Este documento discute a formação de um novo dialeto digital, o "internetês", caracterizado por abreviações irregulares e fonetização na escrita. Estudiosos debatem se isso representa uma evolução linguística ou prejudica os adolescentes. O texto apresenta exemplos deste dialeto e analisa seus possíveis benefícios e malefícios.
1. O NOVO DIALETO DIGITAL
Evolução linguística ou anomalia do português?
Acadêmicos: Jonas Pires Bahia,
Júlia Maria Martins Araújo e Shirlei de Sousa Oliveira
Professor-Tutor Externo: Clebson Peixoto
Centro Universitário Leonardo da Vinci - UNIASSELVI
Curso (LED 0259) – Prática do Módulo III
22/04/15
RESUMO
A demasiada utilização, na maioria pelos jovens, da rede mundial de computadores evidencia a
criação de uma nova maneira de escrita particular, caracterizada por abreviaturas irregulares à
gramática normativa, “fonetização” na escrita e até imitações de expressões faciais através de
sinais de pontuação. Este estudo aborda a formação de um novo dialeto, o internetês, e, através de
referências de estudiosos da língua, busca-se identificar se esta nova maneira de escrever se
caracteriza como uma evolução da linguagem ou se é muito prejudicial à aprendizagem dos
adolescentes.
Palavras-chave: Internetês. Linguagem na internet. Dialeto digital
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho é um estudo teórico o qual tem a finalidade de revelar que o constante processo
de transformação da Língua Portuguesa chegou até os meios digitais criando o internetês, uma nova
maneira na forma de escrever e comunicar-se.
Maneira essa que é motivo de diversas análises e discussões sobre esse dialeto, uns aprovam o
uso e outros não. Buscamos referências a partir da opinião de falantes e estudiosos do Português.
Essa forma de escrita adquire demasiada importância como linguagem utilizada no meio
virtual a fim de estabelecer a comunicação entre os usuários desse meio, pois, desde o surgimento
dos primeiros provedores de internet, em 1995, o espaço virtual tornou-se um novo segmento em
nossa sociedade, sendo criados incontáveis dispositivos de comunicações, visando em troca de
mensagens e interação com o mundo globalizado.
A temática tem o intuito de mostrar exemplos que ajudem a detectar eventuais malefícios e
propor soluções para esses, a fim de que o professor escolha metodologias que ajudem a amenizar
estes fatores entre a escrita das palavras da língua portuguesa e o “internetês”.
Após leitura de alguns embasamentos teóricos que auxiliaram a conhecer melhor este tema,
fica assim o trabalho dividido por: resumo geral do tema, introdução, três capítulos relatando sobre
2. 2
a contextualização da linguagem utilizada na internet, as regras de utilização e uma análise sobre os
prós e os contras sobre o dialeto digital, e finalizando com as considerações finais de todo o
processo redigido sobre este assunto, terminando com um glossário das expressões mais utilizadas
na internet e as referências bibliográficas.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO DE UM NOVO DIALETO
Algumas concepções de língua podem ajudar na compreensão das constantes mudanças
ocorridas na língua e, em tais concepções, são denotadas justificativas para essas mudanças.
Para Ferreira (1994), a língua é um “produto social” resultante da posição social e histórica
ocupada pelo falante, não podendo ser reduzida a um sistema de signos organizados por uma
gramática. O fato de ser considerada produto histórico e social resulta na necessidade de se ter
consciência de que constantemente estará suscetível a mudanças.
Ou seja, a língua sofre mutações de acordo com o tempo e espaço que ela se encontra. Vive-se
hoje a chamada “era digital” devido aos avanços tecnológicos. Mesmo com esses avanços, será que
há espaço para alguma mudança na língua?
A resposta é Sim! O maior exemplo que se pode destacar dessas mudanças, atualmente, é o
internetês ou netspeak, conforme termo utilizado pelo linguista David Crystal, a fim de referenciar
expressões escritas inéditas pelos usuários da internet. Este linguista, que foi um dos primeiros a
estudar a linguagem da internet, ao ser convidado para falar sobre a Linguística da Internet, em
fevereiro de 2005, no encontro da American Association for the Advancement of Science, disse o
seguinte:
Não é sempre que surge um novo ramo em uma área de conhecimento acadêmico,
mas a chegada da internet exerceu tal impacto sobre a linguagem, que acredito ser
esta a hora de reconhecer e explorar o escopo de uma área chamada Linguística da
Internet. Eu a definiria como a análise sincrônica da linguagem em todas as áreas
de atividade da internet, inclusive correios eletrônicos, os vários tipos de salas de
conversa e jogos interativos, mensagem instantânea e páginas da web, e também
em áreas associadas à comunicação mediada por computador (CMC), como as
mensagens de texto (torpedos). A velocidade de mudança nos últimos 15 anos foi
tamanha, que já é possível ver tanto uma dimensão sincrônica como uma dimensão
diacrônica para essa nova área – uma Linguística Histórica da Internet estudando a
mudança linguística -, mas como nenhum outro estudo de mudança linguística já
feito pela Linguística Histórica, pois a internet permite-nos acompanhar, como
jamais foi possível, a proporção e o alcance da mudança no uso de vocabulário,
gramática, ortografia e (cada vez mais) pronúncia. É também possível ver a rápida
evolução de uma Linguística Comparativa da Internet, na medida em que o meio se
torna cada vez mais multilíngue. (Crystal, 2005, apud, Shepherd; Saliés, 2013,
p.20)
Assim, Crystal define a “materialização” de uma variante linguística, variante essa que se
demonstra ampla e complexa, divide opiniões e que se renova e se reinventa, tais fatos serão
abordados a seguir.
2.1 UMA “NOVIDADE VELHA”
O internetês é o dialeto utilizado no meio virtual, amplamente usado nas salas de bate papo e
redes sociais. Os internautas, a fim de agilizar e dinamizar o processo de conversação, passaram
3. 3
utilizar não só abreviações, como também a fonética em prejuízo da etimologia, ocorre ainda a
subtração da pontuação e acentuação adequada. Tudo isso em contraste com as normas gramaticais.
Essa linguagem utilizada na internet, apesar de ser uma “novidade linguística”, apresenta diversos
traços antigos e já utilizados há muito tempo como apresenta Sérgio Nogueira.
Quanto às abreviações, sinto informar aos nossos adolescentes que se trata de uma
“novidade velha”. Quando fiz meu curso de Letras (fins da década de 60 e início de
70), abreviar já era hábito. Só assim conseguíamos anotar os ensinamentos de
nossos mestres universitários. Era uma “taquigrafia” necessária: tb(também),
q(que), vc(você), pq(porque)...
O uso da letra “m” para substituir o til (naum=não) é um retorno às nossas raízes.
Para quem não sabe, a origem do til é a letra “n”. Observe duas curiosidades: 1ª)
em espanhol, o nosso VERÃO é “verano” e a forma verbal PÕE( do verbo PÔR) é
“pone”(do verbo “PONER”); 2ª) o ditongo nasal decrescente /ão/ pode ser grafado
“ão”(estão, cantarão) ou “am”(falam, cantaram), conforme a tonicidade. (Nogueira,
2014)
Deste modo percebe-se que certas formas de escrita já foram utilizadas anteriormente.
2.2 LINGUAGEM DE FÁCIL ENTENDIMENTO
O dialeto da internet é discrepante da língua escrita e da língua oral. Ainda não há uma
classificação específica sobre a modalidade deste dialeto. Porém, estudiosos desta linguagem
utilizam a definição de que o internetês é a mistura da oralidade e da escrita através da reprodução
irregular da oralidade por meio da escrita.
[...] o que se observa é que as novas formas de escrita tais como e-mails
(mensagens eletrônicas) e os chats (bate papos) pela INTERNET, reproduzem
estratégias da língua falada. E uma dessas estratégias da língua falada é a
produção de enunciados mais curtos e com menor índice de nominalizações por
frase. (MARCUSCHI, 2001, p.100).
Apesar desta mistura de modalidade, não fica complicado entender a mensagem que é
repassada. Troca de letras, erros de acentuação, em suma, má utilização da gramática normativa não
impede a compreensão de um texto. Para a comunicação a ortografia torna-se dispensável. Embora
o receptor leia moxila, kaza ou cafeh, a mensagem será compreendida por ele. A mente humana é
perfeitamente capaz de decifrar códigos linguísticos como avalia Goodman (1967), citado por Silva
(2005b). Repare nesse exemplo retirado do livro Como Escrever na Internet.
35T3 P3QU3N0 T3XT0 53RV3 4P3N45 P4R4 M05TR4R C0M0 N0554 C4B3Ç4
C0NS3GU3 F4Z3R COI545 1MPR3551ON4NT35! R3P4R3 N155O! NO
COM3ÇO 35T4V4 M310 COMPL1C4DO, M45 N3ST4 L1NH4 SU4 M3NT3 V41
D3CIFR4NDO 0 CÓD1G0 QU453 4UTOM4T1C4M3NT3, S3M PR3C1S4R
P3NS4R MU1TO, C3RTO? POD3 F1C4R B3M ORGULH050 D1550! SU4
C4P4CID4D3 M3R3C3 P4R4BÉNS!(Squarisi, 2014, p.31).
3 REGRAS DE UTILIZAÇÃO
As redes sociais e salas de bate-papo exigem a rapidez e os recursos da fala, por isso foi
desenvolvido uma linguagem onde imperam duas regras básicas: menor é maior e menos é mais
(Squarizi, 2014). Outro motivo para a existência dessas regras foi o surgimento, em 1985, das
mensagens de texto dos celulares onde o remetente poderia utilizar somente 160 caracteres. Nesse
4. 4
contexto percebe-se que o internauta, a fim de economizar tempo, geralmente suprime as vogais das
palavras, conservando somente as consoantes. Sobre essa prática, Marcuschi diz o seguinte:
Aparecem muitas abreviaturas, mas boa parte delas é artificial, localmente decidida
e não vinga. Essas abreviaturas são passageiras e servem apenas para aquele
momento. Mas outras se firmam e vão formando um cânone mínimo que vai sendo
reconhecido como próprio de meio (MARCUSCHI, 2004, p. 63).
3.1 GRAMÁTICA DO INTERNAUTA
Entre as propriedades analisadas na escrita dos participantes de comunidade virtuais destaca-
se a duplicação de letras para fins característicos de comunicação como em kkkkkkk para
representar uma risada, que também pode é representada por hehehehehe ou kakakakaka, ainda
por hahahahaha, ou por outras formas como mostram os exemplos:
[quem será q roubou hein?????? Kkkkkkkkkkkkkkkkkk].
[eu e o josi e a bruna colamos hahahahaha].
[acho q se morrer agora eu vou p/céu!! Kakakakakaka!].
[oi amiga ta lesadinha ultimamente heim...hehehehe].
As risadas mais contidas são normalmente representadas pela combinação das letras como nos
seguintes exemplos:
[Dormi ateh tarde hoje, rsrsrs].
Nessa intenção de subtração fonética, é comum substituir dígrafos por um elemento apenas:
qu, ch e ss por k, x, c, como nos exemplos:
[dumingu ki veim eu vo] – [Nem sei o q q eu vo comentar aki!!!]
[Bom, axu q é isso ae!] – [... O xato eh que nem fikei xapado lah...]
[Si vc foci msm eu kiria dançah a noite td!!!]
Alguns internautas usam uma variação chamada de “miguchês” que é o uso excessivo da letra
“x” para substituir outras letras:
[oooiiiiieeeee!!!!!!!!!! fauta uma xemana!!!!! pax feliax!!!].
[Bjaauuuummmm pra todux meux miguxux y miguxax....dohiu voxes].
Os acentos gráficos são raros, sendo às vezes substituídos por recursos que, nesse caso,
aumentam o tamanho da palavra, a fim de não quebrar a cadência de digitação. A indicação do
acento agudo é feito pela letra ‘h’, como nos exemplos que seguem:
[mas o filme eh uma bosta!!!!]; [Soh isso msm].
[eu jah tive mto medo de arriscar]; [tow c/ moh dor de cabeça jah e queru ver ateh qnd vou
guentar isso...].
Pela dificuldade de ser digitado em alguns teclados, o til tende a desaparecer, mesmo que isto
resulte no aumento de toques, e os ditongos nasais são grafados como [aum], como em [naum] para
“não”, [intaum] para “então”, etc.
5. 5
3.2 REPRESENTAÇÕES DA EXPRESSÃO FACIAL
Segundo Othero, emoticons “são aquelas ‘carinhas’ feitas por caracteres, que expressam
emoções e dão uma indicação do tom como deve ser interpretada cada frase, ou mensagem”
(OTHERO, 2002, p.55). Ou seja, essas “carinhas” denotam a forma de como o receptor deve
entender a mensagem transmitida. Para exemplificar, utilizaremos o emoticon “¬¬”, o qual revela o
sentido de expressão facial de uma pessoa olhando para o lado utilizando-se da ironia ou sarcasmo,
ou que não se interessa pelo assunto da conversa:
Fabi diz: - o prof colocou vc em qual grupo?
Ana diz - No grupo da legal da camila ¬¬
Fabi diz: -aff, ngm merece
Ana diz - eu odeio akela garota
No contexto dessa conversa, o emoticon denota para a receptora (Fabi) o modo como a frase
deve ser interpretada, de que a emissora (Ana) usou da ironia para emitir a sua mensagem.
As emoções humanas (emoticons) são expressas por vários caracteres
disponíveis no teclado. Os símbolos mais comuns são:
:-) ou :) Sorrindo
:-( ou :( Triste
:-/ ou :- ou : Indeciso
:-| Incerto
;-) ou ;) piscadela (piscada)
:-D ou :D ou sorriso grande ou risada
:-P ou :-p ou de língua para fora, expressando
B-) ou com óculos escuros
:-o ou :-O ou Surpreso
:-s ou :-S ou Confuso
:-x “Eu não deveria ter dito isso” (ou beijo)
:’-( ou :~-( ou Chorando
:o) ou nariz de palhaço
>:-) ou diabólico (com chifres)
x) ou xD
igem do “xD”, mas ela foi tirada dos
animês (desenhos japoneses) sendo
então marca registrada de Otakus
(pessoas que gostam de animês e cultura
5:) Topete
:D ou :-D ou muito contente
:* ou =* Beijinho
^_^ ou ^^ ou versão oriental de sorriso
+_+ ou X versão oriental de chocado ou triste
O.O versão oriental de assustado
o.O estranhando algo
O:-) santo ou “não fiz nada”
./. ou _| gesto obsceno
¬¬ emoticon oriental do “olhar de lado”
:] ou :-] ou sorriso simples, “quadrado” ou sem-graça.
:^) nariz grande ou nariz pontudo
@.@ ou modo oriental de muito confuso
T.T ou modo oriental de choro
TT.TT ou modo oriental de muito choro
:@ ou Raiva
6. 6
4 LINGUAGEM VIRTUAL: MOTIVO DE DEBATES
Neste tópico busca-se a entender e analisar a discussão sobre o fato de o internetês ser uma
evolução língua portuguesa através de citações de professores e pesquisadores da nossa língua. De
um lado, uns defendem que esse dialeto infringe gratuitamente a norma culta da língua e pode
ocasionar danos irreversíveis à aprendizagem de um indivíduo; de outro lado temos quem aceita
essa “linguagem cibernética” e a classifica como mais uma variação do português.
De acordo com o escritor Deonísio da Silva (2005), em artigo publicado no site Observatório
da imprensa, esse novo “idioma” é um “besteirol” que “assassina” a tecladas a língua portuguesa,
Silva protege essa ideia porque, para ele, os jovens têm acesso à internet, todavia muitos deles não
dominam a norma culta dessa língua. Em consequência disso, ele acredita que o internetês é um
indício da baixa qualidade da educação, a qual gera a exclusão dos jovens ao mundo letrado onde
poucos têm acesso.
Compartilhando de uma forma mais branda desse ponto de vista, Eduardo Martins, autor do
Manual de Redação do jornal O Estado de S. Paulo, cita que o aprendizado da escrita depende da
memória visual: muita gente escreve uma palavra quando quer lembrar sua grafia. Se
bombardearmos por diferentes grafias, muitos jovens ainda em formação tenderão à dúvida
(Martins, 2012).
Por outro lado, essa linguagem utilizada nas redes virtuais é mais uma forma de comunicação,
por que, conforme Eni Orlandi (1996: 57), “os jovens estão crescendo nessa linguagem funcional.
Se eles usam no meio eletrônico é porque querem ser rápidos. Não vejo Perigo.”.
Compartilhando dessa mesma linha de raciocínio, cabe destacar a resposta de Pasquale Cipro
Neto à seguinte pergunta feita pelo site Educacional:
Que balanço você faz da assimilação do “internetês” no nosso idioma?
Eu faço um balanço tranquilo. As coisas estão no seu devido lugar. A linguagem da
Internet é ótima na Internet. Ela não ganhou status de língua padrão, porque
representa um segmento diferente. É uma linguagem funcional, cumpre o seu papel
e deve ser vista assim. Os arautos da falsa modernidade diziam que essa linguagem
iria tomar conta de tudo. Mas não há um jornal escrevendo em internetês. Ainda há
muito educador vendo isso com olhos tortos, o que é um problema muito sério,
porque não se deve condenar essa linguagem. Só se deve dizer à garotada que essa
é apenas “uma das roupas que é preciso ter no guarda-roupa”. Ou seja, que ela é
adequada para uma situação, e não para todas (Cipro Neto, 2009).
Embora já tenham sido realizadas diversas análises acerca a linguagem utilizada na internet, é
necessária a continuidade do acompanhamento referente à utilização da escrita no ambiente virtual,
segundo os dados apresentados ainda não é possível afirmar que o uso contínuo e prolongado dessa
maneira de escrever não exercerá uma demasiada influência na língua com o passar do tempo.
4.1. PARALELO ENTRE A ESCRITA DOS INTERNAUTAS E A ESCRITA EM SALA
DE AULA
A forma de escrita dos internautas tem preocupado educadores e estudiosos da língua, no sentido de
que a escrita estaria sendo deturpada pelos integrantes de comunidades virtuais e a língua estaria
sob ameaça como consequência de tal prática. Para investigar este aspecto, fizemos um estudo
correlato entre duas modalidades de corpora, com um determinado grupo de informantes: de um
lado, selecionamos 15 redações escolares elaboradas em sala de aula de primeiras e segundas séries
do ensino médio, escolhidas ao acaso num universo de 270. A modalidade da produção textual
escolar era livre: os alunos deveriam escrever algo sobre uma matéria reportada na revista Veja e
7. 7
entregar para a professora de redação, para orientações de práticas discursivas. Num segundo
momento, foram colhidos 15 extratos de comunicações informais destes mesmos informantes no
ambiente virtual. Nosso objetivo consistia em examinar se a prática de escrita do internauta
apresentaria interferências na escrita escolar, ou se a escrita cifrada dos internautas não passava de
um modismo como tantos outros que volta e meia surgem e desaparecem, ou, mesmo quando
permanecem, acabam se adequando a grupos e situações comunicativas específicas, sem
representarem uma ameaça à língua, sobretudo à modalidade de ortografia padrão do português,
adotada no contexto escolar e em usos formais do idioma. Na Tabela 1, e apresentado o número de
palavras em internetês registrado nas duas modalidades de produção textual: a escolar e a virtual.
TABELA 1
Comunicação na internet Redação em aula
Amostra
alunos
Total de
palavras
Número de
palavras em
‘internetês’
%
Total de
palavras
Número de
palavras em
‘internetês’
%
A1 15 6 40 80 - -
A2 11 5 45,5 81 - -
A3 53 36 67,9 98 - -
A4 60 29 48,3 133 - -
A5 51 22 43,1 157 5 3,2
A6 13 6 46,2 132 - -
A7 17 5 29,4 101 - -
A8 35 7 20 188 - -
A9 68 23 33,8 137 9 6,5
A10 36 21 58,3 144 - -
A11 44 17 38,6 98 - -
A12 20 12 60 84 25 29,8
A13 30 21 70 180 - -
A14 44 20 45,5 122 - -
Fonte: Pesquisa dos autores
Do cotejo entre esses dois ambientes de escrita (escolar e virtual) pelos mesmos indivíduos,
pode-se observar que há uma evidente diferença entre eles. No texto escolar, a maioria sequer
utilizou uma palavra com grafia semelhante à escrita dos internautas. Por outro lado, a utilização do
‘internetês’ na comunicação pelo ambiente vitual mostra que esses mesmos jovens usam
intensivamente a grafia cifrada dos internautas em índices que se situam na faixa de 20% a 70% das
palavras. Nas redações em sala de aula, apenas três alunos utilizaram algumas palavras da forma
como escrevem os internautas, porém em percentual bem baixo, como os informantes A9 e A5,
sendo que o primeiro empregou 9 de 137 palavras em internetês [alarm, q (5 vezes), qm, n~ e
neãm], e o segundo informante, 4 de 157 [q (3 vezes) e o sinal +], diferentemente do terceiro, o
A12, no qual a ocorrência de tal grafia atingiu um índice próximo a 30%, com 25 das 84 palavras
que fugiam do padrão ortográfico da língua portuguesa1. Analisando com mais cuidado a redação
do informante A12, constatamos que, na verdade, no texto escolar o informante simulava uma
conversa virtual com um colega, cujo conteúdo era o anúncio de uma nova marca de cerveja no
Brasil. Além da constatação de um número relativamente alto de palavras em internetês, chamou-
nos atenção a natureza do vocabulário de um grupo social específico, o juvenil, primeiro pelo uso
demasiado de gírias: [legal, neh?]; [Tah ligado]; [cerva nova na parada]; [ela só vai pra sampa];
[Fwi]. Depois, pela ruptura aos padrões de ortografia do /s/: [preso] (preço), [esquesendo]
(esquecendo) e [distribuisão] (distribuição); pelo apagamento da dupla marca de número em
sintagmas nominais: [os preço] e [das cerva]; pelo apagamento da vibrante em verbo no infinitivo:
[considera] e, por fim, pela ambiguidade de sentido em [mi dispidu], ao finalizar o texto com as
palavras: [Intaum tah depois disso eu mi dispidu ... Fwi]. A partir desta análise, embora o texto
8. 8
fosse escrito numa atividade escolar, não foi possível determinar, com precisão, a natureza da sua
escrita: se virtual ou escolar. Mas tivemos uma certeza: este informante reconhece o uso adequado
da linguagem para propostas textuais específicas, ao aplicar o conceito de adequação em sua
produção no que se refere à língua. Portanto, os alarmistas de plantão podem ter a tranquilidade de
que o idioma não está sob ameaça: compete ao professor de língua mostrar o motivo social de haver
normas cultas, linguagem cifrada, inovadora, cheia de neologismos, de estrangeirismos, de gírias e
de toda a sorte de variações de um sistema linguístico de natureza heterogênea.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta pedagógica deste trabalho é juntar informações para analisar a situação em que
uma nova variante linguística, o “internetês”, surge e modifica a forma de texto escrito.
Com o advento dos provedores da internet, surgem vários softwares em que os usuários
podem e comunicar entre si. A partir disso, começa a se desenvolver uma linguagem a fim de se
adequar com a instantaneidade e dinamismo os quais as redes sociais e salas de bate papo
proporcionam. O internetês se desenvolve com força total e com ela opiniões diferentes acerca o seu
uso, se denota benefícios ou malefícios.
Buscamos algumas dessas opiniões a fim de expor os dois lados e conclui-se que ainda não é
possível afirmar com exatidão se o uso dessa linguagem utilizada no ambiente virtual é totalmente
benéfico ou maléfico. Mais estudos teóricos e análises práticas devem ser feitos com afinco, pois o
internetês, conforme mostra esse estudo, já faz parte do cotidiano dos jovens.
Embora tecnicamente não haja um ponto final sobre esse assunto, compete ao professor que
oriente os seus alunos sobre quando e onde deve ser utilizada a linguística praticada na internet, a
fim de que não prejudique o aprendizado do aluno.
Em suma, porquanto não se chega a uma clara conclusão, deve-se encarar o internetês como
mais uma “vestimenta no guarda-roupa” e que deve ser utilizada de acordo com a ocasião. No
universo linguístico deve se optar por palavras e estruturas adequadas ao meio inserido e ao
receptor da mensagem.
9. 9
ANEXO
GLOSSÁRIO DAS EXPRESSÕES MAIS USADAS EM SALAS DE BATE-PAPO
Simplificações mais comuns na língua portuguesa
* “Qu” transforma-se em “k” ou “ku”, dependendo da palavra:
o Quatro: kuatro; Aqui: aki; Quem: kem; que = q ou ke.
* “Ch” transforma-se em “x”, tal como palavras com dois “s” seguidos:
o chocolate: xocolate; achar: axar; passar: paxar; nossa: noxa; assassino:
axaxino;
Outras simplificações possíveis são as de palavras muito usadas, tais como:
* com torna-se cm, c ou c/;
* quando torna-se kdo, qdo ou qd;
o quando nunca se torna em kd, que é uma forma encurtada de cadê;
* quanto em kto ou qto;
* donde torna-se dd;
* comigo torna-se cmg;
* mais torna-se +;
* menos torna-se -;
* para torna-se p/, pr ou pa;
* beleza torna-se blz;
* não torna-se ñ, n ou naum;
* Também torna-se tbm ou tb;
* Teclar torna-se tc, que é uma gíria para “conversar usando o teclado”;
* Como torna-se cmo.
Palavras e frases muito usadas
pelas pessoas
* Kd vc? que significa “Cadê você?”
* Flw que significa “Falou”
* T+ que significa “Até mais”
* Oq que significa “O quê”
* Vc que significa “Você”
* C que significa “Se”
* Vlw que significa “Valeu”
* Eh que significa “É”
* Mto que significa “Muito”
* blz que significa “Beleza”
* Tb (m) que significa “Também”
* + que significa “Mais”
* - que significa “Menos”
* qm que significa “Quem”
* tah que significa certo, tudo bem, e outras variantes
* FTW, sigla de “For the win”, que mostra apoio.
* tou que significa “Estou”
* AFK Away From Keyboard ou longe do teclado.
* Aski que significa “Acho Quê”
10. 10
REFERÊNCIAS
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<http://www.educacional.com.br/entrevistas/interativa/educadores_pais/entrevista019.asp>. Acesso
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Linguagem & Ensino, Vol. 4, No. 1, 2001 (79-111) - Universidade Federal de Pernambuco. 2001.
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MARCUSHI, L. A., XAVIER, A. C. (Orgs.). Hipertexto e gêneros digitais: novas formas de
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OTHERO, G. A. A língua portuguesa nas salas de bate-papo: uma visão linguística de nosso
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