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Folhas de
OUTONO   Aquela questão me corroia por
dentro, sei que era uma menina de
apenas seis anos, e nem deveria me
preocupar com tal coisa, às vezes,
tentava me distrair com as bonecas de
pano que havia ganhado de Irmã
Caridade, uma bondosa freira de nossa
cidade, que havia recebido tal nome por
ajudar os menos favorecidos, como eu.
Folhas de
OUTONO
Mas só de pensar que, enquanto minha
mãe estava lá, trabalhando como se fosse
uma pobre escrava no século XVIII, em
troca de míseras migalhas de pão, e eu,
me divertindo, distraindo-me em meu
quarto, uma grande sensação de culpa
tomava meu pequeno coração.
Folhas de
OUTONO
Ás vezes escapava de casa enquanto
minha mãe estava a trabalhar, para ir
colher alguns grãos de café na pequena
chácara de um velho coronel nazista,
sobrevivente da segunda guerra mundial -
ele se gabava por ter atuado ao lado de
Adolf Hitler, na horrível perseguição aos
judeus – Lembro-me que aos finais das
tardes, quando o sol deixava o céu
somente para o brilho da lua, o senhor
coronel tocava um pequeno sino de prata
- que o acompanhava desde os tempos
de guerra
Folhas de
OUTONO
– e todos nós pegávamos nossos
pequenos cestos de palha, cheios de
grãos de café, e corríamos rumo a ele,
nos enfileirávamos, um ao lado do outro.
O senhor passava recolhendo o fruto de
nosso trabalho e nos recompensando
com míseras moedas, eu sempre soube
que aquilo era uma forma de exploração,
mas era a única forma de arranjar alguns
trocados e poder ajudar minha pobre
mãe.
Folhas de
OUTONO   Já era noite quando retornava à
minha casa, o cair das folhas secas e o
sedutor brilho da lua eram minhas únicas
companhias. Ao chegar a casa, vestia
minhas pequenas luvas de lã, para
esconder as mãos calejadas, sujas e
machucadas, causada pelo exaustivo
trabalho no campo. Após o jantar, me
isolava em meu quarto, e observava de
minha janela, as folhas alaranjadas e
secas das arvores canadenses caírem até
atingirem o solo,
Folhas de
OUTONO    Ao perceber que minha mãe já
estava a dormir, seguia até a cozinha e
colocava minhas poucas moedas ganhas
do coronel, em um pequeno vasilhame de
alumínio, onde minha mãe guardava
nossas poucas economias.
Folhas de
OUTONO    Sei que aquelas míseras moedas
não ajudariam relativamente em nada,
mas só de pensar que havia ajudado
minha pobre mãe, já me possibilitava
sentir a maravilhosa sensação de
encostar a cabeça em meu travesseiro e
ter um sono tranqüilo, fruto da limpa
consciência.
Folhas de
OUTONO    O sol nasce e seus luminosos
raios de luz tomam conta do céu, os
mesmos atravessam as folhas das
arvores canadenses, atingindo em
seguida minha janela, que sem cortina,
possibilita a luz atingir intensamente meu
quarto, que em poucos segundos, fica
totalmente alaranjado, era algo lindo para
mim.
Folhas de
OUTONO    Estava pronta para seguir até a
escola, mas na saída encontro minha
mãe, chorando sobre a mesa, tento
descobrir o porquê, perguntando-a o
motivo de sua angústia – algo obvio, pois
mal tínhamos algo para comer – ela tenta
disfarçar virando seu rosto para a
esquerda, e com um sinuoso gesto, seca
suas lagrimas, não respondendo minha
inconveniente pergunta.
Folhas de
OUTONO
Apesar da difícil situação que
passávamos, nunca havia visto minha
mãe chorando, pelo contrario, ela estava
sempre forte, remando contra a maré, que
de uma forma ou outra, nos engoliria em
breve. O que estava acontecendo? Era o
que eu também queria saber, às vezes
me assustava com o meu próprio “jeito
adulto” de pensar, culpa da vida, pois a
que nós levávamos, não permitia pensar
como uma menininha de seis anos.
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Cap 2

  • 1.
  • 2.
  • 3. Folhas de OUTONO Aquela questão me corroia por dentro, sei que era uma menina de apenas seis anos, e nem deveria me preocupar com tal coisa, às vezes, tentava me distrair com as bonecas de pano que havia ganhado de Irmã Caridade, uma bondosa freira de nossa cidade, que havia recebido tal nome por ajudar os menos favorecidos, como eu.
  • 4. Folhas de OUTONO Mas só de pensar que, enquanto minha mãe estava lá, trabalhando como se fosse uma pobre escrava no século XVIII, em troca de míseras migalhas de pão, e eu, me divertindo, distraindo-me em meu quarto, uma grande sensação de culpa tomava meu pequeno coração.
  • 5. Folhas de OUTONO Ás vezes escapava de casa enquanto minha mãe estava a trabalhar, para ir colher alguns grãos de café na pequena chácara de um velho coronel nazista, sobrevivente da segunda guerra mundial - ele se gabava por ter atuado ao lado de Adolf Hitler, na horrível perseguição aos judeus – Lembro-me que aos finais das tardes, quando o sol deixava o céu somente para o brilho da lua, o senhor coronel tocava um pequeno sino de prata - que o acompanhava desde os tempos de guerra
  • 6. Folhas de OUTONO – e todos nós pegávamos nossos pequenos cestos de palha, cheios de grãos de café, e corríamos rumo a ele, nos enfileirávamos, um ao lado do outro. O senhor passava recolhendo o fruto de nosso trabalho e nos recompensando com míseras moedas, eu sempre soube que aquilo era uma forma de exploração, mas era a única forma de arranjar alguns trocados e poder ajudar minha pobre mãe.
  • 7. Folhas de OUTONO Já era noite quando retornava à minha casa, o cair das folhas secas e o sedutor brilho da lua eram minhas únicas companhias. Ao chegar a casa, vestia minhas pequenas luvas de lã, para esconder as mãos calejadas, sujas e machucadas, causada pelo exaustivo trabalho no campo. Após o jantar, me isolava em meu quarto, e observava de minha janela, as folhas alaranjadas e secas das arvores canadenses caírem até atingirem o solo,
  • 8. Folhas de OUTONO Ao perceber que minha mãe já estava a dormir, seguia até a cozinha e colocava minhas poucas moedas ganhas do coronel, em um pequeno vasilhame de alumínio, onde minha mãe guardava nossas poucas economias.
  • 9. Folhas de OUTONO Sei que aquelas míseras moedas não ajudariam relativamente em nada, mas só de pensar que havia ajudado minha pobre mãe, já me possibilitava sentir a maravilhosa sensação de encostar a cabeça em meu travesseiro e ter um sono tranqüilo, fruto da limpa consciência.
  • 10. Folhas de OUTONO O sol nasce e seus luminosos raios de luz tomam conta do céu, os mesmos atravessam as folhas das arvores canadenses, atingindo em seguida minha janela, que sem cortina, possibilita a luz atingir intensamente meu quarto, que em poucos segundos, fica totalmente alaranjado, era algo lindo para mim.
  • 11. Folhas de OUTONO Estava pronta para seguir até a escola, mas na saída encontro minha mãe, chorando sobre a mesa, tento descobrir o porquê, perguntando-a o motivo de sua angústia – algo obvio, pois mal tínhamos algo para comer – ela tenta disfarçar virando seu rosto para a esquerda, e com um sinuoso gesto, seca suas lagrimas, não respondendo minha inconveniente pergunta.
  • 12. Folhas de OUTONO Apesar da difícil situação que passávamos, nunca havia visto minha mãe chorando, pelo contrario, ela estava sempre forte, remando contra a maré, que de uma forma ou outra, nos engoliria em breve. O que estava acontecendo? Era o que eu também queria saber, às vezes me assustava com o meu próprio “jeito adulto” de pensar, culpa da vida, pois a que nós levávamos, não permitia pensar como uma menininha de seis anos.