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2 - Ano 0
Paraná, fevereiro de 2010
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SUMÁRIO
ACADEMIAS
Academia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de Letras ....................................63636363
ANÁLISE DE OBRAS
Simões Lopes NetoSimões Lopes NetoSimões Lopes NetoSimões Lopes Neto
Contos gauchescos.....................................25
BIOGRAFIAS
Amílcar Dória Matos ................................64
Andrey do Amaral .....................................57
Antonio Brás Constante ............................7
Antônio Campos .......................................84
Antonio Thadeu Wojcicjowski ..................56
Ariano Suassuna ......................................64
Arioswaldo Trancoso Cruz .......................8
Chico Anysio ..............................................71
Cláudio Aguiar ..........................................64
Cyl Gallindo ..............................................84
Delasnieve Daspet.....................................62
Emiliano Perneta.......................................24
Felipe Machado .........................................85
Flavio Chaves ...........................................64
Francisco Bandeira de Melo .....................64
Graciliano Ramos (Retrato em Preto e Branco) ....17
Jarbas Maranhão ......................................64
José Marins, Um haicaísta paranaense........50
Lucila Nogueira ........................................65
Luiz Marinho ............................................65
Maria do Carmo B. Campello de Melo .....65
Maria do Carmo Tavares de Miranda ......65
Milton Lins ...............................................65
Myriam Campello .....................................86
Nelson Saldanha D’ Oliveira ....................39
Nilto Maciel ...............................................11
Paulo Bentacur .........................................42
Pelópidas Soares .......................................65
Simões Lopes Neto ....................................31
Sinclair Pozza Casemiro............................3
Valentim Magalhães ................................48
Vicência Jaguaribe ....................................41
Waldemar Lopes .......................................65
Waldenio Porto .........................................66
CONCURSOS COM INSCRIÇÕES ABERTAS
51º Jogos Florais de Nova Friburgo .........72
II Concurso de Trova Cidade Poesia ........72
XVI Jogos Florais de Curitiba...................72
XX Concurso de Trovas de Pindamonhangaba
...................................................................72
VI Concurso de Trovas da UBT-
Maranguape/2010......................................73
Jogos Florais UBT Seccional Mérida –
Venezuela ..................................................73
Concurso Nacional de Poesia de Mogi das
Cruzes........................................................ 73
Jogos Florais de Cambuci/Rj – 2010 ........ 74
Concurso Internacional de Literatura para
2010........................................................... 74
6º Prêmio Barco a Vapor de Literatura
Infantil e Juvenil 2010 ............................. 75
Concursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envio
XXIII Jogos Florais De Ribeirão Preto ..... 77
XL Jogos Florais de Niterói................. 77
ENTREVISTA
Andrey do Amaral..................................... 57
ESTANTE DE LIVROS
Andrey do AmaralAndrey do AmaralAndrey do AmaralAndrey do Amaral
Mercado Editorial – Guia para Autores...........82
Antonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás Constante
Hoje é seu Aniversário! “Prepare-se” ...............83
Antônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl Gallindo
Panorâmica do conto em Pernambuco .............84
Felipe MachadoFelipe MachadoFelipe MachadoFelipe Machado
Olhos cor de chuva.............................................85
Lóla PrataLóla PrataLóla PrataLóla Prata
Dicionário de Rimas ARRIMO..........................83
Myriam CampelloMyriam CampelloMyriam CampelloMyriam Campello
Como Esquecer - anotações quase inglesas .....86
FOLCLORE
Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2)
Malasartes fez o urubu falar.............................8
De como Malasartes vendeu o urubu...............9
Caminho de PeabiruCaminho de PeabiruCaminho de PeabiruCaminho de Peabiru ................................. 77
Importância Histórica .......................................79
Lenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra sem
Mal)Mal)Mal)Mal) ........................................................... 80
Causas do Êxodo................................................80
História nada exemplar ....................................81
A Terra sem Males ...........................................81
HAIKAIS
José MarinsJosé MarinsJosé MarinsJosé Marins
Haikais...................................................... 49
NOSSO PORTUGUÊS DE CADA DIA
A / Há ........................................................ 35
A Par / Ao Par ........................................... 36
Aonde / Onde / De Onde............................ 36
As Partículas "Até" E "Nem"..................... 36
Bastante / Bastantes................................. 36
Haja Visto ou Haja Vista?......................... 36
Hum / Um.................................................. 37
Mas / Mais................................................. 37
Mal / Mau .................................................. 37
Meio / Meia................................................ 37
Na Medida Em Que / À Medida Que.........37
Que / Quê ...................................................37
Por Que......................................................38
Porque........................................................38
Dica De Porque E Porquê..........................38
Porquê........................................................38
NOTÍCIAS
AAAAcademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado do
ParanáParanáParanáParaná
Imortais .....................................................87
O ESCRITOR COM A PALAVRA
Antonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás Constante
Humor, Terror e Salvação em um Conto de
Natal ..........................................................5
Chico AnysioChico AnysioChico AnysioChico Anysio
Silêncio, hospital .......................................69
Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos
A Safra de Tatus........................................53
O Relógio do Hospital................................13
MMMMachado de Assisachado de Assisachado de Assisachado de Assis
Como se Inventaram os Almanaques........32
Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel
Carlim........................................................34
Valentim MagalhãesValentim MagalhãesValentim MagalhãesValentim Magalhães
A Grande Estréia.......................................44
Vicência JaguaribeVicência JaguaribeVicência JaguaribeVicência Jaguaribe
Por Onde Anda Minha Bela Estatueta de
Porcelana Branca?.....................................40
POESIAS
Alda LaraAlda LaraAlda LaraAlda Lara
Presença Africana......................................69
Alexandre O'NeilAlexandre O'NeilAlexandre O'NeilAlexandre O'Neil
Poema Pouco Original Do Medo................68
Há Palavras que nos Beijam .....................68
Antonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu Wojciechowski
Vida............................................................55
Tudo é Para Sempre..................................55
É Hoje! .......................................................55
Diário de Bardo..........................................56
Catarina.....................................................56
Olhos para a Chuva...................................56
Quando Eu Penso no Haiti........................56
Arioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso Cruz
Contraponto...............................................7
Despertando...............................................8
Delasnieve DaspetDelasnieve DaspetDelasnieve DaspetDelasnieve Daspet
Melancolia... .............................................. 60
Bonecos de Pano........................................ 60
Para um Violão.......................................... 61
Divagando à Beira Mar............................. 61
Ondas no Tempo ....................................... 61
Elisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett Browning
Quatro Sonetos.......................................... 67
Emiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano Perneta
Vencidos ................................................... 22
Glória......................................................... 22
Dor............................................................. 22
Metamorfoses............................................ 22
Corre mais que uma Vela... ...................... 23
Súcubo....................................................... 23
O Brigue .................................................... 23
Damas ....................................................... 23
Hércules .................................................... 23
Oração da Manhã...................................... 24
Para um Coração....................................... 24
Setembro ................................................... 24
Jean RichepinJean RichepinJean RichepinJean Richepin
Tuas Palavras ........................................... 66
Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel
Dor............................................................. 10
Possessão................................................... 11
Sísifo.......................................................... 11
Soneto Crepuscular................................... 11
Paulo BentacurPaulo BentacurPaulo BentacurPaulo Bentacur
A Primeira Novela de Erico Verissimo..... 41
Despertar .................................................. 41
Ascensão e Queda do Diálogo ................... 42
Café ........................................................... 42
Sinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza Casemiro
Peregrinação no Caminho de Peabiru ...... 1
Walt WhitmanWalt WhitmanWalt WhitmanWalt Whitman
Do Inquieto Oceano Da Multidão ............. 66
Yolanda MorazzoYolanda MorazzoYolanda MorazzoYolanda Morazzo
Barcos ....................................................... 68
TROVAS
Baú de TrovasBaú de TrovasBaú de TrovasBaú de Trovas ........................................... 31
Nelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ Oliveira
No Embalar das Trovas .............................................39
Sinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza Casemiro
Peregrinando em trovas pela região da COMCAM ....1
INDICAÇÃO DE SITES DE LITERATURA ............................................ 88
FONTES ................................................................................................................................................................................................................ 89
RevistaLiterária
“OVoodaGralhaAzul”
nnnn0000. 2. 2. 2. 2 –––– Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010
Idealização, seleção e edição: José
Feldman
Contatos, sugestões, colaborações:
pavilhaoliterario@gmail.com
http://singrandohorizontes.blogsp
ot.com
Paraná... terra de encantos...
luz de um povo varonil!
A flora e fauna são mantos
que engrandecem o Brasil!
José Feldman
Presidente da ALB/PR
Que a humanidade possa aprender com a nossa Gralha-azul e entender que o
equilíbrio e o respeito ecológico entre fauna e flora é fundamental para a existência
do Homem na face da Terra!!!
Prezado Leitor
Esta revista não tem a pretensão e nunca poderá ser considerada como substituição aos livros, jornais,
colunas, etc. que circulam virtualmente ou não, mas sim como mola propulsora de incentivo ao
cidadão para buscar novos conhecimentos, ou relembrar aqueles perdidos na névoa do passado.
Por que o Voo da Gralha Azul? A poetisa norte-americana Emily Dickinson, que viveu no século XIX, diz
“Não há melhor fragata do que um livro para nos levar a terras distantes”. No caso da revista, esta
fragata é a Gralha Azul, que assim como semeia o pinheiro, ela alça voo e semeia no coração de cada
um que alcançar, o pinhão da cultura, em todas as suas manifestações.
Ao leitor, novos conhecimentos.
Ao escritor ou aspirante a tal, sejam poetas, trovadores, romancistas, dramaturgos, compositores, etc.,
um caminho de conhecimento e inspiração.
Obrigado por me permitir dividir consigo estes breves momentos,
José Feldman
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
1
Sinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza Casemiro
(Peregrinação)(Peregrinação)(Peregrinação)(Peregrinação)
Peregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de Peabiru
Vejo a pedra que rola
Querendo ganhar o mundo
Sendo que foi feita pra ficar.
Vejo o barro que se prende nas rodas de um
móvel,
Nos pés calçados ou não do caminhante,
traindo seu destino de ficar.
Não sei se sabem que estão buscando além
do que podem
E do que lhes foi destinado.
Mas sei que a pedra acaba indo longe
Nas construções, nas estradas asfaltadas…
O barro se espalha e se vai…
Sou peregrina que anda
Nos quilômetros deste chão de tantas cores,
De tantas formas, cheiros e marcas,
E estou presa na sua extensão, passo a
passo.
Mas, como as pedras e o barro,
Meus sonhos se vão
Construindo e edificando longe…
Se espalhando feito pó na imensidão do
possível.
Peregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pela
região da COMCAMregião da COMCAMregião da COMCAMregião da COMCAM
COMCAMCOMCAMCOMCAMCOMCAM*
Coração do Paraná,
do Ivaí ao Piquiri,
há canções, e “causos” há,
que lembram gês, guarani.
Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru**
Como rendadas toalhas,
fez-se o nosso Peabiru,
tecido de extensas malhas,
do Paraguai ao Peru.
Terra Sem MalTerra Sem MalTerra Sem MalTerra Sem Mal***
Em migração permanente,
tendo o Sol como fanal,
o guarani segue em frente,
buscando a Terra Sem Mal.
ItararéItararéItararéItararé
A convite de Altoé,
o arqueólogo foi a campo.
descobriu que o Itararé
do Peabiru fez seu canto.
PolêmicasPolêmicasPolêmicasPolêmicas
Aonde vai o Peabiru?
E quem foi que o construiu?
Mesmo não fosse ao Peru,
na COMCAM ele existiu!
PeregrinaçõesPeregrinaçõesPeregrinaçõesPeregrinações
COMCAM da Rota da Fé,
Caminhos de Peabiru,
Terra Sem Mal, São Tomé,
Quão bela canção és tu!
CavalgaCavalgaCavalgaCavalgadas na COMCAMdas na COMCAMdas na COMCAMdas na COMCAM
Relembrando pioneiros
no chão de tuas estradas
te fazem, os cavaleiros,
a região das cavalgadas.
GastronomiaGastronomiaGastronomiaGastronomia
Na COMCAM, gastronomia
tempera os bons corações
trazendo paz e alegria
juntando em festa as nações.
João Maria d’AgostiniJoão Maria d’AgostiniJoão Maria d’AgostiniJoão Maria d’Agostini
O beato João Maria
diz que esteve na região
atendendo ao que sofria,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
2
trazendo consolação.
Campo MourãoCampo MourãoCampo MourãoCampo Mourão
Camorão, Campo Mourão,
filha e mãe tão orquestradas.
Pra nossa bela COMCAM,
fez-se a história nas estradas.
Corumbataí do SulCorumbataí do SulCorumbataí do SulCorumbataí do Sul
Corumbataí do Sul
tem no seu alvorecer,
além do céu muito azul,
trilhas de índios para ver.
PeabiruPeabiruPeabiruPeabiru
A Peabiru coube a glória
de o seu nome registrar
o fato vivo da história
do Caminho milenar.
Barbosa FerrazBarbosa FerrazBarbosa FerrazBarbosa Ferraz
Barbosa em seu chão guardou
tesouro em pedra e sinais,
que o Peabiru registrou
para não perder jamais.
BourbôniaBourbôniaBourbôniaBourbônia
Bourbônia, palco da história
do índio, branco e tropeiro.
Nas trilhas da sua glória
peregrinou-se primeiro.
Quinta do SolQuinta do SolQuinta do SolQuinta do Sol
Quinta do Sol tem encantos,
verde e punjante visão.
Terra de paz, onde há tantos
motivos para a emoção.
FênixFênixFênixFênix
Fênix chamou-se um dia
Vila Rica, em plena glória.
Da Missão que ali existia
guarda viva hoje a memória.
Engenheiro BeltrãoEngenheiro BeltrãoEngenheiro BeltrãoEngenheiro Beltrão
Em Engenheiro Beltrão
há ruínas escondidas,
pois uma nobre Missão
em seu chão ficou perdida.
Terra BoaTerra BoaTerra BoaTerra Boa
Terra Boa, gente boa
escreveu nos seus anais
tanta história que povoa
velhos tempos coloniais.
ArarunaArarunaArarunaAraruna
Bela Araruna, nascida
na moldura do Caminho.
Por Peabiru conhecida,
tem de nós todo o carinho.
MamborêMamborêMamborêMamborê
Mamborê tem seus segredos,
misteriosos sinais.
São curiosos enredos
herdados dos ancestrais.
FarolFarolFarolFarol
No Farol inda há quem conte
que o beato João Maria
batizou a Água da Fonte
e fez muita profecia.
UbiratãUbiratãUbiratãUbiratã
Ubiratã, você traz
entre as suas tradições,
a vocação para a paz
vinda de antigas nações.
JurJurJurJurandaandaandaanda
Oh, Juranda, Jurandah,
no teu nome, tão sonoro,
sempre a graça se achará,
qual um pássaro canoro.
JaniópolisJaniópolisJaniópolisJaniópolis
Foi Janiópolis caminho
e palco de tanta saga.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
3
Hoje é o rico e alegre ninho
de um povo que a paz afaga.
Campina da LagoaCampina da LagoaCampina da LagoaCampina da Lagoa
Campina, orgulhosa, ostenta
pesquisas da arqueologia,
provando, já nos setenta,
que o Peabiru existia!
Nova CantuNova CantuNova CantuNova Cantu
Teu rio, Nova Cantu,
teu tambo, a vila espanhola,
índio, Missão, Peabiru,
tudo em ti é pura escola.
RoncadorRoncadorRoncadorRoncador
Nas trilhas de Roncador
João Maria fez história,
nos “causos” do sofredor
e em coletiva memória.
LuizianaLuizianaLuizianaLuiziana
Luiziana das cachoeiras,
dos caminhos sempre em flor,
das muitas sagas pioneiras
de que herdaste o teu vigor.
Altamira do ParanáAltamira do ParanáAltamira do ParanáAltamira do Paraná
Altamira da COMCAM,
tens beleza singular.
Dos teus rios és guardiã
e orgulho do Paraná.
GoioerêGoioerêGoioerêGoioerê
Goioerê, muitos povos
já trilharam o teu chão
deixando aos teus filhos novos
mui valiosa lição.
Moreira SalesMoreira SalesMoreira SalesMoreira Sales
Moreira és jovem agora
mas tens tão rico passado
muitas nações já outrora
nos teus campos têm lavrado.
RancRancRancRancho Alegreho Alegreho Alegreho Alegre
O rancho de tantos causos
alegres, sempre bravios
desperta muitos aplausos
e afasta os dias sombrios.
IV CentenárioIV CentenárioIV CentenárioIV Centenário
Barro branco, Gato Preto
hoje Quarto Centenário
eu canto neste poemeto
teu passado legendário.
–––––––––––-
Notas:
*COMCAM =Comunidade dos Municípios da
Região de Campo Mourão
** - Caminho do Peabiru – veja na seção
Brasil Folclórico
*** - Terra sem Mal –seção Brasil Folclórico
Sinclair Pozza Casemiro
Possui graduação em Letras Anglo Portuguesa
pela Universidade Estadual de Maringá [UEM] (1976),
mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho [UNESP] (1995), doutorado em
Letras, Área de Filologia e Lingüistica Portuguesa pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
[UNESP] (2001) e pós-doutorado em Letras pela
Universidade de São Paulo [USP].
Coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Estudos e
Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM –
NECAPECAM, com sede em Campo Mourão, pesquisadora
pelo CNPq da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de
Campo Mourão – FECILCAM
Foi diretora e vice-diretora da Faculdade Estadual
de Ciências e Letras de Campo Mourão, FECILCAM,
Brasil.
É Professora da Comunidade dos Municípios de
Campo Mourão, COMCAM
Prêmios e títulos
- 2004 Certificado, Secretaria de Estado da
Ciência,Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
4
- 2003 Honra ao Mérito, FECILCAM.
- 2003 Certificado, FECILCAM - Faculdade Estadual
de Ciências e Letras de Campo Mourão.
- 2003 Certificado de Honra ao Mérito, Conselho
Departamental da FECILCAM - Faculdade Estadual
de Ciências e
Letras de Campo Mourão.
- 2003 Certificado, Coordenação do Curso de
Letras, Universidade Paranaense - UNIPAR.
- 2003 Certificado, Universidade Estadual de
Londrina. – UEL
- 2003 Palmas para Elas - Mulher Especial,
Fundação Cultural de Campo Mourão.
- 2002 Menção Honrosa - Mulheres Destaque 2002,
Secretaria Especial de Cultura do Município de
Campo Mourão.
- 1998 Cidadã Benemérita de Campo Mourão,
Prefeitura Municipal de Campo Mourão.
- 1994 Certificado, Departamento de Linguística
da Faculdade de Ciências e Letras de Assis.
- 1994 Certificado, Auditório da FECILCAM e
FUNDACAM.
- 1992 Certificado, Departamento de Letras do
Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
- 1991 Certificado, UNIFRAN.
- 1991 Certificado, Departamento de Letras da
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras
de Guarapuava.
Entidades a que pertence
– Cadeira n.14 da Academia Mourãoense de
Letras.
– Delegada municipal por Campo Mourão da
União Brasileira dos Trovadores/PR
– Coordenadora de pesquisas do NECAPECAM -
Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Caminho
de Peabiru na região de Campo Mourão (COMCAM),
sua equipe realiza um trabalho de resgate da
história da trilha indígena conhecida pelo
topônimo “Caminhos de Peabiru” . Trata-se de
uma rede pré-colombiana de caminhos indígenas,
cuja extensão, pelos estudos que se vêm
realizando, é bastante polêmica. Para Rosana
Bond, estudiosa do tema, ela pode chegar a mais
de três mil quilômetros, ligando o Oceano
Atlântico ao Pacífico (São Vicente ao Peru). Há
historiadores que contestam essa hipótese e o
NECAPECAM se debruça sobre as mais diferentes
hipóteses para melhor conhecer a história dessa
milenar rota. Algumas das conclusões a que
chegaram os seus pesquisadores são as de que,
baseando-se nas pesquisas arqueológicas de Igor
Chmyz, da década de 1970, na região da COMCAM,
onde se realizam as peregrinações, o Peabiru foi
construído pelos Itararés (do grupo Macro-GÊ); e,
baseando-se nos depoimentos de descendentes do
povo guarani, suas trilhas foram utilizadas, entre
outras formas, pela nação guarani em sua
migração em busca da Terra Sem Mal.
Produção bibliográfica
Artigos publicados em periódicos
– Estudos sobre o Caminho de Peabiru na
COMCAM. Compêndio sobre o Caminho de Peabiru
na COMCAM, Campo Mourão, v. 2, p. 10-25, 2005.
– Estudos Literários de Campo Mourão.
Compêndio da Academia Mouraoense de Letras,
Campo Mourão, v. 1500, p. 147-160, 2004.
– A lingua portuguesa como disciplina. X CELLIP,
Londrina, 2003.
– Linguagem-lingua-fala-discurso-letras. III SIC-
Semana de Iniciação Científica, Campo Mourão, v.
III, p. 109-118, 2002.
Livros publicados/organizados
– (Organizadora). 2º Compêndio da Academia
Mourãoense de Letras Vida & Liberdade - O
Caminho De Peabiru A Terra Sem Mal E Os
Guaranis. 1. ed. Campo Mourão:
UNESPAR/FECILCAM, 2006. v. 1. 172 p.
- Causos do Coração do Paraná – por entre as
beiras do Ivaí e do Piquiri. Editora Sisgraf, 2005.
– Pequeno Vocabulário comentado de usos
lingüísticos no Projeto Caminhos de Peabiru da
COMCAM. 1ª. ed. Campo Mourão:
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
5
UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v.
500. 30 p.
– (Organizadora). Compêndio do Simpósio
Caminho de Peabiru. 1. ed. CAmpo Mourão:
UNESPAR/FECILCAM, 2005. v. 500. 272 p.
– Pequeno Vocabulário comentado de usos
lingüísticos no Projeto Caminho de Peabiru da
COMCAM. 2ª. ed. Campo Mourão:
UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v.
500. 45 p.
– (Organizadora) . Caminho de Peabiru projeto
de resgate -Compêndio sobre o Caminho de
Peabiru na COMCAM Micro-Região 12 do Paraná.O
Silêncio E As Vozes Sobre O Caminho De Peabiru
Nos Discursos Da História Da Comcam- Micro
Região 12. 1. ed. Campo Mourão: NECAPECAM,
2005. v. 1. 209 p.
– Enquanto conto, encanto o conto - lendas,
contos e rumores de Campo Mourão. 1ª. ed.
Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. v.
5000. 100 p.
– (Organizadora). Compêndio da Academia
Mourãoense de Letras. 1ª. ed. Campo Mourão:
UNESPAR/FECILCAM, 2004. v. 1. 182 p.
– (Organizadora). IV Semana de Iniciação
Científica. 1. ed. Campo Mourão: FECILCAM-Campo
Mourão, 2003. v. 1. 540 p.
– Caminhos In versos. 3ª. ed. Curitiba: Francisco
Pinheiro, 2002. v. 1000. 110 p.
– Um olhar sobre a língua...Portuguesa? A
formação do Professor como desafio. 1ª. ed.
Campo Mourão: Unespar, 2001. v. 800. 101 p.
– Novos Conteúdos Para O Curso De Letras Na
Terminalidade De Formação Do Professor De
Língua Materna.. 1. ed. Assis: UNESP, 2001. v. 1.
281 p.
– Amigos da Poesia. 1ª. ed. Campo Mourão:
Kromoset, 2000. v. 600. 80 p.
– Caminhos In versos. 1ª. ed. Curitiba: Francisco
Pinheiro, 1997. v. 1000. 110 p.
– Emprego Dos Verbos Ter E Haver. 1. ed. Assis:
Universidade Estadual Paulista/Assis-SP, 1991. v.
1. 84 p.
– A Informática E A Estatística Na Língüística. 1.
ed. Assis: Universidade Estadual Paulista"Julio De
Mesquita Filho", 1991. v. 1. 34 p.
Diversos textos em jornais de notícias/revistas
Antonio BrásAntonio BrásAntonio BrásAntonio Brás
ConstanteConstanteConstanteConstante
(Humor, Terror e(Humor, Terror e(Humor, Terror e(Humor, Terror e
Salvação em um ContoSalvação em um ContoSalvação em um ContoSalvação em um Conto
de Natal)de Natal)de Natal)de Natal)
A cena continha vários detalhes que
lembravam o Natal, ainda que não houvesse
renas por ali. Havia um pinheiro enorme,
pisca-piscas, quase todos os tipos de
bebidas, um cheiro diferente no ar... (que não
era causado pelas renas, pois elas realmente
não existiam por ali)
O que mudava o contexto natalino era
que o pinheiro serviu para parar o carro que
tinha vindo desgovernado e em alta
velocidade na sua direção. Os pisca-piscas,
não passavam de sinalizações indicando que
aquela estrada estava em obras. As várias
bebidas estavam todas armazenadas no
corpo do sujeito desmaiado e ensangüentado
que jazia abraçado ao volante e, por fim, o
cheiro no ar era de gasolina (eu falei que não
eram as renas), que saia do tanque
perfurado do veículo. O liquido inflamável
escorria e deslizava pela terra, chegando
cada vez mais perto de um principio de
incêndio, localizado na dianteira do
automóvel, iniciado devido ao impacto.
Mas havia algo mais. Algo que estava
ocorrendo na mente do motorista
embriagado. Era ali que estava para ocorrer à
verdadeira história de Natal. Quem olhasse
de longe para as ferragens retorcidas, não
poderia imaginar que naquele momento, um
homem estivesse encontrando seu destino
de forma tão surreal.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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Kaio das Pontes era seu nome, um
nome que passou bem perto de ser gravado
em uma lápide fria, visto que ele poderia ter
morrido em decorrência da brutal batida na
qual foi algoz e vítima. Se bem que sua
situação ainda era delicada, pois tinha
quebrado vários ossos, e perdido muito
sangue. Mas, o pior é que seu carro poderia
explodir a qualquer momento.
O lugar estava deserto e desolado,
nenhum sinal de vida, nem sequer uma placa
indicando algum Fast-food de beira de
estrada. Em meio ao quase silêncio (ouvia-se
apenas alguns ruídos típicos de florestas)
uma luz começou a brilhar, próxima ao pára-
brisa quebrado (deixando a cena do acidente
mais iluminada, porém, ainda silenciosa).
A partir do aparecimento da estranha
luz, tudo que estava em volta do veículo
congelou. As folhas pararam de se mover, o
vento parou de soprar e mesmo os ruídos
florestais ao seu redor cessaram. A
luminosidade tomou forma, e tal qual o conto
de Natal: "Os fantasmas de Scrooge", Kaio
também passou a receber a visita de três
espíritos (anjos ou demônios, dependendo da
crença de cada um). Um para mostrar-lhe o
passado, outro o presente e um último
apresentando seu futuro.
O primeiro fantasma apareceu na
figura de um cachorro vestido de garçom, e
que urinou no rosto do moribundo para
acordá-lo. Ao perceber o que aquela criatura
peluda tinha feito, Kaio começou a praguejar,
mas parou ao levar uma mordida na perna. O
cão falava, não com palavras, mas com
pensamentos, e fedia, como fedia, exalando
um odor insuportável de cachorro molhado.
Kaio já não estava mais em seu carro,
mas de volta ao seu próprio passado. Ele
passou a relembrar de todas as situações
que o levaram a beber, as festas, as alegrias
e tristezas sempre comemoradas ou
esquecidas com álcool.
Ao ver a si próprio naquele passado,
começou a perceber o quanto se tornara
dependente daquele vício maldito. Mas era
tão bom o torpor que a bebida lhe trazia. Era
como um elixir que lhe curava todos os seus
males. Algo que lhe dava coragem e
afugentava a dor e as lembranças amargas
de sua vida.
O cão percorreu com ele a trilha
tortuosa dos primeiros passos do alcoólatra,
e do grande problema nesta unificação entre
Homem e bebida, em que nós seres
humanos somos péssimos vasilhames, e
onde até mesmo os uísques importados
viram urina quando estocados em nosso
organismo. Pois na grande maioria das vezes
que o ser humano resolve bancar o porta-
álcool, acaba estragando seu convívio social
e até mesmo a sua própria vida, já que de
gole em gole tornamos a vida um porre.
O cachorro também lhe mostrou,
enquanto abanava a cauda, que mesmo
sendo um viciado nos prazeres e desprazeres
da bebida, Kaio ainda havia conseguido um
emprego razoável e uma família com esposa
e filhos. Por fim o cão trouxe-lhe de volta ao
seu carro acidentado.
O homem baixou a cabeça, mas antes
que pudesse se recobrar de seu estado
deprimente apareceu o segundo fantasma.
Ele veio na forma de uma gigantesca lagosta
com roupas de bailarina (o balé era o sonho
de carreira que sua esposa largou para se
dedicar ao marido e aos filhos). Lembrando
da mordida do primeiro anjo, Kaio (que
adorava lagostas) achou melhor não esboçar
qualquer reação diante daquela figura
estranha que lhe puxou para fora do carro
com um beliscão no braço, levando-o
diretamente aos acontecimentos que
causaram seu acidente.
Ele viu seu dia recomeçar, sempre no
bar. Seu corpo mole do trago chegando
novamente atrasado ao serviço e desta vez
sendo demitido. Ao voltar para casa, reviveu
a briga com sua mulher, mais uma entre
várias que já se passaram, com um
agravante, desta vez houve agressão física
com troca de tapas e socos. Ele ouviu
novamente o choro de seus pequenos filhos,
que por estarem chorando também
apanharam. Tudo tão real, tão vergonhoso.
Por fim acompanhou sua esposa saindo de
casa, levando algumas malas e seus dois
filhos, um no colo e outro pela mão.
Kaio poderia ter ido atrás dela, ter lhe
pedido desculpas pelas besteiras que fez,
implorando que ficasse. Ele poderia ter dito
que a amava e que amava seus filhos. Mas
preferiu encontrar o conforto de uma garrafa.
Bebeu toda que encontrou, até ser expulso
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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do bar. Saiu de lá cambaleando e pegou seu
carro.
Veio pela estrada quase em coma
alcoólico até perder a direção e bater contra
aquele velho pinheiro. Agora estava ali,
relembrando todos os seus erros. Estava
novamente estropiado e ensangüentado
dentro do carro. Seus olhos mareados de
lágrimas. A dor do corpo tornara-se menor
que a sofrida por sua alma destruída pela
bebida e estraçalhada pelas lembranças. O
que viria a seguir? Uma rena vestida de Papai
Noel?
Então chegou o terceiro fantasma.
Uma pomba, nua como qualquer pomba que
possa existir, mesmo sendo uma pomba
fantasma. Ela mostrou a ele que sua morte
traria tristeza para a família, mas também
traria alívio. O rosto de sua esposa já não era
cheio de medo dos ataques de fúria do
marido. Seus filhinhos passaram a dormir
melhor, sem acordarem chorando no meio da
noite, apavorados com aquele monstro
cheirando a cachaça, que gritava enquanto ia
quebrando tudo que encontrava pela casa.
A pomba também mostrou o que
aconteceria se Kaio sobrevivesse. Ela
Mostrou-lhe vários futuros, em alguns deles
ele voltava para a bebida, porém, em outros
conseguia superar o vício. A escolha devia ser
feita. Viver ou morrer. Lutar ou se deixar
vencer.
O homem estava totalmente
transtornado, seu rosto molhado de lágrimas
e sujo de sangue, fedendo a urina de
cachorro. A vontade de viver parecia ter se
apagado junto com as últimas imagens. Kaio
largou o peso do corpo sobre banco e se
entregou ao destino. Era tão fácil desistir,
abraçar a morte, não ter que enfrentar a
vergonha, ou mesmo lutar para mudar a
própria vida.
Finalmente o fogo alcançou a
gasolina. Naquele fatídico momento, o
clamor de seu coração por uma nova chance
falou mais alto. Apesar de tudo queria viver.
Não podia terminar assim, não como um
churrasquinho humano, não agora que tinha
visto sua vida sobre uma nova ótica, e que
poderia mudá-la, por mais difícil que fosse.
No entanto, suas preces não pareciam ter
surtido qualquer efeito, pois o mundo a sua
volta explodiu. A última coisa que viu foi à
imagem da pomba voando...
Tudo estava escuro e sereno. Após
uma verdadeira eternidade de trevas, seus
olhos emergiram para uma luz, cegante e
intensa. Aos poucos começou a ouvir
murmúrios e sons irreconhecíveis. A
consciência foi voltando ao corpo. Estava em
um hospital. Milagrosamente sobreviveu. A
explosão o havia lançado para longe do carro
e atraído uma viatura da polícia. Estava
consciente de que recebera o melhor
presente de todos: A vida, juntamente com
uma nova chance de ser feliz. A partir dali só
dependeria dele. PRELÚDIO: ao olhar pela
janela Kaio pode perceber, ao longe, uma
rena vestida de Papai Noel…
Antonio Brás Constante, natural de Porto Alegre.
Residente em Canoas/RS. Bacharel em computação,
bancário e cronista de coração, escreve com naturalidade,
descontraída e espontaneamente, sobre suas idéias, seus
pontos-de-vista, sobre o panorama que se descortina
diferente a cada instante, a nossa frente: a vida. Membro
da ACE (Associação Canoense de Escritores).
Arioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso Cruz
(Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias)
ContrapontoContrapontoContrapontoContraponto
Eu fui feliz quando te vi cantando,
Como feliz eu fui quando sorrias.
Na tua vida fui-me abandonando,
Nos teus caprichos consumi meus dias.
Hoje, tu passas, nem sequer notando
Este coitado em quem tu te valias
Quando, de angústia, muita vez chorando,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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Neste ombro amigo as mágoas desfazias.
Mas, pouco importa se tudo esqueceste,
Pois, de nós dois, somente tu perdeste
Quando, afinal, me deste liberdade.
Um coração magoado injustamente,
Compreende logo que uma dor mordente
É o contraponto da felicidade
DespertandoDespertandoDespertandoDespertando
Não temo este universo em que desperto
Da fuga interminável de sonhar,
Quando nem consegui reter por perto
Fragmentos do estar, ou do passar.
Foi um completo turbilhão, deserto
De valores vitais em que apoiar
O leque de experiências em aberto
Que nunca me cabiam vivenciar.
Pressinto já momentos de beleza,
Numa vida juncada da certeza
Multiforme do despertar seguro,
Que é saudade agridoce o sonho albino
Deste misto de humano e de divino
Cujo ser se projeta no futuro.
Arioswaldo Trancoso Cruz
Filho de Bernardo Cruz e de Oscália Trancoso
Cruz, nasceu em Morretes, Paraná, em 29 de julho de 1942.
Sua formação acadêmica e profissional foi realizada em
Porto Alegre, onde viveu dos 7 aos 38 anos de idade.
Retornou ao Paraná, em Curitiba, em 1980, atuando alguns
anos no comércio de panificação.
Professor de Filosofia e História na Rede Pública
Estadual de Ensino.
Poeta, artesão e desenhista.
Integrante das entidades culturais:
- Centro de Letras do Paraná;
- Academia de Letras José de Alencar (atualmente
como presidente)
- Sala do Poeta do Paraná
Possui sonetos premiados por estas entidades
curitibanas, além de poesias publicadas em periódicos
locais e no livro "Poetas e Poesias de Ouro", da Editora
Litteris, Rio de Janeiro.
Aventuras deAventuras deAventuras deAventuras de
Pedro MalasartesPedro MalasartesPedro MalasartesPedro Malasartes
(2)(2)(2)(2)
MalasartesMalasartesMalasartesMalasartes fez o urubu falarfez o urubu falarfez o urubu falarfez o urubu falar
Quando o pai de Pedro Malasartes
entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos
bens - uma casinha velha - entre os filhos; e
tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da
casa, com o que ele ficou muito contente.
Pôs a porta no ombro e saiu pelo
mundo. Em caminho viu um bando de urubus
sobre um burro morto. Atirou a porta sobre
eles e caçou um urubu que ficou com a perna
quebrada.
Apanhou-o, pôs a porta às costas e
continuou viagem. Obra de uma légua ou
mais, avistou uma casa de onde sala fumaça,
o que queria dizer que se estava preparando
o jantar.
Pedro Malasartes, que sentia fome,
bateu à porta e pediu de comer.
Veio atendê-lo uma preta lambisgóia
que foi logo dizer à patroa que ali estava um
vagabundo, com um urubu e uma porta, a
pedir de jantar.
A mulher mandou que o despachasse,
que sua casa não era coito de malandros.
O marido estava de viagem e a mulher no seu
bem bom a preparar um banquete para
quem ela muito bem o destinava. Neste
mundo há coisas!
Pedro Malasartes, tão mal recebido
que foi, resolveu subir para o telhado,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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valendo-se da porta que trazia e lhe serviria
de escada. Subiu e ficou espreitando o que
se passava naquela casa, tanto mais que
sentia o cheiro dos bons petiscos.
Espiando pelos vãos das telhas viu os
preparativos e tomou nota das iguarias, e
ouviu as conversas e confidências da patroa
e da negra.
Justamente na hora do jantar chegou
o dono da casa que resolvera voltar
inesperado da viagem que fazia.
Quando a mulher percebeu que ele se
aproximava, mandou esconder os pratos do
banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito
fingida, muito risonha, mas por dentro
queimando de raiva.
Vai dai mandou pôr na mesa a janta
que constava de feijão aguado, paçoca de
carne seca, dizendo:
- Por que não me avisou, marido?
Sempre se havia de aprontar mais alguma
coisa...
Sentaram-se à mesa.
Pedro Malasartes desceu de seu posto
e bateu na porta, trazendo o urubu.
O dono da casa levantou-se e foi ver
quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de
comida e ele chamou-o para a mesa a servir-
se do pouco que havia. A mulher estava
desesperada, desconfiando com a volta do
Malasartes. Pedro tomou assento, puxou o
urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé
num pedaço de corda. Estavam os dois
homens conversando, quando de repente o
Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e
este se pôs a gritar:
Uh! uh! uh!
O dono da casa levou um susto e
perguntou que diabo teria o bicho. Pedro
respondeu muito sério:
- Nada! São coisas. Está falando
comigo.
- Falando! Pois o seu bicho fala?!
- Sim senhor, nós nos entendemos.
Não vê como o trago sempre comigo? É um
bicho mágico, mas muito intrometido.
- Como assim?
- Agora, por exemplo, está dizendo que
a patroa teve aviso oculto da volta do senhor
e por isso lhe preparou uma boa surpresa.
- Uma surpresa! Conte lá isso como é.
- É deveras! Uma excelente leitoa
assada que está ali naquele armário...
- Pois é possível! Ó mulher, é verdade
o que diz o urubu deste moço?
Ela com receio de ser apanhada com
todo o banquete e certa já de que Pedro
sabia da marosca, apressou-se em
responder:
- Pois então? Pura verdade! O bicho
adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim
do jantar.
E gritou pela preta:
- Maria, traz a leitoa.
A negra veio logo correndo, mas de má
cara, com a leitoa assada na travessa.
Daí a pouco Pedro Malasartes pisou
outra vez no urubu que soltou novo grito. O
dono da casa perguntou:
- O que é que ele está dizendo?
- Bicho intrometido! Está candongando
outra boca, bicho!
- O que é?
- Outras surpresas...
- Outras!
- Sim senhor: um peru recheado...
- É verdade, mulher?
- Uma surpresa, maridinho do coração!
Maria, traz o peru recheado que preparei
para teu amo.
Veio o peru. E pelo mesmo expediente
conseguiu Pedro Malasartes que viessem
para a mesa todas as iguarias, doces e
bebidas que havia em casa.
Ao fim do jantar, o dono da casa,
encantado com as proezas do urubu, propôs
comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu
muito bem vendido, enquanto a mulher e a
preta bufavam de raiva, crentes também no
poder mágico do bicho, que assim seria um
constante espião de tudo quanto fizessem.
Fechado o negócio, Pedro Malasartes
partiu satisfeito e vingado.
De como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubu
O dono da casa vendo que o urubu de
Pedro Malasartes era encantado e sabia
descobrir todos os segredos, propôs-lhe
comprá-lo.
Malasartes, pescando que estava em
véspera de fazer um bom negócio, encareceu
ainda mais as virtudes do urubu e pediu este
mundo e o outro.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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O homem vacilou em fechar o negócio,
e Pedro, justamente quando uma preta velha
veio trazer café a sala, disse ao dono da casa
de modo que a mucamba ouvisse:
- Este bicho é deveras encantado,
patrão. ele é capaz de descobrir outras
coisas que se passam em sua casa sem o
senhor saber.
- Não me diga isto!
- É o que lhe digo. Mas, para que ele
não emudeça e possa contar tudo que tenha
visto, é preciso que haja o maior cuidado
para que nenhuma mulher lhe verta água na
cabeça. E, se quiser experimentar, deixe-o
esta noite ficar no corredor, que amanha
teremos que saber muitas novidades.
O homem aplaudiu a proposta e
prometeu comprar o urubu se saísse certo o
que lhe dizia o Malasartes.
Mas a preta que tinha ouvido a
combinação mal saiu da sala foi contar tudo
à senhora, que ficou muito assustada, pois
que, naquela noite, havia de receber a visita
do sacristão da vila, e não sabia como
arranjar para que o urubu candongueiro não
pusesse tudo a perder.
A preta teve uma luz, e disse que não
havia perigo, pois ela se encarregaria de
verter água na cabeça do urubu para que ele
perdesse o encanto.
Às tantas da noite todos se foram
acomodar, tendo Malasartes cuidado de
deixar o bicho no corredor, fazendo de
sentinela.
Lá para a virada da noite, a dona da
casa, pé que pé, veio abrir a janela, por onde
saltou para dentro o sacristão, enquanto a
preta estava fazendo o que prometera na
cabeça do urubu.
Quando o bicho se viu com a cabeça
toda molhada, não teve mais conversa - tico!
e deu uma bicada na preta lá onde quis e ela
ficou segura, e vai então a negra soltou um
grito.
A senhora, temendo que o marido
despertasse, correu para arrancar a sua
mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo
braço, mas não houve meio. A rapariga,
então no auge do aperto, apegou-se no braço
da senhora que se pôs também a gritar. O
sacristão acudiu para ver se podia ajudar as
duas a se desvencilharem. Mas, já a este
tempo, Pedro Malasartes havia despertado o
dono da casa. E os dois correram a ver o que
era e encontraram aqueles três assim como
estavam.
E vai então o dono da casa descobriu
tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os
ossos tanto da senhora como da escrava e
resolveu comprar o urubu.
Mas ai é que foi a história. Pedro
Malasartes pediu pelo bicho cinco contos de
réis. Abate que não abate, o homem teve
mesmo de encorropichar o cobre, vintenzinho
por vintenzinho, e Pedro Malasartes,
deixando ficar o urubu, de quem se despediu
chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no
pátio da fazenda uma carneirada, resolveu
levá-la também e foi tocando como se fosse
dono dela.
Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel
(Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias)
DORDORDORDOR
Não tenho mal nenhum, senhora minha,
como se fosse puro, imaculado,
como se fosse um anjo, um serafim,
como se fosse deus, imune à dor.
Eu nada sinto, dor nenhuma tenho,
quer na cabeça, quer no amargo peito.
Não tenho mal nenhum, senhora minha,
perfeitamente são me sinto e puro.
Se existe mal em mim, se existe dor,
é a de morrer tão cedo, a pleno sol,
envelhecer como qualquer mortal.
E a dor maior, minha senhora bela,
é dentro d'alma, bem profunda e aguda,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
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a dor chamada angústia, a dor de ser.
POSSESSÃOPOSSESSÃOPOSSESSÃOPOSSESSÃO
Nada é meu,
nem a vida,
que é minha.
SSSSÍSIFOÍSIFOÍSIFOÍSIFO
Para Cátia Silva
O meu destino é semelhante àquele
imposto ao legendário rei coríntio,
que carregava ao ombro para o monte
pedra que despencava em avalancha.
Buscava novamente a rocha bruta,
subia o monte e, mal chegava ao cimo,
de suas mãos sangradas escapava
o mineral, que ao solo retornava.
E assim jamais o seu suplício ao fim
chegava, mesmo exausto, quase morto.
O meu suplício é semelhante ao dele
- a cada “não” que tu me dizes, subo
minha montanha, carregando pedras,
que se desprendem de meus ombros, rolam
ladeira abaixo, e volto a ti, pedinte.
E tu de novo dizes “não”, sorrindo.
Apanho minha rocha, subo o monte.
Se conseguir chegar ao cimo e lá
deitar a pedra, ao chão fincá-la, o “sim”
de ti terei; porém fui condenado
a carregar meu fardo vida afora
e vê-lo escorregar pelas escarpas.
E quando quase morto me encontrar,
sabendo, embora, que somente “não”
a mim dirás, ainda assim direi:
“Melhor este suplício, a ser feliz
longe dos olhos teus, vizinho à morte”.
SONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULAR
Para Francisco Carvalho
Nos campos de meu pai antigamente
as chuvas inundavam meus pensares
e do pomar do céu pingavam frutos.
Ventos ninavam aves repousadas
nas árvores vigias de seu sono,
sentinelas da luz crepuscular.
As ovelhas baliam suas crias,
os vaga-lumes alumbravam tudo
e a solidão das vacas nos currais.
Duendes se assustavam co’os trovões.
Na escuridão dos quartos o perfume
do amor gemente à sombra dos lençóis.
Invernos que de mim se evaporaram
nos campos de meu pai antigamente.
---------–
Nilto Maciel (1945)
Nasceu em Baturité, Ceará, em 1945. Ingressou na
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em
70. Criou, em 76, com outros escritores, a revista O Saco.
Mudou-se para Brasília em 77, tendo trabalhado na Câmara
dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de
Justiça do DF. Regressou a Fortaleza em 2002. Editor da
revista Literatura desde 91.
Obteve primeiro lugar em alguns concursos
literários nacionais e estaduais: Secretaria de Cultura e
Desporto do Ceará, 1981, com o livro de contos Tempos de
Mula Preta; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará,
1986, com o livro de contos Punhalzinho Cravado de Ódio;
“Brasília de Literatura”, 90, categoria romance nacional,
promovido pelo Governo do Distrito Federal, com A Última
Noite de Helena; “Graciliano Ramos”, 92/93, categoria
romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de
Alagoas, com Os Luzeiros do Mundo; “Cruz e Sousa”, 96,
categoria romance nacional, promovido pelo Governo do
Estado de Santa Catarina, com A Rosa Gótica; VI Prêmio
Literário Cidade de Fortaleza, 1996, Fundação Cultural de
Fortaleza, CE, com o conto “Apontamentos Para Um
Ensaio”; “Bolsa Brasília de Produção Literária”, 98,
categoria conto, com o livro Pescoço de Girafa na Poeira;
"Eça de Queiroz", 99, categoria novela, União Brasileira de
Escritores, Rio de Janeiro, com o livro Vasto Abismo.
Organizou, com Glauco Mattoso, Queda de Braço –
Uma Antologia do Conto Marginal (Rio de
Janeiro/Fortaleza, 1977). Participa de diversas coletâneas,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
12
entre elas Quartas Histórias – Contos Baseados em
Narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de
Fernandes (Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2006).
Tem contos e poemas publicados em esperanto,
espanhol, italiano e francês. O Cabra que Virou Bode foi
transposto para a tela (vídeo), pelo cineasta Clébio Ribeiro,
em 1993.
LIVROS PUBLICADOS:
- Itinerário, contos, 1.ª ed. 1974, ed. do Autor,
Fortaleza, CE; 2.ª ed. 1990, João Scortecci Editora, São
Paulo, SP.
- Tempos de Mula Preta, contos, 1.ª ed. 1981,
Secretaria da Cultura do Ceará; 2.ª ed. 2000, Papel Virtual
Editora, Rio de Janeiro, RJ.
- A Guerra da Donzela, novela, l.ª ed. 1982, 2.ª ed.
1984, 3.ªed. 1985, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre,
RS.
- Punhalzinho Cravado de Ódio, contos, 1986,
Secretaria da Cultura do Ceará.
- Estaca Zero, romance, 1987, Edicon, São Paulo,
SP.
- Os Guerreiros de Monte-Mor, romance, 1988,
Editora Contexto, São Paulo, SP.
- O Cabra que Virou Bode, romance, 1.ª ed. 1991, 2.ª
ed. 1992, 3.ª ed. 1995, 4.ª ed. 1996, Editora Atual, São
Paulo, SP.
- As Insolentes Patas do Cão, contos, 1991, João
Scortecci Editora, São Paulo, SP.
- Os Varões de Palma, romance, 1994, Editora
Códice, Brasília.
- Navegador, poemas, 1996, Editora Códice, Brasília.
- Babel, contos, 1997, Editora Códice, Brasília.
- A Rosa Gótica, romance, 1.ª ed. 1997, Fundação
Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC (Prêmio Cruz e
Sousa, 1996), 2.ª ed. 2002, Thesaurus Editora, Brasília, DF.
- Vasto Abismo, novelas, 1998, Ed. Códice, Brasília.
- Pescoço de Girafa na Poeira, contos, 1999,
Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela
Editora Gráfica, Brasília.
- A Última Noite de Helena, romance, 2003. Editora
Komedi, Campinas, SP.
- Os Luzeiros do Mundo, romance, 2005. Editora
Códice, Fortaleza, CE.
- Panorama do Conto Cearense, ensaio, 2005.
Editora Códice, Fortaleza, CE.
- A Leste da Morte, contos, 2006. Editora Bestiário,
Porto Alegre, RS.
- Carnavalha, romance, 2007. Bestiário, Porto
Alegre, RS.
ORGANIZADOR:
Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima, ensaios,
artigos e resenhas, 2006. Ed. UNIFOR, Fortaleza, CE.
PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS:
- Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal,
seleção de Glauco Mattoso e Nilto Maciel. Clube dos Amigos
do Marsaninho, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1977. Contos:
“As Fantásticas Narrações das Meninas do São Francisco” e
“Sururus no Lupanar”.
- Conto Candango, coordenação de Salomão Sousa.
Coordenada Editora de Brasília, 1980. Conto: “As Pequenas
Testemunhas”.
- Horas Vagas (Coletânea 2), organizada por Joanyr
de Oliveira. Coleção Machado de Assis, volume 42, Contos,
Senado Federal, Brasília, 1981. Conto: “Detalhes
Interessantes da Vida de Umzim”.
- O Prazer da Leitura, organizada por Jacinto
Guerra, Ronaldo Cagiano, Nilce Coutinho e Cláudia Barbosa.
Editora Thesaurus, Brasília, 1997. Conto: “Ícaro”.
- Almanaque de Contos Cearenses, organizado por
Elisangela Matos, Pedro Rodrigues Salgueiro e Tércia
Montenegro. Edições Bagaço, Recife, PE, 1997. Conto:
“Apontamentos para um Ensaio”.
- Poesia de Brasília, organizada por Joanyr de
Oliveira. Livraria Sette Letras, Rio de Janeiro, 1998.
Poemas: “Odisséia Interior”, “Oferenda” e “Nem todo
amor...”
- Poesía de Brasil – volumen 1, organizada por
Aricy Curvello e traduzida para o espanhol por Gabriel
Solis. Edição Proyecto Cultural Sur/Brasil, Bento
Gonçalves, RS, 2000. Poemas: “Calvario”, “De
Desapariciones y de Ruinas”, “Francisca” e “Arco Iris”.
- Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil,
França, Itália e Portugal, organizada por Jean Paul Mestas.
Universitária Editora, Lisboa, Portugal, 2000. Edição em
francês e português. Poemas: “Lutin”/ “Duende”, “Avec
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
13
les pieds par terre” / “Com os pés no chão”, “Auroral” /
“Amanhança”, “Pro-phétique” / “Prof-ética”.
- Antologia de Haicais Brasileiros, organizada por
Napoleão Valadares. André Quicé Editor, Brasília, 2003.
- Antologia de Contos Cearenses, organizada por
Túlio Monteiro. Coleção Terra da Luz, tomo I, Fundação de
Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2004. Conto:
“Casa Mal-assombrada”.
- Antologia do Conto Brasiliense, seleção e
organização por Ronaldo Cagiano. Projecto Editorial,
Brasília, 2004. Conto: “Aníbal e os Livros”.
- Os Rumos do Vento/ Los Rumbos del Viento
(Antologia de Poesia), coordenação de Alfredo Pérez
Alencart e Pedro Salvado. Câmara Municipal de Fundão,
Porotugal e Trilce Ediciones, Salamanca, Espanha, 2005.
Poema: “Arco-íris”.
- Quartas Histórias – contos baseados em narrativas
de Guimarães Rosa, org. Rinaldo de Fernandes. Rio de
Janeiro, Ed. Garamond, 2006. Conto: “Águas de Badu”.
- Todas as Gerações – O Conto Brasiliense
Contemporâneo, org. por Ronaldo Cagiano. Brasília, LGE
Editora, 2006. Conto “Avisserger Megatnoc”.
- 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros,
edición bilingüe español-portugués, org. por Nelson de
Oliveira e tradução de Federico Lavezzo. Córdoba,
Argentina, Editorial Comunicarte, 2007. Conto “Ave-
Marias”.
Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos
(O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital)
O médico, paciente como se falasse a
uma criança, engana-me asseverando que
permanecerei aqui duas semanas. Recebo a
notícia com indiferença. Tenho a certeza de
que viverei pouco, mas o pavor da morte já
não existe. Olho o corpo magro estirado no
colchão duro e parece-me que os ossos
agudos, os músculos frouxos e reduzidos,
não me pertencem.
Nenhum pudor. Alguém me estendeu
uma coberta sobre a nudez.
Como é grande o calor, descobri-me,
embora estivessem muitas pessoas na sala.
E não me envergonhei quando a enfermeira
me ensaboou e raspou os pêlos do ventre.
Ao deitar-me na padiola, deixei os
chinelos junto da cama; ao voltar da sala de
operações, não os vi.
O médico se dirige em linguagem
técnica a uma mulher nova, e ela me
examina friamente, como se eu fosse um
pouco de substância inerte, diz que os meus
sofrimentos vão ser grandes.
Por enquanto estou apenas
atordoado. Aquela complicação, tinir de
ferros, máscaras curvadas sobre a mesa, o
cheiro dos desinfetantes, mãos enluvadas e
rápidas, as minhas pernas imóveis, um traço
na pele escura de iodo, nuvens de algodão,
tudo me dança na cabeça. Não julguei que a
incisão tivesse sido profunda. Uma reta na
superfície. Considerava-me quase defunto,
mas no começo da operação esta idéia foi
substituída por lembranças da aula primária.
Um aluno riscava figuras geométricas no
quadro-negro.
Morto da barriga para baixo. O resto
do corpo iria morrer também, no dia seguinte
descansaria no mármore do necrotério, seria
esquartejado, serrado.
Fechei os olhos, tentei sacudir a
cabeça presa. Uma cara me perseguia, cara
terrível que surgira pouco antes, na
enfermaria dos indigentes. Eu ia na padiola,
os serventes tinham parado junto a uma
porta aberta - a grade alvacenta aparecera,
feita de tiras de esparadrapo, e, por detrás
da grade, manchas amarelas, um nariz
purulento, o buraco negro de uma boca,
buracos negros de órbitas vazias. Esse
tabuleiro de xadrez não me deixava, era mais
horrível que as visões ferozes do longo
delírio.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
14
O trabalho dos médicos iria prolongar-
se, cacete, meses e meses, ou findaria vinte
e quatro horas depois, no necrotério?
Cortado em pedaços, uma salmoura
esbranquiçada cheirando a formol, o
atestado de óbito redigido à pressa, um
cirurgião de mangas arregaçadas lavando as
mãos, extraordinariamente distante de mim.
Agora espero os sofrimentos
anunciados. Um gemido fanhoso de relógio
fere-me os ouvidos e fica vibrando.
Insensível, olho as pernas compridas, a dobra
que entre elas se forma na coberta. Outras
pancadas vaga rosas tremem, abafando os
cochichos que fervilham na sala. Parece-me
virem juntas à primeira: a meia hora
decorrida perdeu-se.
Inércia, um vácuo enorme, o
prognóstico da mulher nova ameaçando-me.
Sono, fadiga, desejo de ficar só. Alguém se
debruça na cama, encosta a orelha ao meu
coração. Furam-me o braço, uma agulha
procura lentamente a veia.
Escuridão, silêncio. Depois um
instrumento de música a tocar, a sombra
adelgaçando-se, telhados, árvores e igrejas
esboçando-se à distância. Tenho a sensação
de estar descendo e subindo, balançando-me
como um brinquedo na extremidade de um
cordel.
A dormência prolongada pouco a
pouco se extingue. Os dedos dos pés mexem-
se, em seguida os pés, as pernas - e enrosco-
me como um verme. Uma angústia me
assalta, a convicção de que me aleijaram.
Esta idéia é tão viva que, apesar de terem
voltado os movimentos, afasto a coberta,
para certificar-me de que não me amputaram
as pernas. Estão aqui, mas ainda meio
entorpecidas, e é como se não fossem
minhas.
As idas e vindas, as viagens para cima
e para baixo, cansam-me demais, penso que
uma delas será a última, que o cordel vai
quebrar se, deixar-me eternamente parado.
Noite. A treva chega de repente, entra
pelas janelas, vence a luz da lâmpada. Uma
friagem doce. A chuva açoita as vidraças.
Durmo uns minutos, acordo, adormeço
novamente. Neste sono cheio de ruídos
espaçados – rolar de automóveis, um canto
de bêbado, lamentações dos outros doentes -
avultam as pancadas fanhosas do relógio.
Som arrastado, encatarroado e descontente,
gorgolejo de sufocação. Nunca houve relógio
que tocasse de semelhante maneira. Deve
ser um mecanismo estragado, velho,
friorento, com rodas gastas e desdentadas.
Meu avô me repreendia numa fala assim
lenta e aborrecida quando me ensinava na
cartilha a soletração. Voz autoritária e nasal,
costumada a arengar aos pretos da fazenda,
em ordens ásperas que um pigarro
interrompia. O relógio tem aquele pigarro de
tabagista velho, parece que a corda se
desconchavou e a máquina decrépita vai
descansar.
Bem. Daqui a meia hora não ouvirei as
notas roucas e trêmulas.
Vultos amarelos curvam-se sobre a
cama, que sobe e desce, levantam-me,
enrolam-me em pastas de algodão e
ataduras, esforçam-se por salvar os restos
deste outro maquinismo arruinado. Um
líquido acre molha-me os beiços. Serventes e
enfermeiros deslocam-se com movimentos
vagarosos e sonâmbulos, a luz esmorece, dá
aos rostos feições cadaverosas.
Impossível saber se é esta a primeira
noite que passo aqui. Desejo pedir os meus
chinelos, mas tenho preguiça, a voz sai-me
flácida, incompreensível. E esqueci o nome
dos chinelos. Apesar de saber que eles são
inúteis, desgosta-me não conseguir pedi-Ias.
Se estivessem ao pé da cama, sentir-me-ia
próximo da realidade, as pessoas que me
cercam não seriam espectrais e absurdas.
Enfadam-me, quero que me deixem.
Acontecendo isso, porém, julgar-me-ia
abandonado, rebolar-me-ei com raiva, pensa
rei na enfermeira dos indigentes, no homem
que tinha uma grade de esparadrapos na
cara.
Silêncio. Por que será que esta gente
não fala e o relógio se aquietou? Uma idéia
acabrunha-me. Se o relógio parou, com
certeza o homem dos esparadrapos morreu.
Isto é insuportável. Por que fui abrir os olhos
diante da amaldiçoada porta? Um abalo na
padiola, uma parada repentina - e a figura
sinistra começara a aperrear-me, a boca
desgovernada, as órbitas vazias negrejando
por detrás da grade alvacenta. Por que se
detiveram junto àquela porta? Dois passos
aquém, dois passos além - e eu estaria livre
da obsessão.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
15
O relógio bate de novo. Tento contar
as horas, mas isto é impossível.
Parece que ele tenciona encher a
noite com a sua gemedeira irritante.
Doutor Queirós, principiando a falar,
não acaba: é um palavreado infinito que nos
enjoa, nos deixa embrutecidos, mudos,
mastigando um sorriso besta de
cumplicidade.
Felizmente o homem dos
esparadrapos vive. Repito que ele vive e caio
num marasmo agoniado. No silêncio as notas
compridas enrolam se como cobras, estiram-
se pela casa, invadem a sala, arrastam-se
devagar nos cantos, sobem a cama onde me
agito apavorado. Que fim levaram as pessoas
que me cercavam? Agora só há bichos,
formas rastejantes que se torcem com
lentidão de lesmas. Arrepio-me, o som
penetra-me no sangue, percorre-me as veias,
gelado.
As vidraças, a chuva, os ruídos,
sumiram-se. Há uma noite profunda, um céu
pesado que chega até a beira da minha
cama. As coisas pegajosas engrossam, vão
enlaçar-me nos seus anéis. Tento esquivar-
me ao abraço medonho, revolvo-me no
colchão, grito.
Aparecem de novo as figuras atentas,
lívidas. A beberagem acre umedece-me a
língua seca, dura como língua de papagaio.
- Obrigado.
Puxo a coberta para o queixo, o frio
diminui. Há um rio enorme, precipícios sem
fundo - e seguro-me a ramos frágeis para não
cair neles.
Ouço trovões imensos. Volto a ser
criança, pergunto a mim mesmo, que seres
misteriosos fazem semelhante barulho. Meus
irmãos pequenos iam deitar-se com medo,
minhas tias ajoelhavam-se diante do oratória,
a chama das velas tremia, as contas dos
rosários chocavam-se como bilros de
almofadas, um sussurro de preces enchia o
quarto dos santos.
Por que estão chiando aqui perto de
mim? Estarão rezando? Não houve trovões.
Nuvens brancas e altas correm por cima das
árvores, das igrejas, do telhado da
penitenciária. Olho os tipos que me rodeiam.
Afastam-se, falam em voz baixa, presumo
que me espiam desconfiados. Acham-me
com certeza muito mal, pensam que vou
morrer, procuram decifrar as palavras
incoerentes que larguei no delírio.
Envergonho-me. Terei dito segredos e
inconveniências?
Desejo atraí-Ias, conversar, mostrar
que sou um indivíduo razoável e as
maluquices do sonho findaram. Mas a
linguagem foge. Procuro chamá-las com um
gesto, a mão tomba-me sobre o peito, uma
fraqueza paralisa-me.
Certamente estou há dias entre a vida
e a morte. Agora a febre diminuiu e os
monstros que me perseguiam se
desmancharam. As dores do ferimento são
intoleráveis. Inclino-me para um lado e para
outro, certifico-me de que não me trouxeram
os chinelos, imagino que vou agüentar uma
eternidade de martírios.
Gritos agudos de criança rasgam-me
os ouvidos, como pregos.
Querem ver que a minha operação foi
ontem e ficarei aqui amarra do semanas ou
meses?
Uma balada corta-me o pensamento.
Estremeço: parece que ela me chegou aos
nervos através da ferida aberta, me entrou
na carne como lâmina de navalha.
Aqueles soluços desenganados devem
vir da enfermeira dos indigentes, talvez o
homem dos esparadrapos esteja chorando.
Com esforço, consigo encostar as palmas das
mãos nas orelhas. Desejo ficar assim, mas a
posição é incômoda, os braços fatigam-me, o
choro escorrega-me entre os dedos. Se não
fosse isto, distrair-me-ia vendo as árvores, o
céu, os telhados, falaria aos enfermeiros e
aos serventes.
Que desgraça estará sucedendo?
Deixo cair os braços, os uivos lastimosos da
criança recomeçam, as minhas dores
crescem, dão-me a certeza de que os
médicos atormentam um pequenino infeliz.
Penso nos vagabundos miúdos que circulam
nas ruas, pedindo e furtando, sujos,
esfrangalhados, os ossos furando a pele,
meio comidos pela verminose, as pernas
tortas como paus de cangalhas. Talvez
estejam consertando uma daquelas pernas.
Os gritos baixam, transformam-se num
estertor.
- Por que bolem com aquela criança?
A enfermeira avizinha-se, espera que
eu repita a pergunta. Aborreço me por não
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
16
me haver feito compreender, viro-me com
dificuldade e minutos depois ouço os passos
da mulher, que se afasta nas pontas dos pés.
Fará somente vinte e quatro horas que
me deixaram aqui derreado? Somo: vinte e
quatro, quarenta e oito, setenta e duas.
Talvez uns três dias. Isto, setenta e duas
horas. Os chinelos desapareceram: ficarei
provavelmente um mês, dois meses.
Multiplico: sessenta dias, mil quatrocentos e
quarenta horas. Fatigo-me, e a conta se
complica, ora apresenta um resultado, ora
outro. Convenço-me afinal de que são mil
quatrocentos e quarenta horas. É bom que a
ferida se agrave e me mate logo. Dois meses
de tortura, um tubo de borracha
atravessando-me as entranhas, visões
pavorosas, os queixumes dos indigentes que
se acabam junto ao homem dos
esparadrapos. Duas mil oitocentas e oitenta
vezes o relógio caduco de peças gastas
rosnará, ameaçando-me com acontecimentos
funestos. Sessenta dias de imobilidade, o
pensamento a emaranhar-me em cipoais
obscuros.
Os gritos da criança elevam-se, o calor
aumenta, as árvores e os telhados
aproximam-se.
Lá estão novamente as horas a pingar
do corredor como de uma torneira, gotas
pesadas escorrendo lentas.
Gargalhadas na rua, barulho de
automóvel, o pregão de um vendedor
ambulante. Talvez o automóvel seja do
médico que me vem fazer o curativo. Não é,
passou com um ronco de buzina. Agora o que
há são rufos de tambor, vozes de comando.
O berro do vendedor ambulante caiu
na sala de supetão e ficou rolando, misturado
ao choro dos indigentes e ao rumor de ferros
na autoclave.
- Porcaria, tudo uma porcaria.
Zango-me. Não me tratam, deixam-me
acabar à míngua, apodrecer como um corpo
morto. Silêncio demorado. Penso na criança
e no homem que se esconde por detrás da
máscara de esparadrapo.
- Como vai o menino?
A enfermeira responde-me que vai
bem, mas certamente procura iludir-me. Há
um cadáver miúdo perto daqui, vão
despedaçá-lo na mesa do necrotério, os
serventes levarão a roupa suja para a
lavanderia. Um colchão pequeno dobrado na
cama estreita.
As vozes de comando, os rufos, o
pregão do vendedor ambulante o rumor dos
ferros na autoclave, fazem-me falta.
Convenço-me de que o silêncio é de mau
agouro. Quando ele se quebrar, uma
infelicidade surgirá de repente, não poderei
livrar-me dela. O suor corre-me na cara. O
primeiro som que vier anunciará desgraça,
essa idéia desarrazoada não me larga.
Reprimo um acesso de tosse, acredito que
ele é indício de hemoptises abundantes.
Começo a perceber um toque-toque
surdo, tropel de cavalo cansado.
Naturalmente é o sangue batendo-me nos
ouvidos. Um coração quase inútil finda a
tarefa maçadora.
O cadáver pequeno vai ser
transformado em peças anatômicas.
Toque-toque. Não é o sangue, é
qualquer coisa que vem de fora,
provavelmente do corredor. Duas pancadas
próximas, uma distanciada, andadura
irregular de bicho que salta em três pés.
Ainda há pouco estava tudo calmo. De
repente o relógio velho começou a mexer-se
e a viver.
Cerro os olhos, digo a mim mesmo
que me fatigo à toa, bocejo, tento lembrar-me
de fatos que julgo importantes e logo se
tomam mesquinhos. Afinal não veio a
desgraça. Vou restabelecer-me em poucos
dias. Vou restabelecer-me, passear nas ruas,
entrar nos cafés. Se não tivessem levado os
chinelos, convencer-me-ia de que não estou
muito doente.
Procuro dormir, esquecer tudo, mas o
relógio continua a martelar-me a cabeça
dolorida. Espero em vão o fonfonar de um
automóvel, a cantiga de um bêbado, as vozes
de comando, o rumor dos ferros na
autoclave. Tenho a impressão de que o
pêndulo caduco oscila dentro de mim,
ronceiro e desaprumado.
Os infelizes calaram-se, todos os
sofrimentos esmoreceram, fundiram-se
naquela voz áspera e metálica.
Os meus braços descarnados movem-
se como braços de velho. Passo os dedos no
rosto, sinto a dureza dos pêlos, as faces
cavadas, rugas. Se tivesse um espelho, veria
esta fraqueza e esta devastação.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
17
Velhinho, trocando as pernas bambas
nas calçadas. Olho as pernas finas como
cambitos. A vista escurece. Velhinho,
arrimado a um cacete, balbuciando,
tropeçando. Toque-toque - o cajado a bater
nos paralelepípedos.
O pensamento escorrega de um objeto
para outro. A barba crescida deve ter ficado
branca, o pescoço engelhou como um
pescoço de galinha.
A mulher desapertava a roupa, despia-
se cantando, e eu me conservava distante,
encabulado, tentando desamarrar o cordão
do sapato, que tinha dado um nó. Não podia
descalçar-me e olhava estupidamente um
despertador que trabalhava muito depressa.
Os ponteiros avançavam e o laço do sapato
não queria desatar-se.
O professor explicava a lição comprida
numa voz dura de matraca, falava como se
mastigasse pedras.
O político influente entregava-me a
carta de recomendação. Eu gaguejava um
agradecimento difícil, atrapalhava-me por
causa da datilógrafa bonita, descia a escada
perseguido pelos óculos de um secretário e
pelo tique-taque da máquina de escrever.
Tudo se confunde. A rapariga que se
despia, o professor, o político, misturam-se. A
criança doente, os enfermeiros, os médicos,
o homem dos esparadrapos, não se
distinguem das árvores, dos telhados, do céu,
das igrejas.
Vou diluir-me, deixar a coberta, subir
na poeira luminosa das réstias, perder-me
nos gemidos, nos gritos, nas vozes
longínquas, nas pancadas medonhas do
relógio velho.
Retrato em Preto eRetrato em Preto eRetrato em Preto eRetrato em Preto e
Branco deBranco deBranco deBranco de
Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos
Artigo de Hélio Pólvora
Esse Graciliano Ramos, ou Velho
Graça, ou Major Graça, ou Mestre Graça,
como o chamavam afetuosamente, é um
fingidor. Por sentimentalismo ou vergonha,
finge-se mais áspero do que é, mais
espinhoso que um mandacaru. Sertanejo
magro, de ombros curvos, um cigarro
ardendo entre os dedos ou na boca, de
roupas simples mas asseadas, mãos limpas
(em todos os sentidos). Cria fama de
grosseiro por causa de diálogos como estes:
— Bom dia, mestre Graça.
— Você acha, meu filho?
Ou então:
— Mestre Graça, se a situação
continuar desse jeito, vamos comer merda —
diz-lhe o romancista José Lins do Rego, nos
tempos da ditadura de Getúlio Vargas.
— Se sobrar p’ra nós, Zé Lins. Se
sobrar...
Seu romance de estréia, Caetés, ele o
considera "um desastre" ou "uma encrenca".
Angústia, o terceiro, é "este desastre que
preparo e que terá, se aparecer um editor
maluco, cinqüenta leitores do Amazonas ao
Prata, talvez nem tanto". Vidas Secas tem
uma "história mesquinha — um casal
vagabundo, uma cachorra e dois meninos."
Sua correspondência traz frases em italiano
e francês. Traduz do francês e recita Le Cid,
de Corneille, no original. Admira Eça de
Queiroz, lê muito Machado de Assis. Conhece
gramática portuguesa a fundo. Mas diz ter
"uma cultura de almanaque". De vez em
quando exalta-se: "Vai sair uma obra-prima,
em língua de sertanejo, cheia de termos
descabelados" (acerca de S. Bernardo,
segundo romance). E reitera: "Foi palavreado
difícil de personagens sabidos demais que
arrasou a antiga literatura brasileira.
Literatura brasileira uma ova, que o Brasil
nunca teve literatura. Vai ter de hoje em
diante" (idem).
Assim vê a atividade de escritor:
"Somos uns animais diferentes dos outros,
provavelmente inferiores aos outros, duma
sensibilidade excessiva, duma vaidade
imensa que nos afasta dos que não são
doentes como nós. Mesmo os que são
doentes, os degenerados que escrevem
história fiada, nem sempre nos inspiram
simpatia: é necessário que a doença que nos
ataca atinja outros com igual intensidade
para que vejamos neles um irmão e lhes
mostremos as nossas chagas, isto é, os
nossos manuscritos, as nossas misérias, que
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
18
publicamos cauterizadas, alteradas em
conformidade com a técnica" (carta à mulher
Heloísa, abril de 1935).
Alfabetizou-se em casa dos pais, na
fazenda, "agüentando pancada".
— Um aparte, por obséquio.
— Com que finalidade? Por quem o
senhor se toma?
— Por um curioso, apenas curioso. No
volume Infância o senhor se atém às
memórias relevantes. Parece pensar, como
Sherwood Anderson, que não existem
histórias seriadas, seqüenciais. Se existem, é
que houve intervenção do autor, o que
pressupõe artifício. A vida é feita de raros
instantes felizes e muitos transes amargos
ou desgraçados.
Em Infância predomina o ácido e, em
certos trechos, o travo azedo. O memorialista
não está ali para emperequetar-se. A análise,
tanto da família quanto das ambiências, de si
próprio e dos outros, é de uma rudeza total. O
senhor tinha o seu orgulho, claro, mas não
nutria vaidades bestas. Imprecava
principalmente contra si próprio. Era, como
disse Oswald de Andrade, um mandacaru
escrevendo.
Em um compêndio de achegas
biobibliográficas, Moacir Medeiros de
Sant’Ana refere-se aos "vários e
contundentes julgamentos dos seus pais,
feitos por Graciliano Ramos nas suas
memórias da infância". O pai "não
economizava pancadas e repreensões" e na
mãe o que espantava mais "era a falta de
sorriso". Por isso, Olívio Montenegro
considera o livro "obra diabólica". E no seu
Jornal de Crítica, Álvaro Lins afirma,
constrangido: "Quando se decidiu a escrever
um livro de memórias, a sensibilidade reagiu
em toda a sua exacerbação: e exprimiu-se
pela exteriorização daquilo que nela se
gravara mais profundamente (...) Um mundo
intolerável de castigos, privações e
vergonhas". Sim, a memória não grava com
igual nitidez as felicidades e infelicidades; o
lado podre tem primazia.
A secura exata, as frases que dizem
muito com grande economia de meios. É o
prosador anti-ornamental numa terra em que
os prosadores continuam bacharelescos,
relutam em aposentar os ornatos.
Do mesmo modo que, em romances
anteriores, o senhor desce ao limo das
personagens, em Infância vai à borra do
coração. Predominância do monólogo (até
mesmo por se tratar de depoimento),
palavras pesadas e mortais, que ecoam
como badaladas, arrancadas que foram da
carne viva dos significados, e que traduzem
verdades literais.
Na formação do menino Graciliano
entram muitos instrumentos de suplício: o
áspero meio sertanejo no final do século
passado e início do século 20; o pai
comerciante e fazendeiro, tipo rude da média
burguesia urbana e rural, com um perfil de
patriarca que cobra obediência pronta; a mãe
de poucas letras e minguado afeto.
Repressão política do coronelismo tipo
cabresto, enxada e voto. Repressão sexual.
Repressão, sobretudo, à inteligência. A
sensibilidade do menino ferida a todo
instante, no relacionamento penoso com os
pais, na escola, nas ruas, sofrendo o impacto
da miséria ambiental. O menino cresce
solitário e desconfiado, agarra-se a "migalhas
de sons, farrapos de imagens" — dolorosos,
todos eles. E apesar da violência do meio,
plasma por dentro a sensibilidade, procura
um espaço, uma expressão, enquanto por
fora tece a couraça protetora.
Mesmo os que, indiferentes à beleza
da arte literária, abrem Infância em busca de
um documento social, decerto encontram
achegas sobre a arte de martirizar crianças.
Antes, arte apurada no regime patriarcal;
hoje, arte nacional, de ponta a ponta, fio a
pavio.
Graciliano,Graciliano,Graciliano,Graciliano,
Dalcídio e a DamaDalcídio e a DamaDalcídio e a DamaDalcídio e a Dama
Nos fundos da Livraria José Olympio
Editora, na Rua do Ouvidor 110, quase
esquina com Avenida Rio Branco, há um
marquesão no qual poucos ousam sentar-se.
É o refúgio de Graciliano Ramos, que tem o
hábito de acomodar-se a um canto e cruzar
as pernas magras.
Num certo fim de tarde, quando ele, lá
do seu canto, dá trela ao poeta estreante
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
19
Jorge Medauar, sentado no outro canto, o
romancista Dalcídio Jurandir vai se
aproximando. É do Pará, pertence ao
Pecebão (o PC ortodoxo) e tem um jeito de
camelo, com ligeira corcova. Sem cerimônia,
ocupa o espaço vago no centro.
— Mestre Graça, tem um mineiro
badalando muito. Um tal de Guimarães Rosa.
Já leu?
— Ainda não.
— Imitador de Joyce. Em vez de Saga,
pôs Sagarana no título. Quer ser o alquimista
da língua
— Ah, é?
— Li umas páginas. Não é de todo mau
— condescende Dalcídio.
Pausa. O romancista paraense volta à
carga:
— Mestre Graça, já leu Cyro dos Anjos?
— Não. Quem é?
— Outro mineiro. Escreve parecido
com Machado de Assis.
— Nesse caso — pondera Graciliano,
descruzando as pernas — eu prefiro o
original.
— Apareceu também um tal de Breno
Accioly. É contista lá da sua terra, das
Alagoas — informa Dalcídio. —Já leu?
— Como se chama o livro?
— João Urso. Tem prefácio de Zé Lins.
— Não sou de prefácios, não gosto de
arrodeios — confessa Graciliano. — Pego o
cabra e leio sem intermediações.
— Mas já leu o João Urso?
— Só uns dois ou três contos.
— Pois eu não passei do primeiro — diz
Dalcídio. — Uma prosa maluca, retórica. Coisa
de doido.
Silêncio. Graciliano pigarreia e
prepara-se para acender outro cigarro. Como
ninguém toma a iniciativa da palavra,
Dalcídio Jurandir ergue-se, dobrando os
joelhos como fazem os camelos, e despede-
se. Tem assuntos a tratar na ABI.
— Medauar — pede o velho Graça
quando o vulto desaparece na porta —, vá
atrás daquele safado e descubra se está
falando mal de mim.
Mais ou menos nessa época, o velho
regressa de uma viagem à URSS. Em
Moscou, obrigaram-no a catar no chão do
metrô a ponta de cigarro que ele havia
atirado fora. O metrô moscovita era um
espelho, brilhava. "Nós não o fizemos e
limpamos para que os senhores do mundo
capitalista venham sujá-lo com baganas",
dissera-lhe, em tom acrimonioso, o guia.
A ida à URSS resulta num livro de
impressões intitulado Viagem e que começa
com uma demonstração de aborrecimento do
velho Graça: ele não se sente bem na
"encrenca voadora". É como chama o avião.
Fumando seu cigarro no marquesão da José
Olympio, vê uma senhora tremelicante de
banhas e de jóias aproximar-se, toda
sorridente, com um exemplar do livro para o
indefectível autógrafo.
— Mestre Graciliano, assine aqui. O
senhor voltou assumido da União Soviética?
— Assumido como, minha senhora?
— Ora, assumido. Assim como o André
Gide.
É demais. O romancista estoura:
— Como, minha senhora? Veado?
Pesadelo que nãoPesadelo que nãoPesadelo que nãoPesadelo que não
AcabaAcabaAcabaAcaba
"Um crime, uma ação boa dá tudo no
mesmo. Afinal já nem sabemos o que é bom
e o que é ruim, tão embotados vivemos",
pensa Luís da Silva, narrador de Angústia,
modesto funcionário público. Se vivesse hoje,
mais de 60 anos depois, sua situação seria a
mesma ou pior. De lá para cá, alguns
indicadores sociais melhoraram, mas outros
vícios, como a corrupção e a falência dos
costumes, agravaram-se.
A classe média que o romance
descreve, incerta e insegura, e sobrevivendo
à custa de renúncias, estaria agora
proletarizada. Luís luta para subir
socialmente. Nordestino de origens rurais,
vem de uma família outrora poderosa. São
freqüentes, no fluxo memorialístico do
narrador, suas lembranças do avô Trajano.
Alcançou-o velho, caduco, a dormitar numa
rede. Antes senhor de baraço e cutelo,
assaltava a cadeia da vila para libertar
cangaceiros; no final da vida, com umas
reses magras na pastagem, embriagava-se e
vomitava na sobrecasaca de um antigo
escravo, mestre Domingos, que, por respeito,
lhe suportava os destemperos.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
20
A Graciliano Ramos não interessa o
romance da decadência da aristocracia rural
nordestina. É tarefa para seu contemporâneo
José Lins do Rego, que enfocou
principalmente os senhores de engenho.
Contenta-se, em rápidas imagens repetidas
pelo desespero do narrador, em transmitir do
passado apenas o necessário com que exibir
o desenraizamento de Luís da Silva, cujo pai
vivia numa rede, a ler histórias românticas. O
passado cruel condiciona a vida atual de
Luís. Sente-se que o narrador é mais um
Prometeu acorrentado. Ele próprio reconhece
que, tivesse nascido em outro berço e
recebido outra educação, seu destino seria
melhor, ele pertenceria à classe dominante —
a dos banqueiros, comerciantes, donos de
jornais e diretores de repartição que o
dominam de longe. Mas aquele passado rural
de agricultores empobrecidos, vivendo dos
antigos fastos, é uma marca escarlate, a
marca da danação. A sensibilidade de Luís
está aberta e sangra. Não há como conter o
sangramento. As imagens patéticas ou
trágicas assaltam-no nos sonhos e devaneios
diários. Sua vida é um pesadelo econômico,
um exílio social. Ele está a recordar
constantemente o avô com uma cascavel
enrolada ao pescoço e suplicando que a
tirem; a avó que, sem conhecer o prazer
sexual, paria numa cama de varas; o pai
preguiçoso e violento que o atirou vezes
seguidas ao rio, para ensiná-lo a nadar; um
homem que se enforcou, de vergonha,
porque tivera de esmolar um pão fresco que
lhe foi negado; os pés disformes do pai morto
sobre o marquesão sobrevoado por moscas.
Cenas e imagens de pesadelo; de uma vida
injusta, pobre, violenta, resultante da frágil
economia do sertão habitado com o que o
narrador chama "a minha raça vagabunda e
queimada pela seca".
O narrador busca longe da vida
sertaneja melhores condições de vida. Elas
estariam no Sul — para onde emigram em
geral os "descamisados", os de "pés no chão",
os "sem-terra". Mas no Rio o retirante Luís da
Silva, apesar dos pendores literários,
sabendo escrever (aqui, no sentido da
composição jornalística ou literária), com
muitas leituras, conhece a solidão, o
anonimato. O estabelecimento social rejeita-
o. Ele está preso às engrenagens de uma
sociedade então pré-capitalista (mal
começara a fase de industrialização do
Governo Vargas), hoje de economia
globalizada, em que o dinheiro é valor
supremo. Aos que nasceram bem
aquinhoados, a estrada desdobra-se reta e
chã; aos carentes, a dura tarefa de
sobreviver. Esta é a sociedade brasileira dos
anos ’30 subliminarmente descrita em
Angústia, e que subsiste, em muitos aspectos
piorada — daí a permanência temática do
romance.
Romance "proletário", tal como o
praticou Máximo Gorki, e romance de
introspecção dostoievskiana. A exemplo dos
humilhados e ofendidos de Dostoiévski, o
destino de Luís da Silva é trágico — não
somente por suas origens humildes, mas
também porque há em volta dele,
manietando-o, uma rede de circunstâncias
restritivas. Em plena ditadura, com a renda e
bem-estar concentrados na minoria
privilegiada, resta aos despossuídos o sonho
da revolução popular.
Um sonho bem vigiado pela polícia e
sonho que, a essa altura, esvaziou boa parte
de sua substância ideológica... Luís quer
participar dele. Quer contribuir para a luta
nas sombras por uma ordem igualitária. Ao
mesmo tempo, tem de sobreviver: há o
aluguel, os alimentos e remédios, ele é
fustigado pelo impulso de verticalização
social. Por isso se submete. No jornal, como
revisor ou articulista, faz o que lhe mandam:
"Escreva assim, seu Luís. Seu Luís obedecia.
— Escreva assado, seu Luís. Seu Luís
arrumava no papel as idéias e os interesses
dos outros". Suas verdadeiras opiniões ficam
para as conversas com Pimentel e Moisés,
em casa, porque o café é perigoso, tipos
suspeitos rondam os cafés. O intelectual Luís,
um revoltado, escreve para o governo, elogia
o governo. Em Vidas Secas, o vaqueiro
Fabiano, depois de tomar facãozadas no
lombo por ordem de um soldado amarelo,
encontra-se com este na caatinga e, de facão
em punho, recua e deixa-o passar: "Governo
é governo".
A mesma atitude de subserviência ao
poder. A diferença é que Fabiano, um bruto,
sofre menos, enquanto o intelectualizado
Luís recebe todas as agressões da
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
21
desesperança e do repúdio social nos nervos
tensos.
Nas primeiras páginas de Angústia o
narrador declara-se "um molambo que a
cidade puiu demais e sujou". Seu cotidiano
triste divide-se entre a repartição, a banca de
revisão, o café que freqüenta ocasionalmente
e a casa velha, cheia de ratos, com uma
criada meio surda, Vitória, que enterra no
quintal as moedas do salário e conversa com
um papagaio. Luís tem consciência da sua
condição; nela, a tragédia, mais do que
inspirada pelo passado familiar sertanejo, é
um desdobramento. Sua visão de mundo é
trágica porque está na sua formação, e as
ações, ainda que limitadas pelo meio
acanhado e opressivo, sinalizam a
tragicidade. Romance naturalista, dir-se-á.
Mas um naturalismo que, como o de Thomas
Hardy, não se restringe ao jogo cego das
forças do destino que Hardy, em Tess of the
d’Urbervilles, atribui ao "President of the
Immortals", citando Ésquilo. As personagens
serão trágicas, no brasileiro, por herança e
por uma necessidade inconsciente, intensa,
de buscarem a tragicidade como forma até
de explicação, justificação, sentido para a
vida.
É o caso do narrador de Angústia.
Cruel consigo mesmo, em comentários que
chegam às raias do masoquismo, Luís da
Silva atormenta-se. A princípio, diz: "Não sou
um rato, não quero ser um rato". Mas não
tardará a se considerar "um níquel social".
Recebeu "muito coice da vida". É "uma
criatura insignificante, um percevejo social..."
Um rato rói-lhe as entranhas. O amor para ele
é "uma coisa dolorosa, complicada e
incompleta". Admite que rolou "faminto,
esmolambado e cheio de sonhos" por esse
mundo.
Robert H. Heilman observa, a
propósito da Tess de Hardy: "Nossos egos
estão ligados às nossas idéias; querem que
os fatos se ajustem às idéias, do contrário
nos ofendemos e tendemos, se tivermos
poder para tanto, a nos tornar punitivos".
Pois bem: a punição, em primeira etapa, vai
para Luís da Silva, e este se humilha mais
para sofrer mais, para purgar. Depois, com o
aparecimento de Marina, os fados oferecem-
lhe breve trégua. No seu romance de fundo
de quintal com Marina — quintais cheios de
lixo e plantações mesquinhas, onde um
homem carrancudo e uma mulher triste
trabalham com pipas e dornas —, Luís tem a
impressão de descobrir o amor, quando está
atraído pelo erotismo e Marina anseia
apenas em sair da pobreza absoluta. De
qualquer modo, é a felicidade: ele está
relativamente tranqüilo, tem uns três contos
de réis de economias, deseja casar-se. A
idéia de casamento precipita a tragédia
pessoal banhada pela tragédia social. Moça
estouvada, de cabeça vazia, pensando em
ostentações, Marina consome num ápice as
suadas economias de Luís no enxoval e, em
pleno "noivado", aceita a corte de um
estranho, Julião Tavares, um parasita de
discurso empolado e arrogância pavonácea.
Tavares é o resumo de tudo quanto oprime
Luís: dinheiro fácil, berço de ouro, prestígio
social, mediocridade intelectual, poder de
corromper e safar-se ileso. Gordo, cínico e
esperto, Julião Tavares invade a casa de Luís,
seduz Marina e distancia-se quando ela
ostenta sinais de gravidez. A família submete-
se: nenhuma queixa, apenas resmungos. Os
humildes aprendem a vergar a espinha sob o
peso dos opressores. O sedutor lança-se à
conquista fácil de outras meninas pobres.
Mas o narrador de Angústia,
espezinhado, traumatizado, esbulhado pela
vida — este reage. É que o sofrimento atinge
o ponto da exasperação, ele tem as
comportas cheias de água estagnada. A fúria
que antes o devastava se dirige ao opressor.
Ele não tem, como Moisés, coragem de
pichar muros, de distribuir "folhetos
incendiários". Mas o Presidente dos Imortais
lhe põe nas mãos o instrumento da vingança
— uma corda. A essa altura o monólogo de
Luís da Silva — o fluxo "objetivo" do
inconsciente, ou seja, a linguagem da ação —
se transforma em delírio. Imagens se
atropelam: o cano de água é uma corda, a
gravata enrola-se como corda, a cobra em
volta do pescoço de Trajano é corda viva. O
narrador vê-se compelido a matar Julião
Tavares após a verificação de que Marina,
grávida, procura parteira clandestina. No
capítulo final as referências ao passado se
aglomeram. É um entrechoque de
lembranças. As imagens trágicas do meio
rural e da vida urbana de Luís se juntam para
entoar o coro da tragédia. Início e fim do
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
22
romance se fecham quais pontas de um
leque. Angústia é um pesadelo contínuo. O
narrador pergunta: "Haverá dentro de 20
anos criaturas assim que, tendo corrido
mundo, se resignam a viver num fundo de
quintal, olhando canteiros murchos,
respirando podridões, desejando um pedaço
de carne viciada?" Sim, e em condições
ainda piores.
Emiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano Perneta
(Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias)
VENCIDOSVENCIDOSVENCIDOSVENCIDOS
Nós ficaremos, como os menestréis da rua,
Uns infames reais, mendigos por incúria,
Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua,
Desferindo ao luar cantigas de penúria?
Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua
Maldição, ó Roland? ... E, mortos pela injúria,
Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua,
Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria?
Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço ....
Hão de os grandes rolar dos palácios infetos!
E gloria à fome dos vermes concupiscentes!
Embora, nós também, nós, num rouco soluço,
Corda a corda, o violão dos nervos inquietos
Partamos! inquietando as estrelas dormentes!
Ilusão (1911)
-----------------------
GLÓRIAGLÓRIAGLÓRIAGLÓRIA
Ao I. Serro Azul
Quando um dia eu descer às margens desse lago
Estígio, onde Caron, mediante uma parca
Moeda de estanho vil 0ll cobre, que eu lhe pago,
Há de me transportar numa sombria barca ...
Quando sem um sinal, sem uma prova ou marca
De afeição, eu me for por esse abismo vago,
Vendo que sobre mim funebremente se arca
O céu, e junto a mim esse Caron pressago ...
E envolvido na mais completa obscuridade,
Abandonado, e só, e triste, e silencioso,
Sem a sombra sequer do orgulho e da vaidade,
Eu tiver de rolar no olvido, que me espera,
Que ao menos possa ver o palácio radioso,
Feito de louro e sol e mirto e ramis de hera!
Ilusão (1911)
DDDDOROROROR
Ao Andrade Muricy
Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova
De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova.
Um silêncio espectral, um silêncio profundo
Dentro de uma mortalha imensa envolve o
mundo
Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela,
Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela,
Quando do seio nu, do aveludado seio
Da noite, que baixou, a Dor sombria veio.
Toda de preto. Traz uma mantilha rica;
E por onde ela passa, o ar se purifica.
De invisível caçoila o incenso trescala,
E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala.
Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura,
Como que resplandece a própria noite escura.
É a claridade em flor da lua, quando nasce,
São horas de sofrer. Que a dor me despedace.
Que se feche em redor todo o vasto horizonte,
E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte.
Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva,
Que me cubra de horror, e me vista de treva.
METAMORFOSESMETAMORFOSESMETAMORFOSESMETAMORFOSES
A Mme. Georgine Mongruel.
Sei que há muita nudez e sei que há muito frio,
E uma voracidade horrível, um furor
Tão desmedido que, quando eu acaso rio,
Quantos não estarão torcendo-se de dor.
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
23
Conheço tudo, sim, apalpo, indago, espio...
Tenho a certeza que vá eu para onde for,
Como o escaravelho, hei de o ódio sombrio
Ver enodoar até o seio de uma flor.
Mas sei também que há mil aspirações
estranhas,
Que havemos de subir montanhas e montanhas,
Que a Natureza avança e o Homem faz-se luz...
Que a Vida, como o sol, um alquimista louro,
Tem o dom de poder mudar a lama em ouro,
E em límpidos cristais esses rochedos nus!
CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA...
Corre mais que uma vela, mais depressa,
Ainda mais depressa do que o vento,
Corre como se fosse a treva espessa
Do tenebroso véu do esquecimento.
Eu não sei de corrida igual a essa:
São anos e parece que é um momento;
Corre, não cessa de correr, não cessa,
Corre mais do que a luz e o pensamento...
É uma corrida doida essa corrida,
Mais furiosa do que a própria vida,
Mais veloz que as notícias infernais...
Corre mais fatalmente do que a sorte,
Corre para a desgraça e para a morte...
Mas que queria que corresse mais!
SÚCUBOSÚCUBOSÚCUBOSÚCUBO
Desde que te amo, vê, quase infalivelmente,
Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas
Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente,
Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas...
Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente.
Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas.
Trazes sobre a nudez, flutuando docemente,
Uma túnica azul, como as túnicas gregas...
E de leve, em redor do meu leito flutuas,
Ó Demônio ideal, de uma beleza louca,
De umas palpitações radiantemente nuas!
Até, até que enfim, em carícias felinas,
O teu busto gentil ligeiramente inclinas,
E te enrolas em mim, e me mordes a boca!
O BRIGUEO BRIGUEO BRIGUEO BRIGUE
.
Num porto quase estranho, o mar de um morto
aspecto,
Esse brigue veleiro, e de formas bizarras,
Flutua há muito sobre as ondas, inquieto,
À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras
...
Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço;
Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama,
Ei-lo em sonho, a partir e, então, empina o dorso,
Bamboleia-se mais gentil do que uma dama ...
Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído,
Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido
Alerta, o coração batendo, o olhar aceso ...
Mas a nau continua oscilando, oscilando ...
Ó quando eu poderei, também, partir, ó, quando?
Eu que não sou da Terra e que à Terra estou
preso?
DAMASDAMASDAMASDAMAS
Ânsia de te querer que já não tem mais fim,
Meu espírito vai, meu coração caminha,
Como uma estrela, como um sol, como um clarim,
Mas tudo em vão, sei eu! Tu és uma rainha! ...
És a constelação maravilhosa, a minha
Aspiração, de luz magnífica, ai de mim!
A nudez, o clarão, a formosura, a linha,
O espelho ideal! Ó Torre de Marfim!
Nunca me hás de querer, batendo-me por ti,
Pomo duma discórdia infrutífera, beijo
Todo em fogo, e a arder, assim como um rubi...
Mas é por isso que eu, ó desesperação,
Amo-te com furor, com ódio te desejo,
E mordo-te, Ideal, e adoro-te, Ilusão!
HÉRCULESHÉRCULESHÉRCULESHÉRCULES
Homem, acorda! O sol, como um fruto de
Outubro,
Acaba de explodir no seio de uma flor.
Mais alacre, porém, mais ardente e mais rubro,
Com toques de clarim, com rufos de tambor...
Tudo acordou, a abelha, o plátano e a rosa,
A folha, a brisa, o lago azul, a estremecer.
Ao fogo dessa boca, ideal, voluptuosa,
Como se a terra fosse, ó sol, uma mulher...
Nos espelhos do mar, de grande voz sonora,
Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010.
24
Nesta manhã sutil e de um louro saxão,
As naus, que vão partir por esse mundo fora,
Miram vaidosamente as caudas de pavão...
Homem, levanta e vem para a campanha rude,
Ergue-te para a luz, ergue-te para o bem,
Tu que inda sentes n'alma o ardor da juventude,
A sede desse azul, a fome desse além...
Homem, levanta! Esquece a perfídia medonha,
O desígnio feroz de Juno, quanto quis
No teu sangue inocente a baba e a peçonha,
Um dia inocular, de monstros e reptis...
Homem forte, homem são, homem rude e diverso
Dos outros, vem mostrar que tu tens ideais;
Vem carregar aqui o peso do Universo
Sobre esses ombros nus, rijos e colossais...
ORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃ
Amanheceu. A luz de um claro e puro brilho
Tem a frescura ideal de uma roseira em flor :
Antes de tudo o mais, ajoelha-te, meu filho,
Ajoelha-te e bendize a obra do Criador.
Ajoelha-te aqui, e sorvendo esse aroma
De feno, e rosa, e musgo, e bálsamo sutil,
Que vem do seio azul dessa manhã, que assoma,
Na radiosa nitidez de uma manhã de Abril,
Bendize a força, a graça, a seiva, a juventude,
A hercúlea robustez daqueles pinheirais,
Que resistem, de pé, dentro da casca rude,
Aos mugidos do vento e aos rijos temporais.
Ama essa terra como um fauno que por entre
A silva agreste vive; ama tudo o que vês;
Todos somos irmãos, filhos do mesmo ventre,
Filhos do mesmo amor e da mesma embriaguez.
Abraça os troncos nus, beija esses ramos de
ouro,
Ajoelha-te aos pés dos que te querem bem :
Que riqueza, Senhor, que límpido tesouro!
Que grande coração que o arvoredo tem!
Pede a Deus que conhece os bons e maus
caminhos
Que conhece o passado e conhece o porvir,
Que te aponte de longe os cardos e os espinhos,
E que te estenda a mão, quando fores cair...
==============
PARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃO
Um dia, vi-te, assim, bailando,
E a uma pergunta, que te fiz,
Tu respondeste : "Eu amo, e quando,
E quando eu amo, eu sou feliz!"
Por uma noite perfumada,
Cantaste, sobre o teu balcão.
E eu disse, ouvindo a áurea balada :
- Ah! Que feliz é o coração!
Quanta felicidade, quanta,
Não há ninguém feliz assim :
Um dia baila e noutro canta,
Como se fosse um arlequim...
Eu disse .. Mas agora vejo,
Nesse silêncio tumular,
Que estás sofrendo, e o teu desejo
Já não é mais o de bailar...
Nem de bailar, e nem, de certo
De nada mais, de nada mais...
Que fazes, pois, triste deserto,
Que fazes pois, que não te vais?
Mas, choras, creio, choras? Onde?
Se viu chorar um Lucifer?
Pobre diabo, vamos, esconde
Essas fraquezas de mulher...
SETEMBROSETEMBROSETEMBROSETEMBRO
Eu ontem vi chegar, quase que à noitezinha,
Apressada e sutil, a primeira andorinha...
É a primavera, pois, em flor, que se anuncia,
É setembro que vem, bêbedo de ambrosia.
Mãos doiradas, a rir, mãos leves e radiosas,
Semeando à luz e ao vento as papoulas e as
rosas...
Como foi para nós de um esquisito gozo,
Ó minha alma! esse doce, esse breve repouso,
Que entre o nosso viver tumultuário e incerto
Surgiu como se fosse o oásis do deserto...
Emiliano Perneta (1866 – 1921)
Emiliano David Perneta (Curitiba, 3 de Janeiro de
1866 - 21 de Janeiro de 1921) foi um poeta brasileiro.
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Revista gratuita com artigos e biografias de escritores

  • 1. Esta revista é gratuita, sendo proibido qualquer tipo de comercialização de seus artigos sem autorização dos respectivos autores. no 2 - Ano 0 Paraná, fevereiro de 2010
  • 2. Esta revista é gratuita, sendo proibido qualquer tipo de comercialização de seus artigos sem autorização dos respectivos autores. SUMÁRIO ACADEMIAS Academia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de LetrasAcademia Pernambucana de Letras ....................................63636363 ANÁLISE DE OBRAS Simões Lopes NetoSimões Lopes NetoSimões Lopes NetoSimões Lopes Neto Contos gauchescos.....................................25 BIOGRAFIAS Amílcar Dória Matos ................................64 Andrey do Amaral .....................................57 Antonio Brás Constante ............................7 Antônio Campos .......................................84 Antonio Thadeu Wojcicjowski ..................56 Ariano Suassuna ......................................64 Arioswaldo Trancoso Cruz .......................8 Chico Anysio ..............................................71 Cláudio Aguiar ..........................................64 Cyl Gallindo ..............................................84 Delasnieve Daspet.....................................62 Emiliano Perneta.......................................24 Felipe Machado .........................................85 Flavio Chaves ...........................................64 Francisco Bandeira de Melo .....................64 Graciliano Ramos (Retrato em Preto e Branco) ....17 Jarbas Maranhão ......................................64 José Marins, Um haicaísta paranaense........50 Lucila Nogueira ........................................65 Luiz Marinho ............................................65 Maria do Carmo B. Campello de Melo .....65 Maria do Carmo Tavares de Miranda ......65 Milton Lins ...............................................65 Myriam Campello .....................................86 Nelson Saldanha D’ Oliveira ....................39 Nilto Maciel ...............................................11 Paulo Bentacur .........................................42 Pelópidas Soares .......................................65 Simões Lopes Neto ....................................31 Sinclair Pozza Casemiro............................3 Valentim Magalhães ................................48 Vicência Jaguaribe ....................................41 Waldemar Lopes .......................................65 Waldenio Porto .........................................66 CONCURSOS COM INSCRIÇÕES ABERTAS 51º Jogos Florais de Nova Friburgo .........72 II Concurso de Trova Cidade Poesia ........72 XVI Jogos Florais de Curitiba...................72 XX Concurso de Trovas de Pindamonhangaba ...................................................................72 VI Concurso de Trovas da UBT- Maranguape/2010......................................73 Jogos Florais UBT Seccional Mérida – Venezuela ..................................................73 Concurso Nacional de Poesia de Mogi das Cruzes........................................................ 73 Jogos Florais de Cambuci/Rj – 2010 ........ 74 Concurso Internacional de Literatura para 2010........................................................... 74 6º Prêmio Barco a Vapor de Literatura Infantil e Juvenil 2010 ............................. 75 Concursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envioConcursos sem Data definida para envio XXIII Jogos Florais De Ribeirão Preto ..... 77 XL Jogos Florais de Niterói................. 77 ENTREVISTA Andrey do Amaral..................................... 57 ESTANTE DE LIVROS Andrey do AmaralAndrey do AmaralAndrey do AmaralAndrey do Amaral Mercado Editorial – Guia para Autores...........82 Antonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás Constante Hoje é seu Aniversário! “Prepare-se” ...............83 Antônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl GallindoAntônio Campos e Cyl Gallindo Panorâmica do conto em Pernambuco .............84 Felipe MachadoFelipe MachadoFelipe MachadoFelipe Machado Olhos cor de chuva.............................................85 Lóla PrataLóla PrataLóla PrataLóla Prata Dicionário de Rimas ARRIMO..........................83 Myriam CampelloMyriam CampelloMyriam CampelloMyriam Campello Como Esquecer - anotações quase inglesas .....86 FOLCLORE Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2)Aventuras de Pedro Malasartes (2) Malasartes fez o urubu falar.............................8 De como Malasartes vendeu o urubu...............9 Caminho de PeabiruCaminho de PeabiruCaminho de PeabiruCaminho de Peabiru ................................. 77 Importância Histórica .......................................79 Lenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra semLenda Indígena (Em Busca da Terra sem Mal)Mal)Mal)Mal) ........................................................... 80 Causas do Êxodo................................................80 História nada exemplar ....................................81 A Terra sem Males ...........................................81 HAIKAIS José MarinsJosé MarinsJosé MarinsJosé Marins Haikais...................................................... 49 NOSSO PORTUGUÊS DE CADA DIA A / Há ........................................................ 35 A Par / Ao Par ........................................... 36 Aonde / Onde / De Onde............................ 36 As Partículas "Até" E "Nem"..................... 36 Bastante / Bastantes................................. 36 Haja Visto ou Haja Vista?......................... 36 Hum / Um.................................................. 37 Mas / Mais................................................. 37 Mal / Mau .................................................. 37 Meio / Meia................................................ 37
  • 3. Na Medida Em Que / À Medida Que.........37 Que / Quê ...................................................37 Por Que......................................................38 Porque........................................................38 Dica De Porque E Porquê..........................38 Porquê........................................................38 NOTÍCIAS AAAAcademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado docademia de Letras do Brasil/ Estado do ParanáParanáParanáParaná Imortais .....................................................87 O ESCRITOR COM A PALAVRA Antonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás ConstanteAntonio Brás Constante Humor, Terror e Salvação em um Conto de Natal ..........................................................5 Chico AnysioChico AnysioChico AnysioChico Anysio Silêncio, hospital .......................................69 Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos A Safra de Tatus........................................53 O Relógio do Hospital................................13 MMMMachado de Assisachado de Assisachado de Assisachado de Assis Como se Inventaram os Almanaques........32 Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel Carlim........................................................34 Valentim MagalhãesValentim MagalhãesValentim MagalhãesValentim Magalhães A Grande Estréia.......................................44 Vicência JaguaribeVicência JaguaribeVicência JaguaribeVicência Jaguaribe Por Onde Anda Minha Bela Estatueta de Porcelana Branca?.....................................40 POESIAS Alda LaraAlda LaraAlda LaraAlda Lara Presença Africana......................................69 Alexandre O'NeilAlexandre O'NeilAlexandre O'NeilAlexandre O'Neil Poema Pouco Original Do Medo................68 Há Palavras que nos Beijam .....................68 Antonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu WojciechowskiAntonio Thadeu Wojciechowski Vida............................................................55 Tudo é Para Sempre..................................55 É Hoje! .......................................................55 Diário de Bardo..........................................56 Catarina.....................................................56 Olhos para a Chuva...................................56 Quando Eu Penso no Haiti........................56 Arioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso Cruz Contraponto...............................................7 Despertando...............................................8 Delasnieve DaspetDelasnieve DaspetDelasnieve DaspetDelasnieve Daspet Melancolia... .............................................. 60 Bonecos de Pano........................................ 60 Para um Violão.......................................... 61 Divagando à Beira Mar............................. 61 Ondas no Tempo ....................................... 61 Elisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett BrowningElisabeth Barrett Browning Quatro Sonetos.......................................... 67 Emiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano Perneta Vencidos ................................................... 22 Glória......................................................... 22 Dor............................................................. 22 Metamorfoses............................................ 22 Corre mais que uma Vela... ...................... 23 Súcubo....................................................... 23 O Brigue .................................................... 23 Damas ....................................................... 23 Hércules .................................................... 23 Oração da Manhã...................................... 24 Para um Coração....................................... 24 Setembro ................................................... 24 Jean RichepinJean RichepinJean RichepinJean Richepin Tuas Palavras ........................................... 66 Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel Dor............................................................. 10 Possessão................................................... 11 Sísifo.......................................................... 11 Soneto Crepuscular................................... 11 Paulo BentacurPaulo BentacurPaulo BentacurPaulo Bentacur A Primeira Novela de Erico Verissimo..... 41 Despertar .................................................. 41 Ascensão e Queda do Diálogo ................... 42 Café ........................................................... 42 Sinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza Casemiro Peregrinação no Caminho de Peabiru ...... 1 Walt WhitmanWalt WhitmanWalt WhitmanWalt Whitman Do Inquieto Oceano Da Multidão ............. 66 Yolanda MorazzoYolanda MorazzoYolanda MorazzoYolanda Morazzo Barcos ....................................................... 68 TROVAS Baú de TrovasBaú de TrovasBaú de TrovasBaú de Trovas ........................................... 31 Nelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ OliveiraNelson Saldanha D’ Oliveira No Embalar das Trovas .............................................39 Sinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza CasemiroSinclair Poozza Casemiro Peregrinando em trovas pela região da COMCAM ....1 INDICAÇÃO DE SITES DE LITERATURA ............................................ 88 FONTES ................................................................................................................................................................................................................ 89
  • 4. RevistaLiterária “OVoodaGralhaAzul” nnnn0000. 2. 2. 2. 2 –––– Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010Paraná, fevereiro 2010 Idealização, seleção e edição: José Feldman Contatos, sugestões, colaborações: pavilhaoliterario@gmail.com http://singrandohorizontes.blogsp ot.com Paraná... terra de encantos... luz de um povo varonil! A flora e fauna são mantos que engrandecem o Brasil! José Feldman Presidente da ALB/PR Que a humanidade possa aprender com a nossa Gralha-azul e entender que o equilíbrio e o respeito ecológico entre fauna e flora é fundamental para a existência do Homem na face da Terra!!! Prezado Leitor Esta revista não tem a pretensão e nunca poderá ser considerada como substituição aos livros, jornais, colunas, etc. que circulam virtualmente ou não, mas sim como mola propulsora de incentivo ao cidadão para buscar novos conhecimentos, ou relembrar aqueles perdidos na névoa do passado. Por que o Voo da Gralha Azul? A poetisa norte-americana Emily Dickinson, que viveu no século XIX, diz “Não há melhor fragata do que um livro para nos levar a terras distantes”. No caso da revista, esta fragata é a Gralha Azul, que assim como semeia o pinheiro, ela alça voo e semeia no coração de cada um que alcançar, o pinhão da cultura, em todas as suas manifestações. Ao leitor, novos conhecimentos. Ao escritor ou aspirante a tal, sejam poetas, trovadores, romancistas, dramaturgos, compositores, etc., um caminho de conhecimento e inspiração. Obrigado por me permitir dividir consigo estes breves momentos, José Feldman
  • 5. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 1 Sinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza CasemiroSinclair Pozza Casemiro (Peregrinação)(Peregrinação)(Peregrinação)(Peregrinação) Peregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de PeabiruPeregrinação no Caminho de Peabiru Vejo a pedra que rola Querendo ganhar o mundo Sendo que foi feita pra ficar. Vejo o barro que se prende nas rodas de um móvel, Nos pés calçados ou não do caminhante, traindo seu destino de ficar. Não sei se sabem que estão buscando além do que podem E do que lhes foi destinado. Mas sei que a pedra acaba indo longe Nas construções, nas estradas asfaltadas… O barro se espalha e se vai… Sou peregrina que anda Nos quilômetros deste chão de tantas cores, De tantas formas, cheiros e marcas, E estou presa na sua extensão, passo a passo. Mas, como as pedras e o barro, Meus sonhos se vão Construindo e edificando longe… Se espalhando feito pó na imensidão do possível. Peregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pelaPeregrinando em trovas pela região da COMCAMregião da COMCAMregião da COMCAMregião da COMCAM COMCAMCOMCAMCOMCAMCOMCAM* Coração do Paraná, do Ivaí ao Piquiri, há canções, e “causos” há, que lembram gês, guarani. Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru**Caminhos de Peabiru** Como rendadas toalhas, fez-se o nosso Peabiru, tecido de extensas malhas, do Paraguai ao Peru. Terra Sem MalTerra Sem MalTerra Sem MalTerra Sem Mal*** Em migração permanente, tendo o Sol como fanal, o guarani segue em frente, buscando a Terra Sem Mal. ItararéItararéItararéItararé A convite de Altoé, o arqueólogo foi a campo. descobriu que o Itararé do Peabiru fez seu canto. PolêmicasPolêmicasPolêmicasPolêmicas Aonde vai o Peabiru? E quem foi que o construiu? Mesmo não fosse ao Peru, na COMCAM ele existiu! PeregrinaçõesPeregrinaçõesPeregrinaçõesPeregrinações COMCAM da Rota da Fé, Caminhos de Peabiru, Terra Sem Mal, São Tomé, Quão bela canção és tu! CavalgaCavalgaCavalgaCavalgadas na COMCAMdas na COMCAMdas na COMCAMdas na COMCAM Relembrando pioneiros no chão de tuas estradas te fazem, os cavaleiros, a região das cavalgadas. GastronomiaGastronomiaGastronomiaGastronomia Na COMCAM, gastronomia tempera os bons corações trazendo paz e alegria juntando em festa as nações. João Maria d’AgostiniJoão Maria d’AgostiniJoão Maria d’AgostiniJoão Maria d’Agostini O beato João Maria diz que esteve na região atendendo ao que sofria,
  • 6. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 2 trazendo consolação. Campo MourãoCampo MourãoCampo MourãoCampo Mourão Camorão, Campo Mourão, filha e mãe tão orquestradas. Pra nossa bela COMCAM, fez-se a história nas estradas. Corumbataí do SulCorumbataí do SulCorumbataí do SulCorumbataí do Sul Corumbataí do Sul tem no seu alvorecer, além do céu muito azul, trilhas de índios para ver. PeabiruPeabiruPeabiruPeabiru A Peabiru coube a glória de o seu nome registrar o fato vivo da história do Caminho milenar. Barbosa FerrazBarbosa FerrazBarbosa FerrazBarbosa Ferraz Barbosa em seu chão guardou tesouro em pedra e sinais, que o Peabiru registrou para não perder jamais. BourbôniaBourbôniaBourbôniaBourbônia Bourbônia, palco da história do índio, branco e tropeiro. Nas trilhas da sua glória peregrinou-se primeiro. Quinta do SolQuinta do SolQuinta do SolQuinta do Sol Quinta do Sol tem encantos, verde e punjante visão. Terra de paz, onde há tantos motivos para a emoção. FênixFênixFênixFênix Fênix chamou-se um dia Vila Rica, em plena glória. Da Missão que ali existia guarda viva hoje a memória. Engenheiro BeltrãoEngenheiro BeltrãoEngenheiro BeltrãoEngenheiro Beltrão Em Engenheiro Beltrão há ruínas escondidas, pois uma nobre Missão em seu chão ficou perdida. Terra BoaTerra BoaTerra BoaTerra Boa Terra Boa, gente boa escreveu nos seus anais tanta história que povoa velhos tempos coloniais. ArarunaArarunaArarunaAraruna Bela Araruna, nascida na moldura do Caminho. Por Peabiru conhecida, tem de nós todo o carinho. MamborêMamborêMamborêMamborê Mamborê tem seus segredos, misteriosos sinais. São curiosos enredos herdados dos ancestrais. FarolFarolFarolFarol No Farol inda há quem conte que o beato João Maria batizou a Água da Fonte e fez muita profecia. UbiratãUbiratãUbiratãUbiratã Ubiratã, você traz entre as suas tradições, a vocação para a paz vinda de antigas nações. JurJurJurJurandaandaandaanda Oh, Juranda, Jurandah, no teu nome, tão sonoro, sempre a graça se achará, qual um pássaro canoro. JaniópolisJaniópolisJaniópolisJaniópolis Foi Janiópolis caminho e palco de tanta saga.
  • 7. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 3 Hoje é o rico e alegre ninho de um povo que a paz afaga. Campina da LagoaCampina da LagoaCampina da LagoaCampina da Lagoa Campina, orgulhosa, ostenta pesquisas da arqueologia, provando, já nos setenta, que o Peabiru existia! Nova CantuNova CantuNova CantuNova Cantu Teu rio, Nova Cantu, teu tambo, a vila espanhola, índio, Missão, Peabiru, tudo em ti é pura escola. RoncadorRoncadorRoncadorRoncador Nas trilhas de Roncador João Maria fez história, nos “causos” do sofredor e em coletiva memória. LuizianaLuizianaLuizianaLuiziana Luiziana das cachoeiras, dos caminhos sempre em flor, das muitas sagas pioneiras de que herdaste o teu vigor. Altamira do ParanáAltamira do ParanáAltamira do ParanáAltamira do Paraná Altamira da COMCAM, tens beleza singular. Dos teus rios és guardiã e orgulho do Paraná. GoioerêGoioerêGoioerêGoioerê Goioerê, muitos povos já trilharam o teu chão deixando aos teus filhos novos mui valiosa lição. Moreira SalesMoreira SalesMoreira SalesMoreira Sales Moreira és jovem agora mas tens tão rico passado muitas nações já outrora nos teus campos têm lavrado. RancRancRancRancho Alegreho Alegreho Alegreho Alegre O rancho de tantos causos alegres, sempre bravios desperta muitos aplausos e afasta os dias sombrios. IV CentenárioIV CentenárioIV CentenárioIV Centenário Barro branco, Gato Preto hoje Quarto Centenário eu canto neste poemeto teu passado legendário. –––––––––––- Notas: *COMCAM =Comunidade dos Municípios da Região de Campo Mourão ** - Caminho do Peabiru – veja na seção Brasil Folclórico *** - Terra sem Mal –seção Brasil Folclórico Sinclair Pozza Casemiro Possui graduação em Letras Anglo Portuguesa pela Universidade Estadual de Maringá [UEM] (1976), mestrado em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho [UNESP] (1995), doutorado em Letras, Área de Filologia e Lingüistica Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho [UNESP] (2001) e pós-doutorado em Letras pela Universidade de São Paulo [USP]. Coordenadora de Pesquisa do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM – NECAPECAM, com sede em Campo Mourão, pesquisadora pelo CNPq da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão – FECILCAM Foi diretora e vice-diretora da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão, FECILCAM, Brasil. É Professora da Comunidade dos Municípios de Campo Mourão, COMCAM Prêmios e títulos - 2004 Certificado, Secretaria de Estado da Ciência,Tecnologia e Ensino Superior do Paraná.
  • 8. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 4 - 2003 Honra ao Mérito, FECILCAM. - 2003 Certificado, FECILCAM - Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. - 2003 Certificado de Honra ao Mérito, Conselho Departamental da FECILCAM - Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão. - 2003 Certificado, Coordenação do Curso de Letras, Universidade Paranaense - UNIPAR. - 2003 Certificado, Universidade Estadual de Londrina. – UEL - 2003 Palmas para Elas - Mulher Especial, Fundação Cultural de Campo Mourão. - 2002 Menção Honrosa - Mulheres Destaque 2002, Secretaria Especial de Cultura do Município de Campo Mourão. - 1998 Cidadã Benemérita de Campo Mourão, Prefeitura Municipal de Campo Mourão. - 1994 Certificado, Departamento de Linguística da Faculdade de Ciências e Letras de Assis. - 1994 Certificado, Auditório da FECILCAM e FUNDACAM. - 1992 Certificado, Departamento de Letras do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. - 1991 Certificado, UNIFRAN. - 1991 Certificado, Departamento de Letras da Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava. Entidades a que pertence – Cadeira n.14 da Academia Mourãoense de Letras. – Delegada municipal por Campo Mourão da União Brasileira dos Trovadores/PR – Coordenadora de pesquisas do NECAPECAM - Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre o Caminho de Peabiru na região de Campo Mourão (COMCAM), sua equipe realiza um trabalho de resgate da história da trilha indígena conhecida pelo topônimo “Caminhos de Peabiru” . Trata-se de uma rede pré-colombiana de caminhos indígenas, cuja extensão, pelos estudos que se vêm realizando, é bastante polêmica. Para Rosana Bond, estudiosa do tema, ela pode chegar a mais de três mil quilômetros, ligando o Oceano Atlântico ao Pacífico (São Vicente ao Peru). Há historiadores que contestam essa hipótese e o NECAPECAM se debruça sobre as mais diferentes hipóteses para melhor conhecer a história dessa milenar rota. Algumas das conclusões a que chegaram os seus pesquisadores são as de que, baseando-se nas pesquisas arqueológicas de Igor Chmyz, da década de 1970, na região da COMCAM, onde se realizam as peregrinações, o Peabiru foi construído pelos Itararés (do grupo Macro-GÊ); e, baseando-se nos depoimentos de descendentes do povo guarani, suas trilhas foram utilizadas, entre outras formas, pela nação guarani em sua migração em busca da Terra Sem Mal. Produção bibliográfica Artigos publicados em periódicos – Estudos sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM. Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM, Campo Mourão, v. 2, p. 10-25, 2005. – Estudos Literários de Campo Mourão. Compêndio da Academia Mouraoense de Letras, Campo Mourão, v. 1500, p. 147-160, 2004. – A lingua portuguesa como disciplina. X CELLIP, Londrina, 2003. – Linguagem-lingua-fala-discurso-letras. III SIC- Semana de Iniciação Científica, Campo Mourão, v. III, p. 109-118, 2002. Livros publicados/organizados – (Organizadora). 2º Compêndio da Academia Mourãoense de Letras Vida & Liberdade - O Caminho De Peabiru A Terra Sem Mal E Os Guaranis. 1. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2006. v. 1. 172 p. - Causos do Coração do Paraná – por entre as beiras do Ivaí e do Piquiri. Editora Sisgraf, 2005. – Pequeno Vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto Caminhos de Peabiru da COMCAM. 1ª. ed. Campo Mourão:
  • 9. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 5 UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v. 500. 30 p. – (Organizadora). Compêndio do Simpósio Caminho de Peabiru. 1. ed. CAmpo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2005. v. 500. 272 p. – Pequeno Vocabulário comentado de usos lingüísticos no Projeto Caminho de Peabiru da COMCAM. 2ª. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM - Campo Mourão, 2005. v. 500. 45 p. – (Organizadora) . Caminho de Peabiru projeto de resgate -Compêndio sobre o Caminho de Peabiru na COMCAM Micro-Região 12 do Paraná.O Silêncio E As Vozes Sobre O Caminho De Peabiru Nos Discursos Da História Da Comcam- Micro Região 12. 1. ed. Campo Mourão: NECAPECAM, 2005. v. 1. 209 p. – Enquanto conto, encanto o conto - lendas, contos e rumores de Campo Mourão. 1ª. ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paraná, 2004. v. 5000. 100 p. – (Organizadora). Compêndio da Academia Mourãoense de Letras. 1ª. ed. Campo Mourão: UNESPAR/FECILCAM, 2004. v. 1. 182 p. – (Organizadora). IV Semana de Iniciação Científica. 1. ed. Campo Mourão: FECILCAM-Campo Mourão, 2003. v. 1. 540 p. – Caminhos In versos. 3ª. ed. Curitiba: Francisco Pinheiro, 2002. v. 1000. 110 p. – Um olhar sobre a língua...Portuguesa? A formação do Professor como desafio. 1ª. ed. Campo Mourão: Unespar, 2001. v. 800. 101 p. – Novos Conteúdos Para O Curso De Letras Na Terminalidade De Formação Do Professor De Língua Materna.. 1. ed. Assis: UNESP, 2001. v. 1. 281 p. – Amigos da Poesia. 1ª. ed. Campo Mourão: Kromoset, 2000. v. 600. 80 p. – Caminhos In versos. 1ª. ed. Curitiba: Francisco Pinheiro, 1997. v. 1000. 110 p. – Emprego Dos Verbos Ter E Haver. 1. ed. Assis: Universidade Estadual Paulista/Assis-SP, 1991. v. 1. 84 p. – A Informática E A Estatística Na Língüística. 1. ed. Assis: Universidade Estadual Paulista"Julio De Mesquita Filho", 1991. v. 1. 34 p. Diversos textos em jornais de notícias/revistas Antonio BrásAntonio BrásAntonio BrásAntonio Brás ConstanteConstanteConstanteConstante (Humor, Terror e(Humor, Terror e(Humor, Terror e(Humor, Terror e Salvação em um ContoSalvação em um ContoSalvação em um ContoSalvação em um Conto de Natal)de Natal)de Natal)de Natal) A cena continha vários detalhes que lembravam o Natal, ainda que não houvesse renas por ali. Havia um pinheiro enorme, pisca-piscas, quase todos os tipos de bebidas, um cheiro diferente no ar... (que não era causado pelas renas, pois elas realmente não existiam por ali) O que mudava o contexto natalino era que o pinheiro serviu para parar o carro que tinha vindo desgovernado e em alta velocidade na sua direção. Os pisca-piscas, não passavam de sinalizações indicando que aquela estrada estava em obras. As várias bebidas estavam todas armazenadas no corpo do sujeito desmaiado e ensangüentado que jazia abraçado ao volante e, por fim, o cheiro no ar era de gasolina (eu falei que não eram as renas), que saia do tanque perfurado do veículo. O liquido inflamável escorria e deslizava pela terra, chegando cada vez mais perto de um principio de incêndio, localizado na dianteira do automóvel, iniciado devido ao impacto. Mas havia algo mais. Algo que estava ocorrendo na mente do motorista embriagado. Era ali que estava para ocorrer à verdadeira história de Natal. Quem olhasse de longe para as ferragens retorcidas, não poderia imaginar que naquele momento, um homem estivesse encontrando seu destino de forma tão surreal.
  • 10. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 6 Kaio das Pontes era seu nome, um nome que passou bem perto de ser gravado em uma lápide fria, visto que ele poderia ter morrido em decorrência da brutal batida na qual foi algoz e vítima. Se bem que sua situação ainda era delicada, pois tinha quebrado vários ossos, e perdido muito sangue. Mas, o pior é que seu carro poderia explodir a qualquer momento. O lugar estava deserto e desolado, nenhum sinal de vida, nem sequer uma placa indicando algum Fast-food de beira de estrada. Em meio ao quase silêncio (ouvia-se apenas alguns ruídos típicos de florestas) uma luz começou a brilhar, próxima ao pára- brisa quebrado (deixando a cena do acidente mais iluminada, porém, ainda silenciosa). A partir do aparecimento da estranha luz, tudo que estava em volta do veículo congelou. As folhas pararam de se mover, o vento parou de soprar e mesmo os ruídos florestais ao seu redor cessaram. A luminosidade tomou forma, e tal qual o conto de Natal: "Os fantasmas de Scrooge", Kaio também passou a receber a visita de três espíritos (anjos ou demônios, dependendo da crença de cada um). Um para mostrar-lhe o passado, outro o presente e um último apresentando seu futuro. O primeiro fantasma apareceu na figura de um cachorro vestido de garçom, e que urinou no rosto do moribundo para acordá-lo. Ao perceber o que aquela criatura peluda tinha feito, Kaio começou a praguejar, mas parou ao levar uma mordida na perna. O cão falava, não com palavras, mas com pensamentos, e fedia, como fedia, exalando um odor insuportável de cachorro molhado. Kaio já não estava mais em seu carro, mas de volta ao seu próprio passado. Ele passou a relembrar de todas as situações que o levaram a beber, as festas, as alegrias e tristezas sempre comemoradas ou esquecidas com álcool. Ao ver a si próprio naquele passado, começou a perceber o quanto se tornara dependente daquele vício maldito. Mas era tão bom o torpor que a bebida lhe trazia. Era como um elixir que lhe curava todos os seus males. Algo que lhe dava coragem e afugentava a dor e as lembranças amargas de sua vida. O cão percorreu com ele a trilha tortuosa dos primeiros passos do alcoólatra, e do grande problema nesta unificação entre Homem e bebida, em que nós seres humanos somos péssimos vasilhames, e onde até mesmo os uísques importados viram urina quando estocados em nosso organismo. Pois na grande maioria das vezes que o ser humano resolve bancar o porta- álcool, acaba estragando seu convívio social e até mesmo a sua própria vida, já que de gole em gole tornamos a vida um porre. O cachorro também lhe mostrou, enquanto abanava a cauda, que mesmo sendo um viciado nos prazeres e desprazeres da bebida, Kaio ainda havia conseguido um emprego razoável e uma família com esposa e filhos. Por fim o cão trouxe-lhe de volta ao seu carro acidentado. O homem baixou a cabeça, mas antes que pudesse se recobrar de seu estado deprimente apareceu o segundo fantasma. Ele veio na forma de uma gigantesca lagosta com roupas de bailarina (o balé era o sonho de carreira que sua esposa largou para se dedicar ao marido e aos filhos). Lembrando da mordida do primeiro anjo, Kaio (que adorava lagostas) achou melhor não esboçar qualquer reação diante daquela figura estranha que lhe puxou para fora do carro com um beliscão no braço, levando-o diretamente aos acontecimentos que causaram seu acidente. Ele viu seu dia recomeçar, sempre no bar. Seu corpo mole do trago chegando novamente atrasado ao serviço e desta vez sendo demitido. Ao voltar para casa, reviveu a briga com sua mulher, mais uma entre várias que já se passaram, com um agravante, desta vez houve agressão física com troca de tapas e socos. Ele ouviu novamente o choro de seus pequenos filhos, que por estarem chorando também apanharam. Tudo tão real, tão vergonhoso. Por fim acompanhou sua esposa saindo de casa, levando algumas malas e seus dois filhos, um no colo e outro pela mão. Kaio poderia ter ido atrás dela, ter lhe pedido desculpas pelas besteiras que fez, implorando que ficasse. Ele poderia ter dito que a amava e que amava seus filhos. Mas preferiu encontrar o conforto de uma garrafa. Bebeu toda que encontrou, até ser expulso
  • 11. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 7 do bar. Saiu de lá cambaleando e pegou seu carro. Veio pela estrada quase em coma alcoólico até perder a direção e bater contra aquele velho pinheiro. Agora estava ali, relembrando todos os seus erros. Estava novamente estropiado e ensangüentado dentro do carro. Seus olhos mareados de lágrimas. A dor do corpo tornara-se menor que a sofrida por sua alma destruída pela bebida e estraçalhada pelas lembranças. O que viria a seguir? Uma rena vestida de Papai Noel? Então chegou o terceiro fantasma. Uma pomba, nua como qualquer pomba que possa existir, mesmo sendo uma pomba fantasma. Ela mostrou a ele que sua morte traria tristeza para a família, mas também traria alívio. O rosto de sua esposa já não era cheio de medo dos ataques de fúria do marido. Seus filhinhos passaram a dormir melhor, sem acordarem chorando no meio da noite, apavorados com aquele monstro cheirando a cachaça, que gritava enquanto ia quebrando tudo que encontrava pela casa. A pomba também mostrou o que aconteceria se Kaio sobrevivesse. Ela Mostrou-lhe vários futuros, em alguns deles ele voltava para a bebida, porém, em outros conseguia superar o vício. A escolha devia ser feita. Viver ou morrer. Lutar ou se deixar vencer. O homem estava totalmente transtornado, seu rosto molhado de lágrimas e sujo de sangue, fedendo a urina de cachorro. A vontade de viver parecia ter se apagado junto com as últimas imagens. Kaio largou o peso do corpo sobre banco e se entregou ao destino. Era tão fácil desistir, abraçar a morte, não ter que enfrentar a vergonha, ou mesmo lutar para mudar a própria vida. Finalmente o fogo alcançou a gasolina. Naquele fatídico momento, o clamor de seu coração por uma nova chance falou mais alto. Apesar de tudo queria viver. Não podia terminar assim, não como um churrasquinho humano, não agora que tinha visto sua vida sobre uma nova ótica, e que poderia mudá-la, por mais difícil que fosse. No entanto, suas preces não pareciam ter surtido qualquer efeito, pois o mundo a sua volta explodiu. A última coisa que viu foi à imagem da pomba voando... Tudo estava escuro e sereno. Após uma verdadeira eternidade de trevas, seus olhos emergiram para uma luz, cegante e intensa. Aos poucos começou a ouvir murmúrios e sons irreconhecíveis. A consciência foi voltando ao corpo. Estava em um hospital. Milagrosamente sobreviveu. A explosão o havia lançado para longe do carro e atraído uma viatura da polícia. Estava consciente de que recebera o melhor presente de todos: A vida, juntamente com uma nova chance de ser feliz. A partir dali só dependeria dele. PRELÚDIO: ao olhar pela janela Kaio pode perceber, ao longe, uma rena vestida de Papai Noel… Antonio Brás Constante, natural de Porto Alegre. Residente em Canoas/RS. Bacharel em computação, bancário e cronista de coração, escreve com naturalidade, descontraída e espontaneamente, sobre suas idéias, seus pontos-de-vista, sobre o panorama que se descortina diferente a cada instante, a nossa frente: a vida. Membro da ACE (Associação Canoense de Escritores). Arioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso CruzArioswaldo Trancoso Cruz (Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias) ContrapontoContrapontoContrapontoContraponto Eu fui feliz quando te vi cantando, Como feliz eu fui quando sorrias. Na tua vida fui-me abandonando, Nos teus caprichos consumi meus dias. Hoje, tu passas, nem sequer notando Este coitado em quem tu te valias Quando, de angústia, muita vez chorando,
  • 12. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 8 Neste ombro amigo as mágoas desfazias. Mas, pouco importa se tudo esqueceste, Pois, de nós dois, somente tu perdeste Quando, afinal, me deste liberdade. Um coração magoado injustamente, Compreende logo que uma dor mordente É o contraponto da felicidade DespertandoDespertandoDespertandoDespertando Não temo este universo em que desperto Da fuga interminável de sonhar, Quando nem consegui reter por perto Fragmentos do estar, ou do passar. Foi um completo turbilhão, deserto De valores vitais em que apoiar O leque de experiências em aberto Que nunca me cabiam vivenciar. Pressinto já momentos de beleza, Numa vida juncada da certeza Multiforme do despertar seguro, Que é saudade agridoce o sonho albino Deste misto de humano e de divino Cujo ser se projeta no futuro. Arioswaldo Trancoso Cruz Filho de Bernardo Cruz e de Oscália Trancoso Cruz, nasceu em Morretes, Paraná, em 29 de julho de 1942. Sua formação acadêmica e profissional foi realizada em Porto Alegre, onde viveu dos 7 aos 38 anos de idade. Retornou ao Paraná, em Curitiba, em 1980, atuando alguns anos no comércio de panificação. Professor de Filosofia e História na Rede Pública Estadual de Ensino. Poeta, artesão e desenhista. Integrante das entidades culturais: - Centro de Letras do Paraná; - Academia de Letras José de Alencar (atualmente como presidente) - Sala do Poeta do Paraná Possui sonetos premiados por estas entidades curitibanas, além de poesias publicadas em periódicos locais e no livro "Poetas e Poesias de Ouro", da Editora Litteris, Rio de Janeiro. Aventuras deAventuras deAventuras deAventuras de Pedro MalasartesPedro MalasartesPedro MalasartesPedro Malasartes (2)(2)(2)(2) MalasartesMalasartesMalasartesMalasartes fez o urubu falarfez o urubu falarfez o urubu falarfez o urubu falar Quando o pai de Pedro Malasartes entregou a alma a Deus, fez-se a partilha dos bens - uma casinha velha - entre os filhos; e tocou a Pedro uma das bandeiras da porta da casa, com o que ele ficou muito contente. Pôs a porta no ombro e saiu pelo mundo. Em caminho viu um bando de urubus sobre um burro morto. Atirou a porta sobre eles e caçou um urubu que ficou com a perna quebrada. Apanhou-o, pôs a porta às costas e continuou viagem. Obra de uma légua ou mais, avistou uma casa de onde sala fumaça, o que queria dizer que se estava preparando o jantar. Pedro Malasartes, que sentia fome, bateu à porta e pediu de comer. Veio atendê-lo uma preta lambisgóia que foi logo dizer à patroa que ali estava um vagabundo, com um urubu e uma porta, a pedir de jantar. A mulher mandou que o despachasse, que sua casa não era coito de malandros. O marido estava de viagem e a mulher no seu bem bom a preparar um banquete para quem ela muito bem o destinava. Neste mundo há coisas! Pedro Malasartes, tão mal recebido que foi, resolveu subir para o telhado,
  • 13. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 9 valendo-se da porta que trazia e lhe serviria de escada. Subiu e ficou espreitando o que se passava naquela casa, tanto mais que sentia o cheiro dos bons petiscos. Espiando pelos vãos das telhas viu os preparativos e tomou nota das iguarias, e ouviu as conversas e confidências da patroa e da negra. Justamente na hora do jantar chegou o dono da casa que resolvera voltar inesperado da viagem que fazia. Quando a mulher percebeu que ele se aproximava, mandou esconder os pratos do banquete e veio recebê-lo e abraçá-lo, muito fingida, muito risonha, mas por dentro queimando de raiva. Vai dai mandou pôr na mesa a janta que constava de feijão aguado, paçoca de carne seca, dizendo: - Por que não me avisou, marido? Sempre se havia de aprontar mais alguma coisa... Sentaram-se à mesa. Pedro Malasartes desceu de seu posto e bateu na porta, trazendo o urubu. O dono da casa levantou-se e foi ver quem era. O rapaz pediu-lhe um prato de comida e ele chamou-o para a mesa a servir- se do pouco que havia. A mulher estava desesperada, desconfiando com a volta do Malasartes. Pedro tomou assento, puxou o urubu para debaixo da mesa, preso pelo pé num pedaço de corda. Estavam os dois homens conversando, quando de repente o Malasartes pisou no pé quebrado do bicho e este se pôs a gritar: Uh! uh! uh! O dono da casa levou um susto e perguntou que diabo teria o bicho. Pedro respondeu muito sério: - Nada! São coisas. Está falando comigo. - Falando! Pois o seu bicho fala?! - Sim senhor, nós nos entendemos. Não vê como o trago sempre comigo? É um bicho mágico, mas muito intrometido. - Como assim? - Agora, por exemplo, está dizendo que a patroa teve aviso oculto da volta do senhor e por isso lhe preparou uma boa surpresa. - Uma surpresa! Conte lá isso como é. - É deveras! Uma excelente leitoa assada que está ali naquele armário... - Pois é possível! Ó mulher, é verdade o que diz o urubu deste moço? Ela com receio de ser apanhada com todo o banquete e certa já de que Pedro sabia da marosca, apressou-se em responder: - Pois então? Pura verdade! O bicho adivinhou. Queria fazer-te a surpresa no fim do jantar. E gritou pela preta: - Maria, traz a leitoa. A negra veio logo correndo, mas de má cara, com a leitoa assada na travessa. Daí a pouco Pedro Malasartes pisou outra vez no urubu que soltou novo grito. O dono da casa perguntou: - O que é que ele está dizendo? - Bicho intrometido! Está candongando outra boca, bicho! - O que é? - Outras surpresas... - Outras! - Sim senhor: um peru recheado... - É verdade, mulher? - Uma surpresa, maridinho do coração! Maria, traz o peru recheado que preparei para teu amo. Veio o peru. E pelo mesmo expediente conseguiu Pedro Malasartes que viessem para a mesa todas as iguarias, doces e bebidas que havia em casa. Ao fim do jantar, o dono da casa, encantado com as proezas do urubu, propôs comprá-lo a Pedro Malasartes que o vendeu muito bem vendido, enquanto a mulher e a preta bufavam de raiva, crentes também no poder mágico do bicho, que assim seria um constante espião de tudo quanto fizessem. Fechado o negócio, Pedro Malasartes partiu satisfeito e vingado. De como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubuDe como Malasartes vendeu o urubu O dono da casa vendo que o urubu de Pedro Malasartes era encantado e sabia descobrir todos os segredos, propôs-lhe comprá-lo. Malasartes, pescando que estava em véspera de fazer um bom negócio, encareceu ainda mais as virtudes do urubu e pediu este mundo e o outro.
  • 14. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 10 O homem vacilou em fechar o negócio, e Pedro, justamente quando uma preta velha veio trazer café a sala, disse ao dono da casa de modo que a mucamba ouvisse: - Este bicho é deveras encantado, patrão. ele é capaz de descobrir outras coisas que se passam em sua casa sem o senhor saber. - Não me diga isto! - É o que lhe digo. Mas, para que ele não emudeça e possa contar tudo que tenha visto, é preciso que haja o maior cuidado para que nenhuma mulher lhe verta água na cabeça. E, se quiser experimentar, deixe-o esta noite ficar no corredor, que amanha teremos que saber muitas novidades. O homem aplaudiu a proposta e prometeu comprar o urubu se saísse certo o que lhe dizia o Malasartes. Mas a preta que tinha ouvido a combinação mal saiu da sala foi contar tudo à senhora, que ficou muito assustada, pois que, naquela noite, havia de receber a visita do sacristão da vila, e não sabia como arranjar para que o urubu candongueiro não pusesse tudo a perder. A preta teve uma luz, e disse que não havia perigo, pois ela se encarregaria de verter água na cabeça do urubu para que ele perdesse o encanto. Às tantas da noite todos se foram acomodar, tendo Malasartes cuidado de deixar o bicho no corredor, fazendo de sentinela. Lá para a virada da noite, a dona da casa, pé que pé, veio abrir a janela, por onde saltou para dentro o sacristão, enquanto a preta estava fazendo o que prometera na cabeça do urubu. Quando o bicho se viu com a cabeça toda molhada, não teve mais conversa - tico! e deu uma bicada na preta lá onde quis e ela ficou segura, e vai então a negra soltou um grito. A senhora, temendo que o marido despertasse, correu para arrancar a sua mucamba do bico do bicho. Agarrou-a pelo braço, mas não houve meio. A rapariga, então no auge do aperto, apegou-se no braço da senhora que se pôs também a gritar. O sacristão acudiu para ver se podia ajudar as duas a se desvencilharem. Mas, já a este tempo, Pedro Malasartes havia despertado o dono da casa. E os dois correram a ver o que era e encontraram aqueles três assim como estavam. E vai então o dono da casa descobriu tudo, desancou o sacristão a pau, moeu os ossos tanto da senhora como da escrava e resolveu comprar o urubu. Mas ai é que foi a história. Pedro Malasartes pediu pelo bicho cinco contos de réis. Abate que não abate, o homem teve mesmo de encorropichar o cobre, vintenzinho por vintenzinho, e Pedro Malasartes, deixando ficar o urubu, de quem se despediu chorando, pôs-se a caminho, mas vendo no pátio da fazenda uma carneirada, resolveu levá-la também e foi tocando como se fosse dono dela. Nilto MacielNilto MacielNilto MacielNilto Maciel (Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias) DORDORDORDOR Não tenho mal nenhum, senhora minha, como se fosse puro, imaculado, como se fosse um anjo, um serafim, como se fosse deus, imune à dor. Eu nada sinto, dor nenhuma tenho, quer na cabeça, quer no amargo peito. Não tenho mal nenhum, senhora minha, perfeitamente são me sinto e puro. Se existe mal em mim, se existe dor, é a de morrer tão cedo, a pleno sol, envelhecer como qualquer mortal. E a dor maior, minha senhora bela, é dentro d'alma, bem profunda e aguda,
  • 15. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 11 a dor chamada angústia, a dor de ser. POSSESSÃOPOSSESSÃOPOSSESSÃOPOSSESSÃO Nada é meu, nem a vida, que é minha. SSSSÍSIFOÍSIFOÍSIFOÍSIFO Para Cátia Silva O meu destino é semelhante àquele imposto ao legendário rei coríntio, que carregava ao ombro para o monte pedra que despencava em avalancha. Buscava novamente a rocha bruta, subia o monte e, mal chegava ao cimo, de suas mãos sangradas escapava o mineral, que ao solo retornava. E assim jamais o seu suplício ao fim chegava, mesmo exausto, quase morto. O meu suplício é semelhante ao dele - a cada “não” que tu me dizes, subo minha montanha, carregando pedras, que se desprendem de meus ombros, rolam ladeira abaixo, e volto a ti, pedinte. E tu de novo dizes “não”, sorrindo. Apanho minha rocha, subo o monte. Se conseguir chegar ao cimo e lá deitar a pedra, ao chão fincá-la, o “sim” de ti terei; porém fui condenado a carregar meu fardo vida afora e vê-lo escorregar pelas escarpas. E quando quase morto me encontrar, sabendo, embora, que somente “não” a mim dirás, ainda assim direi: “Melhor este suplício, a ser feliz longe dos olhos teus, vizinho à morte”. SONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULARSONETO CREPUSCULAR Para Francisco Carvalho Nos campos de meu pai antigamente as chuvas inundavam meus pensares e do pomar do céu pingavam frutos. Ventos ninavam aves repousadas nas árvores vigias de seu sono, sentinelas da luz crepuscular. As ovelhas baliam suas crias, os vaga-lumes alumbravam tudo e a solidão das vacas nos currais. Duendes se assustavam co’os trovões. Na escuridão dos quartos o perfume do amor gemente à sombra dos lençóis. Invernos que de mim se evaporaram nos campos de meu pai antigamente. ---------– Nilto Maciel (1945) Nasceu em Baturité, Ceará, em 1945. Ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará em 70. Criou, em 76, com outros escritores, a revista O Saco. Mudou-se para Brasília em 77, tendo trabalhado na Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal e Tribunal de Justiça do DF. Regressou a Fortaleza em 2002. Editor da revista Literatura desde 91. Obteve primeiro lugar em alguns concursos literários nacionais e estaduais: Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1981, com o livro de contos Tempos de Mula Preta; Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 1986, com o livro de contos Punhalzinho Cravado de Ódio; “Brasília de Literatura”, 90, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Distrito Federal, com A Última Noite de Helena; “Graciliano Ramos”, 92/93, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Alagoas, com Os Luzeiros do Mundo; “Cruz e Sousa”, 96, categoria romance nacional, promovido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, com A Rosa Gótica; VI Prêmio Literário Cidade de Fortaleza, 1996, Fundação Cultural de Fortaleza, CE, com o conto “Apontamentos Para Um Ensaio”; “Bolsa Brasília de Produção Literária”, 98, categoria conto, com o livro Pescoço de Girafa na Poeira; "Eça de Queiroz", 99, categoria novela, União Brasileira de Escritores, Rio de Janeiro, com o livro Vasto Abismo. Organizou, com Glauco Mattoso, Queda de Braço – Uma Antologia do Conto Marginal (Rio de Janeiro/Fortaleza, 1977). Participa de diversas coletâneas,
  • 16. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 12 entre elas Quartas Histórias – Contos Baseados em Narrativas de Guimarães Rosa, org. por Rinaldo de Fernandes (Ed. Garamond, Rio de Janeiro, 2006). Tem contos e poemas publicados em esperanto, espanhol, italiano e francês. O Cabra que Virou Bode foi transposto para a tela (vídeo), pelo cineasta Clébio Ribeiro, em 1993. LIVROS PUBLICADOS: - Itinerário, contos, 1.ª ed. 1974, ed. do Autor, Fortaleza, CE; 2.ª ed. 1990, João Scortecci Editora, São Paulo, SP. - Tempos de Mula Preta, contos, 1.ª ed. 1981, Secretaria da Cultura do Ceará; 2.ª ed. 2000, Papel Virtual Editora, Rio de Janeiro, RJ. - A Guerra da Donzela, novela, l.ª ed. 1982, 2.ª ed. 1984, 3.ªed. 1985, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, RS. - Punhalzinho Cravado de Ódio, contos, 1986, Secretaria da Cultura do Ceará. - Estaca Zero, romance, 1987, Edicon, São Paulo, SP. - Os Guerreiros de Monte-Mor, romance, 1988, Editora Contexto, São Paulo, SP. - O Cabra que Virou Bode, romance, 1.ª ed. 1991, 2.ª ed. 1992, 3.ª ed. 1995, 4.ª ed. 1996, Editora Atual, São Paulo, SP. - As Insolentes Patas do Cão, contos, 1991, João Scortecci Editora, São Paulo, SP. - Os Varões de Palma, romance, 1994, Editora Códice, Brasília. - Navegador, poemas, 1996, Editora Códice, Brasília. - Babel, contos, 1997, Editora Códice, Brasília. - A Rosa Gótica, romance, 1.ª ed. 1997, Fundação Catarinense de Cultura, Florianópolis, SC (Prêmio Cruz e Sousa, 1996), 2.ª ed. 2002, Thesaurus Editora, Brasília, DF. - Vasto Abismo, novelas, 1998, Ed. Códice, Brasília. - Pescoço de Girafa na Poeira, contos, 1999, Secretaria de Cultura do Distrito Federal/Bárbara Bela Editora Gráfica, Brasília. - A Última Noite de Helena, romance, 2003. Editora Komedi, Campinas, SP. - Os Luzeiros do Mundo, romance, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE. - Panorama do Conto Cearense, ensaio, 2005. Editora Códice, Fortaleza, CE. - A Leste da Morte, contos, 2006. Editora Bestiário, Porto Alegre, RS. - Carnavalha, romance, 2007. Bestiário, Porto Alegre, RS. ORGANIZADOR: Pele e Abismo na Escritura de Batista de Lima, ensaios, artigos e resenhas, 2006. Ed. UNIFOR, Fortaleza, CE. PARTICIPAÇÃO EM ANTOLOGIAS: - Queda de Braço: Uma Antologia do Conto Marginal, seleção de Glauco Mattoso e Nilto Maciel. Clube dos Amigos do Marsaninho, Rio de Janeiro e Fortaleza, 1977. Contos: “As Fantásticas Narrações das Meninas do São Francisco” e “Sururus no Lupanar”. - Conto Candango, coordenação de Salomão Sousa. Coordenada Editora de Brasília, 1980. Conto: “As Pequenas Testemunhas”. - Horas Vagas (Coletânea 2), organizada por Joanyr de Oliveira. Coleção Machado de Assis, volume 42, Contos, Senado Federal, Brasília, 1981. Conto: “Detalhes Interessantes da Vida de Umzim”. - O Prazer da Leitura, organizada por Jacinto Guerra, Ronaldo Cagiano, Nilce Coutinho e Cláudia Barbosa. Editora Thesaurus, Brasília, 1997. Conto: “Ícaro”. - Almanaque de Contos Cearenses, organizado por Elisangela Matos, Pedro Rodrigues Salgueiro e Tércia Montenegro. Edições Bagaço, Recife, PE, 1997. Conto: “Apontamentos para um Ensaio”. - Poesia de Brasília, organizada por Joanyr de Oliveira. Livraria Sette Letras, Rio de Janeiro, 1998. Poemas: “Odisséia Interior”, “Oferenda” e “Nem todo amor...” - Poesía de Brasil – volumen 1, organizada por Aricy Curvello e traduzida para o espanhol por Gabriel Solis. Edição Proyecto Cultural Sur/Brasil, Bento Gonçalves, RS, 2000. Poemas: “Calvario”, “De Desapariciones y de Ruinas”, “Francisca” e “Arco Iris”. - Reflexos da Poesia Contemporânea do Brasil, França, Itália e Portugal, organizada por Jean Paul Mestas. Universitária Editora, Lisboa, Portugal, 2000. Edição em francês e português. Poemas: “Lutin”/ “Duende”, “Avec
  • 17. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 13 les pieds par terre” / “Com os pés no chão”, “Auroral” / “Amanhança”, “Pro-phétique” / “Prof-ética”. - Antologia de Haicais Brasileiros, organizada por Napoleão Valadares. André Quicé Editor, Brasília, 2003. - Antologia de Contos Cearenses, organizada por Túlio Monteiro. Coleção Terra da Luz, tomo I, Fundação de Cultura, Esporte e Turismo de Fortaleza, 2004. Conto: “Casa Mal-assombrada”. - Antologia do Conto Brasiliense, seleção e organização por Ronaldo Cagiano. Projecto Editorial, Brasília, 2004. Conto: “Aníbal e os Livros”. - Os Rumos do Vento/ Los Rumbos del Viento (Antologia de Poesia), coordenação de Alfredo Pérez Alencart e Pedro Salvado. Câmara Municipal de Fundão, Porotugal e Trilce Ediciones, Salamanca, Espanha, 2005. Poema: “Arco-íris”. - Quartas Histórias – contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa, org. Rinaldo de Fernandes. Rio de Janeiro, Ed. Garamond, 2006. Conto: “Águas de Badu”. - Todas as Gerações – O Conto Brasiliense Contemporâneo, org. por Ronaldo Cagiano. Brasília, LGE Editora, 2006. Conto “Avisserger Megatnoc”. - 15 Cuentos Brasileros/15 Contos Brasileiros, edición bilingüe español-portugués, org. por Nelson de Oliveira e tradução de Federico Lavezzo. Córdoba, Argentina, Editorial Comunicarte, 2007. Conto “Ave- Marias”. Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos (O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital)(O Relógio do Hospital) O médico, paciente como se falasse a uma criança, engana-me asseverando que permanecerei aqui duas semanas. Recebo a notícia com indiferença. Tenho a certeza de que viverei pouco, mas o pavor da morte já não existe. Olho o corpo magro estirado no colchão duro e parece-me que os ossos agudos, os músculos frouxos e reduzidos, não me pertencem. Nenhum pudor. Alguém me estendeu uma coberta sobre a nudez. Como é grande o calor, descobri-me, embora estivessem muitas pessoas na sala. E não me envergonhei quando a enfermeira me ensaboou e raspou os pêlos do ventre. Ao deitar-me na padiola, deixei os chinelos junto da cama; ao voltar da sala de operações, não os vi. O médico se dirige em linguagem técnica a uma mulher nova, e ela me examina friamente, como se eu fosse um pouco de substância inerte, diz que os meus sofrimentos vão ser grandes. Por enquanto estou apenas atordoado. Aquela complicação, tinir de ferros, máscaras curvadas sobre a mesa, o cheiro dos desinfetantes, mãos enluvadas e rápidas, as minhas pernas imóveis, um traço na pele escura de iodo, nuvens de algodão, tudo me dança na cabeça. Não julguei que a incisão tivesse sido profunda. Uma reta na superfície. Considerava-me quase defunto, mas no começo da operação esta idéia foi substituída por lembranças da aula primária. Um aluno riscava figuras geométricas no quadro-negro. Morto da barriga para baixo. O resto do corpo iria morrer também, no dia seguinte descansaria no mármore do necrotério, seria esquartejado, serrado. Fechei os olhos, tentei sacudir a cabeça presa. Uma cara me perseguia, cara terrível que surgira pouco antes, na enfermaria dos indigentes. Eu ia na padiola, os serventes tinham parado junto a uma porta aberta - a grade alvacenta aparecera, feita de tiras de esparadrapo, e, por detrás da grade, manchas amarelas, um nariz purulento, o buraco negro de uma boca, buracos negros de órbitas vazias. Esse tabuleiro de xadrez não me deixava, era mais horrível que as visões ferozes do longo delírio.
  • 18. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 14 O trabalho dos médicos iria prolongar- se, cacete, meses e meses, ou findaria vinte e quatro horas depois, no necrotério? Cortado em pedaços, uma salmoura esbranquiçada cheirando a formol, o atestado de óbito redigido à pressa, um cirurgião de mangas arregaçadas lavando as mãos, extraordinariamente distante de mim. Agora espero os sofrimentos anunciados. Um gemido fanhoso de relógio fere-me os ouvidos e fica vibrando. Insensível, olho as pernas compridas, a dobra que entre elas se forma na coberta. Outras pancadas vaga rosas tremem, abafando os cochichos que fervilham na sala. Parece-me virem juntas à primeira: a meia hora decorrida perdeu-se. Inércia, um vácuo enorme, o prognóstico da mulher nova ameaçando-me. Sono, fadiga, desejo de ficar só. Alguém se debruça na cama, encosta a orelha ao meu coração. Furam-me o braço, uma agulha procura lentamente a veia. Escuridão, silêncio. Depois um instrumento de música a tocar, a sombra adelgaçando-se, telhados, árvores e igrejas esboçando-se à distância. Tenho a sensação de estar descendo e subindo, balançando-me como um brinquedo na extremidade de um cordel. A dormência prolongada pouco a pouco se extingue. Os dedos dos pés mexem- se, em seguida os pés, as pernas - e enrosco- me como um verme. Uma angústia me assalta, a convicção de que me aleijaram. Esta idéia é tão viva que, apesar de terem voltado os movimentos, afasto a coberta, para certificar-me de que não me amputaram as pernas. Estão aqui, mas ainda meio entorpecidas, e é como se não fossem minhas. As idas e vindas, as viagens para cima e para baixo, cansam-me demais, penso que uma delas será a última, que o cordel vai quebrar se, deixar-me eternamente parado. Noite. A treva chega de repente, entra pelas janelas, vence a luz da lâmpada. Uma friagem doce. A chuva açoita as vidraças. Durmo uns minutos, acordo, adormeço novamente. Neste sono cheio de ruídos espaçados – rolar de automóveis, um canto de bêbado, lamentações dos outros doentes - avultam as pancadas fanhosas do relógio. Som arrastado, encatarroado e descontente, gorgolejo de sufocação. Nunca houve relógio que tocasse de semelhante maneira. Deve ser um mecanismo estragado, velho, friorento, com rodas gastas e desdentadas. Meu avô me repreendia numa fala assim lenta e aborrecida quando me ensinava na cartilha a soletração. Voz autoritária e nasal, costumada a arengar aos pretos da fazenda, em ordens ásperas que um pigarro interrompia. O relógio tem aquele pigarro de tabagista velho, parece que a corda se desconchavou e a máquina decrépita vai descansar. Bem. Daqui a meia hora não ouvirei as notas roucas e trêmulas. Vultos amarelos curvam-se sobre a cama, que sobe e desce, levantam-me, enrolam-me em pastas de algodão e ataduras, esforçam-se por salvar os restos deste outro maquinismo arruinado. Um líquido acre molha-me os beiços. Serventes e enfermeiros deslocam-se com movimentos vagarosos e sonâmbulos, a luz esmorece, dá aos rostos feições cadaverosas. Impossível saber se é esta a primeira noite que passo aqui. Desejo pedir os meus chinelos, mas tenho preguiça, a voz sai-me flácida, incompreensível. E esqueci o nome dos chinelos. Apesar de saber que eles são inúteis, desgosta-me não conseguir pedi-Ias. Se estivessem ao pé da cama, sentir-me-ia próximo da realidade, as pessoas que me cercam não seriam espectrais e absurdas. Enfadam-me, quero que me deixem. Acontecendo isso, porém, julgar-me-ia abandonado, rebolar-me-ei com raiva, pensa rei na enfermeira dos indigentes, no homem que tinha uma grade de esparadrapos na cara. Silêncio. Por que será que esta gente não fala e o relógio se aquietou? Uma idéia acabrunha-me. Se o relógio parou, com certeza o homem dos esparadrapos morreu. Isto é insuportável. Por que fui abrir os olhos diante da amaldiçoada porta? Um abalo na padiola, uma parada repentina - e a figura sinistra começara a aperrear-me, a boca desgovernada, as órbitas vazias negrejando por detrás da grade alvacenta. Por que se detiveram junto àquela porta? Dois passos aquém, dois passos além - e eu estaria livre da obsessão.
  • 19. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 15 O relógio bate de novo. Tento contar as horas, mas isto é impossível. Parece que ele tenciona encher a noite com a sua gemedeira irritante. Doutor Queirós, principiando a falar, não acaba: é um palavreado infinito que nos enjoa, nos deixa embrutecidos, mudos, mastigando um sorriso besta de cumplicidade. Felizmente o homem dos esparadrapos vive. Repito que ele vive e caio num marasmo agoniado. No silêncio as notas compridas enrolam se como cobras, estiram- se pela casa, invadem a sala, arrastam-se devagar nos cantos, sobem a cama onde me agito apavorado. Que fim levaram as pessoas que me cercavam? Agora só há bichos, formas rastejantes que se torcem com lentidão de lesmas. Arrepio-me, o som penetra-me no sangue, percorre-me as veias, gelado. As vidraças, a chuva, os ruídos, sumiram-se. Há uma noite profunda, um céu pesado que chega até a beira da minha cama. As coisas pegajosas engrossam, vão enlaçar-me nos seus anéis. Tento esquivar- me ao abraço medonho, revolvo-me no colchão, grito. Aparecem de novo as figuras atentas, lívidas. A beberagem acre umedece-me a língua seca, dura como língua de papagaio. - Obrigado. Puxo a coberta para o queixo, o frio diminui. Há um rio enorme, precipícios sem fundo - e seguro-me a ramos frágeis para não cair neles. Ouço trovões imensos. Volto a ser criança, pergunto a mim mesmo, que seres misteriosos fazem semelhante barulho. Meus irmãos pequenos iam deitar-se com medo, minhas tias ajoelhavam-se diante do oratória, a chama das velas tremia, as contas dos rosários chocavam-se como bilros de almofadas, um sussurro de preces enchia o quarto dos santos. Por que estão chiando aqui perto de mim? Estarão rezando? Não houve trovões. Nuvens brancas e altas correm por cima das árvores, das igrejas, do telhado da penitenciária. Olho os tipos que me rodeiam. Afastam-se, falam em voz baixa, presumo que me espiam desconfiados. Acham-me com certeza muito mal, pensam que vou morrer, procuram decifrar as palavras incoerentes que larguei no delírio. Envergonho-me. Terei dito segredos e inconveniências? Desejo atraí-Ias, conversar, mostrar que sou um indivíduo razoável e as maluquices do sonho findaram. Mas a linguagem foge. Procuro chamá-las com um gesto, a mão tomba-me sobre o peito, uma fraqueza paralisa-me. Certamente estou há dias entre a vida e a morte. Agora a febre diminuiu e os monstros que me perseguiam se desmancharam. As dores do ferimento são intoleráveis. Inclino-me para um lado e para outro, certifico-me de que não me trouxeram os chinelos, imagino que vou agüentar uma eternidade de martírios. Gritos agudos de criança rasgam-me os ouvidos, como pregos. Querem ver que a minha operação foi ontem e ficarei aqui amarra do semanas ou meses? Uma balada corta-me o pensamento. Estremeço: parece que ela me chegou aos nervos através da ferida aberta, me entrou na carne como lâmina de navalha. Aqueles soluços desenganados devem vir da enfermeira dos indigentes, talvez o homem dos esparadrapos esteja chorando. Com esforço, consigo encostar as palmas das mãos nas orelhas. Desejo ficar assim, mas a posição é incômoda, os braços fatigam-me, o choro escorrega-me entre os dedos. Se não fosse isto, distrair-me-ia vendo as árvores, o céu, os telhados, falaria aos enfermeiros e aos serventes. Que desgraça estará sucedendo? Deixo cair os braços, os uivos lastimosos da criança recomeçam, as minhas dores crescem, dão-me a certeza de que os médicos atormentam um pequenino infeliz. Penso nos vagabundos miúdos que circulam nas ruas, pedindo e furtando, sujos, esfrangalhados, os ossos furando a pele, meio comidos pela verminose, as pernas tortas como paus de cangalhas. Talvez estejam consertando uma daquelas pernas. Os gritos baixam, transformam-se num estertor. - Por que bolem com aquela criança? A enfermeira avizinha-se, espera que eu repita a pergunta. Aborreço me por não
  • 20. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 16 me haver feito compreender, viro-me com dificuldade e minutos depois ouço os passos da mulher, que se afasta nas pontas dos pés. Fará somente vinte e quatro horas que me deixaram aqui derreado? Somo: vinte e quatro, quarenta e oito, setenta e duas. Talvez uns três dias. Isto, setenta e duas horas. Os chinelos desapareceram: ficarei provavelmente um mês, dois meses. Multiplico: sessenta dias, mil quatrocentos e quarenta horas. Fatigo-me, e a conta se complica, ora apresenta um resultado, ora outro. Convenço-me afinal de que são mil quatrocentos e quarenta horas. É bom que a ferida se agrave e me mate logo. Dois meses de tortura, um tubo de borracha atravessando-me as entranhas, visões pavorosas, os queixumes dos indigentes que se acabam junto ao homem dos esparadrapos. Duas mil oitocentas e oitenta vezes o relógio caduco de peças gastas rosnará, ameaçando-me com acontecimentos funestos. Sessenta dias de imobilidade, o pensamento a emaranhar-me em cipoais obscuros. Os gritos da criança elevam-se, o calor aumenta, as árvores e os telhados aproximam-se. Lá estão novamente as horas a pingar do corredor como de uma torneira, gotas pesadas escorrendo lentas. Gargalhadas na rua, barulho de automóvel, o pregão de um vendedor ambulante. Talvez o automóvel seja do médico que me vem fazer o curativo. Não é, passou com um ronco de buzina. Agora o que há são rufos de tambor, vozes de comando. O berro do vendedor ambulante caiu na sala de supetão e ficou rolando, misturado ao choro dos indigentes e ao rumor de ferros na autoclave. - Porcaria, tudo uma porcaria. Zango-me. Não me tratam, deixam-me acabar à míngua, apodrecer como um corpo morto. Silêncio demorado. Penso na criança e no homem que se esconde por detrás da máscara de esparadrapo. - Como vai o menino? A enfermeira responde-me que vai bem, mas certamente procura iludir-me. Há um cadáver miúdo perto daqui, vão despedaçá-lo na mesa do necrotério, os serventes levarão a roupa suja para a lavanderia. Um colchão pequeno dobrado na cama estreita. As vozes de comando, os rufos, o pregão do vendedor ambulante o rumor dos ferros na autoclave, fazem-me falta. Convenço-me de que o silêncio é de mau agouro. Quando ele se quebrar, uma infelicidade surgirá de repente, não poderei livrar-me dela. O suor corre-me na cara. O primeiro som que vier anunciará desgraça, essa idéia desarrazoada não me larga. Reprimo um acesso de tosse, acredito que ele é indício de hemoptises abundantes. Começo a perceber um toque-toque surdo, tropel de cavalo cansado. Naturalmente é o sangue batendo-me nos ouvidos. Um coração quase inútil finda a tarefa maçadora. O cadáver pequeno vai ser transformado em peças anatômicas. Toque-toque. Não é o sangue, é qualquer coisa que vem de fora, provavelmente do corredor. Duas pancadas próximas, uma distanciada, andadura irregular de bicho que salta em três pés. Ainda há pouco estava tudo calmo. De repente o relógio velho começou a mexer-se e a viver. Cerro os olhos, digo a mim mesmo que me fatigo à toa, bocejo, tento lembrar-me de fatos que julgo importantes e logo se tomam mesquinhos. Afinal não veio a desgraça. Vou restabelecer-me em poucos dias. Vou restabelecer-me, passear nas ruas, entrar nos cafés. Se não tivessem levado os chinelos, convencer-me-ia de que não estou muito doente. Procuro dormir, esquecer tudo, mas o relógio continua a martelar-me a cabeça dolorida. Espero em vão o fonfonar de um automóvel, a cantiga de um bêbado, as vozes de comando, o rumor dos ferros na autoclave. Tenho a impressão de que o pêndulo caduco oscila dentro de mim, ronceiro e desaprumado. Os infelizes calaram-se, todos os sofrimentos esmoreceram, fundiram-se naquela voz áspera e metálica. Os meus braços descarnados movem- se como braços de velho. Passo os dedos no rosto, sinto a dureza dos pêlos, as faces cavadas, rugas. Se tivesse um espelho, veria esta fraqueza e esta devastação.
  • 21. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 17 Velhinho, trocando as pernas bambas nas calçadas. Olho as pernas finas como cambitos. A vista escurece. Velhinho, arrimado a um cacete, balbuciando, tropeçando. Toque-toque - o cajado a bater nos paralelepípedos. O pensamento escorrega de um objeto para outro. A barba crescida deve ter ficado branca, o pescoço engelhou como um pescoço de galinha. A mulher desapertava a roupa, despia- se cantando, e eu me conservava distante, encabulado, tentando desamarrar o cordão do sapato, que tinha dado um nó. Não podia descalçar-me e olhava estupidamente um despertador que trabalhava muito depressa. Os ponteiros avançavam e o laço do sapato não queria desatar-se. O professor explicava a lição comprida numa voz dura de matraca, falava como se mastigasse pedras. O político influente entregava-me a carta de recomendação. Eu gaguejava um agradecimento difícil, atrapalhava-me por causa da datilógrafa bonita, descia a escada perseguido pelos óculos de um secretário e pelo tique-taque da máquina de escrever. Tudo se confunde. A rapariga que se despia, o professor, o político, misturam-se. A criança doente, os enfermeiros, os médicos, o homem dos esparadrapos, não se distinguem das árvores, dos telhados, do céu, das igrejas. Vou diluir-me, deixar a coberta, subir na poeira luminosa das réstias, perder-me nos gemidos, nos gritos, nas vozes longínquas, nas pancadas medonhas do relógio velho. Retrato em Preto eRetrato em Preto eRetrato em Preto eRetrato em Preto e Branco deBranco deBranco deBranco de Graciliano RamosGraciliano RamosGraciliano RamosGraciliano Ramos Artigo de Hélio Pólvora Esse Graciliano Ramos, ou Velho Graça, ou Major Graça, ou Mestre Graça, como o chamavam afetuosamente, é um fingidor. Por sentimentalismo ou vergonha, finge-se mais áspero do que é, mais espinhoso que um mandacaru. Sertanejo magro, de ombros curvos, um cigarro ardendo entre os dedos ou na boca, de roupas simples mas asseadas, mãos limpas (em todos os sentidos). Cria fama de grosseiro por causa de diálogos como estes: — Bom dia, mestre Graça. — Você acha, meu filho? Ou então: — Mestre Graça, se a situação continuar desse jeito, vamos comer merda — diz-lhe o romancista José Lins do Rego, nos tempos da ditadura de Getúlio Vargas. — Se sobrar p’ra nós, Zé Lins. Se sobrar... Seu romance de estréia, Caetés, ele o considera "um desastre" ou "uma encrenca". Angústia, o terceiro, é "este desastre que preparo e que terá, se aparecer um editor maluco, cinqüenta leitores do Amazonas ao Prata, talvez nem tanto". Vidas Secas tem uma "história mesquinha — um casal vagabundo, uma cachorra e dois meninos." Sua correspondência traz frases em italiano e francês. Traduz do francês e recita Le Cid, de Corneille, no original. Admira Eça de Queiroz, lê muito Machado de Assis. Conhece gramática portuguesa a fundo. Mas diz ter "uma cultura de almanaque". De vez em quando exalta-se: "Vai sair uma obra-prima, em língua de sertanejo, cheia de termos descabelados" (acerca de S. Bernardo, segundo romance). E reitera: "Foi palavreado difícil de personagens sabidos demais que arrasou a antiga literatura brasileira. Literatura brasileira uma ova, que o Brasil nunca teve literatura. Vai ter de hoje em diante" (idem). Assim vê a atividade de escritor: "Somos uns animais diferentes dos outros, provavelmente inferiores aos outros, duma sensibilidade excessiva, duma vaidade imensa que nos afasta dos que não são doentes como nós. Mesmo os que são doentes, os degenerados que escrevem história fiada, nem sempre nos inspiram simpatia: é necessário que a doença que nos ataca atinja outros com igual intensidade para que vejamos neles um irmão e lhes mostremos as nossas chagas, isto é, os nossos manuscritos, as nossas misérias, que
  • 22. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 18 publicamos cauterizadas, alteradas em conformidade com a técnica" (carta à mulher Heloísa, abril de 1935). Alfabetizou-se em casa dos pais, na fazenda, "agüentando pancada". — Um aparte, por obséquio. — Com que finalidade? Por quem o senhor se toma? — Por um curioso, apenas curioso. No volume Infância o senhor se atém às memórias relevantes. Parece pensar, como Sherwood Anderson, que não existem histórias seriadas, seqüenciais. Se existem, é que houve intervenção do autor, o que pressupõe artifício. A vida é feita de raros instantes felizes e muitos transes amargos ou desgraçados. Em Infância predomina o ácido e, em certos trechos, o travo azedo. O memorialista não está ali para emperequetar-se. A análise, tanto da família quanto das ambiências, de si próprio e dos outros, é de uma rudeza total. O senhor tinha o seu orgulho, claro, mas não nutria vaidades bestas. Imprecava principalmente contra si próprio. Era, como disse Oswald de Andrade, um mandacaru escrevendo. Em um compêndio de achegas biobibliográficas, Moacir Medeiros de Sant’Ana refere-se aos "vários e contundentes julgamentos dos seus pais, feitos por Graciliano Ramos nas suas memórias da infância". O pai "não economizava pancadas e repreensões" e na mãe o que espantava mais "era a falta de sorriso". Por isso, Olívio Montenegro considera o livro "obra diabólica". E no seu Jornal de Crítica, Álvaro Lins afirma, constrangido: "Quando se decidiu a escrever um livro de memórias, a sensibilidade reagiu em toda a sua exacerbação: e exprimiu-se pela exteriorização daquilo que nela se gravara mais profundamente (...) Um mundo intolerável de castigos, privações e vergonhas". Sim, a memória não grava com igual nitidez as felicidades e infelicidades; o lado podre tem primazia. A secura exata, as frases que dizem muito com grande economia de meios. É o prosador anti-ornamental numa terra em que os prosadores continuam bacharelescos, relutam em aposentar os ornatos. Do mesmo modo que, em romances anteriores, o senhor desce ao limo das personagens, em Infância vai à borra do coração. Predominância do monólogo (até mesmo por se tratar de depoimento), palavras pesadas e mortais, que ecoam como badaladas, arrancadas que foram da carne viva dos significados, e que traduzem verdades literais. Na formação do menino Graciliano entram muitos instrumentos de suplício: o áspero meio sertanejo no final do século passado e início do século 20; o pai comerciante e fazendeiro, tipo rude da média burguesia urbana e rural, com um perfil de patriarca que cobra obediência pronta; a mãe de poucas letras e minguado afeto. Repressão política do coronelismo tipo cabresto, enxada e voto. Repressão sexual. Repressão, sobretudo, à inteligência. A sensibilidade do menino ferida a todo instante, no relacionamento penoso com os pais, na escola, nas ruas, sofrendo o impacto da miséria ambiental. O menino cresce solitário e desconfiado, agarra-se a "migalhas de sons, farrapos de imagens" — dolorosos, todos eles. E apesar da violência do meio, plasma por dentro a sensibilidade, procura um espaço, uma expressão, enquanto por fora tece a couraça protetora. Mesmo os que, indiferentes à beleza da arte literária, abrem Infância em busca de um documento social, decerto encontram achegas sobre a arte de martirizar crianças. Antes, arte apurada no regime patriarcal; hoje, arte nacional, de ponta a ponta, fio a pavio. Graciliano,Graciliano,Graciliano,Graciliano, Dalcídio e a DamaDalcídio e a DamaDalcídio e a DamaDalcídio e a Dama Nos fundos da Livraria José Olympio Editora, na Rua do Ouvidor 110, quase esquina com Avenida Rio Branco, há um marquesão no qual poucos ousam sentar-se. É o refúgio de Graciliano Ramos, que tem o hábito de acomodar-se a um canto e cruzar as pernas magras. Num certo fim de tarde, quando ele, lá do seu canto, dá trela ao poeta estreante
  • 23. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 19 Jorge Medauar, sentado no outro canto, o romancista Dalcídio Jurandir vai se aproximando. É do Pará, pertence ao Pecebão (o PC ortodoxo) e tem um jeito de camelo, com ligeira corcova. Sem cerimônia, ocupa o espaço vago no centro. — Mestre Graça, tem um mineiro badalando muito. Um tal de Guimarães Rosa. Já leu? — Ainda não. — Imitador de Joyce. Em vez de Saga, pôs Sagarana no título. Quer ser o alquimista da língua — Ah, é? — Li umas páginas. Não é de todo mau — condescende Dalcídio. Pausa. O romancista paraense volta à carga: — Mestre Graça, já leu Cyro dos Anjos? — Não. Quem é? — Outro mineiro. Escreve parecido com Machado de Assis. — Nesse caso — pondera Graciliano, descruzando as pernas — eu prefiro o original. — Apareceu também um tal de Breno Accioly. É contista lá da sua terra, das Alagoas — informa Dalcídio. —Já leu? — Como se chama o livro? — João Urso. Tem prefácio de Zé Lins. — Não sou de prefácios, não gosto de arrodeios — confessa Graciliano. — Pego o cabra e leio sem intermediações. — Mas já leu o João Urso? — Só uns dois ou três contos. — Pois eu não passei do primeiro — diz Dalcídio. — Uma prosa maluca, retórica. Coisa de doido. Silêncio. Graciliano pigarreia e prepara-se para acender outro cigarro. Como ninguém toma a iniciativa da palavra, Dalcídio Jurandir ergue-se, dobrando os joelhos como fazem os camelos, e despede- se. Tem assuntos a tratar na ABI. — Medauar — pede o velho Graça quando o vulto desaparece na porta —, vá atrás daquele safado e descubra se está falando mal de mim. Mais ou menos nessa época, o velho regressa de uma viagem à URSS. Em Moscou, obrigaram-no a catar no chão do metrô a ponta de cigarro que ele havia atirado fora. O metrô moscovita era um espelho, brilhava. "Nós não o fizemos e limpamos para que os senhores do mundo capitalista venham sujá-lo com baganas", dissera-lhe, em tom acrimonioso, o guia. A ida à URSS resulta num livro de impressões intitulado Viagem e que começa com uma demonstração de aborrecimento do velho Graça: ele não se sente bem na "encrenca voadora". É como chama o avião. Fumando seu cigarro no marquesão da José Olympio, vê uma senhora tremelicante de banhas e de jóias aproximar-se, toda sorridente, com um exemplar do livro para o indefectível autógrafo. — Mestre Graciliano, assine aqui. O senhor voltou assumido da União Soviética? — Assumido como, minha senhora? — Ora, assumido. Assim como o André Gide. É demais. O romancista estoura: — Como, minha senhora? Veado? Pesadelo que nãoPesadelo que nãoPesadelo que nãoPesadelo que não AcabaAcabaAcabaAcaba "Um crime, uma ação boa dá tudo no mesmo. Afinal já nem sabemos o que é bom e o que é ruim, tão embotados vivemos", pensa Luís da Silva, narrador de Angústia, modesto funcionário público. Se vivesse hoje, mais de 60 anos depois, sua situação seria a mesma ou pior. De lá para cá, alguns indicadores sociais melhoraram, mas outros vícios, como a corrupção e a falência dos costumes, agravaram-se. A classe média que o romance descreve, incerta e insegura, e sobrevivendo à custa de renúncias, estaria agora proletarizada. Luís luta para subir socialmente. Nordestino de origens rurais, vem de uma família outrora poderosa. São freqüentes, no fluxo memorialístico do narrador, suas lembranças do avô Trajano. Alcançou-o velho, caduco, a dormitar numa rede. Antes senhor de baraço e cutelo, assaltava a cadeia da vila para libertar cangaceiros; no final da vida, com umas reses magras na pastagem, embriagava-se e vomitava na sobrecasaca de um antigo escravo, mestre Domingos, que, por respeito, lhe suportava os destemperos.
  • 24. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 20 A Graciliano Ramos não interessa o romance da decadência da aristocracia rural nordestina. É tarefa para seu contemporâneo José Lins do Rego, que enfocou principalmente os senhores de engenho. Contenta-se, em rápidas imagens repetidas pelo desespero do narrador, em transmitir do passado apenas o necessário com que exibir o desenraizamento de Luís da Silva, cujo pai vivia numa rede, a ler histórias românticas. O passado cruel condiciona a vida atual de Luís. Sente-se que o narrador é mais um Prometeu acorrentado. Ele próprio reconhece que, tivesse nascido em outro berço e recebido outra educação, seu destino seria melhor, ele pertenceria à classe dominante — a dos banqueiros, comerciantes, donos de jornais e diretores de repartição que o dominam de longe. Mas aquele passado rural de agricultores empobrecidos, vivendo dos antigos fastos, é uma marca escarlate, a marca da danação. A sensibilidade de Luís está aberta e sangra. Não há como conter o sangramento. As imagens patéticas ou trágicas assaltam-no nos sonhos e devaneios diários. Sua vida é um pesadelo econômico, um exílio social. Ele está a recordar constantemente o avô com uma cascavel enrolada ao pescoço e suplicando que a tirem; a avó que, sem conhecer o prazer sexual, paria numa cama de varas; o pai preguiçoso e violento que o atirou vezes seguidas ao rio, para ensiná-lo a nadar; um homem que se enforcou, de vergonha, porque tivera de esmolar um pão fresco que lhe foi negado; os pés disformes do pai morto sobre o marquesão sobrevoado por moscas. Cenas e imagens de pesadelo; de uma vida injusta, pobre, violenta, resultante da frágil economia do sertão habitado com o que o narrador chama "a minha raça vagabunda e queimada pela seca". O narrador busca longe da vida sertaneja melhores condições de vida. Elas estariam no Sul — para onde emigram em geral os "descamisados", os de "pés no chão", os "sem-terra". Mas no Rio o retirante Luís da Silva, apesar dos pendores literários, sabendo escrever (aqui, no sentido da composição jornalística ou literária), com muitas leituras, conhece a solidão, o anonimato. O estabelecimento social rejeita- o. Ele está preso às engrenagens de uma sociedade então pré-capitalista (mal começara a fase de industrialização do Governo Vargas), hoje de economia globalizada, em que o dinheiro é valor supremo. Aos que nasceram bem aquinhoados, a estrada desdobra-se reta e chã; aos carentes, a dura tarefa de sobreviver. Esta é a sociedade brasileira dos anos ’30 subliminarmente descrita em Angústia, e que subsiste, em muitos aspectos piorada — daí a permanência temática do romance. Romance "proletário", tal como o praticou Máximo Gorki, e romance de introspecção dostoievskiana. A exemplo dos humilhados e ofendidos de Dostoiévski, o destino de Luís da Silva é trágico — não somente por suas origens humildes, mas também porque há em volta dele, manietando-o, uma rede de circunstâncias restritivas. Em plena ditadura, com a renda e bem-estar concentrados na minoria privilegiada, resta aos despossuídos o sonho da revolução popular. Um sonho bem vigiado pela polícia e sonho que, a essa altura, esvaziou boa parte de sua substância ideológica... Luís quer participar dele. Quer contribuir para a luta nas sombras por uma ordem igualitária. Ao mesmo tempo, tem de sobreviver: há o aluguel, os alimentos e remédios, ele é fustigado pelo impulso de verticalização social. Por isso se submete. No jornal, como revisor ou articulista, faz o que lhe mandam: "Escreva assim, seu Luís. Seu Luís obedecia. — Escreva assado, seu Luís. Seu Luís arrumava no papel as idéias e os interesses dos outros". Suas verdadeiras opiniões ficam para as conversas com Pimentel e Moisés, em casa, porque o café é perigoso, tipos suspeitos rondam os cafés. O intelectual Luís, um revoltado, escreve para o governo, elogia o governo. Em Vidas Secas, o vaqueiro Fabiano, depois de tomar facãozadas no lombo por ordem de um soldado amarelo, encontra-se com este na caatinga e, de facão em punho, recua e deixa-o passar: "Governo é governo". A mesma atitude de subserviência ao poder. A diferença é que Fabiano, um bruto, sofre menos, enquanto o intelectualizado Luís recebe todas as agressões da
  • 25. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 21 desesperança e do repúdio social nos nervos tensos. Nas primeiras páginas de Angústia o narrador declara-se "um molambo que a cidade puiu demais e sujou". Seu cotidiano triste divide-se entre a repartição, a banca de revisão, o café que freqüenta ocasionalmente e a casa velha, cheia de ratos, com uma criada meio surda, Vitória, que enterra no quintal as moedas do salário e conversa com um papagaio. Luís tem consciência da sua condição; nela, a tragédia, mais do que inspirada pelo passado familiar sertanejo, é um desdobramento. Sua visão de mundo é trágica porque está na sua formação, e as ações, ainda que limitadas pelo meio acanhado e opressivo, sinalizam a tragicidade. Romance naturalista, dir-se-á. Mas um naturalismo que, como o de Thomas Hardy, não se restringe ao jogo cego das forças do destino que Hardy, em Tess of the d’Urbervilles, atribui ao "President of the Immortals", citando Ésquilo. As personagens serão trágicas, no brasileiro, por herança e por uma necessidade inconsciente, intensa, de buscarem a tragicidade como forma até de explicação, justificação, sentido para a vida. É o caso do narrador de Angústia. Cruel consigo mesmo, em comentários que chegam às raias do masoquismo, Luís da Silva atormenta-se. A princípio, diz: "Não sou um rato, não quero ser um rato". Mas não tardará a se considerar "um níquel social". Recebeu "muito coice da vida". É "uma criatura insignificante, um percevejo social..." Um rato rói-lhe as entranhas. O amor para ele é "uma coisa dolorosa, complicada e incompleta". Admite que rolou "faminto, esmolambado e cheio de sonhos" por esse mundo. Robert H. Heilman observa, a propósito da Tess de Hardy: "Nossos egos estão ligados às nossas idéias; querem que os fatos se ajustem às idéias, do contrário nos ofendemos e tendemos, se tivermos poder para tanto, a nos tornar punitivos". Pois bem: a punição, em primeira etapa, vai para Luís da Silva, e este se humilha mais para sofrer mais, para purgar. Depois, com o aparecimento de Marina, os fados oferecem- lhe breve trégua. No seu romance de fundo de quintal com Marina — quintais cheios de lixo e plantações mesquinhas, onde um homem carrancudo e uma mulher triste trabalham com pipas e dornas —, Luís tem a impressão de descobrir o amor, quando está atraído pelo erotismo e Marina anseia apenas em sair da pobreza absoluta. De qualquer modo, é a felicidade: ele está relativamente tranqüilo, tem uns três contos de réis de economias, deseja casar-se. A idéia de casamento precipita a tragédia pessoal banhada pela tragédia social. Moça estouvada, de cabeça vazia, pensando em ostentações, Marina consome num ápice as suadas economias de Luís no enxoval e, em pleno "noivado", aceita a corte de um estranho, Julião Tavares, um parasita de discurso empolado e arrogância pavonácea. Tavares é o resumo de tudo quanto oprime Luís: dinheiro fácil, berço de ouro, prestígio social, mediocridade intelectual, poder de corromper e safar-se ileso. Gordo, cínico e esperto, Julião Tavares invade a casa de Luís, seduz Marina e distancia-se quando ela ostenta sinais de gravidez. A família submete- se: nenhuma queixa, apenas resmungos. Os humildes aprendem a vergar a espinha sob o peso dos opressores. O sedutor lança-se à conquista fácil de outras meninas pobres. Mas o narrador de Angústia, espezinhado, traumatizado, esbulhado pela vida — este reage. É que o sofrimento atinge o ponto da exasperação, ele tem as comportas cheias de água estagnada. A fúria que antes o devastava se dirige ao opressor. Ele não tem, como Moisés, coragem de pichar muros, de distribuir "folhetos incendiários". Mas o Presidente dos Imortais lhe põe nas mãos o instrumento da vingança — uma corda. A essa altura o monólogo de Luís da Silva — o fluxo "objetivo" do inconsciente, ou seja, a linguagem da ação — se transforma em delírio. Imagens se atropelam: o cano de água é uma corda, a gravata enrola-se como corda, a cobra em volta do pescoço de Trajano é corda viva. O narrador vê-se compelido a matar Julião Tavares após a verificação de que Marina, grávida, procura parteira clandestina. No capítulo final as referências ao passado se aglomeram. É um entrechoque de lembranças. As imagens trágicas do meio rural e da vida urbana de Luís se juntam para entoar o coro da tragédia. Início e fim do
  • 26. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 22 romance se fecham quais pontas de um leque. Angústia é um pesadelo contínuo. O narrador pergunta: "Haverá dentro de 20 anos criaturas assim que, tendo corrido mundo, se resignam a viver num fundo de quintal, olhando canteiros murchos, respirando podridões, desejando um pedaço de carne viciada?" Sim, e em condições ainda piores. Emiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano PernetaEmiliano Perneta (Poesias)(Poesias)(Poesias)(Poesias) VENCIDOSVENCIDOSVENCIDOSVENCIDOS Nós ficaremos, como os menestréis da rua, Uns infames reais, mendigos por incúria, Agoureiros da Treva, adivinhos da Lua, Desferindo ao luar cantigas de penúria? Nossa cantiga irá conduzir-nos à tua Maldição, ó Roland? ... E, mortos pela injúria, Mortos, bem mortos, e, mudos, a fronte nua, Dormiremos ouvindo uma estranha lamúria? Seja. Os grandes um dia hão de cair de bruço .... Hão de os grandes rolar dos palácios infetos! E gloria à fome dos vermes concupiscentes! Embora, nós também, nós, num rouco soluço, Corda a corda, o violão dos nervos inquietos Partamos! inquietando as estrelas dormentes! Ilusão (1911) ----------------------- GLÓRIAGLÓRIAGLÓRIAGLÓRIA Ao I. Serro Azul Quando um dia eu descer às margens desse lago Estígio, onde Caron, mediante uma parca Moeda de estanho vil 0ll cobre, que eu lhe pago, Há de me transportar numa sombria barca ... Quando sem um sinal, sem uma prova ou marca De afeição, eu me for por esse abismo vago, Vendo que sobre mim funebremente se arca O céu, e junto a mim esse Caron pressago ... E envolvido na mais completa obscuridade, Abandonado, e só, e triste, e silencioso, Sem a sombra sequer do orgulho e da vaidade, Eu tiver de rolar no olvido, que me espera, Que ao menos possa ver o palácio radioso, Feito de louro e sol e mirto e ramis de hera! Ilusão (1911) DDDDOROROROR Ao Andrade Muricy Noite. O céu, como um peixe, o turbilhão desova De estrelas e fulgir. Desponta a lua nova. Um silêncio espectral, um silêncio profundo Dentro de uma mortalha imensa envolve o mundo Humilde, no meu canto, ao pé dessa janela, Pensava, oh! Solidão, como tu eras bela, Quando do seio nu, do aveludado seio Da noite, que baixou, a Dor sombria veio. Toda de preto. Traz uma mantilha rica; E por onde ela passa, o ar se purifica. De invisível caçoila o incenso trescala, E o fumo sobe, ondeia, invade toda a sala. Ao vê-la aparecer, tudo se transfigura, Como que resplandece a própria noite escura. É a claridade em flor da lua, quando nasce, São horas de sofrer. Que a dor me despedace. Que se feche em redor todo o vasto horizonte, E eu ponha a mão no rosto, e curve triste a fonte. Que ela me leve, sem que eu saiba onde me leva, Que me cubra de horror, e me vista de treva. METAMORFOSESMETAMORFOSESMETAMORFOSESMETAMORFOSES A Mme. Georgine Mongruel. Sei que há muita nudez e sei que há muito frio, E uma voracidade horrível, um furor Tão desmedido que, quando eu acaso rio, Quantos não estarão torcendo-se de dor.
  • 27. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 23 Conheço tudo, sim, apalpo, indago, espio... Tenho a certeza que vá eu para onde for, Como o escaravelho, hei de o ódio sombrio Ver enodoar até o seio de uma flor. Mas sei também que há mil aspirações estranhas, Que havemos de subir montanhas e montanhas, Que a Natureza avança e o Homem faz-se luz... Que a Vida, como o sol, um alquimista louro, Tem o dom de poder mudar a lama em ouro, E em límpidos cristais esses rochedos nus! CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA...CORRE MAIS QUE UMA VELA... Corre mais que uma vela, mais depressa, Ainda mais depressa do que o vento, Corre como se fosse a treva espessa Do tenebroso véu do esquecimento. Eu não sei de corrida igual a essa: São anos e parece que é um momento; Corre, não cessa de correr, não cessa, Corre mais do que a luz e o pensamento... É uma corrida doida essa corrida, Mais furiosa do que a própria vida, Mais veloz que as notícias infernais... Corre mais fatalmente do que a sorte, Corre para a desgraça e para a morte... Mas que queria que corresse mais! SÚCUBOSÚCUBOSÚCUBOSÚCUBO Desde que te amo, vê, quase infalivelmente, Todas as noites vens aqui. E às minhas cegas Paixões, e ao teu furor, ninfa concupiscente, Como um súcubo, assim, de fato, tu te entregas... Longe que estejas, pois, tenho-te aqui presente. Como tu vens, não sei. Eu te invoco e tu chegas. Trazes sobre a nudez, flutuando docemente, Uma túnica azul, como as túnicas gregas... E de leve, em redor do meu leito flutuas, Ó Demônio ideal, de uma beleza louca, De umas palpitações radiantemente nuas! Até, até que enfim, em carícias felinas, O teu busto gentil ligeiramente inclinas, E te enrolas em mim, e me mordes a boca! O BRIGUEO BRIGUEO BRIGUEO BRIGUE . Num porto quase estranho, o mar de um morto aspecto, Esse brigue veleiro, e de formas bizarras, Flutua há muito sobre as ondas, inquieto, À espera, apenas, que lhe afrouxem as amarras ... Na aparência, a apatia amortece-lhe o esforço; Se uma brisa, porém, ao passar, o embalsama, Ei-lo em sonho, a partir e, então, empina o dorso, Bamboleia-se mais gentil do que uma dama ... Dentro a maruja acorda ao mínimo ruído, Deita velas ao mar, à gávea sonda, o ouvido Alerta, o coração batendo, o olhar aceso ... Mas a nau continua oscilando, oscilando ... Ó quando eu poderei, também, partir, ó, quando? Eu que não sou da Terra e que à Terra estou preso? DAMASDAMASDAMASDAMAS Ânsia de te querer que já não tem mais fim, Meu espírito vai, meu coração caminha, Como uma estrela, como um sol, como um clarim, Mas tudo em vão, sei eu! Tu és uma rainha! ... És a constelação maravilhosa, a minha Aspiração, de luz magnífica, ai de mim! A nudez, o clarão, a formosura, a linha, O espelho ideal! Ó Torre de Marfim! Nunca me hás de querer, batendo-me por ti, Pomo duma discórdia infrutífera, beijo Todo em fogo, e a arder, assim como um rubi... Mas é por isso que eu, ó desesperação, Amo-te com furor, com ódio te desejo, E mordo-te, Ideal, e adoro-te, Ilusão! HÉRCULESHÉRCULESHÉRCULESHÉRCULES Homem, acorda! O sol, como um fruto de Outubro, Acaba de explodir no seio de uma flor. Mais alacre, porém, mais ardente e mais rubro, Com toques de clarim, com rufos de tambor... Tudo acordou, a abelha, o plátano e a rosa, A folha, a brisa, o lago azul, a estremecer. Ao fogo dessa boca, ideal, voluptuosa, Como se a terra fosse, ó sol, uma mulher... Nos espelhos do mar, de grande voz sonora,
  • 28. Revista Literária “O Voo da Gralha Azul” – n.2 – Paraná, fevereiro de 2010. 24 Nesta manhã sutil e de um louro saxão, As naus, que vão partir por esse mundo fora, Miram vaidosamente as caudas de pavão... Homem, levanta e vem para a campanha rude, Ergue-te para a luz, ergue-te para o bem, Tu que inda sentes n'alma o ardor da juventude, A sede desse azul, a fome desse além... Homem, levanta! Esquece a perfídia medonha, O desígnio feroz de Juno, quanto quis No teu sangue inocente a baba e a peçonha, Um dia inocular, de monstros e reptis... Homem forte, homem são, homem rude e diverso Dos outros, vem mostrar que tu tens ideais; Vem carregar aqui o peso do Universo Sobre esses ombros nus, rijos e colossais... ORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃORAÇÃO DA MANHÃ Amanheceu. A luz de um claro e puro brilho Tem a frescura ideal de uma roseira em flor : Antes de tudo o mais, ajoelha-te, meu filho, Ajoelha-te e bendize a obra do Criador. Ajoelha-te aqui, e sorvendo esse aroma De feno, e rosa, e musgo, e bálsamo sutil, Que vem do seio azul dessa manhã, que assoma, Na radiosa nitidez de uma manhã de Abril, Bendize a força, a graça, a seiva, a juventude, A hercúlea robustez daqueles pinheirais, Que resistem, de pé, dentro da casca rude, Aos mugidos do vento e aos rijos temporais. Ama essa terra como um fauno que por entre A silva agreste vive; ama tudo o que vês; Todos somos irmãos, filhos do mesmo ventre, Filhos do mesmo amor e da mesma embriaguez. Abraça os troncos nus, beija esses ramos de ouro, Ajoelha-te aos pés dos que te querem bem : Que riqueza, Senhor, que límpido tesouro! Que grande coração que o arvoredo tem! Pede a Deus que conhece os bons e maus caminhos Que conhece o passado e conhece o porvir, Que te aponte de longe os cardos e os espinhos, E que te estenda a mão, quando fores cair... ============== PARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃOPARA UM CORAÇÃO Um dia, vi-te, assim, bailando, E a uma pergunta, que te fiz, Tu respondeste : "Eu amo, e quando, E quando eu amo, eu sou feliz!" Por uma noite perfumada, Cantaste, sobre o teu balcão. E eu disse, ouvindo a áurea balada : - Ah! Que feliz é o coração! Quanta felicidade, quanta, Não há ninguém feliz assim : Um dia baila e noutro canta, Como se fosse um arlequim... Eu disse .. Mas agora vejo, Nesse silêncio tumular, Que estás sofrendo, e o teu desejo Já não é mais o de bailar... Nem de bailar, e nem, de certo De nada mais, de nada mais... Que fazes, pois, triste deserto, Que fazes pois, que não te vais? Mas, choras, creio, choras? Onde? Se viu chorar um Lucifer? Pobre diabo, vamos, esconde Essas fraquezas de mulher... SETEMBROSETEMBROSETEMBROSETEMBRO Eu ontem vi chegar, quase que à noitezinha, Apressada e sutil, a primeira andorinha... É a primavera, pois, em flor, que se anuncia, É setembro que vem, bêbedo de ambrosia. Mãos doiradas, a rir, mãos leves e radiosas, Semeando à luz e ao vento as papoulas e as rosas... Como foi para nós de um esquisito gozo, Ó minha alma! esse doce, esse breve repouso, Que entre o nosso viver tumultuário e incerto Surgiu como se fosse o oásis do deserto... Emiliano Perneta (1866 – 1921) Emiliano David Perneta (Curitiba, 3 de Janeiro de 1866 - 21 de Janeiro de 1921) foi um poeta brasileiro.