1. CAPA
M anhã de outono no Rio de
Janeiro. O ator Chico Diaz abre as portas de seu apartamento
no Jardim Botânico, bairro da zona sul, bem próximo ao belo
Parque Lage. Abençoado de perto pelo Cristo Redentor, já que
mora em frente à colina onde reina absoluta a estátua carioca,
ele falou sobre a fase madura de sua carreira – nem por isso
isenta de desafios, muito pelo contrário.
Cercado por quadros pintados por ele mesmo, em
um espaço onde também ficam suas violas, o ator fala, com
brilho nos olhos, sobre seu mais novo trabalho, o monólogo A
Lua Vem da Ásia. Baseado na obra do autor mineiro Campos
de Carvalho (1916-1998), o espetáculo já esteve em cartaz em
Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e deve circular por
outras cidades no segundo semestre deste ano. A peça fala so-
bre um homem diferente, que faz do seu passeio por diversas
paisagens seu encontro diante da vida e da morte.
Entre as visitas carinhosas da filha Irene, de cinco anos (ele
também é pai de Antônio, 10, que mora em Roma), e da mulher,
a atriz Silvia Buarque, Chico conta que buscava um momento de
As luas de Chico Diaz
“graduação” na carreira. “Estou com 52 anos. Nessa fase da vida,
você tem uma ânsia de crescimento, de elevação. Acho que o ofí-
cio pede isso, é uma espécie de rito de passagem. Eu buscava um
Com mais de 30 anos de carreira, o ator fala da experiência do primeiro discurso que refletisse minha visão de mundo. O livro discute a
questão da liberdade, da finitude, da solidão, da lucidez... O cara
monólogo, o espetáculo A Lua Vem da Ásia, e da maturidade na vida e na carreira que não tem nada está livre ou preso?”, questiona.
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Texto KATIA CALSAVARA Fotos CALÉ
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2. CAPA
A Lua é o primeiro monólogo do ator, que também fez a adaptação do texto.
“Conheci a obra em 2005 e, desde então, venho trabalhando nela. Sem certezas,
eu me alimentava daquelas palavras. Em 2010, por exemplo, me dediquei exclusi-
vamente a esse projeto”, que incluiu o processo para decorar o texto, preparação
vocal e corporal e também a montagem da encenação ao lado do diretor Moacir
Chaves. “Nunca tive a ambição de fazer um monólogo, de estar sozinho no palco
ou em qualquer outro lugar, mas o fiz porque o texto pedia essa solidão”, explica.
Encontros com a profisssão
Francisco Diaz Rocha coleciona 55 filmes em seu currículo. Entre minissé-
ries, novelas e participações especiais na televisão, soma mais de 20 trabalhos,
e só hoje consegue sentar em uma poltrona e dizer: “Acho que deu certo”, diz,
aos risos. Isso porque Chico nunca teve certeza de que queria ser ator – a vida
o encaminhou naturalmente. Filho de pai diplomata, nasceu no México e pas-
sou por países como Costa Rica, Peru, Paraguai, Bolívia e Estados Unidos antes
de aportar na zona sul do Rio de Janeiro, aos 9 anos. Começou a fazer teatro
na escola. Na adolescência, participava do grupo Manhas e Manias, ao lado de
colegas como Andréa Beltrão e José Lavigne. “No final dos anos 1970, ninguém
queria ser ator. O teatro era como o rock de garagem”, lembra.
Sem saber muito bem qual profissão seguir, como é típico de tantos jovens,
Chico começou a fazer faculdade de Arquitetura. “Eu não sabia se ia levar a vida
como ator, se ia ganhar dinheiro com aquilo, então segui em frente e me formei.
A Arquitetura tem uma coisa entre a engenharia e a decoração que me encanta”,
diverte-se. A faculdade foi concluída em meio a muitos projetos... no cinema. Em
1981, ele estava em cartaz com a peça Brincando com Fogo, no Rio de Janeiro, e
foi convidado pelo cineasta Sérgio Rezende para seu primeiro longa-metragem,
O Sonho Não Acabou. “Era um papel maravilhoso e dois meses depois estava
filmando em Brasília. Ganhei destaque no Festival de Gramado e, depois daí, os
convites foram muitos. O cinema falou mais alto”, afirma.
E como falou. No mesmo ano em que O Sonho estreou, ele também
esteve nos filmes Aventuras de um Paraíba no Rio, de Marco Altberg, Ino-
cência, de Walter Lima Jr., e Paraíba Mulher-Macho, de Tizuka Yamasaki.
Seguiram-se dezenas de personagens, vilões, mocinhos, nordestinos, ca-
pangas, bêbados nos quais Chico descobriu que o caráter “camaleônico”
da profissão combinava com seu jeito de ser. “O fato de lidar com várias
paisagens diferentes, ambiências, tribos... Essa coisa de não ter patrão, um
contrato longo, uma fidelidade para a vida inteira, gosto muito de tudo isso.
Acho que poder viver de arte nos dias de hoje é uma fortuna.”
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3. CAPA
O ator também esteve em filmes brasileiros como Gabriela, Cravo e
Canela (1983), de Bruno Barreto, A Terceira Margem do Rio (1994), de Nel-
son Pereira dos Santos, Corisco e Dadá (1996), de Rosemberg Cariry, Amarelo
Manga (2002), de Chico de Assis, Garrincha, Estrela Solitária (2003), de Mil-
ton Alencar, Os Matadores (2006), de Beto Brant, e Praça Saens Peña (2008),
de Vinícius Reis, entre muitos outros. “Alguns personagens me mostravam
que eu estava no caminho certo, como o Corisco, o Wellinton Kanibal, de
Amarelo Manga, mais recentemente o Paulo, do Praça Saens Peña. Isso dá
segurança e é muito importante para o ator”, diz.
Chico começou a fazer televisão quando já estava mais maduro. Es-
treou na novela Corpo Santo (1987), na extinta TV Manchete, onde também
participou de minisséries. Na Globo, atuou da novela O Dono do Mundo
(1991) e seguiu com minisséries como Memorial de Maria Moura (1994),
Engraçadinha... Seus Amores e Seus Pecados (1995), Dona Flor e Seus Dois
Maridos (1998), entre outras. A partir da novela Celebridade (2003), come-
çou a se destacar ainda mais na TV e emendou os folhetins América (2005),
Paraíso Tropical (2007) e A Favorita (2008). “Acho que meu papel como Jader,
em Paraíso Tropical, foi o mais popular na TV. Mas o grande barato é ficar
circulando”, completa.
O que é importante
Em sua andanças de mais de 30 anos como ator, Chico acredita que
é essencial passar por diferentes linguagens. “Acho que cada suporte de-
manda um tipo de conhecimento. O ator precisa fazer teatro, sim, muitas
vezes com a casa vazia, e de repente faz novela e vira um ‘deus’. Depois,
você vai para o cinema e espera três anos para um filme ser lançado. Tudo
isso faz parte”, diz. Atualmente, ele quer se dedicar a mais algumas tempo-
radas de A Lua Vem da Ásia e estuda dois roteiros de cinema para os quais
foi convidado.
Sem rotina, Chico gosta de viver um dia de cada vez. “Nunca fui do tipo
de planejar muito.” Vive uma vida tranqüila, pinta seus quadros, toca a viola,
gosta de levar a filha à escola sempre que possível. E vale a pena ser ator?
“Vale atuar enquanto houver um porquê. Tocar em certos assuntos que nin-
guém toca, trazer um processo de reflexão de forma que as pessoas se iden-
tifiquem... Enquanto houver um personagem bacana, uma peça boa, a gente
vai tocando”, finaliza o camaleão.
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