1. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CULTURA LETRADA – ESCRILENDO VIDAS
REAIS NO COTIDIANO DO ENSINO SUPERIOR
Profª Ms. Cristiane Maccari Somacal
CTESOP, Professora.
cris.maccari@hotmail.com
Profª Esp. Ediana Maria Noatto Beladelli
CTESOP, Professora.
edianabeladelli@hotmail.com
Profª Ms. Janete Marcia do Nascimento
UNIOESTE, Bolsista INEP, Observatório de Educação
CTESOP, Professora.
jmarcia15@yahoo.com.br
Profª Mestranda Maria Consoladora Parisotto Oro
CTESOP, Professora.
lithy__@hotmail.com
RESUMO
O presente trabalho objetiva discutir espaços de formação de professores e cultura
letrada considerando a trajetória de pesquisas desenvolvidas na área de leitura em
cursos de pós graduação – especialização e mestrado, nas quais observou-se
extrema carência de tais práticas desde a formação inicial até o Ensino Superior –
cursos de licenciatura – principais espaços formadores de docentes para a educação
básica no Brasil nas últimas décadas. Nesse sentido, apresenta tais pesquisas,
relacionando-as a experiência de escrileituras – um modo de ler-escrever em meio à
vida, em turmas de alunos dos Anos Iniciais, em escolas públicas, através da prática
de oficinas de transcriação (Osts), fundamentadas na Filosofia da Diferença. É
também objetivo deste trabalho descrever práticas de escrileituras realizadas com
crianças dos Anos Iniciais, bem como com acadêmicos em processo de formação
docente – licenciaturas, apresentando angústias, expectativas e constatações
verificadas nas vidas reais dos sujeitos envolvidos nas pesquisas aqui citadas.
Escrilendo vidas reais no cotidiano do ensino superior sugere um encontro entre o
espaço da sala de aula em choque com a realidade construída a cada dia por
acadêmicos em constante luta pela formação docente, seus conflitos com a
linguagem, a realidade acadêmica e a produção científica – a dura realidade do
Ensino Superior nos cursos de licenciatura estudados.
PALAVRAS CHAVE: Cultura letrada – Escrileituras – Formação de professores –
Leitura – Escrita
KEY WORD: Literate culture – Escrileituras – Teacher formation– Reading – Writing
INTRODUÇÃO
Este trabalho apresenta e discute as angústias vivenciadas nos cursos de formação
de professores ao longo de quatorze anos de trabalho docente no Ensino Superior –
licenciaturas e cursos de especialização – para professores da Educação Básica.
2. Angústias estas observadas também na prática docente nos Anos Iniciais do Ensino
Fundamental desde o ano de 2007 na rede pública municipal de Toledo – Paraná –
Brasil. Remete-se às dificuldades observadas na leitura e na escrita de alunos dos
níveis acima citados bem como nas carências verificadas ao longo das práticas
pedagógicas desenvolvidas no decorrer da prática docente – leitura e escrita.
Parte-se da análise das práticas desenvolvidas, vinculadas a elaboração de uma
monografia no curso de especialização em fundamentos da educação –
UNIOESTE/Campus de Cascavel-PR nos anos de 1997-19981. Na ocasião
desenvolveu-se pesquisa de campo numa escola municipal acerca das preferências
de leitura das crianças em turmas de 1ª a 4ª Série, bem como sobre as práticas de
leituras desenvolvidas pelos respectivos professores das turmas citadas. Sobre
leitura, a pesquisa deu sequência no curso de Mestrado em Letras – Linguagem e
Sociedade, na mesma instituição – realizado no período de fevereiro/2003 à
fevereiro / 2005, cuja dissertação desenvolveu-se a partir de pesquisa bibliográfica e
de campo, em duas escolas de um assentamento rural de reforma agrária vinculado
ao MST, cujo objetivo central foi pesquisar as práticas de leitura desenvolvidas
nestas escolas2, considerando o cunho social, político e ideológico intrínsecos a
realidade na qual as referidas escolas inseriam-se naquele momento histórico.
No decorrer destas experiências de pesquisa, vivenciaram-se, na prática docente,
inúmeras angústias devido a carência de leitura, em variados aspectos. Alunos –
crianças, adolescentes, jovens e adultos – em precárias condições de leitura,
desânimo para estudar, ler, escrever, criar. Atualmente, após algumas publicações e
tantas frustrações mais, a participação no projeto do Observatório de Educação –
OBEDUC – CAPES/INEP. FACEDUC/UFRGS – Escrileituras: um modo de ler-
escrever em meio à vida – tem oportunizado novos olhares para a escrita e leitura,
sob o enfoque da filosofia da diferença, uma vez que o grupo de inserção – Filosofia
/ Núcleo Unioeste – Campus de Toledo/Paraná/Brasil, consiste em docentes,
discentes de graduação e mestrado em filosofia, docentes da Educação Básica,
Anos Iniciais / Finais do Ensino Fundamental e Médio. Desenvolver-se-á nesse
texto, algumas discussões acerca das experiências de leitura e escrita, no intuito de
exercitar o pensamento sobre a diferença, elaborado a partir das oficinas de
transcriação desenvolvidas com turmas de crianças dos anos iniciais, bem como a
partir de práticas de leituras desenvolvidas com acadêmicos de cursos de
licenciatura e especialização – áreas diversas, ao longo dos anos de experiência
docente neste âmbito – a formação docente no Ensino Superior e na Especialização.
1
Leitura na Escola – compromisso ou diversão – Janete Marcia do Nascimento – Orientação de
Eliane Cardoso Brenneisen. Pesquisa de campo realizada na Escola Municipal Francisco Vaz de
Lima no Bairro Interlagos no Município de Cascavel em duas turmas – Uma 2ª e uma 4ª Série do
Ensino Fundamental.
2
O tema da dissertação “O texto e o Contexto - um estudo sobre a leitura em duas escolas de um
assentamento rural de reforma agrária”.
3. A LEITURA COMO PRINCÍPIO FORMATIVO NA PRÁTICA DOCENTE
Ao analisar o processo de formação profissional no contexto do ensino superior, em
especial no curso de Pedagogia, onde as experiências profissionais se evidenciam,
nota-se que existe uma significativa preocupação com o processo de apropriação
dos saberes profissionais necessários ao exercício da docência. A partir das
experiências percebe-se que o trabalho docente nem sempre é entendido pelo
acadêmico como um processo em construção que exige competências próprias ao
exercício da docência. Assim, o primeiro passo do processo formativo predispõe a
necessidade de entender o trabalho docente como produção, criação e realização, a
fim de fortalecer a idéia de trabalho enquanto princípio formativo. De acordo com
Paro (2005), o trabalho é um processo pelo qual o homem se humaniza, representa
as relações que ele estabelece na sociedade, tendo necessidade desse trabalho
para a própria sobrevivência. Trabalho assim entendido como parte integrante da
própria condição humana. O autor afirma ainda que o trabalho docente é um
trabalho não material, pois acontece nas mobilizações do pensamento que se
articulam nas relações entre os sujeitos do processo educativo via conhecimento.
Conhecimento entendido como uma produção histórica social, que representa a
própria condição humana. De acordo com Cortella (2008, p. 39) “... o bem de
produção imprescindível para nossa existência é o Conhecimento, dado que ele, por
se constituir em entendimento, averiguação e interpretação sobre a realidade, é o
que nos guia como ferramenta central para nela intervir...” Essa afirmativa constata
que o domínio do conhecimento é a melhor forma de intervir na realidade.
Nesse sentido, o processo de formação deve voltar-se a busca constante do
processo de apropriação e construção do conhecimento, visto sua importância
formativa. No entanto, dominar somente este conhecimento, não é o suficiente, faz-
se necessário também relacionar esse saber com o contexto prático de forma
contextualizada, articulada as questões sócio-históricas, bem como políticas da
sociedade. Assim, entende-se que para ocorrer a apropriação e construção do
conhecimento, é necessária a existência de uma sólida base de leitura, capaz de
fomentar a capacidade de reflexão humana. A leitura consiste no instrumento
fundamental da formação profissional, pois representa o caminho de orientação da
busca do conhecimento pela pesquisa. Ler corresponde a uma ação fundamental ao
processo de formação docente, pois representa o mecanismo de acesso ao
conhecimento, assim como a seu processo de entendimento, compreensão,
apropriação e criação, associado à vida social e histórica que o constitui. A leitura
possibilita a formação de um profissional capaz de ler o mundo, a realidade e fazer
parte dela como protagonista, como agente reflexivo capaz de intervir sobre sua
condição.
Como afirma Pimenta (2005) a formação de professores reflexivos compreende um
projeto humano e emancipatório que implica posições político-educacionais que
apostam nos professores como autores na prática social. Isso faz com que seja
necessário entender que a formação docente não se limita a uma qualificação
meramente técnica ou burocrática, mas voltada à uma sólida base de leitura da
4. própria condição docente articulada à vida em seu constante movimento histórico-
social.
Para além de conferir uma habilitação legal ao exercício profissional da
docência, do curso de formação inicial se espera que forme o professor. Ou
que colabore para sua formação. Melhor seria dizer que colabore para o
exercício de sua atividade docente, uma vez que professorar não é uma
atividade burocrática para a qual se adquire conhecimentos e habilidades
técnico-mecânicas (PIMENTA, 2005, pg. 18).
A formação docente exige, além de condições normativas, uma formação que
instrumentalize a compreensão do papel do professor bem como da educação como
processo social, capaz de motivar a construção de uma identidade profissional para
além dos seus aspectos vocacionais que muito fortemente fundamenta os discursos
e as práticas educacionais. O profissional da educação, como afirma Libâneo (1994),
tem por responsabilidade preparar os alunos para se tornarem cidadãos ativos e
participantes na família, no trabalho, nas associações de classe, na vida cultural e
política. E por assim ser, a formação profissional só será efetivada sob bases de
leitura consciente, que efetivem o hábito da busca constante da profissionalização
pela pesquisa, que se norteia pelo ato de ler – ato este que desenvolve a dimensão
intelectual do ser docente, que transcreve a condição do ensino e da aprendizagem
significativamente. De acordo com Silva (1992) a ação do professor tem um caráter
intelectual, pois se efetiva pela mediação do conhecimento e da formação de
consciências no desenvolvimento da prática educativa que envolve uma série de
relações com a práxis social. Nesse sentido, a formação docente requer a
compreensão das especificidades desse intelectual que precisa ter uma visão
globalizada de sua atividade política e da natureza intelectual que o constitui para
poder dar conta de sua função no processo de educação. Função essa que no
Ensino Superior, em cursos de formação, no caso do foco desta análise, o de
Pedagogia, tem significativa relação com o exercício da leitura como instrumento
para o desenvolvimento da capacidade de crítica no âmbito da reflexão, bem como
intervenção prática da realidade. Segundo Pimenta (2010), as funções da
universidade se fundamentam na criação, desenvolvimento, transmissão e crítica da
ciência, da técnica e da cultura, preparação para o exercício de atividades
profissionais que exijam aplicação de conhecimentos e métodos científicos e para a
criação artística; apoio científico e técnico ao desenvolvimento cultural, social
econômico das sociedades. E essas funções só acontecem se existir articulação
com o desenvolvimento da leitura como prática de formação inerente a condição
docente, pois o domínio das capacidades cognitivas associadas a prática da leitura
fortalecem a condição de criação do homem assim como sua inserção no contexto
histórico social da humanidade. Ler é condição mínima para o acesso à própria vida
em sociedade. Sabe-se que, como afirmam Pimenta e Anastasiou (2010, p.199), “a
prática docente exige de seus profissionais, alteração, flexibilidade, imprevisibilidade,
não há modelos ou experiência modelares a serem aplicadas”, mas que podem e
devem ser construídas e reconstruídas no movimento social e histórico que constitui
5. a própria formação docente. Assim, entende-se que a construção de uma forma de
ensino voltada ao processo de desenvolvimento das práticas de leitura é uma
construção possível, a partir do momento em que se reconheça sua especificidade
formativa. O domínio do conhecimento, assim como seu entendimento, passa
indispensavelmente pela prática da leitura, como hábito constante no processo de
formação profissional. Leitura não entendida como um processo de decodificação,
mas de compreensão, análise, associação, síntese e contextualização do
conhecimento, associada à prática social, histórica e política que o fundamenta
enquanto produção humana. Dessa forma, as instituições de ensino superior, devem
considerar sua finalidade formativa.
Enquanto instituição social, a universidade se caracteriza como ação e
prática social, pautando-se pela idéia de um conhecimento guiado por suas
próprias necessidades e por sua própria lógica, tanto no que se refere à
descoberta e invenção quanto à transmissão desse conhecimento
(PIMENTA, 2010, p. 168).
Nessa perspectiva, é relevante ressaltar que a necessidade da realidade
educacional superior demonstra que a leitura como princípio formativo é um
processo em construção, pois os alunos ingressam com defasagens no processo de
compreensão dos elementos que constituem a leitura como instrumento de
descoberta, invenção e transmissão do conhecimento. Para muitos a prática de
leitura se apresenta como obrigação sem sentido formativo de decodificação dos
códigos da escrita, uma prática meramente técnica que não se associa a própria
vida em sociedade. Assim, como afirma Bastos (2010), é preciso chamar a atenção
para questões relacionadas ao cotidiano universitário, pois a partir disso, não
estaremos apenas nos pronunciando aleatoriamente, mas falando aos diferentes
profissionais da área da educação para estarem atentos à necessidade e
possibilidade de promoverem discussões que envolvam a reformulação na estrutura,
tanto pedagógica, quanto organizacional da universidade, podendo-se instaurar um
novo espaço onde as práticas educativas possam ser construídas com diferentes
possibilidades, voltadas estas para a formação profissional e humana, partindo do
pressuposto de que a leitura é o passaporte para o processo de apropriação e
construção do conhecimento em sua totalidade. Além disso, como comenta Masetto
(1998), a formação docente precisa acontecer em uma dimensão que esteja
desvinculada dos currículos fechados, acabados e prontos enfatizando a formação
permanente, que se inicia nos primeiros anos de graduação e se prolonga por toda a
vida. Sendo assim, compreende-se que o que se constitui no processo de formação
acadêmica se transforma em base para o desenvolvimento da vida profissional como
um todo, e por assim ser, reforça-se a idéia de que um profissional com consciência
sobre a importância da leitura como princípio formativo, será um agente de formação
capaz de efetivar a finalidade da educação com responsabilidade. Afinal, ninguém
dá o que não tem, assim, ensinar a ler é mais do que ensinar a decodificar, é ensinar
a fazer parte da vida em sociedade de forma ativa, consciente e participativa.
6. DAS ANGÚSTIAS DE ESCREVER EM MEIO À VIDA
Difícil tarefa esta de relatar sobre as atividades de escrita e leitura realizadas em
meio à vida! Vida esta que exige cumprir tarefas, planejar, cobrar, esperar, escrever,
ler, reescrever, corrigir, avaliar, dentre tantos outros aspectos da vida cotidiana.
“Experiências e práticas de leitura na escola possibilitam ler nas crianças a alegria e
o brilho nos olhos encantados pelos livros que se conhecem/encontram, juntos e que
passam a ‘morar um tempo no armário’ da sala de aula. São muitas obras, dos mais
variados gêneros e autores”. Este relato refere-se às práticas de leitura
desenvolvidas com uma turma de crianças do 3º ano do Ensino Fundamental – Anos
Iniciais no decorrer do ano letivo de 2011, na Escola Municipal André Zenere, na
cidade de Toledo / Paraná / Brasil. Diversas obras, literárias ou não, tem sido
apresentadas para as crianças nessas oportunidades, diária e continuamente. Todas
essas leituras não são apenas leituras de letras, decodificações, dessas que a gente
olha para o texto que está escrito e lê, assim, como todo mundo faz, todo dia. Tais
oportunidades foram ‘inventadas’, criadas nas oficinas de transcriação3 que
planejamos nos meses anteriores e serviram para disparar a curiosidade das
crianças, instigar o prazer de pesquisar, aprender, constatar, escrever e ler em meio
à vida que urge em meio a datas, tarefas, atividades, avaliações, horários, e outras
infinitas coisas que surgem sem avisar na vida cotidiana da escola, engolindo-nos
com suas urgências.
Vivenciar a formação de escrileitores no cotidiano escolar remete-nos a práticas
antiquíssimas de ações de ensinar que partem de um sujeito ensinador – o
professor, e recaem sobre um sujeito aprendedor – o aluno. Tais práticas
subentendem metodologias que se modificaram ao longo da história da
alfabetização, fundamentando-se, em teorias ora conservadoras/liberais, ora
progressistas/modernas, individualizantes, no sentido de constituir / compreender os
sujeitos que aprendem, como sujeitos atores do processo do que aprendem. Nesse
sentido, situam-se os teóricos do “pensamento da diferença”, que na modernidade
repensam a formação do sujeito como processo de subjetivação, moralidade e
personalidade, sob a ótica dos devires, oportunamente desenhados numa
cartografia da existência humana na sua completude. O que é ensinar? Como isso
ocorre? Conforme Zordan (2011, p. 55),
Nada se ensina; tudo se vive. Dizem que a vida ensina. Mas quem ensina, às
vezes, esquece da vida. Porque vive para ensinar. Viver para ensinar é mais
do que atuar como professor. É viver imerso em sua matéria. Ensinar não
passa de um infinito deglutir de matérias. Não há começo. No máximo
estreias. De apresentações que se repetem e a cada vez variam. Mas que
funciona como fita de Moebius, que, por mais que você a parta ao meio, a tira
jamais se rompe.
3
Conceito de CORAZZA, Sandra Mara. OsT são oficinas processuais de Pesquisa, Criação e
Inovação (PeCI). Caderno de notas 1 – Cuiabá: EdUFMT, 2011.
7. Compreende-se então, que ensinar se começa sempre. E há contínuos
acontecimentos em torno do ensinar. Vive-se ao ensinar e vive-se o ensinar a cada
novo aprendido. Assim se vive e assim se constitui o processo de ensinagem que se
dá, na vida, a todo momento. Aos viveres, complementam-se os aprenderes. Que de
modo individual se constituem em aprendizagens. A ciência moderna organizou,
comparticionou, classificou conteúdos e conceitos de modo que caibam em áreas
específicas. Mas aos indivíduos, basta o relacionamento que ocorre no momento em
que se ensina algo para alguém que queira aprender. Daí o conceito de aprender,
que segundo Fuganti (2011, p. 24), “não é operação simples. É um processo
complexo, geralmente submetido a padrões e, por isso, frequentemente
experimentado como um acontecimento frustrante e até mortal”. Aprende-se, em
geral, no sufoco das cobranças escolares. Produzem-se textos para disciplinas
especificamente determinadas dentro de um currículo escolar. Seguem-se os passos
da rotina escolar, sufoca-se, sem cerimônia, toda criatividade, devido às exigências
de um sistema que impõe constantemente momentos específicos de ensino e
aprendizagem, sem considerar os viveres individualmente constituídos, em cada
sujeito historicamente em construção.
Ainda, de acordo com o referido autor, “todo nosso procedimento educacional traz
uma espécie de desgosto sutilmente dosado em cada etapa do processo de
aprendizado, uma vez que o ensino dominante em nossas formações sociais não
visa a um aprendizado potencializador das forças ativas imanentes aos modos
criativos de vida” (p. 24). Daí observarmos o desânimo criador do sujeito que
aprende. Há que se definir, para o aprender, quais objetivos definem o desejo do
que aprender. Que verdades se escondem por detrás dos processos cognitivos dos
que aprendem, no momento em que aprendem, para que possamos, deixar de ver,
de constatar, erros primários, que se repetem, ano após ano nas correções das
escritas, sem que haja preocupação, por parte de quem escreve, sobre o que se
escreve, para quem se escreve, da forma correta como se deveria ter aprendido a
escrever?
A escritura de alunos tem sido precária, desde há muito tempo. Considera-se e
desconsidera-se o papel primeiro da escola na cultura brasileira: ensinar a ler e a
escrever. Em que medida isso se dá? Que os erros apareçam nas crianças em
processo de formação / educação escolar / construção da escrita e da leitura,
compreensível! Como compreender, no entanto, os mesmos erros nos adultos em
processo de formação docente? Qual o compromisso exigido / atribuído ao sujeito
que está aprendendo a ensinar? Como conceber tamanho descaso? Como
reconstruir sujeitos escrileitores? Que leituras se fazem dessas vidas em construção,
em processo de construção de novas ensinagens para outras vidas?
8. ESCRILEITURAS. IMPRESSÕES DE UMA AULA. MEMÓRIAS DE
BRINCADEIRAS. VIDA, ESCRITA E LEITURA
RELATO / MEMÓRIAS DE UMA AULA:
"Aula de metodologia do ensino de educação física – turma de 2º Ano do curso de
graduação em Pedagogia – uma pequena cidade no interior do estado do Paraná / Região
Sul / Brasil. As alunas elaboraram um seminário sobre o eixo curricular ritmo e
expressividade. Começaram com uma brincadeira chamada “a canoa virou”, que me
remeteu à infância. Percebi nesse momento o quanto todas essas imagens estão em mim,
na forma como sou e nas coisas das quais, gosto até hoje: as plantas, as matas, as
borboletas, as flores (plantadas ou não), as estampas – em tecidos, roupas de cama, etc. As
flores me encantam e me perseguem! E as brincadeiras, que tanto me encantaram, sumiram
da vida das crianças, em casa, na escola, na vida. Outras surgiram, mas não tão intensas. A
escrileituras entrou na minha vida e ocupa um espaço imenso... Observando as atividades
das meninas, tive uma ideia: Quero fazer uma oficina com brincadeiras. Meus alunos não
brincam! Isso é assustador! Vejo a infância e a alegria nos olhos das jovens futuras
pedagogas / futuras professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. Torço para que
elas façam e levem esta magia para suas crianças, para suas vidas! Quero brincar com as
crianças da escola pra arrancar delas a alegria que não vejo em seus olhos durante os
recreios frustrantes que temos na escola todos os dias! Quero voltar a ser criança na alegria
dos alunos crianças que tenho e que não vejo mais brincar! Apenas correm e gritam, se
machucam, se xingam! Penso que tudo isso aconteça porque não conhecem as
brincadeiras de verdade!”
O conceito de Escrileituras sugere o trabalho com diferentes linguagens, formas de
ver, viver e sentir a escrita e a leitura em meio às vidas que se encontram. Pode-se
começar por um desenho, uma conversa, uma brincadeira, um toque. Um dispositivo
pode ser qualquer motivo que gere um encontro! Há muitas possibilidades para um
encontro. Conforme as notas de Corazza; Dalarosa In.: HEUSER (2011, p. 16), o
conceito de escrileituras “consiste em provocador de outros modos de relação com a
escrita, com a leitura e com a vida”. Nas OsT orientadas por escrileituras, parte-se
de ações em diferentes áreas compreendendo a experimentação como condição de
aprendizagem. É um constante começar pelo meio. Convocando os escrileitores,
participantes das OsT, ao exercício do pensamento. E nesse sentido, sugere a
referida autora, “que os processos disparadores da criação textual colocam um
problema em cena: a ser lido, falado, enunciado, perguntado, transformado e escrito
em suas variadas formas”. Desse modo, observa-se no decorrer do processo de
surgimento do sujeito escrileitor, o aparecimento de elos, os encontros conceituais
que acontecem, nada mais nada menos entre o já conhecido – a coisa, o texto, o
livro, o brinquedo, a palavra, dentre outros – e aquele que deseja conhecer – na sua
potência, intensidade e vontade de verdade, que em Barthes, conforme Bedin,
20114, é a única coisa que não se pode questionar. O que define o encontro,
portanto, é a verdade que se dá a partir das conceituações de cada sujeito em
construção.
4
Luciano Bedin Costa: Oficina Escrividas: o biografema como estratégia biográfica. I Colóquio
Nacional Pensamento da Diferença: Escrileituras em meio à vida. Canela, RS/Brasil: Novembro/2011.
9. Assim, de forma constantemente viva, no recomeço do pensar e agir, dá-se o
resgate da memória do já conhecido para a ação de novas práticas. As intensidades
e viveres de uma simples aula remetem ao educador, novos direcionamentos, novo
olhar para o que é vivenciado em momento oportuno. Novo caminho para o
pensamento. Surge daí o questionamento. Não a constatação. Do novo se faz outro
novo. Dos rizomas que se definem como elos e encontros infinitamente dados. A
reconstrução de conceitos, novos encontros, novas leituras, novas escritas. Dos
devires. Escrileituras! O que é Escrileituras? Como definir um modo de escrever e ler
em meio à vida? a que conceito de vida se refere este texto? Não se trata de vida,
apenas no sentido literal, com um mero significado semântico. Mas vida na sua
amplitude maior, na diferença, na diversidade, na complexidade, e no seu
movimento constante.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A experiência de participar do projeto Escrileituras consiste em estudar, conhecer e
experimentar outros olhares e práticas de leitura e escrita. Escrever e ler são
práticas solitárias e isoladas na nossa cultura. Durante os anos de docência na
Educação Básica e no Ensino Superior, observaram-se inúmeras e gritantes as
dificuldades que se tem no âmbito escolar. Diversos são os fatores que culminam
nesta realidade. Dentre eles a falta de oportunidades para escrever, a ausência de
práticas efetivas de leitura e escrita, o descompromisso em relação à própria língua
materna – falada e escrita na escola – lugar onde deveria ser ensinada, cobrada,
praticada.
A experiência na docência no Ensino Superior em cursos de licenciaturas e também
em diferentes disciplinas em cursos de Especialização, basicamente com
professores da Educação Básica mostra-nos com pesar as dificuldades na escrita
desses professores, que influenciam diretamente na escrita de alunos em processo
de construção e elaboração da fala e da escrita nas escolas do Ensino Fundamental
e Médio. Essas constatações tornaram-se, ao longo do tempo, traços de uma cultura
que se desvaloriza nas constantes variações linguísticas – oral e escrita, através de
práticas modernas, abreviadas e descompromissadas de leitura, escrita e
comunicação. A prática de leituras superficiais, a ênfase nas informações efêmeras
e não nos conhecimentos aprofundados, a cultura da Internet e suas escritas
fragmentadas, em detrimento do livro, como texto e objeto concreto que supõe
envolvimento, concentração, estão em alta na vida e na escola, atualmente. Parece
que ler significa tudo e só isso. São frequentes, talvez em decorrência de todas
essas práticas de leitura muito comuns na atualidade, grandes dificuldades na
produção de ideias e na organização das produções escritas. O pensar tornou-se
obrigatoriedade da e na escola, com resistência dos alunos, estagnação da
criatividade, ausência de criação, deficiência de ideias, vazio de descobertas,
opacas iniciativas. Constatou-se com pesar, o tom pastel nas aquarelas de vidas
das crianças, antes cheias de expectativas e vida. Poucos são, dentre os alunos,
10. aqueles que acompanham com entusiasmo as atividades comuns. Muitos são, no
entanto, os que gostam das leituras literárias, individuais ou compartilhadas. As
produções em desenhos tem sido, talvez como fuga das atividades de escrita,
verdadeiras obras de arte. O pensar, nesse sentido, está ganhando novos
significados. Vive-se, pois, a diferença.
Oficinar tem sido uma experiência riquíssima pela oportunidade de estudar e praticar
leitura e escrita sob um olhar inédito para nós, até então – a Filosofia da Diferença.
Conhecer esta área do conhecimento alimenta desejos de seguir pesquisando, no
âmbito do amadurecimento e da relação teoria e prática. Oficinar tornou-se uma
oportunidade diária de olhar para as produções dos alunos, desde a Educação
Básica até o Ensino Superior, de integrar às suas leituras, escritas de suas próprias
vidas. Um olhar em constante nascimento para as produções antes casuais e
obrigatórias, agora ricas em detalhes concretos de vida. Escrividas!
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AQUINO, Julio Groppa; CORAZZA, Sandra Mara (orgs.). Abecedário: Educação da
diferença. Campinas, SP: Papirus, 2009.
BASTOS, Carmen Célia B. Correia. Docência, pós-graduação e a melhoria do ensino na
universidade: uma relação necessária. In: Educere Et Educare – Revista de
Educação/Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Campus de Cascavel. Colegiado do
curso de Pedagogia. Programa de Mestrado em Educação – Área de Concentração:
“Sociedade, Estado e Educação” – V. I. n. (2007) – Cascavel: EDUNIOESTE.
CORTELLA, M. S. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e
políticos. 12 ed. São Paulo – SP: Cortez, 2008.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo – SP: Cortez, 1994.
HEUSER, Ester Maria Dreher (org.). Caderno de Notas 1: projeto, notas &
ressonâncias./Cuiabá: EdUFMT, 2011. 120p.
MASETTO, Marcos. (org.). Docência na universidade. Campinas, SP: Papirus, 1998.
PARO, V. H. Gestão democrática da escola pública. São Paulo – SP: Atlas, 2005.
PIMENTA, Selma Garrido. Saberes Pedagógicos e atividade docente. 4. ed. São Paulo:
Cortez,2005.
PIMENTA, Selma G. & ANASTASIOU, Lea, das G. Docência no ensino superior. São
Paulo: Cortez, 2010.
SILVA, Jefferson I. Idenso da. Formação do educador e formação política. São Paulo:
Cortez: Autores associados, 1992.