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Briefing
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Criação de projeto gráfico
para página de revista.
Público- alvo: profissionais,
estudantes e interessados em arte,
design, cinema.
Título da matéria:
A fonte da discórdia
Autor: Virgínia Postrel
Conceito
Conceito
O conceito formou-se a partir
de pesquisas sobre o design
modernista, somado a um dos
lemas de Herbert Bayer, designer
alemão e professor na Bauhaus...
“Os problemas de estilo e da expressão
individual deviam retroceder face à
“pureza da geometria” e às exigências
da funcionalidade.”
Referências
Referências
Layout final
Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia
E N T R E V I S T A
1 1
Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia
E N T R E V I S T A
2 2
E N T R E V I S T A
Tipo gráfico associado ao modernismo e
à falta de criatividade, Helvetica é tema de
documentário cult que tem causado polêmi-
ca no mundo todo. A Fonte da Discórdia
por Virginia Postrel
uando vai (e volta) de metrô para
seu trabalho na Plexifilm, uma
produtora de cinema e selo inde-
pendente de DVDs com sede no
Brooklyn [em Nova York], Gary
Hustwit vê a mesma coisa por toda parte:
a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está
coberto de Helvetica. Eu quis entender o
porquê disso”.
E não é apenas o metrô. Os números dos
táxis de Nova York também estão em Hel-
vetica. A fonte está presente nos formu-
lários de Imposto de Renda, nas caixas
do correio dos EUA e em caminhões da
ConEd [empresa de energia].
A fonte “sans serif” criada há 50 anos
[completos em 2007] é vista em inúmeras
logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota,
Energizer, Oral-B, Nestlé.
Quando você se dá conta de que a Hel-
vetica está em toda parte, diz Hustwit,
“não consegue deixar de pensar nisso”.
Para descobrir a razão da onipresença
dessa única fonte, Hustwit fez um docu-
mentário, seu primeiro como diretor (ele
já tinha produzido cinco documentários
sobre temas relacionados à música).
“Helvetica” estreou em março do ano
passado no festival de cinema South by
Southwest e, divulgado em grande parte
por sites voltados ao design e pelo boca-
a-boca, em pouco tempo se tornou suces-
so cult internacional. O DVD foi lançado
em novembro. Uma semana mais tarde,
Hustwit foi indicado ao prêmio Independent
Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que
a Ficção”.
Uma fonte tipográfica parece um tema
improvável para um filme, mas o tema
da Helvetica suscita reações fortes. Para
alguns designers, a fonte representa um
tipo de beleza transparente, racional e
moderna.
Para outros, ela é tediosa, opressiva e
empresarial demais. Hustwit usa a história
da Helvetica para relatar a história do de-
sign gráfico no pós-guerra e demonstrar
a eterna tensão estética entre o expres-
sivo e o clássico. Abaixo, ele explica seu
projeto. >
Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia
E N T R E V I S T A
3 3
Por que não um filme sobre a [fonte] Times New
Roman? Por que a Helvetica se impõe a tal ponto?
hustwit A Helvetica é uma questão que realmente polariza
opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que
gostam dela geralmente são pessoas interessadas no mo-
dernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam.
Ela se tornou símbolo do design gráfico modernista posterior
e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou
imensa popularidade mundial nos anos 1960.
Na década de 70, todo mundo que se rebelava contra isso
odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem
visual uniformizada, internacional, corporativa. Ainda existe
uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que
gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e os que
querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas.
A Helvetica é a linha divisória que separa esses dois lados.
Como se sente, pessoalmente, em relação à questão?
hustwit Acho que provavelmente me situo entre os moder-
nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados.
Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto daquele
estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto de
elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus.
Minha opinião não chega a ter muita importância no filme,
que funciona como vitrine para todos esses diferentes de-
signers gráficos e de fontes. Não gosto de documentários
feitos na primeira pessoa. Não me interessam as opiniões do
cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expres-
sas no documentário.
Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quan-
to “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende
quando se cria uma fonte?
hustwit Descobre-se que o trabalho dos designers de
fontes é espantosamente complexo. O nível de detalhe que
entra em todas as decisões tomadas
quando se cria uma fonte tipográfica é
simplesmente inacreditável. Que dis-
tância deve existir entre duas letras
diferentes quando elas aparecem lado
a lado, como, por exemplo, um tê em
maiúscula e um ó em minúscula? Que
distância aquele ó deve deslizar para
baixo da trave horizontal do tê?
É preciso tomar essas decisões para
cada par de letras que poderia ser
formado. É uma coisa capaz de en-
louquecer. Alguém como [o britânico]
Matthew Carter é mestre nesse assunto.
É uma daquelas formas de arte feitas por
pessoas completamente invisíveis.
É como se elas não quisessem que
seu trabalho fosse notado. Querem
apenas que as pessoas leiam a men-
sagem e compreendam o que o texto
diz, sem nenhum tipo de interferência
da fonte.
Quando as pessoas notam a fonte,
geralmente é porque há algo de erra-
do com ela: é difícil de ler ou as letras
estão próximas demais uma da outra.
O cinema está passando por algo
semelhante à transformação que
atingiu a tipografia no início dos
anos 90, com ferramentas digitais
barateando muito a produção e
distribuição. Existe algo que os
cineastas possam aprender
com o que aconteceu na
área das fontes?
hustwit A democratização da tecno-
logia, seja ela a tecnologia do design
gráfico ou a da cinematografia, é uma
faca de dois gumes. Ela abaixa as
barreiras de entrada, de modo que
muitos designers ou cineastas novos
podem se expressar.
Ao mesmo tempo, enche a paisagem
de muito lixo. Há algumas coisas in-
teressantes que o YouTube levou à
atenção de um público maior, mas, se
você pensar na porcentagem de coi-
sas no YouTube que valem a pena em
qualquer sentido cultural, verá que ela
é minúscula.
quais as pessoas dispõem hoje, uma
grande porcentagem delas ainda
opta por usar a Helvetica.
Como você financiou seu filme?
hustwit Foi financiado por meu próprio
dinheiro, meus cartões de crédito,
meus amigos e minha família. Uma
firma canadense de design chamada
Veer entrou como patrocinadora,
quanto o projeto já estava perto de
ser finalizado.
Teria custado muito mais fazer o
filme 20 anos atrás?
hustwit Provavelmente. Rodamos
60 horas de filme. Se tivéssemos
filmado com película de celulóide, o
custo teria sido maior. E o processo
de edição custa muito menos hoje.
Dá para fazê-lo num sistema Mac
sofisticado. A maior despesa ainda é
a que se tem com as pessoas -con-
seguir um bom diretor de fotografia,
um bom editor e bons técnicos de
som. Isso é algo que não muda. Se
você quer fazer um ótimo trabalho,
precisa chamar ótimas pessoas.
Você já sabe qual será seu próxi-
mo projeto?
hustwit Os filmes de música com os
quais trabalhei, e “Helvetica”, com
toda certeza, tratam da criatividade
-do processo criativo- e também da
comunicação. Acho que esses dois
temas vão reaparecer em meu pró-
ximo filme.
Nos últimos cinco a dez anos, per-
cebe-se uma tendência nas pessoas
em acharem que um documentário
precisa ser político para valer a pena.
Para mim, isso é lamentável. Há
esse outro lado do cinema documen-
tal que analisa a criatividade e outras
questões não ligadas à justiça social
ou à guerra, que são igualmente
merecedoras de análise. É como
se não pudéssemos ter literatura de
não-ficção, como se nunca pudésse-
mos ter romances. •
O trabalho envolvido na criação de um documentário é muito
maior do que pensa a maioria das pessoas quando assis-
tem a um programa de meia hora ou a um documentário de
uma hora na TV. É preciso muito mais trabalho em termos da
edição, do som, da fotografia e tudo o mais.
Você foi a 90 sessões de seu filme em todo o mundo,
algumas com públicos amplos e outras com platéias
formadas por designers gráficos. Quão diferentes
foram as reações? Quais eram as perguntas que faziam?
hustwit “Por que fazer um filme sobre uma fonte tipográfica?”
é a pergunta mais freqüente. O que acho da Helvetica, como
escolhi os designers que trabalham no filme: essas foram as
perguntas feitas com mais freqüência.
Mesmo quando mostramos “Helvetica” em festivais de cin-
ema em que o público era formado não por designers, mas
por pessoas que simplesmente gostam de documentários, a
reação foi a mesma.
Uma coisa que descobri foi que os estudantes de design
gráfico são exatamente iguais em todos os países -até sua
aparência é igual. Eles usam as mesmas roupas. É uma rede
verdadeiramente global de designers. Eu me senti como se
estivesse mostrando o filme 90 vezes diferente para o mesmo
grupo de pessoas.
Uma das coisas divertidas do filme é que ele mostra
tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita?
hustwit No cartaz da Copa do Mundo de Berlim. Estávamos
passando de carro, por acaso, olhamos para cima e vimos um
sujeito suspenso de cordas a 15 metros de altura, costurando
as letras gigantes em Helvetica no cartaz da Copa do Mundo,
que devia ter um quarteirão de comprimento. Quase todas as
imagens de Helvetica que filmamos em cidades foram encon-
tradas aleatoriamente, por puro acaso.
A meta era encontrar usos interessantes da fonte ou pessoas
interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi um
exemplo perfeito disso. Eu também queria encontrar a Helve-
tica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores
que encontramos.
O filme discute se a Helvetica pode continuar a ser
neutra, depois de ser tão usada.
hustwit É verdade que as fontes tipográficas vão acumulan-
do bagagem em decorrência de como são usadas. Quando
olho para a Helvetica, penso em em American Airlines.
Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo
usada há décadas, inclusive usada em excesso, mas, mes-
mo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns designers
gráficos jovens, muito voltados ao futuro, ainda a usam da
mesma maneira como ela era usada nos anos 1960.
Não consigo explicar por que, com os milhares de fontes das
Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia
E N T R E V I S T A
4 4
E N T R E V I S T A
Tipo gráfico associado ao modernismo e
à falta de criatividade, Helvetica é tema de
documentário cult que tem causado polêmi-
ca no mundo todo. A Fonte da Discórdia
por Virginia Postrel
uando vai (e volta) de metrô para
seu trabalho na Plexifilm, uma
produtora de cinema e selo inde-
pendente de DVDs com sede no
Brooklyn [em Nova York], Gary
Hustwit vê a mesma coisa por toda parte:
a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está
coberto de Helvetica. Eu quis entender o
porquê disso”.
E não é apenas o metrô. Os números dos
táxis de Nova York também estão em Hel-
vetica. A fonte está presente nos formu-
lários de Imposto de Renda, nas caixas
do correio dos EUA e em caminhões da
ConEd [empresa de energia].
A fonte “sans serif” criada há 50 anos
[completos em 2007] é vista em inúmeras
logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota,
Energizer, Oral-B, Nestlé.
Quando você se dá conta de que a Hel-
vetica está em toda parte, diz Hustwit,
“não consegue deixar de pensar nisso”.
Para descobrir a razão da onipresença
dessa única fonte, Hustwit fez um docu-
mentário, seu primeiro como diretor (ele
já tinha produzido cinco documentários
sobre temas relacionados à música).
“Helvetica” estreou em março do ano
passado no festival de cinema South by
Southwest e, divulgado em grande parte
por sites voltados ao design e pelo boca-
a-boca, em pouco tempo se tornou suces-
so cult internacional. O DVD foi lançado
em novembro. Uma semana mais tarde,
Hustwit foi indicado ao prêmio Independent
Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que
a Ficção”.
Uma fonte tipográfica parece um tema
improvável para um filme, mas o tema
da Helvetica suscita reações fortes. Para
alguns designers, a fonte representa um
tipo de beleza transparente, racional e
moderna.
Para outros, ela é tediosa, opressiva e
empresarial demais. Hustwit usa a história
da Helvetica para relatar a história do de-
sign gráfico no pós-guerra e demonstrar
a eterna tensão estética entre o expres-
sivo e o clássico. Abaixo, ele explica seu
projeto. >
Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia
E N T R E V I S T A
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Por que não um filme sobre a [fonte] Times New
Roman? Por que a Helvetica se impõe a tal ponto?
hustwit A Helvetica é uma questão que realmente polariza
opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que
gostam dela geralmente são pessoas interessadas no mo-
dernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam.
Ela se tornou símbolo do design gráfico modernista posterior
e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou
imensa popularidade mundial nos anos 1960.
Na década de 70, todo mundo que se rebelava contra isso
odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem
visual uniformizada, internacional, corporativa. Ainda existe
uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que
gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e os que
querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas.
A Helvetica é a linha divisória que separa esses dois lados.
Como se sente, pessoalmente, em relação à questão?
hustwit Acho que provavelmente me situo entre os moder-
nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados.
Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto daquele
estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto de
elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus.
Minha opinião não chega a ter muita importância no filme,
que funciona como vitrine para todos esses diferentes de-
signers gráficos e de fontes. Não gosto de documentários
feitos na primeira pessoa. Não me interessam as opiniões do
cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expres-
sas no documentário.
Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quan-
to “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende
quando se cria uma fonte?
hustwit Descobre-se que o trabalho dos designers de
fontes é espantosamente complexo. O nível de detalhe que
entra em todas as decisões tomadas
quando se cria uma fonte tipográfica é
simplesmente inacreditável. Que dis-
tância deve existir entre duas letras
diferentes quando elas aparecem lado
a lado, como, por exemplo, um tê em
maiúscula e um ó em minúscula? Que
distância aquele ó deve deslizar para
baixo da trave horizontal do tê?
É preciso tomar essas decisões para
cada par de letras que poderia ser
formado. É uma coisa capaz de en-
louquecer. Alguém como [o britânico]
Matthew Carter é mestre nesse assunto.
É uma daquelas formas de arte feitas por
pessoas completamente invisíveis.
É como se elas não quisessem que
seu trabalho fosse notado. Querem
apenas que as pessoas leiam a men-
sagem e compreendam o que o texto
diz, sem nenhum tipo de interferência
da fonte.
Quando as pessoas notam a fonte,
geralmente é porque há algo de erra-
do com ela: é difícil de ler ou as letras
estão próximas demais uma da outra.
O cinema está passando por algo
semelhante à transformação que
atingiu a tipografia no início dos
anos 90, com ferramentas digitais
barateando muito a produção e
distribuição. Existe algo que os
cineastas possam aprender
com o que aconteceu na
área das fontes?
hustwit A democratização da tecno-
logia, seja ela a tecnologia do design
gráfico ou a da cinematografia, é uma
faca de dois gumes. Ela abaixa as
barreiras de entrada, de modo que
muitos designers ou cineastas novos
podem se expressar.
Ao mesmo tempo, enche a paisagem
de muito lixo. Há algumas coisas in-
teressantes que o YouTube levou à
atenção de um público maior, mas, se
você pensar na porcentagem de coi-
sas no YouTube que valem a pena em
qualquer sentido cultural, verá que ela
é minúscula.
quais as pessoas dispõem hoje, uma
grande porcentagem delas ainda
opta por usar a Helvetica.
Como você financiou seu filme?
hustwit Foi financiado por meu próprio
dinheiro, meus cartões de crédito,
meus amigos e minha família. Uma
firma canadense de design chamada
Veer entrou como patrocinadora,
quanto o projeto já estava perto de
ser finalizado.
Teria custado muito mais fazer o
filme 20 anos atrás?
hustwit Provavelmente. Rodamos
60 horas de filme. Se tivéssemos
filmado com película de celulóide, o
custo teria sido maior. E o processo
de edição custa muito menos hoje.
Dá para fazê-lo num sistema Mac
sofisticado. A maior despesa ainda é
a que se tem com as pessoas -con-
seguir um bom diretor de fotografia,
um bom editor e bons técnicos de
som. Isso é algo que não muda. Se
você quer fazer um ótimo trabalho,
precisa chamar ótimas pessoas.
Você já sabe qual será seu próxi-
mo projeto?
hustwit Os filmes de música com os
quais trabalhei, e “Helvetica”, com
toda certeza, tratam da criatividade
-do processo criativo- e também da
comunicação. Acho que esses dois
temas vão reaparecer em meu pró-
ximo filme.
Nos últimos cinco a dez anos, per-
cebe-se uma tendência nas pessoas
em acharem que um documentário
precisa ser político para valer a pena.
Para mim, isso é lamentável. Há
esse outro lado do cinema documen-
tal que analisa a criatividade e outras
questões não ligadas à justiça social
ou à guerra, que são igualmente
merecedoras de análise. É como
se não pudéssemos ter literatura de
não-ficção, como se nunca pudésse-
mos ter romances. •
O trabalho envolvido na criação de um documentário é muito
maior do que pensa a maioria das pessoas quando assis-
tem a um programa de meia hora ou a um documentário de
uma hora na TV. É preciso muito mais trabalho em termos da
edição, do som, da fotografia e tudo o mais.
Você foi a 90 sessões de seu filme em todo o mundo,
algumas com públicos amplos e outras com platéias
formadas por designers gráficos. Quão diferentes
foram as reações? Quais eram as perguntas que faziam?
hustwit “Por que fazer um filme sobre uma fonte tipográfica?”
é a pergunta mais freqüente. O que acho da Helvetica, como
escolhi os designers que trabalham no filme: essas foram as
perguntas feitas com mais freqüência.
Mesmo quando mostramos “Helvetica” em festivais de cin-
ema em que o público era formado não por designers, mas
por pessoas que simplesmente gostam de documentários, a
reação foi a mesma.
Uma coisa que descobri foi que os estudantes de design
gráfico são exatamente iguais em todos os países -até sua
aparência é igual. Eles usam as mesmas roupas. É uma rede
verdadeiramente global de designers. Eu me senti como se
estivesse mostrando o filme 90 vezes diferente para o mesmo
grupo de pessoas.
Uma das coisas divertidas do filme é que ele mostra
tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita?
hustwit No cartaz da Copa do Mundo de Berlim. Estávamos
passando de carro, por acaso, olhamos para cima e vimos um
sujeito suspenso de cordas a 15 metros de altura, costurando
as letras gigantes em Helvetica no cartaz da Copa do Mundo,
que devia ter um quarteirão de comprimento. Quase todas as
imagens de Helvetica que filmamos em cidades foram encon-
tradas aleatoriamente, por puro acaso.
A meta era encontrar usos interessantes da fonte ou pessoas
interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi um
exemplo perfeito disso. Eu também queria encontrar a Helve-
tica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores
que encontramos.
O filme discute se a Helvetica pode continuar a ser
neutra, depois de ser tão usada.
hustwit É verdade que as fontes tipográficas vão acumulan-
do bagagem em decorrência de como são usadas. Quando
olho para a Helvetica, penso em em American Airlines.
Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo
usada há décadas, inclusive usada em excesso, mas, mes-
mo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns designers
gráficos jovens, muito voltados ao futuro, ainda a usam da
mesma maneira como ela era usada nos anos 1960.
Não consigo explicar por que, com os milhares de fontes das
Especificações
técnicas
Especificações
técnicas
Tipos utilizadas:
- Helvetica Regular, 75 Bold,
56 Italic e Extra Compressed
Boneca:
- Impresso em Couché 120 g/m²
- Colado sobre Papel Cartão cinza
- Colado sobre Papel Paraná 3mm
A fonte da discórdia: o documentário sobre Helvetica

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A fonte da discórdia: o documentário sobre Helvetica

  • 1.
  • 3. Briefing Criação de projeto gráfico para página de revista. Público- alvo: profissionais, estudantes e interessados em arte, design, cinema. Título da matéria: A fonte da discórdia Autor: Virgínia Postrel
  • 5. Conceito O conceito formou-se a partir de pesquisas sobre o design modernista, somado a um dos lemas de Herbert Bayer, designer alemão e professor na Bauhaus... “Os problemas de estilo e da expressão individual deviam retroceder face à “pureza da geometria” e às exigências da funcionalidade.”
  • 8.
  • 9.
  • 10.
  • 11.
  • 12.
  • 13.
  • 14.
  • 15.
  • 17. Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia E N T R E V I S T A 1 1
  • 18. Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia E N T R E V I S T A 2 2 E N T R E V I S T A Tipo gráfico associado ao modernismo e à falta de criatividade, Helvetica é tema de documentário cult que tem causado polêmi- ca no mundo todo. A Fonte da Discórdia por Virginia Postrel uando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma produtora de cinema e selo inde- pendente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê a mesma coisa por toda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está coberto de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso”. E não é apenas o metrô. Os números dos táxis de Nova York também estão em Hel- vetica. A fonte está presente nos formu- lários de Imposto de Renda, nas caixas do correio dos EUA e em caminhões da ConEd [empresa de energia]. A fonte “sans serif” criada há 50 anos [completos em 2007] é vista em inúmeras logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota, Energizer, Oral-B, Nestlé. Quando você se dá conta de que a Hel- vetica está em toda parte, diz Hustwit, “não consegue deixar de pensar nisso”. Para descobrir a razão da onipresença dessa única fonte, Hustwit fez um docu- mentário, seu primeiro como diretor (ele já tinha produzido cinco documentários sobre temas relacionados à música). “Helvetica” estreou em março do ano passado no festival de cinema South by Southwest e, divulgado em grande parte por sites voltados ao design e pelo boca- a-boca, em pouco tempo se tornou suces- so cult internacional. O DVD foi lançado em novembro. Uma semana mais tarde, Hustwit foi indicado ao prêmio Independent Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que a Ficção”. Uma fonte tipográfica parece um tema improvável para um filme, mas o tema da Helvetica suscita reações fortes. Para alguns designers, a fonte representa um tipo de beleza transparente, racional e moderna. Para outros, ela é tediosa, opressiva e empresarial demais. Hustwit usa a história da Helvetica para relatar a história do de- sign gráfico no pós-guerra e demonstrar a eterna tensão estética entre o expres- sivo e o clássico. Abaixo, ele explica seu projeto. >
  • 19. Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia E N T R E V I S T A 3 3 Por que não um filme sobre a [fonte] Times New Roman? Por que a Helvetica se impõe a tal ponto? hustwit A Helvetica é uma questão que realmente polariza opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que gostam dela geralmente são pessoas interessadas no mo- dernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam. Ela se tornou símbolo do design gráfico modernista posterior e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou imensa popularidade mundial nos anos 1960. Na década de 70, todo mundo que se rebelava contra isso odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem visual uniformizada, internacional, corporativa. Ainda existe uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e os que querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas. A Helvetica é a linha divisória que separa esses dois lados. Como se sente, pessoalmente, em relação à questão? hustwit Acho que provavelmente me situo entre os moder- nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados. Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto daquele estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto de elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus. Minha opinião não chega a ter muita importância no filme, que funciona como vitrine para todos esses diferentes de- signers gráficos e de fontes. Não gosto de documentários feitos na primeira pessoa. Não me interessam as opiniões do cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expres- sas no documentário. Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quan- to “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende quando se cria uma fonte? hustwit Descobre-se que o trabalho dos designers de fontes é espantosamente complexo. O nível de detalhe que entra em todas as decisões tomadas quando se cria uma fonte tipográfica é simplesmente inacreditável. Que dis- tância deve existir entre duas letras diferentes quando elas aparecem lado a lado, como, por exemplo, um tê em maiúscula e um ó em minúscula? Que distância aquele ó deve deslizar para baixo da trave horizontal do tê? É preciso tomar essas decisões para cada par de letras que poderia ser formado. É uma coisa capaz de en- louquecer. Alguém como [o britânico] Matthew Carter é mestre nesse assunto. É uma daquelas formas de arte feitas por pessoas completamente invisíveis. É como se elas não quisessem que seu trabalho fosse notado. Querem apenas que as pessoas leiam a men- sagem e compreendam o que o texto diz, sem nenhum tipo de interferência da fonte. Quando as pessoas notam a fonte, geralmente é porque há algo de erra- do com ela: é difícil de ler ou as letras estão próximas demais uma da outra. O cinema está passando por algo semelhante à transformação que atingiu a tipografia no início dos anos 90, com ferramentas digitais barateando muito a produção e distribuição. Existe algo que os cineastas possam aprender com o que aconteceu na área das fontes? hustwit A democratização da tecno- logia, seja ela a tecnologia do design gráfico ou a da cinematografia, é uma faca de dois gumes. Ela abaixa as barreiras de entrada, de modo que muitos designers ou cineastas novos podem se expressar. Ao mesmo tempo, enche a paisagem de muito lixo. Há algumas coisas in- teressantes que o YouTube levou à atenção de um público maior, mas, se você pensar na porcentagem de coi- sas no YouTube que valem a pena em qualquer sentido cultural, verá que ela é minúscula. quais as pessoas dispõem hoje, uma grande porcentagem delas ainda opta por usar a Helvetica. Como você financiou seu filme? hustwit Foi financiado por meu próprio dinheiro, meus cartões de crédito, meus amigos e minha família. Uma firma canadense de design chamada Veer entrou como patrocinadora, quanto o projeto já estava perto de ser finalizado. Teria custado muito mais fazer o filme 20 anos atrás? hustwit Provavelmente. Rodamos 60 horas de filme. Se tivéssemos filmado com película de celulóide, o custo teria sido maior. E o processo de edição custa muito menos hoje. Dá para fazê-lo num sistema Mac sofisticado. A maior despesa ainda é a que se tem com as pessoas -con- seguir um bom diretor de fotografia, um bom editor e bons técnicos de som. Isso é algo que não muda. Se você quer fazer um ótimo trabalho, precisa chamar ótimas pessoas. Você já sabe qual será seu próxi- mo projeto? hustwit Os filmes de música com os quais trabalhei, e “Helvetica”, com toda certeza, tratam da criatividade -do processo criativo- e também da comunicação. Acho que esses dois temas vão reaparecer em meu pró- ximo filme. Nos últimos cinco a dez anos, per- cebe-se uma tendência nas pessoas em acharem que um documentário precisa ser político para valer a pena. Para mim, isso é lamentável. Há esse outro lado do cinema documen- tal que analisa a criatividade e outras questões não ligadas à justiça social ou à guerra, que são igualmente merecedoras de análise. É como se não pudéssemos ter literatura de não-ficção, como se nunca pudésse- mos ter romances. • O trabalho envolvido na criação de um documentário é muito maior do que pensa a maioria das pessoas quando assis- tem a um programa de meia hora ou a um documentário de uma hora na TV. É preciso muito mais trabalho em termos da edição, do som, da fotografia e tudo o mais. Você foi a 90 sessões de seu filme em todo o mundo, algumas com públicos amplos e outras com platéias formadas por designers gráficos. Quão diferentes foram as reações? Quais eram as perguntas que faziam? hustwit “Por que fazer um filme sobre uma fonte tipográfica?” é a pergunta mais freqüente. O que acho da Helvetica, como escolhi os designers que trabalham no filme: essas foram as perguntas feitas com mais freqüência. Mesmo quando mostramos “Helvetica” em festivais de cin- ema em que o público era formado não por designers, mas por pessoas que simplesmente gostam de documentários, a reação foi a mesma. Uma coisa que descobri foi que os estudantes de design gráfico são exatamente iguais em todos os países -até sua aparência é igual. Eles usam as mesmas roupas. É uma rede verdadeiramente global de designers. Eu me senti como se estivesse mostrando o filme 90 vezes diferente para o mesmo grupo de pessoas. Uma das coisas divertidas do filme é que ele mostra tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita? hustwit No cartaz da Copa do Mundo de Berlim. Estávamos passando de carro, por acaso, olhamos para cima e vimos um sujeito suspenso de cordas a 15 metros de altura, costurando as letras gigantes em Helvetica no cartaz da Copa do Mundo, que devia ter um quarteirão de comprimento. Quase todas as imagens de Helvetica que filmamos em cidades foram encon- tradas aleatoriamente, por puro acaso. A meta era encontrar usos interessantes da fonte ou pessoas interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi um exemplo perfeito disso. Eu também queria encontrar a Helve- tica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores que encontramos. O filme discute se a Helvetica pode continuar a ser neutra, depois de ser tão usada. hustwit É verdade que as fontes tipográficas vão acumulan- do bagagem em decorrência de como são usadas. Quando olho para a Helvetica, penso em em American Airlines. Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo usada há décadas, inclusive usada em excesso, mas, mes- mo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns designers gráficos jovens, muito voltados ao futuro, ainda a usam da mesma maneira como ela era usada nos anos 1960. Não consigo explicar por que, com os milhares de fontes das
  • 20. Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia E N T R E V I S T A 4 4 E N T R E V I S T A Tipo gráfico associado ao modernismo e à falta de criatividade, Helvetica é tema de documentário cult que tem causado polêmi- ca no mundo todo. A Fonte da Discórdia por Virginia Postrel uando vai (e volta) de metrô para seu trabalho na Plexifilm, uma produtora de cinema e selo inde- pendente de DVDs com sede no Brooklyn [em Nova York], Gary Hustwit vê a mesma coisa por toda parte: a fonte Helvetica. O metrô, diz, “está coberto de Helvetica. Eu quis entender o porquê disso”. E não é apenas o metrô. Os números dos táxis de Nova York também estão em Hel- vetica. A fonte está presente nos formu- lários de Imposto de Renda, nas caixas do correio dos EUA e em caminhões da ConEd [empresa de energia]. A fonte “sans serif” criada há 50 anos [completos em 2007] é vista em inúmeras logomarcas: Sears, Fendi, Jeep, Toyota, Energizer, Oral-B, Nestlé. Quando você se dá conta de que a Hel- vetica está em toda parte, diz Hustwit, “não consegue deixar de pensar nisso”. Para descobrir a razão da onipresença dessa única fonte, Hustwit fez um docu- mentário, seu primeiro como diretor (ele já tinha produzido cinco documentários sobre temas relacionados à música). “Helvetica” estreou em março do ano passado no festival de cinema South by Southwest e, divulgado em grande parte por sites voltados ao design e pelo boca- a-boca, em pouco tempo se tornou suces- so cult internacional. O DVD foi lançado em novembro. Uma semana mais tarde, Hustwit foi indicado ao prêmio Independent Spirit na categoria “Mais Verdadeiro que a Ficção”. Uma fonte tipográfica parece um tema improvável para um filme, mas o tema da Helvetica suscita reações fortes. Para alguns designers, a fonte representa um tipo de beleza transparente, racional e moderna. Para outros, ela é tediosa, opressiva e empresarial demais. Hustwit usa a história da Helvetica para relatar a história do de- sign gráfico no pós-guerra e demonstrar a eterna tensão estética entre o expres- sivo e o clássico. Abaixo, ele explica seu projeto. >
  • 21. Helvetica A Fonte da DiscórdiaHelvetica A Fonte da Discórdia E N T R E V I S T A 5 5 Por que não um filme sobre a [fonte] Times New Roman? Por que a Helvetica se impõe a tal ponto? hustwit A Helvetica é uma questão que realmente polariza opiniões dentro da comunidade do design. As pessoas que gostam dela geralmente são pessoas interessadas no mo- dernismo, e as que não gostam são pessoas que o rejeitam. Ela se tornou símbolo do design gráfico modernista posterior e do chamado estilo suíço, o estilo internacional que ganhou imensa popularidade mundial nos anos 1960. Na década de 70, todo mundo que se rebelava contra isso odiava a Helvetica, porque ela simbolizava uma linguagem visual uniformizada, internacional, corporativa. Ainda existe uma divisão entre designers, mesmo os jovens: há os que gostam daquele estilo clean, minimalista, racional, e os que querem que as coisas sejam mais emocionais e expressivas. A Helvetica é a linha divisória que separa esses dois lados. Como se sente, pessoalmente, em relação à questão? hustwit Acho que provavelmente me situo entre os moder- nistas. Nos últimos 20 anos, venho gostando dos dois lados. Meu pano de fundo está no punk rock, então gosto daquele estilo visual anarquista, detonado, mas também gosto de elementos gráficos “clean”, inspirados na Bauhaus. Minha opinião não chega a ter muita importância no filme, que funciona como vitrine para todos esses diferentes de- signers gráficos e de fontes. Não gosto de documentários feitos na primeira pessoa. Não me interessam as opiniões do cineasta. O que me interessa é o tema das opiniões expres- sas no documentário. Você mesmo desenhou algumas fontes um tanto quan- to “grunge” no início dos anos 1990. O que se aprende quando se cria uma fonte? hustwit Descobre-se que o trabalho dos designers de fontes é espantosamente complexo. O nível de detalhe que entra em todas as decisões tomadas quando se cria uma fonte tipográfica é simplesmente inacreditável. Que dis- tância deve existir entre duas letras diferentes quando elas aparecem lado a lado, como, por exemplo, um tê em maiúscula e um ó em minúscula? Que distância aquele ó deve deslizar para baixo da trave horizontal do tê? É preciso tomar essas decisões para cada par de letras que poderia ser formado. É uma coisa capaz de en- louquecer. Alguém como [o britânico] Matthew Carter é mestre nesse assunto. É uma daquelas formas de arte feitas por pessoas completamente invisíveis. É como se elas não quisessem que seu trabalho fosse notado. Querem apenas que as pessoas leiam a men- sagem e compreendam o que o texto diz, sem nenhum tipo de interferência da fonte. Quando as pessoas notam a fonte, geralmente é porque há algo de erra- do com ela: é difícil de ler ou as letras estão próximas demais uma da outra. O cinema está passando por algo semelhante à transformação que atingiu a tipografia no início dos anos 90, com ferramentas digitais barateando muito a produção e distribuição. Existe algo que os cineastas possam aprender com o que aconteceu na área das fontes? hustwit A democratização da tecno- logia, seja ela a tecnologia do design gráfico ou a da cinematografia, é uma faca de dois gumes. Ela abaixa as barreiras de entrada, de modo que muitos designers ou cineastas novos podem se expressar. Ao mesmo tempo, enche a paisagem de muito lixo. Há algumas coisas in- teressantes que o YouTube levou à atenção de um público maior, mas, se você pensar na porcentagem de coi- sas no YouTube que valem a pena em qualquer sentido cultural, verá que ela é minúscula. quais as pessoas dispõem hoje, uma grande porcentagem delas ainda opta por usar a Helvetica. Como você financiou seu filme? hustwit Foi financiado por meu próprio dinheiro, meus cartões de crédito, meus amigos e minha família. Uma firma canadense de design chamada Veer entrou como patrocinadora, quanto o projeto já estava perto de ser finalizado. Teria custado muito mais fazer o filme 20 anos atrás? hustwit Provavelmente. Rodamos 60 horas de filme. Se tivéssemos filmado com película de celulóide, o custo teria sido maior. E o processo de edição custa muito menos hoje. Dá para fazê-lo num sistema Mac sofisticado. A maior despesa ainda é a que se tem com as pessoas -con- seguir um bom diretor de fotografia, um bom editor e bons técnicos de som. Isso é algo que não muda. Se você quer fazer um ótimo trabalho, precisa chamar ótimas pessoas. Você já sabe qual será seu próxi- mo projeto? hustwit Os filmes de música com os quais trabalhei, e “Helvetica”, com toda certeza, tratam da criatividade -do processo criativo- e também da comunicação. Acho que esses dois temas vão reaparecer em meu pró- ximo filme. Nos últimos cinco a dez anos, per- cebe-se uma tendência nas pessoas em acharem que um documentário precisa ser político para valer a pena. Para mim, isso é lamentável. Há esse outro lado do cinema documen- tal que analisa a criatividade e outras questões não ligadas à justiça social ou à guerra, que são igualmente merecedoras de análise. É como se não pudéssemos ter literatura de não-ficção, como se nunca pudésse- mos ter romances. • O trabalho envolvido na criação de um documentário é muito maior do que pensa a maioria das pessoas quando assis- tem a um programa de meia hora ou a um documentário de uma hora na TV. É preciso muito mais trabalho em termos da edição, do som, da fotografia e tudo o mais. Você foi a 90 sessões de seu filme em todo o mundo, algumas com públicos amplos e outras com platéias formadas por designers gráficos. Quão diferentes foram as reações? Quais eram as perguntas que faziam? hustwit “Por que fazer um filme sobre uma fonte tipográfica?” é a pergunta mais freqüente. O que acho da Helvetica, como escolhi os designers que trabalham no filme: essas foram as perguntas feitas com mais freqüência. Mesmo quando mostramos “Helvetica” em festivais de cin- ema em que o público era formado não por designers, mas por pessoas que simplesmente gostam de documentários, a reação foi a mesma. Uma coisa que descobri foi que os estudantes de design gráfico são exatamente iguais em todos os países -até sua aparência é igual. Eles usam as mesmas roupas. É uma rede verdadeiramente global de designers. Eu me senti como se estivesse mostrando o filme 90 vezes diferente para o mesmo grupo de pessoas. Uma das coisas divertidas do filme é que ele mostra tantos usos diferentes da Helvetica. Qual é sua favorita? hustwit No cartaz da Copa do Mundo de Berlim. Estávamos passando de carro, por acaso, olhamos para cima e vimos um sujeito suspenso de cordas a 15 metros de altura, costurando as letras gigantes em Helvetica no cartaz da Copa do Mundo, que devia ter um quarteirão de comprimento. Quase todas as imagens de Helvetica que filmamos em cidades foram encon- tradas aleatoriamente, por puro acaso. A meta era encontrar usos interessantes da fonte ou pessoas interagindo com ela. A bandeira da Copa do Mundo foi um exemplo perfeito disso. Eu também queria encontrar a Helve- tica em letras grandes, e as do cartaz estão entre as maiores que encontramos. O filme discute se a Helvetica pode continuar a ser neutra, depois de ser tão usada. hustwit É verdade que as fontes tipográficas vão acumulan- do bagagem em decorrência de como são usadas. Quando olho para a Helvetica, penso em em American Airlines. Uma das coisas espantosas da Helvetica é que ela vem sendo usada há décadas, inclusive usada em excesso, mas, mes- mo assim, ainda a vemos por toda parte. E alguns designers gráficos jovens, muito voltados ao futuro, ainda a usam da mesma maneira como ela era usada nos anos 1960. Não consigo explicar por que, com os milhares de fontes das
  • 23. Especificações técnicas Tipos utilizadas: - Helvetica Regular, 75 Bold, 56 Italic e Extra Compressed Boneca: - Impresso em Couché 120 g/m² - Colado sobre Papel Cartão cinza - Colado sobre Papel Paraná 3mm