 26
percepção deve ser intensamente estimulado, incentivado e aprimorado” (GIL, M.,
2001, p. 24).
Assim como o tato, a audição é outro sentido que deve ser estimulado, por
ser de grande importância para que o aluno com deficiência visual consiga perceber
o mundo a sua volta. Contudo, segundo Gil, no que se refere à criança/aluno com
deficiência visual:
[...] ela ainda precisa aprender o significado dos sons. Por exemplo: ao ouvir
a batida de uma porta, não sabe como é a porta, para que serve, e nem que
é feita de madeira. A aquisição do significado do mundo dos sons é um
processo lento (2001, p. 29 e 30).
Dessa maneira, deve-se explorar ao máximo os recursos didáticos para
ajudar na compreensão dos conteúdos escolares por parte dos alunos em geral,
mas sempre lembrando que cada pessoa é um ser diferente do outro, ou seja, deve-
se respeitar o tempo de aprendizagem de cada um. Portanto, torna-se
imprescindível que o professor conheça as especificidades de cada aluno para que
possa adotar recursos didáticos compatíveis com as necessidades dos mesmos.
Conforme estabelece o Ministério da Educação/Secretaria de Educação
Especial (2001), os alunos que apresentam baixa visão poderão se beneficiar com o
uso de lupas e materiais que apresentem um grande contraste de cores, que
facilitam a visualização de figuras e gráficos, por exemplo. Já os alunos com
ausência total da visão necessitam de recursos adaptados aos seus sentidos mais
apurados como o tato e a audição.
Atualmente, existem vários recursos que podem ser empregados na sala de
aula para auxiliar o aprendizado dos alunos com deficiência visual. Além dos
materiais que permitem o acesso à leitura e à escrita, como a máquina de escrever
em braille, também existem alternativas didáticas de baixo custo como a produção
de objetos tridimensionais, jogos, maquetes e mapas táteis com a utilização de
diversos materiais – tintas de cores fortes e de alto relevo, areia, grãos de texturas
variadas, conchas, folhas secas, gravetos, argila, barbante, lixas, isopor, algodão,
entre outros. Dispor desses recursos enriquece o ensino da Geografia,
principalmente na área da cartografia, pois torna possível uma melhor compreensão
e percepção do espaço geográfico pelos alunos com deficiência visual.
28. 27
A cartografia tem um papel importante nesse processo e, dessa forma,
precisa fornecer materiais adequados para a pessoa com deficiência visual.
Os mapas são até mais necessários para esse grupo de usuários do que
para aqueles que conseguem enxergar. Pessoas cegas podem usar um
mapa para se orientar, sem ajuda, dentro de um edifício. Por esse motivo,
todos os tipos de materiais cartográficos deveriam estar disponíveis na
forma tátil [...] (ALMEIDA, R. A., 2007, p. 120).
Preparar esses recursos didáticos não
é uma tarefa fácil, sendo necessária uma
grande persistência para atingir o objetivo de
melhorar a qualidade do ensino oferecido a
esses alunos. “Tendo em vista o grupo de
alunos com deficiência visual, trabalhar com
as representações gráficas significa romper Foto 3 – Autoria: Renata Nunes
barreiras e enfrentar desafios” (ALMEIDA, R. A., 2007, p. 127).
Há ainda, recursos tecnológicos que podem facilitar o processo de ensino-
aprendizagem para alunos com deficiência visual. Entre eles, o livro falado que pode
ser gravado em diversos tipos de mídia, equipamentos de informática e softwares
específicos.
De acordo com Gil (2001), há avanços significativos na área da informática
que proporcionam uma melhoria na aprendizagem das pessoas portadoras de baixa
visão, como os softwares especiais que permitem uma ampliação direta de textos -
nos quais a tela do computador age como uma lente de aumento. Encontram-se
ainda, no mercado, softwares de painel Braille, nos quais os dados fornecidos são
reproduzidos na escrita braille. “Para pessoas com cegueira total, há softwares que,
com um sintetizador de voz, fazem a leitura do que aparece escrito na tela do
microcomputador” (GIL, M., 2001, p. 47).
Ainda de acordo com as orientações de Gil (2001), além destes recursos
didáticos disponíveis, torna-se necessário que o professor utilize algumas práticas
que facilitem o processo de ensino-aprendizagem dos alunos com deficiência visual,
tais como: fazer a leitura das anotações feitas no quadro; na medida do possível,
passar as mesmas atividades para todos os alunos da turma, inclusive para aqueles
com deficiência visual; e sempre que necessário, buscar o auxílio de profissionais
especializados que poderão orientar e oferecer recursos específicos.
29. 28
Com base em todas as informações até aqui colocadas, pode-se reforçar a
idéia da validade dos recursos didáticos enquanto meio facilitador do processo de
ensino-aprendizagem de todos os alunos, principalmente daqueles que possuem
algum tipo de deficiência, como a deficiência visual, enfatizada neste estudo.
Percebe-se que esta não é uma tarefa fácil, porém é necessária para que seja
garantido a esses indivíduos o direito de acesso ao estudo e, consequentemente,
sua integração – como cidadãos de direito – na sociedade.
30. 29
5. - CAPÍTULO 4 - TATEANDO CAMINHOS: METODOLOGIA,
PROCEDIMENTOS, ABORDAGENS E TRAJETÓRIAS
5.1 A Abordagem
No estudo aqui proposto utilizamos uma abordagem qualitativa, haja vista que
estas possuem uma “característica multimetodológica, isto é, usam uma grande
variedade de procedimentos e instrumentos de coleta de dados” (ALVES-MAZZOTTI
e GEWANDSZASDER, 2004, p.163). Também por trabalhar com o universal, ao
englobar significados, motivações, aspirações, crenças, valores e atitudes dentro
dos pensamentos, interpretações e ações humanas, compreendidas dentro das
realidades vividas e partilhadas nas interrelações dos grupos sociais. (MINAYO,
2007). A escolha desta abordagem é decorrente da visão dos pesquisadores de ser
a que melhor contempla o alcance dos objetivos propostos neste estudo.
Trata-se de um estudo de caso. Descrevendo-o de modo amplo, trata-se de
uma investigação empírica de um fenômeno atual inserido num dado contexto em
que os limites entre tal fenômeno e seu contexto não estão claramente definidos
(YIN, 2005).
A inclusão social de pessoas com deficiência, não somente no universo
escolar, mas no sentido de promover sua formação cidadã plena tem suscitado
debates quanto às formas e recursos necessários a esse fim. Assim, esse estudo de
caso buscou compreender no interior da dinâmica de interação entre os atores
envolvidos, aqui em especial os educadores e as pessoas com deficiência visual, o
“se”, o “como” a produção de recursos didáticos apropriados às formas de leitura e
interpretação adequadas a esse público, pode contribuir para que o processo de
ensino-aprendizagem, no caso em questão, o de Geografia, venha a alcançar o
máximo de sua potencialidade.
31. 30
5.1.1 Caracterização do Lócus do Estudo
A escolha do Lócus para aplicação do estudo decorreu da importância do
trabalho realizado no instituto, por ser uma referência na capacitação de professores
para o trabalho com pessoas com deficiência visual, público alvo do mesmo. O CAP
(Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas Portadoras de Deficiência Visual), do
Espírito Santo é uma instituição governamental que recebe capital do governo do
estado e federal. Este centro de apoio pedagógico está localizado na Escola
Estadual Paes Barreto, no bairro Jaburu, na cidade de Vitória, Espírito Santo.
Segundo a Pedagoga, coordenadora da instituição, senhora Iris Fátima do
Rosário, o CAP do Espírito Santo trabalha com a capacitação de professores, para o
trabalho com deficientes visuais. Os cursos oferecidos pelo CAP são feitos a partir
de solicitações de prefeituras, do governo e de escolas que necessitem de
capacitação.
Ainda segundo a coordenadora Iris, em geral existe muita dificuldade dos
professores ao trabalhar com os deficientes visuais, dentre essas, a constante troca
de professores nas escolas. O CAP atende a esta demanda e, quando solicitado,
disponibiliza também recursos didáticos das diversas áreas (Geografia, Matemática,
Física, dentre outras), para estes professores. Além de oferecer o suporte
necessário para o atendimento aos alunos, disponibilizando recursos diversos, tais
como, acervo bibliográfico e didático.
Trabalham também com deficientes visuais, oferecendo o suporte material
necessário em suas aprendizagens, através da produção de recursos didáticos.
Desenvolvem atividades com bebês e crianças cegas ou com baixa visão, focando
na estimulação visual dos mesmos, para que não se perca o pouco que lhes resta
da visão. Atende ainda, a adultos com aulas de braille e de locomoção, que são
ministradas à tarde ensinando aos alunos deficientes visuais como utilizar a bengala,
dando-lhes mais liberdade para se locomoverem pelas ruas em seu dia a dia.
Neste local efetuamos a obtenção de dados referentes ao estudo em questão
que serviram com base ao seu desenvolvimento, tais como, entrevistas com alunos
32. 31
deficientes visuais e com os professores dos mesmos, onde foram diagnosticadas
dificuldades no processo de aprendizagem de conteúdos como, por exemplo, a
orientação e a compreensão do espaço geográfico. Obtivemos também indicações e
orientações sobre como deveriam ser elaborados recursos didáticos que pudessem
facilitar o aprendizado dos conteúdos em Geografia.
Através das orientações e constatações buscamos promover a facilitação do
aprendizado por meio da iniciação geográfica para alunos cegos e de baixa visão.
Para alcançar esse objetivo, procedemos à aplicação de uma oficina pedagógica,
onde apresentamos um globo e um mapa tátil, representando os continentes, os
principais paralelos e meridianos e também suas respectivas escalas.
5.2 Revisão bibliográfica
Neste processo realizamos a revisão teórica contemplando a reflexão sobre
inclusão através do estudo com aprendizagens geográficas com alunos com
deficiência visual. Objetivamos aqui, conhecer, contextualizar e trazer possibilidades
a respeito dessa questão, considerando-se a dimensão social, política e econômica,
que o mesmo poderá trazer como diferencial na vida dos alunos com deficiência
visual.
Destacamos a importância do tema proposto, pois este “é importante quando,
de alguma forma, está relacionado à uma questão que polariza, ou afeta um
segmento substancial da sociedade” (MARTINS, G. A. e LINTZ, A., 2000, p.24).
Esse esforço serviu como norteador da pesquisa e da análise dos dados obtidos.
Compreende-se o quanto uma definição clara de conceitos e fonte teórica é
fundamental para a apreensão das dinâmicas que regem e permeiam as realidades
dos que são parcial ou totalmente privados do sentido da visão. Sendo assim
depreendemos que a observância dos fatos não se expressa através de
imediatismos, mas requer comprometimento, organização e técnicas.
33. 32
5.3 As técnicas de coleta de dados
[...] a expressão „unidade de análise corresponde se refere à forma pela
qual organizaremos os dados para efeito de análise (...) Pesquisas
qualitativas tipicamente envolvem um grande volume de dados que
precisam ser organizados e compreendidos. Isto se faz através de um
processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias,
tendências, padrões, relações desvendando-lhes o significado (ALVES-
MAZZOTTI e GEWANDSZASDER, 2004, p. 170).
Sendo assim o material obtido ao longo do desenvolvimento dessa pesquisa,
visou à produção de um texto, sendo a abordagem qualitativa, tendo, portanto, como
centro a “[...] exploração do conjunto de opiniões e representações sociais sobre o
tema que pretende investigar” (GOMES,2007, p.79) e ainda “[...] é o ponto de partida
(porque se inicia com as próprias interpretações dos atores) e é o ponto de chegada
(porque é a interpretação das interpretações)” (GOMES apud GOMES,2007, p.80)
Entendemos que as análises precisavam ser efetuadas durante todo o
desenrolar desse estudo, de modo progressivo e interativo com a coleta de dados.
Sendo assim, optamos pela análise de conteúdo, pois esta constitui um:
[...] conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitem a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens (BARDIN apud GOMES, 2007, p. 83).
A escolha foi também decorrente do fato deste tipo de análise possuir
variadas possibilidades de uso. Pois foi a partir deste que pudemos tomar
conhecimentos dos caminhos a serem trilhados.
5.4 Processos e instrumentos para obtenção de dados
Dado o caráter multimetodológico de uma análise qualitativa, optamos pela
utilização de alguns instrumentos e técnicas por terem se apresentado como os mais
adequados ao desenvolvimento deste estudo. As técnicas utilizadas foram:
34. 33
5.4.1 Pesquisa documental:
A pesquisa documental foi utilizada porque “os documentos têm o potencial
de informar e estruturar as decisões que as pessoas tomam diariamente e em longo
prazo; eles também constituem leituras particulares dos eventos sociais” (MAY,
2004, p. 205). São considerados documentos “[...] qualquer registro escrito que
possa ser usado como fonte de informação” (ALVES-MAZZOTTI e
GEWANDSZASDER, 2004, p.169).
Portanto, estes contribuíram para a compreensão das demandas, dos
processos e complexidades das interações sociais, entre o grupo enfocado e os
outros grupamentos sociais, de modo tal que auxiliaram na busca por informações
acerca dos mesmos.
Em uma pesquisa documental, na leitura e interpretação das informações
acerca do tema escolhido, é imprescindível ao pesquisador conhecer, por exemplo,
a instituição ou seu criador, suas fontes e propósitos (BECKER apud ALVES-
MAZZOTTI e GEWANDSZASDER, 2004).
Sendo assim os documentos pesquisados serão catalogados da seguinte
maneira: Exemplo:
Tabela 1. Documentos catalogados
Tipo de Ano de Tipo de Elaboração Tipo de Informação a ser
documento elaboração fonte circulação levantada
Censo 2000 Primária IBGE Irrestrita Número de pessoas
demográfico com deficiência visual
e outros.
Lei no âmbito 2001 Secundária BRASIL Irrestrita Arrecadação bruta
do desporto das loterias federais
do país.
Lei nº 7.853 1989 Primária BRASIL Irrestrita Apoio as pessoas
Lei no âmbito com deficiência.
do desporto
35. 34
Lei Nº 9.394 – 1996 Primária BRASIL Irrestrita Diretrizes e bases da
Lei de educação nacional.
Diretrizes e
Bases da
Educação
Art. 208 – 1988 Primária BRASIL Irrestrita Direitos do cidadão
Constituição com deficiência
da República visual.
Federativa do
Brasil
Art. 57 – 1988 Primária BRASIL Irrestrita Capacitação de
Constituição professores para
da República atendimento
Federativa do especializado
Brasil
Entretanto, é importante observar que somente a pesquisa documental não
contempla todos os aspectos focados no estudo, pois possibilitou apreender
somente parte de um fenômeno. Tendo sido então, necessário buscar outros
instrumentos que puderam trazer as perspectivas dos sujeitos partícipes no
processo, sem os quais não se poderiam compreender as dimensões necessárias à
pesquisa. Nesse sentido, o presente estudo utilizou outra técnica de coleta de dado
que foi a entrevista.
5.5 Entrevistas
De acordo com Alves-Mazzoti e Gewandszajder (2004) as entrevistas se
apresentam como um excelente recurso investigativo na coleta de dados e
informações, pois permite interar-se sobre um assunto e explorá-lo de forma
profunda.
Sendo assim, no alcance dos objetivos deste trabalho, foram utilizados os
pressupostos da história oral, que de acordo com Bom Meihy (1996) apresenta-se
como um eficiente recurso de pesquisa, ao possibilitar a elaboração de registros e
36. 35
documentar experiências, saberes e práticas de pessoas, a respeito de suas
vivências e concepções. Isso significa uma possibilidade de documentar o não
documentado, visto que nessa abordagem de pesquisa o uso da documentação oral
equivale às fontes escritas.
Dentre as três tendências de pesquisa que se utilizam da história oral esta
abordou a história oral temática, haja vista que a mesma partiu de um assunto
específico, preestabelecido, qual seja um estudo com aprendizagens geográficas de
alunos portadores de deficiência visual.
Para Marchesi e Martin (1995), o aluno com necessidades especiais é aquele
que apresenta algum problema de aprendizagem ao longo de sua escolarização,
que exige uma atenção mais específica e mais recursos educacionais do que os
necessários para os colegas de sua idade.
De acordo com MEC/Secretaria de Educação Especial,
Considera-se alunos com deficiência àqueles que têm impedimentos de
longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em
interação com diversas barreiras podem ter restringida sua participação
plena e efetiva na escola e na sociedade (MEC/Secretaria de Educação
Especial. p.15, 2008. Disponível em: <
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000011730.pdf>.
Acesso em: 13 de set. de 2010.).
Sendo assim, buscamos identificar as demandas específicas desses alunos
em questão, visando à produção de materiais didáticos, que servissem como
auxiliares na prática docente e nos processos de inclusão deste público.
Definidos tais procedimentos partimos para o contato com os atores
envolvidos neste contexto, buscando estabelecer a parceria necessária para a
realização das entrevistas e da coleta das respectivas narrativas. Assim,
contactados, os professores e colaboradores e expostos nossos objetivos de
pesquisa, foram agendadas datas, horários e locais para a realização das
respectivas entrevistas, que ocorreram em datas e locais definidos pelos mesmos e
duraram, em média, cerca de três horas cada.
Após elaboração de roteiro semi-estruturado de entrevistas (tematizados) com
questões relacionadas à vivência docente, foram gravadas entrevistas com o diretor
37. 36
do Instituto Braille do Espírito Santo, um coordenador do CAP (Centro de Apoio
Pedagógico), um professor, de História e Geografia, além de quatro alunos cegos e
de baixa visão. Através das entrevistas realizadas, foram diagnosticadas algumas
dificuldades no processo de ensino-aprendizagem de professores e alunos quanto à
Geografia.
Após a transcrição e textualização das mesmas, os textos foram passados
para os colaboradores para que os mesmos revisassem, acrescentassem e/ou
suprimissem frases que julgassem necessárias, bem como autorizassem à
apropriação das narrativas. Da análise dos dados obtidos com as entrevistas foi
possível detectar categorias relacionadas ao ensino de Geografia, saberes e
práticas docentes, gestadas, adaptadas e implementadas no cotidiano da sala de
aula, tendo como eixo principal a cidadania.
Entretanto, reconhecemos aqui algumas limitações desta técnica, a exemplo,
o tempo, ocupado aos entrevistados e aos graduandos, como também na
transcrição que demandou um tratamento especial para que seu conteúdo fosse
apreendido com fidedignidade. Outro fator a ser considerado é a confiança, uma vez
que se faz necessário haver uma espontaneidade entre entrevistador/entrevistado
criando um vínculo e um grau de confiabilidade que resulte em dados fidedignos
para a pesquisa (ROSA; ARNOLDI, 2006).
Procuramos convenientemente evitar alguns deslizes tais como: “[...] a falta
ou o excesso de questionamento, excessivo direcionamento por parte do
entrevistador, excesso de perspicácia de ambas as partes” (ROSA; ARNOLDI, 2006,
p.88).
5.6 Oficina pedagógica
A escolha pela oficina pedagógica para verificarmos a eficácia dos recursos
didáticos produzidos, foi decorrente da visão dos pesquisadores de ser esta, uma
metodologia apropriada para o trabalho em grupo. Este recurso propicia a
construção do saber por todos os participantes e ainda cremos que pela
38. 37
dinamicidade e flexibilidade inerentes a ele, conseguimos estimular a participação e
interação de todos os envolvidos durante o processo de ensino-aprendizagem o que
acreditamos ter sido essencial ao desenvolvimento desse estudo.
Na elaboração da mesma procuramos observar um encadeamento em que
viéssemos a contemplar as características que se pressupõem essenciais a uma
oficina didática, tais como:
• Objetivos de estudo comuns ao grupo;
• Dinamicidade e praticidade nas ações didáticas;
• Embasamento teórico simultâneo à prática;
• Plasticidade metodológica;
• Diversidade de recursos e técnicas didáticas;
• Situação de aprendizagem conjunta: oficineiros e participantes;
• Intenção de aplicabilidade dos resultados no cotidiano profissional;
• Sequência didática com estrutura de complexidade crescente;
• Disponibilidade de tempo concentrada e compatível com objetivos.
Objetivávamos ao procurar seguir as orientações acima citadas observar as
perspectivas fundamentais ao estudo em questão, que são:
• Função investigativa: tarefa principal;
• Função socializadora: forma de trabalho grupal;
• Função prática: a experiência como ocasião de aprendizagem.
Através da mesma pudemos averiguar a eficácia do recurso didático produzido, a
saber, um globo terrestre em relevo e um mapa tátil. Estes foram utilizados como
Informações obtidas em apresentação sobre oficinas pedagógicas da Profª Drª. Marisa Valladares.
39. 38
base para que pudéssemos trabalhar os conceitos inerentes à localização e
orientação, haja vista a sua importância para o desenvolvimento das mais diversas
atividades humanas. Em especial, para as pessoas com deficiência visual, pois
constatamos através das entrevistas que uma das maiores dificuldades encontradas
por professores e alunos é quanto a esses conceitos.
5.6.1 Globo Terrestre
Saber geografia não é apenas evocar nomes. É reconhecer as influências,
as interações que lugares e paisagens tem com nosso cotidiano. É,
portanto, incluir-se no globo, sentir e agir no planeta como alguém capaz de
modificar o lugar onde vive, de (re) construí-lo e não apenas de ali estar
como um personagem num palco (SCHÄFFER, ET AL, 2003 p. 15).
O globo terrestre constitui uma ferramenta indispensável na promoção das
aprendizagens não somente em Geografia, mas também nas demais disciplinas
curriculares. No entanto apesar de sua importância, este tem sua utilização limitada,
sendo que as estratégias de ensino são ainda muito centradas somente no livro
didático.
Para saber Geografia é necessário que os sujeitos sejam alfabetizados na
leitura dos lugares, conhecendo-os, entendendo o porquê das relações entre objetos
e grupamentos sociais e ainda o porquê das ações ocorridas neste contexto e isto
perpassa também pelo uso do globo.
Dentre os diversos temas em Geografia, o globo presta-se especialmente ao
ensino sobre orientação e localização, na apresentação da rede de coordenadas e
para esclarecer quanto às diferenças e distorções entre as representações
espaciais, por exemplo (SCHÄFFER, et al, 2003).
Ainda de acordo com a supracitada autora, a partir do momento em que se
admitiu a forma quase redonda do planeta terra tornou-se possível representá-la.
40. 39
Embora a concepção do formato geóide da terra já estivesse presente entre
os pensadores gregos, foi somente na Idade Média que os globos terrestres
começaram a ser construídos na Europa e no Mundo Árabe.
O século XVI é considerado o século de ouro da Cartografia, tendo se
destacado o trabalho de diversos cartógrafos, como por exemplo, os de Mercator.
Este desenvolvimento está diretamente ligado às Grandes Navegações e ao uso dos
instrumentos como a bússola e o astrolábio e ainda após a viagem de
circunavegação feita por Fernando de Magalhães e Sebastião Elcano entre 1512-
1522, quando a forma terrestre deixou de ser motivo de polêmica.
O globo constitui a melhor forma de representação da terra, no entanto
apresenta algumas dificuldades, que envolvem esta reprodução no plano. Para
resolver esse problema são utilizadas as projeções cartográficas, que foram
desenvolvidas para dar uma solução ao problema da
transferência de uma imagem da superfície curva da esfera
terrestre para um plano da carta, o que sempre vai acarretar
deformações. Constituem-se de uma fórmula matemática que
transforma as coordenadas geográficas, a partir de uma
superfície esférica (elipsoidal), em coordenadas planas,
mantendo correspondência entre elas. O uso deste artifício
geométrico das projeções consegue reduzir as deformações,
mas nunca eliminá-las. Foto 4 – Autoria: Kátia dos Santos
Os tipos de propriedades geométricas que caracterizam as projeções
cartográficas, em suas relações entre a esfera (Terra) e um plano que é o mapa,
são: Conformes, quando os ângulos são mantidos idênticos (na esfera e no plano) e
as áreas são deformadas; Equivalentes, quando as
áreas apresentam-se idênticas e os ângulos
deformados e Afiláticas, quando as áreas e os ângulos
apresentam-se deformados.
Segundo Frigoletto (acesso em 07 de abril de
2010), a maior parte das projeções hoje existentes
deriva dos três tipos ou métodos originais, a saber:
Foto 5 – Autoria: Renata Nunes
41. 40
cilíndricas, cônicas e planas ou azimutais. Entre os mais conhecidos tipos de
projeção cartográfica, estão as projeções de Mercator, a projeção de Peters e a
projeção de Projeção de Mollweide, dentre outras.
De acordo com SCHÄFER, (2003) em cartografia uma projeção é
caracterizada de acordo com o olhar de quem a elabora e é escolhida de modo a
selecionar e manter a correspondência que será mantida, reconhecendo as
distorções que irão aparecer de acordo com a intecionalidade.
Na confecção de um globo podem ser utilizadas técnicas variadas de acordo
com a finalidade, no entanto alguns elementos são indispensáveis ao
reconhecimento das informações constantes no mesmo, tais como:
A rede de coordenadas com identificação do Meridiano de Greenwich e da
linha do Equador;
A escala, em geral colocada junto à escala;
A legenda, destacando os símbolos não convencionais, em geral colocadas
sobre as áreas oceânicas;
O arco do meridiano em que aparecem os valores de latitude;
Um círculo ou calota, em geral de plástico, sobre o Pólo Norte e onde há
marcação para leitura das horas.
A presença destes elementos, mais a
qualidade da impressão, assegurando nitidez
das cores e dos símbolos, além da precisão
dos traçados conferem a um globo a
qualidade técnica, que potencializa a sua
leitura, que consiste na decodificação de seus
símbolos. A leitura do globo depende da Foto 6 – Autoria: Renata Nunes
compreensão dos símbolos e códigos utilizados para representação do real e para
tanto existem os códigos pré-estabelecidos, tais como as linhas, as cores, e os
símbolos indicativos dos fenômenos ordenados. Esses símbolos devem falar por si.
Razões para utilização do globo:
É a representação que mais se aproxima da realidade, porque a
forma de um globo é muito semelhante à da terra;
42. 41
Mostra em totalidade, os continentes, os oceanos e outros
importantes elementos físico-geográficos da terra;
Dá uma visão geral dos aspectos físicos e da divisão política de
nosso planeta;
Traz a rede de coordenadas geográficas (paralelos e meridianos)
completa e sem distorções;
Permite o cálculo direto das distancias mais curtas e o traçado de
rotas para navegação;
Pode ser movimentado, posicionando o eixo terrestre de diferentes
maneiras, fugindo à visão estereotipada de norte e sul embaixo que se
constrói por uma leitura inadequada dos mapas, que não podem ser
reposicionadas, com este objetivo, com a mesma facilidade;
Possibilita a simulação dos movimentos da terra e a conseqüente
compreensão da sucessão dos dias e das noites, das estações do ano, dos
fusos horários, dos eclipses, etc;
Suscita muitas indagações e reflexões naqueles que o movimentam
e o consultam;
É um objeto que magnetiza a atenção em qualquer faixa etária
(SCHÄFFER, et al, 2003, p. 39).
5.6.2 Mapas táteis
De acordo com LOCH (2008, p.39) “[...] a cartografia tátil é um ramo
específico da Cartografia, que se ocupa da confecção de mapas e outros produtos
cartográficos que possam ser lidos por pessoas cegas ou com baixa visão” e os
mapas táteis [...]” e “[...]são representações gráficas em textura e relevo, que
servem para orientação e localização de lugares e objetos às pessoas com
deficiência visual”. A Geografia necessita situar com precisão na superfície da
Terra, aquilo que quer estudar e analisar, assim o mapa sempre foi um importante
instrumento de comunicação entre os homens desde os mais remotos tempos.
Foto 7 – Autoria: Kátia dos Santos
43. 42
Inicialmente, com as movimentações humanas pelo espaço terrestre, tornou-
se necessário à busca por uma forma de representação do mesmo que
possibilitasse registrar pontos de referência e localização das fontes de alimentos.
Com o posterior desenvolvimento humano, os mapas são utilizados pela totalidade
com maior ou menor intensidade para expressarem-se espacialmente com as mais
variadas finalidades. Isto exige, portanto, não somente uma escritura do mesmo,
mas também uma forma de interpretação dos significantes presentes. (OLIVEIRA,
2007).
[...] o mapa ocupa um lugar de destaque na Geografia, porque é ao mesmo
tempo instrumento de trabalho, registro e armazenamento de informação,
além de um modo de expressão e comunicação, uma linguagem gráfica
(OLIVEIRA, 2007, p.16.).
De acordo com ALMEIDA (2007), a representação gráfica da linguagem oral
nasceu da necessidade de mantê-la em depósito, de modo organizado e que
possibilitasse sua divulgação, sendo detectável através da visão, o mais eficaz meio
na difusão de idéias por sua abrangência, sendo os demais sentidos
complementares.
A pessoa com deficiência visual conta somente com a audição e o tato e
quando possível com graus residuais da visão, o que prejudica sua percepção de
espaço e das relações espaciais, essenciais ao cotidiano humano. A linguagem
escrita foi substituída pelo sistema braille, mas uma:
[...] imagem espacial não pode ser transcrita e comunicada pela
linguagem convencional e por essa razão necessita de uma linguagem
gráfica própria, passível de ser percebida pelo tato e também comunicada
pelos sons (Almeida, 2007. p.119).
A percepção do ambiente e o ensino de conceitos espaciais para pessoas
com deficiência visual têm sido prejudicados devido à limitada disponibilidade de
material gráfico. Sendo assim a elaboração de mapas táteis, torna-se indispensável
como forma de auxiliá-los a formarem e organizarem suas imagens mentais,
podendo funcionar como um recurso educativo a mais em seu processo de inclusão.
Fatores como tempo e custo de produção, a falta de apoio financeiro e de pessoas
especializadas na produção tem dificultado a utilização dos mesmos.
Quanto à confecção de mapas táteis, esses exigem conceitos e regras
distintas como, por exemplo, um maior grau de generalização, omissões e
44. 43
distorções que os tornem mais eficientes no atendimento de seus propósitos. Devem
ser apresentados de modo tal que permita com que sejam trabalhados menos
conteúdos por vez, facilitando a apreensão.
É relevante que no processo de construção de mapas táteis, sejam
respondidas algumas questões básicas, como por exemplo, buscar definir quais são
as limitações mais significativas, seu grau de atuação e possíveis formas de
superação
Além disto, é importante fazer uma releitura das variáveis visuais conhecidas
para outras que possam ser apreendidas pelo tato, como a utilização de diferentes
texturas, tamanhos, cores fortes no caso das pessoas com algum grau de visão
residual. (ALMEIDA. R. A., 2007)
5.7 Cronograma
Tabela 2 – Atividades previstas
Março Abril Maio Junho Julho
Levantamento Produção Escrita Últimas Dia 01:
de da oficina do
Verificações Apresentação
Instituições e (1 semana) trabalho
Escolas do trabalho
Levantamento Aplicação Revisão
Bibliográfico da oficina do
(1 semana) trabalho
Realização de Assimilação Revisão
entrevistas dos final
resultados
45. 44
6. – CAPÍTULO 5 – O COTIDIANO ESCOLAR A PARTIR DA
VIVÊNCIA, DO EXPERIMENTADO: HISTÓRIA ORAL DE
COORDENADORES, PROFESSORES E ALUNOS
6.1 Entrevista 1 - Presidente do Instituto Braille do Espírito Santo – Sr.
Altamares de Freitas
Entrevista realizada pelo graduando Fernando Domingos Vieira Sartório, no mês de
março de 2010, em Vitória/ES, com o Presidente do Instituto Luiz Braille do Espírito
Santo, Sr. Altamares de Freitas.
Fernando: Qual o seu nome e a sua formação?
Sr. Altamares: Altamares de Freitas, eu sou formado em Direito, sou advogado, né?
Sou formado também em Administração de Empresas.
Fernando: Você está a quanto tempo à frente da Instituição?
Sr. Altamares: Dia 30 de setembro de 2008 fui eleito e tomei posse em outubro do
mesmo ano.
Fernando: Tomou posse em 2008, né? Setembro.
Sr. Altamares: Fez um ano agora em outubro.
46. 45
Fernando: E como surgiu essa oportunidade de trabalhar aqui, com as pessoas com
deficiência visual?
Sr. Altamares: Aconteceu através de um convite. Um amigo que era presidente do
conselho me convidou para ser conselheiro do Braille, e falei que não tinha tempo...
Fernando: Você não tinha experiência?
Sr. Altamares: Não. E acabou que ele insistiu e eu acabei aceitando, reunião era
uma vez ou outra, reunião de Conselho, né? Eu aceitei. Depois ele foi candidato a
presidente e cismou que eu tinha que ser o tesoureiro dele. Eu não queria nem ser
tesoureiro não, mas acabou que eu nunca fui tesoureiro em lugar nenhum. Acabei
aceitando, de tanto que ele insistiu. “Não, tem que ser você.” E eu fui um tesoureiro
diferente dos outros que entraram aqui. Tesoureiro tem que acompanhar o que há
de fato.
Fernando: O que estava acontecendo...
Sr. Altamares: Lógico. Eu tenho o relatório desde o primeiro cheque que eu assinei
aqui como tesoureiro. Aí depois o... esse presidente renunciou, perdeu a outra
eleição e eu continuei como tesoureiro. Eleição para presidente, e eu continuei como
tesoureiro. E no final do mandato eles me indicaram para ser presidente e foi por
aclamação, me elegeram por aclamação.
Fernando: Aqui o senhor é tesoureiro desde...
47. 46
Sr. Altamares: Não, eu sou presidente.
Fernando: É. Agora o senhor é presidente, mas antes, quando o senhor começou o
senhor era tesoureiro desde que ano, mais ou menos?
Sr. Altamares: Acabou em 2008, não é? São três anos... 2005 parece.
Isso, três anos.
Fernando: O senhor sabe me dizer qual é a forma correta de se referir aos
indivíduos com deficiência visual? Se tem alguma forma de dizer...
Sr. Altamares: É pessoa com deficiência visual.
Fernando: Pessoa com deficiência visual? Sem problema nenhum?
Sr. Altamares: É.
Fernando: Então eu posso chegar e abordá-los dessa forma que não vai haver
nenhum tipo de problema?
Sr. Altamares: De jeito nenhum, é uma pessoa com deficiência visual. Mas eles não
têm nenhum complexo quanto à maneira de tratá-los.
Fernando: São tranqüilos em relação a isso, não é?
48. 47
Sr. Altamares: São. Acabei de receber um que trabalhou aqui agora, que está lá em
cima, tem tempo que ele não vem aqui. E ele tem formação superior, tem dois
empregos, ele é professor. A esposa dele também tem formação superior e eles
saíram daqui, trabalha na prefeitura, tem dois empregos.
Fernando: Então, para eles é tranqüilo, né? Já é assim... integrado na sociedade,
não é?
Sr. Altamares: Já.
Fernando: Quais são os projetos desenvolvidos aqui no Instituto? O que o Instituto
faz?
Sr. Altamares: O Instituto na verdade, ele está recomeçando, entendeu? Passou por
uma fase meio difícil e hoje nós temos aqui artesanato, aula em braile, nós temos,
né? Tem os artesanatos...
Fernando: Semanalmente, não é?
Sr. Altamares: Os dias certos eu não sei. Só a parte da educação, lá vai saber te
informar. Mas nós temos aula em Braille, artesanato, temos também um início de
uma industrialização de bengalas, também cabide... Tudo em fase inicial por falta de
recursos, se tivesse recursos...
49. 48
Fernando: E o recurso vem de onde? Vem do governo?
Sr. Altamares: Nossos recursos não vêm do governo, nossos recursos vêm, todos,
de pessoas que doam.
Fernando: Tudo doação?
Sr. Altamares: Tudo voluntariamente, as pessoas que querem contribuir. E quem vai
buscar esses recursos são os deficientes visuais. É um trabalho para eles, eles
ganham comissão pelo trabalho que fazem, mas eles têm que pagar também um
guia.
Fernando: E por enquanto, esse trabalho que é desenvolvido aqui, ele é voltado
para qual faixa etária, mais ou menos? Para as pessoas mais velhas...
Sr. Altamares: Nós não temos essa discriminação de faixa etária, desde que a
pessoa tenha condições de aprender, né? Por exemplo, o grupo, nosso maior, de
artesanato ele é já... quase que terceira idade. São mais adultos, não é?
Fernando: Então, pelo tipo de oficina, acaba atraindo mais um público, não é?
Sr. Altamares: É, acaba atraindo. Nós temos dança aqui. Nós estamos começando
agora uma parceria com um... com a comunidade aqui de... A escola de lá precisava
de espaço, nós cedemos o espaço desde que atenda os nossos deficientes. É uma
coisa que está começando agora...
50. 49
Fernando: Com criança... como é que é?
Sr. Altamares: Qualquer idade.
Fernando: Qualquer idade.
Sr. Altamares: Aula de percussão também. A criançada está aprendendo percussão.
Vai começar agora aula de teclado.
Fernando: Então vocês trabalham com várias oficinas para atender o público em
geral?
Sr. Altamares: Várias oficinas. Nós estamos em fase de formação dessas oficinas
exatamente por falta de recursos. Então nós temos que fazer tudo devagar, muito
lento...quer dizer, tudo envolve investimento, não é?
Fernando: Mas não existe, assim, nenhum pedido que vocês fazem às instituições,
aos organismos do governo, e eles se recusam a atender? Ou eles ajudam? Como é
que funciona?
Sr. Altamares: Não, não recusa a atender. Hoje o Instituto tem problemas de... da
certidão negativa, por exemplo, federal, por causa do terreno de marinha. Porque
nós temos direito a isenção. Nós já entramos com o processo, ganhamos em
primeira instância. Aí, demora um pouco para sair essa certidão. Nós temos uma
dificuldade grande com o alvará da Vigilância Sanitária, por falta de obra. Nosso
prédio é grande. Envolve um investimento grande. Então, nós não temos recursos.
Nós precisamos de recursos para poder fazer as obras. O recurso público para vir
51. 50
aqui, depende do alvará da Vigilância Sanitária e de outras certidões também. Então
é impossível a gente conseguir hoje, o alvará da Vigilância Sanitária. Nós tínhamos
aqui, pessoas morando aqui. Juntamente com o Ministério Público e a Prefeitura,
houve a remoção dessas que moravam aqui. Já não tem hoje, ninguém morando
mais. Então, as exigências são menores. Eu estou aguardando o relatório da
Vigilância Sanitária, para ver qual a obra que a gente vai ter que fazer, para a
gente... ver se a gente faz a obra com um investimento menor, porque não tem
gente morando.
Fernando: E até para contratar profissional, então, vocês tem dificuldades, não é?
Sr. Altamares: Tudo, exatamente. Sem recurso nós não temos condições.
Fernando: Quer contratar gente para oferecer e tem dificuldades...
Sr. Altamares: Exatamente. Eu estou com um laboratório de informática, eu estou
com o espaço lá, até mandei fazer a instalação já. E estou com um convênio
aprovado com a Fundação Bradesco, mas a Fundação Bradesco não paga um
profissional. E eu preciso de parceria para pagar um professor. E o professor que
vem pela Fundação Bradesco, se interessou por isso, ele é cego e tem um cão-guia.
O único cego que tem um cão-guia aqui em Vitória. Ele correu atrás disso,
exatamente para ele ser o professor. Então nós temos que dar preferência a ele,
para ele dar aula nesse caso. Mas mesmo se não tiver esse... nós estamos
montando, até sem a Fundação Bradesco, nós vamos ver se nós montamos, nós
mesmos montamos devagar... computador doado... Entendeu?
Fernando: Aos poucos...
52. 51
Sr. Altamares: As instalações estão prontas e falta a gente... conseguir os
computadores todos.
Fernando: E a verba para poder subsidiar o... a manutenção e o professor.
Sr. Altamares: O professor. Exatamente, a manutenção e o professor.
Fernando: Então, a Instituição se mantém de doações. Geralmente essas doações
vêm de onde? Da população? Dos cegos que vão buscar?
Sr. Altamares: Da população. Da população que faz uma proposta, não é? Eles se
propõem a todo o mês dar uma contribuição. Quem vai buscar é o deficiente visual.
E é um trabalho para ele, que ele também ganha comissão para isso.
Fernando: Então os recursos que vocês oferecem são as oficinas, o laboratório... Ok
é isso então. Eu anotei algumas coisas...
Sr. Altamares: Lá em cima está funcionando. Se você quiser visitar o artesanato do
pessoal, eles estão trabalhando lá em cima. Se você quiser olhar.
Fernando: Eles estão trabalhando lá?
Sr. Altamares: Se você quiser olhar, eles estão fazendo o artesanato deles.
53. 52
Fernando: Então... eu vou lá.
6.1.1 Análise da Entrevista 1
O Instituto Braille do Espírito Santo está localizado no bairro Jesus de
Nazaréth na cidade de Vitória, Espírito Santo. O Instituto possui uma edificação de
grande porte, com tamanho suficiente para atender a demanda de deficientes
visuais da cidade.
Apesar de toda a infraestrutura que o Instituto dispõe no que diz respeito ao
espaço físico, existem diversos entraves que dificultam a realização do trabalho de
forma eficaz e efetiva.
O diretor do Instituto, Sr. Altamares de Freitas, reclama por investimentos de
infraestrutura que precisam ser feitos com urgência, no entanto, não há verba
suficiente para tais. Toda a arrecadação do Instituto é oriunda de doações populares
e de Instituições privadas que se propõem a investir no local.
Apesar de todas as dificuldades, o Instituto Braille do Espírito Santo, capacita
os cegos que o procura, através de oficinas de artesanatos - artesanatos estes que
são vendidos para a comunidade em geral - além de aulas de Braille para os
deficientes visuais que procuram aprender a ler e a escrever.
Não existe distinção de idade no momento de aprendizagem no Instituto
Braille do Espírito Santo. Pessoas de todas as idades que o procuram, têm acesso
ao que o mesmo proporciona. Oficinas de percussão são oferecidas aos jovens.
Além disso, a fim de promover um ambiente de integração com a sociedade em
geral, o Instituto promove encontros, feiras, que levam a sociedade a se mobilizar
em favor dos deficientes visuais.