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O trabalho líquido
Por Edgar Powarczuk
Como as relações de trabalho poderão prosperar num contexto sem consistente
responsabilidade mútua, onde os propósitos de cada lado não estão claros? Se há
desconfiança de um lado, há falta de diligência do outro. Espera-se que os laços
sejam apertados ao ponto de manter a ligação equilibrada, mas não permanente.
Propõe-se admitir que convergências possam emergir e esvanecer de forma
combinada, dentro de limites convenientemente contratados.
Estamos em alerta para a dessincronia entre a rigidez das estruturas corporativas e a
fluidez digital, buscando entender a questão que envolve as relações de trabalho do
futuro: ser mais eficiente (fazer mais rápido) para ter mais tempo livre.
Chegamos neste ponto após décadas de dedicação à atividade profissional sem a
contrapartida adequada dos empregadores, criando uma geração de portadores
de Burnout1. A demanda de tempo que vai ao limite da capacidade de entrega
(somando a pressão competitiva; o enxugamento da equipe em tempos de recessão; e
a tecnologia digital inundando de mails todas as horas do dia e da noite).
Neste contexto, desde o “ócio criativo” do precursor De Masi, acompanhamos o
espraiamento de tendências que buscam a desaceleração (Quiet Bliss, Digital Detox,
FOMO, Monotasking...), muitas delas desfraldadas pela nova geração de millenials.
A desaceleração já não está mais relacionada apenas ao trabalho, mas também ao
lidar com a multipresença. Se a internet nos permite estar em algumlugar semestar
presente, cria-se a tensão entre o estar físico e mental na busca de uma identidade
primária. É uma luta para aquietar a globalização e suas tecnologias e tentar encontrar
um centro, um mundo dentro de si mesmo.
Esta mudança do comportamento individual, fluído e com múltiplas identidades, ganha
o nome de “modernidade líquida", teorizado por Zygmunt Bauman, em 20012. Nesta
sociedade líquida não sabemos lidar com a pressão, não queremos correr risco,
precisamos manter a possibilidade de aproveitar a vida de maneira plena, sem
encargos e tensões que não estamos aptos nem dispostos a suportar. Para
desconectar, basta um clique.
1 A síndrome de Burnout (do inglês to burn out, queimar por completo), também chamada de síndrome do
esgotamento profissional, foi assim denominada pelo psicanalista nova-iorquino Freudenberger, após constatá-la
em si mesmo, no início dos anos 1970.
2 Modernidade L[iquida, Zigmund Baumann, 2001.
A condição líquida no trabalho
Como essa condição líquida de Baumann respinga no nosso trabalho? As relações
entre a empresa e o novo trabalhador poderão prosperar num contexto sem
responsabilidade mútua realmente consistente, onde os propósitos de cada lado não
estão claros? Que alternativas são possíveis diante trabalhadores que desejam menos
vínculo e empresas que não funcionam com fluidez?
Para Baumann, há uma fragilidade que permeia as relações no trabalho: os novos
funcionários têm menor laço com a empresa, sem comprometimento de longo prazo.
Os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes
e assim, para evitar uma frustração futura, ambos tendem a desconfiar de qualquer
lealdade em relação ao local de trabalho ou projetos futuros.
A flexibilidade, a virtualidade e a mobilidade no trabalho reforçariam
ainda mais uma mentalidade “individualizadora”, presa ao curto
prazo, onde o trabalhador não está mais necessariamente atrelado à
empresa.
Esta questão pode estar na raiz da desmotivação dos jovens dentro das corporações.
Apenas 13% dos funcionários em todo o mundo estão engajados no trabalho, de
acordo com estudo do Gallup em 142 países em 2012. A maior parte dos empregados
em todo o mundo - 63% - são "não engajados", o que significa que falta de motivação
e são menos propensos a investir esforço em metas ou resultados. E 24% são
"ativamente desengajados", indicando que eles são infelizes e improdutivos no
trabalho e susceptíveis de propagar a negatividade para os colegas3.
Uma alternativa para oscontraditórios
Um estudo feito pela Harvard Business Review 4 e The Energy Project em 2014 aponta
um horizonte possível neste quadro difícil: os funcionários tornam-se mais engajados
quando pelo menos três necessidades são satisfeitas:
1. Valorização da sua participação nas decisões da empresa
2. Mais tempo livre: ter pausas frequentes no trabalho
3. Monotasking: fazer uma tarefa de cada vez
O estudo mostrou também que quando empresas incentivam explicitamente uma
forma mais sustentável de trabalho seus empregados são 55% mais engajados, 53%
mais focados, e mais propensos a permanecer na empresa.
3 É importante contextualizar (e refletir) que no universo da pesquisa 94% dos inquiridos estavam em empregos de
white collar; 6% estavam em empregos de blue collar.
4http://theenergyproject.com/
Então, o que tem impedido as empresa de tomar este caminho? Se é evidente a
hierarquia decisória que não valorizam a opinião dos funcionários, se os arranjos de
trabalho estão extenuantes e as exigências de qualidade são crescentes, porque as
empresas não tratam de adequar-se aos anseios de seu pessoal? A resposta pode vir
de outros três itens justamente contrapostos:
1. Crise de confiança: a auto-gestão vai funcionar sem supervisão?
2. Mais tempo livre vai fazer manter a produtividade?
3. A recessão exige redução de equipe e custos internos.
Neste conjunto, poderíamos acrescentar ainda mais um ponto (para cada lado),
crescentemente presente nas relações de trabalho:
Exigência de lealdade (empresa) x Empreender por conta própria (trabalhador)
Por este ponto de vista, a síntese dos contraditórios não nos permitira pensar numa
saída? Na construção de uma “zona de mútuo compromisso”, que reunisse a
conciliação das demandas de cada lado, trabalhador e empregador, oferecendo um
campo com mais autonomia, criatividade e propósito para ambos?
Zona de mútuo compromisso
Como no relacionamento de parceiros em tempos líquidos, empregador e trabalhador
poderiam admitir uma zona comum para coexistência na pressão e no risco, onde
ambos estejam aptos e dispostos a suportar.
Se há desconfiança de um lado, há falta de diligência do outro. Espera-se que os laços
sejamapertados ao ponto de manter a ligação equilibrada, mas não permanente.
Propõe-se admitir que convergências possam emergir e esvanecer de forma
combinada, dentro de limites convenientemente contratados.
Cabe às empresas concluir que a forma como estão indo não vai funcionar em pouco
tempo. Cabe aos trabalhadores oferecer alternativas que gerem ganhos mútuos.
Dessa forma, uma zona de mútuo compromisso compreenderia pelo menos quatro
sínteses entre as exigências de trabalhadores e empresas:
1. Compartilhar as consequências das decisões: se há necessidade de valorização
e participação nas decisões da empresa de um lado e hierarquia decisório do
outro, legitime-se uma gestão descentralizada que assuma proporcionalmente
o ônus e o bônus das mesmas decisões;
2. Sistematizar a performance da auto-gestão: se faz sentido ter mais tempo livre
e pausas regulares de um lado e pressão de custos que forçam uma equipe
reduzida de outro, estabeleçam-se limites convenientemente contratados de
auto-gestão que permitam planejar a entrega;
3. Assumir juntos o compromisso com o cliente: se o trabalhador busca focar em
uma atividade de cada vez enquanto a empresa receia perda de
competitividade, assuma-se o compromisso da qualidade esperada pelo
cliente;
4. Admitir que pode haver algo melhorlá fora: se o funcionário pode sempre ter
a perspectiva de sair para empreender seu próprio negocio e a empresa busca
reter o talento exigindo lealdade, admita-se a transitoriedade, que seja bom
enquanto dure.
Um novo arranjo de trabalho
Este arranjo de comprometimento mútuo entre trabalhador e empresa coloca em
perspectiva um ambiente capaz de encarar a continuidade das relações com as
características exigidas para os negócios do futuro (transparência, digital, rápido e
fluido) e exigirá uma nova estrutura com, pelo menos, quatro instâncias:
Holocracia: substitui a hierarquia com uma série de equipes interligadas, mas
autônomas, sem um chefe micromanaging. Os trabalhadores têm múltiplos papéis,
muitas vezes em equipes diferentes, com funções, responsabilidades e expectativas
constantemente atualizadas. Isso permite mais liberdade para expressar talentos
criativos. Na holocracia, a autoridade é distribuída e as decisões são tomadas
localmente pelo indivíduo mais próximo da linha de frente.
Home office: O home office é uma tendência mundial e envolve 32,5% da população
economicamente ativa, com cerca de 1 bilhão de pessoas utilizando esse método,
segundo estimativa da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades e da
International Telework Academy 5.
Existemhoje no Brasil, segundo projeções de dados do Censo IBGE de 2010, mais de
20 milhões de trabalhadores em domicílio. Aproximadamente 60% destes
trabalhadores estão vinculados a uma empresa. A “Pesquisa Home Office Brasil 2014”
revelou também que 36% das empresas no Brasil possuemprática de Home Office
junto a seus colaboradores – 75,12% delas localizadas emSão Paulo6.
Planos de curto prazo: “As empresas não podem mais esperar que seus funcionários
permaneçam leais por 10 ou 20 anos, e talvez isso seja uma coisa boa”7. Os
departamentos de RH devem conceber programas de formação para carreiras de dois,
três, ou cinco anos. Os trabalhadores de hoje estão trocando de trabalho, em média, a
cada quatro anos. Desenhar planos pessoais de aprendizagem para cada jovem
funcionário com base no que eles querem realizar durante sua breve estadia empresa,
e compreender quais valores e interesses vão assegurar um pouso suave em seu
próximo trabalho.
Empreitador: Empreitada: Obra ou trabalho por conta de outrem, mediante
pagamento previamente combinado. As grandes estruturas corporativas vão se
fragmentar pulverizando-se em milhares de pequenas empresas, lideradas por jovens
empreendedores. Muitos deles toparão empreitadas. E entregarão produtos e serviços
que antes eram feitos dentro dessas grandes estruturas. O resultado pode ser melhor
e mais eficiente para todos.
A pesquisa Deloitte Millennial 8 lançada em janeiro 2014 constatou que 70% dos
millenials se veemtrabalhando de forma independente, em algum momento, em vez
de ser empregado dentro de uma estrutura organizacional tradicional. Atualmente,
cerca de 53 milhões de americanos, ou 34% da força de trabalho é freelance 9. O
Trampos, um dos maiores sites de trabalho na área de criatividade do Brasil, divulgou
recentemente uma pesquisa sobre o perfil do freelancer brasileiro:
 91% dos respondentes optam pelo home office.
 45% começaram a freelar para aumentar a renda
 35% estavam de olho na flexibilidade
5 http://www.sobratt.org.br/index.php/03082015-tendencia-mundial-brasil-adere-ao-home-office/
6 Pesquisa Home Office Brasil 2014:http://sapconsultoria.com.br/homeoffice/
7 When Millennials Take Over, de Maddie Grant e Jamie Notter, 2015
8 http://www2.deloitte.com/id/en/pages/about-deloitte/articles/millennial-survey-2014-press-release.html
9 https://www.freelancersunion.org/blog/dispatches/2014/09/04/53million/
 29% queriam equilíbrio entre a vida profissional e pessoal
Qual é a maior preocupação? Em 68% dos casos: encontrar clientes.
Ou seja, ainda que a desconexão esteja sempre ao alcance do trabalhador
(empreender de forma autônoma, por exemplo), será preciso avaliar as condições do
mercado, estas mesmas condições em que se encontra o empregador. As mesmas
requisições de trabalho ao empregador queimarão a pele do empreendedor quando
ele próprio estiver singrando solitariamente os mares do mercado. Pesquisa do Sebrae
mostra que os empreendedores sobreviventes (54% morre nos primeiros quatro anos)
têm um comportamento que soma “persistência, sacrifício pessoal e fé na própria
capacidade”.
É certo que não vai ser fácil. De um lado, a individualização dissipa os “direitos de
classe”, de outro, a fluidez esvanece o controle. De qualquer forma, empresa e
trabalhador têm a oportunidade para desenharem uma relação com responsabilidades
mais consistentes, num modelo dessindicalizado, ancorado na impermanência,
garantido por propósitos tão claros quanto possível.

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O trabalho líquido: as novas relações entre funcionários e empresas

  • 1. O trabalho líquido Por Edgar Powarczuk Como as relações de trabalho poderão prosperar num contexto sem consistente responsabilidade mútua, onde os propósitos de cada lado não estão claros? Se há desconfiança de um lado, há falta de diligência do outro. Espera-se que os laços sejam apertados ao ponto de manter a ligação equilibrada, mas não permanente. Propõe-se admitir que convergências possam emergir e esvanecer de forma combinada, dentro de limites convenientemente contratados. Estamos em alerta para a dessincronia entre a rigidez das estruturas corporativas e a fluidez digital, buscando entender a questão que envolve as relações de trabalho do futuro: ser mais eficiente (fazer mais rápido) para ter mais tempo livre. Chegamos neste ponto após décadas de dedicação à atividade profissional sem a contrapartida adequada dos empregadores, criando uma geração de portadores de Burnout1. A demanda de tempo que vai ao limite da capacidade de entrega (somando a pressão competitiva; o enxugamento da equipe em tempos de recessão; e a tecnologia digital inundando de mails todas as horas do dia e da noite). Neste contexto, desde o “ócio criativo” do precursor De Masi, acompanhamos o espraiamento de tendências que buscam a desaceleração (Quiet Bliss, Digital Detox, FOMO, Monotasking...), muitas delas desfraldadas pela nova geração de millenials. A desaceleração já não está mais relacionada apenas ao trabalho, mas também ao lidar com a multipresença. Se a internet nos permite estar em algumlugar semestar presente, cria-se a tensão entre o estar físico e mental na busca de uma identidade primária. É uma luta para aquietar a globalização e suas tecnologias e tentar encontrar um centro, um mundo dentro de si mesmo. Esta mudança do comportamento individual, fluído e com múltiplas identidades, ganha o nome de “modernidade líquida", teorizado por Zygmunt Bauman, em 20012. Nesta sociedade líquida não sabemos lidar com a pressão, não queremos correr risco, precisamos manter a possibilidade de aproveitar a vida de maneira plena, sem encargos e tensões que não estamos aptos nem dispostos a suportar. Para desconectar, basta um clique. 1 A síndrome de Burnout (do inglês to burn out, queimar por completo), também chamada de síndrome do esgotamento profissional, foi assim denominada pelo psicanalista nova-iorquino Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no início dos anos 1970. 2 Modernidade L[iquida, Zigmund Baumann, 2001.
  • 2. A condição líquida no trabalho Como essa condição líquida de Baumann respinga no nosso trabalho? As relações entre a empresa e o novo trabalhador poderão prosperar num contexto sem responsabilidade mútua realmente consistente, onde os propósitos de cada lado não estão claros? Que alternativas são possíveis diante trabalhadores que desejam menos vínculo e empresas que não funcionam com fluidez? Para Baumann, há uma fragilidade que permeia as relações no trabalho: os novos funcionários têm menor laço com a empresa, sem comprometimento de longo prazo. Os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes e assim, para evitar uma frustração futura, ambos tendem a desconfiar de qualquer lealdade em relação ao local de trabalho ou projetos futuros. A flexibilidade, a virtualidade e a mobilidade no trabalho reforçariam ainda mais uma mentalidade “individualizadora”, presa ao curto prazo, onde o trabalhador não está mais necessariamente atrelado à empresa. Esta questão pode estar na raiz da desmotivação dos jovens dentro das corporações. Apenas 13% dos funcionários em todo o mundo estão engajados no trabalho, de acordo com estudo do Gallup em 142 países em 2012. A maior parte dos empregados em todo o mundo - 63% - são "não engajados", o que significa que falta de motivação e são menos propensos a investir esforço em metas ou resultados. E 24% são "ativamente desengajados", indicando que eles são infelizes e improdutivos no trabalho e susceptíveis de propagar a negatividade para os colegas3. Uma alternativa para oscontraditórios Um estudo feito pela Harvard Business Review 4 e The Energy Project em 2014 aponta um horizonte possível neste quadro difícil: os funcionários tornam-se mais engajados quando pelo menos três necessidades são satisfeitas: 1. Valorização da sua participação nas decisões da empresa 2. Mais tempo livre: ter pausas frequentes no trabalho 3. Monotasking: fazer uma tarefa de cada vez O estudo mostrou também que quando empresas incentivam explicitamente uma forma mais sustentável de trabalho seus empregados são 55% mais engajados, 53% mais focados, e mais propensos a permanecer na empresa. 3 É importante contextualizar (e refletir) que no universo da pesquisa 94% dos inquiridos estavam em empregos de white collar; 6% estavam em empregos de blue collar. 4http://theenergyproject.com/
  • 3. Então, o que tem impedido as empresa de tomar este caminho? Se é evidente a hierarquia decisória que não valorizam a opinião dos funcionários, se os arranjos de trabalho estão extenuantes e as exigências de qualidade são crescentes, porque as empresas não tratam de adequar-se aos anseios de seu pessoal? A resposta pode vir de outros três itens justamente contrapostos: 1. Crise de confiança: a auto-gestão vai funcionar sem supervisão? 2. Mais tempo livre vai fazer manter a produtividade? 3. A recessão exige redução de equipe e custos internos. Neste conjunto, poderíamos acrescentar ainda mais um ponto (para cada lado), crescentemente presente nas relações de trabalho: Exigência de lealdade (empresa) x Empreender por conta própria (trabalhador) Por este ponto de vista, a síntese dos contraditórios não nos permitira pensar numa saída? Na construção de uma “zona de mútuo compromisso”, que reunisse a conciliação das demandas de cada lado, trabalhador e empregador, oferecendo um campo com mais autonomia, criatividade e propósito para ambos? Zona de mútuo compromisso Como no relacionamento de parceiros em tempos líquidos, empregador e trabalhador poderiam admitir uma zona comum para coexistência na pressão e no risco, onde ambos estejam aptos e dispostos a suportar. Se há desconfiança de um lado, há falta de diligência do outro. Espera-se que os laços sejamapertados ao ponto de manter a ligação equilibrada, mas não permanente. Propõe-se admitir que convergências possam emergir e esvanecer de forma combinada, dentro de limites convenientemente contratados. Cabe às empresas concluir que a forma como estão indo não vai funcionar em pouco tempo. Cabe aos trabalhadores oferecer alternativas que gerem ganhos mútuos. Dessa forma, uma zona de mútuo compromisso compreenderia pelo menos quatro sínteses entre as exigências de trabalhadores e empresas: 1. Compartilhar as consequências das decisões: se há necessidade de valorização e participação nas decisões da empresa de um lado e hierarquia decisório do outro, legitime-se uma gestão descentralizada que assuma proporcionalmente o ônus e o bônus das mesmas decisões; 2. Sistematizar a performance da auto-gestão: se faz sentido ter mais tempo livre e pausas regulares de um lado e pressão de custos que forçam uma equipe
  • 4. reduzida de outro, estabeleçam-se limites convenientemente contratados de auto-gestão que permitam planejar a entrega; 3. Assumir juntos o compromisso com o cliente: se o trabalhador busca focar em uma atividade de cada vez enquanto a empresa receia perda de competitividade, assuma-se o compromisso da qualidade esperada pelo cliente; 4. Admitir que pode haver algo melhorlá fora: se o funcionário pode sempre ter a perspectiva de sair para empreender seu próprio negocio e a empresa busca reter o talento exigindo lealdade, admita-se a transitoriedade, que seja bom enquanto dure. Um novo arranjo de trabalho Este arranjo de comprometimento mútuo entre trabalhador e empresa coloca em perspectiva um ambiente capaz de encarar a continuidade das relações com as características exigidas para os negócios do futuro (transparência, digital, rápido e fluido) e exigirá uma nova estrutura com, pelo menos, quatro instâncias: Holocracia: substitui a hierarquia com uma série de equipes interligadas, mas autônomas, sem um chefe micromanaging. Os trabalhadores têm múltiplos papéis, muitas vezes em equipes diferentes, com funções, responsabilidades e expectativas constantemente atualizadas. Isso permite mais liberdade para expressar talentos criativos. Na holocracia, a autoridade é distribuída e as decisões são tomadas localmente pelo indivíduo mais próximo da linha de frente.
  • 5. Home office: O home office é uma tendência mundial e envolve 32,5% da população economicamente ativa, com cerca de 1 bilhão de pessoas utilizando esse método, segundo estimativa da Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades e da International Telework Academy 5. Existemhoje no Brasil, segundo projeções de dados do Censo IBGE de 2010, mais de 20 milhões de trabalhadores em domicílio. Aproximadamente 60% destes trabalhadores estão vinculados a uma empresa. A “Pesquisa Home Office Brasil 2014” revelou também que 36% das empresas no Brasil possuemprática de Home Office junto a seus colaboradores – 75,12% delas localizadas emSão Paulo6. Planos de curto prazo: “As empresas não podem mais esperar que seus funcionários permaneçam leais por 10 ou 20 anos, e talvez isso seja uma coisa boa”7. Os departamentos de RH devem conceber programas de formação para carreiras de dois, três, ou cinco anos. Os trabalhadores de hoje estão trocando de trabalho, em média, a cada quatro anos. Desenhar planos pessoais de aprendizagem para cada jovem funcionário com base no que eles querem realizar durante sua breve estadia empresa, e compreender quais valores e interesses vão assegurar um pouso suave em seu próximo trabalho. Empreitador: Empreitada: Obra ou trabalho por conta de outrem, mediante pagamento previamente combinado. As grandes estruturas corporativas vão se fragmentar pulverizando-se em milhares de pequenas empresas, lideradas por jovens empreendedores. Muitos deles toparão empreitadas. E entregarão produtos e serviços que antes eram feitos dentro dessas grandes estruturas. O resultado pode ser melhor e mais eficiente para todos. A pesquisa Deloitte Millennial 8 lançada em janeiro 2014 constatou que 70% dos millenials se veemtrabalhando de forma independente, em algum momento, em vez de ser empregado dentro de uma estrutura organizacional tradicional. Atualmente, cerca de 53 milhões de americanos, ou 34% da força de trabalho é freelance 9. O Trampos, um dos maiores sites de trabalho na área de criatividade do Brasil, divulgou recentemente uma pesquisa sobre o perfil do freelancer brasileiro:  91% dos respondentes optam pelo home office.  45% começaram a freelar para aumentar a renda  35% estavam de olho na flexibilidade 5 http://www.sobratt.org.br/index.php/03082015-tendencia-mundial-brasil-adere-ao-home-office/ 6 Pesquisa Home Office Brasil 2014:http://sapconsultoria.com.br/homeoffice/ 7 When Millennials Take Over, de Maddie Grant e Jamie Notter, 2015 8 http://www2.deloitte.com/id/en/pages/about-deloitte/articles/millennial-survey-2014-press-release.html 9 https://www.freelancersunion.org/blog/dispatches/2014/09/04/53million/
  • 6.  29% queriam equilíbrio entre a vida profissional e pessoal Qual é a maior preocupação? Em 68% dos casos: encontrar clientes. Ou seja, ainda que a desconexão esteja sempre ao alcance do trabalhador (empreender de forma autônoma, por exemplo), será preciso avaliar as condições do mercado, estas mesmas condições em que se encontra o empregador. As mesmas requisições de trabalho ao empregador queimarão a pele do empreendedor quando ele próprio estiver singrando solitariamente os mares do mercado. Pesquisa do Sebrae mostra que os empreendedores sobreviventes (54% morre nos primeiros quatro anos) têm um comportamento que soma “persistência, sacrifício pessoal e fé na própria capacidade”. É certo que não vai ser fácil. De um lado, a individualização dissipa os “direitos de classe”, de outro, a fluidez esvanece o controle. De qualquer forma, empresa e trabalhador têm a oportunidade para desenharem uma relação com responsabilidades mais consistentes, num modelo dessindicalizado, ancorado na impermanência, garantido por propósitos tão claros quanto possível.