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ACEFALIA E O DÉFICIT HABITACIONAL
Autor: Fernando Zornitta *²
Versão C
Idéias e boas práticas podem mudar o mundo, para melhor.
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ACEFALIA E O DÉFICIT HABITACIONAL – Texto discorre sobre as errôneas políticas
habitacionais no Brasil, as quais se guiam pela lógica do mercado e para uma demanda
que não tem acesso à renda e nem ao crédito junto aos agentes financeiros; política essa
que também não permite nenhuma hipótese para a solução fora desta paranóica e
ineficaz linha filosófica que perpetua o mesmo estado de coisas.
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O epicentro do problema habitacional no Brasil não é a falta de crédito, mas sim
a falta de cérebro.
O déficit habitacional no Brasil, de 7,7 milhões de UH e de 40 milhões de
brasileiros sem teto, segundo estimativas da ONU, é muito maior e pode chegar
a perto de 20 milhões de unidades e a bem mais de 50% da população brasileira,
se considerarmos o mar de excluídos que vivem nas periferias das grandes
cidades, em assentamentos urbanos precários, que vegetam em sub-habitações
e sem os serviços básicos urbanos nas “áreas impróprias e de risco”; os quais
não têm para onde ir quando as catástrofes todo ano lhes batem a porta dos
seus barracos nas favelas e em outros desarranjos humanos onde “habitam”.
No cálculo da ONU, o déficit habitacional pode chegar de 12,7 a 13 milhões de
habitações, se considerarmos as “moradias inadequadas” - sem infra-estrutura
básica, sendo que 92% destas das populações mais pobres.
No lançamento em setembro de 2005 no Rio de Janeiro do Relatório Global Sobre
Assentamentos Humanos: Financiamento Para Moradia do HABITAT (agência das
Nações Unidas), o representante desta instituição, Erik Vittrup, afirmou que "um
dos problemas do acesso a moradia no Brasil é a falta de posses, o que
inviabiliza o acesso aos financiamentos".
Embora essa constatação e afirmativa verdadeira - que é de conhecimento
público e das instituições responsáveis há décadas, a burrice e a tacanhez
continuam dando o tom no trato da questão habitacional no país e centrando as
políticas no “crédito” (para a aquisição da casa própria), quando a grande
maioria dos sem teto e excluídos sequer uma vez na vida entrou em uma
agência bancária; não têm como comprovar renda e nem dar garantias, não tem
acesso à saúde, à educação e sequer se alimenta de acordo com os padrões
mínimos de subsistência.
A falta de bom senso também faz construir com dinheiro público, casas para
desocupar as áreas urbanas impróprias, numa proporção ínfima e incapaz de
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atender a crescente demanda dos fluxos migratórios que cada vez mais chegam
em avalanches às cidades na busca da oportunidade e de melhores condições de
vida.
O problema habitacional além de nunca encarado e nem corretamente tratado no
Brasil está diretamente ligado a outros problemas das camadas que não têm
acesso à moradia, sendo o principal a falta de acesso a uma fonte de renda
(questão que nunca foi pensada numa relação que não seja pelo “emprego”).
Também está numa relação direta da falta de incentivo à organização social e
de participação comunitária, práxis que poderia oferecer as ferramentas para a
incorporação dos valores humanos de forma endógena enquanto promoveria o
resgate da cidadania pela participação e pela inclusão social, além de fazer gerar
renda sem qualquer compromisso com um “emprego” além de induzir a políticas
públicas com um pouco mais de massa cinzenta.
A propensão de geração de renda, deve para tanto ter “um espectro maior e
sistêmico” de abordagem e ser abarcado localmente nas comunidades, para que,
enquanto está criando as oportunidades de renda, também esteja contribuindo
para a resolução dos próprios problemas e, não de fora para dentro, como no
sistema de emprego tradicional, que depende de outras variáveis, tal como
competências – que por sua vez depende de educação; experiências anteriores –
dentre tantas outras.
O acesso à renda e à vida não pressupõe um emprego. Prova incontestável são
os cerca de 60% da população brasileira que não têm acesso ao perseguido,
alardeado e intangível, mas continua respirando. Entretanto, no tradicional
sistema produtivo, o papagaiado discurso público comprometido com a
arrecadação e com as vertentes “econométricas” e “globalísticas” (mas não com
a solução do problema) é o da “geração de emprego” e é interpretado ao pé da
letra por quem tenta sobreviver no que se convencionou chamar de “economia
informal” – o qual é visto como fora da lei, como criminoso se não alinhado com
a “legalidade”.
Essa, paradoxalmente, é a maior parcela da população que tenta sobreviver sem
competências para se qualificar a um “emprego”, aliás, ao subemprego. Essa é
também, uma das irracionalidades estabelecidas e que emperra novos arranjos
produtivos e a efetividade de programas alternativos de inclusão social,
principalmente porque numa economia dependente, de um país subdesenvolvido
como o Brasil que gravita numa economia globalizada, o número de oferta de
empregos é ínfimo e depende destas competências que só se consubstanciam
pela educação, que por sua vez está inacessível a quem mais necessita; que não
oferece oportunidades à massa de jovens que se “qualificam” e se submetem a
subempregos pela inexperiência, a estágios e outras formas aviltantes de
exploração – que beiram a bestialidade - e nem ao cidadão que nunca teve
acesso à educação. E, tudo isso, consubstanciado por uma premissa errada.
A cidade que seria o oásis da oportunidade, não está preparada para atender a
demanda cada vez mais crescente dos contingentes humanos de excluídos que
migram em busca de melhores condições de vida, desqualificados às vagas de
trabalho oferecidas e que só encontram uma única possibilidade de renda: na
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“economia informal”. Isso é fato e essa realidade não pode deixar de ser
encarada.
Dentre os problemas dos países do terceiro mundo, o habitacional é um dos
mais sintomáticos da condição de exclusão. As cidades que se incham e se
desqualificam não tem conseguido oferecer o acesso à moradia, aos serviços
básicos e nem as oportunidades na mesma proporção que a demanda, para
aqueles que migram em busca de melhores condições de vida e, o poder público,
tradicionalmente atua só nos efeitos (tentando suprir a demanda pelas pressões)
e não nas causas dos principais problemas urbanos, correndo que nem cachorro
louco atrás do rabo sem conseguir pegá-lo nunca.
No Brasil, como de resto nos demais países mais atrasados onde a exclusão
social é o principal problema, a demanda por habitação cresce e o custo se
eleva, a renda decresce e se concentra cada vez mais. Paradoxalmente, podemos
comprovar nestes países que, quem edifica as cidades e os suntuosos prédios
das camadas mais privilegiadas, a infra-estrutura e os equipamentos
públicos, não têm acesso ao seu próprio teto (os mesmos que moram nas
periferias, nas favelas e nas áreas de risco, são os mesmos que emprestam o
seu trabalho quase escravo na construção civil, para edificar e materializar a
cidade).
Paradoxalmente também (não bastassem essas políticas públicas erradas) é
nestes países - que menos recursos têm – que ocorre uma prática que nos
envergonha: a da corrupção, que é promovida por políticos e administradores
públicos antiéticos, que se emporcalharem na lama da corrupção, enquanto
cidadãos sem oportunidade morrem na esperança da oportunidade, da solução
dos seus principais problemas e do acesso aos serviços públicos pelas mãos
deles.
A grande maioria das boas e criativas propostas para a solução dos problemas dentre estes o habitacional (que via de regra ocorre por políticas públicas
estereotipadas, envolvendo empresas, agentes financeiros, construção de UH
pelo governo, etc...) – não são aproveitadas por não terem sido propostas para
serem implantadas dentro do sistema tradicional e por não visarem o “negócio”,
o “lucro”, a “geração de impostos e de empregos” e, justamente por isso,
não têm conseguido a atenção dos dirigentes no Brasil, embora sejam
exatamente as que ofereçam a solução.
Os programas tradicionais para habitação, que passam por agentes financeiros,
são inacessíveis a quem necessita - cuja causa principal foi tratada no Relatório
Global do HABITAT e citada pelo seu representante no Brasil (“a falta de posses
dos cidadãos, o que inviabiliza o acesso aos financiamentos”) e que os
incompetentes, ausentes políticos e administradores públicos, querem e teimam
em resolver da forma tradicional, “pelo mercado”, na esfera das empresas,
instituições de financiamento e outros monstros intangíveis da estrutura
produtiva - segundo a ótica do humilde necessitado de um teto próprio (os 60%
da população brasileira que subsiste na economia informal, na pobreza e na
miséria).
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Também contribuem para isso, os caquéticos, arraigados e acéfalos senhores,
que fazem parte da mega estrutura que se tornou a ONU, muito ativa, muito
exposta na mídia, mas com poucos resultados práticos e sem poder de reversão
dos problemas sem sair da esfera de “governos”, acreditando nas “idéias” e não
nas instituições; com suas agências e programas que atuam nos efeitos e não
chegam às “causas verdadeiras e nem as corretas soluções”; com os
desnorteados governos dos países mais atrasados – que só fazem constatar o
óbvio, enquanto também nada fazem – governo após governo.
E, todos neste contexto, nem ao menos dão-se conta do tempo perdido na
solução dos problemas através de projetos simples, das forças endógenas e com
os quais já poder-se-ia ter resolvido grande parte deste (o habitacional) e de
outros problemas humanos e ambientais.
Na grande maioria das vezes para os acéfalos, a solução para ter valor tem de
ter grandiosidade - ser espetacular, bombástica, megalomaníaca e ter
repercussão na mídia. O know-how, as idéias, a “prata da casa” e a “massa
cinzenta tupiniquim” não têm valor e, aqueles que tentam levar novas idéias
para a solução dos velhos problemas fazendo-as chegar às esferas competentes
nos seus próprios países (os quais ainda são comandados por sistemas políticos
que não possibilitam a interação com a sociedade), frustram-se porque não
encontram eco.
Neste círculo vicioso ficam impedidas as hipóteses da inovação e da criação de
possibilidades de inclusão social e de acesso à habitação, que poderiam vir de
forma simples, fora do tradicional sistema mercadológico e com a participação
direta dos próprios interessados; sem deixar de ater-se aos padrões técnicos
ideais, mas com o componente diferencial da união das forças sociais e da
participação comunitária e cidadã, de forma direta e com efetividade.
Países ricos em recursos, mas minados por uma filosofia “econométrica”,
permeados pela corrupção, pela incompetência e guiados pelas estruturas
empresariais que detém o poder econômico e que contribuem para a
concentração da renda, ficam impedidos de oferecer uma solução lógica para
resolver definitivamente esse vergonhoso quadro de exclusão social e
conseqüentemente do déficit habitacional.
O discurso da “responsabilidade social”, que vem com práticas assistencialistas e
em migalhas, não tem conseguido e nem conseguirá promover mudanças
estruturais. Responsabilidade social – na verdadeira acepção da palavra –
implicaria em incentivar novos caminhos, porque os já conhecidos se mostraram
ineficientes
e
servem para manter o
mesmo
estado
de coisas
(comprovadamente).
As ONGs também tentam suprir a deficiência do Estado, mas ficam a mercê das
mesmas políticas públicas que lhes condicionam até mesmo as suas linhas e
filosofias errôneas de ação e, a sociedade civil e as suas instituições – que
querem dar a sua contribuição - também estão refém da falta de massa cinzenta
do governo assistencialista – que dá o peixe mas não ensina a pescar e nem
oferece a oportunidade da organização das competências para tal - além das
instituições internacionais que lhes dão reconhecimento e suporte para a
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barbárie e raramente ouvem e dão um voto de crédito às outras estâncias da
sociedade, as quais estão mais próximas dos problemas e sabem onde o calo
aperta.
Enquanto vemos o Estado acuado pelos problemas, pela ineficiência e pela
corrupção da máquina pública; anestesiado pelo sistema de forças da economia
mundial (cada vez mais excludente e insustentável) e nossos governantes
pisando em ovos nas relações internacionais, tentando se inserir no mundo
globalizado (e, para isso, competindo munidos de pás e enxadas com as
tecnologias de ponta dos países mais adiantados), vemos a indecisão e a
desaglutinação das forças sociais – que poderiam reverter esse triste e
catastrófico quadro de forma endógena e através de novos pressupostos mais
abertos e participativos.
Só com novas idéias - fora do sistema tradicional da empresa, emprego com
salários de fome (onde só os mais preparados, mais bem educados, mais bem
alimentados, etc.... é que têm acesso aos benefícios) - é que poderemos
encontrar as portas de saída para o caos que a humanidade vem construindo nos
últimos séculos, principalmente nos países mais atrasados (e de forma bastante
estúpida no Brasil) os quais vêm acelerando a depreciação dos seus patrimônios
ambientais e concentrado cada vez mais a renda sem resolver os seus principais
problemas.
Até que se tenha a inclusão social de fato e todo o ser humano vivendo com
dignidade no meio urbano ou rural, e que tenhamos um meio ambiente - que dá
suporte as atividades produtivas e a vida – saudável e equilibrado; nada pode
ser considerado utópico – nenhuma idéia, porque dentro das tradicionais práticas
e do rumo que seguimos, o nosso fim já está determinado: pobres e excluídos
gerando mais pobres e cada vez mais excluídos, depreciação ambiental e
diminuição da qualidade de vida de todos para o conforto de uma minoria
privilegiada que está bem perto – no país de origem dos problemas - e para
atender a demanda em produtos e serviços de quem está a milhares de
quilômetros nos países de primeiro mundo.
A partir das novas propostas de soluções e, elegidas as coerentes, precisamos de
posturas éticas, de fortes alianças no sentido da reversão; precisamos de todas
as forças da sociedade - unidas no mesmo rumo - cada um fazendo a sua parte e
dando a sua contribuição.
Por primeiro, é preciso termos o reconhecimento da validade das propostas, o
aval para a implantação das mesmas e, para qualquer iniciativa a ser
implantada - constatadas as suas eficiências - que sejam amplamente
divulgados, incentivadas e repetidas – independentemente da instituição ou de
quem propôs.
Para a habitação ou para qualquer outro problema humano, a solução por certo
estará no compromisso ético com a respectiva resolução, mas principalmente, na
quantidade de massa cinzenta disponibilizada, que saberá distinguir as boas
idéias e, por certo não dará atenção às políticas tradicionais, nem aos projetos e
aos programas que se prestam a continuidade do mesmo estado de coisas, em
benefício da empresa, na ótica da economia e do mercado e, envolvendo um
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sistema tradicional e inepto de instituições e de governos; internas e externas
aos países que buscam alternativas de saídas para o caos que deixaram se
estabelecer.
A solução do problema habitacional, como de resto da grande parte dos
problemas dos excluídos, não podem ser resolvidos através das políticas erradas,
baseadas em premissas incongruentes e sem ir ao epicentro dos problemas, que
no caso brasileiro (e de vários outros países na sua mesma condição), não é e
nunca foi o da falta de crédito, mas sim – e unicamente - da falta de cérebro.
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*² José Fernando Zornitta – Arquiteto e Urbanista, doutorando pela Un. Barcelona;
pós-graduado em Lazer e Recreação (UFRGS – Porto Alegre), em Turismo (ONU/WTO Roma/Itália). Participou de Estágio de Aperfeiçoamento em Planejamento Turístico
(Laboratório de Geografia Econômica da Universidade de Messina - Messina/Itália). É
Técnico de Realização Audiovisual e também desenvolve atividades como artista plástico.
Co-idealizador do Movimento GREEN WAVE, sócio-fundador e co-idealizador da
APOLO – Associação de Cinema e Vídeo e da UNISPORTS – Esportes, Lazer e
Cidadania.
Co-autor da USINA MULTIPRODUTIVA COMUNITÁRIA, uma proposta de inclusão
social, de geração de renda e para a solução dos problemas humanos de forma endógena
e participativa.
E-mails: fzornitta@uol.com.br / fzornitta@hotmail.com
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