1. O documento apresenta a revista REVEJ@, que discute temas relacionados à Educação de Jovens e Adultos.
2. A edição comemora 10 anos dos Encontros Nacionais de EJA no Brasil e do Grupo de Trabalho de EJA da ANPED.
3. A palestra de Adán Pando Moreno analisa a história dos Encontros Nacionais e destaca a luta por uma educação de qualidade para todos como um direito público na América Latina.
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2
Expediente
REVEJ@ - Revista de Educação de Jovens e Adultos, v. 2, n. 3, p. 1-100, dez. 2008
NEJA-FaE-UFMG. Belo Horizonte. Dezembro de 2008.
ISSN: 1982-1514
CAPA
Máscaras em argila dos artistas Mestre Ciça, de Mauro Cassiano e Silvana Gonçalves,
expostas no Centro de Cultura Popular Mestre Noza, em Juazeiro do Norte (CE).
Fotos de Juliana Gouthier.
A REVEJ@ é uma publicação eletrônica do Grupo de Estudos e Pesquisas em EJA, vinculado
ao Núcleo de Educação de Jovens e Adultos da Faculdade de Educação da UFMG. Sua
periodicidade é quadrimestral. Sua distribuição é gratuita e está disponível para acesso e
download no endereço http://www.reveja.com.br.
REVEJ@ - Revista de Educacao de Jovens e Adultos, v. 2, n. 3, p. 1-100, dez. 2008
3. REVEJ@
3
Equipe Editorial
Coordenador: Leôncio José Gomes Soares
Editor Responsável: Luiz Olavo Fonseca Ferreira
Jornalista Responsável/Revisora: Mirella Augusta Carvalho
Revisora: Ângela Pinto
Comitê Editorial: Ana Paula Ferreira Pedroso
Comitê Editorial: Emmeline Salume Mati
Comitê Editorial: Isamara Grazielle Martins Coura
Comitê Editorial: Lígia Vilela Félix
Comitê Editorial: Raquel Miranda Vilela
Comitê Editorial: Cristiane Fernanda Xavier
Comitê Editorial: Fernanda Aparecida Oliveira R. Silva
Comitê Editorial: Analise de Jesus da Silva
Comitê Editorial: Jerry Adriani da Silva
Comitê Editorial: Magda Antunes Martins
Comitê Editorial: Sônia Maria Alves de Oliveira Reis
Layout e Arte: Juliana Gouthier Macedo
Conselho Editorial
Presidente: Leôncio José Gomes Soares (UFMG)
Edna Castro de Oliveira (UFES)
Eliane Ribeiro (UNIRIO)
Jane Paiva (UERJ)
Liana Borges (ONG Diálogo - Assessoria e Pesquisa em Educação Popular)
Maria Amélia Giovanetti (UFMG)
Maria Aparecida Zanetti (UFPR)
Maria Clara Di Pierro (USP)
Maria Margarida Machado (UFG)
Maria Luiza Pereira Angelim (UnB)
Osmar Fávero (UFF)
Sônia Couto Souza Feitosa (Instituto Paulo Freire)
Tânia Maria de Melo Moura (UFAL)
Timothy Denis Ireland (UFPB)
Consultores Ad hoc
Analise de Jesus Silva (UFMG)
Domingos Leite Lima Filho (UTFPR)
Inês Assunção de Castro Teixeira (UFMG)
Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca (UFMG)
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4. REVEJ@
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Sumário
Editorial ............................................................................................................................... 05
História e memória dos Encontros Nacionais dos Fóruns de EJA no Brasil: dez anos de
luta pelo direito à educação de qualidade social para todos
Adán Pando Moreno.............................................................................................................. 07
Compromisso renovado para a aprendizagem ao longo da vida - Proposta da América
Latina e do Caribe
UNESCO .............................................................................................................................. 14
Desejos e desafios de pessoas da terceira idade no processo de escolarização
Isamara Grazielle Martins Coura........................................................................................... 19
O Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica
na modalidade de EJA no CEFET-GO: uma análise a partir da implantação do curso
técnico integrado em serviços de alimentação
Mad´Ana Desirée R. de Castro - Jacqueline M. Barbosa Vitoretti ....................................... 31
Formação de Educadores de Jovens e Adultos: saberes na proposição curricular
Rosa Aparecida Pinheiro ....................................................................................................... 44
A Educação de Jovens e Adultos semipresencial: leituras do cotidiano escolar
Liliam Cristina Caldeira - Doralice A. Paranzini Gorni ........................................................ 56
Um olhar sobre a postura do educador da Educação de Jovens e Adultos numa
perspectiva freiriana
Maria Teresinha Kaefer e Silva ............................................................................................ 67
“Mulher não precisava estudar”: relatos de vida e de violência simbólica
Andréia da Silva Pereira - José Carlos Miguel ...................................................................... 74
Os caminhos da linguagem: possibilidades de aprendizagem por meio do audiovisual na
EJA
Michel Silva ........................................................................................................................... 86
REVEJ@ o filme: A Última Hora
Kelen Rezende - Maria Andréia A. Leandro - Rosângela Cristina Barbosa ......................... 95
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5. REVEJ@
5
Editorial
Esta edição da REVEJ@ comemora os dez anos de dois movimentos que se
entrelaçam na construção da história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil: o Encontro
Nacional de Educação de Jovens e Adultos – ENEJA e o Grupo de Trabalho de EJA (GT 18)
da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPED. O ENEJA,
desdobramento das ações preparatórias à V CONFINTEA, iniciou-se em 1999 e, desde então,
vem sendo realizado anualmente congregando diferentes segmentos que atuam na educação
de jovens e adultos. O primeiro Encontro Nacional foi sediado no Estado do Rio de Janeiro e,
ao completar uma década, retornou ao estado fluminense, dessa vez no município de Rio das
Ostras. Para marcar a ocasião, transcrevemos nesse número a palestra do representante do
CREFAL, Adán Pando, que abordou as concepções de EJA na América Latina enquanto
direito público.
Damos também informações sobre as reuniões preparatórias para a VI CONFINTEA,
a ser realizada no mês de maio em Belém, com a publicação do documento final do Centro de
Cooperación Regional para la Educación de Adultos en la América Latina y el Caribe
(CREFAL), ocorrida na Cidade do México, em setembro de 2008, intitulado “Compromisso
renovado para a aprendizagem ao longo da vida - Proposta da América Latina e do Caribe”.
Em comemoração aos dez anos do GT 18 da ANPED, publicamos artigos de pesquisadoras
que apresentaram seus trabalhos na última reunião anual. Dentre elas, Isamara Grazielle
Martins Coura discute os casos e percalços quando alunos idosos chegam à educação de
jovens e adultos. Mad’ana Desirée Ribeiro de Castro e Jacqueline Maria Barbosa Vitorette
analisam a implantação do curso técnico integrado em Serviços de Alimentação no PROEJA
do CEFET-GO. Rosa Aparecida Pinheiro relata o estudo de uma proposta curricular de
formação de educadores de jovens e adultos que teve como foco o diálogo entre os saberes da
experiência e os saberes acadêmicos dos educadores. Por fim, Lílian Cristina Caldeira e
Doralice A. Paranzini Gorni analisam a relação estabelecida entre os documentos oficiais que
regulamentam a EJA e o real da vivência escolar a partir da visão dos educandos e educadores
na modalidade semipresencial. Continuando essa edição, Maria Teresinha Kaefer e Silva
aborda a postura do educador da EJA, bem como o medo e a ousadia que permeiam suas
ações, baseando suas reflexões no pensamento de Paulo Freire. As relações que se
estabelecem entre família, gênero e educação são analisadas por Andréia da Silva Pereira e
José Carlos Miguel, por meio de relatos orais de vida de educandas.
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6. REVEJ@
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O papel do áudio-visual como ferramenta da prática de ensino e do letramento de
jovens e adultos é a questão que Michel Silva apresenta. O autor aponta que nas diferentes
fases de criação e elaboração do material pode-se perceber a contribuição do áudio-visual no
processo de ensino-aprendizagem e formação de alunos jovens e adultos.
.A sessão REVEJ@ o Filme apresenta um relato a partir do documentário Última
Hora, narrado e produzido por Leonardo Di Caprio, sob a direção de Leila e Nadia Conners, o
qual provocou um debate em sala de aula sobre os desastres naturais causados pela própria
humanidade e o atual estado de risco ambiental do planeta.
Desejamos a tod@s que nos acompanham uma boa leitura e que o ano de 2009 possa
ser promissor para a Educação de Jovens e Adultos.
Equipe Editorial
REVEJ@ - Revista de Educacao de Jovens e Adultos, v. 2, n. 3, p. 1-100, dez. 2008
7. REVEJ@
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História e memória dos Encontros Nacionais
dos Fóruns de EJA no Brasil: dez anos de luta
pelo direito à educação de qualidade social
para todos
Adán Pando Moreno1
Devo começar fazendo um profundo e
sincero agradecimento à Comissão organizadora
do X ENEJA e, em particular, à Jane Paiva e ao
nosso amigo em comum Timothy Denis Ireland
por nos ter colocado em contato e pela
desmerecida deferência com a qual nos
convidaram e nos tem tratado, tanto ao CREFAL
quanto a mim. A eles e a todos vocês nossos
agradecimentos e nossa amizade. Recebam
também nossas congratulações pela realização
deste X Encontro de alcance não só brasileiro,
mas também latino-americano.
Antes de começar quero me desculpar por
não poder fazer esta apresentação em português.
Já é bastante o dano que faço ao espanhol quando
falo e tenho certeza de que ao terminar minha
estadia neste país maravilhoso, vou ser a pessoa
mais perseguida pelas Academias de Línguas
espanhola e portuguesa.
Em seguida quero aproveitar esta
oportunidade para compartilhar a perda que
sentimos no CREFAL e, de um modo geral, todos
aqueles que trabalham no âmbito da educação no
México pelo recente falecimento de nosso amigo
1
Diretor de Docencia y Educación para la Vida. do Centro
de Cooperação Regional para a Educação de Adultos na
América Latina e Caribe (CREFAL).
Juan Manoel Gutiérrez. Juan Manoel foi um
notável educador mexicano, organizador de
muitas iniciativas de grande importância no
âmbito da educação no México. Dentre elas,
fundou o Departamento de Investigação
Educativa (DIE) do Instituto Politécnico Nacional
e também a Universidade de Ciénega; foi
fundador e diretor, até os últimos dias, da revista
Decisio, de grande alcance na educação de
adultos e, também até seu falecimento, foi
pesquisador e assessor do CREFAL. Quero
dedicar esta apresentação à memória de Juan
Manoel.
Não pretendo fazer uma exposição
acadêmica. Mas somente uma espécie de resenha
que vincula aquilo que é considerado público com
aquilo que chamemos de modelos de imbricação
entre o Estado e a educação de adultos na
América Latina. O tema da educação de jovens e
adultos tem, como sabem, vários pontos de vista e
proporções. Primeiro, penso que seria melhor
olhar a EDJA a partir da perspectiva sociológica
de campo de Pierre Bourdieu. Sem dúvida há
muitos outros enfoques, mas tomo este porque
creio que uma das características que tem a EDJA
na América Latina é que não se trata somente de
um campo, senão de vários campos intercalados e
sobrepostos.
Se nós dissermos “a Universidade”, isso
se constitui um só campo. Podendo conter vários
subcampos, por exemplo, o da pesquisa e da
docência; ou disciplinas como as humanas, as
tecnológicas, etc. Mas é reconhecida como algo
instituído com suas próprias regras de jogo e com
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o capital cultural comum que possui e distribui de
alguma forma. Todo campo tem uma fronteira
definida em relação a outros campos do entorno.
A EDJA, por outro lado, não parece ser
assim. Penso que é possível distinguir três
grandes campos: um campo que é o tema
específico da pedagogia de adultos (ou
andragogia se assim preferem, não seria agora o
momento de discutir isso); há outro campo que é
o da condição social-sociológica da EDJA; há um
terceiro campo que é o das políticas públicas
sobre EDJA.
Nem todos os “temas” da EDJA
concorrem de forma igual nos três campos. Há
“temas” que estão construídos conceitual e
metodologicamente em apenas um dos campos.
No entanto, é fácil reconhecer que há temas que
dizem respeito a mais de um desses campos. Se
falarmos, por exemplo, do problema da formação
dos educadores, implicaria os três campos. Se
falarmos do problema do financiamento da
EDJA, abordamos, sobretudo, os dois últimos
campos.
E ainda mais, esses campos não têm a
mesma lógica, a mesma dinâmica nem o mesmo
discurso. Por isso, precisamente, afirmo que se
trata de campos diferenciados. Por exemplo,
enquanto que nas políticas públicas se fala em
“combater o atraso educativo” e busca-se que os
programas tenham um impacto preferencialmente
quantitativo, a teoria da educação ou pedagógica
e a sociologia da educação renegam justamente a
expressão (porque oculta um processo social de
exclusão), a direção e o tipo de resultados que
buscam a maioria das políticas públicas.
Mas, de certa forma, o campo das
políticas públicas é o campo da diretriz (em
outras palavras diríamos hegemonia) dentro da
EDJA.
De um lado, porque na América Latina
herdamos uma teoria pedagógica proveniente do
Iluminismo, a qual privilegiava o ensino infantil e
só tardiamente se ateve aos jovens e adultos. Por
outro, porque a EDJA nasceu na América Latina
como um conjunto de iniciativas internacionais e
de cada Estado, para enfrentar um problema
social que afetava gravemente a incorporação de
nossos países aos esquemas internacionais de
produção, trabalho e distribuição. A EDJA nasceu
ligada à capacitação para o trabalho e à geração
de competências mínimas de “integração
nacional”. Não é o momento de tecer comentários
superficiais sobre a questão, mas creio que
aproveitaria para ler a história recente da EDJA a
partir desse ponto de vista.
E, finalmente, porque o que às vezes
chamamos de economia política da educação de
adultos, geralmente começa seus caminhos
financeiros como investimento público (nacional
ou internacional).
Ontem à noite escutei no programa do
Canal 10 o físico José Bautista Vidal. Afirmava o
senhor Vidal que a educação deveria estar ligada
ao trabalho, que a educação não deveria estar
colocada como uma condição, a priori,
verticalizada. Queixava-se de que as políticas
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públicas colocavam muita ênfase e recursos na
educação e, em contrapartida, não havia uma
política da mesma magnitude para o petróleo.
Trata-se obviamente de uma concepção
utilitarista, puramente funcional da educação. A
educação reduzida a ensino e o ensino visto como
um meio e não como um fim. E, ademais, como
um meio subordinado a diversos fins.
Agora o fato de que as políticas públicas
reconheçam – em maior ou menor grau – a
educação de adultos como uma questão social,
não quer dizer que seja plenamente considerada
como uma questão pública. O público é uma
espécie de âmbito ou espaço que abarca aquilo
que não pode ser de ninguém em particular e,
além disso, aquilo que é de todos. Certamente, o
público começa por definir-se por negociação,
por exemplo, com preceitos como “ninguém deve
fazer justiça com as próprias mãos”. Esta espécie
de “terra de ninguém” supõe o intento de
equilíbrio entre os interesses do privado, aqueles
mínimos nos quais – seguindo a hipótese
rousseauniana – estamos de acordo em que não
ocorram.
De maneira paralela, o público se define
como o que é de todos sem ser “de cada um”.
Uma praça ou uma rua é de todos. Eu não posso –
nem vocês nem ninguém – chegar a reclamar
minha parte proporcional da praça, meu meio
metro quadrado de praça. Quando alguém
usufruir privadamente de algo que é de todos, isso
faz com que o objeto perca o caráter de público.
Desse modo, se alguém desrespeita uma
das regras proibitivas fere o direito individual de
alguém e, ao mesmo tempo, o direito público. Se
alguém se excede no direito público e toma como
particular algo que é de todos fere o direito
público e, seguramente, o individual. Neste
momento, no México, discute-se a reforma
energética e se diz que uma das propostas é
vender títulos de petróleo aos cidadãos “para
fazê-los partícipes dos benefícios”. Assim se
contradiz o direito público, ainda que cada um
dos mexicanos pudesse ter a mesma quantidade
de títulos de petróleo, estes permaneceriam já
propensos ao uso individual, mesmo que
minimamente. Na teoria liberal clássica supõe-se
que o Estado é a garantia - a cada momento - do
equilíbrio entre as partes, do direito público, de
evitar a transgressão dele e de resguardar os
direitos individuais. Nesta concepção o Estado é
o corpo do público.
Por ele, se uma pessoa, um particular,
transgride o direito público comete delito. Mas, é
duplamente grave se o faz o Estado e seus
funcionários. Inclusive, um particular pode não
atuar diante de certas situações sem incorrer em
uma falta, pode fazer um exercício passivo de
seus direitos, mas o Estado não pode não atuar,
seria negligência. É a mesma lógica de quando os
representantes públicos (os deputados, senadores,
prefeitos, etc) e os funcionários opõem-se a
cumprir e fazer cumprir as leis. Para o cidadão
comum basta que cumpra a lei, o representante do
público deve, portanto, fazer com que seja
cumprida.
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Essa é a teoria sobre o que é público. A
teoria clássica, liberal e republicana, ainda que
sem fazer críticas. Mas é evidente que na
Constituição de cada país estão presentes
determinações historicamente diferentes sobre o
que é, de fato, o âmbito público. Na Europa
ocidental foi um processo que aconteceu entre os
séculos XVII e XVIII. Na América Latina, entre
o século XIX e inicio do XX. No caso do México,
essa definição do que é público se deu
marcadamente com a Constituição de 1857 e com
as Leis de Reforma durante o governo de Benito
Juarez.
Seguindo a idéia de que um Estado se
compõe de população, território e governo, a
administração de Juarez se propôs a reformar o
governo, sobretudo, nos órgãos de justiça, ou
seja, decretar leis para a população (o registro
civil obrigatório para os recém-nascidos, os
cemitérios públicos e os atestados de óbito) e
confiscar terrenos (uma forma de expropriação
que atingiu os terrenos baldios, as propriedades
da Igreja Católica e das comunidades indígenas).
Entretanto, fez algo mais: percebeu que não se
podia construir um Estado nacional forte sem
uma escola pública, isto é, uma educação básica
dada por instituições escolares do Estado, que não
atendesse a interesses privados, que fosse de
acesso para todos, bem como gratuita e
obrigatória.
Quase todos os países da América Latina
têm tido sistemas semelhantes de ensino público.
Na maioria destes países a educação ou ensino
público está em crise. Não somente pela
qualidade da educação que se oferece, senão
porque o conceito do que é público e a forma
como se construiu historicamente está em crise.
Provavelmente pela conjunção de três tendências:
Primeira, a confusão do público com o
aumento de penetração da mídia de massa,
especialmente a televisão, a qual cria uma falsa
impressão do “público”. Os meios de
comunicação de massa são isso: de massa, não
públicos. Ficar sabendo da vida privada dos
políticos, se têm um ou uma amante, ou filhos
fora do casamento, etc, não faz estes fatos nem
mais nem menos públicos, seguem sendo
privados ainda que muita gente fique sabendo.
A segunda tendência tem a ver com a
primeira, mas de maneira ambígua, dual. Nas
últimas três ou quatro décadas tem havido um
movimento crescente de cidadania que tem posto
em marcha diversas causas dependendo das
condições de cada país. Em geral, uma luta contra
os autoritarismos que chegavam ao extremo com
as ditaduras militares, uma luta pela
democratização, às vezes por mudanças radicais
na estrutura social, às vezes reclamando somente
maior participação social; uma sociedade aberta e
com melhores níveis de existência e
sustentabilidade. Particularmente desde os anos
oitenta, tem havido uma ascensão das ações das
organizações da sociedade civil. Porém, digo que
é ambígua porque uma maior participação ou
protesto da sociedade civil não é
automaticamente um assunto público. No México
existem muitas organizações de caráter
assistencialista ou filantrópico que atuam no setor
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educativo, de saúde, etc, mas que não querem ter
a menor ingerência na questão pública. Também
existem organizações que tratam de converter em
assunto público aquilo que deve ser questão de
consciência privada, como as que propõem
legislar para moderar a forma de vestir das
mulheres evitando que sejam “provocativas”.
Terceira, o neoliberalismo e o reajuste
estrutural reduziram o Estado. Ou, como foi dito
no início dos anos de noventa, “afinaram” o
Estado. Como sabemos, este emagrecimento não
constituiu em uma diminuição da burocracia,
senão na venda do mercado – mais ou menos
aberto – de muitas empresas e serviços do Estado.
Junto com a venda de instituições foram áreas
estratégicas e se perdeu toda a responsabilidade
pública sobre esses temas. Neste contexto, a
educação recebeu sua parte de privatização.
De tudo o que falei até agora, quero
destacar dois aspectos:
Primeiro, toda diminuição do âmbito
público é uma perda de soberania dos Estados (e
soberania foi o tema que primeiro apareceu
teórica e historicamente em relação ao público).
Mas que o público não é algo imutável e que só
existe no Estado. Há formas coletivas de resgate e
construção daquilo que é público. Atualmente não
se pode nem se deve pensar formas autoritárias. A
participação e a democracia são indispensáveis na
construção do público, ainda que por si só não
sejam suficientes. Reitero, a privatização não é o
fato de que companhias privadas operem alguns
serviços ou programas. A privatização é,
essencialmente, o abandono do espaço público.
Um estado pode privatizar-se ainda assim não ter
vendido nada, devagar vai deixando de lado suas
responsabilidades públicas. Hoje sabemos,
citando Aníbal Quijano, que não se trata de mais
ou menos Estado, senão de melhor Estado.
Segundo, não é possível falar de direito a
educação (de todas as idades, não só de adultos)
sem pensar no direito público para a educação
pública. A questão educativa e o direito a
educação estão no centro do debate sobre o
público. O direito à educação não é somente o
problema de cobertura, é um assunto de
governabilidade.
Este conjunto de idéias serve de marco
para examinar, grosso modo, a situação da
educação de jovens e adultos na América Latina a
respeito de suas políticas públicas. Cabe dizer
que, não obstante a planetarização das
comunicações, a abertura comercial de algumas
fronteiras, e isso que chamam acriticamente
globalização, os Estados nacionais continuam
sendo sistemas bastante consolidados e funcionais
para se abrirem a isso.
O primeiro fato que se deve destacar é que
o direito à educação não tem um grau de
desenvolvimento muito diferente em cada país.
Ainda que todos o reconheçam, não há em todos
a mesma escala legislativa. Assim, em alguns está
presente em sua Constituição, em outros em leis
secundárias, etc.
Do mesmo modo, as instituições e
políticas públicas são diferentes de país a país. Há
quase 60 anos, quando o CREFAL foi fundado
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em Pátzcuaro, Michoacán, no México, existia
uma política dos organismos internacionais para
atender de maneira urgente a desvantagem
educativa em que se encontrava a região latino-
americana. Atualmente, já não é assim. Tanto os
países como as articulações dos organismos
internacionais modificaram-se; não podia haver
nenhuma política internacional (ainda bem que
não há um direito internacional neste âmbito)
uniforme ou que chegasse de cima. É preciso
conhecer bem as políticas de educação de cada
país, a fim de tentar modificá-las com as
iniciativas internacionais e pelas vias de
financiamento de programas.
É urgente compilar, organizar e
sistematizar uniformização sobre a EDJA no
âmbito das questões econômicas e construir
indicadores mais exatos no cumprimento do
direito à educação.
Seguindo algumas das conclusões
provisórias que emergem de uma pesquisa
patrocinada pelo CREFAL, sobre o estado da arte
da EDJA nos países da América Latina, parece
que temos quatro grandes conjuntos ou formas
(não quero dizer modelos) de integração das
políticas públicas de EDJA na América Latina.
O primeiro é o esquema no qual o governo
absorve as instituições e é o indutor das políticas
públicas, mas sem que cheguem a ser políticas de
Estado. É o caso do México. Uma instituição
sólida, muito grande, opera os principais
programas federais contra o analfabetismo e o
atraso escolar: o INEA. Porém, tem como
limitações uma concepção muito estreita da
EDJA, a centralização que não permite uma
participação efetiva em quase nenhum nível
institucional ou programático e uma enorme
dificuldade na gestão e operação de programas. O
esquema possui marcada preocupação pela
cobertura.
O segundo, do outro lado do espectro, é
um esquema de privatização da educação. Poderia
ser o caso do Chile. As grandes instituições são
melhores na avaliação e fiscalização, somente
oferecem linhas gerais e agentes diversos, muitos
deles do setor mercantil, operam os programas e
serviços. Não obstante, investiram quantidade
considerável de recursos em certos aspectos como
a reforma curricular e a avaliação de políticas. Tal
esquema possui marcada preocupação pela
eficiência.
Entre estes dois pólos há outros esquemas.
O terceiro é um esquema híbrido - no qual o
Estado e o governo assumem parte da educação
de adultos - que subcontrata ou dá concessão à
operação dos programas. Pode ser o caso da
Colômbia. Não recai no governo o financiamento
de toda a EDJA. Há uma marcada preocupação
assistencialista neste esquema.
O quarto esquema pode ser o do Brasil. O
governo financia a EDJA em esquemas
compartilhados, as políticas públicas e os planos
estabelecidos são agendados com participação da
sociedade, mas uma parte importante da operação
dos programas é realizada por agentes
governamentais. Há uma marcada preocupação
participativa.
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13. REVEJ@
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É provável que este seja o esquema de
mais êxito para as condições de países como o
Brasil - muito extensos, com grande população,
com economias dinâmicas e produtivas, uma
república federal muito heterogênea em seu
interior. Mas deve-se levar em conta que o Brasil
tem dez vezes mais Encontros Nacionais de EJA
e, antes disso, uma larga tradição de mobilização
civil pela EDJA.
A quinze dias da reunião preparatória para
a VI CONFINTEA no México, há poucos meses
para a realização da CONFINTEA aqui no Brasil,
a realização deste X Encontro Nacional de EJA se
reveste de um significado particular. Trata-se não
só de festejar, vocês brasileiros primeiro, como
também nós os demais latino-americanos, os anos
de esforço e os frutos alcançados. Trata-se
também de projetar para ao futuro o dinamismo e
os ensinamentos dos ENEJAs.
Notas
1. Conservei as siglas “EDJA” por duas
razões principais: por antecedência histórica do
termo; porque me parece mais próximo ao uso em
português que o atual “EPJA” (educação de
pessoas jovens e adultas). Por suposto, não tenho
nenhum inconveniente em fazer a adequação
necessária.
2. Em geral conservei o tom da oralidade
da exposição, porque assim foi pensada a
primeira versão. Portanto, qualquer citação
bibliográfica ou de textos acadêmicos.
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14
Conferência Regional da América Latina e do Caribesobre Alfabetização e
Preparatória para a CONFINTEA VI
“Da alfabetização à aprendizagem ao longo da vida:
desafios do século XXI”
Cidade do México (México), 10-13 de setembro de 2008
Documento Final:
COMPROMISSO RENOVADO
PARA A APRENDIZAGEM AO LONGO DA VIDA
Proposta da América Latina e do Caribe
I. CONSIDERAÇÕES GERAIS
Da alfabetização à aprendizagem ao longo da vida é o grande desafio ao qual nos convoca
esta Conferência Regional.
Em outras palavras, o desafio de passar de uma alfabetização inicial – que é como continua a ser
entendida a alfabetização de pessoas jovens e adult as em muitos países da região – a uma visão
e uma oferta educativa ampla que inclua o ensino, ao mesmo tempo em que reconheça e valide
as aprendizagens realizadas pelas pessoas, não some nte na idade adulta, mas ao longo da vida1
:
na família, na comunidade, no trabalho, pelos meios de comunicação de massa, na participação
social, no exercício da própria cidadania.
A educação é um direito fundamental, uma chave que permite o acesso aos direitos humanos
básicos, tais como saúde, habitação, trabalho e par ticipação, entre outros, possibilitando assim o
cumprimento das agendas globais2
, regionais e locais de desenvolvimento.
Isto implica em reconhecer que estamos diante de um paradigma que concebe o ser humano
como sujeito da educação, portador de saberes singulares e fundamentais, criador de cultura,
protagonista da história, capaz de produzir as mudanças urgentes e necessárias para a
construção de uma sociedade mais justa.
1 Nota do tradutor: o original utiliza a expressão “ao longo e ao largo da vida”, para designar aprendizagens
que se realizam ao longo do tempo e em todos os âmb itos da vida social. Optou-se por empregar a
expressão “ao longo da vida” porque a tradução lite ral ao português não agrega o significado pretendido.
2
Os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM) e da Educação para Todos (EPT), a Quinta
Conferência Internacional de Educação de Adultos (C ONFINTEA V), a Década das Nações Unidas da
Educação para o Desenvolvimento Sustentável (DEDS), o Projeto Regional de Educação para a América
Latina e o Caribe (PRELAC), o Plano Ibero-americano de Alfabetização e Educação Básica de Pessoas
Jovens a Adultas (PIA), entre outros.
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Concepção que contempla não somente a educação form al, mas que incorpora e valoriza a
educação não-formal e popular, e supera a visão ind ividualista da aprendizagem, ao propor uma
construção social do conhecimento em comunidades de aprendizagem que propiciem o encontro
intercultural, intergeracional e intersetorial e a proteção do meio ambiente.
Nessa perspectiva, a alfabetização é um ponto de partida necessário, mas não suficiente, para
que cada sujeito do século XXI possa continuar e complementar suas aprendizagens ao longo da
vida e exercer os seus direitos de cidadão.
A ESPECIFICIDADE E HETEROGENIEDADE DESTA REGIÃO
A América Latina e o Caribe constituem uma região com grandes especificidades e enormemente
heterogênea, formada por 41 países e territórios, onde são faladas cerca de 600 línguas, com
realidades muito diferentes em todos os sentidos, incluindo o educativo e especificamente o de
educação de pessoas jovens e adultas (EPJA). Essa diversidade entre países e dentro de cada
país exige cautela quanto às generalizações e um grande esforço de diversificação, elaboração e
melhoramento de políticas e programas, adequando-os a contextos e grupos específicos,
considerando entre outras diferenças, idade, gênero, raça, região, língua, cultura e pessoas com
necessidades educativas especiais.
Esta é também a região mais desigual do mundo com 71 milhões de pessoas vivendo na
indigência e cerca de 200 milhões de pobres. Exclus ão educativa e exclusão política, econômica e
social são todas faces da mesma moeda. A EPJA situa -se exatamente nessa problemática,
entendendo que a educação é uma ferramenta fundamental para lutar contra a pobreza e a
exclusão social, mas considerando também a impossibilidade de resolver tal
problemática
exclusivamente do campo educativo, na ausência de m udanças estruturais e sem a convergência
de outras políticas.
Os diversos contextos socioeconômicos, étnicos e culturais da região estabelecem cada vez mais
obstáculos à alfabetização e outras formas de apren dizagens entre as pessoas jovens e adultas.
Entre esses fatores figuram o desemprego, a exclusão social, as migrações, a violência, as
disparidades entre homens e mulheres, todos esses vinculados, em grande parte à pobreza
estrutural. Esta situação tem sido agravada, nos úl timos tempos, pela crise alimentar, pela crise
energética e pelas mudanças climáticas.
AVANÇOS
Nos últimos anos, a EPJA ganhou impulso renovado na região, após um período de recesso nos
anos 90, tanto por parte dos governos como dos organismos internacionais. Na maioria dos
países ocorreram avanços significativos no plano legal e das políticas, em termos do
reconhecimento do direito à educação, à diversidade lingüística e cultural destas nações. Em
particular, têm-se retomado as agendas nacionais e internacionais, os planos, programas e
campanhas de alfabetização. Foram institucionalizadas, deste modo, ofertas para completar e
certificar os estudos de educação primária e secund ária para as pessoas jovens e adultas, em
alguns casos, vinculados a programas de capacitação e formação para o trabalho.
A oferta educativa não-formal ampliou-se considerav elmente, abrangendo tópicos muito diversos,
vinculados a direitos, cidadania, saúde, violência intrafamiliar, HIV/Aids, proteção do
meio
ambiente, desenvolvimento local, economia social e solidária etc. Em alguns países houve
avanços na eqüidade de gênero. Também começou a ter visibilidade a atenção a grupos
especiais, como imigrantes e pessoas privadas de liberdade. Os meios audiovisuais e o uso das
TICs penetraram no campo da EPJA, em alguns casos a partir de investimentos e intervenções
governamentais e de cooperação internacional.
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Em alguns poucos países, a EPJA obteve avanços importantes em termos de construção de
sistemas de informação, documentação, monitoramento e avaliação dos programas. Também
houve, nos últimos anos, estímulo à pesquisa tanto nacional como regional. A cooperação Sul-Sul
iniciou-se em muitos desses contextos, com iniciativas regionais e sub-regionais de diversas
naturezas.
DESAFIOS
Não obstante, cada um dos avanços apresenta ao mesmo tempo, novos e velhos desafios.
Continua sendo grande a distância entre o previsto nas leis e políticas e o efetivamente realizado,
colocando-se a necessidade de uma construção mais participativa das políticas e de sua
vigilância social por parte da cidadania, em geral, e por parte, especificamente, dos sujeitos
da
EPJA.
A cobertura dos programas governamentais e não-gove rnamentais continua sendo, em geral,
limitada para as necessidades e a demanda efetiva, e continua marginalizando as populações
rurais, indígenas e afrodescendentes3
, migrantes, pessoas com necessidades educativas
especiais e pessoas privadas de liberdade mantendo ou aumentando a exclusão, em vez de
reduzi-la.
A estratégia de integrar pessoas jovens e adultas em uma mesma categoria, não pode deixar
perder de vista a especificidade e os desafios de cada grupo etário, considerando que os jovens
são um grupo majoritário na região. Entretanto, a oferta educativa para certos segmentos por
idade vem sendo priorizada, de maneira geral até os 35 ou 40 anos, deixando de fora a população
de mais idade e negando, assim, seu direito à educação, e contrariando a própria adoção do
paradigma da aprendizagem ao longo da vida.
A diversificação e descentralização da oferta educativa requerem coordenação e articulação entre
os diferentes atores: governos nacionais e locais, sociedade civil, sindicatos, igrejas, empresa
privada, organismos internacionais, entre outros.
A igualdade de gênero em vários países surge como u ma necessidade, que afeta particularmente
as mulheres de populações indígenas e os meninos e homens do Caribe anglófono, desde a
educação inicial até a universitária, e também para o campo da EPJA, exigindo políticas e
estratégias de ação positiva.
Falta aproveitar melhor, com maior sensibilidade e com espírito comunitário, as novas tecnologias
para fins educativos, e aprender lições práticas pr ovenientes das experiências dos países que têm
desenvolvido iniciativas pioneiras neste terreno. Também é preciso avançar em termos de
monitoramento e avaliação, especialmente na avaliação das aprendizagens, assim como divulgar
mais e aproveitar melhor os resultados de pesquisa já existentes, tanto para alimentar a política
como para melhorar a prática.
Permanecem como problemas pendentes, entre outros: o sub-financiamento crônico da educação
de pessoas jovens e adultas, sua grande vulnerabilidade em termos de participação,
institucionalização e continuidade de políticas e programas.
Também, é preciso prestar especial atenção à formação de educadores e educadoras, à pesquisa
para a EPJA, em um marco pedagógico-didático que permita atender os contextos e a
especificidade da área, apoiando-se para isso nas u niversidades.
3 Especialmente na América Latina
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Do ponto de vista de sua coerência com a eqüidade, é necessário reverter as tendências atuais,
dando prioridade e atenção com qualidade e pertinên cia às áreas, aos setores e grupos em
desvantagem, como são nesta região as populações ru rais, migrantes, indígenas,
afrodescendentes e pessoas privadas de liberdade e com necessidades educativas especiais.
II. ESTRATÉGIAS E RECOMENDAÇÕES
Reconhecer que a realização plena do direito humano à educação de pessoas jovens e adultas
está condicionada à implementação de políticas de s uperação das profundas desigualdades
econômicas e sociais dos países e da região, torna-se imperativo em matéria de:
POLÍTICAS
1. Reconhecer a EPJA como um direito humano e cidadão que implica maior compromisso e
vontade política dos governos nacionais e locais, na criação e fortalecimento de ofertas de
aprendizagens de qualidade ao longo da vida, assegurando que a EPJA desenvolva
políticas orientadas para o reconhecimento dos direitos à diversidade cultural, lingüística,
racial, étnica, de gênero, e inclua programas que s e articulem com a formação para o
trabalho digno, a cidadania ativa (DDHH) e a paz, de maneira a fortalecer e promover o
empoderamento das comunidades.
2. Promover políticas e legislação que integrem a EPJA nos sistemas de educação pública e
garantir sua aplicação, estimulando mudanças nas estruturas que as tornem mais flexíveis,
promovam a adequação das normas com as metas e desafios, com a criação de
observatórios cidadãos de acompanhamento das políticas e uso dos recursos.
3. Construir mecanismos de coordenação em nível nacional, que ajudem a estabelecer uma
política integral para promover um trabalho intersetorial e interinstitucional, que articule as
ações do Estado com a sociedade civil (movimentos sociais organizados, igrejas,
sindicatos, empresários, entre outros), e possibili te uma abordagem holística, assim como
o acompanhamento e o controle social.
4. Continuar buscando enfoques que fortaleçam e garantam a aprendizagem ao longo da
vida, que incluam a alfabetização e a educação bási ca; o fomento à leitura e à
cultura
escrita para a criação de ambientes letrados, como diferentes ferramentas para a
superação da desigualdade e da pobreza na região, e de construção de alternativas de
desenvolvimento. Nesse sentido, a valorização da educação popular e não-formal é
fundamental.
5. Elaborar políticas de formação inicial e continuada de educadores de pessoas jovens e
adultas, com a participação das universidades, dos sistemas de ensino e dos movimentos
sociais, para elevar a qualidade dos processos educativos e assegurar o melhoramento
das condições laborais e profissionais dos educadores e funcionários.
FINANCIAMENTO
6. Recomendar percentuais mais significativos para os orçamentos nacionais de educação –
pelo menos 6% do PIB – e assegurar nos mesmos recursos específicos para a EPJA –
pelo menos 3% do orçamento educativo – que permitam ser executados com
transparência, eficácia e eficiência.
7. Assegurar recursos intersetoriais – nacionais e internacionais de origem pública e privada
– para planos, programas e projetos da EPJA, com perspectiva de gênero e
reconhecimento da diversidade, que possibilitem o desenvolvimento de políticas de ação
positiva e o financiamento de estudos que demonstrem o custo social e econômico de
manter amplos setores da população com baixos níveis educativos.
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FERRAMENTAS
8. Desenvolver políticas de pesquisa e sistematização de experiências educativas, promover
a divulgação do conhecimento, de documentação e circulação das práticas relevantes da
EPJA. Fortalecer as redes latino-americanas e caribenhas de pesquisa em EPJA.
9. Desenvolver um sistema de avaliação, informação, registro e monitoramento com
parâmetros internacionais, que possibilitem a formu lação de políticas a partir da avaliação
dos processos, sistemas e métodos, que assegurem a certificação, validação e
homologação dos conhecimentos e habilidades.
10. Promover de forma intersetorial e interinstitucional o desenho e a elaboração de material
escrito na língua materna que reflita a diversidade cultural dos povos.
INCLUSÃO
11. Desenhar e implementar políticas educativas que favoreçam a inclusão, com eqüidade de
gênero e qualidade que contemplem, com enfoque inte rcultural, as diferentes
especificidades de todos os grupos populacionais dos países da região: indígenas,
afrodescendentes, migrantes, populações rurais, pessoas privadas de liberdade e pessoas
com necessidades educativas especiais.
PARTICIPAÇÃO
12. Fomentar maior participação, em especial dos sujeitos da EPJA, e cooperação entre a
sociedade civil, os setores privados e os diferentes órgãos do Estado, mediante a
promoção e fortalecimento da modalidade da cooperação horizontal entre os países, e
reforçar a cooperação internacional a favor da EPJA.
13. Propor que a UNESCO assuma papel relevante e central para a garantia do direito à
educação e, em particular, coordenar as metas estabelecidas nas conferências
internacionais e monitorar seus resultados.
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Desejos e desafios de pessoas da terceira idade
no processo de escolarização1
Isamara Grazielle Martins Coura2
Resumo: O artigo é um recorte feito em relação aos
resultados de uma pesquisa de mestrado realizada no
Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação da
UFMG, objetivando investigar que expectativas e
motivações que levam as pessoas da terceira idade a
retornar às salas de aula. Através dos relatos dos educandos
percebeu-se que estudar, na maioria das vezes, fazia parte
de um sonho, mas que concretizar este desejo, exigia
contornar desafios. Percebeu-se ainda que o ato de
escolarizar-se promove melhorias na qualidade de vida
destes sujeitos.
Palavras-Chave: Terceira Idade – Educação de Jovens e
Adultos – desejos e desafios frente à escolarização
Introduzindo o tema
O presente trabalho trata-se de alguns
dados obtidos através de uma pesquisa de
mestrado intitulada A Terceira Idade na
Educação de Jovens e Adultos: Expectativas e
Motivações. A referida investigação de caráter
qualitativo, que para ser realizada teve como
critérios para escolha dos sujeitos pesquisados a
idade – ter mais de 60 anos e estar em diferentes
tempos de escolarização na Educação de Jovens e
Adultos (EJA). Sendo assim, a pesquisa foi
1
Este artigo é uma versão do trabalho apresentado e
publicado nos anais da 31ª Reunião anual da ANPED
realizada em outubro de 2008.
2
Graduada em História pela UFMG, mestre em Educação
pela UFMG e professora da Faculdade Pitágoras.
realizada com sete educandos3
, sendo três
homens e quatro mulheres, com idades entre 60 e
81 anos no período da realização das entrevistas.
Dentre estes, dois já se encontravam no Projeto
de Ensino Médio de Jovens e Adultos (PEMJA),
e os demais freqüentavam diferentes períodos do
curso no Projeto de Ensino Fundamental de
Jovens e Adultos - Segundo Segmento (PROEF
II), ambos os projetos fazem parte do programa
de educação básica de jovens e adultos da
UFMG.
Através dos relatos dos educandos, foi
possível perceber os desafios encontrados e os
desejos existentes em seu cotidiano para
continuarem seu processo de escolarização nesta
etapa da vida. Ao contarem suas trajetórias,
relatando os sonhos, as expectativas, os
obstáculos e as alegrias vividas neste retorno à
vida escolar, foi possível perceber o que a escola
representa para esses sujeitos e ainda, apontar
algumas melhorias na qualidade de vida dessas
pessoas a partir da volta aos estudos.
Na terceira idade o momento de estudar
Os sujeitos pesquisados apresentam
histórias similares. Vieram de famílias humildes e
numerosas, em que trabalhar para “ajudar em
casa” era uma necessidade vivenciada desde
muito jovens. Soma-se a este fato a falta de
escolas públicas para que pudessem estudar
quando se encontravam na chamada “idade
regular”. Sendo assim, apesar do desejo de
escolarizar-se ter perpassado toda a vida dessas
3
Os nomes aqui apresentados são todos fictícios.
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pessoas, este só pode ser concretizado ao
chegarem à terceira idade.
Elvira afirma que, com a morte do pai, ela
e os irmãos tiveram que trabalhar. Já Perpétua
conta que aos quatorze anos trabalhava em uma
fábrica de tecidos em Itabirito. A vida de
trabalho para Isabel e seus irmãos também
começou cedo, uma vez que os pais adoeceram e
ficaram inválidos tornando-se, assim, o trabalho
dos filhos fundamental para a manutenção de
uma renda familiar. Claudina, apesar de em seu
relato não dizer ter “saído para trabalhar”, e
assim, auxiliar no sustento da casa, conta que, por
ser a única menina de um total de seis irmãos, era
quem ajudava a mãe nas tarefas domésticas.
Para os homens a questão do trabalho
também se mostrou presente muito cedo. Ivan
passou por dificuldades financeiras, era órfão de
pai e mãe e vivia com seus irmãos, tendo todos
que trabalhar para prover seu próprio sustento.
Quanto à falta dos pais em relação à interrupção
de sua escolarização enquanto criança, ele não
aponta apenas a questão do trabalho como único
responsável, mas afirma também que faltou quem
lhe orientasse sobre a importância de se estudar
naquela época: Eu não tinha quem me orientasse,
né? Era órfão de pai e mãe e a gente vivia com os
irmãos com muita dificuldade, a gente tinha
mesmo era que trabalhar.
Raimundo, em sua entrevista, relata que
foi criado por uma madrinha após a morte de sua
mãe e que, por serem pessoas criadas na roça,
não só não era incentivado por ela a estudar como
também era criticado quando demonstrava seu
interesse em freqüentar as salas de aula.
Comumente sua vontade de sair da roça e ir para
cidade em busca de uma escola era interpretada
por sua madrinha como uma estratégia para fugir
do trabalho.
Além da falta de escolas públicas gratuitas
para que pudessem estudar, e de terem que
enfrentar as jornadas de trabalho precocemente, a
relação da família com o significado do saber
escolar foi outro fator relevante destacado por
muitos dos entrevistados que os levaram a deixar
ou ficar longe da escola.
O desejo pela escolarização esteve
presente durante a vida desses sujeitos desde a
infância, quando não tiveram a oportunidade de
concluir seus estudos em “idade regular”, até
chegarem à Terceira Idade. A privação que
sofreram, seja por terem que sair para trabalhar
ainda muito jovens, ou por falta de escolas
públicas, levou-os a uma condição de excluídos.
Sobre a exclusão Martins (1997) define:
A exclusão é apenas um momento da
percepção que cada um e todos podem ter
daquilo que concretamente se traduz em
privação: privação de emprego, privação de
bem-estar, privação de direito, privação de
liberdade, privação de esperança.
(MARTINS,1997, p. 18, grifos do autor)
A exclusão, primeiramente de um direito,
levou esses sujeitos a serem excluídos em
diversas outras situações vivenciadas como, por
exemplo, de uma melhor oportunidade de
emprego, de uma maior e mais efetiva
participação social, de conhecer de forma mais
ampla seus direitos como cidadãos e lutar por
eles. Foram privados até mesmo de, muitas vezes,
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poder sonhar com dias melhores e de usufruir de
uma melhor qualidade de vida.
Com o passar do tempo, o desejo pela
escolarização se mantinha e com ele os
enfrentamentos do cotidiano que o tornava
distante. Cresceram, casaram e as obrigações com
o trabalho e a família continuavam. O desejo de
completar sua escolarização só pôde ser realizado
na Terceira Idade. Vários fatores contribuíram
para que isto fosse possível nesta fase da vida.
Quanto à questão econômica essas
pessoas já não pagam passagens para freqüentar
uma escola. No que se refere à questão política e
à oferta de vagas, têm seu direito à educação
garantido por leis federais. A Terceira Idade vem
lhes permitindo buscar a escolarização, uma vez
que a maioria desses sujeitos já se encontra
aposentada e suas famílias já “estão criadas”. É
isso o que Elvira aponta: eu resolvi voltar a
estudar em 2002. Porque os meninos já não
precisavam tanto de mim, meus netos, né. E eu
tinha parte da tarde disponível.
Entre receios e sonhos
Apesar dos fatores apontados acima, os
quais propiciam estes sujeitos a freqüentar uma
escola na Terceira Idade, há também, por estar
nesta fase da vida, um certo receio do que está
por vir. Ao envelhecerem, muitas pessoas
chegam a acreditar que realizar seus sonhos não é
mais possível, que o tempo que têm pela frente
não seria suficiente para concretizar seus desejos.
A questão da idade foi, sem dúvida, uma
grande fonte de preocupação ao pensarem em
voltar a estudar. Perpétua, por exemplo, ao ser
questionada sobre como viu a possibilidade de
voltar a estudar, conta que, como primeira reação,
acreditou que poderia nem ser aceita na escola
devido ao preconceito contra os idosos: Mas eu já
estou velha, eles não vão me aceitar, e mesmo
depois de chegar à escola a preocupação com a
idade ainda existia:
Eu achava, no inicio, eu achava assim:
Nossa! Eu no meio dessa turma toda, eu sou
bem mais velha. Tinha hora que eu ficava
meia sem saber, falei: “Gente, que bobagem
minha, eu sou nova igual eles. Pronto! Tirei
aquele negócio de falar que sou mais velha
do que eles, sou igual eles. (Perpétua)
Perpétua demonstra em seu relato mais do
que a preocupação quanto a sua capacidade de
realizar as atividades. Estando em boas condições
físicas e mentais questionou a sua ida à escola por
causa do preconceito social contra os idosos. Não
se questionou se estaria apta a freqüentar o curso
por ter que aprender coisas novas ou por ter que
se locomover todos os dias até a escola à noite.
Não eram questões referentes à suas limitações
que a preocupavam, mas se seria aceita, como
idosa, em um local “destinado” socialmente aos
jovens.
A fala de Perpétua leva-nos a refletir
sobre a necessidade de se repensar qual é o lugar
do idoso na sociedade em que vivemos. Uma
sociedade que vê não apenas nos dados
estatísticos, mas também no dia a dia, nas ruas,
praças, bancos e nos demais locais públicos o
aumento da população idosa e, entretanto, ainda
os trata com certo preconceito, limitando suas
possibilidades de viver bem. É verdade que
políticas públicas que assegurem direitos aos
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idosos vêm sendo criadas, como é o caso do
Estatuto do Idoso de 2003. Mas não basta apenas
que sejam criadas, é necessário que as garantias
estabelecidas nas leis sejam cumpridas.
Mais do que isso, é fundamental uma
mudança de pensamento e de postura de todos
nós em relação aos papéis sociais dos idosos. Não
basta garantir a eles acesso a lugares como
teatros, cinemas, transportes gratuitos e educação.
É importante garantir também respeito para que
eles possam usufruir de tais benefícios. As
pessoas, de modo geral, precisam perceber essas
pessoas como seres sociais que são. Sujeitos que
precisam de lazer, de cultura e de se relacionar
socialmente como qualquer outro ser humano em
qualquer outra etapa da vida. Precisam perceber
que as pessoas idosas fazem e vão, cada vez mais,
fazer parte da sociedade.
Mesmo após terem passado por diversos
desafios, os sujeitos pesquisados souberam
contorná-los para chegar a uma escola. O que
demonstram é que têm consciência de suas
idades, dos seus limites, mas que pretendem
aproveitar cada ano de vida realizando seus
projetos e, assim, buscar uma velhice mais feliz.
Isabel, em seu relato, retrata bem esse momento:
Mas sempre lá dentro de mim eu tinha um
sonho de estudar, sabe? E esse sonho foi
passando, né? Até que um dia eu acreditei
que tinha morrido esse sonho, mas só que
adormece. E quando eu me vi com setenta
anos já e pensei assim: Puxa vida! Eu
pensava que já estava muito velha.
Engraçado, eu já estou com setenta anos, num
estudei, num morri e o que eu estou fazendo
aqui? Vou estudar. Voltei a estudar. (Isabel)
Percebe-se, através da fala de Isabel que,
estar na Terceira Idade, não tendo mais que
cumprir um horário no emprego ou se preocupar
com a criação dos filhos, podendo contar com
transporte gratuito para se chegar a uma escola de
EJA, também gratuita, não é o suficiente para
levar essas pessoas a freqüentarem um banco
escolar. É preciso um elemento mais forte, que
venha do interior de cada uma delas. É preciso
sonhar, desejar esta escolarização. Em relação à
importância dos sonhos Freire (2001) afirma:
Sonhar não é apenas um ato político necessário, mas
também uma boa conotação da forma histórico-social de
estar no mundo de mulheres e homens. Faz parte da
natureza humana que, dentro da história, se acha em
permanente processo de tornar-se... não há mudança sem
sonho como não há sonho sem esperança... (FREIRE, 2001,
p. 13)
Sonhar é, portanto, um importante
constitutivo da natureza humana que nos
impulsiona a viver. Para todos os seres humanos,
em qualquer etapa da vida em que se encontrem,
a motivação e os sonhos são necessários. Para as
pessoas da Terceira Idade não é diferente, muito
pelo contrário, é um fator importante para
garantir a vontade de viver. Foi a partir dos
sonhos, nutridos durante toda uma vida, que esses
sujeitos buscaram a escolarização, tendo nela um
objetivo de vida.
A escola significava para cada um, uma
forma de completar algo que julgavam deficitário
em suas vidas. A maior parte dos entrevistados
tem como expectativa inicial de sua volta à escola
o aprendizado de conteúdos próprios de uma
instituição escolar, como é o caso de Elvira: Eu
tinha essa meta de vida. Eu quero aprender,
apesar de ter dificuldades, eu quero aprender, eu
vou aprender. Já Antônio desejava ter
explicações sobre as matérias através dos
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professores, uma vez que lia livros didáticos em
casa, mas nem sempre entendia o que estava
lendo. Também foi o desejo pelo saber escolar
que levou Perpétua à escola: Oh, eu acho que é
porque eu queria tanto, tanto saber, sabe?
Já Claudina aponta outro elemento
motivador para que fosse a busca de uma escola.
Ela conta que já fazia parte das atividades de um
grupo de Terceira Idade da Faculdade de
Educação Física da UFMG, mas que ao ficar
sabendo do PROEF II, através de sua filha, viu
uma nova possibilidade de ocupar seu tempo e
exercitar sua mente. Ela afirma:
Então fui para o projeto porque ficar em casa
fazendo o quê? Ficar, por exemplo, numa
cadeira de balanço, aí fazendo um crochê,
fazendo um tricô, cochilando, lendo um livro.
Às vezes lendo, cochilando por cima do livro,
né? Eu acho que eu tenho que fazer alguma
coisa. Então menina, foi a melhor coisa do
mundo que me aconteceu foi isso: voltar a
estudar! Quando eu pensei em voltar a
estudar, foi para não ficar parada porque eu
acho que um carro parado enferruja, uma
máquina parada enferruja. (Claudina)
As falas desses educandos sobre os
motivos que os levaram a voltar a estudar vão ao
encontro da afirmação de Dayrell (1996) sobre a
presença dos alunos jovens na escola (...)
afirmamos que todos os alunos têm, de uma
forma ou de outra, uma razão para estar na
escola, e elaboram isto de uma forma mais
ampla, ou mais restrita, no contexto de um plano
de futuro (DAYRELL, 1996, p.144). No entanto,
esse mesmo autor acredita que os projetos que
levaram essas pessoas a procurarem por uma
escolarização não são imutáveis ou permanentes:
Um outro aspecto do projeto é a sua
dinamicidade, podendo ser reelaborado a
cada momento. Um fator que interfere nesta
dinamicidade é a faixa etária e o que ela
possibilita enquanto vivências. Essa variável
remete ao amadurecimento psicológico, aos
papéis socialmente construídos, ao
imaginário sobre as fases da vida.
(DAYRELL, 1996, p.144)
No caso da pesquisa aqui apresentada
pode-se confirmar que, de fato, os projetos
iniciais destes educandos, ao chegar à escola,
foram ampliados. Se chegaram à escola
desejando aprender, conhecer mais os conteúdos
escolares para “não morrer burro”, a o fato de
estarem na escola lhes proporcionou um
redimensionamento dos sonhos, levando-os a
acreditarem mais em si mesmos e a se permitirem
ousar mais nos seus desejos e projetos de vida na
Terceira Idade.
Muitos alunos, ao chegarem às salas de
aula de EJA, após um bom tempo fora da escola,
sentem-se inseguros. Imaginam que não terão
condições de acompanhar o aprendizado da
turma. Isso também ocorreu com os entrevistados
da pesquisa. Elvira, por exemplo, afirma que
tinha medo de não conseguir: Era um dos meus
sonhos, mas eu tinha medo de não conseguir.
No entanto, com o passar dos dias, foram
percebendo-se capazes e, a partir de então,
puderam ampliar suas metas em relação aos seus
estudos. Se as expectativas iniciais giravam em
torno de aprender e de ocupar um tempo ocioso,
agora as metas são de conclusão de ensino médio
e até mesmo de fazer uma faculdade. Santos
(2001) ao escrever sobre o desejo de continuidade
dos estudos dos educandos, em sua pesquisa
afirma:
Por outro lado, não se pode deixar de
ressaltar que, provavelmente, o fato de
obterem êxito, na vivência da experiência de
escolarização tardia no CP (Centro
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Pedagógico), tenha atuado também como um
forte motivador para que a continuidade dos
estudos se transformasse em desejo e
necessidade. (SANTOS, 2001, p. 228)
Os sonhos que alimentaram internamente
de ter uma profissão, no primeiro momento de
chegada à escola, não eram ao menos expostos.
Eram guardados somente para eles, pois os viam
distantes de serem realizados. Ao perceberem seu
desempenho no ensino fundamental, foram
acreditando mais que seria possível chegar à
concretização de seus ideais. No relato de Perpétua
pode-se notar que os objetivos educacionais vão se
ampliando. Após ter feito a viagem para a Europa
desejava ir para escola aprender mais. Agora já vê o
ensino médio como uma realidade e a faculdade
como uma possibilidade. Acredita que apenas
poderá ter como empecilho questões relacionadas
ao financeiro:
Eu vou para o ensino médio que é o PEMJA,
né? E se eu tiver oportunidade, vou fazer
pedagogia, sabe? Isso se eu conseguir lá na
escola. Porque assim, condições financeiras
de pagar eu tenho certeza que eu não tenho.
(Perpétua)
Para Raimundo, a meta agora é concluir o
ensino médio. Acredita em si, mas revela ter na sua
idade um possível problema para concretizar este
objetivo:
... pelo menos a oitava série, o segundo grau
eu quero fazer sim. Depois, terminando a
oitava série, né, se Deus quiser, eu quero
fazer o segundo. Agora, se Deus quiser, o ano
que vem eu vou terminar a oitava, né? Por
um lado, se eu não morrer muito depressa,
né? Porque setenta anos você espera... igual o
Raul Seixas, você fica de boca aberta
esperando a morte chegar. (Raimundo)
A questão da idade não preocupou apenas
Raimundo. Claudina também se refere à sua
idade como um elemento que poderia limitar a
conclusão de seus estudos: Tem hora que eu fico
pensando assim: gente, vai ser com oitenta e três
anos que eu vou me formar. Será que eu chego
lá? Por mais que saiba que ter seus mais de
oitenta anos de vida poderia reduzir suas chances
de se formar, ela não parou. Tem consciência da
sua condição etária, mas não deixa de estudar por
isso:
Meu tempo está muito curto, porque eu se eu
pudesse ter uma formação mais cedo seria
melhor para mim. Por quê? Não é para eu
chegar a lugar nenhum não. É para eu
completar aquilo que eu sempre sonhei.
Realizar aquilo que eu sempre sonhei que foi
estudar, né?(...) Menina, eles me perguntam:
“Dona Claudina, a senhora vai continuar?”
Sabe o que eu falo? Ainda que esteja de
bengalinha eu chego lá. Assim, eu falo
porque eu tenho que dar um incentivo para os
outros, né? (Claudina)
Em suas reflexões acerca da velhice
Bobbio (1997) afirma: enquanto o ritmo da vida
do velho fica cada vez mais lento, o tempo que
tem pela frente fica dia a dia mais curto
(BOBBIO,1997, p.49). Apesar da consciência de
ter seu tempo diminuído em função da idade,
estes sujeitos têm procurado viver suas vidas sem
deixar que tal fato se torne um empecilho na
realização de seus projetos. O que percebem é
que procuram trilhar seus caminhos, deixando
que o destino se encarregue de determinar se
atingirão ou não os objetivos almejados. É isto
que demonstra o relato abaixo:
Quando acabar o PEMJA? Aí vem o
vestibular, né? Eu não sei... Nós estávamos
até discutindo isso aqui. Eu gosto muito de
geografia, sabe? Eu não tenho expectativa
assim... perspectiva assim... vamos ver...eu
estou estudando. Vamos ver até onde vai dar
para ir. (Ivan)
A partir de suas expectativas iniciais eles
têm ampliado suas metas, gerando novos desejos,
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dando cada vez mais sentido a suas vidas,
proporcionando-lhes novas motivações para
continuar lutando por seus ideais. A atitude aqui
apresentada desses educandos vai ao encontro do
que afirma Simone de Beauvoir (1990) quando
esta diz que é necessário buscar objetivos que
dêem sentido à vida para que a velhice não se
torne um fardo.
No entanto, apesar da vida escolar estar
lhes oferecendo tais benefícios, continuar os
estudos, para eles, não é uma tarefa simples. É
necessário saber contornar diversos problemas
que vão surgindo ao vivenciarem a experiência
escolar que tanto desejaram.
No tópico seguinte trato das experiências
vividas no dia a dia da escola por esses
educandos, levando em consideração as alegrias e
as dificuldades apresentadas.
A realidade e os enfretamentos na volta à
escola
O desejo pela escolarização, que tiveram
desde criança, hoje se torna uma realidade para
essas pessoas da terceira idade aqui apresentadas.
Enxergam como uma grande oportunidade o fato
de poderem freqüentar a escola, uma vez que
foram privados do acesso a uma instituição
escolar por muitos anos ao longo de suas vidas. É
isso o que revelam as palavras de Raimundo:
Eu nunca pensei assim... de ter essa chance
de estudar principalmente na universidade,
né? Porque eu sempre levava os filhos dos
meus chefes pra fazer vestibular. Não é o
meu caso, porque vestibular eu acho que não
vou fazer nunca. Mas eu sempre falava
assim: “Engraçado, eu nunca tive
oportunidade de estudar assim”, mas hoje
graças a Deus eu me sinto feliz de estar lá.
Porque eu não tive oportunidade, né? Então
eu acho que o estudo é a melhor coisa.
(Raimundo)
No entanto, ter acesso a uma escola
púbica para que possam concluir seus estudos não
é o suficiente para garantir que esses sujeitos
permaneçam nela. Ter o direito de freqüentar uma
escola pública e gratuita, de qualidade, é o
primeiro dentre outros fatores que podem
promover, efetivamente, a escolarização destes
educandos, podendo proporcionar-lhes uma
forma de sair do lugar de exclusão a que foram
pré-destinados por tantos anos. Sobre o direito
desses alunos em relação à educação escolar,
Giovanetti (2006) ressalta:
Este direito é aqui entendido não apenas
como o do acesso das camadas populares à
escola, mas também como propiciador de sua
permanência em uma escola que proporcione
um processo educativo marcado por sua
inclusão efetiva; enfim, o direito a uma
educação de qualidade, por parte daqueles
excluídos. (GIOVANETTI, 2006, p. 246)
O cotidiano da população brasileira de
camada popular exige que tenham que viver
contornando obstáculos. No caso da Terceira
Idade, os valores pagos pelas aposentadorias são
defasados e, no entanto, em grande parte, são eles
que colaboram com o sustento e a organização
familiar. As dificuldades com a família e a parte
financeira somam-se à questão da saúde. Nesta
fase da vida, nem sempre esta se encontra em sua
melhor forma. Portanto, garantir o direito de
freqüentar uma escola é, para eles, apenas o
primeiro passo rumo à conclusão de seus estudos.
As escolhas e renúncias feitas a favor da
escolarização são muitas e os enfrentamentos
para que isso se concretize são diários.
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No que toca à família, freqüentar a escola
noturna acaba por restringir o tempo destinado ao
convívio familiar. Isabel, por exemplo, conta que
com a escola, o momento de encontro familiar
ocorre nos fins de semana:
E pretendo continuar estudar, sabe? Mas
talvez eu estava pensando seriamente... em
arrumar um curso a tarde.(...) quase não estou
vendo meus filhos, eu quase não tenho tempo
de ver meus filhos. E depois que eu perdi
uma é que eu vi o quanto é importante a
gente estar sempre junto. (Isabel)
A fala de Isabel retrata bem a afirmação
de Zago (2000, p.39): para permanecer na escola
são feitos grandes sacrifícios, pois ser estudante
não é um ofício que possa ser exercido sem ônus.
Além da questão da família, Isabel ainda se refere
a um outro desafio diário para chegar à escola: a
distância entre sua casa e o ponto de ônibus, para
ir à aula, lhe exige uma caminhada de dez
quarteirões. Entretanto, ela não reclama. Vê esse
desafio como uma forma de realizar um exercício
físico. Certamente é preciso uma força de vontade
muito grande para reverter essa distância
percorrida em algo que ela aponta como
agradável:
Eu moro aqui, eu atravesso essa cidade para
ir para UFMG. Aí veio a questão: a distancia.
Eu falei: “Ah, distância,?! Para mim não vai
ter distância não”. Tem. Eu ando dez
quarteirões a pé todos os dias. E esses dez
quarteirões para mim é uma caminhada que
eu faço. Estou unindo o útil ao agradável, né?
(Isabel)
Outro que aponta dificuldades para viver
seu processo escolar é Raimundo. Ele conta que
sua memória não tem lhe auxiliado no
aprendizado. Mas que continua indo às aulas
também para melhorar esse aspecto: mas também
minha cabeça tem hora que não dá não, sabe? Às
vezes eu estou estudando um negócio hoje,
amanhã eu já esqueço. Mas o que me levou a
estudar é justamente para melhorar isso.
Além da memória, outro desafio que
Raimundo, assim como Antônio, tem que superar
para escolarizar-se é a oposição de sua esposa. A
falta de apoio dos cônjuges apareceu somente na
fala dos homens. Apenas Raimundo e Antônio
revelaram essa relação conflituosa advinda da
posição contrária das esposas ao fato de voltarem
a estudar.
No entanto, Antônio e Raimundo
encontram nos ciúmes de suas respectivas
esposas a explicação para tal oposição. As
esposas tentam desmotivá-los referindo-se à
idade deles. No entanto, a força de vontade de
estudar é maior e os dois acabam levando as
críticas com certo bom humor para assim
poderem, ao mesmo tempo, manter uma boa
relação em casa e continuar os estudos.
Os enfrentamentos cotidianos apontados
pelos sujeitos como necessários para que
continuem seus estudos são de ordens diversas.
Para concretizar a realização de seu curso cada
um deles tem que saber contornar as dificuldades.
É necessário fazer escolhas e renúncias usando,
sobretudo, de muita força de vontade.
No entanto, há também as condições que
contribuem para que estes sujeitos, apesar dos
desafios que têm que contornar, continuem a
buscar por esta escolarização. De acordo com o
que pude analisar, as grandes motivações que
levam esses sujeitos a continuarem a freqüentar a
escola, apesar de algumas condições adversas,
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encontram-se no fato da escola, hoje, estar
respondendo às suas expectativas. Isso pode ser
observado, por exemplo, quando destacam os
momentos preferidos na educação atual.
Os sujeitos entrevistados, ao falarem da
sua relação com a escola que atualmente
freqüentam, sempre ressaltam que raramente
faltam às aulas. Ainda que tenham que enfrentar
os desafios, ir à escola é tido por eles como uma
atividade prioritária. Até mesmo aqueles que
participam de atividades destinadas à Terceira
Idade, como exercícios físicos, como é o caso de
Claudina e Perpétua, afirmam que se um dia
tivessem que escolher entre as duas atividades
ficariam com a escola. Tais depoimentos
reforçam a idéia de que a escola vem
correspondendo às suas expectativas. A
afirmação de Carlos e Barreto (2005) aponta
nesta direção:
A disparidade entre a visão que o aluno tem
do que seja a escola e uma educação que
efetivamente sirva esse aluno pode gerar
conflito. Não são incomuns casos até de
desistência do curso. Não encontrando uma
escola que corresponda às suas expectativas,
o aluno se frustra e como não é uma criança
que os pais levam obrigatoriamente à escola,
acaba abandonando o curso. (CARLOS e
BARRETO, 2005, p. 67)
Assim, levando-se em consideração que
os alunos que chegam à escola têm previamente
uma idéia do que encontrariam lá, através dos
momentos relatados por eles como os preferidos,
pode-se perceber se a escola que vêm
freqüentando corresponde ao que desejavam
encontrar. Cada educando, a partir de sua
vivência até chegar à escola, vai escolher um
determinado momento ou atividade que considera
como o que mais gosta ou que considera o
importante para sua vida. Sobre este aspecto
Maria da Conceição F. R. Fonseca (2005)
destaca:
Como grupo sociocultural, os alunos da EJA
têm perspectivas e expectativas, demandas e
contribuições, desafios e desejos próprios em
relação à educação escolar. Em particular,
nas interações que têm lugar, ocasião e
estrutura oportunizada pelo contexto escolar
e, mais do que isso, num contexto de
retomada da vida escolar os sujeitos tendem a
privilegiar os modos de relação com a escola
que possam ser social e culturalmente
compartilhados e, a partir desse marco
sociocultural, valorizados. (FONSECA, 2005,
p.325)
As expectativas iniciais da maioria dos
entrevistados giravam em torno da aprendizagem
de conteúdos considerados como próprios de uma
instituição escolar. As respostas, referentes ao
que destacam como o que mais gostam no seu
processo de escolarização, vão nessa direção.
Claudina, por exemplo, refere-se sempre às aulas
e conteúdos disciplinares, quando questionada
sobre o que mais gosta na escola:
Por exemplo, eu gosto muito de português.
Não sei se desenvolvo bem o português, mas
eu gosto muito de português, gosto de
ciências, gosto das outras matérias. E a gente,
a gente vibra muito com as notas, com as
avaliações. Isso é muito bom! (Claudina)
A princípio, estes entrevistados pensaram
na escola apenas como um lugar para o
aprendizado de conteúdos. A pergunta se referia
apenas à palavra escola - Qual o momento na
escola que você mais gosta? Por quê?- não
tratava de forma mais direta sobre as aulas ou
qualquer outra atividade escolar como trabalho de
campo, festas ou o intervalo. No entanto, a maior
parte dos entrevistados referiu-se a momentos na
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escola como os tempos e espaços durante as
aulas.
Destacam o aprendizado da matemática e
do português. Ao se referirem às tais disciplinas,
dão a entender que percebem que dominar bem
estes conteúdos significa dominar bem o saber
escolar. Sobre isto Carlos e Barreto (2005)
afirmam:
Sabendo porque busca a escola, o adulto
elege também seu conteúdo. Espera
encontrar, lá, aulas de ler, escrever e falar
bem. Além é claro das operações técnicas e
aritméticas. Espera obter informações de um
mundo distante do seu, marcado por
nomenclaturas que ele considera próprias de
quem sabe das coisas. (CARLOS e
BARRETO, 2005, p. 63)
Dayrell (1996) destaca os diferentes
significados atribuídos pelos educandos ao seu
processo educativo e ressalta:
Sobre o significado da escola, as respostas
são variadas: o lugar de encontrar e conviver
com os amigos; o lugar onde se aprende a ser
“educado”; o lugar onde se aumentam os
conhecimentos; o lugar onde se tira um
diploma e que possibilita passar em
concursos. Diferentes significados para um
mesmo território, certamente irão influir no
comportamento dos alunos, no cotidiano
escolar, bem como nas relações que vão
privilegiar. (DAYRELL, 1996, p.144)
Assim como aponta Dayrell (1996), ainda
que esteja se referindo aos jovens, pode-se notar
que cada um dos entrevistados tem suas
atividades e momentos preferidos, dando um
significado para sua permanência no ambiente
escolar. No caso dos idosos, Isabel destaca os
trabalhos de campo, tidos por ela como passeios,
como os melhores momentos da escola. Destaca,
entre outros, a ida ao Museu de Artes e Ofícios e
a visita à cidade histórica de Sabará.
Ivan também declara como um dos
momentos importantes no seu processo de
escolarização a realização de atividades em
espaços fora da escola. Conta que foi a partir de
sua inserção na escola que passou a freqüentar
museus e teatros. Espaços que, mesmo morando
em Belo Horizonte desde sua infância, não sabia
que existiam e, provavelmente, não sabia nem da
possibilidade de alguém como ele, integrante de
uma classe popular, pudesse usufruir:
Vou em museu. Eu não ia em museu. Há
quanto tempo que não ia a um museu?!
Agora vou sempre no museu. Na praça da
estação tem um museu muito bom, né? Eu
nem sabia que tinha um museu lá na estação
central. Não, não ia não. Outro dia nós fomos
no teatro lá na Serra da Piedade. Você vê, é
coisa que eu não freqüentava eu estou
freqüentando agora. (Ivan)
A escola vem permitindo a estes
educandos ampliar seus horizontes, a conhecer e
freqüentar lugares que antes não faziam parte do
seu mundo. Sobre este fato, afirma Gómez (1997,
p.46): No podemos olvidar que los grupos
sociales más desfavorecidos probablemente sólo
en la escuela peuden encontrar el espacio para
vivir y disfrutar la riqueza de la cultura
intelectual. É exatamente isso que nos revela o
relato de Ivan. Participaram de espaços que eram
de improvável acesso a quem estava numa
condição de exclusão como a que viviam antes de
retornar aos estudos.
Para Ivan o que a escola tem de melhor é a
oportunidade de proporcionar o convívio entre
pessoas diferentes: Eu acho que é o convívio com
os professores, com as pessoas diferentes, né? É
outra família da gente. A gente forma outra
família. As relações sociais que tem estabelecido,
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29
a partir do convívio escolar, têm tanta
importância para Ivan que ele considera os
amigos da escola como parte de sua família. Vale
lembrar que Ivan não teve como intenção inicial
ir à escola para aprender determinados conteúdos,
como é o caso de alguns dos outros entrevistados.
A princípio, como já foi dito, foi para escola
apenas para acompanhar sua esposa e ocupar seu
tempo ocioso. Pode-se inferir que suas
expectativas vêm sendo correspondidas e, além
disso, vêm lhe proporcionando uma ampliação
em suas redes de amizade.
A partir da vivência de tempos e espaços
escolares estabelecendo novas relações sociais,
vários elementos da vida desses educandos têm se
modificado. Para Raimundo a convivência
estabelecida entre as pessoas através do ambiente
escolar fez com ele se tornasse uma pessoa menos
impulsiva. Consegue contornar melhor os
momentos de desavenças em casa ou em outro
ambiente social. A diversidade encontrada na
escola pode ter auxiliado nesse processo de
mudança de postura de Raimundo. Ao conviver
com pessoas diferentes, procurando respeitá-las,
foi reformulando suas atitudes ao lidar com
conflitos. Sobre esta mudança de comportamento
provocado pela escolarização, reflete Dayrell
(1996)
Vista por esse ângulo, a escola se torna um
espaço de encontro entre iguais,
possibilitando a convivência com a diferença,
de uma forma qualitativamente distinta da
família e, principalmente do trabalho.
Possibilita lidar com a subjetividade, havendo
oportunidade para os alunos falarem de si,
trocarem idéias, sentimento. Potencialmente,
permite a aprendizagem de viver em grupo,
lidar com a diferença, com o conflito.
(DAYRELL, 1996, p.144)
Além disso, apontam outros benefícios
trazidos pela volta à escola em suas vidas, como
por exemplo, uma percepção quanto à reativação
da memória. Afirmam ainda ter havido uma
maior integração entre os membros de suas
famílias. O fato de estarem na escola vem
aproximando-os mais de seus filhos, genros,
noras e netos, seja pelas caronas, por auxiliarem
na realização de pesquisas e atividades escolares
ou ainda por ter possibilitado aos educandos
maiores subsídios teóricos para participarem de
discussões acerca de assuntos atuais ampliando,
assim, o diálogo na família.
Poder ter acesso a novas informações e a
novos lugares, conhecer e conviver com outras
pessoas, ampliando seu campo de amizade, ter
liberdade e confiança na relação professor/aluno,
assim como aprimorar seus conhecimentos e
habilidades torna a frequência à escola uma coisa
prazerosa para os alunos. Além de terem suas
expectativas iniciais atendidas, estas vêm sendo
ampliadas após sua volta à escola. Surgem
momentos, espaços e atividades que vão lhes
dando novas alegrias e, conseqüentemente, os
motivando a estarem ali.
Os relatos analisados nessa pesquisa
demonstram que a educação vem lhes
promovendo uma ampliação de aprendizagens,
provocando mudanças em seus modos de ser, agir
e pensar. O retorno à escola tem aumentando seus
espaços de convívio social, intensificado as
relações familiares, além de promover o desejo
por aprender coisas novas e fazer novos cursos,
melhorando a auto-imagem desses sujeitos e,
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conseqüentemente lhes permitindo uma maior
inserção social. Potencializou não apenas suas
capacidades relativas ao aprendizado de
conteúdos curriculares, mas também seu
potencial de relacionar-se com o mundo e fazer
parte dele ativamente.
O que se percebe, portanto, é que os
resultados apresentados vêm refutar a idéia
lançada por Darcy Ribeiro, no encerramento do
Congresso Brasileiro organizado pelo Grupo de
Estudos e Trabalhos em Alfabetização (GETA),
no ano de 1990, ao falar: Deixem os velhinhos
morrerem em paz!, quando tratava da educação
de jovens e adultos. As pessoas da Terceira Idade
desejam ter suas vidas ativas e estão em
condições de usufruir de todos os benefícios
gerados pela educação. Além de se constituir em
um direito, a educação tem se mostrado
promotora de qualidade de vida. A educação vem
promovendo para estes sujeitos uma forma de se
manterem vivos não apenas biológica, mas
também socialmente.
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31. REVEJ@
31
O Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica
na modalidade de Educação de Jovens e
Adultos (PROEJA) no Centro Federal de
Educação Tecnológica de Goiás (CEFET-GO):
uma análise a partir da implantação do curso
técnico integrado em serviços de alimentação
Mad´Ana Desirée Ribeiro de Castro1
Jacqueline Maria Barbosa Vitoretti2
Resumo: O presente trabalho procura explicitar como se
deu o processo de implantação do Curso Técnico Integrado
em Serviços de Alimentação e as implicações dele
decorrentes para o CEFET-GO, na unidade de Goiânia,
buscando identificar as suas características e as
manifestações internas em relação ao PROEJA, no
momento da assunção do Programa pela Instituição. Para a
realização desta análise, serão considerados: o nível de
adesão das áreas profissionais ao Programa, a construção
histórica da implantação do curso e os primeiros desafios
colocados para a consolidação do Curso e do PROEJA.
1- O PROEJA no CEFET-GO: reacendendo
conflitos e estabelecendo novas perspectivas
O Programa Nacional de Integração da
Educação Profissional com a Educação Básica na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos
(PROEJA), finalmente instituído por meio do
1
Graduada em História (licenciatura), Especialista em
História do Brasil Contemporâneo e Mestre em Educação
pela Universidade Federal de Goiás. Doutoranda em
Educação pela Universidade Federal de Goiás, é professora
de História do PROEJA e professora efetiva do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Goiás - CEFET-GO.
2
Graduada em Química (licenciatura e bacharelado), possui
Especialização em Ciências, Mestrado em Tecnologia,
Educação Tecnológica pela Universidade Federal
Tecnológica do Paraná. Coordenadora do Programa de
Educação Profissional Integrada a Educação de Jovens e
Adultos e Ações Inclusivas do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Goiás e professora de Química do
PROEJA.
Decreto n. 5.840, de 13 de julho de 20063
, teve
pouca repercussão no interior do Centro Federal
de Educação Tecnológica de Goiás. As
justificativas para não ofertar cursos destinados a
pessoas jovens e adultas, num primeiro momento,
voltaram-se para o fato de que seria muito difícil
assumir mais uma modalidade de ensino em
função da falta de professores, da oferta de
grande quantidade, níveis e modalidades de
cursos - ainda não consolidados -, da falta de
infra-estrutura e do interesse das áreas em
oferecer cursos de pós-graduação, como indica
pesquisa realizada para identificar o perfil dos
alunos da primeira turma do PROEJA no
CEFET-GO, na unidade de Goiânia (SILVA e
OLIVEIRA, 2007).
As alegações das áreas profissionais
podem ser compreendidas como desdobramentos
das transformações ocorridas na Educação
Profissional da Rede Federal, em especial a partir
de meados da década de 1990. Tais mudanças,
ancoradas numa política educacional baseada no
ideário de Estado Mínimo, resultaram na
ampliação do número de Centros Federais de
Educação Tecnológica em substituição às Escolas
Técnicas Federais, no fim da oferta dos cursos
técnicos integrados, na drástica redução da
contratação de servidores efetivos, na
desarticulação de um tipo de educação
3
Este Decreto é originário da Portaria 2.080, de 13 de
junho de 2005, e do Decreto que a substituiu, o de n. 5.478,
de 24 de junho de 2005. As modificações jurídicas se deram
em função das impropriedades legais, da redefinição da
abrangência do Programa, antes restrito à Rede Federal de
Educação Profissional e Tecnológica, bem como do Ensino
Médio, e da sua ampliação para outros sistemas de ensino e
outros níveis da Educação Básica.
REVEJ@ - Revista de Educacao de Jovens e Adultos, v. 2, n. 3, p. 1-100, dez. 2008
32. REVEJ@
32
profissional que não correspondia mais às
demandas do mercado; o que forçou a construção
de itinerários formativos fundados nos princípios
da flexibilização e da fragmentação do processo
de aprendizagem, expressos na adoção de
arranjos curriculares no formato de módulos
(FILHO, 2003).
Percebe-se, contudo, que as justificativas
acabaram por se constituir em elemento
construtor de uma nova orientação para a
educação profissional no interior do CEFET-GO:
a de se firmar enquanto instituição de ensino
superior, ofertando cursos de graduação e pós-
graduação4. Nesta perspectiva, torna-se relevante
o fato de que desde 2004, quando já havia a
possibilidade legal de se voltar a ofertar cursos
técnicos integrados – historicamente definidores
da identidade da educação ofertada pela Rede
Federal -, somente em 2008 a Instituição passou a
oferecê-los de maneira mais significativa e, até o
momento, apenas o Curso Técnico Integrado em
Serviços de Alimentação destina-se a pessoas
jovens e adultas. Há ainda uma forte presença de
cursos técnicos seqüenciais, ofertados para quem
já terminou o Ensino Médio e uma tendência à
ampliação dos cursos de bacharelado (CEFET-
GO, 2007).
A configuração de um contexto interno
profundamente dividido em relação às
4
Foram criados, de uma única vez, 13 cursos superiores de
tecnologia logo após a transformação da Escola Técnica
Federal de Goiás em CEFET e promoveu-se a
desarticulação dos cursos técnicos integrados, apesar das
resistências internas ao Decreto 2.208, de 17 de abril de
1997. Entre 2.000 e 2.001 foram ofertados cursos
superiores de graduação em Gestão Turística e Gestão
Hoteleira, mantidos, em parte, por meio da cobrança de
mensalidade e administrados pelo extinto Caixa Escolar.
concepções, princípios e funções da educação
profissional e tecnológica ressalta a vitória das
proposições políticas educacionais de âmbito
estrutural que procuraram desarticular uma
orientação educacional de cunho formativo,
assentada na integração entre conhecimentos
gerais e técnicos, e por isto, potencialmente
humanizadora e emancipatória - mesmo que de
significativa tradição histórica – assim como
rearticulá-la em outra perspectiva, cujo caráter se
fundamenta no produtivismo, na fragmentação e
no economicismo.
Mesmo o Decreto 5.154 de 23 de julho de
2004, decorrente de um outro contexto
governamental, que possibilitou a volta da oferta
da educação profissional integrada, não
conseguiu restabelecer, no interior da Instituição,
de maneira enfática, ações contrárias aos
princípios que atrelam a educação profissional e
tecnológica à lógica do mercado. Como afirma
Frigotto e Ciavatta:
A reforma da educação profissional, por ser
de interesse direto do capital, talvez expresse
esta regressão de forma mais emblemática,
bem como um tecido cultural na área, no
plano dirigente, mas não só, dominantemente
conservador. Isso talvez possa nos ajudar a
entender tanto a pouca produção acadêmica
sobre escola unitária e politécnica quanto a
acomodação silenciosa, especialmente da
rede CEFET, após a revogação do Decreto
2.208/97 e a publicação do Decreto
5.154/04.(p. 49, 2006).
Tal lógica se justifica hoje por meio da
necessidade de formação trabalhadores para
ajudarem a enfrentar os desafios do crescimento
econômico5
. A formação para o mercado
5
Ver, em específico, as orientações para a educação
profissional e tecnológica contidas no Plano de
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transformou-se em formação para o crescimento
econômico, que pode indicar a reedição de uma
“outra” idéia - mais sedutora e fetichizada - da
relação entre capital e trabalho: a que se assenta
na ausência de conflitos e oposições estruturais
entre eles, pois ambos combinam-se na promoção
de um bem comum. Nesse sentido, a construção
da qualidade da educação deve ser um
compromisso de todos6
: governos, empresários e
trabalhadores7
.
Em outra perspectiva, o PROEJA tem
conseguido aglutinar pessoas e projetos, no
interior da Instituição, cujos interesses vinculam-
se à promoção da educação pública, gratuita, de
qualidade acadêmica e social. Estes princípios
podem ser concretizados, na educação
profissional e tecnológica, por meio da afirmação
de uma escola unitária e politécnica, de formação
unilateral, pelo desmonte de aparatos político-
administrativos e organizacionais facilitadores de
ações de cunho privatista, pela retomada de
discussões acerca do papel social da Instituição e
da necessidade da incorporação, nos seus
Desenvolvimento da Educação (PDE) (BRASIL, 2007a.).
Disponível em www.mec.gov.br.
6
Ver livreto “Compromisso Todos pela Educação: passo-a-
passo”. Disponível em www.mec.gov.br.
7
Neste aspecto, ainda há de se considerar a movimentação
de grupos de empresários preocupados com a educação
brasileira que, neste sentido, lançaram a agenda
“Compromisso Todos pela Educação”, no dia 06 de
setembro de 2006, no Museu do Ipiranga, em São Paulo. O
documento apresenta cinco metas para a educação: a)
Todas as crianças e jovens de 4 a 17 anos deverão estar na
escola; b) Toda criança de 8 anos deverá saber ler e
escrever; c) Todo aluno deverá aprender o que é
apropriado para a sua série; d) Todos os alunos deverão
concluir o ensino fundamental e médio; e) O investimento
necessário na educação básica deverá estar garantido e bem
gerido. (SAVIANNI, 2007)
espaços, de setores sociais historicamente
excluídos das benesses e direitos sociais.
O PROEJA, apesar da ainda fragilidade
em relação a sua constituição enquanto política
pública apresenta-se, hoje, no CEFET-GO, como
um espaço concebido muito em função das
contribuições teórico-práticas do campo da
Educação de Jovens e Adultos e da própria
natureza histórica desta modalidade de educação8
,
de reflexão e proposição de novas formas de
relações entre os sujeitos da educação e de
estruturação do trabalho pedagógico. Afirma-se,
pois, que a inserção do Programa na Instituição
tem ajudado a retomar a educação técnica
integrada9
, a aguçar os sentimentos e a
compreensão sobre as características dos sujeitos
da aprendizagem, a repensar as possibilidades de
promoção curricular dos educandos, a forma
como a Instituição tem estabelecido a sua
Organização Didática e o acesso aos cursos
ofertados, dentre outras questões. O Programa
tem colocado, ainda que timidamente, discussões
sobre outros princípios e maneiras de se pensar e
realizar processos educativos.
8
Para Arroyo (p. 36), “Um ponto importante na história da
EJA é de ter sido um rico campo da inovação da teoria
pedagógica. O Movimento da Educação Popular e Paulo
Freire não se limitaram a repensar métodos de educação-
alfabetização de jovens-adultos, mas recolocaram as bases e
teorias da educação e da aprendizagem. A EJA tem sido um
campo de interrogação do pensamento pedagógico. O que
levou a essa interrogação? Perceber a especificidades das
trajetórias dos jovens-adultos”.
9
Apesar do Decreto 5.840 de 13 de julho, que institui o
PROEJA garantir outras formas de articulação entre a
Educação Básica e Profissional, a defesa é que a Educação
de Jovens e Adultos – que consta no Projeto Pedagógico do
curso implantado - na sua aproximação com a Educação
Profissional se dê de maneira integrada porque é ela que
potencialmente pode conduzir a formação de trabalhadores
na perspectiva de uma emancipação real, prática e final
(Marx, s/d).
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A perspectiva de retomada de uma práxis
pedagógica da educação profissional
historicamente de qualidade – e não uma
educação pobre para os pobres -, a inserção de
outras possibilidades políticas e pedagógicas no
âmbito da educação realizada no CEFET-GO e o
envolvimento de servidores e alunos na
consolidação do PROEJA fundamentam-se nos
princípios orientadores do Programa, que
apontam para a inclusão da população que tem
pouco acesso à educação profissional, a inserção
orgânica da modalidade EJA integrada à
educação profissional nos sistemas educacionais
públicos, a ampliação do direito à educação
básica e a universalização do ensino médio, a
assunção do trabalho como princípio educativo, a
pesquisa como fundamento e para a compreensão
de que as identidades sociais e a formação do
sujeitos da aprendizagem devem ser consideradas
a partir da sua condição de trabalhador e das
questões relativas ao gênero, à etnia e à geração.
Ressalta-se, por fim, que esses princípios
pressupõem a adoção de uma concepção de
educação cuja finalidade seja a formação integral
do educando, que, assim pensada,
Contribui para a integração social do
educando, o que compreende o mundo do
trabalho sem resumir-se a ele, assim como
compreende a continuidade de estudos. Em
síntese, a oferta organizada se faz orientada a
proporcionar a formação de cidadãos-
profissionais capazes de compreender a
realidade social, econômica, política, cultural
e do mundo do trabalho, para nela inserir-se e
atuar de forma ética e competente, técnica e
politicamente, visando à transformação da
sociedade em função dos interesses sociais e
coletivos especialmente os da classe
trabalhadora (BRASIL, 2007b, p.35).
Os documentos-base assinalam princípios
e concepções que indicam a necessidade de
superação da atual configuração “societal”
brasileira, profundamente desigual e excludente.
O desafio colocado é o de potencializar as
possibilidades colocadas pelo Programa em
relação à construção de uma educação libertadora
– como apontava Paulo Freire – ampliando-o de
maneira que possa garantir condições de
igualdade formativa para as pessoas jovens e
adultas, num momento em que a educação para o
mundo do trabalho tem se constituído em
fundamento para a inserção social.
Tendo como pressupostos o que acima se
expôs, é que vem se implementando no CEFET-
GO, a partir de 2006, a realização de uma série de
ações que buscam fortalecer a oferta da Educação
Básica integrada à Educação Profissional, na
modalidade de Educação de Jovens e Adultos. A
compreensão é a de que o seu fortalecimento não
se encerra em si mesmo, ou seja, a concepção, os
princípios e as finalidades do Programa,
concretizado por meio da implantação do Curso
Técnico em Serviços de Alimentação, acabam por
revelarem-se como universais, pois podem
referir-se também a outros sujeitos que, em maior
ou menor grau, de modos diversos e diferentes,
sofrem com os processos de exclusão social e
com os efeitos de uma formação incompleta, que
dificulta a ampliação da competência técnica e
política dos trabalhadores, condição importante
para a viabilização de movimentações sociais que
visem manter os direitos sociais conquistados
e/ou a serem conquistados.
REVEJ@ - Revista de Educacao de Jovens e Adultos, v. 2, n. 3, p. 1-100, dez. 2008