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SER OU NÃO SER
JORNALISTA
A imagem do jornalista
na cultura profissional
Teoria do Jornalismo - UNAERP
1° Semestre de 2008
Introdução
• Base do texto:
– “Ser ou não ser jornalista”, de Nelson Traquina (capítulo
1 do livro Teorias do Jornalismo, vol. II, Florianópolis,
Insular, 2005)
• Concepção de jornalismo que temos hoje em sociedades
democráticas (Ocidente): raízes no século XIX
• “Novo objetivo” deste século XIX: “fornecer informações e
não propaganda”
• Daí, temos a transição do publicismo para o jornalismo
• Que jornalismo é esse?
–Notícia como produto...
–... Um produto vendável, mas...
–... Um produto baseado nos fatos
• Traquina explica:
“Este novo paradigma será a luz que viu nascer valores que
ainda hoje são identificados com o jornalismo: as notícias, a
procura da verdade, a independência dos jornalistas, a
exatidão, e a noção do jornalismo como serviço público –
uma constelação de idéias que dão forma [a esse ´ser
jornalista`]”
pólo intelectual
• Nesse processo, jornalistas seguem a “tendência histórica
da profissionalização” pós-século XIX
• Dênis Ruellan:
– Se profissionalismo é o “processo de maturidade de um
grupo”...
– Logo, “há também um percurso em direção ao
reconhecimento de uma competência específica”
• Que “competência específica” é essa, dos jornalistas?
• Traquina responde:
“Os jornalistas professam; professam saber o que é
notícia e como escrevê-la.”
• Para isso, os jornalistas chamam para si duas formas de
monopólio, segundo Traquina:
• “Monopólio das perícias” (Wilensky, 1964)
• “Monopólio dos saberes” (Bourdieu, 1998)
• Assim, continua Traquina, os jornalistas, ao longo dos
últimos quase 200 anos, se esforçaram muito em evitar a
pergunta “o que são notícias?”
• Mas, formularam respostas claras para a pergunta “o que é
ser jornalista?”
• Essas respostas, diz Traquina, fornecem: “uma constelação
de crenças, mitos, valores, símbolos e representações (...)
um modo de ser/estar, um modo de agir, um modo de falar,
um modo de ver o mundo...”
Imediatismo
• Se o “campo jornalístico” fosse um país: “Novaslândia”
• Paisagem desse lugar marcada pela “presença de relógios”
• Traquina citando Weaver (1975/93):
“O fator tempo define o jornalismo (...) como ´relatos
atuais sobre acontecimentos atuais`”...
• Mais, ainda segundo Weaver:
“O fator tempo condiciona todo o processo de produção
das notícias porque o jornalismo é marcado por horas de
fechamento.”
• “O valor imediatismo reina incontestável” nesse país
“Novaslândia”, principalmente no mundo pós-internet
• Logo, “as notícias são vistas como um ´bem altamente
perecível`, valorizando assim a velocidade”
• Imediatismo (Traquina):
“definido como um conceito temporal que se refere ao
espaço de tempo (dias, horas, segundos) que decorre entre
o acontecimento e o momento em que a notícia é
transmitida, dando existência a esse acontecimento.”
• Assim, notícias factuais: tão “quentes quanto possíveis”, de
preferência em “primeira mão” (furo)
• Notícia “fria” = “notícia velha”
• Philip Schlesinger (sociólogo britânico) sentencia:
– O valor do imediatismo é tão forte na cultura jornalística
que os “jornalistas têm uma relação fetichista” com o
tempo
• Empresa jornalística é uma “máquina do tempo”
(Schlesinger, 1993, citado por Traquina, 2005)
• Aqui, a pauta é o espaço para os “acontecimentos futuros”:
tentativa de impor ordem ao “caos da imprevisibilidade”
• Sociólogo Michael Schudson (1986) fala em jornalistas
como pessoas com “cronomentalidade”
• Mais, segundo Schlesinger (1977/1993): jornalistas são
membros de uma “cultura cronometrizada”
Competência profissional
• Fator central nessa relação com tempo: possuir aptidão de
“dominar o tempo”
• Notícia é imprevisível
– Acontece em qualquer lugar, em qualquer horário
– “Repórteres abandonam uma tarefa de repente para
fazer outra... Editores têm de tomar decisões rápidas...”
• Logo, ser jornalista, portanto, é ter capacidade de
“conquistar o tempo”, e “não ser vítima dele” (Traquina)
• Ericson, Baranek & Chan (1987), esta capacidade
pressupõe três tipos de saberes:
– “Saber de reconhecimento”
– “Saber de procedimento”
– “Saber de narração”
• “Saber de reconhecimento”: definir a notícia
– Tuchman (1972/93) fala em “capacidade secreta” que diferencia
o jornalista de outras pessoas
– Bourdieu (1998) fala em “óculos especiais”
• “Saber de procedimento”: habilidade em captar as notícias
(apuração) e achar suas fontes
• “Saber de narração”: saber “empacotar” essas notícias,
numa “narrativa noticiosa”
– “jornalês”: linguagem (sintaxe direta e concisa, voz ativa...)
• No caso do “saber de narração”, há outro aspecto a ser
levado em conta:
– “Inventário de discurso” (Bird & Dardenne, 1988): “cada notícia
sobre crime é escrita sobre o pano de fundo de outras histórias
sobre crime”
– Isso é a prática de colocar as “estórias novas” num “esqueleto
velho”
Maneira de agir
• Jornalistas são homens e mulheres de “ação”, não
“pensadores” (Phillips, 1976/1993)
“Os jornalistas são pragmáticos; o jornalismo é uma
atividade prática, continuamente confrontada com ´horas de
fechamento` e o imperativo de responder à importância (...)
do imediatismo. Não há tempo para pensar porque é
preciso agir.” (Traquina, 2005)
• Jornalistas próximos do bricoleur de Claude Lévi-Strauss
(Phillips, 1976)
• Daí a importância da reportagem, considerada a “essência
do jornalismo”, a “forma mais ´verdadeira` do ser jornalista”
“A prioridade que é dada à ação sobre a reflexão explica a
dificuldade que os jornalistas têm em responder a uma
pergunta tão central na sua atividade profissional – o que é
notícia [critérios de noticiabilidade no processo de
produção]” (Traquina, 2005)
• Tuchman (1972/93) chama isso de “conhecimento
sagrado”, que separa os jornalistas das “outras pessoas”
• Traquina: daí os jornalistas falarem em “faro para a notícia”
ou “nariz para a notícia” (gíria dos EUA)
Maneira de falar
• Jornalismo é também uma “prática discursiva”: “jornalês”
• Uma característica é a “qualidade de ser compreensível” a
um público heterogêneo
– Frases e parágrafos curtos
– Palavras simples (sem polissilábicos)
– Sintaxe direta e econômica
– Concisão
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• O “jornalês” deve provocar o “desejo de ser
lido/ouvido/visto”
• Pirâmide invertida (impresso): ordem decrescente da sua
“presumível importância”
• Reportagem de TV: estrutura com “princípio, meio e fim”
Maneira de ver
• Visão bipolar
– “mundo estruturado em pólos opostos: o bem e o mal, o pró e o
contra, etc”
• Unidade de análise: acontecimento (em detrimento da
problemática)
– a busca da novidade todos dias leva os jornalistas a se distanciar
da continuidade
– assim, fica “difícil estabelecer relações entre os acontecimentos”,
pois a notícia é uma “partícula da realidade” (foco)
• Por isso, jornalistas sofrem de miopia,a visão é
“temporalmente limitada”
• “O tempo das notícias é um tempo de vistas curtas”
(Patterson, 1997/2000)
• James Reston, NYT: reportagem é a “busca estimulante
atrás do agora”
• Isso privilegia o foreground (primeiro plano) em detrimento
ao background
• Ou seja, essência do (tele)jornalismo: superficialidade (Vera
Paternostro)
• Assim, diz Traquina:
“A notícia, como surge diariamente e como é concebida,
está em oposição radical à história. De fato, o sistema de
ciclos ao longo do dia noticioso tende para a abolição da
consciência histórica, criando uma perpétua série de
primeiros planos.”
• Arbex Júnior: o jornalismo despreza a contextualização, a
história
• Outra forma de ver dos jornalistas: privilegiar os indivíduos
nas “estórias”
• Venezuela x EUA, por exemplo, é resumido a Chaves x
Bush
• Uma última “maneira de ver”: gosto pelo drama (polêmica,
conflito)
Cultura profissional
• Traquina enumera 5 atributos considerados os mais
importantes:
– Mito do “cão de guarda”
– Mito do sacrifício
– Mito do furo e da “grande matéria”
– Mito do “grande repórter”
– Mito do “detetive” (“caçador”)
• Mito do “cão de guarda”
– Jornalistas como “servidores do público” que protegem cidadãos
contra abusos do poder
– “Quarto poder”: aquele que “vigia os outros poderes”, “doa a
quem doer”, jornalista como “herói do sistema democrático”
– Jornalista “independente do político, do poder”, que está acima
de tudo ao lado da verdade e “serve os cidadãos contra os
tiranos”
– [Crítica: “novos cães de guarda”, Daniel Hallin; e “jornalistas e
censores”, de Beatriz Kushnir]
• Mito do “sacrifício pessoal”
– “Efeitos nocivos que as longas, e (...) irregulares, horas da
profissão têm sobre as vidas particulares”: problemas de saúde,
casamentos desfeitos, família adiada...
– “jornalismo não é uma simples ocupação: é mais do que um
trabalho porque é uma vida”
– “jornalismo exerce-se sempre em clima de urgência; o jornalista
não tem tempo, não pode jantar em paz”
– [Cinema: “Primeira Página” (Billy Wilder. EUA, 1974) e “Jejum de
Amor” (Howard Hawks. EUA, 1940)]
• Mito do “furo” e da “grande reportagem”
– “compromisso total com a profissão, mesmo correndo risco de
vida”
– “grande estória é o momento de glória, o delírio profissional” e
compensa as “estórias de rotina”
– [Cinema: em “Jejum de Amor”, Hildy esquece do trem com o
marido em nome do furo // Em “A Montanha dos Sete Abutres”
(Billy Wilder. EUA, 1951), Chuck Tutum quase adoece até o
“grande acontecimento”. Quando ele ocorre, Chuck manipula e
frauda tudo para ter o monopólio do “furo”...]
• Mito da aventura e do “grande repórter”
– Elliott (1978): “a história do jornalismo tem sido escrita em grande
parte como a biografia dos grandes nomes que deixaram sua
marca na profissão”
– Repórteres de guerra ou correspondentes no estrangeiro
– Contracapa de um livro dos EUA: “À procura de ação, ele
encontrou-a nas selvas do Vietnã, nas ruas da Irlanda do Norte,
nos desertos do Oriente Médio...”
– [Cinema: “Os Gritos do Silêncio” (Rolland Joffé. Inglaterra,
1984)]
• Mito do jornalista como detetive
– Jornalismo investigativo
– Ungaro (1992): no “imaginário contemporâneo”, temos essas
duas figuras (jornalista detetive particular), “dois representantes
da solidão do homem moderno”, dois “bisbilhoteiros”
– Grande fonte de inspiração: Watergate, 1972-74 (“interesse
contrariado”)
– [Cinema: “Todos os Homens do Presidente” (Alan Pakula. EUA,
1976). Seriado “Crossing Jordan”]
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Ser ou não ser jornalista

  • 1. SER OU NÃO SER JORNALISTA A imagem do jornalista na cultura profissional Teoria do Jornalismo - UNAERP 1° Semestre de 2008 Introdução • Base do texto: – “Ser ou não ser jornalista”, de Nelson Traquina (capítulo 1 do livro Teorias do Jornalismo, vol. II, Florianópolis, Insular, 2005) • Concepção de jornalismo que temos hoje em sociedades democráticas (Ocidente): raízes no século XIX • “Novo objetivo” deste século XIX: “fornecer informações e não propaganda” • Daí, temos a transição do publicismo para o jornalismo • Que jornalismo é esse? –Notícia como produto... –... Um produto vendável, mas... –... Um produto baseado nos fatos • Traquina explica: “Este novo paradigma será a luz que viu nascer valores que ainda hoje são identificados com o jornalismo: as notícias, a procura da verdade, a independência dos jornalistas, a exatidão, e a noção do jornalismo como serviço público – uma constelação de idéias que dão forma [a esse ´ser jornalista`]” pólo intelectual
  • 2. • Nesse processo, jornalistas seguem a “tendência histórica da profissionalização” pós-século XIX • Dênis Ruellan: – Se profissionalismo é o “processo de maturidade de um grupo”... – Logo, “há também um percurso em direção ao reconhecimento de uma competência específica” • Que “competência específica” é essa, dos jornalistas? • Traquina responde: “Os jornalistas professam; professam saber o que é notícia e como escrevê-la.” • Para isso, os jornalistas chamam para si duas formas de monopólio, segundo Traquina: • “Monopólio das perícias” (Wilensky, 1964) • “Monopólio dos saberes” (Bourdieu, 1998) • Assim, continua Traquina, os jornalistas, ao longo dos últimos quase 200 anos, se esforçaram muito em evitar a pergunta “o que são notícias?” • Mas, formularam respostas claras para a pergunta “o que é ser jornalista?” • Essas respostas, diz Traquina, fornecem: “uma constelação de crenças, mitos, valores, símbolos e representações (...) um modo de ser/estar, um modo de agir, um modo de falar, um modo de ver o mundo...” Imediatismo • Se o “campo jornalístico” fosse um país: “Novaslândia” • Paisagem desse lugar marcada pela “presença de relógios” • Traquina citando Weaver (1975/93): “O fator tempo define o jornalismo (...) como ´relatos
  • 3. atuais sobre acontecimentos atuais`”... • Mais, ainda segundo Weaver: “O fator tempo condiciona todo o processo de produção das notícias porque o jornalismo é marcado por horas de fechamento.” • “O valor imediatismo reina incontestável” nesse país “Novaslândia”, principalmente no mundo pós-internet • Logo, “as notícias são vistas como um ´bem altamente perecível`, valorizando assim a velocidade” • Imediatismo (Traquina): “definido como um conceito temporal que se refere ao espaço de tempo (dias, horas, segundos) que decorre entre o acontecimento e o momento em que a notícia é transmitida, dando existência a esse acontecimento.” • Assim, notícias factuais: tão “quentes quanto possíveis”, de preferência em “primeira mão” (furo) • Notícia “fria” = “notícia velha” • Philip Schlesinger (sociólogo britânico) sentencia: – O valor do imediatismo é tão forte na cultura jornalística que os “jornalistas têm uma relação fetichista” com o tempo • Empresa jornalística é uma “máquina do tempo” (Schlesinger, 1993, citado por Traquina, 2005) • Aqui, a pauta é o espaço para os “acontecimentos futuros”: tentativa de impor ordem ao “caos da imprevisibilidade” • Sociólogo Michael Schudson (1986) fala em jornalistas como pessoas com “cronomentalidade” • Mais, segundo Schlesinger (1977/1993): jornalistas são membros de uma “cultura cronometrizada”
  • 4. Competência profissional • Fator central nessa relação com tempo: possuir aptidão de “dominar o tempo” • Notícia é imprevisível – Acontece em qualquer lugar, em qualquer horário – “Repórteres abandonam uma tarefa de repente para fazer outra... Editores têm de tomar decisões rápidas...” • Logo, ser jornalista, portanto, é ter capacidade de “conquistar o tempo”, e “não ser vítima dele” (Traquina) • Ericson, Baranek & Chan (1987), esta capacidade pressupõe três tipos de saberes: – “Saber de reconhecimento” – “Saber de procedimento” – “Saber de narração” • “Saber de reconhecimento”: definir a notícia – Tuchman (1972/93) fala em “capacidade secreta” que diferencia o jornalista de outras pessoas – Bourdieu (1998) fala em “óculos especiais” • “Saber de procedimento”: habilidade em captar as notícias (apuração) e achar suas fontes • “Saber de narração”: saber “empacotar” essas notícias, numa “narrativa noticiosa” – “jornalês”: linguagem (sintaxe direta e concisa, voz ativa...) • No caso do “saber de narração”, há outro aspecto a ser levado em conta: – “Inventário de discurso” (Bird & Dardenne, 1988): “cada notícia sobre crime é escrita sobre o pano de fundo de outras histórias sobre crime” – Isso é a prática de colocar as “estórias novas” num “esqueleto velho”
  • 5. Maneira de agir • Jornalistas são homens e mulheres de “ação”, não “pensadores” (Phillips, 1976/1993) “Os jornalistas são pragmáticos; o jornalismo é uma atividade prática, continuamente confrontada com ´horas de fechamento` e o imperativo de responder à importância (...) do imediatismo. Não há tempo para pensar porque é preciso agir.” (Traquina, 2005) • Jornalistas próximos do bricoleur de Claude Lévi-Strauss (Phillips, 1976) • Daí a importância da reportagem, considerada a “essência do jornalismo”, a “forma mais ´verdadeira` do ser jornalista” “A prioridade que é dada à ação sobre a reflexão explica a dificuldade que os jornalistas têm em responder a uma pergunta tão central na sua atividade profissional – o que é notícia [critérios de noticiabilidade no processo de produção]” (Traquina, 2005) • Tuchman (1972/93) chama isso de “conhecimento sagrado”, que separa os jornalistas das “outras pessoas” • Traquina: daí os jornalistas falarem em “faro para a notícia” ou “nariz para a notícia” (gíria dos EUA) Maneira de falar • Jornalismo é também uma “prática discursiva”: “jornalês” • Uma característica é a “qualidade de ser compreensível” a um público heterogêneo – Frases e parágrafos curtos – Palavras simples (sem polissilábicos) – Sintaxe direta e econômica – Concisão – Metáforas para incrementar a compreensão
  • 6. • O “jornalês” deve provocar o “desejo de ser lido/ouvido/visto” • Pirâmide invertida (impresso): ordem decrescente da sua “presumível importância” • Reportagem de TV: estrutura com “princípio, meio e fim” Maneira de ver • Visão bipolar – “mundo estruturado em pólos opostos: o bem e o mal, o pró e o contra, etc” • Unidade de análise: acontecimento (em detrimento da problemática) – a busca da novidade todos dias leva os jornalistas a se distanciar da continuidade – assim, fica “difícil estabelecer relações entre os acontecimentos”, pois a notícia é uma “partícula da realidade” (foco) • Por isso, jornalistas sofrem de miopia,a visão é “temporalmente limitada” • “O tempo das notícias é um tempo de vistas curtas” (Patterson, 1997/2000) • James Reston, NYT: reportagem é a “busca estimulante atrás do agora” • Isso privilegia o foreground (primeiro plano) em detrimento ao background • Ou seja, essência do (tele)jornalismo: superficialidade (Vera Paternostro) • Assim, diz Traquina: “A notícia, como surge diariamente e como é concebida, está em oposição radical à história. De fato, o sistema de ciclos ao longo do dia noticioso tende para a abolição da
  • 7. consciência histórica, criando uma perpétua série de primeiros planos.” • Arbex Júnior: o jornalismo despreza a contextualização, a história • Outra forma de ver dos jornalistas: privilegiar os indivíduos nas “estórias” • Venezuela x EUA, por exemplo, é resumido a Chaves x Bush • Uma última “maneira de ver”: gosto pelo drama (polêmica, conflito) Cultura profissional • Traquina enumera 5 atributos considerados os mais importantes: – Mito do “cão de guarda” – Mito do sacrifício – Mito do furo e da “grande matéria” – Mito do “grande repórter” – Mito do “detetive” (“caçador”) • Mito do “cão de guarda” – Jornalistas como “servidores do público” que protegem cidadãos contra abusos do poder – “Quarto poder”: aquele que “vigia os outros poderes”, “doa a quem doer”, jornalista como “herói do sistema democrático” – Jornalista “independente do político, do poder”, que está acima de tudo ao lado da verdade e “serve os cidadãos contra os tiranos” – [Crítica: “novos cães de guarda”, Daniel Hallin; e “jornalistas e censores”, de Beatriz Kushnir] • Mito do “sacrifício pessoal” – “Efeitos nocivos que as longas, e (...) irregulares, horas da
  • 8. profissão têm sobre as vidas particulares”: problemas de saúde, casamentos desfeitos, família adiada... – “jornalismo não é uma simples ocupação: é mais do que um trabalho porque é uma vida” – “jornalismo exerce-se sempre em clima de urgência; o jornalista não tem tempo, não pode jantar em paz” – [Cinema: “Primeira Página” (Billy Wilder. EUA, 1974) e “Jejum de Amor” (Howard Hawks. EUA, 1940)] • Mito do “furo” e da “grande reportagem” – “compromisso total com a profissão, mesmo correndo risco de vida” – “grande estória é o momento de glória, o delírio profissional” e compensa as “estórias de rotina” – [Cinema: em “Jejum de Amor”, Hildy esquece do trem com o marido em nome do furo // Em “A Montanha dos Sete Abutres” (Billy Wilder. EUA, 1951), Chuck Tutum quase adoece até o “grande acontecimento”. Quando ele ocorre, Chuck manipula e frauda tudo para ter o monopólio do “furo”...] • Mito da aventura e do “grande repórter” – Elliott (1978): “a história do jornalismo tem sido escrita em grande parte como a biografia dos grandes nomes que deixaram sua marca na profissão” – Repórteres de guerra ou correspondentes no estrangeiro – Contracapa de um livro dos EUA: “À procura de ação, ele encontrou-a nas selvas do Vietnã, nas ruas da Irlanda do Norte, nos desertos do Oriente Médio...” – [Cinema: “Os Gritos do Silêncio” (Rolland Joffé. Inglaterra, 1984)] • Mito do jornalista como detetive – Jornalismo investigativo – Ungaro (1992): no “imaginário contemporâneo”, temos essas duas figuras (jornalista detetive particular), “dois representantes da solidão do homem moderno”, dois “bisbilhoteiros”
  • 9. – Grande fonte de inspiração: Watergate, 1972-74 (“interesse contrariado”) – [Cinema: “Todos os Homens do Presidente” (Alan Pakula. EUA, 1976). Seriado “Crossing Jordan”] dúvidas?