1. Monarquias
Monarquias
Nacionais
Nacionais
“A mão dos reis é muito forte: em virtude de um direito consagrado de seu ofício
eles reprimem a audácia dos tiranos todas as vezes que pretendiam provocar guerras,
buscavam satisfação em pilhar sem fim, em arruinar os pobres, em destruir as igrejas.”
Abade Suger. Vida de Luís VI. Citado por Arondel. M.
O
feudalismo enquanto ordem polí
tica foi seriamente atingido pelas
mudanças do Renascimento Co
mercial. A exagerada autonomia
desfrutada pelos senhores feudais revelou-se incom-
patível com a dinâmica sociedade que nasceu a par-
tir do século XII. Com isso, o final da Idade Média
foi marcado por um tremendo descompasso. De um
lado, a expansão do comércio e a prosperidade eco-
nômica; de outro, uma realidade política fragmenta-
da e superada que admitia a ilimitada autoridade dos
nobres feudais.
Concretamente o feudalismo começava a sua
despedida da história. No seu lugar despontava o
capitalismo na sua fase ainda comercial. A transição
para o capitalismo exigia mudanças de ordem políti-
ca, pois era impossível o comércio prosperar numa
estrutura fragmentada e dividida da Ordem Feudal.
Cada feudo tinha suas leis, moeda particular e im-
postos determinados pelo senhor feudal. A centrali-
zação política e a formação das monarquias foram con- Castelo
seqüências naturais das transformações que se vassalos. Como vimos, todos os nobres eram interliga- construído em
dos pelo esquema de suserania e vassalagem. À medida 1190 pelo rei
edificavam no plano econômico. Ricardo da
As primeiras tentativas de centralização ocor- que suseranos foram aumentando o poder através de Inglaterra, como
reram no século XII, em vários reinos do continente guerras e conquistas de terras, tiveram de imediato o parte de uma
europeu. A porta aberta para a formação das monar- apoio dos nobres vassalos submetidos ao juramento de cadeia de fortes
lealdade. guardiães do
quias se deu através da relação entre suseranos e ducado da
Normandia. Em
1204, o exército
real de Filipe II da
França, rompeu
“O modo de produção feudal, apesar de alguns progressos técnicos significativos, não as muralhas e
foi capaz de elevar suficientemente a produtividade do setor agrário. O maior volume de invadiu o local.
produtos deveu-se muito mais à extensão das áreas de cultivo, que colocara novas terras no
circuito da produção. O aumento populacional esbarra, já a partir do século XII, em um
desnível entre a demanda e a oferta de alimentos. Os preços elevam-se, e a produtividade
decai. O modo de produção feudal não foi capaz de encontrar soluções internas. O suprimento
da Europa Ocidental pelos mercadores que iam buscar cereais em áreas distantes não resolvia
o problema do esgotamento interno”. In. Monteiro, Hamilton. O Feudalismo. Série Princípios.
2. NAÇÃO É CONCEBIDO COMO UM GRUPO DE PESSOAS UNIDAS POR LAÇOS NATU-
RAIS E POR TANTO ETERNOS - OU PELO MENOS EXISTENTES - E QUE, POR CAUSA DES-
SES LAÇOS, SE TORNA A BASE NECESSÁRIA PARA A ORGANIZAÇÃO DO PODER SOB A
FORMA DO ESTADO NACIONAL. In. Bobbio Norberto. Dicionário de Política.
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Entretanto apesar do título real, eles ainda rei-
navam, mas não governavam. A mudança do quadro GUERRA DOS CEM ANOS
gerou os esboço das nações européias.
Na época os suseranos mais poderosos eram Em meio ao processo de consolidação das mo-
normalmente aclamados com o título real, pois quanto narquias eclodiu em 1328 o conflito mais prolongado
maior o número de vassalos maior a quantidade de ca- da História. A Guerra dos Cem Anos foi o extremo
valeiros, armas e reservas monetárias. Para submeter das centenárias rivalidades entre França e Inglaterra e
os nobres que não tinham laço de vassalagem com os após o seu término em 1453 mudaria as feições políti-
suseranos, foi preciso um longo período de guerras até cas das duas nações. O início do conflito está ligado à
que se estabilizassem as monarquias. Por tudo isso, a sucessão de Filipe, o Belo, da França, que permitia a
centralização política foi um processo lento consolida- possibilidade de Eduardo II, da Inglaterra assumir o
do apenas no início da Idade Moderna, e mesmo assim trono francês. A brecha se deu porque uma das filhas
em algumas monarquias. de Filipe, o Belo, havia se casado com um nobre in-
As monarquias feudais tiveram o importante glês, deixando como herdeiro legítimo ao trono da
apoio financeiro dos comerciantes interessados na uni- França, o inglês Eduardo III. Os franceses rejeitaram
ficação da moeda e na regularidade dos impostos. Mes- o sucessor inglês, amparados na Lei Sálica que proibia
mo sem apossar-se do poder político, a burguesia tinha candidatos ao trono de linhagem materna. É claro que
muito a lucrar com a formação das monarquias a supe- esse episódio era a gota
ração dos entraves feudais. No processo de consolida- d’água de um acúmulo de ten-
ção política o capital burguês foi muito útil na amplia- sões que explodiram com o
ção dos exércitos sobretudo após a utilização da pól- início da guerra.
vora nas armas e nos canhões. Embalava o conflito
Enquanto a burguesia abria seus cofres, a Igreja um forte espírito nacionalista,
Católica agiu de forma oposta. Desde o início a Igreja motivado pela afirmação das
não aceitou a formação das monarquias, alegando que monarquias. Os próprios reis
a cristandade já era governada pelo papa, representan- estimulavam o nacionalismo,
te legítimo de Deus na terra. Por trás da recusa estava incitando a população ao com-
o medo perder a condição de única instituição centrali- bate. Embora tenha um nome que indique longa dura-
zada e hierarquizada. A formação das monarquias ti- ção, a Guerra dos Cem Anos não se desenvolveu
rou da Igreja Católica o poder temporal. Daí em diante ininterruptamente pois aconteceram algumas interrup-
foi obrigada a se contentar com o poder espiritual, o ções. A pior de todas causada pela terrível peste ne-
que não era pouca coisa. Nas monarquias católicas da gra.
época Moderna obteve prestígio social e foi coadju- Na primeira fase, a Inglaterra conseguiu ampla
vante política dos monarcas absolutistas. vantagem, destacando-se a batalha de Crecy. Curioso
que nesse combate, os franceses levaram arqueiros
genoveses munidos de uma arma revolucionária — a
besta.
O Tempo da História
Séculos XIII - XVI UNIÃO DE Guerra dos Cem Anos
REIS E
Formação das Monarquias BURGUESIA 1337 - 1453
França x Inglaterra
Unidade: política
. Sucessão da coroa francesa
econômica
. Disputa pela região de Flandres
monetária
jurídica . Objetivos Nacionalistas
3. A novidade era o longo alcance atingido pela O desespero motivou o aparecimento de diver-
flecha, mas o problema era que até o arqueiro carregar sas seitas religiosas, provocando o descontrole da Igre-
a arma, demorava pelo menos 2 minutos. Já os ingle- ja, impedida que estava de propagar as loucuras místi-
ses, com as flechas convencionais, conseguiam uma cas. Tinha de tudo: culto à morte, à autoflagelação, ao
distância mínima de 400 metros e uma média de 5 fle- demônio, etc. Algumas dessas seitas pregavam a rigo-
chas por minuto. Vitória inglesa. Mas não definitiva. rosa abstinência sexual, considerada por eles, a causa
Em meados do século XIV, a Europa teria de conviver de tantas mortes. A Igreja respondia perseguindo, jul-
com o flagelo da morte generalizada. gando e lotando os tribunais de Inquisição. O livro “Os
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Queijos e os Vermes” conta a história de um pobre
moleiro que foi levado a julgamento por ter cometido a
PESTE NEGRA “heresia” de supor que o mundo surgira dos fungos,
como nos queijos quando ficam envelhecidos.
O nome Peste Negra deriva das manchas pre- Na mesma época da peste surgiram várias rebe-
tas que se alastravam pelo corpo todo. Em três dias o liões camponesas, a exemplo, da Jaquerie, na França.
doente vomitava sangue, alastravam-se os furúnculos Milhares de camponeses descontrolados invadiram cas-
e a morte era quase que inevitável. Cientistas e histori- telos, cidades, enfrentando o exército de nobres senho-
adores identificam a Peste Negra como uma variação res. Deu trabalho para acabar com as rebeliões e muitas
da peste bubônica, provavelmente trazida por ratos, cabeças terminaram rolando. Os nobres não se intimi-
em navios vindos do Oriente. Em 1348, a peste che- daram lutando contra a desesperada massa camponesa.
gou à Itália. Nesse mesmo ano atingiu a França. A O resultado foi a destruição de aldeias inteiras e a mor-
Inglaterra foi atingida, em 1349 e a Alemanha, em 1350. te de centenas de pessoas. A situação era no mínimo
É impossível descrever o horror causado pela peste. dramática: guerra da França com a Inglaterra, Peste
Faltava comida e as plantações foram abandonadas, Negra e revoltas camponesas. O drama parecia ser mai-
pessoas fugiam e o comércio praticamente parou. As or para os franceses, afinal estavam perdendo a guerra
rotas terrestres foram abandonadas. Escolas interrom- e foi na França que a peste fez o maior número de víti-
peram suas atividades e a investigação científica prati- mas.
camente estagnou.
A ültima grande batalha da Guerra dos Cem Anos aconteceu no mar. Foi no dia 24 de junho de 1340, ao
largo do porto de Sluis, em Flandres, onde mais de duzentos navios tinham se concentrado para uma projetada
invasão da Inglaterra. Os ingleses estavam em minoria, mas seus arqueiros plantados em plataformas
especialmente construídas na popa dos barcos, podiam disparar flechas com muito mais rapidez do que os
besteiros genoveses empregados pelos franceses.
Desalojados de seus conveses pela barragem inicial dos projéteis, os soldados que lotavam os barcos
franceses não tiveram tempo de escapar. A maioria dos navios franceses foi afundada ou capturada. A vitória deu
aos ingleses o controle temporário do canal da Mancha e
permitiu-lhes desembarcar tropas sem oposição em
qualquer lugar da costa francesa nos vinte anos
seguintes. In. Geoffrey Parker. A Guerra dos Cem Anos.
História em Revista. Coleção Time-Life. pág.22/23
4. Na guerra dos Cem Anos, a Inglaterra conse- A PESTE NEGRA NA ABORDAGEM
guiu assegurar a vantagem até 1415, destacando-se a DE HERMAN HESSE NO LIVRO NARCISO
grande vitória de Henrique V na Batalha de Azincourt.
E GOLDMUND
O rei guerreiro conseguiu um feito notável, massacran-
do os franceses com o ataque de milhares de flechas.
“O que o esperava era pior do que aquilo que
Também essa foi a última vitória inglesa, porque a par-
podia imaginar. Começou logo a evidenciar-se nas pe-
tir desse período a França começou a reviravolta, co-
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quenas propriedades e aldeias, prolongou-se e foi fi-
mandada por uma estranha e mística camponesa cha-
cando cada vez mais terrível, à medida que ele avança-
mada Joana D’Arc. A moça estava convencida de ou-
va. A região inteira, o país imenso encontrava-se sob
vir a voz de Deus e terminou persuadindo o rei Carlos
as sombras da morte, sob o véu de horror, medo e
VII a enviar tropas contra os inimigos ingleses. O in-
obscurecimento da alma; o pior não eram as casas va-
crível é que deu certo, pois as tropas francesas come-
zias e abandonadas ou os cães acorrentados e mortos
çaram a ganhar sucessivos combates. Pessoalmente
de fome, os cadáveres atirados por ali, insepultos, as
Joana D’Arc teve um triunfo efêmero, porque foi logo
crianças pedindo esmolas, as valas coletivas à entrada
aprisionada e queimada viva pelos ingleses. Dizem as
das cidades. O mais ignominioso eram os vivos que
“más línguas” que as tropas francesas não moveram
pareciam ter perdido seus olhos e suas almas, sob o
uma palha e a pobre coitada morreu na fogueira.
peso do pavor e do medo da morte. O caminhante ou-
viu e viu coisas espantosas e horrorosas: pais abando-
navam seus filhos; maridos, suas mulheres tão logo con-
traíam a doença. Os carregadores e os beleguins dos
hospitais agiam como se fossem carrascos, pilhando as
casas cujos habitantes haviam morrido, ou deixando, a
seu belo prazer, os cadáveres insepultos, arrancando
Por “indicação das camas os agonizantes, mesmo antes de exalarem o
divina”, uma último suspiro, jogando-os nas carretas juntamente com
mulher recebeu a
missão de salvar
os cadáveres.
a França e coroar Cada qual julgava conhecer o causador disso
o rei. Designada tudo, os culpados pela epidemia, seus perversos auto-
como “chefe de res. Tratava-se, diziam, de criaturas demoníacas, sádi-
guerra” por
Carlos VII, Joana
cas, cuidando da propagação da morte, extraindo dos
d’Arc libertou as pesteados o veneno da epidemia e com ele esfregando
cidades muros e maçanetas das portas e envenenando poços e
francesas de animais. Aquele que caísse na suspeita desses algozes
Orleans e Reins,
sendo o rei
estava lamentavelmente perdido, a não ser que fosse
solenemente avisado com antecedência, para poder fugir. Caso con-
coroado nesta trário, era castigado com a morte, julgado pela justiça
última. Cumprida ou pelo populacho.
sua missão, a
heroína começou
Além disso, os ricos acusavam os pobres e vice-
a se tornar versa ou então eram os judeus os culpados, os suíços,
incômoda para o ou mesmo os médicos. Numa cidade, Goldmund assis-
rei que nada fez tiu, com o coração confrangido, como ateavam fogo a
para salvá-la A Guerra dos Cem Anos terminou com vitória
quando foi
uma rua habitada por judeus; iam de casa em casa e,
francesa. A derrota inglesa motivou a dissensão inter-
aprisionada e em volta, a caterva ululava. Os pobres fugitivos que,
na. Durante três décadas nobres ingleses lutariam entre
condenada à gritando, procuravam escapar às chamas, eram empur-
morte. Quadro à si na guerra das “Duas Rosas”. O conflito teve um ponto
rados para dentro do fogo, pela força das armas. Na
óleo - Coroação final após a ascensão da dinastia Tudor ao poder, inau-
de Carlos VII.
loucura do medo e da ira, inocentes eram trucidados,
gurando uma hegemonia de muitas décadas. Para os
queimados e torturados. Goldmund assistia com ódio
envolvidos na Guerra dos Cem Anos o desfecho foi o
e nojo à exibição de um mundo perturbado e envene-
menos importante, porque ambos saíram fortalecidos
nado, sem alegria, sem inocência, sem amor para dar.
enquanto nação. 1453 - O ano de término da guerra, é
Muitas vezes fugia também para as orgias dos folgazões;
marcado pela coincidência da invasão turca em
em todos os lugares soava o violino da morte; logo
Constantinopla. Convencionou-se dizer que a invasão
aprendeu a reconhecer seu som. Muitas vezes partici-
simboliza o fim da Idade Média. Porém, mais uma vez,
pava dos festins malditos; vezes houve em que tomava
a despedida de uma época forjava os elementos
parte, tocando seu alaúde, ou dançando à luz das tochas
constitutivos da nova ordem. Formava-se a trilha da
de pez, através de noites febris”.
História em direção à Idade Moderna.
Herman Hesse. Narciso e Goldmund. Editora
Record. Pág 171/173.
5. PARA VOCÊ
SABER
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MAIS.
A marcha da
Peste Negra
punição divina à maldade dos homens
parecia, no século XIV, a única ex-
plicação possível para a série de
golpes devastadores sob os quais o
mundo inteiro tremeu. Durante o primeiro quarto do sé-
culo, a Ásia foi atormentada por sucessivas enchentes,
fomes, secas e terremotos; na Europa, onde desde 1250 o
clima se tornara mais frio e úmido, as colheitas fracas-
savam periodicamente e as comunidades superpovoadas
sofriam fomes e doenças. O pior estava por vir. Do Extre-
mo Oriente veio um mal de virulência sem precedentes
que, entre 1346 e 1352, arrastou pelo menos um terço da
população européia. A maior onda de mortalidade que
jamais varreu o mundo ficaria conhecida como Peste
Negra.
A doença atacava de três formas, todas causadas
pela bactéria Pasteurefia pestis. A peste pneumônica
atacava os pulmões e a septicêmica infectava a corrente
sangüínea. A peste bubônica, a terceira e mais comum, derivava seu nome das
tumefações do tamanho de um ovo, conhecidos como bulbos ou bulbões, que Flagelantes
apareciam no pescoço, nas axilas ou nas virilhas do doente nos primeiros está- uniformizados,
gios do mal; depois vinham a febre alta e o delírio. Os de constituição mais forte chicotes aos
poderiam sobreviver o suficiente para experimentar a dor lancinante da ruptura ombros, seguem
em procissão
dos bulbos. Em geral, a morte era o único alívio para a dor. atrás do superior
Os sábios colocaram a culpa da infecção da irmandade, ao
no movimento dos planetas, na putrefação do ar qual juraram
pelos cadáveres, ou no contato com corpos ou obediência. O
movimento dos
roupas infec-tadas. Chegou-se a sugerir que o flagelantes
mero olhar de um doente era fatal. Os verda- tornou-se
deiros culpados, os ratos que infestavam a preponderante na
maioria das casas da época e cujas pulgas Alemanha em
1349. A princípio
estavam contaminadas com a bactéria da peste, foi tolerado pela
só seriam identificados muitos séculos depois. Igreja, mas
Quando os ratos morreram e a população de acabou banido
roedores declinou, as pulgas se voltaram para o em 1349.
sangue quente dos humanos.
6. O mecanismo terrível da peste parece
ter sido posto em movimento no deserto de
Cobi, na Mongólia. No final da década de
1320, ali irrompeu uma epi-demia entre os
roedores e fez suas primeiras vítimas entre
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os cavaleiros nômades mongóis, que espa-
lharam a doença por todo seu extenso
império. As rotas comerciais do Caminho da
Seda, pelo qual seda e peles iam da China
para oeste, expuseram toda a Ásia central à
doença; em 1345, Astracan, às margens do
rio Volga, e Caifa, junto ao mar Negro, já
tinham sucumbido às pulgas infectadas que
saltavam de carregamentos de peles.
O mar Negro marcava o fim das rotas
comerciais terrestres que vinham da China e
o começo das marítimas que levavam à
Europa. No final de 1347, os ratos que
infestavam os porões dos navios mercantes italianos já tinham levado a pestilência para
os portos do Mediterrâneo, de onde alcançou rapidamente a costa atlântica da França.
A Inglaterra pagou caro por seus vinhos de Bordeaux: dentro de um ano, a Peste Negra
era importada inadvertidamente junto com o clarete. Em 1352, já se espalhara para a
Escandinávia, Alemanha, Polônia e, por fim, chegou à Rússia.
Quatro anos após sua entrada na Europa, a Peste Negra ceifara
mais de 20 milhões de vidas.
O escritor italiano Boccaccio, cujo Decamerão foi conce-
bido como uma coleção de histórias contadas por cidadãos em
fuga da infestada cidade de Florença, registrou uma variedade
de reações entre os sobreviventes. Alguns só pensavam em
salvar a própria pele, com o único objetivo de “fugir dos doentes
e de qualquer coisa que pertencesse a eles”. Outros procuravam
se esquecer no prazer sem freios: “Dia e noite, iam de uma
taverna para outra, bebendo e farreando desenfreadamente.
Uma terceira reação, mais moderada, era continuar a vida
normalmente, mas com a precaução de levar buquês de flores
perfumadas para confortar o cérebro com esses odores, em
especial porque o ar estava opressivo e cheio do fedor de
decomposição, doença e remédios”.
A devastação causada pela Peste Negra tinha passado
seu auge no início da década de 1350, mas aconteceram novas
Cristãos irrupções nas décadas seguintes e a doença persistiu na Europa até o início do século
observam
com
XVIII. O declínio maciço da população transformou a relação entre as pessoas e os
satisfação recursos. Tendo em vista que a mão-de-obra se tornou escassa, a força de trabalho
sinistra o sobrevivente pôde exigir salários altos, enquanto os preços da terra e dos produtos
acréscimo agrícolas caíam devido à ausência de demanda.
de lenha na
fogueira
As atitudes em relação à religião também mudaram. O clero em geral tinha mos-
onde judeus trado tanta fraqueza quanto qualquer outro grupo social durante os anos da peste e
estão sendo agora era visto como falível, concedendo-se portanto importância injustificada. Cultos
queimados místicos tornaram-se populares, e na arte religiosa a imagem da morte - freqüente-
vivos.
mente retratada como um esqueleto voraz levando os vivos para suas sepulturas -
passou a ser um motivo recorrente. Os falecidos eram representados em seus túmulos
horrendamente descarnados e torturados, testemunhas permanentes das imensas
cicatrizes sociais e psicológicas provocadas pela Peste Negra. (In. Given-Wilson,
Cristopher. A Marcha da Peste Negra. História em Revista. Time-Life. Pág. 8)
7. PARA VOCÊ
SABER
MAIS.
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Idade Média e Cultura
Os manuscritos ilustrados
urante o século XII Massacre dos Inocentes ou a Fuga
e até o século XV, a colunas, duas de texto e duas de
para o Egito. Nessas cenas, o trabalho
arte ganhou forma ilustrações. Cada coluna de texto
do artista ilustrador revela sua
de expressão contém quatro parágrafos, sendo que
qualidade em vários aspectos: o
também nos a cada um deles corresponde uma
drapeado das vestimentas, o desenho
objetos preciosos - ilustração, limitada por um círculo que
da anatomia do corpo humano e,
feitos em marfim, lhe serve de moldura. Na verdade,
ouro, prata decorados com esmalte - e trata-se mais de um livro de ilustra-
nos ricos manuscritos ilustrados. ções acompanhadas de pequenos
Esses manuscritos eram textos, do que de um livro de textos
feitos em várias etapas e dependiam sagrados enriquecidos com algu-
do trabalho de várias pessoas. mas imagens visuais.
Primeiro era necessário curtir de Da observação dos manus-
modo especial a pele de cordeiros ou critos ilustrados podemos tirar
vitelas. Essa pele curtida chamava-se duas conclusões: a primeira é a
velino e era usada no lugar do papel compreensão do caráter indivi-
dos livros atuais. Nas oficinas dos dualista que a arte da ilustração
mosteiros ou nos ateliês de artistas ganhava, pois se destinava aos
leigos, os trabalhadores cortavam as poucos possuidores das obras
folhas de velino no tamanho em que copiadas; a segunda é que os
seria o livro. A seguir, os copistas artistas ilustradores do período
sobretudo, a combinação da cor
dedicavam-se à transcrição de textos gótico tornaram-se tão habilidosos na
dourada com cores fortes como o
sobre as páginas já cortadas. Ao representação do espaço tridimen-
vermelho e o azul-escuro.
realizar essa tarefa, deixavam sional e na composição analítica de
Nessa época foi comum
espaços para que os artistas fizessem uma cena, que seus trabalhos
também a produção de uma bíblia
as ilustrações, os cabeçalhos, os acabaram influenciando as criações
chamada “moralizada”, pois era
títulos ou as letras maiúsculas com de alguns pintores. (In Graça Proença.
diferente das anteriores: apresentava
que se iniciava um texto. Esse História da Arte. Editora Ática. Pág.
apenas algumas passagens dos
trabalho decorativo ficou conhecido 72/73)
textos sagrados - e não o texto
com o nome de iluminura. integral, como as demais -, acom-
Um exemplo de manuscrito panhadas de muitas ilustrações feitas
medieval ilustrado é o Saltério de por artistas miniaturistas.
Ingeborg, que data de, aproxima- Uma dessas bíblias, famosa
damente, 1195. O nome desse manus- por sua beleza, é a chamada Bíblia de
crito está relacionado com seu Toledo, que pertenceu originariamente
conteúdo - uma coletânea de salmos - a Branca de Castela, rainha da França.
e com o nome da princesa Ingeborg, Nela encontramos, por exemplo, uma
da Dinamarca, para quem foi feito. página que descreve Jerusalém
As figuras que ilustram o Celestial tal como São João a conce-
saltério compõem cenas que procu- beu no Apocalipse. O espaço dessa
ram representar a ação, como O página está dividido em quatro