Este documento apresenta uma série sobre escolas de atenção às diferenças com 3 objetivos principais: 1) discutir políticas e marcos legais para a educação inclusiva, 2) falar sobre atendimento educacional especializado, e 3) abordar práticas educacionais no contexto das diferenças. O texto introduz a série e enfatiza a importância de se construir uma cultura de inclusão e práticas inclusivas nas escolas.
1. ISSN 1982 - 0283
Escola de atenção às diferenças
Ano XX boletim 03 - Abril 2010
Secretaria Ministério da
de Educação a Distância Educação
2. Sumário
Escola de atenção às diferenças
Apresentação da série ........................................................................................................... 3
Rosa Helena Mendonça
Proposta da série Escola de atenção às diferenças ................................................................. 5
Rita Vieira de Figueiredo
Texto 1 – Políticas e marcos legais para a educação inclusiva
Construir a escola das diferenças – caminhando nas pistas da inclusão .............................. 14
Maria Teresa Eglér Mantoan
Texto 2 – Atendimento educacional especializado
Salas de Recursos Multifuncionais: espaço para o atendimento educacional especializado
nas redes públicas de ensino ................................................................................................ 23
Rosângela Machado
Texto 3 – Práticas educacionais no contexto das diferenças
Escola atenta às diferenças: gestão de redes e dos processos de ensino . ............................. 28
Maria Terezinha C. Teixeira dos Santos
3. Escola de atenção às diferenças
APRESENTAÇÃO DA SÉRIE
Rosa Helena Mendonça1
Eu desconfiava2
(...)
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais. 3
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
coisa.
Não é igual a nada.
Todo ser humano é um estranho
ímpar.
De forma a um tempo sensível e radical, como é pertinente à linguagem poética, Carlos Drum-
mond de Andrade nos fala talvez de solidão e, certamente, de singularidade. Afinal, todo ser
humano é uma individualidade que na convivência cotidiana com outros seres humanos, em
diversas esferas da vida social, vai desenvolvendo seus desejos e suas potencialidades.
E a escola é um dos espaços em que os ‘ímpares’ vão encontrar seus pares. Um lócus privile-
giado de convivência. E, acima de tudo, um espaço de equidade de oportunidades para todos.
1 Supervisora pedagógica do programa Salto para o Futuro/TV ESCOLA (MEC).
2 Igual – desigual, in ANDRADE, Carlos Drummond de. A paixão medida. Rio de Janeiro: Record, 2002.
4. Escola de atenção às diferenças, esse é o tema da série que o programa Salto para o Futuro, da
TV Escola, apresenta, propondo uma reflexão sobre a inclusão, não só para os professores da
Educação Básica, mas para toda a comunidade escolar, assim como para a própria sociedade.
A série, que conta com a consultoria da professora e pesquisadora Rita Vieira de Figueiredo
(UFC), nos três eixos temáticos que são apresentados, tanto nos textos desta publicação, como
nos programas televisivos que com ela dialogam, possibilita um debate que gira em torno de
políticas e marcos legais para a educação inclusiva, de atendimento educacional especializado
e de práticas educacionais no contexto das diferenças.
Esperamos, dessa forma, contribuir para a formação de professores e professoras que são os
profissionais que farão, na prática, as profundas mudanças necessárias para a inclusão escolar
de todos.
4
5. PROPOSTA DA SÉRIE
Escola de atenção às diferenças
Rita Vieira de Figueiredo1
A construção de uma escola de atenção às mento que permita a cada um desses grupos
diferenças demanda uma política de inclu- desenvolver um saber e um saber fazer em
são a ser implementada pelas redes de ensi- que se valorize a participação de cada um
no, com repercussões no interior da escola. como membro que contribui com as ações
A escola de atenção às diferenças mobiliza daquela comunidade educativa. Este mes-
seus profissionais para o desenvolvimento mo preceito deve ser observado no interior
de uma cultura de inclusão e uma prática de da sala de aula, espaço pedagógico em que
inclusão. O primeiro aspecto concebe a ideia cada aluno se constitui em sujeito de apren-
de que TODO aluno tem lugar assegurado dizagem que contribui efetivamente para a
na escola, o segundo reside na previsão e na elaboração de um saber que só tem sentido
organização de recursos humanos e mate- quando compartilhado por todos os mem-
riais que possibilitem a construção de práti- bros da classe. 5
cas pedagógicas que permitam a interação e
a participação dos alunos indistintamente. A A acessibilidade aos saberes escolares re-
construção dessa escola requer a colabora- quer uma verdadeira transformação no in-
ção entre os diversos agentes do meio esco- terior da escola. É dever das redes de ensino
lar, tais como os gestores e a equipe técnica, e das políticas públicas criar as condições
os professores da sala comum e os profes- para que a escola se transforme em espaço
sores do Atendimento Educacional Especia- verdadeiro de trocas que favoreçam o ato de
lizado. Esses profissionais devem aprender a ensinar e de aprender. Neste sentido, nosso
trabalhar juntos e a orquestrar seus esforços país ainda tem um importante caminho a
em favor do desenvolvimento de uma edu- percorrer para assegurar educação a todos
cação sintonizada com as necessidades dos os jovens, crianças, adultos e adolescentes
alunos e com as atuais demandas sociais que integram o sistema público de ensino.
que permeiam o interior da escola. Faz-se
necessário às redes de ensino conceberem De acordo com a nova Política de Educação
um modelo de formação e de acompanha- Especial na Perspectiva da Educação Inclusi-
1 Professora da Universidade Federal do Ceará. Consultora da série.
6. va os sistemas de ensino devem se organizar de se construir um ambiente acolhedor en-
para oferecer a TODAS as crianças não so- tre as crianças, contrapondo-se à punição e
mente o acesso e a permanência na escola, à repreensão. Em estudo por nós realizado
mas também, os serviços educacionais que (FIGUEIREDO, 2008) em uma escola pública
forem necessários para garantir a aprendi- em contexto de inclusão escolar, constata-
zagem escolar. A articulação entre o ensino mos que o tipo de convivência estabelecida
comum e a educação especial, sobretudo na classe independe da presença de alunos
através do atendimento educacional espe- com deficiência, bem como as dificulda-
cializado, visa à aprendizagem dos alunos des de inserção não estão relacionadas à
que se beneficiam desse serviço. Transfor- deficiência, mas à forma como a criança é
mar a escola significa criar as condições educada. No espaço da sala da aula a con-
para que TODOS os alunos possam atuar efe- vivência se torna mais harmoniosa quando
tivamente nesse espaço educativo, focando a professora consegue estabelecer com seu
as dificuldades do processo de construção grupo um ambiente no qual as crianças se
do conhecimento no ambiente escolar e não sentem seguras, respeitadas, acolhidas e
nas características particulares dos alunos. percebem o reconhecimento do outro sobre
as suas ações. Para isso, o professor deve ser
6
uma referência de segurança sobre a qual a
Em relação ao ambiente escolar favorável à
criança pode se apoiar, estabelecendo roti-
inclusão, Soodak (2003) sugere que este deve
nas de trabalho cotidiano da sala de aula,
contemplar a organização de um espaço no
assegurando a participação de todos os alu-
qual os alunos se sentem acolhidos, seguros
nos nas atividades da classe. Ainda no con-
e apoiados. A escola deve criar uma comu-
texto da convivência da classe, é importante
nidade inclusiva, promover o sentimento de
reconhecer que a criança é fonte de um sa-
pertença, facilitar a aproximação das crian-
ber e de uma cultura, logo ela participa da
ças, desenvolver a colaboração entre pais
construção de um saber coletivo, de modo
e professores e entre professores e outros
que a participação de cada aluno nas ativi-
membros da escola.
dades da classe é reconhecida pelos demais
colegas. O acolhimento é garantido quando
Bloom e Perlmutter (1999) acrescentam o professor faz o acompanhamento das es-
que problemas relacionados às dificuldades tratégias utilizadas pelas crianças em suas
nos comportamentos dos alunos devem ser aprendizagens, sendo capaz de ouvi-las, ma-
abordados como problemas que dizem res- nifestando interesse e afetividade por elas,
peito a toda a classe e não apenas ao pro- pelos seus sucessos, suas dificuldades, suas
fessor. Os autores ressaltam a importância preocupações. Estes aspectos dizem respei-
7. to diretamente à gestão da sala de aula, mas tarefa incontornável por parte do contexto
estão relacionadas também à gestão da es- escolar. De acordo com o autor, quatro prin-
cola. Esses dois aspectos se constituem ele- cípios devem fundamentar o trabalho do di-
mentos centrais na mudança de uma escola retor na perspectiva da construção de uma
que exclui para aquela que inclui. escola que inclui. O primeiro diz respeito à
manutenção de uma comunicação aberta
com o corpo docente da escola, bem como
A gestão da escola e a
estimular e intermediar a comunicação livre
atenção às diferenças
e honesta. Dentro deste princípio, ele enxer-
Mudanças na gestão da escola se configu- ga seis atividades que devem ser sugeridas
ram no sentido de torná-la mais democrá- aos professores: compartilhar experiências
tica e participativa para alunos, professores bem sucedidas, agendar tempo para plane-
e demais atores desse espaço pedagógico. jamento conjunto, registrar suas atividades,
Significa compartilhar projetos e decisões e suas preocupações e o modo como conse-
desenvolver uma política que compreenda o guiram resolvê-las, visitar outras institui-
espaço da escola como um verdadeiro cam- ções que tenham experiência no processo de
po de ações pedagógicas e sociais, no qual inclusão, coletar material de fontes diversas
sobre a temática da inclusão e, finalmente, 7
as pessoas compartilham projetos comuns,
cada um deles representando uma oportuni- comemorar cada acerto, como forma de va-
dade real de desenvolvimento pessoal e pro- lorizar as pequenas conquistas.
fissional. A gestão na escola inclusiva tem
O segundo princípio consiste em compar-
um caráter colaborativo que implica o de-
tilhar a liderança e estimular a troca de
senvolvimento de valores que mobilizam as
conhecimento. Empoderar os professores,
pessoas a pensarem, viverem e organizarem
fazendo-os capazes de compartilhar suas ex-
o espaço da escola, incluindo nele todos os
periências como professores especializados,
alunos.
de modo a estimular a união de forças e não
Segundo Hines (2008), a atuação da direção a concorrência entre eles. O terceiro princí-
é fundamental para o sucesso na transfor- pio refere-se ao estabelecimento de metas
mação de uma escola para uma perspectiva viáveis e objetivos comuns. Neste ponto, o
inclusiva. A ação da direção é importante autor reforça a ideia de trabalho conjunto
no sentido de guiar, estimular e facilitar a entre os professores do ensino comum e
colaboração entre os professores do ensino aquele(a) do ensino especial, sugerindo ati-
comum e entre estes e os professores espe- vidades que podem ser divididas ao mesmo
cializados, tendo o trabalho coletivo como tempo em sala de aula por todos eles. Por
8. fim, o autor reforça a importância de traba- aprendizagem, organizando os espaços, os
lhar mediante uma sistemática de resolução tempos e os agrupamentos pertinentes às
de conflitos. O diretor deve esforçar-se para suas propostas didáticas, constituindo-se
explorar de forma aprofundada as estraté- ele mesmo em mediador entre os conteúdos
gias de resolução dos conflitos que surgirão. escolares e aqueles trazidos pelos alunos. A
Ouvir cada professor, estimular a comunica- escola que está atenta à questão das diferen-
ção entre eles, esclarecer pontos de diver- ças dispensa grande relevância ao ensino e à
gência, deixando claro para cada um a fonte gestão da sala de aula, uma vez que a grande
do problema e sugerindo que cheguem a um marca dessa escola é a valorização do papel
ponto em comum que deve ser parte indis- social do aluno, quaisquer que sejam suas
pensável do trabalho de uma gestão esco- características, pois tem como referência
lar inclusiva. O aspecto da comunicação e o princípio da contribuição. Deste modo,
da colaboração também foi identificado por a classe do ensino regular se constitui em
Penaforte (2009) como fundamental no pro- um agrupamento no qual cada aluno deve
cesso de construção de uma escola inclusi- colaborar com o processo de construção do
va. A gestão compartilhada aumenta as pos- conhecimento dentro de suas possibilida-
sibilidades dos atores escolares assumirem des. A valorização do papel social do aluno
os projetos da escola como de todos, mini- só é possível na medida em que ele é reco- 8
mizando as dificuldades do contexto e aque- nhecido por seus pares como uma pessoa
las enfrentadas pelos alunos, favorecendo as que traz uma contribuição, mesmo que seja
mudanças necessárias para a gestão da sala modesta, ao desenvolvimento de saberes, de
de aula e, consequentemente, para as práti- saber-fazer e do saber ser coletivo. A criança
cas pedagógicas. Isto significa transformar percebe-se como um indivíduo que contri-
as práticas que temos hoje (na sua maioria bui para o desenvolvimento de saberes e do
pautadas no conceito de homogeneidade) saber-fazer coletivo e retira disso múltiplas
em práticas que atentem para as especifici- vantagens. Entretanto, essa participação
dades dos alunos. ativa do aluno com deficiência no contexto
da sala regular só é possível se o professor
perceber esse aluno como sujeito de apren-
A gestão da sala de aula na
dizagem e se conseguir organizar propostas
escola das diferenças didáticas que favoreçam essa participação.
A gestão da sala de aula corresponde à ca- A percepção de professores de classes regu-
pacidade do professor para orquestrar a lares a respeito de como eles organizam o
interação entre os alunos em situação de trabalho tendo em vista a presença de um
9. aluno com deficiência foi investigada por res consideram que o processo de inclusão
O’Donoghue e Chalmers (2000), que identifi- modifica a vida escolar e a relação com os
caram três categorias de comportamentos: demais membros da sua escola. Figueiredo
1) os que realizavam adaptações seletivas (2008) constatou que os(as) professores(as)
com ênfase na organização da sala de aula, em contexto de inclusão atribuem transfor-
2) os que realizam o trabalho dando ênfa- mações não somente na gestão da sala de
se às metodologias (estratégias) de ensino e aula mas também em sua vida pessoal. Es-
3) aqueles que baseavam suas modificações sas mudanças não se fazem de modo simi-
tendo como foco os conteúdos curriculares. lar nem nas crenças dos(as) professores(as)
Tais categorias foram definidas a partir da quanto às próprias capacidades de efetua-
forma como os professores elaboravam suas rem a mudança, nem nos aspectos de inves-
estratégias de manejo de sala de aula tendo timento dessa mudança. Alguns professores
nela um aluno com deficiência. De acordo aderem rapidamente e demonstram con-
com os autores, a adaptação das estratégias fiança na possibilidade de desenvolverem
de sala de aula utilizadas pelos professores uma pedagogia que contemple as diferenças
evoluíram nas seguintes etapas: 1) apresen- de todos os alunos. Outros, ao contrário,
tando uma certa resistência frente ao in- resistem a essa ideia. E há aqueles que vão
gresso do aluno; 2) analisando o impacto da se apropriando paulatinamente dessa con- 9
presença desse aluno na sua prática de sala cepção e aos poucos vão implementando
de aula e no seu trabalho como um todo e pequenas mudanças no ensino e na gestão
iniciando uma apreciação das alterações da classe. Os aspectos de investimento das
em sua atividade em sala para realização do mudanças também se diferenciam. Alguns
trabalho; os professores definitivamente en- atentam rapidamente para a organização da
gajam-se (ou não) no processo de inclusão classe e para as formas de agrupamento de
de seus alunos e nesta etapa eles definem seus alunos, outros priorizam o desenvolvi-
um ponto de vista e começam a racionalizar mento de atividades com diferentes propos-
sua execução; 4) os professores começam a tas didáticas que favoreçam as diversas pos-
identificar as práticas que deverão ser mo- sibilidades de aprendizagem por parte dos
dificadas para acomodar o aluno incluído, alunos e há aqueles que começam a trans-
desenvolvem estas práticas e reorganizam o formação pelo desenvolvimento da pedago-
trabalho de acordo com os resultados obti- gia de projetos. A autonomia dos alunos se
dos. E, por último, os professores fazem uma constitui no aspecto mais difícil a ser imple-
estimativa das mudanças realizadas em suas mentado pelos(as) professores (as) (FIGUEI-
salas e dos resultados positivos do trabalho. REDO, 2008b).
A pesquisa revela, ainda, que os professo-
10. Na escola que organiza as situações de ocorre quando um ou vários adultos, muitas
aprendizagem considerando as diferenças vezes um professor especializado, encontra-
dos alunos, o ensino e os apoios ao ensino se regularmente com o professor de sala de
se integram para orquestrar a aprendiza- aula para trocar informações sobre o pro-
gem, garantindo a participação efetiva dos gresso de estudante, avaliar a necessidade
alunos em todas as práticas educativas. Tais de adaptar ou complementar materiais e de
práticas se embasam na implementação solucionar problemas em conjunto. Essas
de um ensino que leve em conta as especi- ações certamente se constituem em estraté-
ficidades de cada sujeito e que faz apelo à gias eficientes para a gestão da sala de aula
cooperação entre os alunos em situação de que contempla todos os alunos da turma,
aprendizagem. O professor deve respeitar os permitindo ao professor seguir a evolução
diferentes ritmos de aprendizagem dos alu- do desenvolvimento das competências dos
nos, favorecendo a atividade conjunta entre alunos. Muitas outras formas de colabora-
alunos com e sem deficiência no momento ção são possíveis de serem implementadas
da realização de projetos comuns. A cola- no contexto de uma classe que vive o princí-
boração estabelecida entre os professores, pio da colaboração em detrimento da com-
conforme já descrita anteriormente, é outro petição e compreende o processo de cons-
aspecto que deve ser ressaltado também na trução do conhecimento como um processo 10
escola das diferenças. cooperativo, com o qual todos podem con-
tribuir, independentemente de limites ou
Thousand e Villa (2006) acrescentam que dificuldades.
quando os professores trabalham em coope-
ração no seu planejamento e em suas ati-
vidades práticas de ensino, eles tornam-se
Considerações finais
mais capazes de suprirem as necessidades Para finalizar, podemos concluir que a in-
específicas de seus alunos e podem cumprir clusão se traduz pela capacidade da esco-
melhor os objetivos propostos. Os autores la em dar respostas eficazes à diferença de
explicitam os diferentes modos de colaborar aprendizagem dos alunos, considerando o
e co-ensinar, inclusive tendo os estudantes desenvolvimento dos mesmos como priori-
como parceiros colaborativos. Esta colabo- tário. A prática da inclusão implica o reco-
ração pode ser efetivada: 1) pelo suporte na- nhecimento das diferenças dos alunos e a
tural do colega, como por exemplo quando concepção de que a aprendizagem é cons-
os colegas podem facilitar a comunicação, truída em cooperação a partir da atividade
ajudar na locomoção, dentre outras possi- do sujeito diante das solicitações do meio,
bilidades; 2) pelo suporte consultivo que tendo o sujeito de conhecimento como um
11. sujeito autônomo. O professor pode ampliar criminação. Neste cenário, a democratiza-
as possibilidades de aprendizagem do aluno ção do ensino e a inclusão escolar só serão
a partir de diferentes propostas didáticas, concretizadas quando os sistemas de ensino
as quais ele pode organizar no desenvolvi- garantirem educação de qualidade. Para que
mento das práticas pedagógicas. Para isso, é a nova política de inclusão se traduza em
importante refletir sobre os desafios do co- ações concretas no curso dos próximos anos
tidiano escolar. Este novo olhar e esta nova se faz necessário que o Brasil adote um con-
forma de atuar ampliam as possibilidades junto de ações que fortaleça a escola públi-
de desenvolvimento profissional e pessoal ca e, consequentemente, a ação pedagógica
do(a) professor(a). dos professores. A educação de qualidade
passa pela organização do sistema público
A Política Nacional de Educação Especial na de ensino, dos espaços escolares, da gestão
Perspectiva da Educação Inclusiva 01/2008 da escola e da sala de aula. A escola cumpri-
propõe a mudança de valores, de atitudes e rá seu papel de agência de formação quando
das práticas educacionais para atender a to- for capaz de EDUCAR todos os alunos e não
dos os estudantes, sem nenhum tipo de dis- apenas parte deles.
11
3
Textos da série ESCOLA DE ATENÇÃO ÀS DIFERENÇAS
A série Escola de atenção às diferenças tem como proposta discutir a inclusão escolar de crian-
ças com necessidades educacionais especiais, a partir de uma perspectiva filosófica e político-
cultural. Filosófica, porque parte do princípio de que o espaço da escola deve ser dado para
todas as crianças, independente de raça, cor, religião, condição social ou de desenvolvimento,
e político-cultural, porque visa à garantia do direito de todos os cidadãos de se beneficiarem
dos bens materiais e culturais da sociedade. A escola que inclui é a escola que acolhe e garante
o espaço de aprendizagem e de crescimento para todos os alunos. Nessa série serão discutidos
as políticas e os marcos legais para a educação inclusiva, o Atendimento Educacional Especia-
lizado e as tecnologias assistivas e, ainda, a formação de professores e práticas educacionais
no contexto das diferenças.
2 Estes textos são complementares à série Escola de atenção às diferenças, com veiculação no programa Salto
para o Futuro/TV Escola (MEC) de 26 a 30 de abril de 2010.
12. Texto 1: Políticas e marcos legais para a educação inclusiva
O primeiro texto da série comenta a Política Nacional de Educação Especial, na Perspectiva da
Educação Inclusiva. O caráter complementar da Educação Especial, trazido por essa Política,
retraça os projetos que visam à transformação das escolas em busca da qualidade de seu en-
sino. Se antes as escolas comuns se organizavam para atender apenas aos alunos que apren-
diam, excluindo os que não conseguiam aprender, agora elas devem acolher todos os alunos,
nas suas diferenças. Há, então, que ser revista e reinterpretada a sua organização pedagógica,
para que se reconstruam suas propostas e se avance na qualidade e no atendimento à deman-
da de mais vagas para todos os alunos nas suas turmas.
Texto 2: Atendimento educacional especializado
Este texto tem por objetivo subsidiar professores e gestores das redes de ensino no que se refe-
re ao ambiente escolar denominado sala de recursos multifuncionais. Esse ambiente tem como
finalidade desenvolver as atividades do atendimento educacional especializado – AEE. Tendo
por base a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva do 12
Ministério da Educação, o texto apresenta o conceito de sala de recursos multifuncionais, sua
ligação com o AEE e o trabalho do professor dessa sala. As palavras-chaves do texto são: salas
de recursos multifuncionais, atendimento educacional especializado, redes públicas de ensino.
Texto 3: Práticas educacionais no contexto das diferenças
O terceiro texto da série discute a importância de que a escola de atenção às diferenças esteja
em sintonia com as transformações necessárias para atender às demandas do mundo atual.
Esta é uma responsabilidade inerente à cidadania e uma preocupação obrigatória de todos os
sistemas de ensino. Ao se propor a construir escolas inclusivas que se preocupam com todos
os alunos, devem ser feitas inovações nos processos de organização de ensino e aprendizagem,
passando a considerar o ritmo de aprendizagem, a flexibilização dos tempos e dos espaços es-
colares, a implementação de recursos de acessibilidade, o enriquecimento curricular, a opera-
cionalização da oferta do AEE, o uso de metodologias ativas e interativas e o caráter processual
da avaliação.
13. Os textos 1, 2 e 3 também são referenciais para mendations for Principals. Intervention in
o quarto programa, com entrevistas que refle- School and Clinic, v. 43, n. 5, 2008, p. 277-
tem sobre esta temática (Outros olhares sobre 282.
a escola de atenção às diferenças) e para as
O’DONOGHUE, T. A. and R. CHALMERS. How
discussões do quinto e último programa da
teachers manage their work in inclusive
série ( Escola de atenção às diferenças em de-
classrooms. Teaching and Teacher Educa-
bate).
tion, v. 16, n. 8, nov. 2000, p. 889-904.
Referências bibliográficas PENAFORTE, Selene. A gestão para a inclu-
são: uma pesquisa-ação colaborativa no
BLOOM, L. A.; J. C. PERLMUTTER et al. The meio escolar. Tese (Doutorado em Educa-
general educator: applying constructivism ção). Fortaleza: Universidade Federal do Ce-
to inclusive classrooms. Intervention in ará, 2009.
School and Clinic, v. 34, n. 3, jan. 1999, p.
SOODAK, L. C. Classroom Management in
132-36.
Inclusive Settings. Theory into Practice v.
BRASIL. Ministério da Educação. Política de 42, n. 4, Autumn 2003, p. 327-33 (ISSN: 0040-
13
Nacional de Educação Especial na Perspec- 5841).
tiva de Educação Inclusiva. MEC/SEESP, 2008.
THOUSAND, J. S.; VILLA, R. A. et al. The Many
FIGUEIREDO, Rita Vieira. (Relatório de pes- Faces of Collaborative Planning and Tea-
quisa) Gestão da Aprendizagem na Diver- ching. Theory into Practice, v. 45, n. 3, 2006,
sidade. Fortaleza: Universidade Federal do p. 239-48.
Ceará, 2008.
Divulgamos a seguir o link onde podem ser
FIGUEIREDO, Eliene Vieira. Práticas de Lei-
encontradas diversas sugestões de filmes
tura e de Escrita na Diversidade da Sala de
com temas relacionados à proposta da série
Aula. Dissertação (Mestrado em Educação
Escola de atenção às diferenças:
Brasileira). Fortaleza: Universidade Federal
do Ceará, 2008.
http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/
HINES, J. T. Making Collaboration Work in sugestoesfilmescomtemasabrangendoalgu-
Inclusive High School Classrooms: Recom- mtipodefiencia.pdf
14. Texto 1
Políticas e marcos legais para a educação inclusiva
Construir a escola das diferenças – caminhando nas pistas da
inclusão
Maria Teresa Eglér Mantoan1
A Política Nacional de Educação Especial na ticulares de ensino básico, assim como a for-
Perspectiva da Educação Inclusiva de 2008 mação de nossos professores são alguns deles.
é um importante mar- Por outro lado, essa
co legal, político-social Política traz nas suas
e cultural da educação diretrizes proposições
O progresso, em todas
brasileira. Os avanços que podem solucionar
provocados por suas
as frentes das iniciativas esses problemas.
diretrizes extrapolam humanas, acontece
o ensino especial e im- pela criação de novas Neste texto, abordare-
14
plicam/provocam pro- alternativas de transpor mos, ainda que suma-
fundas modificações na riamente, como a Edu-
barreiras, que estão
escola comum, rever- cação Especial poderá
constantemente se
tendo conceitos e práti- contribuir para uma
formando em torno do virada na nossa educa-
cas antes consagradas,
nas suas turmas. que já conquistamos. ção, ao se re-orientar
segundo os princípios
Pelo fato de ter se adian- da inclusão escolar.
tado e constituído um
conjunto de documentos reorientados para
O fracasso escolar
a escola inclusiva, a Educação Especial revela
graves problemas relativos à escolarização. O O progresso, em todas as frentes das ini-
fracasso escolar, a avaliação do desempenho ciativas humanas, acontece pela criação de
escolar dos alunos da escola brasileira, a quali- novas alternativas de transpor barreiras,
dade do ensino das instituições públicas e par- que estão constantemente se formando em
1 Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - Faculdade de Educação- Laboratório de Estudos e
Pesquisas em Ensino e Diferenças – LEPED/ UNICAMP.
15. torno do que já conquistamos. A incapaci- ano escolar são alternativas que desviam a
dade de “dominarmos” os conhecimentos organização pedagógica e a formação dos
e de agirmos segundo uma fórmula final e professores – inicial e continuada –, das me-
universal (que tanto buscamos!), nos move didas a serem tomadas para que as escolas
e nos impulsiona diante das perturbações comuns se debrucem sobre o modo de mi-
com as quais o meio nos confronta. nistrar o ensino, os conteúdos curriculares
e a análise do desempenho escolar dos alu-
Os problemas, as perturbações, são, portan- nos, especialmente daqueles que não conse-
to, imprescindíveis para que possamos cres- guem o sucesso pretendido.
cer e evoluir no que conhecemos e no que fa-
zemos, em nossos ambientes de vida pessoal Além dessas consagradas soluções compen-
e profissional. Embora jamais consigamos satórias, existem ainda as práticas adapta-
deduzir uma fórmula final, uma resposta de- das de ensino especial, que têm como ob-
finitiva para os problemas de aprendizagem, jetivos equiparar o desempenho escolar dos
negar essas perturbações e/ou ignorá-las fi- alunos considerados “especiais” ao dos cole-
xou os sistemas de ensino, as escolas e pro- gas “normais” e/ou protegê-los da exclusão,
fessores em modelos e soluções superados, nas turmas de ensino regular.
que os mantêm presos a saídas velhas e ino- 15
perantes, impedindo-os de visualizar novos Ao retirar das turmas comuns os alunos com
modelos educacionais possíveis. e sem deficiência, que colocam em xeque o
modo como planejam e executam seus pla-
A Educação Especial influiu significativa- nos de ensino, os professores se eximem da
mente para neutralizar os desafios que le- responsabilidade de buscar os motivos pe-
variam o professor a rever suas práticas e a los quais esses alunos não atendem às suas
avaliar a aprendizagem escolar, na busca de exigências educacionais, equivocando-se ao
um ensino mais avançado e qualificado para considerar essas exigências como as que ca-
todos os alunos. racterizam um ensino de qualidade. E, en-
tão, admite-se o fracasso escolar do aluno
Na nossa percepção, a preocupação com o na escola, quando seria o caso de se exami-
fracasso tem conduzido a escola por desca- nar as razões do fracasso da escola diante do
minhos que vão do diagnóstico impreciso do insucesso dos alunos.
insucesso do aluno aos encaminhamentos
às escolas e classes especiais. A formação inicial
Compensar, reforçar a aprendizagem, fazer Apesar do descontentamento com os re-
equivalência de desempenho entre idade e sultados alcançados pelos alunos e da con-
16. cordância de que o nosso ensino precisa se mera reprodução de conteúdos programá-
qualificar, a atualização da formação inicial ticos sequenciados, categorizados, transmi-
pela adoção de alternativas pedagógicas, tida aos alunos. Os alunos desenvolvem os
que transpõem fronteiras e projetam o en- temas de estudo entrelaçando suas experiên-
sino para o futuro, são ainda muito tímidas. cias com novos conhecimentos, construídos
segundo seus interesses e capacidades.
É patente, nos cursos de Pedagogia, a resis-
tência dos formadores em romper paradig- As alternativas de modernização, contudo,
mas que impedem as manobras necessárias estão se transfigurando em “receitas” de en-
para que possamos imprimir uma nova dire- sino, de tanto serem aclamadas em vão como
ção aos destinos de nossa educação, propon- saídas para que o ensino se redirecione em
do uma resposta decisiva aos problemas que suas estratégias, processos, dimensões. Não
a afligem. A questão não está apenas em re- há mais o que sugerir para que as escolas se
gular as relações entre teoria e prática peda- tornem inclusivas. A maioria dos professores
gógicas, mas em outras formas de se pensar se sente insegura em adotar novos rumos
e de se fazer a educação, em uma sociedade educacionais, uma vez que são tributários de
do conhecimento, da comunicação e da tec- uma formação e do exercício de uma profis-
nologia, alinhada aos propósitos inclusivos. são. De um modo geral, consideram que o 16
ensino precisa mudar para melhor, mas per-
Educar na escola, principalmente no ensino sistem no enrijecimento dos mesmos méto-
básico, é uma atividade complexa, que en- dos que os levaram ao fracasso!
volve o desenvolvimento de novas atitudes
frente ao mundo e aos seus recursos; trata- Os cursos de formação inicial de professo-
se de encontrar uma combinação harmonio- res para a educação comum têm se decla-
sa entre conteúdos e práticas culturais, que rado a favor de uma educação para todos e
marcam a vida dos alunos e dão sentido à de qualidade, introduzindo disciplinas nos
sua aprendizagem. seus currículos que tratam da inclusão es-
colar. Ora, a inclusão não cabe em uma ou
A transversalidade dos estudos acadêmicos, duas disciplinas, nem mesmo em todas elas,
por exemplo, é uma nova proposição que en- como mais uma novidade, um modismo,
volve essa combinação entre os processos de que precisa ser aventado, para que esses
ensino e de aprendizagem, afetando o modo cursos se atualizem.
como as aulas são planejadas e ministradas.
No ensino transversal, as disciplinas não se Esse equívoco sustou o impacto que o poder
fragmentam e a aprendizagem deixa de ser inovador da inclusão teria sobre a formação
17. dos professores. Os futuros professores des- professores de educação especial têm uma
conhecem, no geral, o que a inclusão repre- formação pedagógica de base e se especia-
senta para os sistemas que a adotam devi- lizam no atendimento educacional a alunos
damente, suas implicações na concepção e com deficiências, transtornos globais de
na execução dos serviços que a escola presta desenvolvimento e altas habilidades. As di-
aos alunos, professores, pais e nos conheci- retrizes da Política são claras e conclusivas,
mentos exigidos para sua concretização em quando preceituam que os seus professores
sala de aula. não são mais especialistas em uma dada de-
ficiência e não ensinam os conteúdos curri-
Outro equívoco se evidencia na continuida- culares a esses alunos. Suas atribuições se
de de cursos para formação de professores resumem em complementar a formação do
em educação especial, com ênfase em uma aluno, analisar seus problemas. Estudando-
única deficiência. Apesar do número redu- os e buscando atendê-los nas suas peculia-
zido, esses cursos contribuem para que os ridades e necessidades, os professores de
sistemas de ensino mantenham em sua educação especial apoiam os alunos a ul-
organização serviços e profissionais, que trapassar barreiras que encontram dentro
seccionam o atendimento desses alunos e das escolas para que tenham acesso e par-
contribuem para que a exclusão marque o ticipação ativa, autônoma e independente 17
processo de escolarização como um todo. nas turmas do ensino regular.
O que mais nos surpreende nesses cursos O ensino itinerante, as classes especiais, os
é que proponham uma formação em edu- currículos e atividades adaptados, as avalia-
cação especial, que perpetua propósitos e ções e demais tópicos do processo de escola-
métodos excludentes, opostos ao que a in- rização constituem serviços e recursos que
clusão designa. Se os professores e seus for- incorrem em discriminação desses alunos
madores não perceberam as ambiguidades por excluí-los por diferenciação por uma de-
e os enganos que precisam ultrapassar para ficiência ou outra categorização. São remi-
que se dê um salto qualitativo na formação niscências do entendimento excludente da
pedagógica e na reorientação dos sistemas educação especial, existindo paralelamente
escolares, a educação especial e a comum ao atendimento educacional especializado –
não poderaão se adiantar nem se aprimorar, AEE, um novo serviço da educação especial.
como se espera. Essas reminiscências têm precedência no
modo equivocado de se entender o direito à
Pela Política Nacional de Educação Especial, educação inclusiva, como o direito à diferença,
na Perspectiva da Educação Inclusiva, os na igualdade de direitos e na distinção entre
18. “alunos diferentes” e diferenças de todos os distintos para seus alunos, a partir de uma
alunos. Em muitas redes de ensino convi- identidade específica, como também esses
vem dois momentos da educação especial espaços estão organizados pedagogicamen-
que se contradizem: o anterior a 2008, mar- te para manter tal separação, definindo as
cado pela exclusão total e parcial, e o atual, atribuições de seus professores, currículos,
caracterizado por sua perspectiva educacio- programas, avaliações e promoções dos que
nal inclusiva. fazem parte de cada um desses espaços.
Quando se classificam os alunos por atri-
A diferenciação entre os
butos que os definem
alunos
e que demarcam os
A oposição binária en- seus espaços edu-
Ambientes escolares
tre alunos ditos “nor- cacionais, decide-se
inclusivos são quem fica e quem sai,
mais” e “especiais” se
repercute na caracteri-
fundamentados em uma quem é incluído ou
zação da formação ini- concepção de identidade excluído dos agrupa-
cial e continuada dos e diferenças, em que as mentos escolares.
18
professores, na identifi- relações não se ordenam
cação das escolas e pro- Ambientes escolares
em torno de oposições
fessores da educação inclusivos são funda-
binárias (normal/
comum e especial. mentados em uma
especial, branco/negro, concepção de identi-
A Educação Especial ali- masculino/feminino, dade e diferenças, em
mentou essa oposição pobre/rico). que as relações não
ao defender que certos se ordenam em tor-
alunos, negativamente no de oposições biná-
valorados por desem- rias (normal/especial,
penhos acadêmicos que não atendem às branco/negro, masculino/feminino, pobre/
exigências escolares, necessitavam de uma rico). Neles não se elege uma identidade
educação substitutiva do ensino comum. como norma privilegiada em relação às de-
mais.
Os sistemas educacionais constituídos a par-
tir dessa oposição excludente sentem-se aba- Em ambientes escolares excludentes, a iden-
lados com a proposta inclusiva de educação, tidade normal é tida sempre como natural,
pois não só criaram espaços educacionais generalizada e positiva em relação às de-
19. mais, e sua definição provém do processo entende as diferenças como resultantes da
pelo qual o poder se manifesta na escola, multiplicidade, e não da diversidade, como
elegendo uma identidade específica através comumente se proclama. Trata-se de uma
da qual as outras identidades são avaliadas educação que garante o direito à diferença e
e hierarquizadas. não à diversidade, pois assegurar o direito à
diversidade é continuar na mesma, ou seja,
Esse poder que define a identidade normal,
é seguir reafirmando o idêntico.
detido por professores e gestores mais próxi-
mos ou mais distantes das escolas, é abala- [...] a diferença (vem) do múltiplo e não
do e perde a sua força diante dos princípios do diverso. Tal como ocorre na aritmé-
educacionais inclusivos, defendidos pela tica, o múltiplo é sempre um processo,
Política Nacional de Educação Especial, na uma operação, uma ação. A diversida-
Perspectiva da Educação Inclusiva. No en- de é estática, é um estado, é estéril. A
tendimento da Política, a identidade não multiplicidade é ativa, é fluxo, é produ-
é entendida como natural, estável, perma- tiva. A multiplicidade é uma máquina de
nente, acabada, homogênea, generalizada, produzir diferenças – diferenças que são
universal. Na visão da inclusão escolar, as irredutíveis à identidade. A diversidade
identidades são transitórias, instáveis, ina- limita-se ao existente. A multiplicidade 19
cabadas e, portanto, os alunos não são cate- estende e multiplica, prolifera, dissemi-
gorizáveis, não podem ser reunidos e fixados na. A diversidade é um dado – da natu-
em categorias, grupos, conjuntos, que se reza ou da cultura. A multiplicidade é
definem por certas características arbitra- um movimento. A diversidade reafirma
riamente escolhidas. o idêntico. A multiplicidade estimula a
diferença que se recusa a se fundir com
Portanto, é equivocado atribuir a certos alu-
o idêntico (Silva, 2000, p.100-101).
nos identidades que os mantêm nos grupos
de excluídos, ou seja, nos grupos dos alunos
A diferenciação entre as
especiais, com necessidades educacionais es-
peciais, portadores de deficiências, com pro-
escolas
blemas de aprendizagem e outros. Não cabe
O questionamento constante dos processos
fixar no outro uma identidade normal, que
de diferenciação entre escolas e alunos, que
não só justifica a exclusão dos demais, como
decorre da oposição entre a identidade nor-
igualmente determina alguns privilegiados.
mal de alguns e especial de outros, é uma
A perspectiva da Política atual questiona das garantias permanentes do direito à di-
a artificialidade das identidades normais e ferença.
20. A escola comum se desobrigou dos alunos indefinidamente esses alunos nos serviços e
especiais por muito tempo e não se posicio- ambientes do ensino especial convencional
nou, decisivamente, diante de seus procedi- e substitutivo.
mentos de ensinar e de avaliar a capacidade
Nesses dois casos de diferenciação, há equí-
de aprender desses alunos, em suas diferen-
vocos. Só se admite a diferenciação para
ças, e de questionar essas diferenças. Limi-
incluir. Em ambientes à parte dos demais e
tou-se a aceitá-las, a tolerá-las desde que em
em situações que restringem e limitam as
ambientes educacionais segregados.
possibilidades de desenvolvimento dos alu-
Acomodada em sua zona de conforto, a edu- nos e das pessoas em geral, é um engano
cação comum fez prosperar e multiplicar admitir-se a inclusão. Neles são excluídos
as escolas e classes especiais e serviços que tanto os alunos normais, como os especiais.
recolhem os alunos especiais, legando-lhes As orientações imprimidas pela Política Na-
uma condição de escolaridade à margem do cional de Educação Especial, na Perspectiva
processo comum a outros colegas da mes- da Educação Inclusiva, de 2008, esclarecem
ma geração. as dúvidas relacionadas às diferenciações
favorecidas pela existência dos serviços e
A proliferação dos serviços da educação espe- equipamentos do ensino especial. 20
cial, na perspectiva de uma educação exclu-
dente, tem peso quando se avaliam as razões O caráter complementar da Educação Espe-
pelas quais a educação comum se exime de cial, trazido por essa Política, retraça os pro-
assumir suas responsabilidades e de criar no- jetos que visam à transformação das escolas
vas possibilidades de transformar o processo em busca da qualidade de seu ensino. Se an-
educativo, de modo que se torne plenamen- tes as escolas comuns se organizavam para
te inclusivo. A educação especial, em coro, a atender apenas aos alunos que aprendiam,
acompanha em muitos sentidos, querendo se excluindo os que não conseguiam aprender,
esquivar das diretrizes da nova Política. agora elas se veem premidas a acolher todos
os alunos, nas suas diferenças. Há, então
Há os que reagem a esse documento, afir- que ser revista e reinterpretada a sua orga-
mando que os sistemas de ensino diferen- nização pedagógica, para que reconstruam
ciam os alunos em normais e especiais, para suas propostas e avancem na qualidade e no
incluir esses últimos nas escolas comuns, fu- atendimento à demanda de mais vagas para
turamente, quando se equipararem aos co- todos os alunos nas suas turmas. Vivemos
legas sem problemas de aprendizagem. Há atualmente uma situação nova, com a qual
sistemas de ensino e escolas que se conside- a escola comum nunca se defrontou.
ram inclusivos, por receberem e manterem
21. Uma das soluções para levantar o nível de mente do processo escolar, segundo suas ca-
desenvolvimento da educação escolar tem pacidades, e sem que nenhuma delas possa
sido a de remediar a situação dos alunos ser motivo para uma diferenciação que os
especiais. A remediação consistiu na criação excluirá das suas turmas.
do reforço escolar, das classes de acelera-
Como garantir o direito à diferença nas es-
ção, das salas de recurso.
colas que ainda enten-
Esses programas preci- dem que as diferenças
sam ser questionados Como garantir o direito estão apenas em al-
e serão suprimidos se a à diferença nas escolas guns alunos, naqueles
situação de remediação que são negativamente
que ainda entendem
for revertida, ou me- compreendidos e diag-
que as diferenças estão
lhor, quando as escolas nosticados como “pro-
se propuserem a desen- apenas em alguns blemas”, “doentes”,
volver um ensino em alunos, naqueles que “indesejáveis”, sendo
que as diferenças dos são negativamente que para a maioria des-
alunos sejam acolhidas. compreendidos e ses alunos tais condi-
Esse acolhimento impli- ções são consideradas 21
diagnosticados como
ca que todos os alunos “sem volta”?
“problemas”, “doentes”,
construam o conheci-
mento escolar segun-
“indesejáveis”, sendo Os alvos desse questio-
do suas capacidades, que para a maioria namento devem recair
expressem suas ideias desses alunos tais diretamente sobre as
práticas de ensino que
livremente, participem condições são
ativamente das tarefas as escolas comuns e
consideradas “sem
de ensino e se portem especiais adotam e que
volta”? servem para excluir.
como cidadãos, nas
suas diferenças.
Os encaminhamentos
Nas escolas inclusivas, os alunos não são dos alunos às classes e escolas especiais, os
identificados como especiais, normais, co- currículos adaptados, o ensino diferenciado,
muns. Todos se igualam pelas suas diferen- a terminalidade específica e outras soluções
ças! A inclusão escolar impõe uma escola excludentes precisam ser indagados em suas
em que todos os alunos estão inseridos sem razões de adoção, interrogados em seus be-
quaisquer condições pelas quais possam ser nefícios, discutidos em seus fins e eliminados
limitados em seu direito de participar ativa- por completo e com urgência. São essas me-
22. didas excludentes que criam a necessidade cialistas, pais e alunos e outros profissio-
de existirem escolas para atender aos alunos, nais que compõem uma rede educacional
que se igualam por uma falsa normalidade em torno de uma proposta que é comum a
– as escolas comuns – e que instituem as es- todas as escolas e que, ao mesmo tempo, é
colas para os alunos que não cabem nesse construída por cada uma delas, segundo as
grupo – as escolas especiais. Ambas são es- suas peculiaridades.
colas dos diferentes, que não se alinham aos
O Projeto Político Pedagógico é o instrumen-
propósitos de uma escola para todos.
to por excelência para melhor desenvolver o
Quando entendemos esses processos de di- plano de trabalho eleito e definido por um
ferenciação pela deficiência ou por outras coletivo escolar. Ele reflete a singularidade
características que elegemos para excluir, do grupo que o produziu, suas escolhas e es-
percebemos os equívocos, as discrepâncias pecificidades. Cada escola é única e, como
que nos faziam defender as escolas dos di- os seus alunos, deve ser reconhecida e valo-
ferentes como solução privilegiada para rizada nas suas diferenças.
atender às necessidades dos alunos. Com-
Seguindo as pistas da inclusão não corre-
preendemos, então, o sentido includente
remos riscos de nos perdermos em atalhos
das escolas das diferenças. Essas escolas 22
que nos desviam da construção de uma es-
reúnem, em seus espaços educacionais, os
cola das diferenças. A Política de Educação
alunos tais quais eles são: únicos, singula-
Especial é uma delas, neste momento. Che-
res, mutantes, compreendendo-os como
garemos mais além. Vamos em frente!
pessoas que diferem umas das outras, que
não conseguimos conter em conjuntos defi-
nidos por um único atributo, que elegemos
Referências bibliográficas:
para diferenciá-las.
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de Educação Especial. Política Nacional de
Um ensino para todos os alunos se distin- Educação Especial na Perspectiva da Educa-
gue pela sua qualidade. O desafio de fazê-lo ção Inclusiva. Inclusão: Revista da educação
acontecer nas salas de aulas é uma tarefa especial, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008. Brasília:
a ser assumida por todos os que compõem MEC/SEESP, 2008.
um sistema educacional.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Identidade e diferen-
A qualidade do ensino provém de iniciativas ça: a perspectiva dos Estudos Culturais. 4. ed.
que envolvem professores, gestores, espe- Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
23. Texto 2
Atendimento educacional especializado
Salas de Recursos Multifuncionais: espaço para o atendimento
educacional especializado nas redes públicas de ensino
Rosângela Machadoi1
As salas de recursos multifuncionais são es- ambiente e ao conhecimento escolares, por
paços localizados nas escolas públicas de meio do AEE.
educação básica onde se realiza o Atendi-
mento Educacional Especializado – AEE. Elas As salas de recursos multifuncionais permi-
são constituídas de mobiliários, jogos peda- tem que o AEE, feito no turno oposto ao da
gógicos, recursos de acessibilidade e equipa- sala de aula comum, seja realizado na pró-
mentos específicos. pria escola em que o aluno frequenta. Se na
escola do aluno não existir uma sala, o AEE
A Política Nacional de Educação Especial na poderá ser realizado em outra escola próxi-
23
Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada ma à sua.
em 2008 pelo Ministério da Educação, define
o AEE como um serviço da educação especial Os alunos atendidos na sala de recursos mul-
que “[...] identifica, elabora e organiza recur- tifuncionais são os considerados público-al-
sos pedagógicos e de acessibilidade, que eli- vo da educação especial:
minem as barreiras para a plena participação
dos alunos, considerando suas necessidades • alunos com deficiência: aqueles que
específicas” (MEC, 2008). têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou
A Política sinaliza que a educação especial é sensorial, os quais, em interação com
uma modalidade que perpassa todas as eta- diversas barreiras, podem obstruir sua
pas, as demais modalidades e os níveis de en- participação plena e efetiva na socieda-
sino, sem substituí-los, ofertando serviços, de em igualdade de condições com as
recursos e estratégias de acessibilidade ao demais pessoas (ONU, Art. 01, 2006);
1 Doutoranda em educação pela Universidade Estadual de Campinas - Unicamp. Coordenadora de Educação
Especial da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis no período de 2001 a 2008. Coordenadora-Geral de Política
Pedagógica de Educação Especial da Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação no período de 2008
a 2009. Professora da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis.
24. • alunos com transtornos globais do e formação específica na educação especial,
desenvolvimento: aqueles que apre- inicial ou continuada, para atuar com cada
sentam um quadro de alterações no tipo de deficiência.
desenvolvimento neuropsicomotor,
comprometimento nas relações so- A educação especial na perspectiva da edu-
ciais, na comunicação, ou estereo- cação inclusiva implica uma transformação
tipias motoras. na formação de pro-
Incluem-se nessa fessores, que neces-
No cotidiano das
definição alunos sita se adequar aos
salas de recursos novos conhecimen-
com autismo clás-
sico, síndrome de
multifuncionais, o tos que são próprios
Asperger, síndro- professor identifica as do AEE.
me de Rett, trans- necessidades específicas
A formação de pro-
torno desintegra- e as habilidades do
tivo da infância fessores requer o
aluno com deficiência,
(psicose infantil) estudo da Tecnolo-
faz um levantamento gia Assistiva e suas
e transtornos in-
vasivos sem outra
de materiais e categorias: Comuni- 24
especificação. equipamentos existentes cação aumentativa
e elabora o Plano de AEE e alternativa, infor-
• alunos com al- mática acessível, re-
para cada aluno.
tas habilidades/ cursos pedagógicos
superdotação: acessíveis, Sistema
são aqueles que Braille, técnica do sorobã, produção de
demonstram potencial elevado em materiais ampliados e em alto relevo, Lín-
qualquer uma das seguintes áreas, iso- gua Brasileira de Sinais, Língua Portugue-
ladas ou combinadas: intelectual, aca- sa na modalidade escrita para alunos com
dêmica, liderança, psicomotricidade e surdez, entre outras categorias ligadas ao
artes, além de apresentar grande cria- AEE. Essa formação deve estabelecer uma
tividade, envolvimento na aprendiza- interlocução dos conhecimentos especiali-
gem e realização de tarefas em áreas zados com as situações reais do cotidiano
de seu interesse (MEC, 2008). escolar, em que o professor possa discutir
o AEE com base nos recursos de acessibili-
O professor que atua na sala de recursos
dade e possa, em seguida, ter o aluno para
multifuncionais deve ter formação inicial
atender.
que o habilite para o exercício da docência
25. No cotidiano das salas de recursos multi- quanto ao uso de recursos, materiais
funcionais, o professor identifica as necessi- e equipamentos utilizados pelo aluno.
dades específicas e as habilidades do aluno
• Articulação com a sala de aula comum
com deficiência, faz um levantamento de
e articulação com a área clínica: con-
materiais e equipamentos existentes e ela-
siste na troca de informações entre
bora o Plano de AEE para cada aluno.
professores da sala de aula, professor
O Plano de AEE resulta na organização do da sala de recursos multifuncionais e
professor quanto às atividades de: profissionais da área clínica.
• Atendimento ao aluno: consiste na • Avaliação do Plano: na execução do
estruturação e execução das ativida- plano de AEE, o professor deverá ava-
des desenvolvidas e na definição da liar sistematicamente o seu Plano,
frequência e duração do atendimento revisando-o e atualizando-o, quando
para cada aluno. necessário.
• Produção de materiais: transcrição, É importante destacar que as atividades de-
confecção, ampliação, gravação, en- senvolvidas pelo professor da sala de recur-
sos multifuncionais não podem ser confun- 25
tre outros materiais, de acordo com as
necessidades dos alunos. didas com as atividades dos profissionais do
atendimento clínico.
• Aquisição de materiais: consiste na
indicação para a aquisição de: softwa- Para consolidar as orientações da Política
res, recursos e equipamentos tecno- Nacional de Educação Especial na Perspec-
lógicos, mobiliário, recursos ópticos, tiva da Educação Inclusiva e garantir o AEE
dicionários e outros. nas redes públicas de ensino, foram lança-
dos o Decreto n. 6.571/2008 e a Resolução
• Acompanhamento do uso dos re-
CNE/CBE N. 04/2009.
cursos pelo aluno: refere-se às ações
para verificação da funcionalidade e
O Decreto n. 6.571/08, que dispõe sobre o
da aplicabilidade do recurso: impacto,
atendimento educacional especializado,
efeitos, distorções, pertinência, negli-
consolida diretrizes e ações já existentes,
gência, limites e possibilidades do uso
voltadas à educação especial na perspectiva
na sala de aula, na escola e em casa.
da educação inclusiva. Ele regulamenta o pa-
rágrafo único do art. 60 da Lei n. 9.394/1996,
• Orientação às famílias e aos professo-
destinando recursos do Fundo Nacional de
res: consiste nas ações de orientação
26. Desenvolvimento da Educação Básica - FUN- cas de educação especial surge por meio das
DEB ao atendimento educacional especiali- salas de recursos multifuncionais como um
zado de alunos com deficiência, transtornos espaço escolar do AEE.
globais do desenvolvimento e altas habilida-
des/superdotação matriculados na rede pú-
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26
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28. Texto 3
Práticas educacionais no contexto das diferenças
Escola atenta às diferenças: gestão de redes e dos processos
de ensino
Maria Terezinha C. Teixeira dos Santos1
Uma escola atenta às diferenças caracteriza- do papel da escola na superação da lógi-
se como o espaço verdadeiramente demo- ca da exclusão.
crático e de cidadania que tem o compro-
misso de efetivar o direito à educação para A partir dos referenciais para a constru-
todos os alunos. ção de sistemas educacionais inclusivos,
a organização de escolas e classes espe-
[...] A educação inclusiva constitui um ciais passa a ser repensada, implicando
paradigma educacional fundamentado uma mudança estrutural e cultural da
na concepção de direitos humanos, que escola para que todos os alunos tenham
28
conjuga igualdade e diferença como va- suas especificidades atendidas (BRASIL,
lores indissociáveis, e que avança em re- 2008, p. 1.).
lação à ideia de equidade formal ao con-
textualizar as circunstâncias históricas Uma rede de ensino - ou uma escola com
da produção da exclusão dentro e fora atenção às diferenças - não é, portanto, uma
dela. mera exigência legal, um modismo ou uma
vontade isolada. É uma transformação ne-
Ao reconhecer que as dificuldades en- cessária em face às demandas do mundo
frentadas nos sistemas de ensino evi- atual, uma responsabilidade inerente à ci-
denciam a necessidade de confrontar as dadania, e uma preocupação obrigatória de
práticas discriminatórias e criar alter- TODOS os sistemas de ensino, quer no âmbi-
nativas para superá-las, a educação in- to da escola regular que precisa se organizar
clusiva assume espaço central no debate para atender às diferenças, quer na devida
acerca da sociedade contemporânea e compreensão da educação especial como
1 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Consultora da Secretaria de
Educação Especial do Ministério da Educação. Professora de Mestrado em Educação da Universidade do Vale do Rio
Verde de Três Corações.
29. complementar à escola regular e oferecida dificuldades de aprendizado. Assim sen-
sempre no contraturno e responsável pela do, ela deve ser encarada como um com-
oferta de Atendimento Educacional Especia- promisso inadiável das escolas, que terá
lizado. a inclusão como consequência (BRASIL,
2003, p.30).
Quando uma rede de ensino se propõe a
construir escolas in- Em nível de gestão,
clusivas que se preo- quando se entende que
cupam com todos os A autonomia e a gestão as diferenças existem e
alunos, as inovações democrática fazem parte começa-se a trabalhar
são óbvias nos pro- com elas como uma
da própria natureza
cessos de organização referência positiva, e
político e pedagógica do
de ensino e aprendi- não como obstáculo,
zagem que passam a
Projeto escolar inclusivo, o princípio democrá-
considerar: o ritmo de desenvolvendo uma tico se efetiva, pois a
aprendizagem, a flexi- formação cidadã efetiva instituição escolar se
bilização dos tempos no cotidiano e não como especializa em todos
e dos espaços escola- os alunos e não apenas 29
uma abstração de um
res, a implementação em alguns deles.
futuro que virá.
de recursos de aces-
sibilidade, o enrique- O projeto da escola in-
cimento curricular, a clusiva está inserido no
operacionalização da oferta do AEE, o uso de contexto das diferenças. Cada escola é única
metodologias ativas e interativas e o caráter e inédita e desenvolve um processo repleto
processual da avaliação. de desafios e alternativas. Nada está pronto
e as instituições são possibilidades a serem
Ao se construírem à luz deste novo paradig- construídas.
ma, as redes atentas às diferenças efetivam
mudanças e transformações e, neste senti- A autonomia e a gestão democrática fazem
do, pode-se afirmar com convicção que uma parte da própria natureza político e peda-
escola inclusiva é uma escola de qualidade. gógica do Projeto escolar inclusivo, desen-
volvendo uma formação cidadã efetiva no
A transformação da escola não é, por- cotidiano e não como uma abstração de um
tanto, uma mera exigência da inclusão futuro que virá.
escolar de pessoas com deficiência e/ou
30. Esta clareza é fundamental para o gestor e não são. Como é possível escolher al-
contribui para passar a limpo algumas con- gumas das escolas, como referência?
tradições existentes na realidade das escolas É possível ter cidadania em uma e não
hoje, como por exemplo: em outra? É para valer, ou não?
Não é demais lembrar que o setor público
• Como se pode justificar uma escola
tem a responsabilida-
para todos, de-
de pelo salto de qua-
mocrática e ci-
lidade na educação
dadã, que não
O município, chão tão proclamado e tão
admita a inclu-
concreto onde a almejado na socieda-
são?
educação acontece, tem de do conhecimento
Não existe nenhum atribuições estabelecidas em que se vive. Os da-
Projeto Político Peda- pela Constituição dos consolidados pela
Pesquisa Nacional por
gógico que tenha co- Brasileira de 1988 à
ragem de dizer que é Amostra de Domicílios
luz dos parâmetros
contra a construção – PNAD, realizada pelo
das políticas nacionais Instituto Brasileiro de 30
de cidadania. É só con-
ferir os objetivos exis-
e estaduais e tem Geografia e Estatísti-
tentes nos respectivos autonomia para analisar ca – IBGE, em 2008,
Projetos e em todos sua realidade local e evidenciaram que de
cada 10 estudantes
eles aparece a afirma- decidir os atendimentos
ção democrática de brasileiros, oito estão
necessários à sua
que a escola é aberta matriculados em es-
população. colas públicas! Isto dá
para todos. E aí como
fica? É possível cons- uma dimensão mui-
truir cidadania quan- to profunda do grau
do existem cidadãos que discriminam uns de responsabilidade da gestão de sistemas
e outros? Qual a consistência destas propos- e das políticas públicas a serem adotadas.
tas? É na escola pública que se desenha 80% do
país que se quer ter!!!
• Outra contradição bastante comum
nos sistemas de ensino é decretar que Portanto, quando o gestor de uma rede de
uma ou algumas das escolas da res- ensino tem compromisso com a inclusão
pectiva rede são inclusivas, e as outras e tem plena convicção de que só assim ele
31. pode estar efetivamente oferecendo uma situação desejada. Por exemplo, no contex-
escola de qualidade para toda sua comuni- to do paradigma da inclusão:
dade, as metas de trabalho são definidas e
ALGUMAS PRIORIDADES PRECISAM SER OPE- Quanto ao Acesso e à Permanência dos alu-
RACIONALIZADAS em todos os processos. nos: o município dispõe de mapeamento de
sua população escolar? Tem informações
O município, chão concreto onde a educa- sobre os alunos que devem ser público-alvo
ção acontece, tem atribuições estabeleci- da educação especial e dos serviços ofere-
das pela Constituição Brasileira de 1988 à cidos que garantem a acessibilidade destes
luz dos parâmetros das políticas nacionais alunos ao ambiente e ao conhecimento es-
e estaduais e tem autonomia para analisar colares?
sua realidade local e decidir os atendimen-
tos necessários à sua população. Quanto à Infraestrutura: quais são as con-
dições físicas dos espaços escolares e a
No nível do Planejamento, elaborar um Pla- acessibilidade existente? Nos espaços fora
no Municipal não deve ser um mero exercí- da escola (calçadas, ônibus, outros) existe
cio burocrático. É preciso fazer valer a capa- acessibilidade? Quais recursos de tecnolo-
cidade de analisar, diagnosticar, organizar e gia e de comunicação são oportunizados? 31
decidir a educação que se deseja. O transporte escolar é acessível? Os alunos
têm acesso aos materiais escolares e livros?
É necessário deixar claro aqui que o Plano A merenda escolar é de boa qualidade, ga-
Municipal de Educação é um documento da rante uma alimentação saudável?
maior importância para estar operaciona-
lizando políticas públicas inclusivas para o Quanto ao Pedagógico: a aprendizagem é
município. o eixo central das escolas? O Projeto Políti-
co Pedagógico é elaborado e vivenciado em
Não se trata de restringir a preocupação ao gestão democrática? O trabalho com as di-
domínio das escolas municipais, mas sim ferenças é contemplado em cada uma das
articular o acesso, a permanência e a equa- escolas? Existe preocupação em flexibilizar
lização de oportunidades para todos os ci- tempos e espaços? O Atendimento Educa-
dadãos. cional Especializado está sistematizado e
atende aos alunos que dele necessitam?
Alguns indicadores concretos permitem
identificar como se encontra um determi- Quanto aos professores e especialistas:
nado fenômeno, quando comparado com a existe formação continuada na rede de ensi-
32. no? Esta formação é realizada com metodo- cola é o domínio exclusivo responsável pela
logias ativas e interativas para a construção educação.
do conhecimento? Os horários de estudo e
de reuniões estão garantidos? Existe preo- A preocupação que deve estar no ar de uma
cupação com Plano de Carreira e valoriza- cidade cidadã em todos os momentos e
ção dos profissionais? em todos os setores é a de qual educação
está se construindo, qual inclusão está se
Quanto à gestão democrática: existem me- garantindo, ao se definir cada um dos servi-
canismos de participação nos planejamen- ços prestados à comunidade. Por exemplo:
tos, nos processos de execução e de avalia- quando se estabelece o transporte dos cida-
ção das propostas da rede de ensino? Estão dãos, as prioridades na agricultura, as polí-
garantidos mecanismos de comunicação e ticas de saúde e assim por diante, qual é o
de transparência de informações para que grau de educação que está inserido em cada
a gestão democrática se efetive? Existem ór- uma destas propostas?
gãos colegiados que funcionam de verdade?
Este compromisso precisa estar explicitado
Quanto à dimensão social e cultural: exis- com MARCAS CLARAS DE ATENÇÃO ÀS DIFE-
te articulação entre todos os setores da co- RENÇAS em toda cidade, em todos os servi- 32
munidade, parcerias para o desenvolvimen- ços públicos.
to da Educação como tarefa de cidadania?
Existem práticas culturais valorizadas e de-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
senvolvidas em toda comunidade?
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria
A gestão de políticas públicas inclusivas
de Educação Especial. Política Nacional de
deve contar com a efetiva participação
Educação Especial na Perspectiva da Educa-
de todos os segmentos da sociedade, pois
ção Inclusiva. Inclusão: Revista da educação
uma efetiva transformação nas escolas só
especial, v. 4, n. 1, jan./jun. 2008. Brasília:
vai acontecer na hora em que a Educação
MEC/SEESP, 2008.
for entendida como a proposta de vida do
município, abraçada pelo Prefeito, demais
secretarias e outros poderes institucionais. BRASIL. Ministério Público Federal. Procu-
radoria Federal dos Direitos do Cidadão. O
Quando se dimensiona a construção de ci- acesso de pessoas com deficiência às classes
dadania efetiva, não se pode contentar com e escolas comuns da rede regular de ensino.
uma perspectiva fragmentada de que a es- Brasília, 2003.
33. BIBLIOGRAFIA nomia da escola: princípios e propostas. São
Paulo: Cortez, 1997, p.117- 124.
ARROYO, M. Trabalho-educação e teoria pe-
dagógica. In: FRIGOTTO, G. (org.) Educação MANTOAN, M.T.E. (org.). Pensando e fazen-
e crise do trabalho: perspectivas de final de do educação de qualidade. São Paulo: Editora
século. Petrópolis: Vozes, 1998. Moderna, 2001.
AZANHA, J. M. P. Autonomia da escola: um _______. Inclusão Escolar: o que é? Por quê?
reexame. Série Ideias, n.16, São Paulo: FDE, Como fazer? São Paulo: Editora Moderna,
1993. 2003.
BOFF, Leonardo. Ecologia, Mundialização e _______. (org.) O desafio das diferenças nas es-
Espiritualidade. São Paulo: Ed. Ática, 2001. colas. Petrópolis: Editora Vozes, 2008.
BRASIL. Constituição da República Federati- PINHEIRO, M. E. O Projeto Político Pedagó-
va do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva, 1998. gico e a formalização da gestão democráti-
ca. In: Secretaria de Estado da Educação
BRASIL. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de
de Minas Gerais, Coleção Veredas. Guia de
1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Edu- 33
Estudo – Módulo 4, v. 3. Belo Horizonte,
cação Nacional. Diário Oficial da União. Bra-
2003.
sília, nº 248, 23/12/1996.
BRASIL. Decreto nº 6.571 de 18 de setembro SANTOS, M.T.T. Bem vindo à escola: a inclusão
de 2008. Dispõe sobre o Atendimento Educa- nas vozes do cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A,
cional Especializado. Brasília, 2008. 2006.
BRASIL. Ministério da Educação. Conselho VEIGA, I. P. (org.) Projeto Político-Pedagógico
Nacional de Educação. Resolução n. 04 de 02 da escola: uma construção possível. Campi-
de outubro de 2009. Brasília, 2009. nas: Papirus, 1995.
GADOTTI, M. Uma escola, muitas culturas. _______. (org.) Escola: espaço do Projeto Políti-
In: GADOTTI, M. & ROMÃO. J. E. (org.) Auto- co-Pedagógico. Campinas: Papirus, 1998.
34. Presidência da República
Ministério da Educação
Secretaria de Educação a Distância
Direção de Produção de Conteúdos e Formação em Educação a Distância
TV ESCOLA/ SALTO PARA O FUTURO
Coordenação-geral da TV Escola
Érico da Silveira
Coordenação Pedagógica
Maria Carolina Machado Mello de Sousa
Supervisão Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Acompanhamento Pedagógico
Grazielle Avellar Bragança 34
Coordenação de Utilização e Avaliação
Mônica Mufarrej
Fernanda Braga
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Diagramação e Editoração
Equipe do Núcleo de Produção Gráfica de Mídia Impressa – TV Brasil
Gerência de Criação e Produção de Arte
Consultora especialmente convidada
Rita Vieira de Figueiredo
E-mail: salto@mec.gov.br
Home page: www.tvbrasil.org.br/salto
Rua da Relação, 18, 4o andar – Centro.
CEP: 20231-110 – Rio de Janeiro (RJ)
Abril 2010