O artigo discute como a ideologia do apocalipse está presente no pensamento islâmico clássico e como o Estado Islâmico da Síria e do Iraque (Daech) usa essa ideologia para justificar suas ações. A autora argumenta que a ideia de um Califado islâmico transnacional ainda ecoa entre jovens muçulmanos em busca de identidade e significado.
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http://www.jornal.ceiri.com.brO retorno da Ideologia do Apocalipse*
Author : Leonam Guimarães - Colaborador Voluntário Sênior
Categories : ANÁLISES DE CONJUNTURA, ORIENTE MÉDIO
Date : 24 de novembro de 2015
Nos dias atuais, onde o terror do Daech (é preferível este nome ao de “Estado Islâmico”,
que ele não é) domina o noticiário, é muito útil a releitura do livro “Em nome de Deus”,
escrito por Karen Armstrong, ex-freira católica e renomada historiadora da religião
britânica. Nele, a autora busca levantar as origens do fundamentalismo nas três principais
religiões monoteístas: Cristianismo,Judaísmo e Islamismo. Lá encontraremos as fontes
que impulsionam o terrorismo de vertente religiosa.
O Daech tem a Síria como o campo de batalha final entre o Islã e seus inimigos. Esta
ideologia do Apocalipse está fortemente presente no pensamento islâmico clássico.
Como o Cristianismo, o Islamismo nasceu de um movimento messiânico que pregava a
iminência do Juízo Final. Os primeiros capítulos do Alcorão contem previsões
apocalípticas semelhantes às dos relatos bíblicos. O Dajjal, um messias impostor de um
olho só, equivalente do Anticristo do Novo Testamento, é figura central desta tradição.
Com pequenas variações, a maioria das versões prevê que a luta final terá lugar em
Damasco, quando Jesus, como um Messiasislâmico, retornará, matará os porcos,
destruirá o Dajjal e, finalmente, romperá a cruz, como símbolo de sua conversão.
Nas mentes jihadistas, todos os sinais desse apocalipse estão ocorrendo agora no
Oriente Médio. O Daech intitulou sua revista online como Dabiq, em referência a uma
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http://www.jornal.ceiri.com.brpequena cidade da Síria, perto da fronteira com a Turquia. Muitos hadith, crônicas dos
feitos e gestos do Profeta, associam essa cidade a uma batalha de Armageddon
islâmica, quando os muçulmanos viriam de Medina e venceriam os “romanos” (termo
aplicado ao Império Bizantino).
As semelhanças entre essa ideologia e as crenças dos cristãos fundamentalistas provem
de mitos primevos do Oriente Próximo. Há, porém, uma corrente messiânica do Islã que
prega a restauração do Califado, para a qual há equivalente cristão. Esse Califado seria
o verdadeiro “Estado Islâmico”, governado pela lei da Charia e por um Califa sucessor do
Profeta. Esse Califa concentraria tanto o poder político como o religioso. A ideia de que
um Califa aparecerá com a bênção de Deus está intimamente associada à batalha final
contra o mal.
Exceto nos primeiros dias do Islã e num breve período de início da Idade Média, o
Califado é uma instituição que nunca existiu efetivamente. No entanto, ele fornece um
modelo de governo muçulmano poderoso, baseado em fundamentos morais, jurídicos,
políticos, sociais e metafísicos muito diferentes daqueles em que o Estado Moderno
repousa.
No século XIX, os sultões otomanos renovaram a ideia do Califado, em resposta aos
direitos que os Czares russos e os Habsburgos austríacos julgavam ter sobre os cristãos
que viviam em terras otomanas. Se o Czar tinha direitos para os cristãos do Oriente
Médio e dos Balcãs, o sultão-califa poderia reivindicar os mesmos direitos sobre os
muçulmanos que viviam em terras cristãs.
A Primeira Guerra Mundial e as revoluções russa e turca, entretanto, sepultaram essa
ideia. Ataturk aboliu o Califado em 1924, encontrando pouca ou mesmo nenhuma
resistência. Ao mesmo tempo, os estados europeus dividiram entre si os territórios
otomanos, pondo fim a um império muçulmano transnacional de cinco séculos. Foi
justamente esse desmembramento que o Daech condenou abertamente no momento da
mediatizada remoção da fronteira entre Iraque e Síria, em 2014.
Enraizado numa cultura apocalíptica que lhe dá significado e propósito especial, a ideia de
um Islã transnacional, regido peloCalifado, parece encontrar um eco forte entre jovens
em conflito de identidade. Como o historiador britânico Norman Cohn aponta em seu
estudo pioneiro sobre o milenarismo (“Os fanáticos do Apocalipse”), desde sempre os
movimentos apocalípticos liderados por um líder carismático seduzem aqueles que se
sentem excluídos da sociedade ou que estão à procura de um novo sentido às suas vidas.
Sem dúvida esse é o caso de muitos dos sunitas discriminados e perseguidos pelo
governo xiita de Nouri al-Maliki, após a retirada dos americanos do Iraque, bem como
dos jovens europeus, em especial daqueles descendentes de imigrantes muçulmanos,
severamente atingidos pelo desemprego e falta de perspectivas de integração na
sociedade afluente dos países desenvolvidos onde nasceram.
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* Avaliação de Leonam dos Santos Guimarães: Doutor em Engenharia, Diretor de Planejamento,
Gestão e Meio Ambiente da Eletrobrás Eletronuclear e membro do Grupo Permanente de
Assessoria do Diretor-Geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
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