O documento discute a capacidade dos cães de ler as emoções humanas através de sinais não verbais. Estudos mostram que cães conseguem distinguir entre pessoas atenciosas e indiferentes e procurar a ajuda da pessoa atenciosa. Outros estudos indicam que cães são mais sensíveis às emoções humanas do que chimpanzés e que seu cérebro reage a gestos humanos relacionados a recompensas.
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Q
ualquer pessoa que já tinha
convivido com um cão sabe
que os cães, entre todos os
animais, parecem ter uma
sintonia especial connosco. Quantas
e quantas histórias lemos sobre o cão
que deu uma atenção muito especial ao
dono quando este estava a passar por
um momento menos bom (mais triste,
mais desiludido ou stressado), ou até
quando se encontrava doente ou com
alguma dor ou mal-estar.
Quando o cão parecia saber coisas so-
bre o nosso estado de espírito que em
princípio não teria como saber — e nós
não teríamos como lhe contar.
Neste artigo, vamos olhar para alguns
estudos científicos que visam entender
aquilo a que, não oficialmente, chama-
mos de telepatia canina. Os mecanis-
mos que levam um cão a compreender-
-nos melhor que qualquer outro animal.
Qual o alcance das suas capacidades,
e qual o limite das mesmas.
No fundo, descobrir o melhor amigo do
Homem.Fotografia: Tal Atlas / via Flickr
A Telepatia Canina
8. MUNDO DOS ANIMAIS
Podem os cães ler a nossa
mente?
O
s cães estão tão sin-
tonizados connos-
co que podem ler as
nossas mentes, de
acordo com um estudo publi-
cado na Learning & Behavior.
O mesmo estudo indica que os
cães, provavelmente, já nas-
cem com essa habilidade.
À medida que os cães se en-
contram junto dos seres huma-
nos, mais habilidosos se tornam
em telepatia canina, que resulta
da hipersensibilidade dos senti-
dos.
Todos aqueles que têm ou já
tiveram cães em casa duran-
te algum tempo, com certeza
repararam na forma como os
cães nos entendem de uma
forma particularmente bem, de-
tetando sinais do nosso cansa-
ço, stress, dores de cabeça ou
outros problemas antes de nós,
conscientemente, os exibirmos.
Os cães são também conheci-
dos por conseguirem detetar se
uma pessoa tem cancro. Pare-
cem igualmente sentir quando
estamos felizes e/ou de ótima
saúde.
Monique Udell e a sua equipa,
da Universidade da Florida, re-
fletiram sobre o porquê de os
cães serem tão perspicazes a
ler a nossa mente, e como o
conseguem fazer. A questão é,
os cães nascem com essa ha-
bilidade, ou vão aprendendo
com a experiência do contacto
humano?
Para explorar estas e outras
questões, Udell e a sua equipa
planearam duas experiências,
envolvendo tanto lobos como
cães domésticos. Nas expe-
riências, foi dada a oportunida-
de aos dois animais de pedirem
comida, a uma pessoa atencio-
sa e a uma pessoa indiferente.
Os investigadores observaram
pela primeira vez que os lobos,
tal como os cães domésticos,
são capazes de ir pedir comi-
da à pessoa atenciosa, aproxi-
mando-se dela.
Isto demonstra que ambas as
espécies, domesticadas ou não
domesticadas, têm a capacida-
dedeproduzirumcomportamen-
to mediante a atenção que uma
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Fotografia: @dihpardal Diogo Fernando / via Flickr
pessoa demonstra, consciente
ou inconscientemente, por eles.
Uma vez que os lobos não têm
experiência no contacto com
seres humanos, é assim muito
provável que esta habilidade já
nasça com eles.
Os cães, além de nascerem
com a habilidade, podem aper-
feiçoar à medida que mantém o
contacto com seres humanos,
pelo que um cão que viva com
pessoas desde bebé, terá em
adulto uma capacidade supe-
rior de ler a mente dos seus do-
nos, do que um cão que, por al-
gum motivo, como o abandono
ou o nascimento na rua, não
conviva de perto com pessoas
durante bastante tempo.
Segundo a investigação, “os re-
sultados sugerem que a capa-
cidade dos cães para seguir as
ações humanas deriva de uma
vontade de aceitar as pessoas
como companheiros sociais,
combinada com o condiciona-
mento de seguir os gestos e
as ações dos seres humanos
e adquirir reforço. Os tipos de
sinais, o contexto em que são
apresentados e a experiência
prévia, são todos importantes”.
10. MUNDO DOS ANIMAIS
comunicação humana de uma
forma que, anteriormente, es-
tava atribuída apenas a bebés
humanos de 6 meses de idade”
explicou o co-autor de um novo
estudo, Jozsef Topal, à Disco-
very News. “Eles leem as nos-
sas intenções de comunicação
de uma forma pré-verbal, uma
forma semelhante aos bebés”
acrescentou Topal. A comunica-
ção pré-verbal é a forma que os
bebés nos interpretam e se ex-
primem sem usar as palavras,
pois não aprendemos logo a fa-
lar.
Os investigadores afirmam que
Ler a nossa mente? Não exa-
tamente
O segredo dos cães parece es-
tar nos nossos próprios olhos:
os cães seguem os movimen-
tos dos nossos olhos, que lhes
dão sinais das nossas inten-
ções. Os bebés humanos tam-
bém possuem esta habilidade,
descrita na publicação Current
Biology. Esta revelação talvez
explique porque motivo os do-
nos costumam tratar os seus
animais de estimação como se
fossem crianças.
“Os cães estão recetivos à
Fotografia: Peer / via Flickr
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de anos, nos quais muitos dos
atributos selvagens (como os
lobos) foram transformados e
adaptados pelos desafios de
uma vida em conjunto com os
seres humanos.
Topal e a sua equipa suspeitam
que os cavalos e os gatos do-
mésticos também sejam capa-
zes de ler as nossas intenções,
uma vez que vivem de forma
próxima a nós há também mui-
tos anos.
Num estudo à parte, publicado
na Animal Behavior, os inves-
tigadores descobriram que os
os atributos sociais dos cães
atingem o nível de uma criança
com dois anos de idade, uma
vez que o único talento que lhes
falta é a linguagem. “Estes atri-
butos dos cães ajudam a forta-
lecer a ligação cão-humano,
que é atualmente única tendo
em consideração as diferenças
biológicas entre as duas espé-
cies”.
Os cães foram os primeiros
animais a ser domesticados e
aparentemente sem benefícios
diretos, como alimento ou pas-
toreio. A cognição social dos
cães evoluiu durante milhares
Fotografia: Ricardo Mangual / via Flickr
14. MUNDO DOS ANIMAIS
cães comunicam com as pes-
soas para pedir, mas não para
informar. Seja como for, fazem-
-no de forma bastante concen-
trada e intensa. Juliane Kamins-
ki, líder deste segundo estudo,
indicou que “fica demonstrado
como os cães estão sintoniza-
dos de forma intencional com a
comunicação humana e quão
importante determinados sinais
são para eles, de forma a per-
ceber quando é que a comuni-
cação é relevante e direcionada
para eles”.
Topal pensa ser possível que
os cães, por vezes, sejam até
superiores aos seres humanos
adultos no que diz respeito a
interpretar intenções, uma vez
que estão atentos a todos os
sinais como odores, sons e ou-
tras pistas que possam indicar
algo. “Os cães aprendem facil-
mente a associar até os com-
portamentos inconscientes dos
seus donos com as respetivas
intenções. Desta forma, um cão
adquire a habilidade de anteci-
par o comportamento seguinte
do seu dono, e isto em deter-
minados casos dá a sensação
de que o cão acabou de ler a
nossa mente” concluiu Topal.
Os cães compreendem-nos
melhor que qualquer outro
animal
Apesar dos chimpanzés serem
os nossos parentes mais próxi-
mos, nenhum animal nos com-
preende tão bem como os cães.
É isto que sugere um novo es-
tudo, publicado na revista cien-
tifica PLOS One, ao concluir
que os chimpanzés podem não
ligar muito quando uma pessoa
aponta para um objeto, mas os
cães prestam atenção e sabem
exatamente o que essa pessoa
quer.
“Penso que estamos a olhar
para uma adaptação muito es-
pecial dos cães, para serem
sensíveis ás várias formas de
comunicação dos seres huma-
nos” disse a co-autora do estu-
do, Juliane Kaminski, psicóloga
da Max Planck Institute for Evo-
lutionary Anthropology, citado
pela Discovery News. “Existem
múltiplas evidências a sugerir
que as pressões seletivas du-
rante a domesticação alteraram
os cães de tal modo, que eles
ficaram perfeitamente adapta-
dos ao seu novo nicho, que é a
companhia humana”.
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É mesmo possível que esta ha-
bilidade já nasça com os cães,
uma vez que cachorros de ape-
nas seis semanas e sem qual-
quer treino específico, já a pos-
suem.
Para realizar este estudo, Ka-
minski e os seus colegas com-
pararam quão bem os chim-
panzés e os cães conseguem
compreender o apontamento
humano. Uma pessoa apontou
para um objeto visível que se
encontrava fora do seu alcance,
mas dentro do alcance do ani-
mal. Se um chimpanzé ou um
cão pegassem no objeto, se-
riam recompensados com um
petisco adequado (fruta para o
chimpanzé e ração seca para o
cão).
Os chimpanzés mostraram-se
entusiasmados pela recompen-
sa, mas ignoraram os gestos
humanos. Os cães passaram o
teste. Os chimpanzés não com-
preenderam a intenção da pes-
soa, ou seja, não viram o apon-
tamento como algo importante
e por isso, decidiram ignorar
esse gesto.
“Sabemos que os chimpanzés
têm uma compreensão muito
flexível dos outros; sabem quan-
do os outros podem ou não po-
dem ver, quando os outros po-
dem ou não vê-los a eles, etc”
explicou Kaminski.
Não são, por isso, de alguma
forma ignorantes, apenas não
evoluíram a tendência de pres-
tar atenção aos seres huma-
nos, pois não necessitam disso
no seu habitat natural. Os pró-
prios lobos não possuem esta
habilidade: “Os lobos, mesmo
quando criados no seio de um
ambiente humano, não são fle-
xíveis com a comunicação das
pessoas como são os cães”
disse.
E os gatos?
Investigações anteriores de-
monstraram que os gatos do-
mésticos também prestam
atenção ás pessoas e com-
preendem os gestos humanos.
Kaminski, no entanto, men-
cionou que “os investigadores
precisaram de os selecionar
de entre mais de uma centena
de gatos” sugerindo assim que
apenas alguns gatos se colo-
cam a par dos cães no que diz
respeito a compreender as pes-
soas.
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Os cães sentem mesmo os
nossos problemas
Confortar pessoas angustia-
das, por exemplo, pode estar
mesmo implementado no cére-
bro canino. Um recente estudo,
publicado na Animal Cognition,
concluiu que os cães podem
ser realmente os melhores ami-
gos do Homem, sobretudo se a
pessoa estiver de alguma for-
ma angustiada. Essa pessoa
angustiada nem precisa de ser
alguém que o cão conheça pre-
viamente.
“Eu penso que existem bons
motivos para suspeitar que os
cães são mais sensíveis ás
emoções humanas que qual-
quer outra espécie” disse a co-
-autora Deborah Custance à
Discovery News. “Nós domes-
ticamos os cães por um longo
período de tempo e fizemos
uma criação seletiva para eles
se comportarem como nossos
companheiros. Assim, os cães
que responderam de forma sen-
sível ás nossas pistas emocio-
nais tiveram maiores chances
de serem os escolhidos como
animais de estimação e de cria-
ção” concluiu.
Custance e a colega Jennifer
Mayer, ambas do departamen-
to de psicologia da University
of London Goldsmiths Colle-
ge, expuseram 18 cães a qua-
tro encontros separados de 20
segundos cada com humanos,
entre os quais se encontravam
tanto os donos como estranhos.
Numa das experiências, as
pessoas emitiram sons a simu-
lar aflição e fizeram de conta
que estavam a chorar. A maio-
ria dos cães tentou confortar
a pessoa, independentemente
de ser o próprio dono ou um
estranho. Os cães atuaram de
forma submissa, aninhando-se
e lambendo as pessoas. As in-
vestigadoras afirmam que este
comportamento é consistente
com empatia, preocupação e
tentativa de dar conforto.
Sobre o que irá dentro da ca-
beça de um cão, existe outro
estudo recente, publicado na
PLOS One, que demonstra que
o cérebro dos cães reage assim
que eles observam pessoas.
Neste caso, os investigadores
treinaram os cães para respon-
der a sinais gestuais que indi-
cavam se iriam receber comida
ou não.
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Fotografia: Jelly Dude / via Flickr
O núcleo caudado do cérebro
dos cães, uma área associada
à recompensa nos humanos,
mostrou ativação quando os
cães sabiam que iam receber
comida.
“Estes resultados indicam que
os cães prestam muita atenção
aos gestos humanos” disse o
líder da investigação Gregory
Berns, diretor do Emory Cen-
ter for Neuropolicy. Apesar de
este último estudo ter tido como
amostra de recompensa a comi-
da, Custance e Mayer pensam
que os cães, ao longo de milha-
res de anos de domesticação
foram tantas vezes recompen-
sados pela sua aproximação a
pessoas angustiadas que isso
pode ter ficado implementado
nos seus cérebros.
O fenómeno pode ter um ele-
mento do subconsciente. “Os
cães bocejam contagiados pelo
bocejo humano” disse Matthew
Campbell, professor assistente
do departamento de psicolo-
gia da universidade da Geór-
gia. “Nós selecionamos os cães
para estar sintonizados con-
nosco emocionalmente”.
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