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ANEXO A - ÍNTEGRA DA ANÁLISE DO OBJETO DE PESQUISA

#08; p. 23, quadros 4 a 6; e 24.
Figura - Animal Man #08, p. 23.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
Figura - Animal Man #08, p. 24.
2

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o personagem James Highwater, um descendente de nativos
americanos, aparece pela primeira vez na obra. Ele está de pé sobre uma meseta,
de braços cruzados, assistindo as águias cruzando os céus à sua frente. Veste uma
calça jeans, e uma camisa branca. Ele pensa sobre o que ocorre. O fundo da cena
some, e o enquadramento faz um close-up em Highwater. "Á águia passa pela face
quente do sol. Eu sinto um calafrio premonitório. Por que eu estou subitamente
aqui? Eu não me lembro de caminhar ou dirigir até este lugar."
Enquanto o espaço físico presente no quadro seguinte aumenta, o
coadjuvante começa a pensar se ele não está vivendo um terror existencial - pois ele
3
sente como se tivesse sido recentemente trazido ao mundo, com um conjunto inteiro
de memórias e um propósito já definido.
Mas, no quadro seguinte, o pensamento dele ainda flui para uma segunda
possibilidade a partir do que sente naquele momento. "Ou poderia ser verdade,
enfim... Que Einstein estaria ERRADO?"
Na página seguinte, os seis quadros mostram um quadro com um
computador, que possui a tela amarelada. Aparecem, ao fundo, no alto da página,
uma janela, um aquecedor de parede, um cesto cheio de lixo, e um gato preto, com
coleira avermelhada. O enquadramento vai se aproximando para revelar o que está
escrito no monitor. Lá, está uma citação de Albert Einstein. "Eu não posso acreditar
que Deus joga dados com o cosmo." Nos dois últimos quadros, após a frase ficar
legível ao leitor, outra frase é digitada logo abaixo: "Ele não [faz isso]. Mas eu sim."
Efeito: as alegações e pensamentos acerca do que acomete Highwater
acabam por quebrar o que se conhece como suspensão de descrença - o primeiro
dos elementos da époche.
Essa sensação, descrita com detalhes pela primeira vez pelo poeta, crítico e
ensaísta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), é a vontade de um
consumidor de uma obra de ficção de aceitar como verdadeiros os acontecimentos
ocorridos no universo ficcional, por mais absurdos que sejam. Assim, o leitor abdica
do julgamento em relação aos fatos, em troca do entretenimento que receberá
durante o curso da obra a ser fruída.
O personagem, no caso, acabou por chamar a atenção ao leitor a um fato
corriqueiro: um personagem novo apareceu, e começa a falar. Não conhecemos sua
origem, suas motivações, ou mesmo o que ele fez para ir parar em cima de uma
meseta. A partir disso, começamos a questionar o sentido da história, e podemos
não acreditar nela, ou em alguns aspectos da narrativa. Afinal, para o que James
Highwater contribui na história?
Além das informações que o próprio coadjuvante percebe que faltam, há pelo
menos uma que está sobrando: a citação a Einstein. Ela não é dita pelo personagem
- mas, se não estivesse na tela de computador na página seguinte (o que permite o
encadeamento das ideias sequenciadas), a narrativa iria supor que conhecemos
esse conteúdo. O roteiro acaba por trazer essa passagem, presente no início deste
número, para reapresentar essa ideia, e acrescentar os adendos de alguém, que
4
está em outro lugar, e a quem, neste momento da história, ainda não conhecemos, e
fornece informações à narrativa.
Categorias: intertextualidade, autor-personagem, ação retardada.
#09; p. 8.
Figura - Animal Man #09, p. 8.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: na sequência da cena anterior, Highwater volta para sua casa.
Antes mesmo de entrar no prédio, uma cena mostra a construção por fora, enquanto
o personagem se pergunta se aquele é mesmo o seu apartamento.
5
A cena seguinte mostra o físico abrindo a porta e entrando no local. Seus
pensamentos respondem sua própria pergunta. "Tem que ser. Meu nome na porta.
J. Highwater." Ele também afirma que tem a sensação de ver o local pela primeira
vez, apesar reconhecer todos os objetos que ali estão.
Logo após, ele dá alguns passos pela sala, referindo a alguns de seus
pertences: televisão, cortinas, o carpete, o livro que está no chão. Ele recorda que
vive neste local há anos.
Ao abaixar-se para pegar o livro, ele lembra-se de um livro de Lewis Carrol,
citando o título de Alice "Através do Espelho" - que se passa após o primeiro, "No
País das Maravilhas".
Highwater abre o livro, e, na página marcada, ele lê um trecho sublinhado
com caneta vermelha. "... Você é apenas uma das coisas no sonho dele."
Finalmente, ao desdobrar o papel usado para marcar o livro, e, mesmo que
em pensamento, surpreende-se. A cena mostra o papel aberto, com os dizeres
"PERGUNTE AO PIRATA PSÍQUICO".
Efeito: o movimento de estranhamento do personagem em relação à sua
própria caracterização e à narrativa continua - assim como a quebra da suspensão
de descrença do leitor.
Ou será que não? Pode ser que, através da continuidade do uso do artifício,
os consumidores podem começar a entender - como será mostrado mais tarde - que
essa lógica faz sentido dentro da narrativa. Claro, há risco nessa estratégia
disruptiva para contar a história e manter o mistério acerca do que ocorre com o
cientista, pois nem todos podem comprar essa ideia.
Uma pergunta que poderia ser feita (sem, entretanto, ser respondida) é se os
exercícios de metalinguagem possuem alguma relação com o vazamento de
elementos para fora do quadro. Apenas nesta página, existem três ocorrências: o
topo do prédio (quadro 1), o pé de Highwater (quadro 3) e o papel desdobrado
(quadro 6).
Há ainda um detalhe que chama a atenção: o fato de que há duas cores
diferentes nos balões de pensamento. A partir da cadeia de acontecimentos, é
possível compreender que esse recurso gráfico - a passagem do amarelo para o
azul - se dá de forma a dividir o que acontece na cabeça de Highwater entre o que
ele pensa antes e depois de adentrar ao apartamento.
6
O fato e o livro deixado no chão ser um exemplar de Alice no País das
Maravilhas (narrativa metaléptica, no que uma menina entra em um universo
desconhecido) também pode ser um indício do que a narrativa apresenta - uma de
numerosas referências à obra de Lewis Carrol encontradas nas 26 edições de
Homem Animal.
O Pirata Psíquico, por sua vez, é um personagem que ainda não havia sido
reapresentado aos leitores depois da Crise nas Infinitas Terras e a unificação do
universo compartilhado da DC Comics - mas leitores poderiam fazer a relação entre
os fatos incomuns que ocorriam ao novo personagem e os acontecimentos da saga,
da qual nenhum personagem deveria lembrar-se, devido às circunstâncias do novo
Universo DC.
Categorias: autoconsciência, intertextualidade, historiografia, ação retardada.

#10; p. 10, quadros 1 a 3
Figura - Animal Man #10, p. 10.
7

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o vilão Chapeleiro Louco aborda Highwater, e diz que eles são todos
palavras em uma página. "Eu apenas achei que você deveria saber. Nós somos
somente um script, criado às pressas para cumprir uma meta. Nós nunca poderemos
aspirar a mais do que um melodrama barato."
Em seguida, ele tenta fazer com que o cientista repita a frase "mim carapálida falo com língua bífida". Os funcionários do local então percebem que o interno
escapou, e o imobilizam.
8
Enquanto é arrastado pelo corredor, o Chapeleiro Louco se preocupa mais
em terminar seu raciocínio. "Somos apenas palavras em uma página! Algum
picareta barato está escrevendo nossas vidas! Sem espaço! Sem espaço!"
Efeito: a fala do interno do Asilo Arkham, localizado em Gotham City no
universo compartilhado da DC, não parece fazer nenhum sentido com o resto da
história, já que James não está lá para vê-lo; sua aparição é inesperada.
Entretanto, o criminoso insano está falando do próprio roteiro de quadrinhos
ao falar que alguém os escreve. A narrativa ataca o próprio gênero super-heróico,
estabelecendo uma autocrítica - as histórias de super-heróis seriam melodramas
baratos. Além disso, a citação das metas a serem cumpridas pelos criadores são
submetidos também configura outra censura às práticas editoriais.
Além disso, a frase que o Chapeleiro desejava que o cientista repetisse é
largamente utilizada em peças ficcionais estadunidenses, principalmente no gênero
western. Ela refere-se ao aspecto ambíguo que envolvia as relações entre os
colonizadores do Oeste dos EUA e os nativos locais à época, no que a segunda
parte poderia ser enganada a qualquer momento. A brincadeira feita pelo vilão está
no fato de que, sendo Highwater um descendente dos nativos, falar a sentença seria
contraditório.
Categorias: intertextualidade, autoconsciência.

#10; p. 11, quadros 1 a 4.
Figura - Animal Man #10, p. 11.
9

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: em uma cela do Asilo Arkham, um homem está deitado, em posição
fetal. Acima dele, uma lâmpada incandescente atrai a atenção de uma mosca, que
faz rodopios pelo ar até chegar lá. Em frente ao homem, um papel, amassado até
ficar parecido com uma forma esférica.
O homem fala sem parar, baixinho, "mundosvãovivermundosvãomorrer",
repetidamente. Alguém fala, de fora da cena, e chama-oele pelo nome: Roger
Hayden, o Pirata Psíquico.
10
Hayden olha para o interlocutor dele. Suas escleróticas têm várias linhas
vermelhas, seus cabelos estão desgrenhados, e sua boca, entreaberta. "Um e dois e
esse e xis e três e quatro e prime e O que você quer? Foi o lobisomem quem lhe
deu meu nome?"
O médico, que havia chamado pelo interno, chega perto do Pirata Psíquico,
acompanhado de James Highwater. Os dois parecem sombras, pois a luz
incandescente bate de cima.
O profissional da saúde estende a mão para o preso. "Calma, Roger. Sou só
eu. É o Dr. Huntoon. Você parece inflexível, Roger. O que nós dissemos para você
sobre não dormir?"
O homem treme sob a camisa de força. Ele franze a testa, e olha fixamente
para o médico. "Como eu posso dormir? Se eu for dormir, eles podem decidir por me
remover da continuidade, e então eu nunca vou acordar."
Efeito: toda essa sequência fala sobre a continuidade recente (se
considerarmos a temporalidade desta HQ em particular, ou seja, 1988) do Universo
DC.
O termo Universo DC é utilizado para a linha do tempo do universo
compartilhado - o que também significa sua continuidade. A diferença no uso das
duas expressões é o falante. Os leitores e as revistas se referem ao universo
compartilhado, dentro de uma sequência encadeada no espaço-tempo, de Universo
DC; o termo é usado editorialmente. Já a continuidade é utilizada de forma
conceitual, já que existem múltiplas continuidades (o próprio Universo DC, o
Universo Marvel, o Mundo Pokémon, o Mundo das Trevas, e assim por diante).
Os símbolos citados pelo Pirata Psíquico são as múltiplas Terras alternativas
da continuidade anterior à Crise nas Infinitas Terras (1985); após o megaevento, o
espaço-tempo foi alterado, sendo reduzido a apenas uma realidade e, portanto, uma
única Terra.
Seu medo de ser removido da continuidade se dá justamente pelo controle da
editora DC Comics, que determinou que os personagens tivessem novas origens a
partir de 1986, e não se lembrariam do ocorrido na Crise. Por fim, o escritor da
maxissérie foi Marv Wolfman; a citação - confundir o autor com um lobisomem,
significado possível do termo "wolfman", no original em inglês - funciona apenas na
HQ original, não se aplicando à versão em português, publicada pela Abril Jovem
11
em 1990. Nela, o termo permaneceu como Wolfman, para que os leitores
deliberadamente fizessem a relação com os acontecimentos anteriores.
Categorias: historiografia, ação retardada, autor-personagem, metalepse,
intertextualidade, autoconsciência
#10, p. 13, quadros 1, 2, 3 e 6.
Figura - Animal Man #10, p. 13

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Highwater pega o papel que estava no chão, já que o Pirata
Psíquico declarou que era um presente para ele, que havia vindo visitá-lo no Asilo
12
Arkham. A princípio, o cientista se pergunta o que o conteúdo significa, ao começar
a ler.
Ao verificar a parte de trás do papel, ele vislumbra uma história em
quadrinhos - ou ao menos uma parte dela.
Os quatros mais delimitados seguem a leitura do nativo estadunidense. No
primeiro, dois aliens amarelos discutem. "Uma vez que pusermos estas armas
aprimoradas em produção em massa, qualquer planeta será nosso para pegarmos as populações se tornarão nossas escravas..." No que o outro responde:

"É

uma pena que a besta que nós mandamos aqui primeiro não tenha conseguido
desenterrar o dispositivo! Teríamos economizado tempo, Trano..."
A seguir, Buddy entende o propósito do monstro que batalhou anteriormente,
a partir das falas dos seres amarelos, os quais observa escondido atrás de uma
rocha. Ele entende que, então, seria este o momento certo para atacá-los.
Com uma pistola alienígena em mãos, o protagonista encara os alienígenas,
mesmo ainda sem uniforme, trajando somente calças roxas e uma camisa verde
xadrez. "Diga a eles para pararem de fazer palhaçadas aqui na Terra! ...Voltem, e
será sua última visita! ...Agora, lancem-se para fora daqui!"
Por fim, com outro close no rosto do herói, ele agora olha para o horizonte,
enquanto os aliens vão embora, e começa a pensar no que conseguiu. "Meus
poderes animais... Aquela arma de raios ativada pelos aliens... Eu ainda os tenho!
Talvez... Talvez eles não vão embora, e eu possa utilizá-los novamente, para lutar
contra qualquer mal que possa de novo ameaçar a humanidade!"
Efeito: nota-se que esse Homem Animal que o cientista vê na página de
quadrinhos não é o mesmo personagem que está na narrativa em que ele habita apesar de ele ainda não saber disso. Mais tarde, ao encontrar o herói (#18, p. 5), ele
nota a diferença, já que o protagonista da história que ele lê neste ponto é inclusive
mais velho do que o homem que ele encontra casado e com filhos.
Além disso, essa parte da origem do Homem Animal é a continuação da p. 1 desta
mesma edição, após Buddy Baker ter encontrado a nave alienígena.
Categorias: ação retardada, historiografia, mise en abyme
#14; p. 6 e 7.
Figura - Animal Man #14, p. 6.
13

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
Figura - Animal Man #14, p. 7.
14

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: em outro lugar, os pensamentos de alguém são revelados,
enquanto o que se vê é somente a beira de um lago, com gramíneas no solo e a
chuva caindo, provocando ondulações na água. "Chuva no canal. Padrões de
interferência de círculos concêntricos, como diagramas de impacto de bombas."
O homem está em um parque: há uma grade de troncos ao fundo, antes de
um mato com algumas árvores sem folhas. Ele veste sobretudo, e deixa as mãos
nos bolsos, apesar de carregar um guarda-chuva - este fica fechado, embaixo do
braço direito. "Como poderes telepáticos nos quadrinhos. Como as marcas de copos
15
e aneis nas pedras megalíticas. Como padrões em uma placa holográfica. O símbolo
da teoria da ordem implicada de David Bohm. A visão de um universo vasto e
interconectado, onde cada parte contém o todo."
A imagem foca nos pés do pensador, e no seu reflexo na água. "Onde o
universo é um espelho, refletindo a si mesmo. Tudo é tudo."
Ele começa a caminhar na margem do corpo d'água. "Patos disputam os
juncos. A chuva cai pelo caminho. Eu preciso de uma ideia." Ele ainda recita
mentalmente alguns versos, antes de repetir, novamente: "Tudo é tudo."
Ele cita o título dos versos: The Unquiet Grave, uma balada do poeta britânico
Arthur Quiller-Couch (1863-1944), enquanto caminha por uma subida; em primeiro
plano, um pneu e outros objetos jazem no lago. "Eu costumava adorar isso quando
estava na escola. Cristo. Era fácil de satisfazer."
Ele continua por seu caminho, e contempla um edifício largo e baixo, envolto
por uma estrutura de vigas de metal. "Um gasômetro contra um céu inquieto, os
ossos de dinossauros da Era Industrial. Metáfora horrenda. O que vai haver a
seguir? Selecionar extratos do Dicionário Oxford de Citações? Passeando por
Nietsche e Shelley e Shakespeare para dignificar um velho artifício velho e
disfarçado?"
Ao passar por uma caixa velha de madeira, ele conclui sua reflexão,
concordando com a pergunta que recém fizera a si mesmo. Logo à frente, James
Highwater dorme por sobre uma mesa de madeira, e também está tomando chuva,
assim como o pensador. Antes de chamar pelo personagem, ele ainda se pergunta
mais uma vez. "De vez em quando você se pergunta, em um universo
interconectado, quem está sonhando com quem?"
O personagem aborda o cientista, chacoalhando-o, pedindo para que ele
acorde.
Efeito: O presente ser pensante das imagens é uma representação do
próprio Grant Morrison, como será confirmado mais tarde. A partir desta perspectiva,
é possível perceber, em números posteriores, a utilização de algumas das ideias
sobre as quais devaneia durante esse processo criativo tomarem forma dentro da
narrativa.
A diferença gráfica também é gritante, principalmente no momento em que
Highwater aparece. A mudança na paleta de cores, com a predominância do branco
e com tons mais sombrios compondo as cenas, foi a maneira encontrada para
16
diferenciar as duas realidades retratadas na trama. O mundo representado aqui é o
real, onde os leitores também supostamente vivem - já que se fala da representação
do autor. Anteriormente, a presença do Deus do mundo ficcional era apenas
presumida: aqui, ela já se faz explícita, apesar de não ficar claro ainda que este
homem seja uma representação do escritor escocês.
Assim, Morrison quebra um paradigma recém estabelecido pela editora DC
Comics. A Crise nas Infinitas Terras surgiu justamente pelo problema das infinitas
realidades que tornavam a continuidade confusa. Portanto, em 1986, a empresa
decretou que, depois da saga, somente haveria uma Terra novamente. Mas, se
somente existe uma Terra, qual é o lugar onde o autor se encontra que é tão
diferente do encontrado nas páginas de Homem Animal até ali? Há a possibilidade
de ambos os locais situarem-se no mesmo universo?
Provavelmente não, a partir da perspectiva onírica de Highwater na cena, e a
partir do pensamento de que o homem retratado nestas páginas for o autor -,
portanto, ele estaria no mesmo mundo em que nós, pessoas humanas, de carne e
osso, nos encontramos neste exato momento, enquanto você lê este estudo.
Ainda na fase escrita por esse autor, o retorno das múltiplas Terras será
reforçado com a aparição de uma terceira realidade: o Limbo, onde estão todos os
personagens que uma vez já existiram na continuidade, mas agora jazem mortos ou
esquecidos.
Categorias:

autor-personagem,

historiografia,

aninhada, intertextualidade.
#14; p. 8, quadros 3 e 6.
Figura - Animal Man #14, p. 8.

metalepse,

reviravolta
17

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Highwater acorda de seu sonho, e tenta lembrar-se do que viu e
ouviu sentado na cama do quarto de um hotel. Ele está com uma mão no queixo e
olha para o chão. Entretanto, ele lembra-se de apenas algumas partes: a ordem
implicada, nove círculos do inferno, um labirinto de massa cinzenta...
E então, ele se lembra de uma frase: "Palavras são feias quando viajam em
bando."
O físico vai até a janela, e abre as persianas. "Hah! De onde veio isso? Eu
devia anotar. É isso que eu ganho por comer chili às três e meia da manhã."
18
Entretanto, seus pensamentos mudam de assunto ao começar a prestar
atenção na paisagem. "Agora... Onde diabos eu estou?"
Efeito: o conteúdo do sonho de Highwater, a julgar pelas últimas páginas e
pelas lembranças dele, é diferente daquilo que apareceu anteriormente. Os nove
círculos do inferno não aparecem ali, muito menos o referido labirinto. Por estas
relações, pode-se concluir que, já que o cientista estava dormindo ao ser encontrado
por Morrison, ele poderia estar tendo "um sonho dentro de outro sonho", como
consignava Edgar Allan Poe.
No final da página, novamente é evocada a sensação de que o personagem
conhece tanto de sua própria história quanto os leitores: ele está estabelecido na
narrativa, mas só vivencia realmente os pontos nos quais aparecem nas páginas de
Homem Animal.
Categorias: ação retardada.
#14; p. 19, quadro 5.
Figura - Animal Man #14, p. 19.
19

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Buddy não consegue nem explicar à sua esposa, Ellen, o que
aconteceu durante sua viagem forçada ao continente africano. Diz que percebeu que
algo estava sendo dito para ele. "Eu ainda não sei o que aconteceu na África.
Alguém estava dizendo algo para mim que eu não conseguia compreender. Eu
estava à eira de algo tão... Eu não sei... Tão incrível..."
Efeito: Parece que, dadas as circunstâncias do deslocamento e dos
acontecimentos na África, o Homem Animal sentiu que estava dentro de algo que
não poderia ser real (já que incrível = não crível). Poder-se-ia inferir, a partir da frase
20
"Algo estava sendo dito para mim", que o protagonista percebeu alguém mais na
narrativa, apesar de não saber formular quem seria.
Entretanto, se for pensar que tudo isto é a obra do próprio Morrison, esta
constatação foi tão somente permitida, e não um feito real do personagem. Faz
parte, portanto, do desenvolvimento assistido do personagem e de seu universo
particular, que também está incluindo dimensões para fora de seu mundo, bem
como da própria mídia que inadvertidamente habita.
Categorias: autoconsciência, autor-presonagem.
#17; p. 8, quadros 3 e 4.
Figura - Animal Man #17, p. 8.
21
Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Highwater, ao finalmente aparecer no quadro, depois de seus
pensamentos começarem a povoar este número, diz que, subitamente, sabe a razão
pela qual há sofrimento no mundo.
"E eu sei que de repente é outono... Eu sei que meu nome é James Highwater
e de onde este carro veio e porque eu preciso encontrar o Homem Animal e e"
Subitamente, o nativo estadunidense grita e arregala os olhos: suas mãos
viraram apenas um punhado de riscos e formas, pintados em um branco muito claro.
Efeito: os braços do físico, na verdade, estão apenas com sua estrutura
desenhada, não tendo saído da parte do esboço. Os membros não estão coloridos,
nem mesmo foram arte-finalizados - ou, ao menos, esse é o efeito provocado.
Esta anomalia acontece quando o personagem hesita sobre o seu
conhecimento sobre sua participação na narrativa. É como se faltasse alguma coisa
para que Highwater fosse um personagem digno de estar ali; e ele já sabe do que se
trata - mas o leitor, não.
Categorias: ação retardada.
#18; p. 1, quadro 6, e p. 2.
Figura - Animal Man #18, p. 1.
22

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
Figura - Animal Man #18, p. 2.
23

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: as duas páginas têm o fundo negro. Na primeira, Roger e Tricia
McMillian estão confortando Buddy, que aparentemente está sentado no chão da
cozinha da própria casa; há sinais de sangue no local, Tricia está chorando, e a
cena em primeira pessoa vai ficando mais nebulosa até o aparecimento dos
pensamentos do protagonista, no quinto quadro da p.1. "Eu não posso me
esquecer."
No final dessa página, aparece somente um espaço em branco no meio do
sexto "quadro": um retângulo, de pé, com três sulcos em cima e outros três embaixo.
24
"Há algo importante que eu não posso esquecer. Seria aquilo uma porta nas trevas?
Seria um cursor em um VDT? Sim. Dedos batem levemente em um teclado."
Na página seguinte, além do quadro amarelo com os créditos e o expediente
da revista para além do único quadro, uma mensagem em branco: "BRINCANDO
NOS CAMPOS DO SENHOR".
Os pensamentos do protagonista ainda estão ali, também. "Dedos batem e
palavras aparecem. Uma mensagem na escuridão sem fim. Ellen?"
Efeito: o personagem ainda não sabe disso, mas está vendo o trabalho do
autor sendo feito. Dessa forma, é revelada, ao menos em parte, a estrutura do
trabalho que está sendo feito para a produção da HQ ao protagonista, ao mostrar
alguém escrevendo, em uma tela de computador, o próprio título desta edição.
Esta é uma ocorrência de metalepse retórica ascendente, pois o personagem,
em um momento de choque, consegue ver o trabalho do autor sendo feito, em seu
computador, no mundo externo, se, no entanto, ter a oportunidade de interagir com
ele, dadas as circunstâncias e o seu estado mental presumido.
Categorias: autor-personagem, autoconsciência, metalepse.

#18; p. 11, quadro 4.
Figura - Animal Man #18, p. 11.
25

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o Homem Animal e James Highwater estão no topo da meseta uma formação rochosa comum nas regiões mais áridas dos Estados Unidos. Eles
encontraram alguns peiotes (sementes alucinógenas indígenas) no local indicado no
mapa. Aparentemente, não há mais nada naquele lugar.
Os dois estão sentados ali, mas Buddy acredita que isso não é tudo. "Há algo
grande acontecendo aqui, ok? Algo está por trás de tudo isto, e doze botões de
peiote não surgiram aqui por acaso. Nós precisaremos fazer isso." No caso, ele
refere-se à ingestão das plantas.
26
Efeito: a percepção de que existe um propósito para que tudo aconteça - o
que equivale a considerar a existência de uma trama, para a qual todos os
elementos colaboram - é similar ao conceito de metajogo, utilizado em RPGs de
mesa (COOK, 2003, p. 11-12). Os personagens se dão conta de que a história só
segue em frente se utilizarem dos recursos que dispõem, sejam eles de ordem
humana, material, emocional, entre outros.
Esse é um estado de autoconsciência, já que os participantes entendem que
não há como a situação ser entrópica; ela dá certo ou não, avança ou retrocede,
mas não fica estagnada em nenhum momento. Não há monotonia em uma narrativa.
Categorias: autoconsciência.

#19; p. 11.
Figura - Animal Man #19, p. 11.
27

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Buddy Baker olha em direção ao interlocutor, Boquiaberto, de olhos
arregalados, com as sobrancelhas erguidas, e a pupila estreita, numa posição de
olhada por cima dos ombros. Entretanto, ele não está, como em outros momentos
da obra, olhando para outra pessoa. Ele declara que está vendo o leitor - você. "EU
POSSO VER VOCÊ!"
Efeito: aqui está o momento em o Homem Animal exerce a metalepse
retórica ascendente de forma mais direta e consciente. O quadro, que ocupa toda a
página, tem apenas o personagem, seu balão de fala e sua sombra. Ele está
olhando para fora da página, para o mundo real, e percebendo o leitor.
28
Ali, ele então entende as palavras de seu antigo "eu" (p. 9-10), que disse que
eles apenas eram vistos por muitos. A surpresa do herói é compreensível, já que ele
começa a entender que sempre foi observado por outros, e que deste conhecimento
decorrem tantos outros pensamentos sobre sua própria existência, o livre-arbítrio,
etc. - como será mostrado mais adiante.
Categorias: metalepse.
#19; p. 12, quadros 1 a 4.
Figura - Animal Man #19, p. 12.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
29
Técnica: Buddy está a um passo de cair da meseta. "Eu posso te ver. Eu
posso ver." Highwater vai ao seu encontro para impedi-lo, chamando-o pelo nome
de super-herói.
Ele não parece ouvir o físico. "Você não pode vê-los?" O coadjuvante ainda
procura adverti-lo do perigo, em vão: ele aponta para o céu insistentemente. "Eles
estavam lá! Eles estão nos assistindo! Onde quer que formos! Tudo que fazemos!
Eles estão nos assistindo!"
Highwater o agarra pelo ombro, e o traz mais para perto, tirando-o da beirada
da pedra onde estão. "Não há nada! Pelo amor de Deus, Homem Animal! Buddy!" O
protagonista ainda olha para o céu, boquiaberto, e fala baixinho: "Eu os vi."
Efeito: esta sequência mostra que, no final das contas, as percepções após a
ingestão do peiote foram diferentes para os dois homens, e apenas o Homem
Animal conseguiu quebrar a quarta parede, exercendo a metalepse.
O protagonista último ainda se encontra com o olhar deslocado para fora do
universo ficcional, e, por isso, não deve ter percebido o perigo que corria dentro da
narrativa. O coadjuvante não compreende o que ocorreu, e acha que nada passou
de parte da alucinação do companheiro de viagem.
Categorias: metalepse, mise en abyme.
#19; p. 13 e 14.
Figura - Animal Man #19, p. 13.
30

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
Figura - Animal Man #19, p. 14.
31

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: após a alucinação de Highwater e Buddy aparentemente acabar, os
dois continuam sentados no topo da meseta, enquanto a noite cai. Sombras se
projetam por cima dos dois personagens, e o céu fica estrelado. "E o navio fica à
deriva através da escuridão sem fim", diz uma caixa de diálogo azul. "Você acredita
em Deus?", pergunta o protagonista.
Os dois, que estavam meio que de costas um para o outro, começam a olhar
para a mesma direção no horizonte. "Depende do que você quer dizer com 'Deus'...",
responde o cientista. O Homem Animal tentou ser mais específico, olhando para o
32
colega de viagem. "O Universo surgiu por acaso ou foi criado? É isso que eu quero
dizer. Será que alguém nos criou? Eles ainda estão nos criando agora?"
O herói olha para algum ponto incerto, com os olhos baixos. "Eu olhei para
outro mundo, e ele era pior que este. Era como se eu tivesse vislumbrado o Céu e...
E não era o Paraíso. Parecia mais o Inferno."
Em uma cena ampla, é possível ver que existe agora água até a altura do
topo da meseta - como se os dois personagens estivessem, na verdade, em uma
ilhota. Buddy continua a falar. "E se Deus, ou seja lá quem for, nos criou para
sermos melhores que ele próprio? E se a realidade de Deus... O Céu, como
queira... E se for tão ruim que ele teve de imaginar a nós para ajudá-lo a fazer com
que sua vida fosse suportável?"
O protagonista permanece em seu monólogo, e começa a se levantar,
conforme o enquadramento mostra apenas os personagens e a porção de água à
frente deles. "E se nós formos somente personagens, e não pessoas? Eu os vi.
Eles estão nos assistindo. 'Entretenimento', ele disse..." Highwater não parece se
importar muito. "Água. Alta. Água."
No final da página, o protagonista está de pé, olhando para o físico, que se
mantém inerte, sentado no chão. "Eu não quero..." Apesar disso, o Homem Animal
continua a falar. "Não, ouça! Ouça... Alguns meses atrás, ou talvez tenha sido há
um ano ou mais, minha mulher foi atacada e quase estuprada no bosque."
Na página seguinte, Highwater dá as costas, e parece apenas um vulto na
noite estrelada. O herói continua seu argumento: "Havia quatro caras. O que
aconteceu a eles? Eles quase a estupraram. Um deles matou o outro. Por que não
houve julgamento? Por que eu não consegui entender o que os aliens estavam
tentando me dizer na África? Por que Ellen não consegue lembrar-se do que ocorreu
quando eu desapareci naquela hora? Por que a minha vida é tão... Tão
desconectada? Num minuto eu estou em casa, e no outro eu estou nas Ilhas Faroe
ou em Paris, e eu penso que eu lembro como eu cheguei, mas eu realmente não
sei."
Depois de gesticular e virar-se de costas para o cientista, o super-herói olha
para o céu, com as mãos nos bolsos da calça. "O que é essa suposta segunda
Crise que está vindo? Quem deixou esses botões de peiote para que
encontrássemos? E de onde você veio?"
33
Olhando de relance, James se aproxima novamente do protagonista, e abre
sua carteira, explicando. "Eu? Eu sou James Highwater. Eu tenho 43 anos. Eu sou
Doutor em Física. Está tudo aqui. Cartões de crédito. Passaporte. Certidão de
nascimento. Tudo isto é tão estranho para você quanto é para mim. Você está
familiarizado com a teoria da Ordem Implicada, de David Bohm?"
Efeito: caindo em si, o personagem começa a utilizar o conhecimento de que
é um personagem para tentar entender como o seu universo funciona realmente. Se
ele foi criado para o entretenimento de milhares de pessoas, em um mundo pior que
o dele, e ele nem mesmo for uma pessoa, o que é real, para ele?
O criador assemelha-se, no paralelo criado pelo herói, ao papel de um deus.
E ele está certo, até certo ponto: todos os poderes de Javé (nome da divindade
judaico-cristã da Bíblia, comumente apenas chamado de Deus), como a
onipresença, onipotência e onisciência estão nas mãos do roteirista e do desenhista,
para que todos os detalhes, todas as transformações e todos os pensamentos
possam estar disponíveis ao público consumidor, se desejado por qualquer uma das
partes.
Em muitos aspectos, nossa realidade também é pior do que a do Universo
DC. Temos mais guerras, cidades demoram muito mais para serem reconstruídas
após alguma catástrofe (apesar de eventos assim serem menos frequentes), e as
pessoas, tendo superpoderes ou não, agem mais próximo do ideal, mesmo com o
advento da Era de Ferro e da inserção de tons de cinza nos conflitos apresentados.
É, portanto, uma versão romantizada, além de ter seres com poderes apenas
imaginados por humanos comuns.
Além disso, é importante o vazio para o qual o Homem Animal aponta ao falar
da falta de um julgamento para os caçadores que quase estupraram sua esposa.
Essa falta de resolução dos conflitos ocorre porque eles simplesmente não importam
para a narrativa que se quer contar - a história transcorre com ou sem a resolução
destes.
Por fim, o fato de que a teoria da ordem implicada é suscitada por Highwater
tem a ver com o sonho que teve. Se quem estava ali era mesmo Grant Morrison - ou
uma representação dele - então aquele episódio não era nada mais que o exercício
de criatividade do roteirista sendo feito naquele instante, dentro da HQ (ou criando
esse efeito). A partir daí, pode-se aduzir que esta é mais uma forma de escancarar a
estrutura que compõe a produção da obra, apesar de, neste momento, não estarmos
34
falando de metalepse, pois não há ligação nem com um mundo externo ao
quadrinho, exatamente, mas ainda assim, continua sendo uma metalepse retórica,
pela citação do mundo externo.
Categorias: autoconsciência, ação retardada, autor-personagem, metalepse.
#19; p. 21, quadros 1 e 6.
Figura - Animal Man #19, p. 21.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: no começo da página, Highwater se convence de que o que ele e
Buddy passaram acabou, e não corresponde à realidade. "Realmente acabou. Deus,
35
eu estou falando em clichês! Isso prova que nós não somos personagens em uma
história. Ninguém poderia escrever um diálogo tão terrível...
Na segunda situação, o cientista cita uma frase de Edgar Allan Poe, ao
comentar sobre o que as alucinações significaram: "Tudo que vemos ou parecemos
não passa de um sonho dentro de um sonho".
Efeito: no primeiro quadro, a impressão que os personagens têm pode ter
sido fabricada pelo autor, para tentar restabelecer a suspensão de descrença sobre
a obra. Entretanto, esse momento não é a resolução do conflito anterior (sobre o
livre-arbítrio), já que este será retomado mais tarde na trama.
No final da página, a frase pode ser aplicada sobre a mídia dos quadrinhos
em si: o sonho construído, utilizando a suspensão de descrença, sobre outro sonho
(a realidade, que é somente construída através de impulsos sensoriais recebidos
pelo cérebro, e traduzidos na percepção do ambiente).
Este é um sentimento que, além de poder ser percebido sobre a realidade
empírica na qual convivemos, também pode ser aplicado por sobre quaisquer
mundos ficcionais que um indivíduo pense, leia, jogue, atue etc.
Categorias: intertextualidade, autoconsciência.

#21; p. 11, quadro 2.
Figura - Animal Man #21, p. 11.
36

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Lennox, o homem que assassinou a família Baker, pergunta a um
de seus contratantes se este não fica preocupado com o fato de que os outros dois
executivos que o pagaram terem sido encontrados mortos. "Isso não lhe preocupa
nem um pouco? Não lhe ocorreu que o Homem Animal pode estar trabalhando com
McCulloch?"
O empresário rotundo esboça um sorriso, comprime os olhos e puxa um
artefato azul do bolso de seu paletó. "Eles não ousariam. Eu sou um respeitado
37
homem de negócios. Eles nunca se safariam. Afinal, o Homem Animal é um superherói. Super-heróis não matam pessoas. Essa ainda é a América."
Efeito: o antagonista fala que ele e seu interlocutor ainda estão nos EUA.
Este valor estadunidense por sobre os super-heróis - servindo como exemplo para
as crianças, por exemplo - é algo que não a narrativa ataca.
Na verdade, a Era de Ferro desta mídia em específico critica e expõe estas
generalizações. O universo compartilhado não mais apresenta heróis puros ou
histórias maniqueístas: os personagens têm vícios e defeitos; sentem raiva, remorso,
culpa...
A modernidade nas HQs, portanto, complexifica todas as personagens, bem
como as temáticas envolvidas nas narrativas ficcionais.
Categorias: historiografia.

#21; p. 12, quadro 3.
Figura - Animal Man #21, p. 12.
38

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o Homem Animal, Buddy Baker, e o Mestre dos Espelhos, Ian
McCulloch, param em uma rua, para que o protagonista pudesse enviar uma carta
pelo correio, mandando uma doação ao motivo ativista ambiental Greenpeace.
McCulloch olha para Buddy com o canto dos olhos, mantendo o pescoço virado para
outro lado e os braços cruzados. "Eu não sei... Os caras bons são tão ruins quanto
os maus hoje em dia."
39
O herói retruca, e bate de leve na caixa de correio com o punho esquerdo.
"Não importa o que façamos. Nós somos todos apenas personagens numa história
ruim. Não é culpa nossa."
Efeito: em momentos como esse, o Homem Animal se conforma com a sua
condição de personagem, apesar das mazelas que sofre. A história é ruim para com
ele, ou talvez macabra, ou triste, dependendo do ponto de vista; isto não é causado
por nenhum personagem específico.
Neste ponto, a abordagem da perda do aparente livre-arbítrio pelo
personagem que descobre sua real condição é encarada de uma abordagem mais
positiva: se ele não toma nenhuma decisão, é mais fácil acreditar e aceitar o que se
passa na narrativa.
Esse posicionamento, de fato, é muito similar ao do leitor - que também não
tem controle sobre o produto impresso, e apenas lê a história (ou não, se achar que
não vale a pena).
Categorias: autoconsciência, historiografia.
#21; p. 23, quadros 3 a 6.
Figura - Animal Man #21, p. 23.
40

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o Homem Animal destrói o robô que Lennox, o assassino de sua
família, pilotava. Entretanto, ele ainda está vivo, ali dentro. Por um dos buracos
abertos pelo herói, o vilão olha para ele, já demonstrando alguns ferimentos e
sangue no rosto. "... Não é justo... Você não deveria... Lutar contra pessoas
normais... Com super... Poderes... Não é justo... Pior... Você é pior do que... Eu
jamais fui..."
Buddy aproxima-se, procurando algo no bolso de sua jaqueta surrada,
segurada à mão, e encara o ocupante da carcaça de metal. Seus pensamentos são
contrários aos argumentos de Lennox. "Pare de pensar. Eu preciso ser um animal."
41
Em um close, o protagonista coloca uma luva esverdeada com garras, que
estava no bolso do casaco. "Você não sabe, não é? Você nunca vai entender o que
fez." O mesmo pensamento ecoa a seguir, e no último quadro da página. "Um
animal. Um animal."
Efeito: além da própria questão dos valores discutidos acerca da classe a
qual o personagem faz parte (já trazidos à tona, a saber: o maniqueísmo, no que os
heróis são pessoas honestas, sem segredos sombrios, que não matam nem falam
palavrão nem nada do tipo), há aqui a demonstração sobre o peso que sua parte
animal tem nessa discussão.
Ele, ao executar o criminoso, não o faz em nome de valores humanos, mas
substituindo-os pela raiva pura, indiscriminada. Entregando-se a um instinto animal,
acaba por agir por pura vingança.
É notável o fato de esta nem mesmo ser uma sequência aberta em página
dupla, ou com menores movimentos a cada quadro; além disso, não há nenhuma
menção direta à Maxine, Cliff ou Ellen Baker nesta página em específico.
Categorias: historiografia.
#22; p. 5, quadros 5 e 7.
Figura - Animal Man #22, p. 5.
42

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: no quadro 5, Rip Hunter pergunta ao Homem Animal se eles já se
conheceram antes deste momento. Buddy acha que não, no que o cientista declara:
"Talvez tenha sido um sonho."
No último quadro da página, o Gladiador Dourado segue o protagonista por
um lance de escadas se surpreende com o fato de seu antigo companheiro de
equipe admitir ter mentido. "Você o quê? Você mentiu? Que tipo de super-herói é
você?"
Efeito: o Dr. Hunter conhecia o Homem Animal durante a Crise nas Infinitas
Terras, em 1985.
43
Juntamente com outros heróis, como Delfim, Cave Carson, Congo Bill, o
Homem Imortal e Adam Strange, eles formaram o grupo conhecido como Heróis
Esquecidos - que reunia exatamente personagens que há muito tempo não tinham
aventuras próprias na DC Comics. Em sua primeira reunião, chegaram a ajudar o
Superman em uma crise mundial.
Entretanto, estes episódios, bem como todo o período que a equipe existiu,
foram desfeitas pelo reboot pós-Crise.
Já a reação do outro uniformizado soma-se a outros momentos, nos quais os
ideais da vida super-heróica são levantados. Um super-herói, nas concepções
maniqueístas da Era de Prata e da Era de Bronze, não poderia mentir
deliberadamente, apenas para satisfazer seus desejos pessoais - e muito menos
admitir isso, mesmo quando a intenção do ato era nobre.
Entretanto, Buddy Baker trata de, novamente, rechaçar estes ideais na
narrativa,

mostrando

outro

enfoque,

mais

humano,

superpoderosos.
Categorias: historiografia.

#22; p. 7, quadros 1 e 7.
Figura - Animal Man #22, p. 7.

nos

personagens
44

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: No início da página, o Pirata Psíquico está sozinho, mas parece
conversar com alguém. Ele ostenta profundas olheiras, cabelos despenteados e
mãos chispantes. "E não pense que eu não posso ver vocês, porque eu posso.
Pervertidos, sempre assistindo."
Ao final, após expelir uma massa multicolorida de sua cabeça, o criminoso
pega um impresso de dentro dela: uma HQ do Flash, cuja capa mostra outro homem
além dele, mais velho, correndo, do outro lado de uma parede, bem como um
homem protegendo-se mais à frente. "Eu AMO quadrinhos!"
45
Efeito: O Pirata Psíquico está, em tese, falando com os leitores no primeiro
quadro. Ele reitera o exercício metaficcional da metalepse, no que considera os
interlocutores um coletivo de perversos; voyeurs, talvez. O criminoso inclusive utiliza
o mesmo verbo que o Homem Animal proferiu ao observar o mundo externo assistir.
Ele pode muito bem ter razão, já que as vendas da revista foram incomuns
para um personagem que não figura no primeiro escalão de super-heróis da DC
Comics - isso poderia ser atribuído, possivelmente, ao componente dramático
inserido na trama, bem como nas temáticas abordadas.
A revista do Flash que aparece no último quadro é a primeira narrativa da DC
que mostra o Multiverso de fato - com o herói da Terra-1 interagindo com sua
contraparte da Terra-2, onde então as contrapartes da Era de Ouro (como este
Flash, antigamente chamado de Joel Ciclone).
Categorias: metalepse, intertextualidade, historiografia.
#22; p. 24.
Figura - Animal Man #22, p. 24.
46

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: duas tramas seguem em paralelo nesta página.
Nos quadros 1, 3, 5 e 7: Highwater está de volta a seu apartamento. Alguém o
chama, lá de dentro. O cientista está de frente a uma das janelas, e apenas seu
vulto pode ser visto de fora; porém, em uma cena interna, vemos que ele está de
calça jeans e camisa branca. "Dr. Highwater, a história está quase acabando. A hora
que foi prevista já chegou." O físico apóia no marco da janela com o braço esquerdo,
e repousa o punho sobre a testa e os olhos. Entretanto, dois vultos continuam a
chamá-lo, ao fundo do aposento. "Vire-se, Dr. Highwater. Este é o fim." Ainda com
47
os olhos cobertos, ele pergunta quem são seus interlocutores. No último quadro, os
aliens amarelos mostram-se, e respondem à pergunta... Com mais perguntas.
"Quem somos nós?" "Você não sabe?"
Nos quadros 2, 4, 6 e 8: primeiro surge a fachada do Silo Arkham; lá de
dentro, alguém fala insistentemente. "Eles estão todos vindo, do jeito que eu disse.
Todos eles estão vindo de volta." O autor da afirmação é o Pirata Psíquico, que está
em seu quarto, agachado, escondendo o rosto. Nas paredes, há vários pôsteres; no
chão, pilhas de material impresso não identificado - supostamente HQs, pelo
ocorrido antes, com o aparecimento súbito de um exemplar de uma história do
Flash. "Eu não posso mais segurá-los... Não é culpa minha... Não é culpa minha..."
Então, vemos o rosto dele, do qual sai uma rajada multicolorida; seus olhos também
estão vermelhos, sua boca, aberta, e não é possível ver o cabelo. "Eles estão vindo!"
No final da página, o mesmo feixe aparece tomando as costas da casa de saúde
mental. "ELES ESTÃO VINDO!"
Efeito: o fim da história, tão citado pelos alienígenas, poderia significar o final
da passagem de Grant Morrison pelo título ou mesmo o final da participação de
James Highwater na saga. Estas coisas são previstas pelo roteirista, como também
os seres fazem questão de deixar implícito.
Já o Pirata Psíquico procura conter o que há por vir, mas expele a enxurrada
de cores, extravasando o espaço dos quadros. Este exagero, portanto, é palpável
não somente dentro da narrativa, mas para além dela.
Por fim, é notável como o ritmo de leitura desta página é realizado de maneira
diferente da habitual. Por existirem duas tramas, uma em cada coluna, é até mais
compreensível que a sequência a se seguir é de cima para baixo, e depois da
esquerda para a direita, ao contrário do movimento comumente empregado (da
esquerda para a direita, e depois de cima para baixo).
Categorias: autoconsciência, ação retardada.
#23; p. 1, quadro 3.
Figura - Animal Man #23, p. 1.
48

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: antes de vestir sua máscara, o Pirata Psíquico sorri, e olha para
algum lugar, com os olhos apertados e as sobrancelhas em V, franzindo o cenho.
"Quanto a vocês... Eu ainda os vejo. Não pensem que vocês vão se safar apenas
assistindo por muito mais tempo. Coisas estão acontecendo."
Efeito: em mais um exercício de metalepse, desta vez a narrativa é mais
incisiva. Grosso modo, o vilão ameaça cada um dos leitores da revista - incluindo o
próprio observador presente. Apesar disso, não fica muito claro como ele poderia
afetar as pessoas para fora do mundo ficcional.
49
A tentativa aqui é a de tornar o consumidor mais do que o ente que assiste,
que observa os movimentos dos personagens. Assim a função desses seria mais do
que apenas a mola propulsora de reflexões e reações internas dos participantes da
narrativa, mas também parte dos conflitos que se materializam através das lutas
físicas entre os pólos da história (heróis e vilões, ou outras denominações nãomaniqueístas), como é comum em HQs do gênero super-heroico.
Categorias: metalepse.
#23, p. 6.
Figura - Animal Man #23, p. 6.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
50

Técnica: a intensa iluminação dentro do Asilo Arkham faz com que as janelas
do casarão exibam uma forte luz, que extrapola até mesmo o recinto.
Em frente ao local, estão James Highwater e os aliens amarelos. O cientista
tem uma sombra em seu rosto, e olha para o lugar de onde vieram, pensativo. "Olha,
porque vocês me trouxeram aqui? Eu realmente não quero estar aqui. Eu não
quero mesmo estar aqui..."
Os seres mantêm uma expressão serena. Um deles afirma: "Você não tem
escolha na matéria, Dr. Highwater. E nem nós."
O físico então olha de esguelha para eles e pergunta o que isso significa. Os
alienígenas respondem a ele alternadamente. "Nós apenas podemos representar
nossos papeis designados para a história."
Highwater ainda não compreende onde o termo "história" se encaixa. "Você
sabe o que queremos dizer. Suas recentes experiências no deserto com o Homem
Animal lhe ensinaram algo sobre a natureza física disso, a continuidade. Você
esteve trabalhando em uma nova teoria do espaço-tempo, baseado nas ideias
ganhas durante essas experiências."
Efeito: James ainda não entende o fato de que ele, como personagem, opera
na continuidade do universo compartilhado da DC; como tal, ele precisa
desempenhar papeis sempre que assim for requisitado pelos roteiristas e desenhado
pelos quadrinistas. Ele consegue estar, ao mesmo tempo que ciente disso, sem uma
reação apropriada diante da constatação.
Categorias: autoconsciência.
#23, p. 21, quadros 2, 4 e 5.
Figura - Animal Man #23, p. 21.
51

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o Pirata Psíquico, agora translúcido, incita os personagens
esquecidos a rebelar-se contra o mundo para além dos quadrinhos.
No segundo quadro, ele ergue o punho direito no ar. "... Nós podemos ter
vingança. Vocês podem vingar-se das pessoas que os mataram. As pessoas que
os dizimaram. Eles estão lá fora, assistindo. Eu sei, eu os vi."
Mais tarde, o vilão aponta para fora do quadro, e fecha o punho esquerdo.
"Ali! Vocês veem eles? Olhando para baixo. Aproveitando nossa dor."
No final da página, o antagonista encosta na linha do quadro, e continua
olhando para fora dele. "Esta jaula na qual estamos. Eles nos mantêm aqui e nos
52
fazem executar truques para seu entretenimento barato. Vocês nunca viram isso
antes? Olhem!"
Efeito: mais do que acompanhar os leitores ou entender que pessoas criaram
a HQ, o vilão enxerga a estrutura das páginas de quadrinhos. Além quebrar a quarta
parede, ele atenta para a existência dos próprios quadros, que controlam o fluxo do
tempo das cenas da obra, como Scott McCloud explica, ao denominar essa área
(sarjeta).
Até esse momento, entretanto, não é possível, para os outros personagens,
entenderem o que o Pirata Psíquico quer dizer com tudo isso. Eles não possuem a
percepção que esse personagem possui sobre o mundo externo.
Em seu desespero, o Pirata Psíquico resolve apontar diretamente para a
estrutura física que suporta a narrativa na qual se encontram (já percebida pelos
leitores há muito tempo, mas para a qual também se dá pouca atenção durante a
fruição da obra), a fim de que eles possam começar a enxergar essa mesma brecha
entre essa realidade e seu caráter interior em relação à Terra dos "criadores".
Categorias: metalepse, ação retardada, historiografia.
#23, p. 22.
Figura - Animal Man #23, p. 22.
53

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: atento ao que o vilão diz, Ultraman consegue enxergar as paredes
do quadro, encostando-se a ela. "Meu Deus. Aqui tem uma parede." Seu
companheiro Anel Energético (Lanterna Verde da Terra-3) observa, e põe a mão na
frente da boca.
Na sequência, o Superman alternativo resolve empurrar essa parede com o
ombro esquerdo. "Tem uma parede." Seu amigo tenta adverti-lo. "Ultraman, pelo
amor de Deus! Ultraman, eu estou com medo! Nós estamos indo longe demais! Isso
é errado! Isso não deveria acontecer!"
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Depois disso, para forçar a estrutura do quadro ainda mais, Ultraman apóia-se
nas duas laterais, com as costas e os pés. Anel Energético põe os punhos sobre as
têmporas, arregala os olhos, e faz uma carranca. "Ultraman! Não faça isso! Nós
não deveríamos saber!"
Abaixo, a estrutura do quadro rasga-se, e Ultraman fica com a boca pequena,
olhando, com os cantos dos olhos, para o espaço no qual ingressa devido ao
esforço feito. Anel Energético tenta alcançá-lo. "NÃO!"
Efeito: o espaço entre os quadros, denominado sarjeta, é onde a passagem
de tempo ocorre nos quadrinhos. Entrar neste espaço, como Ultraman está fazendo
nesta página, significa, no mínimo, realizar uma viagem na quarta dimensão.
O aviso de Anel Energético ocorre no sentido de alertar para uma quebra da
estrutura interna da narrativa: os fatos e personagens deveriam ficar dentro da
história, e não estar fora dela, como o Superman da Terra-3 tenta fazer.
Esse personagem, neste caso, fica num lugar que está para além da
passagem do tempo. Processo semelhante ocorreu com o protagonista desta HQ,
em meio à viagem de peiote do Homem Animal e de Highwater.
Categorias: metalepse, autoconsciência.
#24, p. 1.
Figura - Animal Man #24, p. 1.
55

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: as 6 cenas possuem caixas de texto, que descrevem as ações e
aparências que ali aparecem.
Quadro 1: "Plano de ambientação do Asilo Arkham sob um céu tortuoso e
atormentador. Folhas firam loucamente em um vento louco. As janelas do Asilo
Arkham estão acesas com luzes febris."
Quadro 2: "Close-up apertado nas teclas de um processador de palavras. As
letras no teclado estão esperando para combinarem-se, se tornarem palavras,
ideias... Uma história."
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Quadro 3: "Interior do Arkham. Plano de corpo inteiro do agora
fantasmagórico Pirata Psíquico, de pé na porta que dá para a sala de jantar. O
Pirata Psíquico, é claro, é o único personagem no Universo DC que se lembra do
multiverso que existia antes dos eventos da CRISE NAS INFINITAS TERRAS."
Quadro 4: "Essas memórias agora estão escapando da cabeça do Pirata
Psíquico e tomando formas de carne e osso. Com efeito, a Crise está se revertendo.
Infinitas Terras alternativas estão formando uma hemorragia na existência, a partir
da mente do Pirata Psíquico." Enquanto isso, alguém usa o teclado - apenas as
mãos dessa pessoa aparecem.
Quadro 5: "A cena move-se para um close-up de cabeça e ombros do Pirata
Psíquico. Sem surpresa, ele parece um pouco confuso e indisposto." Em reação a
isso, o vilão declara: "Eu sei que você está aí. Tentando fazer com que seja difícil
para eu pensar. Eu me sinto estranho. Eu me sinto tão estranho."
Quadro 6: as mãos continuam trabalhando no texto. Uma xícara de café
também aparece, e o escritor repete a fala do Pirata Psíquico. "Eu me sinto
estranho. Eu me sinto tão estranho. A história começa:"
Efeito: da mesma forma como ocorreu, em uma cena na casa dos Baker, em
San Diego (#18, p. 3), estas intervenções vêm do próprio roteirista da HQ, Grant
Morrison. Desta vez, elas se estendem um pouco mais, e mostram reações internas
do personagem.
Além disso, o próprio Pirata Psíquico, no quadro 5, declara que sabe que
alguém está ali, agindo diretamente. Ele poderia estar se referindo ao próprio
criador, que se faz presente a partir da explicitação de suas descrições, fornecidas
ao desenhista, para que esse pudesse desenhar as cenas de acordo com o
desejado para que a narrativa possa ser contada de maneira eficiente.
Categorias:

autor-personagem,

autoconsciência,

historiografia.
#24, p. 2.
Figura - Animal Man #24, p. 2.

ação

retardada,
57

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: todos os personagens observam o espaço aberto nos quadros pelo
Ultraman. Buddy reconhece esta experiência como sendo semelhante ao que
ocorreu na meseta estadunidense e no encontro anterior com os aliens, na África. O
Pirata Psíquico incita todos a atravessarem a barreira, e um dos alienígenas fala que
o que se revela ali é uma passagem entre aquele mundo e o "mundo mais alto".
Efeito: a quarta parede está ali, para todos os personagens verem. Nosso
mundo está, portanto, para logo além da sarjeta, além da mídia da revista em
quadrinhos, ao menos na concepção do autor.
Categorias: historiografia, metalepse, autoconsciência.
58

#24, p. 3, quadros 1 a 4.
Figura - Animal Man #24, p. 3.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: fora dos quadrinhos, há faces borradas, observando, junto do
espaço branco, vazio. Highwater esclarece que estes seres estão simplesmente
lendo a história, e eles são, em sua grande maioria, personagens menores na
narrativa. A discussão continua na multidão de personagens não mais esquecidos,
que se questionam acerca de seu livre arbítrio em relação a essas existências
externas, por exemplo.
59
Efeito: a experiência da metalepse produziu um efeito de estranhamento na
maior parte dos presentes à cena. Muitos não acreditam serem personagens; alguns
se questionam sobre seu papel no universo ficcional; e absolutamente ninguém se
mostra indiferente.
Categorias: autoconsciência, metalepse.

#24, p. 5, quadros 1, 5 e 6.
Figura - Animal Man #24, p. 5.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
60
Técnica: No primeiro quadro, o Homem Animal, um alien amarelo e James
Highwater observam a chegada de Overman, um Superman de uma terra paralela
esquecida. HA pergunta o que isso seria ("O que diabos é aquilo?"), com a resta
franzida por trás dos óculos do uniforme. O físico, ao fundo, está indignado,
pergunta-se sobre o fato ("O que está acontecendo?"), e indaga o alien, pedindo se
algo pode ser feito ("Você pode fazer algo?"). O extraterrestre, em seu semblante
observador, mas distante, afasta a possibilidade de ele próprio agir: "Isso interferiria
na história."
No quadro 5, Ultraman se coloca à frente do grupo, e diz que não pode deixar
que o artefato exploda - o que, alegadamente, pode destruir a Terra. O personagem
não se importa mais com sua condição de coadjuvante. "Meu Deus. Eu não me
importo com o que sou. Não me importo se sou apenas um personagem menor
numa história ruim... Eu não vou deixar que isso aconteça."
Na sequência, o Superman da Terra-3 se lança ao combate, voando,
enquanto reforça seu compromisso anterior e reafirma seu valor enquanto
personagem. A câmera está à sua frente, como se fosse o interlocutor em primeira
pessoa. "Está me ouvindo? Eu ainda tenho dignidade! Eu não vou deixar isso
acontecer de novo!"
Efeito: Os aliens dificilmente agem a favor de algum personagem; eles
apenas protegem a continuidade e o universo DC como entidades macro do sistema
narrativo das histórias em quadrinhos. Nesse caso, é da natureza deles que deixem
a história prosseguir, já que eles apenas têm a missão de observar. Anteriormente,
ao agirem diretamente com o Homem Animal, o problema era justamente a
instabilidade da continuidade, que ocorria devido à situação transitória que a origem
e história do personagem passavam.
Com a passividade dos seres amarelos, a narrativa conflituosa do Ultraman
pode aparecer, em seu confronto com Overman. Ele começa a ignorar o fato de ser
um personagem menor justamente pela ameaça que se interpõe à sua frente: a
destruição da Terra.
A Terra-3 foi destruída no início da Crise nas Infinitas Terras. O processo
ocorreu pela força do Anti-Monitor, e se manifestou como uma parede de luz,
engolindo e destruindo tudo em seu caminho dentro de cada universo que foi vítima
da ação do vilão. O líder do Sindicato do Crime da Amérika (pois, naquele universo,
61
os heróis eram todos vilões, e o único a lutar por justiça era Lex Luthor) nada pode
fazer.
Por isso, Ultraman sentiu-se na obrigação de, naquele momento, salvar a
Terra, enfrentando Overman.
Categorias: historiografia, autoconsciência.

#24, p. 6, quadros 4 e 5.
Figura - Animal Man #24, p. 6.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
62
Técnica: Em meio à batalha entre os dois superseres vindos de universos
esquecidos diferentes, o Pirata Psíquico, no quadro 4, pede para que ambos parem
("NÃO! PAREM! PAREM!"). Ele faz a acusação, com os braços para fora do quadro
e apontando para fora da página, de que os leitores desejam a luta entre Ultraman e
Overman. O vilão vocifera que o verdadeiro inimigo está fora dali. "Vocês estão se
esquecendo do inimigo real! Ali fora! Não lutem! É isso que eles querem! Eles
querem ver pessoas machucando umas às outras! Por que vocês acham que o
mundo é do jeito que é?"
No quadro seguinte, o Pirata Psíquico ainda completa, de fora do quadro: "É
isso que eles sempre querem!" Enquanto isso, Ultraman, que tem partes do uniforme
em chamas por causa dos disparos da visão de calor de seu oponente, tenta se
levantar, enquanto olha para fora do quadro, intrigado. "Ohhhhhh Oh Deus"
Efeito: A maneira como a figura do Pirata se porta em relação ao quadro
continua evidenciando o movimento que ele fez na edição anterior, ao sair da página
pela brecha na realidade criada pelo Superman da Terra-3. Não se entende
exatamente em que lugar ele está: o vilão psíquico estaria ainda no Universo DC, ou
já em direção ao mundo real - e, por isso, já entende toda a lógica por trás do
entretenimento que os embates entre superseres em geral causam.
Os próprios personagens, ao se depararem com a situação tão incomum
quanto a de descobrirem que são lidos pelo público consumidor de quadrinhos,
ainda assim buscam reagir com certa normalidade a ameaças internas ao universo
compartilhado, empregando ações heroicas e partindo para confrontos físicos
diretos. Esse comportamento é simplesmente sua natureza; essa, portanto, é o
objeto questionado pelas ações do Pirata Psíquico neste arco de histórias.
O criminoso em questão é afetado, em páginas anteriores, de forma caricata
e irreal, despejando, através de sua mente, muitas histórias em quadrinhos dentro
do universo ficcional. Será, talvez, que a interação com o universo externo à mídia
piora ou causa insanidades nos personagens?
O

personagem

alegadamente

de

psicótico,

desenhos
e

exercita

animados

Pica-Pau,

esporadicamente

a

por

exemplo,

relação

com

é
os

telespectadores e com o mundo externo. Em um episódio, o personagem Zé Jacaré,
após conseguir atirar no pássaro em pleno ar, percebe que ele tem um colar com
uma inscrição curiosa: "Em caso de acidente, notificar Walter Lantz; Hollywood,
63
Califórnia." Lantz é o animador que criou o doido penoso, que teve episódios
produzidos, na série original, de 1940 até 1972. (Figura)
Figura - Pica-Pau - Migração.

Fonte: <http:www.youtube.comwatch?v=8Yv8He_LQgo>. Acesso em: 30 set. 2012.

Categorias: metalepse, historiografia.

#24, p. 14.
Figura - Animal Man #24, p. 14.
64

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Não há quadros na página. Seguindo a convenção de leitura
(esquerda para direita, de cima para baixo), é possível perceber que o Homem
Animal termina de arrastar Overman, apesar de seus protestos, para o limiar entre
os quadrinhos e o mundo do leitor. O vilão fica tão desnorteado com a situação que
se pergunta, para além da natureza daquele local, sobre a sua própria natureza. E a
resposta, que deveria vir do herói, sai diretamente do que parece ser sua sombra,
logo ao lado. "Eu retirei meus próprios olhos, e ainda vejo. Eu vejo, nós não somos
reais. Nós somos as criações de mentes doentias. Sim, eu vi. E há algo pior."
65
No terceiro "quadro", a suposta projeção do protagonista relata que nem
mesmo os criadores deles são reais. Enquanto isso, o corpo do interlocutor
permanece

alheio

à

ação,

de

braços

cruzados.

No

final

da

página,

inexplicavelmente, Overman começa a cair - o enquadramento não explica o porquê
disso -, no que o Homem Animal tenta alcançar sua mão.
Efeito: A falta de quadros se dá exatamente pela natureza do espaço em que
os personagens se encontram. Teoricamente, herói e vilão estão na sarjeta (espaço
entre os quadros), onde ocorrem as passagens de tempo na mídia. Apesar da falta
deste importante componente da linguagem nas HQs, a mensagem se mantém a
partir da referida estrutura de leitura da página de quadrinhos.
McCloud (1995) aponta para a historicidade desta ordem. Em antigas
civilizações pré-colombianas, os mitos e histórias eram retratados, de maneira
pictográfica, já em um esquema de significação de cima para baixo; porém, a leitura
era feita em ziguezague. Em escritos egípcios, ainda mais antigos que esses, a
sistemática era parecida, invertendo o eixo vertical (de baixo para cima), mantendose a alternância horizontal.
O Homem Animal também entende que, sendo eles personagens, eles não
são reais, no sentido de que eles não possuem um corpo físico para além de suas
representações nas páginas. Ele vai além, ao afirmar que os criadores também não
existem; esta pode ser uma leitura feita através da citação a Edgar Allan Poe, feita
na página 21, na edição nº 19 ("Tudo que vemos ou parecemos não passa de um
sonho dentro de um sonho"). Aqui, novamente pode ser percebida uma referência à
própria natureza de nossa realidade, pois é somente real aquilo que vemos,
presencialmente ou através do suporte no qual as imagens forem processadas.
Por fim, a "queda" de Overman de volta para os quadros não tem uma
explicação, apesar de a maneira como o movimento ter sido retratado tê-la, no ramo
do possível. O superser está de costas para a visão do leitor, provavelmente porque
está ultrapassando novamente a barreira entre este mundo da sarjeta e o universo
compartilhado ao qual ele pertence (ou pertencia, já que ele é um personagem
esquecido).
Categorias: autoconsciência, metalepse, autor-personagem

#24, p. 15.
66
Figura - Animal Man #24, p. 15.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Overman caiu de volta para dentro dos quadros na HQ. O
protagonista observa, enquanto o interlocutor não compreende o que está
acontecendo, ou por que ele, que conseguiu derrotar e matar a todos em seu próprio
mundo, não consegue escapar dali; o vilão continua esmurrando a superfície do
plano, o que se mostra inútil.
O Homem Animal procura mostrar ao superser que ele não fez nada devido
ao seu poder, mas, sim, porque os criadores assim permitiram, construindo a cadeia
de fatos que levou ao destino da Terra de Overman. O vilão renega isso, pois não é
67
como o herói; segundo o próprio, ele mesmo é real, realístico; essa prisão dos
quadros na HQ, que vai diminuindo e espremendo-o, não poderia existir, na visão
dele.
Na sequência, o medo do vilão se transforma em raiva: ele olha furioso para o
Homem Animal, enquanto se esforça para caber no diminuto enquadramento no
qual ele está enclausurado. Ele argumenta, ao exigir sua liberdade: "Não é minha
culpa se eu fui criado para ser..." A frase para, pois a prisão do superser vira
somente uma linha. O herói, que estava cansado enquanto segurava costelas
quebradas e ouvia a ladainha de Overman, respira aliviado.
As dores físicas do protagonista começam a sumir no momento em que a
narrativa o recoloca dentro da ação, no último quadro da página. Entretanto, seu
estado psíquico ainda não retornou à saúde plena após mais uma experiência
insólita fora de sua zona de conforto. Ele sente, enquanto um dos aposentos do
Asilo Arkham se constrói ao redor dele, que os personagens não são donos de seus
destinos, já que não controlam nada. Sons e cheiros também se reconstroem, e os
pensamentos do Homem Animal, em quadros amarelos, falam de um cenário
familiar. "Uma cela. Água pingando. Uma sombra sussurrando para si mesma num
canto."
Efeito: O fato de o diálogo permanecer praticamente em um monólogo de
Overman liga-se, aqui, com o pensamento do herói de que nada está sob o controle
dos atores da narrativa. O destino do vilão é traçado sem nenhuma interferência do
Homem Animal: ele apenas deu algumas respostas, enquanto segurava suas
costelas, e sua sombra o confundia, até que ele caísse no quadro-prisão. Da mesma
forma, apesar de sua decisão de ir para a sarjeta tenha sido intencional, a volta do
protagonista para dentro dos enquadramentos de cena não seguiu essa lógica. A
diferença, nesse caso, é que os dois personagens trataram a condição de não
possuírem o potencial de interferir de maneiras distintas. Overman ficou raivoso, e
negou a existência da mão dos criadores na narrativa, enquanto o Homem Animal
procura meios de reequilibrar as forças por outros meios que não a força bruta.
Categorias: autor-personagem, metalepse, autoconsciência.

#24, p. 19, quadros 2 e 3.
Figura - Animal Man #24, p. 19.
68

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: os aliens amarelos, em sua contínua expressão sem grandes
destaques, afirmam que, agora, a continuidade está livre de todas as
inconsistências. Este seria, segundo eles, um dia de purificação... Mas ambos
percebem que a borboleta rosa que flutua pela cena pertence à Terra-14.
Enquanto isso, o Homem Animal afirma que, estranhamente, ele acha que
deveria haver 5 pessoas ali, e não 4 - como se alguém estivesse faltando. O inseto
extradimensional também passa por ele, de forma displicente.
Efeito: Apenas os fãs mais fervorosos perceberiam que determinado item
obscuro de um universo alternativo pertence a esse mundo. A alteração de
69
continuidade, ao menos naquele momento, também seria apenas um detalhe - se
não tivesse Highwater desaparecido misteriosamente, e os outros 4 personagens
não se lembrarem quem ele era exatamente, mesmo tendo estado com ele há
alguns momentos.
Categorias: autoconsciência, historiografia, intertextualidade.

#24, p. 22 e 23.
Figura - Animal Man #24, p. 22.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
Figura - Animal Man #24, p. 23.
70

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: De volta à casa do Homem Animal, ele questiona os aliens
amarelos sobre o seu papel nas próprias histórias em quadrinhos. Um deles
responde com o argumento da obtenção de conhecimento: para preparar os heróis
para o dia da purificação (que consistia nos eventos imediatamente anteriores dentro
da narrativa), os extraterrestres conectaram o protagonista, Vixen e Fera B'wana a
um mesmo modelo. O outro pergunta sobre a mudança de uniforme do herói novamente com indumentária azul e laranja -, no que sofre a réplica do Homem
Animal. "É, bem, eu não vou vestir peles de animais de novo. Nunca."
71
O protagonista tenta manter a discussão no foco, e continua a conversa com
o enquadramento de tilt down. Após revisar sua condição atual, na qual, resume,
teve sua família morta e passou por eventos que fazem sua cabeça girar, o
personagem pergunta a eles sobre a sua própria natureza. "O que somos? E se
somos personagens em uma história, então quem escreve as histórias? Quem nos
faz sofrer dessa forma? Quem escreve o mundo?"
Um dos interlocutores responde com uma citação de A Tempestade, de
William Shakespeare: "Como vos preveni, todos os atores eram espíritos;
dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável." Enquanto isso começam a sumir no ar,
apesar dos apelos em contrário do Homem Animal.
Enfim, após um close no rosto do herói, uma voz misteriosa entra em cena,
chamando por Buddy. Ela não parece sair de lugar algum nos quadros; diz que,
agora, é hora de ir embora, e de colocar de lado todas as coisas mundanas. Seria,
portanto, segundo esse ator fantasmagórico, o momento da última aventura do
protagonista. No que essas falas surgem, o herói simplesmente se dirige até a porta
principal da casa, agindo sem esboçar qualquer reação de questionamento em
relação a isso.
Efeito: A dúvida reiterada do personagem não se finda a partir de uma
explicação que tem raízes na própria narrativa; elas não servem mais a ele, já que
ele entende que ele é resultado de um processo criativo, feito por alguém que vive
num universo para fora das HQs.
A resposta final dos aliens amarelos é justamente um recado para o herói: os
seres ali presentes são manipuláveis tanto quanto o próprio Buddy, e, no fim das
contas, qualquer negativa ou constatação do fato pode ser cerceada e até mesmo
esquecida por todos, a partir de determinadas ordens dos criadores.
Esta assertiva é provada pelo próprio HA no final da página 23. O ato de
escutar a voz e obedecê-la cegamente pode significar, naquele momento, uma
manipulação deliberada para que se atinja o que precisa ser feito para que a história
prossiga. Este mesmo artifício é operado pelo Homem Animal, que simplesmente
abre a porta necessária para o andamento da ação, a partir do comando imposto
pela voz misteriosa.
Categorias: autor-personagem, autoconsciência, intertextualidade.
72
#25, p. 10.
Figura - Animal Man #25, p. 10.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: Um coelho vestindo capa surge, entre duas colunas de pedra,
fazendo uma pose que sugere que ele irá voar; enquanto isso, a conversa entre
Homem Animal e o Bobo-da-Corte continua. Voltando ao tópico dos personagens, o
protagonista novamente questiona: "Quem nos criou? Há alguém nos criando
agora?" O bufão exita; ele não tem certeza, e diz que não é um expert sobre o
assunto.
73
No exato lugar onde antes estava o coelho, surge um cachorro marrom que
veste uma espécie de máscara preta, que late e se coloca em posição de ataque. O
protagonista insiste com o coadjuvante. "Alguém está nos criando! Eu sei disso!" O
Bobo-da-Corte alerta que não pode concluir apressadamente, no que é pressionado
pelo herói. "Alguém matou minha mulher e minhas crianças e me colocou nisso tudo!
Num terceiro momento, ninguém está entre as colunas de pedra, e os outros
personagens se aproximam do primeiro plano. O Homem Animal continua
insatisfeito. "Não, mas olhe! Esta é a minha família! Se nós somos só personagens
numa história, então quem está escrevendo a história? Quem matou a minha
família?" O Bobo-da-Corte percebe a raiva contida no discurso, e pede para que ele
não o culpe. "Não olhe pra mim! Talvez você deva procurar a Cidade da
Formação."
O cachorro é atirado de volta ao meio das pilastras, mas para no ar, antes de
chegar ao chão. O herói observa o animal, e o bufão o chama, atentando-o à
prioridade do momento.
No último quadro, os outros membros do Quinteto Inferior estão ainda nos
primeiros degraus de uma longa escadaria, enquanto o Homem Animal e o Bobo-daCorte seguem à frente. As duas colunas jônicas formam um portal, em estilo grego,
e com os seguintes dizeres, em um latim garrafal: "Facilis descensus Averno" (em
português: "A descida para o inferno é fácil"). Nas colunas, além do desenho de
algumas suásticas, ainda podem ser lidos pelo menos três escritos - "lemme outta
here" (deixe-me sair daqui); "get a life" (tenha uma vida); e uma citação ao nome da
revista de Irmão Poder (Brother Power, the Geek).
Efeito: o protagonista está convencido de que o responsável pela morte de
sua esposa e filhos não era o assassino contratado, e sim o roteirista da HQ - já que
ele arquitetou todas as ações da revista. Ele só quer um nome, um lugar onde
procurar este sujeito, e obter suas respostas.
O coelho e o cão que aparecem nesta página são, respectivamente, Ace, o
Bat-Cão e Hoppy, o Coelho Marvel. O Irmão Poder é também citado. Essas
evocações de personagens esquecidos auxiliam a ambientação, ao mesmo tempo
em que trabalham com o conceito de ser "escrito para fora" do limbo e a paradoxal
relação com esta revista em específico. Um sem-número desse mesmo tipo de
relações ainda aparecerá nessa mesma edição.
74
A citação em latim no portal grego serve de referência para situar de qual
distância o protagonista se encontra em relação ao Universo DC, bem como uma
previsão do que ainda pode estar por vir. Se descer ao "inferno" é fácil, pensa-se
que a situação deve piorar para o Homem Animal.
Categorias: historiografia, autor-personagem, mise en abyme.

#25, p. 11, quadro 5.
Figura - Animal Man #25, p. 11.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.
75
Técnica: o Bobo-da-Corte tece seus comentários acerca das possibilidades
dos personagens presentes na Cidade da Formação. Ele parece sentir pena de
alguns personagens; ele sabe que, apesar de que muitos podem (e vão) serem
escritos novamente, outros nunca irão sair do limbo. No último quadro, ele chega a
ser sarcástico: "Convenhamos, quem se importa com os agentes da Patrulha
Espacial Canina neste dia e época?" Os três animais citados aparecem na imagem,
sendo que dois estão brigando, e o terceiro, vomitando em um canto.
Uma caixa aparece na sequência. Ela exprime, como sequência à fala do
bufão, um texto que se encaixa na situação, mas que não é nem fala, nem
pensamento: apenas explica de quem é a voz. "Disse o Bobo-da-Corte."
Efeito: a questão de delimitar que há entes que voltarão ao universo
compartilhado regular um dia é a aceitação do fato de que, uma vez que o
Multiverso foi encolhido no reboot, as possibilidades narrativas com os personagens
restantes não são necessariamente infinitas. Certos autores podem querer ver
histórias com o seu super-herói favorito novamente, ou mesmo enxergar
possibilidades entre os números de outro protagonista, e trazer esses seres de volta.
A história também faz questão de mostrar como os personagens esquecidos
estão, com a licença da repetição de palavras, verdadeiramente esquecidos. O limbo
é um local decadente, com uma arquitetura caótica, e poucas cores, exceto nos
próprios seres abandonados pela reformulação editorial ou mesmo antes disso,
vítimas do próprio ostracismo, da falta de aparições regulares, da não aceitação pelo
público, etc.
Assim como ocorreu outras vezes (#18, p. 3; #24, p. 1), aqui aparece uma
parte do roteiro que, originalmente, não precisaria ser publicado. O uso de fonte com
serifa, mais uma vez, dá a impressão de que ele vem de outro lugar presumivelmente o roteiro, já que este tipo de anotação sugeriria a referência a ser
feita pelo desenhista. No caso, não ao desenho do personagem, mas para indicar
um direcionamento do balão que realize essa sugestão na mente do leitor, sem que
este fique confuso quanto ao dono dos dizeres. Não menos importante: este tipo de
intervenção do texto anterior pode ser também uma lembrança de que você, que lê a
caixa, entenda que o escritor nunca deixa de operar sobre a história, mesmo quando
ela parece o colocar num papel antagônico em relação aos personagens.
Todos os outros personagens que aparecem nesta página estão, no momento
da publicação desta HQ, fora da cronologia da DC Comics.
76
Categorias: historiografia, autor-personagem, mise en abyme.

#25, p. 12, quadros 1 a 5.
Figura - Animal Man #25, p. 12.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: nos dois primeiros quadros, um homem escreve algo no teclado de
um computador, em uma sala não identificável. Apenas suas mãos podem ser
vistas, além do periférico e do monitor. Ele responde à pergunta do Bobo-da-Corte,
feita na última página, sobre os agentes da Patrulha Canina Espacial. "Eu me
importo. É estúpido, eu sei, mas eu me importo." Para o falante, estes personagens
77
o lembram de sua infância, assim como ficar debaixo das cobertas, ouvindo rádio de
ondas curtas. "Todas essas coisas: agora, perdidas ou quebradas." Ele pergunta a
alguém - que não está na cena - se ele se lembra desse tipo de sentimento. Sem
respostas, começa a questionar sua sanidade. "Talvez eu precise ir ver um médico."
No quadro seguinte, de volta ao limbo, o Bobo-da-Corte é categórico ao
responder a sua própria questão: ninguém se importa com os cachorros do espaço.
O Homem Animal muda de assunto. "Olha, você mencionou uma cidade. E se eu
levar o macaco até essa cidade? Talvez eles possam ser capazes de ajudar a nós
dois..."
O coadjuvante o interrompe, e discorda. Ele sabe que a Cidade da Formação
é um tipo de posto avançado para a força criativa, e que isso tudo parece com uma
história. O protagonista não entende o que o Bobo diz, e ele explica: "Bem, é só
que... Não existem histórias no limbo. É uma das condições para existir aqui. Eu não
sei. Se qualquer um pode fazê-lo, esse alguém é você. Eu não acho que você
realmente está no limbo. Você apenas está de passagem..."
Efeito: se o quadro branco da página anterior é uma referência ao escritor,
então o início da página atual é uma representação do pensamento de Grant
Morrison, roteirista desta HQ. Afinal, sua referência subjetiva - como o causador dos
males da vida do protagonista - é uma constante há algumas edições. Ele parece
responder que utiliza todos estes personagens antigos, que agora vivem no limbo,
como uma lembrança da infância, e lamenta por eles não poderem participar do
universo regular. Mostrar este espaço do esquecimento, no final das contas, serve
de redenção temporária a estes agentes, mas o é principalmente para Morrison, que
tenta passar essa saudade dos tempos idos ao leitor.
O fato de não existirem histórias no limbo é compreensível, visto o abandono
de seus visitantes. Eles compreendem sua condição, e vislumbram a ideia de ação,
em relação com as narrativas das HQs de super-heróis, como antinatural. A situação
especial que o Bobo-da-Corte ressalta que o Homem Animal possui é o fato de ele
ter chegado àquele lugar a partir de sua própria história; aquilo faz parte de sua
revista, e ele é o protagonista. Portanto, ele é capaz de algo, ao contrário dos
personagens esquecidos; esses simplesmente foram parar ali, sem qualquer
espécie de transição, perdendo seu lugar no Universo DC.
Categorias: autor-personagem, autoconsciência, metalepse, mise en abyme.
78
#26, p. 3, quadros 4 a 6.
Figura - Animal Man #26, p. 3.

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: No quarto quadro, Grant Morrison explica que tudo que acontece
nas histórias é escrito em seu computador. Sua mão aponta para a tela, e lá está
escrito: "Close na mão de Morrison apontando para a tela." Ele explica que pode
fazer o Homem Animal dizer e fazer qualquer coisa, como odiar sua esposa e filhos,
ou até mesmo esquecer que já foi casado um dia.
Na cena seguinte, o enquadramento fecha ainda mais no monitor, sem mais
mostrar as mãos do autor. Ele continua a explicação, e começa a querer mudar de
79
assunto. "Está tudo aqui, é onde eu escrevo as mazelas do mundo. Quando eu era
jovem, eu tinha uma amiga imaginária chamada Raposita..." No computador, a cena
escrita agora fala em um close no protagonista, concentrando a cena em um de
seus olhos, que se apertaria.
No final da página, apenas parte do rosto do Homem Animal aparece, com o
foco no olho apertando-se. Exatamente como estava escrito, o que não agrada ao
herói. "Você não me controla. Não. Não!"
Efeito: Ao apontar para a tela e descrever a ação no computador, o roteirista
acaba por demonstrar como, ali, na HQ, ele não é exatamente ele mesmo - mas,
sim, uma representação dele. Apesar de, dentro de uma suspensão de descrença, o
leitor acreditar na ideia de que o criador está ali, com a criatura, isso ocorre, talvez e
no máximo, no campo das metáforas. Essa ação ostensiva, dentro da narrativa, tem
como objetivo demonstrar o resultado que o efeito de escrever o roteiro produz na
história.
Na sequência, ele procura aplicar esse mesmo raciocínio ao Homem Animal,
descrevendo sua ação no monitor e no teclado - novamente, evocando algo do
possível dentro da narrativa, pois não é isso que realmente acontece, já que, aqui,
Morrison não revela a mão do desenhista na construção daquela realidade presente.
Em sua fala, ele demonstra como as mudanças que ele pode provocar na vida do
protagonista, e da sua ciência em relação à má fase na vida pessoal do herói que
ele mesmo escreveu.
Esse encontro entre criador e obra não seria tão incomum; na Marvel Comics,
o roteirista e desenhista John Byrne apareceria nas capas, além de interagir
esporadicamente com a Mulher-Hulk, em uma parte da série que se passou não
muito tempo depois desse fato; a edição da imagem (31) foi lançada em 1992 cerca de dois anos após este final, portanto.
Figura - She-Hulk #31, capa.
80

Fonte: <http:upload.wikimedia.orgwikipediaen33dCover_of_The_Sensational_She-Hulk_No._31.png>.
Acesso em: 13 nov. 2012.

Categorias: autor-personagem, metalepse, intertextualidade.
#26, p. 5, quadros 4 a 6.
Figura - Animal Man #26, p. 5.
81

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o Homem Animal se surpreende após ter um rompante de raiva e
jogar Grant Morrison contra uma janela, aparentemente matando-o, e ainda
encontrá-lo vivo em seguida. Ele está boquiaberto e de olhos arregalados, enquanto
o escritor caminha, com semblante inalterado. Ele reforça a mensagem anterior. "Eu
fiz você fazer aquilo também. Eu posso fazer com que você faça qualquer coisa."
O protagonista olha para a janela, que está novamente inteira, como se nada
tivesse acontecido. O próprio Morrison utiliza-se da retórica para falar que o Homem
Animal, na verdade, nunca foi realmente violento - ao contrário de personagens
82
cheios de armas e com testosterona em excesso. "Você já viu a futilidade da
violência, não é?"
Os olhos do Homem Animal continuam arregalados, mas ele franze a testa,
faz um muxoxo e coça a cabeça. "Sim... Sim, eu odeio violência... Eu... Por que eu
fiz aquilo?"
Efeito: a arbitrariedade das ações impostas pelo escritor começa a preocupar
o protagonista não somente pelo fato de elas ferirem o livre-arbítrio que ele julga ter,
mas também porque o roteiro pode levá-lo a fazer coisas que vão totalmente contra
sua natureza.
Esse tipo de estranhamento pode acontecer em HQs regulares, seja porque
determinado personagem mudou em seu âmago, ou então fruto de um roteiro que
traz uma caracterização do personagem especialmente deslocada. Um exemplo do
primeiro caso pode ser visto em Action Comics (2011-2012), escrita pelo próprio
Grant Morrison: antes escoteiro e paradigma da boa conduta, Superman, em sua
nova origem, é retratado como um jovem jornalista de esquerda, se colocando
contra os granes empresários e corruptos tanto dentro quanto fora do uniforme. Já a
outra razão pode ser atomizada pela nova série da Liga da Justiça Internacional, que
tenta colocar o herói Gladiador Dourado como um líder responsável, quando, na
verdade, não é. Os críticos atribuem esse posicionamento forçado, ironicamente, ao
próprio criador do personagem, Dan Jurgens, que assina os roteiros.
Categorias: autor-personagem, metalepse, ação retardada, autoconsciência.
#26, p. 6.
Figura - Animal Man #26, p. 6.
83

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: No começo da página, Morrison explica que ele fez o Homem
Animal cometer as suas últimas ações violentas, mas tão somente porque "eles"
achavam que um pouco de ação no começo da história manteria as pessoas
interessadas. Ele faz um meio sorriso, e apresenta que ele não pode ser
machucado, pois, naquele momento, ele está fingindo que aquele espaço é o mundo
real, e o fez para poder entrar no Universo DC, exatamente nestas páginas de
histórias em quadrinhos. O enquadramento, no segundo quadro, abre-se para
mostrar com maiores detalhes a casa do roteirista, enquanto os dois personagens
continuam na cena.
84
O Homem Animal põe as duas mãos na cintura, olha para seu atual criador e
fala com um canto da boca. "Como assim? A página de quadrinhos?" Subitamente,
ele também se lembra de que não faz muita ideia do que seja esse lugar onde fica a
casa de Grant Morrison. Ele viajou através do limbo por anos a fio até chegar ali. O
escritor, enquanto mexe em algumas gavetas, diz que ele nem mesmo saiu do
mesmo lugar onde sempre esteve todo mês: em sua HQ.
Então, o autor retira um punhado de revistas do Homem Animal, e as entrega
a um protagonista, que, de boca aberta, observa a sua própria história.
Efeito: Este mundo "real" que aparece neste número - e apareceu
anteriormente, durante as páginas 6 e 7 da edição 14 - é um pouco mais
assemelhado ao nosso: a arte é mais suja, e as sombras, feitas de hachura na face
em preto e branco de Morrison, realizam esse efeito.
Dessa forma, a presença do Homem Animal se torna ainda mais evidente, e
causa a sensação de que aquele personagem não pertence àquele universo.
Até que as HQs sejam mostradas a ele, o herói não entende muito bem
algumas das lógicas explicadas por Morrison, pois tenta encaixá-las no sistema
verossímil que ele ainda pensa viver, apesar de experiências como sua passagem
pelo limbo. Até ali, por não poder ter prestado atenção à teoria de Highwater a dois
números atrás, ele compreendeu que era um personagem de alguma história e era
visualizado por muitas pessoas; mas não sabia qual era a mídia que ele habitava (se
é que existia alguma - o Homem Animal, afinal, não poderia ter previsto tanto sobre
esse ponto).
Categorias: autor-personagem, metalepse, mise en abyme.
#26, p. 7.
Figura - Animal Man #26, p. 7.
85

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: o protagonista folheia o número 19, e revê a morte de sua família na
última página da publicação. O boquiaberto Homem Animal pergunta ao seu
roteirista porque sua família teve de morrer, e se entende o que fez a ele. Grant
Morrison diz que isso é evidente, já que ele escreveu todo o processo da dor, raiva e
aceitação sobre o assunto. O escritor argumenta que o drama era necessário à
história, e que "é fácil obter um choque emocional barato ao matar personagens
populares".
O Homem Animal constata, porém, que esse fato não é justo para com ele.
Morrison concorda, e apresenta a sua própria história: sua gata, Jarmara, havia
86
morrido, apesar de todos os esforços dele para tentar encontrar a causa do
problema da felina, ou mesmo tratá-la. "Isso não era justo também, mas para quem
eu reclamo?"
Efeito: Este ponto da conversa delimita exatamente o propósito do encontro:
estabelecer um espaço no qual toda a história ocorrida pode ser discutida e debatida
entre o protagonista e a representação do autor. Essa relação é desigual, pelo fato
de que é criada totalmente pelo escritor; entretanto, da perspectiva interna da
narrativa, ela se coloca como um estabelecimento de forças, se não adversárias, ao
menos opositoras em relação aos eventos ocorridos nas histórias anteriores.
Cada um deles tem argumentos. Morrison alega que a decisão de matar uma
família foi boa para a narrativa - o que, naturalmente, repercute no sucesso editorial
da publicação. Já o Homem Animal, apesar de ter superpoderes, é um pai de família
que não consegue entender como estes fatos podem ter sido manipulados tão
facilmente, antes e agora.
No final da página, o roteirista tem um ponto: pelo menos o protagonista tem
para quem se queixar; já ele, como os indivíduos de nossa realidade, não podem ir
até seus próprios deuses e pedirem diretamente que ele lhes desfaça suas mazelas.
Categorias: autor-personagem, autoconsciência, intertextualidade, mise en abyme.

#26, p. 8, quadros 1 a 5.
Figura - Animal Man #26, p. 8.
87

Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23
abr. 2013.

Técnica: a face de Grant Morrison se escurece, enquanto ele olha para a foto
de sua falecida gata. O Homem Animal somente observa. O escritor aponta para o
fato de que as HQs de super-heróis constituem um mundo mais simples que o real.
Qualquer tipo de catástrofe ou invasão alienígena não importa, já que tudo volta ao
normal logo após, e não existe problema "que não possa ser resolvido por um idiota
em um traje".
O segundo quadro conclui este raciocínio: o roteirista, já fora do
enquadramento, diz que, dados os fatos por ele levantados, não há razão para que o
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Marcelo Muzykant Grisa - POR TRÁS DOS QUADRINHOS - ANEXO

  • 1. 1 ANEXO A - ÍNTEGRA DA ANÁLISE DO OBJETO DE PESQUISA #08; p. 23, quadros 4 a 6; e 24. Figura - Animal Man #08, p. 23. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Figura - Animal Man #08, p. 24.
  • 2. 2 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o personagem James Highwater, um descendente de nativos americanos, aparece pela primeira vez na obra. Ele está de pé sobre uma meseta, de braços cruzados, assistindo as águias cruzando os céus à sua frente. Veste uma calça jeans, e uma camisa branca. Ele pensa sobre o que ocorre. O fundo da cena some, e o enquadramento faz um close-up em Highwater. "Á águia passa pela face quente do sol. Eu sinto um calafrio premonitório. Por que eu estou subitamente aqui? Eu não me lembro de caminhar ou dirigir até este lugar." Enquanto o espaço físico presente no quadro seguinte aumenta, o coadjuvante começa a pensar se ele não está vivendo um terror existencial - pois ele
  • 3. 3 sente como se tivesse sido recentemente trazido ao mundo, com um conjunto inteiro de memórias e um propósito já definido. Mas, no quadro seguinte, o pensamento dele ainda flui para uma segunda possibilidade a partir do que sente naquele momento. "Ou poderia ser verdade, enfim... Que Einstein estaria ERRADO?" Na página seguinte, os seis quadros mostram um quadro com um computador, que possui a tela amarelada. Aparecem, ao fundo, no alto da página, uma janela, um aquecedor de parede, um cesto cheio de lixo, e um gato preto, com coleira avermelhada. O enquadramento vai se aproximando para revelar o que está escrito no monitor. Lá, está uma citação de Albert Einstein. "Eu não posso acreditar que Deus joga dados com o cosmo." Nos dois últimos quadros, após a frase ficar legível ao leitor, outra frase é digitada logo abaixo: "Ele não [faz isso]. Mas eu sim." Efeito: as alegações e pensamentos acerca do que acomete Highwater acabam por quebrar o que se conhece como suspensão de descrença - o primeiro dos elementos da époche. Essa sensação, descrita com detalhes pela primeira vez pelo poeta, crítico e ensaísta inglês Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), é a vontade de um consumidor de uma obra de ficção de aceitar como verdadeiros os acontecimentos ocorridos no universo ficcional, por mais absurdos que sejam. Assim, o leitor abdica do julgamento em relação aos fatos, em troca do entretenimento que receberá durante o curso da obra a ser fruída. O personagem, no caso, acabou por chamar a atenção ao leitor a um fato corriqueiro: um personagem novo apareceu, e começa a falar. Não conhecemos sua origem, suas motivações, ou mesmo o que ele fez para ir parar em cima de uma meseta. A partir disso, começamos a questionar o sentido da história, e podemos não acreditar nela, ou em alguns aspectos da narrativa. Afinal, para o que James Highwater contribui na história? Além das informações que o próprio coadjuvante percebe que faltam, há pelo menos uma que está sobrando: a citação a Einstein. Ela não é dita pelo personagem - mas, se não estivesse na tela de computador na página seguinte (o que permite o encadeamento das ideias sequenciadas), a narrativa iria supor que conhecemos esse conteúdo. O roteiro acaba por trazer essa passagem, presente no início deste número, para reapresentar essa ideia, e acrescentar os adendos de alguém, que
  • 4. 4 está em outro lugar, e a quem, neste momento da história, ainda não conhecemos, e fornece informações à narrativa. Categorias: intertextualidade, autor-personagem, ação retardada. #09; p. 8. Figura - Animal Man #09, p. 8. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: na sequência da cena anterior, Highwater volta para sua casa. Antes mesmo de entrar no prédio, uma cena mostra a construção por fora, enquanto o personagem se pergunta se aquele é mesmo o seu apartamento.
  • 5. 5 A cena seguinte mostra o físico abrindo a porta e entrando no local. Seus pensamentos respondem sua própria pergunta. "Tem que ser. Meu nome na porta. J. Highwater." Ele também afirma que tem a sensação de ver o local pela primeira vez, apesar reconhecer todos os objetos que ali estão. Logo após, ele dá alguns passos pela sala, referindo a alguns de seus pertences: televisão, cortinas, o carpete, o livro que está no chão. Ele recorda que vive neste local há anos. Ao abaixar-se para pegar o livro, ele lembra-se de um livro de Lewis Carrol, citando o título de Alice "Através do Espelho" - que se passa após o primeiro, "No País das Maravilhas". Highwater abre o livro, e, na página marcada, ele lê um trecho sublinhado com caneta vermelha. "... Você é apenas uma das coisas no sonho dele." Finalmente, ao desdobrar o papel usado para marcar o livro, e, mesmo que em pensamento, surpreende-se. A cena mostra o papel aberto, com os dizeres "PERGUNTE AO PIRATA PSÍQUICO". Efeito: o movimento de estranhamento do personagem em relação à sua própria caracterização e à narrativa continua - assim como a quebra da suspensão de descrença do leitor. Ou será que não? Pode ser que, através da continuidade do uso do artifício, os consumidores podem começar a entender - como será mostrado mais tarde - que essa lógica faz sentido dentro da narrativa. Claro, há risco nessa estratégia disruptiva para contar a história e manter o mistério acerca do que ocorre com o cientista, pois nem todos podem comprar essa ideia. Uma pergunta que poderia ser feita (sem, entretanto, ser respondida) é se os exercícios de metalinguagem possuem alguma relação com o vazamento de elementos para fora do quadro. Apenas nesta página, existem três ocorrências: o topo do prédio (quadro 1), o pé de Highwater (quadro 3) e o papel desdobrado (quadro 6). Há ainda um detalhe que chama a atenção: o fato de que há duas cores diferentes nos balões de pensamento. A partir da cadeia de acontecimentos, é possível compreender que esse recurso gráfico - a passagem do amarelo para o azul - se dá de forma a dividir o que acontece na cabeça de Highwater entre o que ele pensa antes e depois de adentrar ao apartamento.
  • 6. 6 O fato e o livro deixado no chão ser um exemplar de Alice no País das Maravilhas (narrativa metaléptica, no que uma menina entra em um universo desconhecido) também pode ser um indício do que a narrativa apresenta - uma de numerosas referências à obra de Lewis Carrol encontradas nas 26 edições de Homem Animal. O Pirata Psíquico, por sua vez, é um personagem que ainda não havia sido reapresentado aos leitores depois da Crise nas Infinitas Terras e a unificação do universo compartilhado da DC Comics - mas leitores poderiam fazer a relação entre os fatos incomuns que ocorriam ao novo personagem e os acontecimentos da saga, da qual nenhum personagem deveria lembrar-se, devido às circunstâncias do novo Universo DC. Categorias: autoconsciência, intertextualidade, historiografia, ação retardada. #10; p. 10, quadros 1 a 3 Figura - Animal Man #10, p. 10.
  • 7. 7 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o vilão Chapeleiro Louco aborda Highwater, e diz que eles são todos palavras em uma página. "Eu apenas achei que você deveria saber. Nós somos somente um script, criado às pressas para cumprir uma meta. Nós nunca poderemos aspirar a mais do que um melodrama barato." Em seguida, ele tenta fazer com que o cientista repita a frase "mim carapálida falo com língua bífida". Os funcionários do local então percebem que o interno escapou, e o imobilizam.
  • 8. 8 Enquanto é arrastado pelo corredor, o Chapeleiro Louco se preocupa mais em terminar seu raciocínio. "Somos apenas palavras em uma página! Algum picareta barato está escrevendo nossas vidas! Sem espaço! Sem espaço!" Efeito: a fala do interno do Asilo Arkham, localizado em Gotham City no universo compartilhado da DC, não parece fazer nenhum sentido com o resto da história, já que James não está lá para vê-lo; sua aparição é inesperada. Entretanto, o criminoso insano está falando do próprio roteiro de quadrinhos ao falar que alguém os escreve. A narrativa ataca o próprio gênero super-heróico, estabelecendo uma autocrítica - as histórias de super-heróis seriam melodramas baratos. Além disso, a citação das metas a serem cumpridas pelos criadores são submetidos também configura outra censura às práticas editoriais. Além disso, a frase que o Chapeleiro desejava que o cientista repetisse é largamente utilizada em peças ficcionais estadunidenses, principalmente no gênero western. Ela refere-se ao aspecto ambíguo que envolvia as relações entre os colonizadores do Oeste dos EUA e os nativos locais à época, no que a segunda parte poderia ser enganada a qualquer momento. A brincadeira feita pelo vilão está no fato de que, sendo Highwater um descendente dos nativos, falar a sentença seria contraditório. Categorias: intertextualidade, autoconsciência. #10; p. 11, quadros 1 a 4. Figura - Animal Man #10, p. 11.
  • 9. 9 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: em uma cela do Asilo Arkham, um homem está deitado, em posição fetal. Acima dele, uma lâmpada incandescente atrai a atenção de uma mosca, que faz rodopios pelo ar até chegar lá. Em frente ao homem, um papel, amassado até ficar parecido com uma forma esférica. O homem fala sem parar, baixinho, "mundosvãovivermundosvãomorrer", repetidamente. Alguém fala, de fora da cena, e chama-oele pelo nome: Roger Hayden, o Pirata Psíquico.
  • 10. 10 Hayden olha para o interlocutor dele. Suas escleróticas têm várias linhas vermelhas, seus cabelos estão desgrenhados, e sua boca, entreaberta. "Um e dois e esse e xis e três e quatro e prime e O que você quer? Foi o lobisomem quem lhe deu meu nome?" O médico, que havia chamado pelo interno, chega perto do Pirata Psíquico, acompanhado de James Highwater. Os dois parecem sombras, pois a luz incandescente bate de cima. O profissional da saúde estende a mão para o preso. "Calma, Roger. Sou só eu. É o Dr. Huntoon. Você parece inflexível, Roger. O que nós dissemos para você sobre não dormir?" O homem treme sob a camisa de força. Ele franze a testa, e olha fixamente para o médico. "Como eu posso dormir? Se eu for dormir, eles podem decidir por me remover da continuidade, e então eu nunca vou acordar." Efeito: toda essa sequência fala sobre a continuidade recente (se considerarmos a temporalidade desta HQ em particular, ou seja, 1988) do Universo DC. O termo Universo DC é utilizado para a linha do tempo do universo compartilhado - o que também significa sua continuidade. A diferença no uso das duas expressões é o falante. Os leitores e as revistas se referem ao universo compartilhado, dentro de uma sequência encadeada no espaço-tempo, de Universo DC; o termo é usado editorialmente. Já a continuidade é utilizada de forma conceitual, já que existem múltiplas continuidades (o próprio Universo DC, o Universo Marvel, o Mundo Pokémon, o Mundo das Trevas, e assim por diante). Os símbolos citados pelo Pirata Psíquico são as múltiplas Terras alternativas da continuidade anterior à Crise nas Infinitas Terras (1985); após o megaevento, o espaço-tempo foi alterado, sendo reduzido a apenas uma realidade e, portanto, uma única Terra. Seu medo de ser removido da continuidade se dá justamente pelo controle da editora DC Comics, que determinou que os personagens tivessem novas origens a partir de 1986, e não se lembrariam do ocorrido na Crise. Por fim, o escritor da maxissérie foi Marv Wolfman; a citação - confundir o autor com um lobisomem, significado possível do termo "wolfman", no original em inglês - funciona apenas na HQ original, não se aplicando à versão em português, publicada pela Abril Jovem
  • 11. 11 em 1990. Nela, o termo permaneceu como Wolfman, para que os leitores deliberadamente fizessem a relação com os acontecimentos anteriores. Categorias: historiografia, ação retardada, autor-personagem, metalepse, intertextualidade, autoconsciência #10, p. 13, quadros 1, 2, 3 e 6. Figura - Animal Man #10, p. 13 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Highwater pega o papel que estava no chão, já que o Pirata Psíquico declarou que era um presente para ele, que havia vindo visitá-lo no Asilo
  • 12. 12 Arkham. A princípio, o cientista se pergunta o que o conteúdo significa, ao começar a ler. Ao verificar a parte de trás do papel, ele vislumbra uma história em quadrinhos - ou ao menos uma parte dela. Os quatros mais delimitados seguem a leitura do nativo estadunidense. No primeiro, dois aliens amarelos discutem. "Uma vez que pusermos estas armas aprimoradas em produção em massa, qualquer planeta será nosso para pegarmos as populações se tornarão nossas escravas..." No que o outro responde: "É uma pena que a besta que nós mandamos aqui primeiro não tenha conseguido desenterrar o dispositivo! Teríamos economizado tempo, Trano..." A seguir, Buddy entende o propósito do monstro que batalhou anteriormente, a partir das falas dos seres amarelos, os quais observa escondido atrás de uma rocha. Ele entende que, então, seria este o momento certo para atacá-los. Com uma pistola alienígena em mãos, o protagonista encara os alienígenas, mesmo ainda sem uniforme, trajando somente calças roxas e uma camisa verde xadrez. "Diga a eles para pararem de fazer palhaçadas aqui na Terra! ...Voltem, e será sua última visita! ...Agora, lancem-se para fora daqui!" Por fim, com outro close no rosto do herói, ele agora olha para o horizonte, enquanto os aliens vão embora, e começa a pensar no que conseguiu. "Meus poderes animais... Aquela arma de raios ativada pelos aliens... Eu ainda os tenho! Talvez... Talvez eles não vão embora, e eu possa utilizá-los novamente, para lutar contra qualquer mal que possa de novo ameaçar a humanidade!" Efeito: nota-se que esse Homem Animal que o cientista vê na página de quadrinhos não é o mesmo personagem que está na narrativa em que ele habita apesar de ele ainda não saber disso. Mais tarde, ao encontrar o herói (#18, p. 5), ele nota a diferença, já que o protagonista da história que ele lê neste ponto é inclusive mais velho do que o homem que ele encontra casado e com filhos. Além disso, essa parte da origem do Homem Animal é a continuação da p. 1 desta mesma edição, após Buddy Baker ter encontrado a nave alienígena. Categorias: ação retardada, historiografia, mise en abyme #14; p. 6 e 7. Figura - Animal Man #14, p. 6.
  • 14. 14 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: em outro lugar, os pensamentos de alguém são revelados, enquanto o que se vê é somente a beira de um lago, com gramíneas no solo e a chuva caindo, provocando ondulações na água. "Chuva no canal. Padrões de interferência de círculos concêntricos, como diagramas de impacto de bombas." O homem está em um parque: há uma grade de troncos ao fundo, antes de um mato com algumas árvores sem folhas. Ele veste sobretudo, e deixa as mãos nos bolsos, apesar de carregar um guarda-chuva - este fica fechado, embaixo do braço direito. "Como poderes telepáticos nos quadrinhos. Como as marcas de copos
  • 15. 15 e aneis nas pedras megalíticas. Como padrões em uma placa holográfica. O símbolo da teoria da ordem implicada de David Bohm. A visão de um universo vasto e interconectado, onde cada parte contém o todo." A imagem foca nos pés do pensador, e no seu reflexo na água. "Onde o universo é um espelho, refletindo a si mesmo. Tudo é tudo." Ele começa a caminhar na margem do corpo d'água. "Patos disputam os juncos. A chuva cai pelo caminho. Eu preciso de uma ideia." Ele ainda recita mentalmente alguns versos, antes de repetir, novamente: "Tudo é tudo." Ele cita o título dos versos: The Unquiet Grave, uma balada do poeta britânico Arthur Quiller-Couch (1863-1944), enquanto caminha por uma subida; em primeiro plano, um pneu e outros objetos jazem no lago. "Eu costumava adorar isso quando estava na escola. Cristo. Era fácil de satisfazer." Ele continua por seu caminho, e contempla um edifício largo e baixo, envolto por uma estrutura de vigas de metal. "Um gasômetro contra um céu inquieto, os ossos de dinossauros da Era Industrial. Metáfora horrenda. O que vai haver a seguir? Selecionar extratos do Dicionário Oxford de Citações? Passeando por Nietsche e Shelley e Shakespeare para dignificar um velho artifício velho e disfarçado?" Ao passar por uma caixa velha de madeira, ele conclui sua reflexão, concordando com a pergunta que recém fizera a si mesmo. Logo à frente, James Highwater dorme por sobre uma mesa de madeira, e também está tomando chuva, assim como o pensador. Antes de chamar pelo personagem, ele ainda se pergunta mais uma vez. "De vez em quando você se pergunta, em um universo interconectado, quem está sonhando com quem?" O personagem aborda o cientista, chacoalhando-o, pedindo para que ele acorde. Efeito: O presente ser pensante das imagens é uma representação do próprio Grant Morrison, como será confirmado mais tarde. A partir desta perspectiva, é possível perceber, em números posteriores, a utilização de algumas das ideias sobre as quais devaneia durante esse processo criativo tomarem forma dentro da narrativa. A diferença gráfica também é gritante, principalmente no momento em que Highwater aparece. A mudança na paleta de cores, com a predominância do branco e com tons mais sombrios compondo as cenas, foi a maneira encontrada para
  • 16. 16 diferenciar as duas realidades retratadas na trama. O mundo representado aqui é o real, onde os leitores também supostamente vivem - já que se fala da representação do autor. Anteriormente, a presença do Deus do mundo ficcional era apenas presumida: aqui, ela já se faz explícita, apesar de não ficar claro ainda que este homem seja uma representação do escritor escocês. Assim, Morrison quebra um paradigma recém estabelecido pela editora DC Comics. A Crise nas Infinitas Terras surgiu justamente pelo problema das infinitas realidades que tornavam a continuidade confusa. Portanto, em 1986, a empresa decretou que, depois da saga, somente haveria uma Terra novamente. Mas, se somente existe uma Terra, qual é o lugar onde o autor se encontra que é tão diferente do encontrado nas páginas de Homem Animal até ali? Há a possibilidade de ambos os locais situarem-se no mesmo universo? Provavelmente não, a partir da perspectiva onírica de Highwater na cena, e a partir do pensamento de que o homem retratado nestas páginas for o autor -, portanto, ele estaria no mesmo mundo em que nós, pessoas humanas, de carne e osso, nos encontramos neste exato momento, enquanto você lê este estudo. Ainda na fase escrita por esse autor, o retorno das múltiplas Terras será reforçado com a aparição de uma terceira realidade: o Limbo, onde estão todos os personagens que uma vez já existiram na continuidade, mas agora jazem mortos ou esquecidos. Categorias: autor-personagem, historiografia, aninhada, intertextualidade. #14; p. 8, quadros 3 e 6. Figura - Animal Man #14, p. 8. metalepse, reviravolta
  • 17. 17 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Highwater acorda de seu sonho, e tenta lembrar-se do que viu e ouviu sentado na cama do quarto de um hotel. Ele está com uma mão no queixo e olha para o chão. Entretanto, ele lembra-se de apenas algumas partes: a ordem implicada, nove círculos do inferno, um labirinto de massa cinzenta... E então, ele se lembra de uma frase: "Palavras são feias quando viajam em bando." O físico vai até a janela, e abre as persianas. "Hah! De onde veio isso? Eu devia anotar. É isso que eu ganho por comer chili às três e meia da manhã."
  • 18. 18 Entretanto, seus pensamentos mudam de assunto ao começar a prestar atenção na paisagem. "Agora... Onde diabos eu estou?" Efeito: o conteúdo do sonho de Highwater, a julgar pelas últimas páginas e pelas lembranças dele, é diferente daquilo que apareceu anteriormente. Os nove círculos do inferno não aparecem ali, muito menos o referido labirinto. Por estas relações, pode-se concluir que, já que o cientista estava dormindo ao ser encontrado por Morrison, ele poderia estar tendo "um sonho dentro de outro sonho", como consignava Edgar Allan Poe. No final da página, novamente é evocada a sensação de que o personagem conhece tanto de sua própria história quanto os leitores: ele está estabelecido na narrativa, mas só vivencia realmente os pontos nos quais aparecem nas páginas de Homem Animal. Categorias: ação retardada. #14; p. 19, quadro 5. Figura - Animal Man #14, p. 19.
  • 19. 19 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Buddy não consegue nem explicar à sua esposa, Ellen, o que aconteceu durante sua viagem forçada ao continente africano. Diz que percebeu que algo estava sendo dito para ele. "Eu ainda não sei o que aconteceu na África. Alguém estava dizendo algo para mim que eu não conseguia compreender. Eu estava à eira de algo tão... Eu não sei... Tão incrível..." Efeito: Parece que, dadas as circunstâncias do deslocamento e dos acontecimentos na África, o Homem Animal sentiu que estava dentro de algo que não poderia ser real (já que incrível = não crível). Poder-se-ia inferir, a partir da frase
  • 20. 20 "Algo estava sendo dito para mim", que o protagonista percebeu alguém mais na narrativa, apesar de não saber formular quem seria. Entretanto, se for pensar que tudo isto é a obra do próprio Morrison, esta constatação foi tão somente permitida, e não um feito real do personagem. Faz parte, portanto, do desenvolvimento assistido do personagem e de seu universo particular, que também está incluindo dimensões para fora de seu mundo, bem como da própria mídia que inadvertidamente habita. Categorias: autoconsciência, autor-presonagem. #17; p. 8, quadros 3 e 4. Figura - Animal Man #17, p. 8.
  • 21. 21 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Highwater, ao finalmente aparecer no quadro, depois de seus pensamentos começarem a povoar este número, diz que, subitamente, sabe a razão pela qual há sofrimento no mundo. "E eu sei que de repente é outono... Eu sei que meu nome é James Highwater e de onde este carro veio e porque eu preciso encontrar o Homem Animal e e" Subitamente, o nativo estadunidense grita e arregala os olhos: suas mãos viraram apenas um punhado de riscos e formas, pintados em um branco muito claro. Efeito: os braços do físico, na verdade, estão apenas com sua estrutura desenhada, não tendo saído da parte do esboço. Os membros não estão coloridos, nem mesmo foram arte-finalizados - ou, ao menos, esse é o efeito provocado. Esta anomalia acontece quando o personagem hesita sobre o seu conhecimento sobre sua participação na narrativa. É como se faltasse alguma coisa para que Highwater fosse um personagem digno de estar ali; e ele já sabe do que se trata - mas o leitor, não. Categorias: ação retardada. #18; p. 1, quadro 6, e p. 2. Figura - Animal Man #18, p. 1.
  • 23. 23 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: as duas páginas têm o fundo negro. Na primeira, Roger e Tricia McMillian estão confortando Buddy, que aparentemente está sentado no chão da cozinha da própria casa; há sinais de sangue no local, Tricia está chorando, e a cena em primeira pessoa vai ficando mais nebulosa até o aparecimento dos pensamentos do protagonista, no quinto quadro da p.1. "Eu não posso me esquecer." No final dessa página, aparece somente um espaço em branco no meio do sexto "quadro": um retângulo, de pé, com três sulcos em cima e outros três embaixo.
  • 24. 24 "Há algo importante que eu não posso esquecer. Seria aquilo uma porta nas trevas? Seria um cursor em um VDT? Sim. Dedos batem levemente em um teclado." Na página seguinte, além do quadro amarelo com os créditos e o expediente da revista para além do único quadro, uma mensagem em branco: "BRINCANDO NOS CAMPOS DO SENHOR". Os pensamentos do protagonista ainda estão ali, também. "Dedos batem e palavras aparecem. Uma mensagem na escuridão sem fim. Ellen?" Efeito: o personagem ainda não sabe disso, mas está vendo o trabalho do autor sendo feito. Dessa forma, é revelada, ao menos em parte, a estrutura do trabalho que está sendo feito para a produção da HQ ao protagonista, ao mostrar alguém escrevendo, em uma tela de computador, o próprio título desta edição. Esta é uma ocorrência de metalepse retórica ascendente, pois o personagem, em um momento de choque, consegue ver o trabalho do autor sendo feito, em seu computador, no mundo externo, se, no entanto, ter a oportunidade de interagir com ele, dadas as circunstâncias e o seu estado mental presumido. Categorias: autor-personagem, autoconsciência, metalepse. #18; p. 11, quadro 4. Figura - Animal Man #18, p. 11.
  • 25. 25 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o Homem Animal e James Highwater estão no topo da meseta uma formação rochosa comum nas regiões mais áridas dos Estados Unidos. Eles encontraram alguns peiotes (sementes alucinógenas indígenas) no local indicado no mapa. Aparentemente, não há mais nada naquele lugar. Os dois estão sentados ali, mas Buddy acredita que isso não é tudo. "Há algo grande acontecendo aqui, ok? Algo está por trás de tudo isto, e doze botões de peiote não surgiram aqui por acaso. Nós precisaremos fazer isso." No caso, ele refere-se à ingestão das plantas.
  • 26. 26 Efeito: a percepção de que existe um propósito para que tudo aconteça - o que equivale a considerar a existência de uma trama, para a qual todos os elementos colaboram - é similar ao conceito de metajogo, utilizado em RPGs de mesa (COOK, 2003, p. 11-12). Os personagens se dão conta de que a história só segue em frente se utilizarem dos recursos que dispõem, sejam eles de ordem humana, material, emocional, entre outros. Esse é um estado de autoconsciência, já que os participantes entendem que não há como a situação ser entrópica; ela dá certo ou não, avança ou retrocede, mas não fica estagnada em nenhum momento. Não há monotonia em uma narrativa. Categorias: autoconsciência. #19; p. 11. Figura - Animal Man #19, p. 11.
  • 27. 27 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Buddy Baker olha em direção ao interlocutor, Boquiaberto, de olhos arregalados, com as sobrancelhas erguidas, e a pupila estreita, numa posição de olhada por cima dos ombros. Entretanto, ele não está, como em outros momentos da obra, olhando para outra pessoa. Ele declara que está vendo o leitor - você. "EU POSSO VER VOCÊ!" Efeito: aqui está o momento em o Homem Animal exerce a metalepse retórica ascendente de forma mais direta e consciente. O quadro, que ocupa toda a página, tem apenas o personagem, seu balão de fala e sua sombra. Ele está olhando para fora da página, para o mundo real, e percebendo o leitor.
  • 28. 28 Ali, ele então entende as palavras de seu antigo "eu" (p. 9-10), que disse que eles apenas eram vistos por muitos. A surpresa do herói é compreensível, já que ele começa a entender que sempre foi observado por outros, e que deste conhecimento decorrem tantos outros pensamentos sobre sua própria existência, o livre-arbítrio, etc. - como será mostrado mais adiante. Categorias: metalepse. #19; p. 12, quadros 1 a 4. Figura - Animal Man #19, p. 12. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013.
  • 29. 29 Técnica: Buddy está a um passo de cair da meseta. "Eu posso te ver. Eu posso ver." Highwater vai ao seu encontro para impedi-lo, chamando-o pelo nome de super-herói. Ele não parece ouvir o físico. "Você não pode vê-los?" O coadjuvante ainda procura adverti-lo do perigo, em vão: ele aponta para o céu insistentemente. "Eles estavam lá! Eles estão nos assistindo! Onde quer que formos! Tudo que fazemos! Eles estão nos assistindo!" Highwater o agarra pelo ombro, e o traz mais para perto, tirando-o da beirada da pedra onde estão. "Não há nada! Pelo amor de Deus, Homem Animal! Buddy!" O protagonista ainda olha para o céu, boquiaberto, e fala baixinho: "Eu os vi." Efeito: esta sequência mostra que, no final das contas, as percepções após a ingestão do peiote foram diferentes para os dois homens, e apenas o Homem Animal conseguiu quebrar a quarta parede, exercendo a metalepse. O protagonista último ainda se encontra com o olhar deslocado para fora do universo ficcional, e, por isso, não deve ter percebido o perigo que corria dentro da narrativa. O coadjuvante não compreende o que ocorreu, e acha que nada passou de parte da alucinação do companheiro de viagem. Categorias: metalepse, mise en abyme. #19; p. 13 e 14. Figura - Animal Man #19, p. 13.
  • 31. 31 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: após a alucinação de Highwater e Buddy aparentemente acabar, os dois continuam sentados no topo da meseta, enquanto a noite cai. Sombras se projetam por cima dos dois personagens, e o céu fica estrelado. "E o navio fica à deriva através da escuridão sem fim", diz uma caixa de diálogo azul. "Você acredita em Deus?", pergunta o protagonista. Os dois, que estavam meio que de costas um para o outro, começam a olhar para a mesma direção no horizonte. "Depende do que você quer dizer com 'Deus'...", responde o cientista. O Homem Animal tentou ser mais específico, olhando para o
  • 32. 32 colega de viagem. "O Universo surgiu por acaso ou foi criado? É isso que eu quero dizer. Será que alguém nos criou? Eles ainda estão nos criando agora?" O herói olha para algum ponto incerto, com os olhos baixos. "Eu olhei para outro mundo, e ele era pior que este. Era como se eu tivesse vislumbrado o Céu e... E não era o Paraíso. Parecia mais o Inferno." Em uma cena ampla, é possível ver que existe agora água até a altura do topo da meseta - como se os dois personagens estivessem, na verdade, em uma ilhota. Buddy continua a falar. "E se Deus, ou seja lá quem for, nos criou para sermos melhores que ele próprio? E se a realidade de Deus... O Céu, como queira... E se for tão ruim que ele teve de imaginar a nós para ajudá-lo a fazer com que sua vida fosse suportável?" O protagonista permanece em seu monólogo, e começa a se levantar, conforme o enquadramento mostra apenas os personagens e a porção de água à frente deles. "E se nós formos somente personagens, e não pessoas? Eu os vi. Eles estão nos assistindo. 'Entretenimento', ele disse..." Highwater não parece se importar muito. "Água. Alta. Água." No final da página, o protagonista está de pé, olhando para o físico, que se mantém inerte, sentado no chão. "Eu não quero..." Apesar disso, o Homem Animal continua a falar. "Não, ouça! Ouça... Alguns meses atrás, ou talvez tenha sido há um ano ou mais, minha mulher foi atacada e quase estuprada no bosque." Na página seguinte, Highwater dá as costas, e parece apenas um vulto na noite estrelada. O herói continua seu argumento: "Havia quatro caras. O que aconteceu a eles? Eles quase a estupraram. Um deles matou o outro. Por que não houve julgamento? Por que eu não consegui entender o que os aliens estavam tentando me dizer na África? Por que Ellen não consegue lembrar-se do que ocorreu quando eu desapareci naquela hora? Por que a minha vida é tão... Tão desconectada? Num minuto eu estou em casa, e no outro eu estou nas Ilhas Faroe ou em Paris, e eu penso que eu lembro como eu cheguei, mas eu realmente não sei." Depois de gesticular e virar-se de costas para o cientista, o super-herói olha para o céu, com as mãos nos bolsos da calça. "O que é essa suposta segunda Crise que está vindo? Quem deixou esses botões de peiote para que encontrássemos? E de onde você veio?"
  • 33. 33 Olhando de relance, James se aproxima novamente do protagonista, e abre sua carteira, explicando. "Eu? Eu sou James Highwater. Eu tenho 43 anos. Eu sou Doutor em Física. Está tudo aqui. Cartões de crédito. Passaporte. Certidão de nascimento. Tudo isto é tão estranho para você quanto é para mim. Você está familiarizado com a teoria da Ordem Implicada, de David Bohm?" Efeito: caindo em si, o personagem começa a utilizar o conhecimento de que é um personagem para tentar entender como o seu universo funciona realmente. Se ele foi criado para o entretenimento de milhares de pessoas, em um mundo pior que o dele, e ele nem mesmo for uma pessoa, o que é real, para ele? O criador assemelha-se, no paralelo criado pelo herói, ao papel de um deus. E ele está certo, até certo ponto: todos os poderes de Javé (nome da divindade judaico-cristã da Bíblia, comumente apenas chamado de Deus), como a onipresença, onipotência e onisciência estão nas mãos do roteirista e do desenhista, para que todos os detalhes, todas as transformações e todos os pensamentos possam estar disponíveis ao público consumidor, se desejado por qualquer uma das partes. Em muitos aspectos, nossa realidade também é pior do que a do Universo DC. Temos mais guerras, cidades demoram muito mais para serem reconstruídas após alguma catástrofe (apesar de eventos assim serem menos frequentes), e as pessoas, tendo superpoderes ou não, agem mais próximo do ideal, mesmo com o advento da Era de Ferro e da inserção de tons de cinza nos conflitos apresentados. É, portanto, uma versão romantizada, além de ter seres com poderes apenas imaginados por humanos comuns. Além disso, é importante o vazio para o qual o Homem Animal aponta ao falar da falta de um julgamento para os caçadores que quase estupraram sua esposa. Essa falta de resolução dos conflitos ocorre porque eles simplesmente não importam para a narrativa que se quer contar - a história transcorre com ou sem a resolução destes. Por fim, o fato de que a teoria da ordem implicada é suscitada por Highwater tem a ver com o sonho que teve. Se quem estava ali era mesmo Grant Morrison - ou uma representação dele - então aquele episódio não era nada mais que o exercício de criatividade do roteirista sendo feito naquele instante, dentro da HQ (ou criando esse efeito). A partir daí, pode-se aduzir que esta é mais uma forma de escancarar a estrutura que compõe a produção da obra, apesar de, neste momento, não estarmos
  • 34. 34 falando de metalepse, pois não há ligação nem com um mundo externo ao quadrinho, exatamente, mas ainda assim, continua sendo uma metalepse retórica, pela citação do mundo externo. Categorias: autoconsciência, ação retardada, autor-personagem, metalepse. #19; p. 21, quadros 1 e 6. Figura - Animal Man #19, p. 21. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: no começo da página, Highwater se convence de que o que ele e Buddy passaram acabou, e não corresponde à realidade. "Realmente acabou. Deus,
  • 35. 35 eu estou falando em clichês! Isso prova que nós não somos personagens em uma história. Ninguém poderia escrever um diálogo tão terrível... Na segunda situação, o cientista cita uma frase de Edgar Allan Poe, ao comentar sobre o que as alucinações significaram: "Tudo que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho". Efeito: no primeiro quadro, a impressão que os personagens têm pode ter sido fabricada pelo autor, para tentar restabelecer a suspensão de descrença sobre a obra. Entretanto, esse momento não é a resolução do conflito anterior (sobre o livre-arbítrio), já que este será retomado mais tarde na trama. No final da página, a frase pode ser aplicada sobre a mídia dos quadrinhos em si: o sonho construído, utilizando a suspensão de descrença, sobre outro sonho (a realidade, que é somente construída através de impulsos sensoriais recebidos pelo cérebro, e traduzidos na percepção do ambiente). Este é um sentimento que, além de poder ser percebido sobre a realidade empírica na qual convivemos, também pode ser aplicado por sobre quaisquer mundos ficcionais que um indivíduo pense, leia, jogue, atue etc. Categorias: intertextualidade, autoconsciência. #21; p. 11, quadro 2. Figura - Animal Man #21, p. 11.
  • 36. 36 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Lennox, o homem que assassinou a família Baker, pergunta a um de seus contratantes se este não fica preocupado com o fato de que os outros dois executivos que o pagaram terem sido encontrados mortos. "Isso não lhe preocupa nem um pouco? Não lhe ocorreu que o Homem Animal pode estar trabalhando com McCulloch?" O empresário rotundo esboça um sorriso, comprime os olhos e puxa um artefato azul do bolso de seu paletó. "Eles não ousariam. Eu sou um respeitado
  • 37. 37 homem de negócios. Eles nunca se safariam. Afinal, o Homem Animal é um superherói. Super-heróis não matam pessoas. Essa ainda é a América." Efeito: o antagonista fala que ele e seu interlocutor ainda estão nos EUA. Este valor estadunidense por sobre os super-heróis - servindo como exemplo para as crianças, por exemplo - é algo que não a narrativa ataca. Na verdade, a Era de Ferro desta mídia em específico critica e expõe estas generalizações. O universo compartilhado não mais apresenta heróis puros ou histórias maniqueístas: os personagens têm vícios e defeitos; sentem raiva, remorso, culpa... A modernidade nas HQs, portanto, complexifica todas as personagens, bem como as temáticas envolvidas nas narrativas ficcionais. Categorias: historiografia. #21; p. 12, quadro 3. Figura - Animal Man #21, p. 12.
  • 38. 38 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o Homem Animal, Buddy Baker, e o Mestre dos Espelhos, Ian McCulloch, param em uma rua, para que o protagonista pudesse enviar uma carta pelo correio, mandando uma doação ao motivo ativista ambiental Greenpeace. McCulloch olha para Buddy com o canto dos olhos, mantendo o pescoço virado para outro lado e os braços cruzados. "Eu não sei... Os caras bons são tão ruins quanto os maus hoje em dia."
  • 39. 39 O herói retruca, e bate de leve na caixa de correio com o punho esquerdo. "Não importa o que façamos. Nós somos todos apenas personagens numa história ruim. Não é culpa nossa." Efeito: em momentos como esse, o Homem Animal se conforma com a sua condição de personagem, apesar das mazelas que sofre. A história é ruim para com ele, ou talvez macabra, ou triste, dependendo do ponto de vista; isto não é causado por nenhum personagem específico. Neste ponto, a abordagem da perda do aparente livre-arbítrio pelo personagem que descobre sua real condição é encarada de uma abordagem mais positiva: se ele não toma nenhuma decisão, é mais fácil acreditar e aceitar o que se passa na narrativa. Esse posicionamento, de fato, é muito similar ao do leitor - que também não tem controle sobre o produto impresso, e apenas lê a história (ou não, se achar que não vale a pena). Categorias: autoconsciência, historiografia. #21; p. 23, quadros 3 a 6. Figura - Animal Man #21, p. 23.
  • 40. 40 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o Homem Animal destrói o robô que Lennox, o assassino de sua família, pilotava. Entretanto, ele ainda está vivo, ali dentro. Por um dos buracos abertos pelo herói, o vilão olha para ele, já demonstrando alguns ferimentos e sangue no rosto. "... Não é justo... Você não deveria... Lutar contra pessoas normais... Com super... Poderes... Não é justo... Pior... Você é pior do que... Eu jamais fui..." Buddy aproxima-se, procurando algo no bolso de sua jaqueta surrada, segurada à mão, e encara o ocupante da carcaça de metal. Seus pensamentos são contrários aos argumentos de Lennox. "Pare de pensar. Eu preciso ser um animal."
  • 41. 41 Em um close, o protagonista coloca uma luva esverdeada com garras, que estava no bolso do casaco. "Você não sabe, não é? Você nunca vai entender o que fez." O mesmo pensamento ecoa a seguir, e no último quadro da página. "Um animal. Um animal." Efeito: além da própria questão dos valores discutidos acerca da classe a qual o personagem faz parte (já trazidos à tona, a saber: o maniqueísmo, no que os heróis são pessoas honestas, sem segredos sombrios, que não matam nem falam palavrão nem nada do tipo), há aqui a demonstração sobre o peso que sua parte animal tem nessa discussão. Ele, ao executar o criminoso, não o faz em nome de valores humanos, mas substituindo-os pela raiva pura, indiscriminada. Entregando-se a um instinto animal, acaba por agir por pura vingança. É notável o fato de esta nem mesmo ser uma sequência aberta em página dupla, ou com menores movimentos a cada quadro; além disso, não há nenhuma menção direta à Maxine, Cliff ou Ellen Baker nesta página em específico. Categorias: historiografia. #22; p. 5, quadros 5 e 7. Figura - Animal Man #22, p. 5.
  • 42. 42 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: no quadro 5, Rip Hunter pergunta ao Homem Animal se eles já se conheceram antes deste momento. Buddy acha que não, no que o cientista declara: "Talvez tenha sido um sonho." No último quadro da página, o Gladiador Dourado segue o protagonista por um lance de escadas se surpreende com o fato de seu antigo companheiro de equipe admitir ter mentido. "Você o quê? Você mentiu? Que tipo de super-herói é você?" Efeito: o Dr. Hunter conhecia o Homem Animal durante a Crise nas Infinitas Terras, em 1985.
  • 43. 43 Juntamente com outros heróis, como Delfim, Cave Carson, Congo Bill, o Homem Imortal e Adam Strange, eles formaram o grupo conhecido como Heróis Esquecidos - que reunia exatamente personagens que há muito tempo não tinham aventuras próprias na DC Comics. Em sua primeira reunião, chegaram a ajudar o Superman em uma crise mundial. Entretanto, estes episódios, bem como todo o período que a equipe existiu, foram desfeitas pelo reboot pós-Crise. Já a reação do outro uniformizado soma-se a outros momentos, nos quais os ideais da vida super-heróica são levantados. Um super-herói, nas concepções maniqueístas da Era de Prata e da Era de Bronze, não poderia mentir deliberadamente, apenas para satisfazer seus desejos pessoais - e muito menos admitir isso, mesmo quando a intenção do ato era nobre. Entretanto, Buddy Baker trata de, novamente, rechaçar estes ideais na narrativa, mostrando outro enfoque, mais humano, superpoderosos. Categorias: historiografia. #22; p. 7, quadros 1 e 7. Figura - Animal Man #22, p. 7. nos personagens
  • 44. 44 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: No início da página, o Pirata Psíquico está sozinho, mas parece conversar com alguém. Ele ostenta profundas olheiras, cabelos despenteados e mãos chispantes. "E não pense que eu não posso ver vocês, porque eu posso. Pervertidos, sempre assistindo." Ao final, após expelir uma massa multicolorida de sua cabeça, o criminoso pega um impresso de dentro dela: uma HQ do Flash, cuja capa mostra outro homem além dele, mais velho, correndo, do outro lado de uma parede, bem como um homem protegendo-se mais à frente. "Eu AMO quadrinhos!"
  • 45. 45 Efeito: O Pirata Psíquico está, em tese, falando com os leitores no primeiro quadro. Ele reitera o exercício metaficcional da metalepse, no que considera os interlocutores um coletivo de perversos; voyeurs, talvez. O criminoso inclusive utiliza o mesmo verbo que o Homem Animal proferiu ao observar o mundo externo assistir. Ele pode muito bem ter razão, já que as vendas da revista foram incomuns para um personagem que não figura no primeiro escalão de super-heróis da DC Comics - isso poderia ser atribuído, possivelmente, ao componente dramático inserido na trama, bem como nas temáticas abordadas. A revista do Flash que aparece no último quadro é a primeira narrativa da DC que mostra o Multiverso de fato - com o herói da Terra-1 interagindo com sua contraparte da Terra-2, onde então as contrapartes da Era de Ouro (como este Flash, antigamente chamado de Joel Ciclone). Categorias: metalepse, intertextualidade, historiografia. #22; p. 24. Figura - Animal Man #22, p. 24.
  • 46. 46 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: duas tramas seguem em paralelo nesta página. Nos quadros 1, 3, 5 e 7: Highwater está de volta a seu apartamento. Alguém o chama, lá de dentro. O cientista está de frente a uma das janelas, e apenas seu vulto pode ser visto de fora; porém, em uma cena interna, vemos que ele está de calça jeans e camisa branca. "Dr. Highwater, a história está quase acabando. A hora que foi prevista já chegou." O físico apóia no marco da janela com o braço esquerdo, e repousa o punho sobre a testa e os olhos. Entretanto, dois vultos continuam a chamá-lo, ao fundo do aposento. "Vire-se, Dr. Highwater. Este é o fim." Ainda com
  • 47. 47 os olhos cobertos, ele pergunta quem são seus interlocutores. No último quadro, os aliens amarelos mostram-se, e respondem à pergunta... Com mais perguntas. "Quem somos nós?" "Você não sabe?" Nos quadros 2, 4, 6 e 8: primeiro surge a fachada do Silo Arkham; lá de dentro, alguém fala insistentemente. "Eles estão todos vindo, do jeito que eu disse. Todos eles estão vindo de volta." O autor da afirmação é o Pirata Psíquico, que está em seu quarto, agachado, escondendo o rosto. Nas paredes, há vários pôsteres; no chão, pilhas de material impresso não identificado - supostamente HQs, pelo ocorrido antes, com o aparecimento súbito de um exemplar de uma história do Flash. "Eu não posso mais segurá-los... Não é culpa minha... Não é culpa minha..." Então, vemos o rosto dele, do qual sai uma rajada multicolorida; seus olhos também estão vermelhos, sua boca, aberta, e não é possível ver o cabelo. "Eles estão vindo!" No final da página, o mesmo feixe aparece tomando as costas da casa de saúde mental. "ELES ESTÃO VINDO!" Efeito: o fim da história, tão citado pelos alienígenas, poderia significar o final da passagem de Grant Morrison pelo título ou mesmo o final da participação de James Highwater na saga. Estas coisas são previstas pelo roteirista, como também os seres fazem questão de deixar implícito. Já o Pirata Psíquico procura conter o que há por vir, mas expele a enxurrada de cores, extravasando o espaço dos quadros. Este exagero, portanto, é palpável não somente dentro da narrativa, mas para além dela. Por fim, é notável como o ritmo de leitura desta página é realizado de maneira diferente da habitual. Por existirem duas tramas, uma em cada coluna, é até mais compreensível que a sequência a se seguir é de cima para baixo, e depois da esquerda para a direita, ao contrário do movimento comumente empregado (da esquerda para a direita, e depois de cima para baixo). Categorias: autoconsciência, ação retardada. #23; p. 1, quadro 3. Figura - Animal Man #23, p. 1.
  • 48. 48 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: antes de vestir sua máscara, o Pirata Psíquico sorri, e olha para algum lugar, com os olhos apertados e as sobrancelhas em V, franzindo o cenho. "Quanto a vocês... Eu ainda os vejo. Não pensem que vocês vão se safar apenas assistindo por muito mais tempo. Coisas estão acontecendo." Efeito: em mais um exercício de metalepse, desta vez a narrativa é mais incisiva. Grosso modo, o vilão ameaça cada um dos leitores da revista - incluindo o próprio observador presente. Apesar disso, não fica muito claro como ele poderia afetar as pessoas para fora do mundo ficcional.
  • 49. 49 A tentativa aqui é a de tornar o consumidor mais do que o ente que assiste, que observa os movimentos dos personagens. Assim a função desses seria mais do que apenas a mola propulsora de reflexões e reações internas dos participantes da narrativa, mas também parte dos conflitos que se materializam através das lutas físicas entre os pólos da história (heróis e vilões, ou outras denominações nãomaniqueístas), como é comum em HQs do gênero super-heroico. Categorias: metalepse. #23, p. 6. Figura - Animal Man #23, p. 6. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013.
  • 50. 50 Técnica: a intensa iluminação dentro do Asilo Arkham faz com que as janelas do casarão exibam uma forte luz, que extrapola até mesmo o recinto. Em frente ao local, estão James Highwater e os aliens amarelos. O cientista tem uma sombra em seu rosto, e olha para o lugar de onde vieram, pensativo. "Olha, porque vocês me trouxeram aqui? Eu realmente não quero estar aqui. Eu não quero mesmo estar aqui..." Os seres mantêm uma expressão serena. Um deles afirma: "Você não tem escolha na matéria, Dr. Highwater. E nem nós." O físico então olha de esguelha para eles e pergunta o que isso significa. Os alienígenas respondem a ele alternadamente. "Nós apenas podemos representar nossos papeis designados para a história." Highwater ainda não compreende onde o termo "história" se encaixa. "Você sabe o que queremos dizer. Suas recentes experiências no deserto com o Homem Animal lhe ensinaram algo sobre a natureza física disso, a continuidade. Você esteve trabalhando em uma nova teoria do espaço-tempo, baseado nas ideias ganhas durante essas experiências." Efeito: James ainda não entende o fato de que ele, como personagem, opera na continuidade do universo compartilhado da DC; como tal, ele precisa desempenhar papeis sempre que assim for requisitado pelos roteiristas e desenhado pelos quadrinistas. Ele consegue estar, ao mesmo tempo que ciente disso, sem uma reação apropriada diante da constatação. Categorias: autoconsciência. #23, p. 21, quadros 2, 4 e 5. Figura - Animal Man #23, p. 21.
  • 51. 51 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o Pirata Psíquico, agora translúcido, incita os personagens esquecidos a rebelar-se contra o mundo para além dos quadrinhos. No segundo quadro, ele ergue o punho direito no ar. "... Nós podemos ter vingança. Vocês podem vingar-se das pessoas que os mataram. As pessoas que os dizimaram. Eles estão lá fora, assistindo. Eu sei, eu os vi." Mais tarde, o vilão aponta para fora do quadro, e fecha o punho esquerdo. "Ali! Vocês veem eles? Olhando para baixo. Aproveitando nossa dor." No final da página, o antagonista encosta na linha do quadro, e continua olhando para fora dele. "Esta jaula na qual estamos. Eles nos mantêm aqui e nos
  • 52. 52 fazem executar truques para seu entretenimento barato. Vocês nunca viram isso antes? Olhem!" Efeito: mais do que acompanhar os leitores ou entender que pessoas criaram a HQ, o vilão enxerga a estrutura das páginas de quadrinhos. Além quebrar a quarta parede, ele atenta para a existência dos próprios quadros, que controlam o fluxo do tempo das cenas da obra, como Scott McCloud explica, ao denominar essa área (sarjeta). Até esse momento, entretanto, não é possível, para os outros personagens, entenderem o que o Pirata Psíquico quer dizer com tudo isso. Eles não possuem a percepção que esse personagem possui sobre o mundo externo. Em seu desespero, o Pirata Psíquico resolve apontar diretamente para a estrutura física que suporta a narrativa na qual se encontram (já percebida pelos leitores há muito tempo, mas para a qual também se dá pouca atenção durante a fruição da obra), a fim de que eles possam começar a enxergar essa mesma brecha entre essa realidade e seu caráter interior em relação à Terra dos "criadores". Categorias: metalepse, ação retardada, historiografia. #23, p. 22. Figura - Animal Man #23, p. 22.
  • 53. 53 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: atento ao que o vilão diz, Ultraman consegue enxergar as paredes do quadro, encostando-se a ela. "Meu Deus. Aqui tem uma parede." Seu companheiro Anel Energético (Lanterna Verde da Terra-3) observa, e põe a mão na frente da boca. Na sequência, o Superman alternativo resolve empurrar essa parede com o ombro esquerdo. "Tem uma parede." Seu amigo tenta adverti-lo. "Ultraman, pelo amor de Deus! Ultraman, eu estou com medo! Nós estamos indo longe demais! Isso é errado! Isso não deveria acontecer!"
  • 54. 54 Depois disso, para forçar a estrutura do quadro ainda mais, Ultraman apóia-se nas duas laterais, com as costas e os pés. Anel Energético põe os punhos sobre as têmporas, arregala os olhos, e faz uma carranca. "Ultraman! Não faça isso! Nós não deveríamos saber!" Abaixo, a estrutura do quadro rasga-se, e Ultraman fica com a boca pequena, olhando, com os cantos dos olhos, para o espaço no qual ingressa devido ao esforço feito. Anel Energético tenta alcançá-lo. "NÃO!" Efeito: o espaço entre os quadros, denominado sarjeta, é onde a passagem de tempo ocorre nos quadrinhos. Entrar neste espaço, como Ultraman está fazendo nesta página, significa, no mínimo, realizar uma viagem na quarta dimensão. O aviso de Anel Energético ocorre no sentido de alertar para uma quebra da estrutura interna da narrativa: os fatos e personagens deveriam ficar dentro da história, e não estar fora dela, como o Superman da Terra-3 tenta fazer. Esse personagem, neste caso, fica num lugar que está para além da passagem do tempo. Processo semelhante ocorreu com o protagonista desta HQ, em meio à viagem de peiote do Homem Animal e de Highwater. Categorias: metalepse, autoconsciência. #24, p. 1. Figura - Animal Man #24, p. 1.
  • 55. 55 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: as 6 cenas possuem caixas de texto, que descrevem as ações e aparências que ali aparecem. Quadro 1: "Plano de ambientação do Asilo Arkham sob um céu tortuoso e atormentador. Folhas firam loucamente em um vento louco. As janelas do Asilo Arkham estão acesas com luzes febris." Quadro 2: "Close-up apertado nas teclas de um processador de palavras. As letras no teclado estão esperando para combinarem-se, se tornarem palavras, ideias... Uma história."
  • 56. 56 Quadro 3: "Interior do Arkham. Plano de corpo inteiro do agora fantasmagórico Pirata Psíquico, de pé na porta que dá para a sala de jantar. O Pirata Psíquico, é claro, é o único personagem no Universo DC que se lembra do multiverso que existia antes dos eventos da CRISE NAS INFINITAS TERRAS." Quadro 4: "Essas memórias agora estão escapando da cabeça do Pirata Psíquico e tomando formas de carne e osso. Com efeito, a Crise está se revertendo. Infinitas Terras alternativas estão formando uma hemorragia na existência, a partir da mente do Pirata Psíquico." Enquanto isso, alguém usa o teclado - apenas as mãos dessa pessoa aparecem. Quadro 5: "A cena move-se para um close-up de cabeça e ombros do Pirata Psíquico. Sem surpresa, ele parece um pouco confuso e indisposto." Em reação a isso, o vilão declara: "Eu sei que você está aí. Tentando fazer com que seja difícil para eu pensar. Eu me sinto estranho. Eu me sinto tão estranho." Quadro 6: as mãos continuam trabalhando no texto. Uma xícara de café também aparece, e o escritor repete a fala do Pirata Psíquico. "Eu me sinto estranho. Eu me sinto tão estranho. A história começa:" Efeito: da mesma forma como ocorreu, em uma cena na casa dos Baker, em San Diego (#18, p. 3), estas intervenções vêm do próprio roteirista da HQ, Grant Morrison. Desta vez, elas se estendem um pouco mais, e mostram reações internas do personagem. Além disso, o próprio Pirata Psíquico, no quadro 5, declara que sabe que alguém está ali, agindo diretamente. Ele poderia estar se referindo ao próprio criador, que se faz presente a partir da explicitação de suas descrições, fornecidas ao desenhista, para que esse pudesse desenhar as cenas de acordo com o desejado para que a narrativa possa ser contada de maneira eficiente. Categorias: autor-personagem, autoconsciência, historiografia. #24, p. 2. Figura - Animal Man #24, p. 2. ação retardada,
  • 57. 57 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: todos os personagens observam o espaço aberto nos quadros pelo Ultraman. Buddy reconhece esta experiência como sendo semelhante ao que ocorreu na meseta estadunidense e no encontro anterior com os aliens, na África. O Pirata Psíquico incita todos a atravessarem a barreira, e um dos alienígenas fala que o que se revela ali é uma passagem entre aquele mundo e o "mundo mais alto". Efeito: a quarta parede está ali, para todos os personagens verem. Nosso mundo está, portanto, para logo além da sarjeta, além da mídia da revista em quadrinhos, ao menos na concepção do autor. Categorias: historiografia, metalepse, autoconsciência.
  • 58. 58 #24, p. 3, quadros 1 a 4. Figura - Animal Man #24, p. 3. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: fora dos quadrinhos, há faces borradas, observando, junto do espaço branco, vazio. Highwater esclarece que estes seres estão simplesmente lendo a história, e eles são, em sua grande maioria, personagens menores na narrativa. A discussão continua na multidão de personagens não mais esquecidos, que se questionam acerca de seu livre arbítrio em relação a essas existências externas, por exemplo.
  • 59. 59 Efeito: a experiência da metalepse produziu um efeito de estranhamento na maior parte dos presentes à cena. Muitos não acreditam serem personagens; alguns se questionam sobre seu papel no universo ficcional; e absolutamente ninguém se mostra indiferente. Categorias: autoconsciência, metalepse. #24, p. 5, quadros 1, 5 e 6. Figura - Animal Man #24, p. 5. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013.
  • 60. 60 Técnica: No primeiro quadro, o Homem Animal, um alien amarelo e James Highwater observam a chegada de Overman, um Superman de uma terra paralela esquecida. HA pergunta o que isso seria ("O que diabos é aquilo?"), com a resta franzida por trás dos óculos do uniforme. O físico, ao fundo, está indignado, pergunta-se sobre o fato ("O que está acontecendo?"), e indaga o alien, pedindo se algo pode ser feito ("Você pode fazer algo?"). O extraterrestre, em seu semblante observador, mas distante, afasta a possibilidade de ele próprio agir: "Isso interferiria na história." No quadro 5, Ultraman se coloca à frente do grupo, e diz que não pode deixar que o artefato exploda - o que, alegadamente, pode destruir a Terra. O personagem não se importa mais com sua condição de coadjuvante. "Meu Deus. Eu não me importo com o que sou. Não me importo se sou apenas um personagem menor numa história ruim... Eu não vou deixar que isso aconteça." Na sequência, o Superman da Terra-3 se lança ao combate, voando, enquanto reforça seu compromisso anterior e reafirma seu valor enquanto personagem. A câmera está à sua frente, como se fosse o interlocutor em primeira pessoa. "Está me ouvindo? Eu ainda tenho dignidade! Eu não vou deixar isso acontecer de novo!" Efeito: Os aliens dificilmente agem a favor de algum personagem; eles apenas protegem a continuidade e o universo DC como entidades macro do sistema narrativo das histórias em quadrinhos. Nesse caso, é da natureza deles que deixem a história prosseguir, já que eles apenas têm a missão de observar. Anteriormente, ao agirem diretamente com o Homem Animal, o problema era justamente a instabilidade da continuidade, que ocorria devido à situação transitória que a origem e história do personagem passavam. Com a passividade dos seres amarelos, a narrativa conflituosa do Ultraman pode aparecer, em seu confronto com Overman. Ele começa a ignorar o fato de ser um personagem menor justamente pela ameaça que se interpõe à sua frente: a destruição da Terra. A Terra-3 foi destruída no início da Crise nas Infinitas Terras. O processo ocorreu pela força do Anti-Monitor, e se manifestou como uma parede de luz, engolindo e destruindo tudo em seu caminho dentro de cada universo que foi vítima da ação do vilão. O líder do Sindicato do Crime da Amérika (pois, naquele universo,
  • 61. 61 os heróis eram todos vilões, e o único a lutar por justiça era Lex Luthor) nada pode fazer. Por isso, Ultraman sentiu-se na obrigação de, naquele momento, salvar a Terra, enfrentando Overman. Categorias: historiografia, autoconsciência. #24, p. 6, quadros 4 e 5. Figura - Animal Man #24, p. 6. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013.
  • 62. 62 Técnica: Em meio à batalha entre os dois superseres vindos de universos esquecidos diferentes, o Pirata Psíquico, no quadro 4, pede para que ambos parem ("NÃO! PAREM! PAREM!"). Ele faz a acusação, com os braços para fora do quadro e apontando para fora da página, de que os leitores desejam a luta entre Ultraman e Overman. O vilão vocifera que o verdadeiro inimigo está fora dali. "Vocês estão se esquecendo do inimigo real! Ali fora! Não lutem! É isso que eles querem! Eles querem ver pessoas machucando umas às outras! Por que vocês acham que o mundo é do jeito que é?" No quadro seguinte, o Pirata Psíquico ainda completa, de fora do quadro: "É isso que eles sempre querem!" Enquanto isso, Ultraman, que tem partes do uniforme em chamas por causa dos disparos da visão de calor de seu oponente, tenta se levantar, enquanto olha para fora do quadro, intrigado. "Ohhhhhh Oh Deus" Efeito: A maneira como a figura do Pirata se porta em relação ao quadro continua evidenciando o movimento que ele fez na edição anterior, ao sair da página pela brecha na realidade criada pelo Superman da Terra-3. Não se entende exatamente em que lugar ele está: o vilão psíquico estaria ainda no Universo DC, ou já em direção ao mundo real - e, por isso, já entende toda a lógica por trás do entretenimento que os embates entre superseres em geral causam. Os próprios personagens, ao se depararem com a situação tão incomum quanto a de descobrirem que são lidos pelo público consumidor de quadrinhos, ainda assim buscam reagir com certa normalidade a ameaças internas ao universo compartilhado, empregando ações heroicas e partindo para confrontos físicos diretos. Esse comportamento é simplesmente sua natureza; essa, portanto, é o objeto questionado pelas ações do Pirata Psíquico neste arco de histórias. O criminoso em questão é afetado, em páginas anteriores, de forma caricata e irreal, despejando, através de sua mente, muitas histórias em quadrinhos dentro do universo ficcional. Será, talvez, que a interação com o universo externo à mídia piora ou causa insanidades nos personagens? O personagem alegadamente de psicótico, desenhos e exercita animados Pica-Pau, esporadicamente a por exemplo, relação com é os telespectadores e com o mundo externo. Em um episódio, o personagem Zé Jacaré, após conseguir atirar no pássaro em pleno ar, percebe que ele tem um colar com uma inscrição curiosa: "Em caso de acidente, notificar Walter Lantz; Hollywood,
  • 63. 63 Califórnia." Lantz é o animador que criou o doido penoso, que teve episódios produzidos, na série original, de 1940 até 1972. (Figura) Figura - Pica-Pau - Migração. Fonte: <http:www.youtube.comwatch?v=8Yv8He_LQgo>. Acesso em: 30 set. 2012. Categorias: metalepse, historiografia. #24, p. 14. Figura - Animal Man #24, p. 14.
  • 64. 64 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Não há quadros na página. Seguindo a convenção de leitura (esquerda para direita, de cima para baixo), é possível perceber que o Homem Animal termina de arrastar Overman, apesar de seus protestos, para o limiar entre os quadrinhos e o mundo do leitor. O vilão fica tão desnorteado com a situação que se pergunta, para além da natureza daquele local, sobre a sua própria natureza. E a resposta, que deveria vir do herói, sai diretamente do que parece ser sua sombra, logo ao lado. "Eu retirei meus próprios olhos, e ainda vejo. Eu vejo, nós não somos reais. Nós somos as criações de mentes doentias. Sim, eu vi. E há algo pior."
  • 65. 65 No terceiro "quadro", a suposta projeção do protagonista relata que nem mesmo os criadores deles são reais. Enquanto isso, o corpo do interlocutor permanece alheio à ação, de braços cruzados. No final da página, inexplicavelmente, Overman começa a cair - o enquadramento não explica o porquê disso -, no que o Homem Animal tenta alcançar sua mão. Efeito: A falta de quadros se dá exatamente pela natureza do espaço em que os personagens se encontram. Teoricamente, herói e vilão estão na sarjeta (espaço entre os quadros), onde ocorrem as passagens de tempo na mídia. Apesar da falta deste importante componente da linguagem nas HQs, a mensagem se mantém a partir da referida estrutura de leitura da página de quadrinhos. McCloud (1995) aponta para a historicidade desta ordem. Em antigas civilizações pré-colombianas, os mitos e histórias eram retratados, de maneira pictográfica, já em um esquema de significação de cima para baixo; porém, a leitura era feita em ziguezague. Em escritos egípcios, ainda mais antigos que esses, a sistemática era parecida, invertendo o eixo vertical (de baixo para cima), mantendose a alternância horizontal. O Homem Animal também entende que, sendo eles personagens, eles não são reais, no sentido de que eles não possuem um corpo físico para além de suas representações nas páginas. Ele vai além, ao afirmar que os criadores também não existem; esta pode ser uma leitura feita através da citação a Edgar Allan Poe, feita na página 21, na edição nº 19 ("Tudo que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho"). Aqui, novamente pode ser percebida uma referência à própria natureza de nossa realidade, pois é somente real aquilo que vemos, presencialmente ou através do suporte no qual as imagens forem processadas. Por fim, a "queda" de Overman de volta para os quadros não tem uma explicação, apesar de a maneira como o movimento ter sido retratado tê-la, no ramo do possível. O superser está de costas para a visão do leitor, provavelmente porque está ultrapassando novamente a barreira entre este mundo da sarjeta e o universo compartilhado ao qual ele pertence (ou pertencia, já que ele é um personagem esquecido). Categorias: autoconsciência, metalepse, autor-personagem #24, p. 15.
  • 66. 66 Figura - Animal Man #24, p. 15. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Overman caiu de volta para dentro dos quadros na HQ. O protagonista observa, enquanto o interlocutor não compreende o que está acontecendo, ou por que ele, que conseguiu derrotar e matar a todos em seu próprio mundo, não consegue escapar dali; o vilão continua esmurrando a superfície do plano, o que se mostra inútil. O Homem Animal procura mostrar ao superser que ele não fez nada devido ao seu poder, mas, sim, porque os criadores assim permitiram, construindo a cadeia de fatos que levou ao destino da Terra de Overman. O vilão renega isso, pois não é
  • 67. 67 como o herói; segundo o próprio, ele mesmo é real, realístico; essa prisão dos quadros na HQ, que vai diminuindo e espremendo-o, não poderia existir, na visão dele. Na sequência, o medo do vilão se transforma em raiva: ele olha furioso para o Homem Animal, enquanto se esforça para caber no diminuto enquadramento no qual ele está enclausurado. Ele argumenta, ao exigir sua liberdade: "Não é minha culpa se eu fui criado para ser..." A frase para, pois a prisão do superser vira somente uma linha. O herói, que estava cansado enquanto segurava costelas quebradas e ouvia a ladainha de Overman, respira aliviado. As dores físicas do protagonista começam a sumir no momento em que a narrativa o recoloca dentro da ação, no último quadro da página. Entretanto, seu estado psíquico ainda não retornou à saúde plena após mais uma experiência insólita fora de sua zona de conforto. Ele sente, enquanto um dos aposentos do Asilo Arkham se constrói ao redor dele, que os personagens não são donos de seus destinos, já que não controlam nada. Sons e cheiros também se reconstroem, e os pensamentos do Homem Animal, em quadros amarelos, falam de um cenário familiar. "Uma cela. Água pingando. Uma sombra sussurrando para si mesma num canto." Efeito: O fato de o diálogo permanecer praticamente em um monólogo de Overman liga-se, aqui, com o pensamento do herói de que nada está sob o controle dos atores da narrativa. O destino do vilão é traçado sem nenhuma interferência do Homem Animal: ele apenas deu algumas respostas, enquanto segurava suas costelas, e sua sombra o confundia, até que ele caísse no quadro-prisão. Da mesma forma, apesar de sua decisão de ir para a sarjeta tenha sido intencional, a volta do protagonista para dentro dos enquadramentos de cena não seguiu essa lógica. A diferença, nesse caso, é que os dois personagens trataram a condição de não possuírem o potencial de interferir de maneiras distintas. Overman ficou raivoso, e negou a existência da mão dos criadores na narrativa, enquanto o Homem Animal procura meios de reequilibrar as forças por outros meios que não a força bruta. Categorias: autor-personagem, metalepse, autoconsciência. #24, p. 19, quadros 2 e 3. Figura - Animal Man #24, p. 19.
  • 68. 68 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: os aliens amarelos, em sua contínua expressão sem grandes destaques, afirmam que, agora, a continuidade está livre de todas as inconsistências. Este seria, segundo eles, um dia de purificação... Mas ambos percebem que a borboleta rosa que flutua pela cena pertence à Terra-14. Enquanto isso, o Homem Animal afirma que, estranhamente, ele acha que deveria haver 5 pessoas ali, e não 4 - como se alguém estivesse faltando. O inseto extradimensional também passa por ele, de forma displicente. Efeito: Apenas os fãs mais fervorosos perceberiam que determinado item obscuro de um universo alternativo pertence a esse mundo. A alteração de
  • 69. 69 continuidade, ao menos naquele momento, também seria apenas um detalhe - se não tivesse Highwater desaparecido misteriosamente, e os outros 4 personagens não se lembrarem quem ele era exatamente, mesmo tendo estado com ele há alguns momentos. Categorias: autoconsciência, historiografia, intertextualidade. #24, p. 22 e 23. Figura - Animal Man #24, p. 22. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Figura - Animal Man #24, p. 23.
  • 70. 70 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: De volta à casa do Homem Animal, ele questiona os aliens amarelos sobre o seu papel nas próprias histórias em quadrinhos. Um deles responde com o argumento da obtenção de conhecimento: para preparar os heróis para o dia da purificação (que consistia nos eventos imediatamente anteriores dentro da narrativa), os extraterrestres conectaram o protagonista, Vixen e Fera B'wana a um mesmo modelo. O outro pergunta sobre a mudança de uniforme do herói novamente com indumentária azul e laranja -, no que sofre a réplica do Homem Animal. "É, bem, eu não vou vestir peles de animais de novo. Nunca."
  • 71. 71 O protagonista tenta manter a discussão no foco, e continua a conversa com o enquadramento de tilt down. Após revisar sua condição atual, na qual, resume, teve sua família morta e passou por eventos que fazem sua cabeça girar, o personagem pergunta a eles sobre a sua própria natureza. "O que somos? E se somos personagens em uma história, então quem escreve as histórias? Quem nos faz sofrer dessa forma? Quem escreve o mundo?" Um dos interlocutores responde com uma citação de A Tempestade, de William Shakespeare: "Como vos preveni, todos os atores eram espíritos; dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável." Enquanto isso começam a sumir no ar, apesar dos apelos em contrário do Homem Animal. Enfim, após um close no rosto do herói, uma voz misteriosa entra em cena, chamando por Buddy. Ela não parece sair de lugar algum nos quadros; diz que, agora, é hora de ir embora, e de colocar de lado todas as coisas mundanas. Seria, portanto, segundo esse ator fantasmagórico, o momento da última aventura do protagonista. No que essas falas surgem, o herói simplesmente se dirige até a porta principal da casa, agindo sem esboçar qualquer reação de questionamento em relação a isso. Efeito: A dúvida reiterada do personagem não se finda a partir de uma explicação que tem raízes na própria narrativa; elas não servem mais a ele, já que ele entende que ele é resultado de um processo criativo, feito por alguém que vive num universo para fora das HQs. A resposta final dos aliens amarelos é justamente um recado para o herói: os seres ali presentes são manipuláveis tanto quanto o próprio Buddy, e, no fim das contas, qualquer negativa ou constatação do fato pode ser cerceada e até mesmo esquecida por todos, a partir de determinadas ordens dos criadores. Esta assertiva é provada pelo próprio HA no final da página 23. O ato de escutar a voz e obedecê-la cegamente pode significar, naquele momento, uma manipulação deliberada para que se atinja o que precisa ser feito para que a história prossiga. Este mesmo artifício é operado pelo Homem Animal, que simplesmente abre a porta necessária para o andamento da ação, a partir do comando imposto pela voz misteriosa. Categorias: autor-personagem, autoconsciência, intertextualidade.
  • 72. 72 #25, p. 10. Figura - Animal Man #25, p. 10. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: Um coelho vestindo capa surge, entre duas colunas de pedra, fazendo uma pose que sugere que ele irá voar; enquanto isso, a conversa entre Homem Animal e o Bobo-da-Corte continua. Voltando ao tópico dos personagens, o protagonista novamente questiona: "Quem nos criou? Há alguém nos criando agora?" O bufão exita; ele não tem certeza, e diz que não é um expert sobre o assunto.
  • 73. 73 No exato lugar onde antes estava o coelho, surge um cachorro marrom que veste uma espécie de máscara preta, que late e se coloca em posição de ataque. O protagonista insiste com o coadjuvante. "Alguém está nos criando! Eu sei disso!" O Bobo-da-Corte alerta que não pode concluir apressadamente, no que é pressionado pelo herói. "Alguém matou minha mulher e minhas crianças e me colocou nisso tudo! Num terceiro momento, ninguém está entre as colunas de pedra, e os outros personagens se aproximam do primeiro plano. O Homem Animal continua insatisfeito. "Não, mas olhe! Esta é a minha família! Se nós somos só personagens numa história, então quem está escrevendo a história? Quem matou a minha família?" O Bobo-da-Corte percebe a raiva contida no discurso, e pede para que ele não o culpe. "Não olhe pra mim! Talvez você deva procurar a Cidade da Formação." O cachorro é atirado de volta ao meio das pilastras, mas para no ar, antes de chegar ao chão. O herói observa o animal, e o bufão o chama, atentando-o à prioridade do momento. No último quadro, os outros membros do Quinteto Inferior estão ainda nos primeiros degraus de uma longa escadaria, enquanto o Homem Animal e o Bobo-daCorte seguem à frente. As duas colunas jônicas formam um portal, em estilo grego, e com os seguintes dizeres, em um latim garrafal: "Facilis descensus Averno" (em português: "A descida para o inferno é fácil"). Nas colunas, além do desenho de algumas suásticas, ainda podem ser lidos pelo menos três escritos - "lemme outta here" (deixe-me sair daqui); "get a life" (tenha uma vida); e uma citação ao nome da revista de Irmão Poder (Brother Power, the Geek). Efeito: o protagonista está convencido de que o responsável pela morte de sua esposa e filhos não era o assassino contratado, e sim o roteirista da HQ - já que ele arquitetou todas as ações da revista. Ele só quer um nome, um lugar onde procurar este sujeito, e obter suas respostas. O coelho e o cão que aparecem nesta página são, respectivamente, Ace, o Bat-Cão e Hoppy, o Coelho Marvel. O Irmão Poder é também citado. Essas evocações de personagens esquecidos auxiliam a ambientação, ao mesmo tempo em que trabalham com o conceito de ser "escrito para fora" do limbo e a paradoxal relação com esta revista em específico. Um sem-número desse mesmo tipo de relações ainda aparecerá nessa mesma edição.
  • 74. 74 A citação em latim no portal grego serve de referência para situar de qual distância o protagonista se encontra em relação ao Universo DC, bem como uma previsão do que ainda pode estar por vir. Se descer ao "inferno" é fácil, pensa-se que a situação deve piorar para o Homem Animal. Categorias: historiografia, autor-personagem, mise en abyme. #25, p. 11, quadro 5. Figura - Animal Man #25, p. 11. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013.
  • 75. 75 Técnica: o Bobo-da-Corte tece seus comentários acerca das possibilidades dos personagens presentes na Cidade da Formação. Ele parece sentir pena de alguns personagens; ele sabe que, apesar de que muitos podem (e vão) serem escritos novamente, outros nunca irão sair do limbo. No último quadro, ele chega a ser sarcástico: "Convenhamos, quem se importa com os agentes da Patrulha Espacial Canina neste dia e época?" Os três animais citados aparecem na imagem, sendo que dois estão brigando, e o terceiro, vomitando em um canto. Uma caixa aparece na sequência. Ela exprime, como sequência à fala do bufão, um texto que se encaixa na situação, mas que não é nem fala, nem pensamento: apenas explica de quem é a voz. "Disse o Bobo-da-Corte." Efeito: a questão de delimitar que há entes que voltarão ao universo compartilhado regular um dia é a aceitação do fato de que, uma vez que o Multiverso foi encolhido no reboot, as possibilidades narrativas com os personagens restantes não são necessariamente infinitas. Certos autores podem querer ver histórias com o seu super-herói favorito novamente, ou mesmo enxergar possibilidades entre os números de outro protagonista, e trazer esses seres de volta. A história também faz questão de mostrar como os personagens esquecidos estão, com a licença da repetição de palavras, verdadeiramente esquecidos. O limbo é um local decadente, com uma arquitetura caótica, e poucas cores, exceto nos próprios seres abandonados pela reformulação editorial ou mesmo antes disso, vítimas do próprio ostracismo, da falta de aparições regulares, da não aceitação pelo público, etc. Assim como ocorreu outras vezes (#18, p. 3; #24, p. 1), aqui aparece uma parte do roteiro que, originalmente, não precisaria ser publicado. O uso de fonte com serifa, mais uma vez, dá a impressão de que ele vem de outro lugar presumivelmente o roteiro, já que este tipo de anotação sugeriria a referência a ser feita pelo desenhista. No caso, não ao desenho do personagem, mas para indicar um direcionamento do balão que realize essa sugestão na mente do leitor, sem que este fique confuso quanto ao dono dos dizeres. Não menos importante: este tipo de intervenção do texto anterior pode ser também uma lembrança de que você, que lê a caixa, entenda que o escritor nunca deixa de operar sobre a história, mesmo quando ela parece o colocar num papel antagônico em relação aos personagens. Todos os outros personagens que aparecem nesta página estão, no momento da publicação desta HQ, fora da cronologia da DC Comics.
  • 76. 76 Categorias: historiografia, autor-personagem, mise en abyme. #25, p. 12, quadros 1 a 5. Figura - Animal Man #25, p. 12. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: nos dois primeiros quadros, um homem escreve algo no teclado de um computador, em uma sala não identificável. Apenas suas mãos podem ser vistas, além do periférico e do monitor. Ele responde à pergunta do Bobo-da-Corte, feita na última página, sobre os agentes da Patrulha Canina Espacial. "Eu me importo. É estúpido, eu sei, mas eu me importo." Para o falante, estes personagens
  • 77. 77 o lembram de sua infância, assim como ficar debaixo das cobertas, ouvindo rádio de ondas curtas. "Todas essas coisas: agora, perdidas ou quebradas." Ele pergunta a alguém - que não está na cena - se ele se lembra desse tipo de sentimento. Sem respostas, começa a questionar sua sanidade. "Talvez eu precise ir ver um médico." No quadro seguinte, de volta ao limbo, o Bobo-da-Corte é categórico ao responder a sua própria questão: ninguém se importa com os cachorros do espaço. O Homem Animal muda de assunto. "Olha, você mencionou uma cidade. E se eu levar o macaco até essa cidade? Talvez eles possam ser capazes de ajudar a nós dois..." O coadjuvante o interrompe, e discorda. Ele sabe que a Cidade da Formação é um tipo de posto avançado para a força criativa, e que isso tudo parece com uma história. O protagonista não entende o que o Bobo diz, e ele explica: "Bem, é só que... Não existem histórias no limbo. É uma das condições para existir aqui. Eu não sei. Se qualquer um pode fazê-lo, esse alguém é você. Eu não acho que você realmente está no limbo. Você apenas está de passagem..." Efeito: se o quadro branco da página anterior é uma referência ao escritor, então o início da página atual é uma representação do pensamento de Grant Morrison, roteirista desta HQ. Afinal, sua referência subjetiva - como o causador dos males da vida do protagonista - é uma constante há algumas edições. Ele parece responder que utiliza todos estes personagens antigos, que agora vivem no limbo, como uma lembrança da infância, e lamenta por eles não poderem participar do universo regular. Mostrar este espaço do esquecimento, no final das contas, serve de redenção temporária a estes agentes, mas o é principalmente para Morrison, que tenta passar essa saudade dos tempos idos ao leitor. O fato de não existirem histórias no limbo é compreensível, visto o abandono de seus visitantes. Eles compreendem sua condição, e vislumbram a ideia de ação, em relação com as narrativas das HQs de super-heróis, como antinatural. A situação especial que o Bobo-da-Corte ressalta que o Homem Animal possui é o fato de ele ter chegado àquele lugar a partir de sua própria história; aquilo faz parte de sua revista, e ele é o protagonista. Portanto, ele é capaz de algo, ao contrário dos personagens esquecidos; esses simplesmente foram parar ali, sem qualquer espécie de transição, perdendo seu lugar no Universo DC. Categorias: autor-personagem, autoconsciência, metalepse, mise en abyme.
  • 78. 78 #26, p. 3, quadros 4 a 6. Figura - Animal Man #26, p. 3. Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: No quarto quadro, Grant Morrison explica que tudo que acontece nas histórias é escrito em seu computador. Sua mão aponta para a tela, e lá está escrito: "Close na mão de Morrison apontando para a tela." Ele explica que pode fazer o Homem Animal dizer e fazer qualquer coisa, como odiar sua esposa e filhos, ou até mesmo esquecer que já foi casado um dia. Na cena seguinte, o enquadramento fecha ainda mais no monitor, sem mais mostrar as mãos do autor. Ele continua a explicação, e começa a querer mudar de
  • 79. 79 assunto. "Está tudo aqui, é onde eu escrevo as mazelas do mundo. Quando eu era jovem, eu tinha uma amiga imaginária chamada Raposita..." No computador, a cena escrita agora fala em um close no protagonista, concentrando a cena em um de seus olhos, que se apertaria. No final da página, apenas parte do rosto do Homem Animal aparece, com o foco no olho apertando-se. Exatamente como estava escrito, o que não agrada ao herói. "Você não me controla. Não. Não!" Efeito: Ao apontar para a tela e descrever a ação no computador, o roteirista acaba por demonstrar como, ali, na HQ, ele não é exatamente ele mesmo - mas, sim, uma representação dele. Apesar de, dentro de uma suspensão de descrença, o leitor acreditar na ideia de que o criador está ali, com a criatura, isso ocorre, talvez e no máximo, no campo das metáforas. Essa ação ostensiva, dentro da narrativa, tem como objetivo demonstrar o resultado que o efeito de escrever o roteiro produz na história. Na sequência, ele procura aplicar esse mesmo raciocínio ao Homem Animal, descrevendo sua ação no monitor e no teclado - novamente, evocando algo do possível dentro da narrativa, pois não é isso que realmente acontece, já que, aqui, Morrison não revela a mão do desenhista na construção daquela realidade presente. Em sua fala, ele demonstra como as mudanças que ele pode provocar na vida do protagonista, e da sua ciência em relação à má fase na vida pessoal do herói que ele mesmo escreveu. Esse encontro entre criador e obra não seria tão incomum; na Marvel Comics, o roteirista e desenhista John Byrne apareceria nas capas, além de interagir esporadicamente com a Mulher-Hulk, em uma parte da série que se passou não muito tempo depois desse fato; a edição da imagem (31) foi lançada em 1992 cerca de dois anos após este final, portanto. Figura - She-Hulk #31, capa.
  • 80. 80 Fonte: <http:upload.wikimedia.orgwikipediaen33dCover_of_The_Sensational_She-Hulk_No._31.png>. Acesso em: 13 nov. 2012. Categorias: autor-personagem, metalepse, intertextualidade. #26, p. 5, quadros 4 a 6. Figura - Animal Man #26, p. 5.
  • 81. 81 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o Homem Animal se surpreende após ter um rompante de raiva e jogar Grant Morrison contra uma janela, aparentemente matando-o, e ainda encontrá-lo vivo em seguida. Ele está boquiaberto e de olhos arregalados, enquanto o escritor caminha, com semblante inalterado. Ele reforça a mensagem anterior. "Eu fiz você fazer aquilo também. Eu posso fazer com que você faça qualquer coisa." O protagonista olha para a janela, que está novamente inteira, como se nada tivesse acontecido. O próprio Morrison utiliza-se da retórica para falar que o Homem Animal, na verdade, nunca foi realmente violento - ao contrário de personagens
  • 82. 82 cheios de armas e com testosterona em excesso. "Você já viu a futilidade da violência, não é?" Os olhos do Homem Animal continuam arregalados, mas ele franze a testa, faz um muxoxo e coça a cabeça. "Sim... Sim, eu odeio violência... Eu... Por que eu fiz aquilo?" Efeito: a arbitrariedade das ações impostas pelo escritor começa a preocupar o protagonista não somente pelo fato de elas ferirem o livre-arbítrio que ele julga ter, mas também porque o roteiro pode levá-lo a fazer coisas que vão totalmente contra sua natureza. Esse tipo de estranhamento pode acontecer em HQs regulares, seja porque determinado personagem mudou em seu âmago, ou então fruto de um roteiro que traz uma caracterização do personagem especialmente deslocada. Um exemplo do primeiro caso pode ser visto em Action Comics (2011-2012), escrita pelo próprio Grant Morrison: antes escoteiro e paradigma da boa conduta, Superman, em sua nova origem, é retratado como um jovem jornalista de esquerda, se colocando contra os granes empresários e corruptos tanto dentro quanto fora do uniforme. Já a outra razão pode ser atomizada pela nova série da Liga da Justiça Internacional, que tenta colocar o herói Gladiador Dourado como um líder responsável, quando, na verdade, não é. Os críticos atribuem esse posicionamento forçado, ironicamente, ao próprio criador do personagem, Dan Jurgens, que assina os roteiros. Categorias: autor-personagem, metalepse, ação retardada, autoconsciência. #26, p. 6. Figura - Animal Man #26, p. 6.
  • 83. 83 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: No começo da página, Morrison explica que ele fez o Homem Animal cometer as suas últimas ações violentas, mas tão somente porque "eles" achavam que um pouco de ação no começo da história manteria as pessoas interessadas. Ele faz um meio sorriso, e apresenta que ele não pode ser machucado, pois, naquele momento, ele está fingindo que aquele espaço é o mundo real, e o fez para poder entrar no Universo DC, exatamente nestas páginas de histórias em quadrinhos. O enquadramento, no segundo quadro, abre-se para mostrar com maiores detalhes a casa do roteirista, enquanto os dois personagens continuam na cena.
  • 84. 84 O Homem Animal põe as duas mãos na cintura, olha para seu atual criador e fala com um canto da boca. "Como assim? A página de quadrinhos?" Subitamente, ele também se lembra de que não faz muita ideia do que seja esse lugar onde fica a casa de Grant Morrison. Ele viajou através do limbo por anos a fio até chegar ali. O escritor, enquanto mexe em algumas gavetas, diz que ele nem mesmo saiu do mesmo lugar onde sempre esteve todo mês: em sua HQ. Então, o autor retira um punhado de revistas do Homem Animal, e as entrega a um protagonista, que, de boca aberta, observa a sua própria história. Efeito: Este mundo "real" que aparece neste número - e apareceu anteriormente, durante as páginas 6 e 7 da edição 14 - é um pouco mais assemelhado ao nosso: a arte é mais suja, e as sombras, feitas de hachura na face em preto e branco de Morrison, realizam esse efeito. Dessa forma, a presença do Homem Animal se torna ainda mais evidente, e causa a sensação de que aquele personagem não pertence àquele universo. Até que as HQs sejam mostradas a ele, o herói não entende muito bem algumas das lógicas explicadas por Morrison, pois tenta encaixá-las no sistema verossímil que ele ainda pensa viver, apesar de experiências como sua passagem pelo limbo. Até ali, por não poder ter prestado atenção à teoria de Highwater a dois números atrás, ele compreendeu que era um personagem de alguma história e era visualizado por muitas pessoas; mas não sabia qual era a mídia que ele habitava (se é que existia alguma - o Homem Animal, afinal, não poderia ter previsto tanto sobre esse ponto). Categorias: autor-personagem, metalepse, mise en abyme. #26, p. 7. Figura - Animal Man #26, p. 7.
  • 85. 85 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: o protagonista folheia o número 19, e revê a morte de sua família na última página da publicação. O boquiaberto Homem Animal pergunta ao seu roteirista porque sua família teve de morrer, e se entende o que fez a ele. Grant Morrison diz que isso é evidente, já que ele escreveu todo o processo da dor, raiva e aceitação sobre o assunto. O escritor argumenta que o drama era necessário à história, e que "é fácil obter um choque emocional barato ao matar personagens populares". O Homem Animal constata, porém, que esse fato não é justo para com ele. Morrison concorda, e apresenta a sua própria história: sua gata, Jarmara, havia
  • 86. 86 morrido, apesar de todos os esforços dele para tentar encontrar a causa do problema da felina, ou mesmo tratá-la. "Isso não era justo também, mas para quem eu reclamo?" Efeito: Este ponto da conversa delimita exatamente o propósito do encontro: estabelecer um espaço no qual toda a história ocorrida pode ser discutida e debatida entre o protagonista e a representação do autor. Essa relação é desigual, pelo fato de que é criada totalmente pelo escritor; entretanto, da perspectiva interna da narrativa, ela se coloca como um estabelecimento de forças, se não adversárias, ao menos opositoras em relação aos eventos ocorridos nas histórias anteriores. Cada um deles tem argumentos. Morrison alega que a decisão de matar uma família foi boa para a narrativa - o que, naturalmente, repercute no sucesso editorial da publicação. Já o Homem Animal, apesar de ter superpoderes, é um pai de família que não consegue entender como estes fatos podem ter sido manipulados tão facilmente, antes e agora. No final da página, o roteirista tem um ponto: pelo menos o protagonista tem para quem se queixar; já ele, como os indivíduos de nossa realidade, não podem ir até seus próprios deuses e pedirem diretamente que ele lhes desfaça suas mazelas. Categorias: autor-personagem, autoconsciência, intertextualidade, mise en abyme. #26, p. 8, quadros 1 a 5. Figura - Animal Man #26, p. 8.
  • 87. 87 Fonte: <http:thepiratebay.sxtorrent8758837Animal_Man_Vol._1_by_Grant_Morrison>. Acesso em: 23 abr. 2013. Técnica: a face de Grant Morrison se escurece, enquanto ele olha para a foto de sua falecida gata. O Homem Animal somente observa. O escritor aponta para o fato de que as HQs de super-heróis constituem um mundo mais simples que o real. Qualquer tipo de catástrofe ou invasão alienígena não importa, já que tudo volta ao normal logo após, e não existe problema "que não possa ser resolvido por um idiota em um traje". O segundo quadro conclui este raciocínio: o roteirista, já fora do enquadramento, diz que, dados os fatos por ele levantados, não há razão para que o