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                                       I - Introdução


      Ao longo de sua história, a publicidade, conforme foi evoluindo em técnica
e abrangência, foi também sendo criticada pela sua participação na massificação
das ideologias dominantes e pela sua tendência em criar um “mundo ideal”. De
certa forma, essas críticas não são de todo infundadas, pois, em sua essência, a
publicidade reflete a ideologia capitalista, que é a dominante na maioria das
sociedades dos dias atuais, e procura criar um mundo ideal de maneira a
seduzir, ou persuadir, o consumidor.
      No entanto, esse assunto é objeto para outra discussão, já há muito criada
e já muito “batida”, pois tornou-se lugar-comum atribuir à publicidade a alienação
ou mesmo o desinteresse da população por uma sociedade mais igualitária.
Aqui, buscaremos mostrar de que maneira a publicidade, através de trabalhos de
profissionais como Oliviero Toscani, perdeu um pouco de seu viés “idealizado” e
acabou por colocar uma nova questão: a difusão da realidade pela publicidade.
Seguindo este raciocínio, iremos dar um passo adiante e demonstrar que, depois
de a publicidade utilizar a realidade como discurso de comunicação, ela interfere
diretamente nessa realidade, o que para alguns é o início de uma realidade
fabricada.
      Numa breve análise, citaremos algumas campanhas publicitárias da
Benetton, empresa que durante anos utilizou as fotos de Toscani em seus
anúncios, buscando relacionar essa linguagem com as diversas teorias sobre o
processo de comunicação e com o papel da propaganda na criação e na difusão
de diversas realidades.
      Também buscaremos analisar o uso de estereótipos pela propaganda e
pelos meios de comunicação de massa em geral, buscando relacioná-lo com os
5



preconceitos correntes em nossa sociedade e refletir sobre as causas destes,
analisando as críticas feitas à publicidade pelo uso de tais padrões.


                    II - Oliviero Toscani e seu uso da linguagem publicitária


          As fotos de Oliviero Toscani, utilizadas em campanhas publicitárias de
empresas como a Benetton possuem, fundamentalmente, o objetivo de chocar e
impressionar quem as vê. É uma forma de propaganda dirigida aos meios de
comunicação de massa; no entanto, as propagandas contendo suas fotos por
muitas vezes foram proibidas de serem veiculadas ou rejeitadas pelos meios de
comunicação, justamente devido ao seu potencial de chocar os públicos. Dos
veículos comumente utilizados, poucas revistas e jornais assumiram o risco de
mostrar esses anúncios, o outdoor e posteriormente a internet foram os
principais difusores de suas peças.
          Os anúncios da Benetton, embora possuam pouco texto, expressam, em
sua imagem, toda a intenção de causar impacto pela polêmica que geram. Isso
comprova, portanto, o estudo de Watzlawick e Beavin que mostra que
aproximadamente 93% da comunicação é apreendida pela imagem, e apenas
7% pelas palavras: “O conceito mais amplo de letramento não desconsidera a
importância das palavras, mas aceita as outras formas de composição de
mundo...”1. Em um mundo que se valoriza cada vez mais as imagens em
detrimento dos textos nas peças publicitárias, Toscani utilizou-se dessa
tendência para impactar o público com suas imagens polêmicas, porém não
deixa de lado frases de efeito e também utiliza o texto como suporte para sua
fotografia, explicando o contexto ao público, como na campanha feita em 2001

1
    WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Jackson. Pragmática da comunicação humana. Cultrix: São Paulo, 1967.
6



para o Ano Internacional dos Voluntários. Essa utilização de imagens como
ponto forte da divulgação e do “diálogo pouco convencional entre arte e
publicidade” 2 é seu grande diferencial, principalmente para sua época, podendo-
se assemelhar seu trabalho na publicidade apenas com o de Barbara Kruger 3.
       Muitas de suas campanhas para Benetton principalmente fazem críticas
diretas, utiliza-se de uma imagem forte como meio de passar uma mensagem
mais forte ainda, como, por exemplo, na campanha que traz como assunto a
anorexia. Através dela, Toscani critica indiretamente os próprios meios de
comunicação de massa, freqüentemente associados com a criação e imposição
dos chamados padrões de beleza. Esses padrões levariam as pessoas a se
utilizarem de meios extremos para atingi-los, deixando de comer por vários dias
e correndo sérios riscos de morte. Essa imposição do padrão de beleza pelos
meios de comunicação de massa é diferente da criação de desejos pelos
mesmos. A mídia utiliza mulheres magras como sinônimo de mulheres bonitas
baseada na opinião pública, a sociedade vê a magreza como um sinal de beleza.
Porém os meios de comunicação de massa não podem ser eximidos de sua
culpa pois ajudam a difundir essa cultura. Temos ai outro indicativo da relação
intrínseca e bilateral entre a comunicação de massa e a sociedade.
       Tanto a ideologia racista quanto o padrão de beleza socialmente aceito
são expressões da disseminação de idéias através dos meios de comunicação
de massa. Embora o racismo tenha sua origem na escravidão, foi através de
propagandas no regime nazista e no movimento da apartheid, por exemplo, que
ele encontrou, por assim dizer, pessoas que acreditassem nessas idéias e as
disseminassem. Por sua vez, os padrões de beleza, mesmo existindo desde a
2
  SILVA, Vanessa R. de Lacerda E. Os Caminhos Entre a Arte e a Publicidade: da produção do
discurso à construção do sentido – uma leitura das obras de Oliviero Toscani e Barbara
Kruger.Revista Espcom, número 1.
3
  Artista norte-americana que utiliza de fotografias e colagens que tinha como base de suas obras as
relações entre os gêneros e o consumo na sociedade capitalista.
7



antiguidade, só passaram a ser tão valorizados e “globalizados” depois da
criação dos veículos de comunicação de massa, como a televisão e o cinema.
      E são temas como esses que Toscani utiliza em seus trabalhos
fotográficos: temas polêmicos, que, utilizando os meios de comunicação como
veículos, tendem a causar uma repulsa às idéias massificadas por eles. Essas
imagens acabam ficando na mente das pessoas que as vêem, geralmente
causando reações em seus complexos reptílicos, responsáveis por sensações
como medo e repulsa.
      O coração, por si só, tornou-se um signo que representa a índole da
pessoa. Dessa maneira, ao colocar os corações no mesmo patamar, Toscani
utiliza-se desse signo para afirmar que a maldade e a bondade não são
intrínsecas a determinada etnia, como algumas ideologias procuram pregar,
ainda hoje.
      Apesar disso, Toscani realiza uma campanha utilizando duas crianças,
uma negra e uma branca. A criança negra está com seus cabelos em forma de
chifres, e a criança branca possui cabelos louros que geram uma associação
automática aos anjos retratados em pinturas renascentistas. Essa campanha
teve grande repercussão, porque a associação da criança negra com o diabo e
da criança branca com um anjo vai de encontro a outros trabalhos de Toscani,
que procuram afirmar a igualdade entre as “raças”. É impossível saber, então,
qual foi a real intenção do fotógrafo ao criar essa campanha; pode ter sido
simplesmente a utilização de um estereótipo, ou mesmo a intenção pura e
simples de chocar pela contradição que apresenta.
      Em outras campanhas, fica também patente essa impossibilidade de saber
qual a intenção de Toscani. Um exemplo disso é a foto na qual um padre
aparece beijando uma freira. Impossível dizer se a intenção do fotógrafo italiano
8



era criticar o celibato (ou mesmo a hipocrisia) ou simplesmente causar um
impacto nas pessoas. Porém, após receber o choque inicial vemos a cena com
outros olhos, mostrando o desejo de uma pessoa para a outra, desejo que
possuímos todos nós.
          Para fazer uma crítica efetiva à sociedade, a primeira coisa que se deve
fazer é entendê-la, fazer uma análise profunda que possa revelar seus defeitos e
                                                                           4
estereótipos para que possa usá-los. Assim como Morelli                        buscava os menores
detalhes para que pudesse fazer uma comparação minuciosa e definir o autor da
obra de arte, Toscani utiliza desta técnica para se aprofundar na sociedade e ver
seus defeitos sem conceitos prévios, assim consegue utilizar os maiores
envolvidos com esses defeitos para transmitir uma mensagem, muitas vezes
contra este defeito. Sua magia está exatamente em utilizar de detalhes que
muitas pessoas não se atrevem a conhecer (ou reconhecer) para divulgar um
problema, como na campanha em que utiliza o bumbum de um bebê carimbada
com os escritos “H.I.V. Positive” para expor a luta dos soropositivos, ou quando
dispõe apenas uma cruz judaica em meio a várias cristãs, com um detalhe sutil
que passa quase despercebido faz críticas mesmo em um ponto sensível da
sociedade.
          No texto organizado por Eco e Sebeok é citado que “... para Freud os
detalhes são sintomas, para Sherlock Holmes são chaves de mistérios e para
Morelli são caracteres distintivos” 5. Entre as três definições, possivelmente a
primeira é a que mais se assemelha a ideologia do fotógrafo: ao ver problemas
da sociedade como o racismo ele enxerga e critica muito além: o racismo seria
apenas um sintoma de uma doença maior que engloba a intolerância, o egoísmo


4
    WIND (1963. P. 32-51.) apud ECO e SEBEOK.
5
    ECO, Umberto; SEBEOK, Thomas A. O Signo de Três: Dupin, Holmes, Pierce. Editora Perspectiva.
9



e a hipocrisia de um povo que muitas vezes tem conhecimento de um problema
porém não se dispõe a resolvê-lo ou simplesmente debatê-lo.
      Assim como os médicos, Toscani se preocupa muito em fazer um
diagnóstico de determinado problema, assim ele entende o passado e explica o
presente, visando criar um debate na sociedade para que no futuro esse
problema possa ser minimizado.
      Outro ponto em comum entre o texto e as peças do fotógrafo é a
diferenciação por rastros culturais. O texto deixa bem claro que uma coisa é
analisar vestígios físicos, como pegadas e fezes, destes podemos tirar
conclusões com base na dedução, pois são iguais de indivíduo para indivíduo;
outra coisa é fazer uma analise de aspectos como a escrita ou a pintura pois
estes sofrem influências culturais. Justamente por utilizar destes aspectos em
comum entre todos os indivíduos para reportar diferenças em geral a obra de
Toscani se destaca. O coração, por exemplo, é um órgão comum a todos os
seres humanos, quando ele faz uso de três corações humanos expostos e utiliza
as palavras “Black”, “White” e “Yellow” busca desconstruir as mentalidades
racistas e etnocêntricas, colocando três etnias diferentes em um mesmo
patamar: se não houvesse tais palavras para discriminá-los, não saberíamos
diferenciá-los.
      Toscani faz uma comunicação utilizando povos excluídos, porém voltada
para a sociedade como um todo: busca criar um choque e posteriormente gerar
uma discussão para que os olhos se voltem aos mesmos. Faz um estudo da
sociedade pelos seus sintomas, assim pode classificá-la e tentar curá-la, não
que essa seja a melhor forma, mas sim a forma de Oliviero Toscani achou para
tentar fazê-la.
10



                           III - A realidade na propaganda


      Desde o início, a propaganda se baseia em fatos reais para divulgar um
produto. Utilizando-se a propaganda brasileira como exemplo, teve início com a
criação dos primeiros jornais no início do século XIX, no Rio de Janeiro. Com
isso vieram os anúncios, onde se vendia produtos, escravos, entre outras coisas.
A publicidade foi avançando e no fim do século XIX os anúncios ocupavam uma
boa parte do jornal, muitos providos de ilustrações. Até este ponto, a função dos
anúncios era mais informar do que convencer os consumidores. Com os
anúncios de remédio, grande maioria até meados do século XX, o foco da
propaganda não era mais mostrar a realidade de um produto ou serviço ao
consumidor e sim divulgar que as necessidades do consumidor seriam
suplantadas com a aquisição de tal produto. Um dos anúncios mais famosos da
época continha os dizeres: “Bromil, cura a tosse em 24 horas”. A partir daí a
publicidade começou a mascarar a realidade para vender um produto, utilizando
ideais a favor de um produto, seguindo a lógica: nada é perfeito, portanto tudo
tem algum defeito, porém esses defeitos não precisam ser divulgados. Com isso
a realidade não é mais transmitida, ela é distorcida com o intuito de passar a
imagem de um mundo perfeito ao consumidor. A família Doriana talvez seja um
dos maiores exemplos de realidade fabricada: logo de manhã todos se reúnem
na mesa, a mãe faz o café da manhã para todos, sempre alegre, sempre limpa,
todos se dão bem, conversam bastante, e o dia sempre está lindo.
      Foi a partir dos anúncios da Benetton feitos por Toscani que essa
realidade indesejável não apenas não foi maquiada como foi usada como a base
da comunicação. De maneira provocativa, os anúncios da Benetton causaram
11



muita surpresa e rejeição, por modificarem a visão que a sociedade, e mesmo a
publicidade, tinha de si mesma:
       “(...) o que causa choque nos anúncios da Benetton é justamente o facto deles nos
       acusarem de mentirosos, alienados e racistas. Os anúncios da Benetton só funcionam
       por contraposição. É preciso primeiro estarmos acostumados com os valores e as
       imagens da publicidade quotidiana para então percebermos que a Benetton é diferente”
       6
         .


       Segundo a filosofia defendida pelos pensadores da Escola de Frankfurt, a
publicidade, utilizando os meios de comunicação de massa, participa da
homogeneização da cultura, reproduzindo a industrialização desta 7. Portanto,
quando a cultura difundida é uma cultura sem defeitos, a exposição destes
defeitos choca, nos faz lembrar que a realidade não é a mesma mostrada na
propaganda. Quando a Benetton mostra pessoas de diferentes raças se
beijando, a sociedade não quer assumir seu racismo, se choca talvez mais ao
ver que o racismo está presente dentro de si do que quando vê uma apologia ao
racismo, já que aquilo reflete a opinião de poucos.
       Assim, pode-se afirmar que a publicidade da Benetton foi um divisor de
águas na história da propaganda mundial. Não que ela tenha modificado
totalmente a visão publicitária do mundo e a maneira como os profissionais desta
área falam sobre a sociedade em geral; mas, no mínimo, pode-se dizer que a
publicidade da Benetton mostrou que é possível um caminho mais “realista”,
capaz de chocar o público e mostrar o quão hipócrita pode ser a nossa
sociedade.
       Atualmente, esse discurso realista tem estado um pouco mais presente,
principalmente utilizando como tema o desenvolvimento sustentável. Muitos
anúncios têm mostrado que o aquecimento global é um fato e que se não
6
  ATHAYDE, Edson. Tempestade Cerebral. A Publicidade (e o Markleting) Segundo o Meu Tio Olavo II – A
Missão. P.152
7
  TREMBLAY, Gaёtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia Global ao Império Mundial.
12



agirmos agora não haverá como reverter essa situação. Porém, isso acabou se
tornando uma retórica de responsabilidade social, grande parte das empresas
que se dizem socialmente responsáveis prejudica muito mais do que ajuda o
meio ambiente.
       Embora em sua essência a publicidade continue a buscar o lucro e o share
of mind para as empresas, ela passa também a agir como “termômetro” da
sociedade, na medida em que trabalha com estereótipos e com ideologias
vigentes. A publicidade tornou-se mais “humana” na medida em que se fez mais
crítica.




                    IV - A influência da propaganda na realidade
13



          A influência que a propaganda exerce na sociedade é inegável, essa
indústria cultural que é difundida por todo mundo modifica conceitos que regem a
sociedade, conceitos amplos que servem como objetivos de vida muitas vezes,
como a felicidade e o amor, e essa geralmente é a maior crítica feita à
propaganda. O problema não é vender um produto ou uma idéia e sim
transformar aquilo em uma garantia de satisfação, passar a idéia de que usando
o desodorante X as mulheres vão cair aos seus pés. Muitas pessoas contestam
essa idéia com o argumento de que aquilo é uma hipérbole ou talvez uma
metáfora, porém sabemos que poucas pessoas irão filtrar todas aquelas imagens
e ideais passados e pensar que aquela propaganda “só” quis passar
determinado conceito. Vemos claramente que, diante da importância dada ao
consumismo na sociedade atual, os pensadores da Escola de Frankfurt estavam
certos ao afirmar que “o que somos depende dos bens que podemos comprar e
dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação” 8.
          Toda pessoa é influenciável. Ainda mais quando se confia na fonte da
informação. Portanto, se o consumidor já utiliza há tempos determinado produto
e confia em determinada empresa ou marca, a chance de confiar no discurso
feito em sua propaganda é grande. Talvez seja superestimar a propaganda,
porém deve-se levar em conta que ela é apenas uma das saídas de marketing
da empresa, portanto todas as outras ações de marketing refletem o objetivo e
os valores do produto da mesma forma. Isso não significa que o consumidor que
não se importa com a ideologia passada pela propaganda já compre aquele
produto sempre, pelo contrário, caso a propaganda mude seus valores e o
consumidor não mais se identifique com estes, provavelmente ele irá deixar de
adquirir o produto e procurar algum com que ele se identifique mais

8
    RÜDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. P. 138
14



ideologicamente. A retórica utilizada pela Petrobrás, por exemplo, a colocou
como uma das marcas mais lembradas no quesito responsabilidade social 9,
mesmo sabendo-se que as empresas petrolíferas e o petróleo estão entre os
maiores prejudicadores do meio ambiente. Isso prova a importância dada à
ideologia divulgada na hora da compra, infelizmente mesmo que essa ideologia
não seja comprovadamente aplicada pela empresa.
       Daí podemos também partir para estudos realizados pela chamada Escola
Norte-Americana acerca dos efeitos da propaganda na realidade vista pela
sociedade. Foram criadas diversas teorias, como por exemplo a da “agulha
hipodérmica” ou da “bala mágica”, segundo a qual a sociedade como um todo
estaria totalmente sujeita às informações passadas pelos meios de comunicação
de massa, recebendo essas informações e absorvendo-as por completo. É este
excesso de informações que causa a entropia, analisada pelos estudiosos
belgas Armand e Michèle Mattelart em sua obra História das teorias da
comunicação em uma discussão sobre os riscos da Sociedade da Informação:

       “A entropia, essa tendência que tem a natureza a destruir o ordenado e precipitar a
       degradação biológica e a desordem social, constitui a ameaça fundamental(...) O avanço
       da entropia é diretamente proporcional ao recuo do progresso” 10.


       Essa crítica à entropia também é endereçada à massificação de
informações       direcionadas,       visto    que     nos     dias    de    hoje   informações
desnecessárias à maioria atingem não só seu público-alvo, e isso induz o
receptor a uma seleção mais apurada, dificultando também mensagens
passadas posteriormente.



9
  MALZONI, Isabel. Meio ambiente: de olho no verde. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u461553.shtml>
10
   MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. P. 66
15



        Os maiores influenciadores na hora da seleção para definir se a
mensagem é ou não considerável são os aspectos psicológicos. Cores, sons e
imagens que remetam a assuntos ou situações que sejam do gosto do receptor
irão atrair sua atenção. Esse foi o maior ponto defendido posteriormente por
pensadores que basearam suas teses na importância dos fatores individuais na
recepção e absorção de informações.
       Portanto, o processo de comunicação em massa não depende apenas do
organismo social, mas também do indivíduo que age como receptor.
       Por volta de 1952, foi criada outra hipótese, a da agenda setting. Segundo
essa teoria, os meios de comunicação de massa alterariam não a opinião direta
das pessoas, mas sim a sua estrutura cognitiva 11.
       Dessa maneira, pode-se atribuir à propaganda um papel importante, assim
como o de todos os outros processos de comunicação, na formação da
percepção humana da realidade. A partir do momento em que a publicidade
trabalha com estereótipos, (representações práticas dos arquétipos), muitas
vezes através de exagero de características, pode induzir a sociedade a pensar
também através desse recurso simplificador.
       Daí é proveniente grande parte das críticas feitas ao discurso publicitário.
Tais críticas fundamentam-se no fato de que o uso de estereótipos pode gerar
preconceitos que acabam se enraizando no senso-comum de uma sociedade.
Pode-se dizer que isso é verdadeiro; mas também é verdadeiro que a
publicidade utiliza-se dos estereótipos não com o intuito de gerar esses
preconceitos, mas sim pela necessidade de transmitir informações com rapidez e
eficiência através de um comercial. E, se os preconceitos existem, não cabe à
publicidade a responsabilidade sobre eles; mesmo em sociedades onde não

11
  ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e
tendências. P. 129
16



havia a publicidade como a vemos hoje, havia preconceitos. Delegar à
propaganda a responsabilidade pela existência de preconceitos seria eximir a
sociedade como um todo dessa responsabilidade e culpar um instrumento pelos
danos que causa através das mãos e da consciência de quem o utiliza.
     Como já dito anteriormente, o que Oliviero Toscani buscou mostrar com
seu trabalho foi justamente essa hipocrisia da sociedade; utilizando como veículo
a publicidade, que muitas vezes recebe o rótulo de alienante, o fotógrafo italiano
procurou mostrar que a comunicação, e mais especificamente a propaganda,
possui uma relação bilateral com a sociedade.




             V - Os estereótipos na sociedade e na publicidade
17



          Como já citado anteriormente, a publicidade tem como uma de suas
características o uso de estereótipos para simplificar as mensagens que busca
passar, de maneira a conseguir se adequar ao tempo disponível para transmitir
informações. Também se pode observar que esse uso dos estereótipos é
freqüentemente criticado, e muitas vezes recebe a responsabilidade sobre os
preconceitos existentes na sociedade.
          Conforme assinala Lippmann,



          “Cada um de nós vive e trabalha numa pequena parte da superfície da Terra, move-se
          num círculo restrito e, das coisas que conhece, conhece intimamente apenas umas
          poucas. De qualquer acontecimento público que exerça amplos efeitos, na melhor das
          hipóteses, só vemos uma fase e um aspecto” 12


          Ou seja, o ser humano possui conhecimento limitado acerca dos fatos que
ocorrem a seu redor. Por mais informações que receba, o homem só é capaz de
interpretar e processar ao mesmo tempo uma parte delas. Atualmente, com os
avanços das mídias digitais e da informática, somos constantemente
bombardeados por quantidades enormes de informação a cada instante;
desnecessário, portanto, dizer que grande parte dessa informação é descartada
mesmo sem que tenhamos consciência disso.
          É nesse contexto que os estereótipos adquirem “importância”. Eles podem
ser um meio de simplificar a realidade que vemos ao nosso redor facilitando o
seu entendimento, embora freqüentemente criem generalizações e preconceitos.


          “...colhemos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber o que
          colhemos na forma estereotipada, para nós, pela nossa cultura” 13.



12
     LIPPMANN, W. Estereótipos. 1980. P.149
13
     Ibid, p.151
18



     A publicidade, enquanto ferramenta de comunicação, faz uso freqüente
desses estereótipos socialmente cristalizados. É importante discutir, portanto, se
o grande problema dos estereótipos que se tornam preconceitos se reduz
apenas ao seu uso pelos meios de comunicação de massa, ou se ele se constitui
numa problemática geral da nossa sociedade. Muitas vezes, os meios de
comunicação de massa não são os responsáveis pela criação de tais padrões,
os quais freqüentemente são oriundos de uma herança cultural muito mais antiga
do que esses veículos.
     Como exemplo disso, podemos citar o estereótipo do negro pobre e de
pouca escolaridade, largamente explorado tanto na literatura brasileira quanto
em telenovelas e filmes. Essa “padronização” dos negros como pessoas
ignorantes tem sua origem na escravidão praticada no Brasil durante cerca de
três séculos; ainda hoje, é possível notar na sociedade traços dessa mentalidade
escravista, que considera os negros como seres inferiores, gerando as idéias de
“raça” e o chamado racismo.
     Essa mentalidade, ainda presente hoje na sociedade brasileira (embora
com uma tendência de diminuição), evidentemente não foi criada pela
publicidade ou, num contexto mais amplo, pelos meios de comunicação de
massa. No entanto, ela foi largamente utilizada como meio de expressão, sendo
difícil saber em que medida essa utilização do estereótipo do negro contribuiu e
contribui para a manutenção do preconceito. O preconceito contra os negros,
assim como o que ocorreu contra os judeus na Alemanha nazista, por exemplo,
envolve um contexto amplo, abarca a mentalidade social como um todo. Mais
uma vez, percebemos a relação bilateral de influência entre a sociedade e a
publicidade: os padrões são criados pela publicidade ou pela sociedade? Se são
criados pela sociedade, a publicidade pode utilizá-los como recurso? E, se são
19



criados pela publicidade, por que a sociedade acaba adotando-os como maneira
de pensar?




                           VI - Considerações Finais
20



      A partir das teorias analisadas e das reflexões que podemos fazer acerca
destas, podemos perceber que a relação entre a publicidade e a sociedade é
intrínseca; a primeira utiliza o cotidiano (seja ele adaptado ao discurso ou não)
para entreter e seduzir o consumidor, enquanto a última é influenciável e, no
contexto social em que vivemos, sempre sujeita ao papel da propaganda, tanto
na forma de transmissão de mensagens quanto na função de movimentar o
consumo e, conseqüentemente, a economia.
      Podemos     perceber    também     que,   embora      seja   muitas   vezes
responsabilizada pela criação de padrões sociais, a publicidade talvez não o faça
no intuito de gerar preconceitos; e, muitas vezes, o preconceito talvez já esteja
indelevelmente cristalizado na mentalidade social, não sendo possível, portanto,
criar uma relação direta entre tais preconceitos e a transmissão de informações
pelos chamados meios de comunicação de massa.
      Além disso, é importante ressaltar a seletividade pessoal na atenção dada
e na apreensão da mensagem. É essencial que o conteúdo de uma mensagem
seja passado, porém, para isso, ela deve passar pelo filtro prévio do receptor que
verificará seu interesse em adquirir essa mensagem. Esse filtro é baseado em
suas expectativas e desejos intrínsecos, ou seja, já existentes no receptor e não
criado pela mensagem.
      Portanto, pode-se dizer que a sociedade influencia a propaganda, e a
propaganda influencia a sociedade, num ciclo que só terminaria com o fim de
ambas.




                        VII - Referências Bibliográficas:
21



ECO, Umberto ; SEBEOK, Thomas A. O Signo de Três: Dupin, Holmes,
Pierce. Editora Perspectiva.


SANTOS, João de Almeida. Oliviero Toscani: Considerações sobre um
Intelectual-Publicitário.
<http://www.lxxl.pt/babel/biblioteca/toscani.html> Acesso em 04/09/08.


CALAZANS, Flávio. Midiologia da Benetton.
<http://www.duplipensar.net/principal/2004-04-benetton.html>     Publicado
em 29/04/04. Acesso em 03/09/08.


TOSCANI, Oliviero. A Publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2002.


ADORNO et all. Teoria da Cultura de Massa. Introdução e Comentários
(org. Luiz Costa Lima). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1990.


ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In Teorias da
Comunicação: conceitos, escolas e tendências.


ATHAYDE, Edson. O dia em que a publicidade perdeu o hímen. In
Tempestade Cerebral. A Publicidade (e o Marketing) Segundo o Meu
Tio Olavo II – A Missão. Lisboa: Notícias Editorial, 1999.


HOFLFELDT, Antonio et all. Teorias da Comunicação: conceitos,
escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2001.
22




TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia
Global ao Império Mundial. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 22,
dezembro 2003.

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A RELAÇÃO BILATERAL ENTRE A REALIDADE E A PROPAGANDA: ANÁLISE DE ESTEREÓTIPOS E DAS PEÇAS DA BENETTON

  • 1. 4 I - Introdução Ao longo de sua história, a publicidade, conforme foi evoluindo em técnica e abrangência, foi também sendo criticada pela sua participação na massificação das ideologias dominantes e pela sua tendência em criar um “mundo ideal”. De certa forma, essas críticas não são de todo infundadas, pois, em sua essência, a publicidade reflete a ideologia capitalista, que é a dominante na maioria das sociedades dos dias atuais, e procura criar um mundo ideal de maneira a seduzir, ou persuadir, o consumidor. No entanto, esse assunto é objeto para outra discussão, já há muito criada e já muito “batida”, pois tornou-se lugar-comum atribuir à publicidade a alienação ou mesmo o desinteresse da população por uma sociedade mais igualitária. Aqui, buscaremos mostrar de que maneira a publicidade, através de trabalhos de profissionais como Oliviero Toscani, perdeu um pouco de seu viés “idealizado” e acabou por colocar uma nova questão: a difusão da realidade pela publicidade. Seguindo este raciocínio, iremos dar um passo adiante e demonstrar que, depois de a publicidade utilizar a realidade como discurso de comunicação, ela interfere diretamente nessa realidade, o que para alguns é o início de uma realidade fabricada. Numa breve análise, citaremos algumas campanhas publicitárias da Benetton, empresa que durante anos utilizou as fotos de Toscani em seus anúncios, buscando relacionar essa linguagem com as diversas teorias sobre o processo de comunicação e com o papel da propaganda na criação e na difusão de diversas realidades. Também buscaremos analisar o uso de estereótipos pela propaganda e pelos meios de comunicação de massa em geral, buscando relacioná-lo com os
  • 2. 5 preconceitos correntes em nossa sociedade e refletir sobre as causas destes, analisando as críticas feitas à publicidade pelo uso de tais padrões. II - Oliviero Toscani e seu uso da linguagem publicitária As fotos de Oliviero Toscani, utilizadas em campanhas publicitárias de empresas como a Benetton possuem, fundamentalmente, o objetivo de chocar e impressionar quem as vê. É uma forma de propaganda dirigida aos meios de comunicação de massa; no entanto, as propagandas contendo suas fotos por muitas vezes foram proibidas de serem veiculadas ou rejeitadas pelos meios de comunicação, justamente devido ao seu potencial de chocar os públicos. Dos veículos comumente utilizados, poucas revistas e jornais assumiram o risco de mostrar esses anúncios, o outdoor e posteriormente a internet foram os principais difusores de suas peças. Os anúncios da Benetton, embora possuam pouco texto, expressam, em sua imagem, toda a intenção de causar impacto pela polêmica que geram. Isso comprova, portanto, o estudo de Watzlawick e Beavin que mostra que aproximadamente 93% da comunicação é apreendida pela imagem, e apenas 7% pelas palavras: “O conceito mais amplo de letramento não desconsidera a importância das palavras, mas aceita as outras formas de composição de mundo...”1. Em um mundo que se valoriza cada vez mais as imagens em detrimento dos textos nas peças publicitárias, Toscani utilizou-se dessa tendência para impactar o público com suas imagens polêmicas, porém não deixa de lado frases de efeito e também utiliza o texto como suporte para sua fotografia, explicando o contexto ao público, como na campanha feita em 2001 1 WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Jackson. Pragmática da comunicação humana. Cultrix: São Paulo, 1967.
  • 3. 6 para o Ano Internacional dos Voluntários. Essa utilização de imagens como ponto forte da divulgação e do “diálogo pouco convencional entre arte e publicidade” 2 é seu grande diferencial, principalmente para sua época, podendo- se assemelhar seu trabalho na publicidade apenas com o de Barbara Kruger 3. Muitas de suas campanhas para Benetton principalmente fazem críticas diretas, utiliza-se de uma imagem forte como meio de passar uma mensagem mais forte ainda, como, por exemplo, na campanha que traz como assunto a anorexia. Através dela, Toscani critica indiretamente os próprios meios de comunicação de massa, freqüentemente associados com a criação e imposição dos chamados padrões de beleza. Esses padrões levariam as pessoas a se utilizarem de meios extremos para atingi-los, deixando de comer por vários dias e correndo sérios riscos de morte. Essa imposição do padrão de beleza pelos meios de comunicação de massa é diferente da criação de desejos pelos mesmos. A mídia utiliza mulheres magras como sinônimo de mulheres bonitas baseada na opinião pública, a sociedade vê a magreza como um sinal de beleza. Porém os meios de comunicação de massa não podem ser eximidos de sua culpa pois ajudam a difundir essa cultura. Temos ai outro indicativo da relação intrínseca e bilateral entre a comunicação de massa e a sociedade. Tanto a ideologia racista quanto o padrão de beleza socialmente aceito são expressões da disseminação de idéias através dos meios de comunicação de massa. Embora o racismo tenha sua origem na escravidão, foi através de propagandas no regime nazista e no movimento da apartheid, por exemplo, que ele encontrou, por assim dizer, pessoas que acreditassem nessas idéias e as disseminassem. Por sua vez, os padrões de beleza, mesmo existindo desde a 2 SILVA, Vanessa R. de Lacerda E. Os Caminhos Entre a Arte e a Publicidade: da produção do discurso à construção do sentido – uma leitura das obras de Oliviero Toscani e Barbara Kruger.Revista Espcom, número 1. 3 Artista norte-americana que utiliza de fotografias e colagens que tinha como base de suas obras as relações entre os gêneros e o consumo na sociedade capitalista.
  • 4. 7 antiguidade, só passaram a ser tão valorizados e “globalizados” depois da criação dos veículos de comunicação de massa, como a televisão e o cinema. E são temas como esses que Toscani utiliza em seus trabalhos fotográficos: temas polêmicos, que, utilizando os meios de comunicação como veículos, tendem a causar uma repulsa às idéias massificadas por eles. Essas imagens acabam ficando na mente das pessoas que as vêem, geralmente causando reações em seus complexos reptílicos, responsáveis por sensações como medo e repulsa. O coração, por si só, tornou-se um signo que representa a índole da pessoa. Dessa maneira, ao colocar os corações no mesmo patamar, Toscani utiliza-se desse signo para afirmar que a maldade e a bondade não são intrínsecas a determinada etnia, como algumas ideologias procuram pregar, ainda hoje. Apesar disso, Toscani realiza uma campanha utilizando duas crianças, uma negra e uma branca. A criança negra está com seus cabelos em forma de chifres, e a criança branca possui cabelos louros que geram uma associação automática aos anjos retratados em pinturas renascentistas. Essa campanha teve grande repercussão, porque a associação da criança negra com o diabo e da criança branca com um anjo vai de encontro a outros trabalhos de Toscani, que procuram afirmar a igualdade entre as “raças”. É impossível saber, então, qual foi a real intenção do fotógrafo ao criar essa campanha; pode ter sido simplesmente a utilização de um estereótipo, ou mesmo a intenção pura e simples de chocar pela contradição que apresenta. Em outras campanhas, fica também patente essa impossibilidade de saber qual a intenção de Toscani. Um exemplo disso é a foto na qual um padre aparece beijando uma freira. Impossível dizer se a intenção do fotógrafo italiano
  • 5. 8 era criticar o celibato (ou mesmo a hipocrisia) ou simplesmente causar um impacto nas pessoas. Porém, após receber o choque inicial vemos a cena com outros olhos, mostrando o desejo de uma pessoa para a outra, desejo que possuímos todos nós. Para fazer uma crítica efetiva à sociedade, a primeira coisa que se deve fazer é entendê-la, fazer uma análise profunda que possa revelar seus defeitos e 4 estereótipos para que possa usá-los. Assim como Morelli buscava os menores detalhes para que pudesse fazer uma comparação minuciosa e definir o autor da obra de arte, Toscani utiliza desta técnica para se aprofundar na sociedade e ver seus defeitos sem conceitos prévios, assim consegue utilizar os maiores envolvidos com esses defeitos para transmitir uma mensagem, muitas vezes contra este defeito. Sua magia está exatamente em utilizar de detalhes que muitas pessoas não se atrevem a conhecer (ou reconhecer) para divulgar um problema, como na campanha em que utiliza o bumbum de um bebê carimbada com os escritos “H.I.V. Positive” para expor a luta dos soropositivos, ou quando dispõe apenas uma cruz judaica em meio a várias cristãs, com um detalhe sutil que passa quase despercebido faz críticas mesmo em um ponto sensível da sociedade. No texto organizado por Eco e Sebeok é citado que “... para Freud os detalhes são sintomas, para Sherlock Holmes são chaves de mistérios e para Morelli são caracteres distintivos” 5. Entre as três definições, possivelmente a primeira é a que mais se assemelha a ideologia do fotógrafo: ao ver problemas da sociedade como o racismo ele enxerga e critica muito além: o racismo seria apenas um sintoma de uma doença maior que engloba a intolerância, o egoísmo 4 WIND (1963. P. 32-51.) apud ECO e SEBEOK. 5 ECO, Umberto; SEBEOK, Thomas A. O Signo de Três: Dupin, Holmes, Pierce. Editora Perspectiva.
  • 6. 9 e a hipocrisia de um povo que muitas vezes tem conhecimento de um problema porém não se dispõe a resolvê-lo ou simplesmente debatê-lo. Assim como os médicos, Toscani se preocupa muito em fazer um diagnóstico de determinado problema, assim ele entende o passado e explica o presente, visando criar um debate na sociedade para que no futuro esse problema possa ser minimizado. Outro ponto em comum entre o texto e as peças do fotógrafo é a diferenciação por rastros culturais. O texto deixa bem claro que uma coisa é analisar vestígios físicos, como pegadas e fezes, destes podemos tirar conclusões com base na dedução, pois são iguais de indivíduo para indivíduo; outra coisa é fazer uma analise de aspectos como a escrita ou a pintura pois estes sofrem influências culturais. Justamente por utilizar destes aspectos em comum entre todos os indivíduos para reportar diferenças em geral a obra de Toscani se destaca. O coração, por exemplo, é um órgão comum a todos os seres humanos, quando ele faz uso de três corações humanos expostos e utiliza as palavras “Black”, “White” e “Yellow” busca desconstruir as mentalidades racistas e etnocêntricas, colocando três etnias diferentes em um mesmo patamar: se não houvesse tais palavras para discriminá-los, não saberíamos diferenciá-los. Toscani faz uma comunicação utilizando povos excluídos, porém voltada para a sociedade como um todo: busca criar um choque e posteriormente gerar uma discussão para que os olhos se voltem aos mesmos. Faz um estudo da sociedade pelos seus sintomas, assim pode classificá-la e tentar curá-la, não que essa seja a melhor forma, mas sim a forma de Oliviero Toscani achou para tentar fazê-la.
  • 7. 10 III - A realidade na propaganda Desde o início, a propaganda se baseia em fatos reais para divulgar um produto. Utilizando-se a propaganda brasileira como exemplo, teve início com a criação dos primeiros jornais no início do século XIX, no Rio de Janeiro. Com isso vieram os anúncios, onde se vendia produtos, escravos, entre outras coisas. A publicidade foi avançando e no fim do século XIX os anúncios ocupavam uma boa parte do jornal, muitos providos de ilustrações. Até este ponto, a função dos anúncios era mais informar do que convencer os consumidores. Com os anúncios de remédio, grande maioria até meados do século XX, o foco da propaganda não era mais mostrar a realidade de um produto ou serviço ao consumidor e sim divulgar que as necessidades do consumidor seriam suplantadas com a aquisição de tal produto. Um dos anúncios mais famosos da época continha os dizeres: “Bromil, cura a tosse em 24 horas”. A partir daí a publicidade começou a mascarar a realidade para vender um produto, utilizando ideais a favor de um produto, seguindo a lógica: nada é perfeito, portanto tudo tem algum defeito, porém esses defeitos não precisam ser divulgados. Com isso a realidade não é mais transmitida, ela é distorcida com o intuito de passar a imagem de um mundo perfeito ao consumidor. A família Doriana talvez seja um dos maiores exemplos de realidade fabricada: logo de manhã todos se reúnem na mesa, a mãe faz o café da manhã para todos, sempre alegre, sempre limpa, todos se dão bem, conversam bastante, e o dia sempre está lindo. Foi a partir dos anúncios da Benetton feitos por Toscani que essa realidade indesejável não apenas não foi maquiada como foi usada como a base da comunicação. De maneira provocativa, os anúncios da Benetton causaram
  • 8. 11 muita surpresa e rejeição, por modificarem a visão que a sociedade, e mesmo a publicidade, tinha de si mesma: “(...) o que causa choque nos anúncios da Benetton é justamente o facto deles nos acusarem de mentirosos, alienados e racistas. Os anúncios da Benetton só funcionam por contraposição. É preciso primeiro estarmos acostumados com os valores e as imagens da publicidade quotidiana para então percebermos que a Benetton é diferente” 6 . Segundo a filosofia defendida pelos pensadores da Escola de Frankfurt, a publicidade, utilizando os meios de comunicação de massa, participa da homogeneização da cultura, reproduzindo a industrialização desta 7. Portanto, quando a cultura difundida é uma cultura sem defeitos, a exposição destes defeitos choca, nos faz lembrar que a realidade não é a mesma mostrada na propaganda. Quando a Benetton mostra pessoas de diferentes raças se beijando, a sociedade não quer assumir seu racismo, se choca talvez mais ao ver que o racismo está presente dentro de si do que quando vê uma apologia ao racismo, já que aquilo reflete a opinião de poucos. Assim, pode-se afirmar que a publicidade da Benetton foi um divisor de águas na história da propaganda mundial. Não que ela tenha modificado totalmente a visão publicitária do mundo e a maneira como os profissionais desta área falam sobre a sociedade em geral; mas, no mínimo, pode-se dizer que a publicidade da Benetton mostrou que é possível um caminho mais “realista”, capaz de chocar o público e mostrar o quão hipócrita pode ser a nossa sociedade. Atualmente, esse discurso realista tem estado um pouco mais presente, principalmente utilizando como tema o desenvolvimento sustentável. Muitos anúncios têm mostrado que o aquecimento global é um fato e que se não 6 ATHAYDE, Edson. Tempestade Cerebral. A Publicidade (e o Markleting) Segundo o Meu Tio Olavo II – A Missão. P.152 7 TREMBLAY, Gaёtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia Global ao Império Mundial.
  • 9. 12 agirmos agora não haverá como reverter essa situação. Porém, isso acabou se tornando uma retórica de responsabilidade social, grande parte das empresas que se dizem socialmente responsáveis prejudica muito mais do que ajuda o meio ambiente. Embora em sua essência a publicidade continue a buscar o lucro e o share of mind para as empresas, ela passa também a agir como “termômetro” da sociedade, na medida em que trabalha com estereótipos e com ideologias vigentes. A publicidade tornou-se mais “humana” na medida em que se fez mais crítica. IV - A influência da propaganda na realidade
  • 10. 13 A influência que a propaganda exerce na sociedade é inegável, essa indústria cultural que é difundida por todo mundo modifica conceitos que regem a sociedade, conceitos amplos que servem como objetivos de vida muitas vezes, como a felicidade e o amor, e essa geralmente é a maior crítica feita à propaganda. O problema não é vender um produto ou uma idéia e sim transformar aquilo em uma garantia de satisfação, passar a idéia de que usando o desodorante X as mulheres vão cair aos seus pés. Muitas pessoas contestam essa idéia com o argumento de que aquilo é uma hipérbole ou talvez uma metáfora, porém sabemos que poucas pessoas irão filtrar todas aquelas imagens e ideais passados e pensar que aquela propaganda “só” quis passar determinado conceito. Vemos claramente que, diante da importância dada ao consumismo na sociedade atual, os pensadores da Escola de Frankfurt estavam certos ao afirmar que “o que somos depende dos bens que podemos comprar e dos modelos de conduta veiculados pelos meios de comunicação” 8. Toda pessoa é influenciável. Ainda mais quando se confia na fonte da informação. Portanto, se o consumidor já utiliza há tempos determinado produto e confia em determinada empresa ou marca, a chance de confiar no discurso feito em sua propaganda é grande. Talvez seja superestimar a propaganda, porém deve-se levar em conta que ela é apenas uma das saídas de marketing da empresa, portanto todas as outras ações de marketing refletem o objetivo e os valores do produto da mesma forma. Isso não significa que o consumidor que não se importa com a ideologia passada pela propaganda já compre aquele produto sempre, pelo contrário, caso a propaganda mude seus valores e o consumidor não mais se identifique com estes, provavelmente ele irá deixar de adquirir o produto e procurar algum com que ele se identifique mais 8 RÜDIGER, Francisco. A Escola de Frankfurt. P. 138
  • 11. 14 ideologicamente. A retórica utilizada pela Petrobrás, por exemplo, a colocou como uma das marcas mais lembradas no quesito responsabilidade social 9, mesmo sabendo-se que as empresas petrolíferas e o petróleo estão entre os maiores prejudicadores do meio ambiente. Isso prova a importância dada à ideologia divulgada na hora da compra, infelizmente mesmo que essa ideologia não seja comprovadamente aplicada pela empresa. Daí podemos também partir para estudos realizados pela chamada Escola Norte-Americana acerca dos efeitos da propaganda na realidade vista pela sociedade. Foram criadas diversas teorias, como por exemplo a da “agulha hipodérmica” ou da “bala mágica”, segundo a qual a sociedade como um todo estaria totalmente sujeita às informações passadas pelos meios de comunicação de massa, recebendo essas informações e absorvendo-as por completo. É este excesso de informações que causa a entropia, analisada pelos estudiosos belgas Armand e Michèle Mattelart em sua obra História das teorias da comunicação em uma discussão sobre os riscos da Sociedade da Informação: “A entropia, essa tendência que tem a natureza a destruir o ordenado e precipitar a degradação biológica e a desordem social, constitui a ameaça fundamental(...) O avanço da entropia é diretamente proporcional ao recuo do progresso” 10. Essa crítica à entropia também é endereçada à massificação de informações direcionadas, visto que nos dias de hoje informações desnecessárias à maioria atingem não só seu público-alvo, e isso induz o receptor a uma seleção mais apurada, dificultando também mensagens passadas posteriormente. 9 MALZONI, Isabel. Meio ambiente: de olho no verde. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u461553.shtml> 10 MATTELART, Armand e Michèle. História das Teorias da Comunicação. P. 66
  • 12. 15 Os maiores influenciadores na hora da seleção para definir se a mensagem é ou não considerável são os aspectos psicológicos. Cores, sons e imagens que remetam a assuntos ou situações que sejam do gosto do receptor irão atrair sua atenção. Esse foi o maior ponto defendido posteriormente por pensadores que basearam suas teses na importância dos fatores individuais na recepção e absorção de informações. Portanto, o processo de comunicação em massa não depende apenas do organismo social, mas também do indivíduo que age como receptor. Por volta de 1952, foi criada outra hipótese, a da agenda setting. Segundo essa teoria, os meios de comunicação de massa alterariam não a opinião direta das pessoas, mas sim a sua estrutura cognitiva 11. Dessa maneira, pode-se atribuir à propaganda um papel importante, assim como o de todos os outros processos de comunicação, na formação da percepção humana da realidade. A partir do momento em que a publicidade trabalha com estereótipos, (representações práticas dos arquétipos), muitas vezes através de exagero de características, pode induzir a sociedade a pensar também através desse recurso simplificador. Daí é proveniente grande parte das críticas feitas ao discurso publicitário. Tais críticas fundamentam-se no fato de que o uso de estereótipos pode gerar preconceitos que acabam se enraizando no senso-comum de uma sociedade. Pode-se dizer que isso é verdadeiro; mas também é verdadeiro que a publicidade utiliza-se dos estereótipos não com o intuito de gerar esses preconceitos, mas sim pela necessidade de transmitir informações com rapidez e eficiência através de um comercial. E, se os preconceitos existem, não cabe à publicidade a responsabilidade sobre eles; mesmo em sociedades onde não 11 ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. P. 129
  • 13. 16 havia a publicidade como a vemos hoje, havia preconceitos. Delegar à propaganda a responsabilidade pela existência de preconceitos seria eximir a sociedade como um todo dessa responsabilidade e culpar um instrumento pelos danos que causa através das mãos e da consciência de quem o utiliza. Como já dito anteriormente, o que Oliviero Toscani buscou mostrar com seu trabalho foi justamente essa hipocrisia da sociedade; utilizando como veículo a publicidade, que muitas vezes recebe o rótulo de alienante, o fotógrafo italiano procurou mostrar que a comunicação, e mais especificamente a propaganda, possui uma relação bilateral com a sociedade. V - Os estereótipos na sociedade e na publicidade
  • 14. 17 Como já citado anteriormente, a publicidade tem como uma de suas características o uso de estereótipos para simplificar as mensagens que busca passar, de maneira a conseguir se adequar ao tempo disponível para transmitir informações. Também se pode observar que esse uso dos estereótipos é freqüentemente criticado, e muitas vezes recebe a responsabilidade sobre os preconceitos existentes na sociedade. Conforme assinala Lippmann, “Cada um de nós vive e trabalha numa pequena parte da superfície da Terra, move-se num círculo restrito e, das coisas que conhece, conhece intimamente apenas umas poucas. De qualquer acontecimento público que exerça amplos efeitos, na melhor das hipóteses, só vemos uma fase e um aspecto” 12 Ou seja, o ser humano possui conhecimento limitado acerca dos fatos que ocorrem a seu redor. Por mais informações que receba, o homem só é capaz de interpretar e processar ao mesmo tempo uma parte delas. Atualmente, com os avanços das mídias digitais e da informática, somos constantemente bombardeados por quantidades enormes de informação a cada instante; desnecessário, portanto, dizer que grande parte dessa informação é descartada mesmo sem que tenhamos consciência disso. É nesse contexto que os estereótipos adquirem “importância”. Eles podem ser um meio de simplificar a realidade que vemos ao nosso redor facilitando o seu entendimento, embora freqüentemente criem generalizações e preconceitos. “...colhemos o que nossa cultura já definiu para nós, e tendemos a perceber o que colhemos na forma estereotipada, para nós, pela nossa cultura” 13. 12 LIPPMANN, W. Estereótipos. 1980. P.149 13 Ibid, p.151
  • 15. 18 A publicidade, enquanto ferramenta de comunicação, faz uso freqüente desses estereótipos socialmente cristalizados. É importante discutir, portanto, se o grande problema dos estereótipos que se tornam preconceitos se reduz apenas ao seu uso pelos meios de comunicação de massa, ou se ele se constitui numa problemática geral da nossa sociedade. Muitas vezes, os meios de comunicação de massa não são os responsáveis pela criação de tais padrões, os quais freqüentemente são oriundos de uma herança cultural muito mais antiga do que esses veículos. Como exemplo disso, podemos citar o estereótipo do negro pobre e de pouca escolaridade, largamente explorado tanto na literatura brasileira quanto em telenovelas e filmes. Essa “padronização” dos negros como pessoas ignorantes tem sua origem na escravidão praticada no Brasil durante cerca de três séculos; ainda hoje, é possível notar na sociedade traços dessa mentalidade escravista, que considera os negros como seres inferiores, gerando as idéias de “raça” e o chamado racismo. Essa mentalidade, ainda presente hoje na sociedade brasileira (embora com uma tendência de diminuição), evidentemente não foi criada pela publicidade ou, num contexto mais amplo, pelos meios de comunicação de massa. No entanto, ela foi largamente utilizada como meio de expressão, sendo difícil saber em que medida essa utilização do estereótipo do negro contribuiu e contribui para a manutenção do preconceito. O preconceito contra os negros, assim como o que ocorreu contra os judeus na Alemanha nazista, por exemplo, envolve um contexto amplo, abarca a mentalidade social como um todo. Mais uma vez, percebemos a relação bilateral de influência entre a sociedade e a publicidade: os padrões são criados pela publicidade ou pela sociedade? Se são criados pela sociedade, a publicidade pode utilizá-los como recurso? E, se são
  • 16. 19 criados pela publicidade, por que a sociedade acaba adotando-os como maneira de pensar? VI - Considerações Finais
  • 17. 20 A partir das teorias analisadas e das reflexões que podemos fazer acerca destas, podemos perceber que a relação entre a publicidade e a sociedade é intrínseca; a primeira utiliza o cotidiano (seja ele adaptado ao discurso ou não) para entreter e seduzir o consumidor, enquanto a última é influenciável e, no contexto social em que vivemos, sempre sujeita ao papel da propaganda, tanto na forma de transmissão de mensagens quanto na função de movimentar o consumo e, conseqüentemente, a economia. Podemos perceber também que, embora seja muitas vezes responsabilizada pela criação de padrões sociais, a publicidade talvez não o faça no intuito de gerar preconceitos; e, muitas vezes, o preconceito talvez já esteja indelevelmente cristalizado na mentalidade social, não sendo possível, portanto, criar uma relação direta entre tais preconceitos e a transmissão de informações pelos chamados meios de comunicação de massa. Além disso, é importante ressaltar a seletividade pessoal na atenção dada e na apreensão da mensagem. É essencial que o conteúdo de uma mensagem seja passado, porém, para isso, ela deve passar pelo filtro prévio do receptor que verificará seu interesse em adquirir essa mensagem. Esse filtro é baseado em suas expectativas e desejos intrínsecos, ou seja, já existentes no receptor e não criado pela mensagem. Portanto, pode-se dizer que a sociedade influencia a propaganda, e a propaganda influencia a sociedade, num ciclo que só terminaria com o fim de ambas. VII - Referências Bibliográficas:
  • 18. 21 ECO, Umberto ; SEBEOK, Thomas A. O Signo de Três: Dupin, Holmes, Pierce. Editora Perspectiva. SANTOS, João de Almeida. Oliviero Toscani: Considerações sobre um Intelectual-Publicitário. <http://www.lxxl.pt/babel/biblioteca/toscani.html> Acesso em 04/09/08. CALAZANS, Flávio. Midiologia da Benetton. <http://www.duplipensar.net/principal/2004-04-benetton.html> Publicado em 29/04/04. Acesso em 03/09/08. TOSCANI, Oliviero. A Publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. ADORNO et all. Teoria da Cultura de Massa. Introdução e Comentários (org. Luiz Costa Lima). Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1990. ARAÚJO, Carlos Alberto. A pesquisa norte-americana. In Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. ATHAYDE, Edson. O dia em que a publicidade perdeu o hímen. In Tempestade Cerebral. A Publicidade (e o Marketing) Segundo o Meu Tio Olavo II – A Missão. Lisboa: Notícias Editorial, 1999. HOFLFELDT, Antonio et all. Teorias da Comunicação: conceitos, escolas e tendências. Petrópolis: Vozes, 2001.
  • 19. 22 TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia Global ao Império Mundial. In: Revista FAMECOS. Porto Alegre, nº 22, dezembro 2003.