A cartilha apresenta as diretrizes para a atuação dos Agentes Comunitários de Saúde no trabalho com usuários de álcool e outras drogas, com foco na estratégia de redução de danos. Ela aborda:
1) O conceito e histórico da redução de danos;
2) O papel da equipe de Saúde da Família na atenção a usuários, priorizando o vínculo e a confiança;
3) Mitos e preconceitos sobre o uso de drogas.
1. Cartilha de Redução de Danos para Agentes Comunitários de Saúde
Ajudar a reduzir danos é aumentar as possibilidades de cuidado aos usuários de drogas.
DE
DE SAÚ
ITÁRIO
E COMUN
AGENT
VIVA COMUNIDADE
VIVA COMUNIDADE
2. Expediente
Supervisão Geral
Rubem César Fernandes
Samantha Pereira França
Coordenação Técnica O consumo de drogas, não só do cigarro e do álcool, mas também do crack, tem
Fabiana Lustosa Gaspar sido identificado rotineiramente pelas equipes de Saúde da Família como um
Fabiane Minozzo
grande problema a ser abordado nos territórios. Apesar do interesse e desejo
Coordenação Editorial em desenvolver atividades neste sentido, os profissionais encontram-se, muitas
Inaiara Bragante
vezes, limitados e sem instrumentos que os auxiliem nesta abordagem.
Elaboração Técnica
Rose Teresinha da Rocha Mayer
Alessandra Zambeli Alberti Sob esse panorama, a necessidade de um planejamento de ações para a
Simone Alves de Almeida abordagem das pessoas usuárias de álcool e outras drogas pelas equipes de
Fabiana Lustosa Gaspar
Fabiane Minozzo Saúde da Família tornou-se imperativa.
Revisão Técnica
Fabiana Lustosa Gaspar Em maio de 2010, visando à integração de diversas áreas de conhecimento
Fabiane Minozzo e o fomento da discussão sobre esse tema, foi realizado o Seminário Crack –
Equipe Educação Permanente Repensando as Estratégias de Atenção à Saúde pelo Viva Rio, em parceria com a
Analaura Ribeiro Pereira
Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção de Saúde – SMSDC.
Adriana Brant
Cristina Guedes Veneu
Francisco Potiguara A partir das reflexões e construções proporcionadas pelo Seminário, foi possível
Inaiara Bragante
apontar em um documento direções de trabalho para a atuação dos profissionais
Projeto Gráfico, Ilustrações,
de Saúde da Família nas comunidades, desde a perspectiva da redução de danos
Organização e Revisão de Textos
Espaço Donas Marcianas para o cuidado em relação à problemática do álcool e outras drogas. Dentre
Arte e Comunicação essas direções, destaca-se a construção desta cartilha de apoio ao trabalho
Arte: Gabi Caspary
Texto: Gizane Barreto desenvolvido pelos Agentes Comunitários de Saúde nesta temática.
Colaboradores
Pedro Vicente Canesim Bittencourtt
Ana Clara Telles C. de Souza
Publicação produzida pela área de educação
permanente do Viva Comunidade.
3. Esta cartilha “Diminuir para Somar” visa a apoiar as sumário
ações desenvolvidas pelos profissionais da Saúde da
Família – em especial, pelos Agentes Comunitários 1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos 4
de Saúde – que dão atenção às pessoas usuárias de
álcool e outras drogas. 2. O papel da equipe de Saúde da Família na atenção 10
aos usuários de álcool e outras drogas
Para identificar e levantar as principais questões
e problemas vividos no trabalho cotidiano, a 3. Imaginário social e preconceitos 16
oficina sobre “Redução de Danos e Seus Desafios
Concretos” foi realizada com esses profissionais, 4. Uso, abuso e dependência - Por que as pessoas usam drogas? 20
em parceria com a equipe do Centro de Referência Quais as formas de uso?
para Assessoramento e Educação em Redução de
apresentação
Danos de Porto Alegre, RS. Para maior clareza e 5. O que é preciso saber para abordar um usuário de álcool e outras drogas? 30
facilidade, os levantamentos realizados na oficina
encontram-se presentes na cartilha sob a forma de 6. Como abordar a família de um usuário de álcool e outras drogas? 42
perguntas e respostas.
7. Possibilidades de ações e de tratamento 50
É importante esclarecer que esta cartilha não
pretende, de forma alguma, esgotar e esclarecer 8. Aprendendo com a realidade de alguns casos 58
todas as dúvidas, mas oferecer informações e
ferramentas que orientem este delicado trabalho 9. Rede de Serviços de Saúde Mental 64
que suscita tantos receios e incertezas.
9.1 Área Programática 2.1
9.2 Área Programática 3.1
Vale destacar que, para ter qualidade, o trabalho
9.3 Área Programática 3.3
não precisa abrir mão de questionamentos,
pois, de fato, são eles que tornam a prática mais
Bibliografia consultada 98
potente e viva.
4. 1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos
1. Conhecendo a
estratégia de 1980 – A partir dos anos 80, a
redução de danos surge de forma
redução de danos sistematizada em programas de saúde.
Inicialmente, objetivando reduzir a
contaminação pela hepatite B entre
O que significa Redução de Conhecendo um pouco da história usuários de drogas injetáveis (UDI) e,
Danos? da Redução de Danos posteriormente, pela contaminação
É uma estratégia da Saúde Pública Parte-se da idéia de que a saúde é um pelo HIV.
que busca minimizar as consequências direito fundamental do ser humano, 1926
adversas do consumo de drogas devendo o Estado prover as condições
do ponto de vista da saúde e dos indispensáveis ao seu pleno exercício.
seus aspectos sociais e econômicos
sem, necessariamente, reduzir esse
Ações e serviços para a promoção,
proteção e recuperação voltados aos Linha do tempo 1980
consumo. usuários de drogas e suas famílias têm
1926 - Na Inglaterra, surgiram as
sido viabilizados e garantidos.
primeiras sementes do conceito de
“redução de danos”. Um grupo
Redução de Danos implica em intervenções Muitas são as histórias de construção
de médicos definiu, no Relatório
singulares, que podem envolver o uso deste trabalho e o seu conhecimento
de Rolleston, que a maneira mais
protegido, a diminuição do uso da droga, e apropriação contribuirão bastante
adequada de tratar dependentes de
para o fortalecimento de suas ações
a substituição por substâncias que causem heroína e morfina era realizar uma
no território.
menos agravos ou até mesmo a abstinência. administração monitorada do uso hepatite B
dessas drogas, de forma a aliviar os HIV
sintomas de abstinência.
4 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 5
5. 1993 – O governo de Santos implantou 1995 – Em Salvador, Bahia, surge o 2004 – A Redução de Danos passa a
1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos
1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos
o primeiro projeto no Brasil, lançando primeiro Programa de Redução de ser vislumbrada como uma estratégia
mão da figura dos “redutores de Danos (PRD) do Brasil a realizar troca na Política de Atenção Integral a
danos” como agentes de promoção e de seringas. Depois deste, diversos Usuários de Álcool e Outras Drogas,
prevenção em saúde. programas e projetos de Redução de lançada pelo Ministério da Saúde.
Danos são implantados em estados
REDUTOR
brasileiros, consolidando-a como O foco dessa Estratégia Pública de
DE DANOS uma estratégia de atenção aos Saúde não se assenta exclusivamente
usuários de drogas. sobre os Programas de Redução de
1984 – Em Amsterdã, Holanda, surge Danos e as ações de trocas de seringas,
um programa experimental de troca 1998 – É sancionada, no estado de mas sim na constituição de ações de
Santos São Paulo, a primeira lei estadual que redução de danos que transversalizam
de seringas para os UDI.
legaliza a troca de seringas. os serviços da rede assistencial do
SUS, em especial, os serviços de saúde
mental (como os Centros de Atenção
Psicossocial - CAPS) e os serviços de
1984 1989 1993 1995 1998 2004 atenção primária à saúde (como a
1989 – No município de Santos (São Estratégia Saúde da Família).
Paulo), ocorreu a primeira tentativa
no Brasil de implantação do programa
de redução de danos. Impedidos de
Esta estratégia apresenta uma compreensão bastante
fornecer seringas para os UDI como
forma de evitar a contaminação pelo ampliada sobre o uso de álcool e outras drogas nas sociedades
vírus HIV, em função de uma ordem atuais, buscando diversificar as formas de lidar com o
judicial, os profissionais estimulavam des
infetante problema. Não se pauta exclusivamente na abstinência e na
o uso de hipoclorito de sódio para prescrição de “comportamentos adequados”.
a desinfecção de agulhas e seringas
reutilizadas.
6 Catilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 7
6. Há levantamentos estatísticos em Atualmente, qualquer pessoa, traba- promoção da vida das pessoas que
1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos
1. Conhecendo a Estratégia de Redução de Danos
relação à eficácia do trabalho de lhador ou cidadão tem sua participação usam drogas e de sua rede social e
Redução de Danos? no sentido de protagonizar a Redução afetiva.
Existem alguns levantamentos em de Danos nas práticas intersetoriais de
nível municipal, estadual e nacional
que confirmam a resolubilidade e a
contribuição dessa estratégia.
2006 Entretanto, a colaboração maior se
dá no aspecto qualitativo do processo
de trabalho, que confere um estatuto Clínica
2006 – A divulgação e implementação cidadão às pessoas que usam drogas. da Família
da Política Nacional de Promoção
da Saúde veio reforçar as ações de Quais os profissionais que formam
atenção ao usuário de drogas. A a equipe de Redução de Danos?
intersetorialidade e a atenção integral De início, pessoas que usavam drogas
são importantes elementos para a ou pessoas próximas e familiarizadas
concretização desta política. com o universo do uso, abertas
Pensar Redução
à linguagem e às dimensões de
de Danos é
Preconiza-se o desenvolvimento de realidade, realizavam o trabalho de
pensar qualidade
iniciativas preventivas e de redução redução de danos.
de vida.
de danos pelo consumo de álcool “Pensar Redução de Danos é pensar
e outras drogas que envolvam a práticas em saúde que considerem
co-responsabilização e autonomia a singularidade dos sujeitos, que AGE
NTE
COM
UNIT
da população.
ÁRIO
valorizem sua autonomia e que tracem DE
SAÚ
DE
Pessoas usuárias de drogas têm direito planos de ação que priorizem sua
à saúde como qualquer outra. qualidade de vida.” (VINADÉ, 2009,
p. 64).
8 Catilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 9
7. 2. O papel da equipe de Saúde da Família
2. O PAPEL DA EQUIPE DE
SAÚDE DA FAMÍLIA NA
ATENÇÃO aos USUÁRIoS DE
ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS
No que tange aos usuários de álcool e
outras drogas, a Estratégia Saúde da
Família tem ocupado um papel cada vez
Próximo ao território, mais importante. A proximidade que o
perto dos usuários. território e a população proporcionam Apostando que a produção de As equipes de Saúde da Família devem
para as equipes de Saúde da Família saúde está relacionada com a vida se preparar para acolher o usuário de
abre espaço para o efetivo processo comunitária, a formação de vínculos drogas primeiramente desenvolvendo
de construção de saúde das pessoas e e os hábitos sociais, a Saúde da um trabalho pautado no vínculo e na
das comunidades. Família trabalha com a perspectiva confiança, elementos fundamentais
da qualidade de vida no território para a adesão ao tratamento. A
A Estratégia Saúde da Família é onde a vida acontece. Sendo assim, vulnerabilidade e a marginalidade
operacionalizada mediante a implan- as equipes de SF ocupam um lugar que acompanham o dependente
tação de equipes multiprofissionais especial nas políticas sobre drogas, químico podem tornar-se barreiras
em unidades de saúde, tendo como pois trabalham nas comunidades, intransponíveis se não manejadas com
máximo recomendado o equivalente diretamente onde os conflitos da vida foco no acolhimento.
a quatro mil pessoas sob sua cotidiana acontecem, sendo a porta
responsabilidade para prestar atenção de entrada preferencial do Sistema
em saúde. Único de Saúde (SUS).
10 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 11
8. A visita mensal do ACS a um grupo a cena e partilhando os mesmos
2. O papel da equipe de Saúde da Família
2. O papel da equipe de Saúde da Família
de pessoas de uma determinada área conflitos e angústias.
proporciona que os sujeitos e famílias
que estão em maior risco sejam Ressalta-se a importância da atuação
AGEN
TE CO
MU
NITÁR
IO DE SA
ÚDE
MU
NITÁR
IO DE
SAÚD
E atendidos. Dentre essas pessoas, pode- dos Agentes Comunitários de Saúde
TE CO
AGEN
se citar as que não vão às consultas, no processo de construção do
as que não solicitam ajuda (como, por vínculo e da confiança necessários ao
exemplo, as que fazem uso prejudicial atendimento.
AGEN
TE CO
MU
NITÁ
RIO
DE
SAÚD
E
de drogas), as que sofrem atos de
violência e as que estão em risco de Os Agentes Comunitários de Saúde
AGENTE
suicídio. Ou seja, são as que mais podem mostrar às pessoas que usam
COMUNITÁR
drogas que os profissionais da
IO DE SAÚD
E
necessitam e não necessariamente
AGEN
TE CO
MU
NIT
ÁRIO
DE SAÚD
E
as que mais demandam (LANCETTI, Saúde da Família são agentes de
2006). saúde e não agentes da justiça ou
ACS: profissionais que são o elo entre da repressão.
a Saúde da Família e a população. Qual a conexão entre a Redução
de Danos e a Estratégia Saúde
da Família?
Então, no que diz respeito à questão Os Agentes Comunitários de Saúde A participação da Estratégia
do álcool e outras drogas, é inegável (ACS): Saúde da Família na construção
o papel das equipes de Saúde da São profissionais da equipe de SF e implementação de ações de
Família: (moradores da própria comunidade) cuidado à saúde de usuários de
• na prevenção do uso prejudicial e que atuam como elo entre a SF e drogas é fundamental, uma que vez
dos riscos a ele associados; a população. Os ACS, por serem que são as equipes que conhecem TEN. SILVA
• na promoção da saúde; e residentes na comunidade e por
AGEN
profundamente a realidade local.
TE CO
MU
NIT
ÁRIO
DE
SAÚD
E
• no tratamento dos problemas trabalharem no território, se destacam Diariamente, os profissionais da
relativos ao uso, abuso e dependência pelo contato com os casos de uso de Saúde da Família convivem com os
química. álcool e outras drogas. usuários no território, compondo
12 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 13
9. 2. O papel da equipe de Saúde da Família
2. O papel da equipe de Saúde da Família
Sob esta perspectiva, pode-se
Lembre-se
visualizar que a interface entre a
Redução de Danos e as equipes
de Saúde da Família aponta
interessantes possibilidades de
O uso de drogas –
criação, como (VINADÉ, 2009):
principalmente as ilícitas –
• o trabalho pautado no vínculo;
• a existência de uma equipe é uma condição clandestina, Vínculo e confiança são os canais de aproximação.
heterogênea;
• a articulação intersetorial; e pela qual as pessoas não
• a existência do Agente Comunitário
querem ser identificadas Como enfrentar esses desafios? Este medo faz com que muitas pessoas
de Saúde (ACS).
Muitas pessoas que usam drogas que usam drogas não procurem seus
ou rotuladas. O medo de procuram a equipe de Saúde direitos, como se tivessem que abdicar
Em contrapartida, revela desafios,
da Família, mas nem sempre os da condição de cidadãos e aceitar a
tais como: sofrer retaliações as afastam
profissionais conseguem identificá- condição de marginalidade. Nesse
• a proximidade do território, que da possibilidade de buscar las. Isso porque, em geral, as pessoas sentido, a Saúde da Família torna-se
impõe a relação com a violência e o sentem dificuldade de falar sobre si um campo potente de intervenções,
tráfico;
atendimento, agravando com outra pessoa, se não houver um pois possibilita que essas pessoas
• o sentimento de despreparo e vínculo e uma relação de confiança conheçam a sua equipe de saúde, o
seu estado de saúde física, estabelecidos. seu ACS, e criem laços de confiança,
frustração das equipes;
• a medicalização da vida; e identificando profissionais com os
psíquica e social.
• a necessidade de revisão cotidiana quais se sintam mais à vontade para
do conceito de saúde. conversar.
14 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 15
10. 3. Imaginário social e preconceitos
3. IMAGINÁRIO SOCIAL
E preconceitoS
alcool
O uso de drogas não é “sem- construídos a partir do preconceito.
vergonhice”. O estigma e o Este preconceito aparece retratado em
preconceito ligados ao consumo de ideias como: “ele usa drogas porque b
drogas ilícitas baseiam-se na proibição
quer”; “ele é responsável por escolher
penal e na associação sistemática usar drogas”; “ele está perdido A
On C
dessas substâncias à miséria e ao mesmo”. Esses “chavões” fazem com de
h á pr .
crime organizado. que se acredite que não há como econ ajuda
ceito nã
o há possibilida de d e
ajudar um usuário de droga e que
O usuário de drogas é visto na só estaríamos realmente ajudando-o
nossa sociedade como uma pessoa quando ele resolvesse parar de usar a
improdutiva, marginal, fora da lei e droga (ESCOLA DE SAÚDE PÚBLICA, Não se pode reduzir o usuário de constituem esta pessoa, como, por
pouco confiável. Esses rótulos são 2004, p. 9). drogas à categoria de “drogadito”, exemplo, ser marido/esposa, mãe/pai,
pois, desta forma, esquecemos trabalhador/trabalhadora.
os muitos outros aspectos que
16 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 17
11. grrrrrrrrrrrr É verdade que filhos de pessoas uma relação de dependência com a
3. Imaginário social e preconceitos
3. Imaginário social e preconceitos
? alcoolistas têm tendência a ser droga, ocorrem, muitas vezes, perdas
Ele usa drogas
porque quer. também? significativas na sua vida, provocando,
Não necessariamente. O uso de drogas, assim, sentimentos de falta e solidão.
quando intenso e problemático, ao A carência sentimental tem relação
longo de uma trajetória de vida, com os modos de relação de nossa
pode deixar cicatrizes na história de sociedade neoliberal, competitiva e
um grupamento social
(como a família), mas ?
essas marcas podem drogas
Ele está perdido drogas
Por que a maioria das pessoas com relação às drogas legalizadas levar tanto à reprodução mesmo!
que usa drogas não assume que é (álcool, medicamentos, fumo etc.) quanto à superação da
viciada? experiência vivida.
Talvez porque a maioria das pessoas Os perigos relacionados ao uso
que usa drogas não seja “viciada”. de drogas não dependem da sua A pessoa usuária de
legalidade e sim da forma como a drogas é uma pessoa
As substâncias ilegais são mais droga é utilizada, em quais condições que tem algum tipo de carência individualista, que produz laços sociais
perigosas do que as legalizadas? e quem é o usuário. sentimental? frágeis, e o uso de drogas é mais um
Não necessariamente. O fato de a Tanto quanto qualquer outra pessoa. de seus efeitos. Assim, a carência
substância ser legal ou ilegal não tem As drogas naturais são menos Mas quando o usuário estabelece sentimental não atinge apenas as
relação direta com o perigo que ela perigosas que as drogas pessoas que
oferece. Há a tendência de se achar químicas? Com tantas ( ) drogas usam drogas.
opções, acabou
que substâncias como o álcool, Não. Substâncias obtidas a partir de escolhendo as
drogas! Imbecil!
que são legalizadas, não são tão plantas, como a cocaína, podem ser ( ) esporte
prejudiciais quanto às drogas ilegais. tão ou até mais perigosas que as
( ) estudo
Isso é um engano. Observa-se na drogas produzidas em laboratórios,
sociedade brasileira uma tolerância como o LSD. ( ) trabalho
18 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 19
12. 4. Uso, abuso e dependência
4. uso, abuso e dependência
por que as pessoas
usam drogas?
quais as formas de uso?
O consumo de drogas não é uma Quais os motivos que levam uma
prática que nasceu nos dias de hoje. pessoa a tornar-se um usuário
Encontra-se presente há séculos, de drogas? Existem pessoas mais
sob diferentes formas, nas culturas suscetíveis à dependência de
tanto ocidentais quanto orientais. O álcool e drogas?
uso de substâncias, lícitas ou ilícitas, Os motivos que levam uma pessoa
está vinculado aos rituais religiosos, a usar ou não drogas são complexos Entender o uso de drogas não deve • o contexto social: constituído
à busca do prazer, ao alívio da dor e múltiplos. Existem aspectos se limitar à ideia de certo ou errado pelas normas legais e morais, pelos
e à aceitação social, dentre outras individuais, familiares e coletivos ou da compreensão de que é apenas valores e pelas relações estabelecidas
situações. Em diferentes contextos envolvidos. Não é possível identificar doença ou caso de polícia. Deve-se na coletividade; e
históricos, o uso de drogas para apenas uma causa. Caso contrário, considerar todo o contexto em que se
alterar os sentidos sempre foi uma corre-se o risco de uma visão dá o uso, considerando três fatores: • a droga: considerar seus efeitos, se
das necessidades humanas. reducionista e simplista, que leva a é lícita ou ilícita, a frequência de uso
soluções mágicas e irreais. Ou seja, • a pessoa: seu jeito de ser e sua e o lugar que a droga ocupa na vida
não resolutivas. história familiar; da pessoa.
20 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 21
13. Para se conhecer os motivos que levamÉ importante que se esclareça: nem sendo consumida diariamente. Ela s para uma q
4. Uso, abuso e dependência
õe ue
4. Uso, abuso e dependência
a pessoa a usar drogas, é necessário todo uso de droga é problemático. A pode tanto fazer parte da sua vida, s
lex
tã
ref
desacomodar, sair de velhas e fixas maioria das pessoas que usam drogas não oferecendo prejuízos, como
oa
verdades e estar aberto para novas não sofre maiores consequências. também demonstrar que algo não vai
ntig
Novas
visões e reflexões. Basta olhar em volta ou para nós bem. Neste caso, o usuário passa a
a.
mesmos: todos nós consumimos não investir mais em seus interesses,
Quando um usuário passa a ser de- algum tipo de droga, mesmo que podendo haver perdas afetivas e
pendente e quando ele se torna inca- lícita, como o café, o jogo, a internet, materiais; e
paz de responder pelos seus atos? e a televisão, entre outros. E isso
Experimentação, uso, abuso e não chega a ser necessariamente • uso dependente: a droga deixa
dependência são possibilidades de preocupante, não é verdade?! de ser um objeto de prazer e passa
relação com a droga. É um processo a representar uma necessidade. O sentimento pode passar, se transformar
indivíduo passa a priorizar o uso da ou até mesmo surgir outro alguém,
droga e deixa de lado o que antes lhe mas todas essas possibilidades não
Para cada tipo de uso, um tipo de cuidado. era importante, promovendo prejuízos acontecem da noite para o dia, não
físicos, emocionais e sociais. é verdade? Assim também é com o
singular e tem a ver com a história da Existem diferentes formas de uso? usuário de drogas dependente. Não
pessoa: a função que a droga exerce na Existem. O uso é classificado sob três Para melhor entender o que seria o há receita nem passe de mágica. É um
sua vida e o contexto em seus diversos formas: uso dependente, a comparação com caminho a ser percorrido com cada
âmbitos. Esses aspectos servem de o “apaixonamento” (situação que a pessoa usuária.
horizonte, organizam o pensamento, • uso recreativo/ocasional: refere- maioria das pessoas já viveu) parece
a escuta e auxiliam no delineamento se à experimentação, ao uso lúdico, interessante. Quando apaixonados, Quando uma pessoa pode ser
da demanda. Contudo, não são sem provocar prejuízos ao cotidiano por mais que se saiba que a pessoa considerada um alcoolista?
verdades absolutas, nem definitivas, da vida da pessoa. A droga representa enamorada talvez não combine com Ainda que este termo esteja muito
sobre o repertório de cuidados que é um objeto de prazer; o que se deseja, insiste-se nesta difundido na cultura, prefere-se e
possível ser criado junto com a pessoa escolha. O que interessa é saciar costuma-se nomear o alcoolista como
que usa drogas e com a sua rede social • uso habitual: a droga ganha um o sentimento de necessidade que uma pessoa que tem uma relação de
e afetiva. lugar especial na vida do sujeito, invade e atormenta. É claro que este dependência com o álcool. A origem
22 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 23
14. da palavra alcoolista refere-se à ideia • sintéticas: produzidas através
4. Uso, abuso e dependência
4. Uso, abuso e dependência
Algumas drogas são produzidas em
Atenção
de adoração, o que nem sempre está de manipulações químicas em
claro para a pessoa que vive esta laboratório, não dependendo de escala industrial, como as bebidas
situação. Então, o alcoolista pode ser substâncias vegetais ou animais como alcoólicas e o cigarro.
compreendido como uma pessoa que matéria-prima para a sua elaboração.
vive um momento de relação mais Ex.: LSD-25, ecstasy, calmantes e
dependente com o produto álcool. anfetaminas. 3. QUANTO AOS MECANISMOS abstinência pode levar à irritabilidade,
DE AÇÃO E EFEITOS: agressividade e grande compulsão
Existe alguma forma de 2. QUANTO À LEGALIDADE: pelo consumo (“fissura”). Exemplos:
classificação das drogas? • depressoras: causam redução anfetamina, cocaína, crack, cafeína e
Sim. As drogas podem ser classificadas • lícitas: tabaco, cafeína e álcool, que e lentificação do funcionamento nicotina; e
de três formas diferentes, a saber: são as drogas lícitas mais conhecidas do sistema nervoso central (SNC),
e de uso praticamente universal; e deixando as pessoas mais relaxadas. • alucinógenas: causam alterações no
1. QUANTO À ORIGEM: Em decorrência dessa lentificação, funcionamento cerebral, ocasionando
• ilícitas: sua produção, comércio e pode ocorrer sonolência (dependendo fenômenos de alteração da percepção
• naturais: provêm de certas plantas uso são considerados crime, sendo das doses ingeridas), dificuldades de sons, imagens, sensações táteis e
que contêm drogas. A matéria-prima proibidas por leis específicas. Ex.: nos processos de aprendizagem e do senso de espaço e tempo, podendo
é usada diretamente como droga ou maconha, cocaína e crack. memória, depressão, agressividade, levar a crises de pânico, delírios e
é extraída e purificada. Ex.: maconha, paranóia, dificuldades de coordenação alucinações. Esse conjunto de efeitos
cogumelos e trombeteira (consumidos A classificação sofre diferenças motora, problemas vasculares caracteriza um estado que os usuários
em forma de chá), ópio (derivado da conforme a época e a localidade. e digestivos. Exemplos: álcool, conhecem como “viagem”. Exemplos:
papoula do oriente), tabaco e folhas Enquanto que em nosso país é benzodiazepínicos, opiáceos (morfina LSD-25, maconha, ecstasy e algumas
de coca; permitido o uso do tabaco e do e codeína) e inalantes; espécies de cogumelos.
álcool (bem como na maioria dos
• semissintéticas: são resultados de países ocidentais), nos países de • estimulantes: causam aceleração A seguir são descritos os critérios para
reações químicas realizadas em labora- orientação muçulmana o consumo do funcionamento mental e modifi a avaliação do comprometimento no
tórios utilizando drogas naturais. Ex.: do álcool é proibido. cam o comportamento, provocando que se refere ao uso de drogas (RIO
cocaína, tabaco, heroína e álcool; e agitação, excitação e insônia. A GRANDE DO SUL, 2001, p.19-22).
24 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 25
15. COMPROMETIMENTO LEVE COMPROMETIMENTO MODERADO
4. Uso, abuso e dependência
4. Uso, abuso e dependência
Níveis de comprometimento CARACTERÍSTICAS Níveis de comprometimento CARACTERÍSTICAS
quanto à(ao): quanto à(ao):
• Motivação para mudança. Adesão ao tratamento • Relativa motivação para mudanças. Pouca conscientização da sua
Adesão ao tratamento • Conscientização da sua situação em relação à situação em relação à droga e das perdas socioeconômicas e relacionais.
droga e das perdas socioeconômicas e relacionais. • Algumas expectativas favoráveis em relação ao tratamento.
• Expectativa favorável ao tratamento. • Aceitação das orientações terapêuticas recebidas, mas com restrições e
• Aceitação das orientações terapêuticas questionamentos.
recebidas.
• Mantém relativa adesão e ambivalência na manutenção do tratamento.
Manutenção do tratamento Manutenção do tratamento
• Mantém boa adesão ao tratamento, apesar das • Alguns abandonos de tratamentos anteriores.
oscilações vivenciadas no transcorrer do processo
terapêutico. • Usuário(a) apresenta alterações de fase aguda provocada por uso
Estado físico recente de químicos, que denotam sintomas moderados de evolução
• Ausência de histórico de abandono de
tratamentos anteriores. incerta, gerando risco. Ex.: hipertensão arterial moderada, com presença
de arritmia.
Estado físico • Apresenta algumas alterações de fase aguda • Não mantém lucidez, orientação e coerência, mas permanece a dúvida
provocadas pelo uso recente de Substância se seria ocasionado por uso recente de SPA.
Psicoativa (SPA), mostrando intoxicação leve • As informações obtidas com o(a) usuário(a) são questionáveis, inclusive
e, consequentemente, sintomas leves (ex.: por parentes.
hipertensão arterial leve, sem arritmias). • Apresenta sintomas que podem ser de síndrome de abstinência, mas
• Mantém lucidez, orientação e coerência de não se sabe quando foi a última vez que usou SPA.
ideias e pensamento.
• Refere uso há muitos dias (mais de 10), mas não • Usuário(a) com comprometimento moderado a severo em relação ao
Estado psíquico
refere sintomas de abstinência. uso de drogas.
• As informações obtidas com o(a) usuário(a) são
• Usuário(a) possui estrutura familiar com relacionamento social, econô-
confirmadas por parentes. Situação social, familiar e legal
mico e emocional comprometido. Contudo, ainda há pessoas (com vínculo
• Usuário(a) com comprometimento leve a parental ou não) que se envolvem e buscam tratamento para ele(a).
Estado psíquico • Tem estrutura socioeconômica muito comprometida, dependendo
moderado em relação ao uso de drogas.
sempre dos outros para prover suas necessidades básicas.
Situação social, familiar e legal • Estrutura familiar razoavelmente estabelecida. • Atividade de trabalho (ou escolar) muito comprometida pelas faltas;
• Atividade de trabalho estável e/ou carreira baixa produtividade.
escolar preservada. • Mantém ainda níveis de relacionamento social (amigos, clubes, igrejas,
• Boa estrutura de relacionamento social (clubes, trabalho etc., de quem tenha se afastado e/ou separado).
igrejas, esportes e associações). • Teve ou tem algum envolvimento com o narcotráfico, mas a sua
• Não tem envolvimento com o narcotráfico nem participação ou saída não representa riscos. Não tem dívidas ou essas são
dívidas. facilmente contornáveis.
ATENÇÃO À SAÚDE INDICADA: Equipe de Saúde da Família, Ambulatório e CAPS. ATENÇÃO À SAUDE INDICADA: Assistência Domiciliar, Ambulatório, CAPS e Internação Hospitalar
26 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 27
16. No nível de comprometimento No nível de comprometimento grave,
4. Uso, abuso e dependência
4. Uso, abuso e dependência
COMPROMETIMENTO GRAVE
moderado, a equipe de Saúde da mesmo o usuário precisando do
cuidado mais intensivo de um serviço Níveis de comprometimento CARACTERÍSTICAS
Família não se desresponsabiliza pela
quanto à(ao):
situação. Além de prestar cuidados especializado, a equipe de Saúde da
Adesão ao tratamento • Ausência de motivação para mudanças.
domiciliares, deverá acompanhar a Família continua se responsabilizando • Falta de conscientização de sua situação em relação à droga e
saúde do usuário na unidade, como, pelo caso. Além de prestar cuidados das perdas socioeconômicas e relacionais.
• Não aceitação das orientações terapêuticas recebidas.
por exemplo, sua hipertensão arterial domiciliares, oferecerá atenção à sua
e dar apoio aos familiares. Ações de saúde física e prezará pelo vínculo Manutenção do tratamento • Dificuldades de aderência ao tratamento com várias tentativas
cuidado a esses usuários podem ser e acolhimento. Oferecerá também anteriores de busca de cuidados de saúde e abandono dos
mesmos.
realizadas pela equipe de SF, com o apoio aos familiares, sempre que
suporte de profissionais especialistas possível. Estado físico • Usuário(a) apresenta alterações de fase aguda provocadas por
uso recente de SPA, que configuram sintomas de gravidade,
em Saúde Mental, através de consultas gerando risco de vida. Ex.: arritmias cardíacas, dor abdominal,
e visitas conjuntas. crise convulsiva, anúria ou oligúira, vertigem e hemorragia
digestiva.
• Sintomas de overdose prenunciados.
• Usuário(a) em fase de abstinência, sintomático.
Estado psíquico • Usuário(a) com comprometimento moderado a severo em
dependência química. Também se enquadra nos diagnósticos de
alterações psiquiátricas.
• Usuário(a) tem situação familiar comprometida ou não conta
Situação social, familiar e legal
com a família.
• Ausência de estrutura socioeconômica, não podendo prover
moradia ou alimentação.
• Não possui atividade de trabalho ou escolar.
• Não tem vínculos de relacionamento social além dos
referenciados na busca e no uso de drogas.
• Tem envolvimento com o narcotráfico.
ATENÇÃO À SAUDE INDICADA: Assistência Domiciliar, Ambulatório Intensivo, CAPS
e Internação Hospitalar.
28 Cartilha de Redução de Danos Diminuir para Somar 29
17. Implica ainda, em considerar, no Para que uma abordagem flexível
um usuário de álcool e outras drogas?
5. O que é preciso saber para abordar
5. O QUE É PRECISO SABER momento do contato, as necessidades
e a possibilidade de construção do
aconteça de maneira efetiva, é
fundamental que o usuário de álcool
PARA ABORDAR UM plano de ação, em comum acordo
com o usuário.
e outras drogas se sinta bem acolhido
pelo Agente Comunitário de Saúde
USUÁRIO DE ÁLCOOL E e pelos demais profissionais da
As abordagens nesse campo se Estratégia Saúde da Família. O primeiro
OUTRAS DROGAS? desdobram nos seguintes objetivos: contato com a pessoa é extremamente
• propiciar ao usuário recreativo acesso importante, já que funciona como
às informações e alternativas de lazer reforço tanto do vínculo quanto da
e socialização na comunidade em que adesão ao processo de tratamento.
A abordagem em Redução de Danos
Vínculo sim não pode ser reduzida a uma técnica,
Acolher significa dar boas vindas e humanizar o atendimento.
mas sim a um modo de trabalho,
É um momento de reconhecimento da pessoa de forma empática,
pautado por uma ética da relação ou seja, colocando-se no lugar do outro.
baseada na autonomia, no diálogo e
na co-responsabilização profissional-
está inserido; e O acolhimento envolve os seguintes
usuário.
• proporcionar acesso às informações aspectos:
e orientações ao usuário habitual e ao • tratar os usuários e familiares com
Sob esta perspectiva, deve-se
dependente de drogas, criando um respeito; e
acrescentar o conceito de flexibili-
vínculo para que se sintam à vontade • promover uma relação de
dade na abordagem aos usuários de
para falar sobre aquilo que consideram proximidade entre equipe e paciente,
drogas. Isso significa facilitar o acesso
difícil. É importante que vejam a equipe evitando, contudo, um envolvimento
ao serviço de saúde e construir o
Intimidade não vínculo, utilizando propostas flexíveis
de Saúde da Família como parceira na íntimo.
melhoria de sua qualidade de vida e
com o usuário e sua rede social.
um local para se obter tratamento.
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