A INFLUÊNCIA DA MAÇONARIA NO JORNALISMO GAÚCHO DO SÉCULO XIX: CORREIO DO POVO
1. PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
A INFLUÊNCIA DA MAÇONARIA NO JORNALISMO
GAÚCHO DO SÉCULO XIX: CORREIO DO POVO
PEDRO MARQUES DO NASCIMENTO
Porto Alegre
2004
3. PEDRO MARQUES DO NASCIMENTO
A INFLUÊNCIA DA MAÇONARIA NO JORNALISMO
GAÚCHO DO SÉCULO XIX: CORREIO DO POVO
Trabalho de conclusão, curso de Jornalismo,
Faculdade dos Meios de Comunicação Social,
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Orientador: Prof. Celso Schröder
Porto Alegre
2004
4. PEDRO MARQUES DO NASCIMENTO
A INFLUÊNCIA DA MAÇONARIA NO JORNALISMO
GAÚCHO DO SÉCULO XIX: CORREIO DO POVO
Trabalho de conclusão, curso de Jornalismo,
Faculdade dos Meios de Comunicação Social,
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
Aprovado em 30 de novembro de 2004, pela Banca Examinadora.
BANCA EXAMINADORA:
___________________________
Prof. Celso Schröder - Orientador
___________________________
Prof. Dr. Juremir Machado da Silva
___________________________
Prof. Dr. Antonio Carlos Hohlfeldt
5. AGRADECIMENTOS
- A minha esposa, que esteve ao meu lado nas horas de estresse e
desespero.
- Ao meu orientador, professor Celso Schröder, que apostou no meu
trabalho, mesmo sabendo das dificuldades para a realização do mesmo.
- A todos que, direta ou indiretamente, ajudaram na confecção deste
trabalho.
6. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 7
1 MAÇONARIA, SOCIEDADE E PODER ................................................................. 9
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ............................................................................... 9
1.2 ORIGENS DA MAÇONARIA.................................................................................10
1.3 A INFLUÊNCIA MAÇÔNICA EM QUESTÕES POLÍTICAS ...............................13
1.4 PEDREIROS-LIVRES NO RIO GRANDE DO SUL .............................................15
1.4.1 Maçonaria, sociedades secretas e Revolução Farroupilha.........................17
1.4.2 As relações entre a maçonaria e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul no
século XIX..........................................................................................................19
1.4.3 A solidariedade interna maçônica: o auxílio mútuo protegendo os
pedreiros............................................................................................................21
2 AS RELAÇÕES ENTRE JORNALISMO E PODER...............................................24
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS................................................................................24
2.2 O PAPEL DO JORNALISMO COMO EDUCADOR COLETIVO..........................24
2.3 PODER, APARELHOS IDEOLÓGICOS E JORNALISMO ..................................27
3 JORNALISMO COMO OCUPAÇÃO PREFERENCIAL DOS PEDREIROS-LIVRES
GAÚCHOS...............................................................................................................31
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS .............................................................................31
3.2 OS MAÇONS E SUA ESCOLARIDADE ..............................................................31
3.3 OCUPAÇÕES INTELECTUAIS E CULTURAIS DOS MAÇONS GAÚCHOS .....33
3.4 A UTILIZAÇÃO DA IMPRENSA POR PARTE DOS INTEGRANTES DA
MAÇONARIA ........................................................................................................35
3.4.1 A Imprensa maçônica de língua alemã no Rio Grande do Sul...................38
4 CORREIO DO POVO E AS RELAÇÕES COM A MAÇONARIA...........................45
4.1 CALDAS JR. E A SUA LIGAÇÃO MAÇÔNICA ..................................................45
4.2 MATÉRIAS DE INTERESSE MAÇÔNICO NO CORREIO DO POVO.................47
4.3 CORREIO DO POVO E O MAÇONISMO APÓS A MORTE DE SEU
PATRIARCA..........................................................................................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................55
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS E LOCAIS DE PESQUISA..............................59
7. RESUMO
Este trabalho apresenta uma parte da trajetória do jornal gaúcho Correio do
Povo e as relações entre seu fundador e a maçonaria, assim como possível ligação
desta no periódico. História do Rio Grande do Sul, da maçonaria gaúcha e do
periódico fazem parte da narrativa, que tenta explicar a relação entre as duas
instituições que têm mais de cem anos de história. As relações entre o poder e o
jornalismo também são abordados. São tratados ainda a abrangência dos meios de
comunicação, como modo de diminuir o controle exercido por outras instituições.
Palavras-chave: Correio do Povo - Maçonaria - Caldas Júnior
8. ABSTRACT
This work presents a part of the gaucho newspaper Correio do Povo's
trajectory and the relationships between his founder and Freemasonry as well as its
participation in the newspaper. Rio Grande do Sul, freemasonry e newspaper's
history are part of the narrative which tries to explain the connection among the two
institutions, which have more than a hundred years of history. The relationships with
the newspaper's founder and the freemasonry are fundamental to understand if there
are clues of institution's participation in the journal. The work is an attempt to
explaining the masonic influence in the journal whiz is considered the first impartial
newspaper of the state.
Key-words: Correio do Povo - Freemasonry - Caldas Júnior
9. INTRODUÇÃO
Este trabalho foi realizado com o intuito de se estudar a influência da
maçonaria gaúcha da segunda metade do século XIX na imprensa do Rio Grande do
Sul, em especial, o Correio do Povo do mesmo período. O jornal teve como seu
fundador um maçom respeitado e admirado dentro da Ordem. Essas relações entre
jornalismo e maçonaria que Caldas Júnior possuía dá margem para uma
averiguação histórica de indícios de seu papel nesses dois assuntos que permeiam
as relações de poder da época e se ele os usava como formas paralelas de poder.
O trabalho inicia com as origens da maçonaria e os fatos lendários que
perpassam a mesma; a influência da instituição em questões políticas, a chegada
dos pensadores maçons no Estado, a participação da ordem na Revolução
Farroupilha; o seu caráter secreto e a desconfiança dos clérigos que viam com
desprezo àqueles homens com idéias liberais, racionalistas, positivistas e, deveras,
anticlericais. Por essa razão de desconfiança, os maçons criaram meios de
proteção. Além dos sinais secretos, o mais conhecido entre os profanos, era a
solidariedade interna maçônica: o auxílio mútuo entre os pedreiros-livres que
caracteriza a Ordem.
A seguir, são debatidas as relações entre o jornalismo e as esferas do poder. O
papel que o jornalista desempenha, ao mesmo tempo, informante das mazelas da
população e dos danos, ocasionalmente, causados pelo Estado. O jornalista educa e
10. 8
ensina as camadas mais humildes da sociedade, devido aos problemas do ensino
pedagógico e de outros fatores. A ideologia usada como meio de dominação
também é tratada nesta parte do trabalho.
Além disso, são apresentados o grau de escolaridade de alguns dirigentes
maçons, do período delimitado no trabalho, e suas profissões, mostrando indícios da
ocupação cultural preferencial dos obreiros. A imprensa maçônica de língua alemã
no Rio Grande do Sul está em destaque neste trecho da monografia, bem como a
utilização dos jornais, maçônicos ou não, como em alguns casos, porta-vozes da
Ordem.
Vestígios das relações do Correio do Povo com a maçonaria, da segunda
metade do século XIX, são analisados no decorrer do trabalho. Também a condição
de maçom de Caldas Júnior e os seus feitos, realizados enquanto membro vivo da
Ordem. Indícios de notícias relacionadas à Instituição publicadas no Correio do
Povo, enquanto em vida de seu fundador. Também, após a morte de seu patriarca
são revelados sinais de matérias relativas à maçonaria e assuntos relevantes para a
Ordem. Essa, que tem mais de 300 anos de história comprovada cientificamente, e
mais de mil em fábulas e lendas a respeito da mesma e seu passado nebuloso.
Para a obtenção de informações de dirigentes maçons e da Ordem, no Rio
Grande do Sul, foi necessária uma pesquisa em documentos históricos e atas dos
templos e lojas maçônicas. A metodologia usada utilizou-se da Técnica da Pesquisa
Bibliográfica e Técnica de Pesquisa Documental. Um trabalho com embasamento na
história do Rio Grande do Sul, da maçonaria gaúcha e na história do Correio do
Povo.
11. 1 MAÇONARIA, SOCIEDADE E PODER
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
No decorrer deste capítulo, são abordadas as relações de poder da maçonaria
com a sociedade, durante o século XIX, e sua influência em fatos históricos no país.
Um desses fatos, que teve a participação da Ordem, foi a Revolução Farroupilha.
Nas palavras de Eliane Colussi:
No Rio Grande do Sul, muitos foram farroupilhas em 1835, e alguns
lutaram ao lado das forças legalistas; em 1893, alguns aderiram às forças
revolucionárias, aos maragatos, e muitos, a maioria, foram cooptados pelo
castilhismo positivista1.
A presença da maçonaria no Brasil, durante o século XIX foi marcada por uma
forte atuação política, principalmente na sua primeira metade do século e, mais
tarde, por uma atuação no campo do pensamento liberal e cientificista, na sua
segunda metade. Assim, no período de abrangência deste trabalho, a importância
da ordem maçônica está vinculada especialmente à divulgação e propaganda do
anticlericalismo, utilizando a imprensa como porta-voz dos discursos maçônicos.
1
COLUSSI, Eliane. Plantando ramas de acácia: a maçonaria gaúcha na segunda metade do século
XIX. Porto Alegre, 1998, p. 249.
12. 10
1.2 ORIGEM DA MAÇONARIA
Os historiadores maçons pesquisados não são unânimes, quando se trata de
analisar as origens da instituição, ocorrendo freqüentemente uma fusão de fatos
lendários com fatos reais para se dar conta de tal questão.
Para a historiadora F.A.Yates:
A origem da maçonaria é um dos assuntos mais discutidos, e
discutíveis, em todo o campo da investigação histórica. Temos que
diferenciar entre a história lendária da maçonaria, e o problema de
quando ela realmente foi iniciada como uma instituição organizada.
De acordo com a lenda maçônica, a maçonaria é tão antiga quanto a
própria arquitetura, retrocedendo até a construção do Templo de
Salomão, e às corporações dos maçons medievais que construíram
as catedrais. [...] Na mitologia maçônica, a autêntica antiga sabedoria
estava encerrada na geometria do Templo construído por Salomão
com auxílio de Hiram, rei de Tiro. Constava que o arquiteto do
Templo foi um certo Hiram Abif, cujo martírio compõe o tema do
estatuto simbólico do ritual maçônico2.
Todavia, grande parte dos historiadores concorda que as feições da maçonaria
moderna remontam a 1717, marco da formação da Grande Loja de Londres, que
converteu a Ordem em uma espécie de escola de formação humana de caráter
cosmopolita e secreto, reunindo homens de diferentes raças, religiões e línguas,
com o objetivo de alcançar a perfeição por meio do simbolismo de natureza mística
e/ou racional, da filantropia e da educação3. Neste período, a maçonaria abandonou
sua origem ligada às velhas confrarias de pedreiros da época medieval, permitindo a
admissão de novos elementos, sem a obrigatoriedade de serem ligados às
corporações de ofício ou às sociedades de construtores. Os mesmos foram
denominados de “maçons aceitos”4.
2
YATES, Frances Amelia. O Iluminismo Rosa-Cruz, Paris: Dervy, 1996, p. 269-70.
3
BENIMELI, J.A Ferrer. A Inquisição frente a Maçonaria e o Iluminismo. São Paulo: Paulinas,
1983.
4
BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ação dos pedreiros-livres brasileiros (1870-1910).
Niterói: Universidade Federal Fluminense, 1992, p. 29.
13. 11
Em 24 de junho de 1717, quatro lojas de Londres, cujos nomes derivam das
tabernas onde se reuniam, O Pato e a Grelha, A Coroa, A Macieira e O Copo e as
Uvas, construíram uma organização unificada sob o nome de Grande Loja de
Londres, e elegeram um grão-mestre com autoridade sobre todos os membros da
Ordem. Um ano mais tarde, foi iniciado um trabalho de todos os escritos que
interessavam à maçonaria, sendo publicado, em 1723, o livro das Constituições de
James Anderson que continha, ao mesmo tempo, a história lendária da instituição e
seus preceitos básicos.
Naquele mesmo período, foi admitido um grande número de indivíduos
pertencentes à alta nobreza inglesa, e instaladas novas lojas. Este crescimento
chegou a ponto de, em 1730, existirem 100 oficinas filiadas à Grande Loja de
Londres. Estas oficinas passaram a identificar a organização maçônica como uma
sociedade de pensamento, fundamentada na defesa do racionalismo, da tolerância e
marcada por um caráter não confessional5.
Segundo Alexandre Mansur Barata, entretanto, algumas lojas reagiram às
transformações operadas pelas lojas londrinas. Estes núcleos refratários
constituíram, em 1751, a Grande Loja dos Antigos Maçons. Esta divergência de
opiniões perdurou até 1813, data em que as duas Grandes Lojas fundiram-se e
formaram a Grande Loja Unida da Inglaterra, que passou a advogar, desde então, o
estatuto da Loja Mãe da Maçonaria Universal6.
O rápido crescimento da instituição não se limitou ao território inglês. Apesar
das perseguições por parte dos governos e da Igreja Católica, causada pelo caráter
5
NEVILLE, B. Cryer. A Maçonaria e maçons. London: Logman, 1987, p. 102.
6
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p. 30.
14. 12
secreto e não católico da associação, ela se difundiu por toda a Europa e pelo
continente americano.
Contudo, essa expansão não ocorreu de modo uniforme, sendo de menor
intensidade nas regiões onde o poder do aparato persecutório da Igreja Católica era
incontestável, como em Portugal e na Espanha. Isso porque, desde setembro de
1738, duas décadas após a formação da Grande Loja de Londres, o papa Clemente
XII, na sua carta apostólica In Eminenti, instituiu a primeira condenação pontifícia da
maçonaria. Em 1751, o papa Bento XIV reforçaria esta condenação, com a
Constituição Apostólica Providas.
Empenhada na preservação de seu status quo cultural e confessional, a Igreja
estava atenta ao crescimento do número de lojas maçônicas no continente europeu.
Segundo Barata, a preocupação da Igreja estava no fato de que essas lojas
exerciam um certo atrativo sobre setores importantes da nobreza e da burguesia, ao
veicular idéias que ameaçavam a sua hegemonia, como a tolerância religiosa e o
racionalismo. Assim, desde meados do século XVIII, a maçonaria tornou-se
sinônimo de perigo para a segurança da Igreja e dos Estados católicos, devido à
sensação de insegurança que sentia a Igreja Católica e o Estado.
No que diz respeito à forma de penetração da maçonaria em determinados
países, não foi uniforme.
Segundo Barata,
se na Inglaterra ficou evidente uma maior aliança com o Estado, isso
não ocorreu nos países latinos, onde a perseguição intensa fez com que a
Maçonaria assumisse uma posição mais identificada com a luta pela
liberdade de pensamento e contra o absolutismo monárquico, geralmente
aliado à Igreja7.
7
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit.,p. 31.
15. 13
Para o historiador, essas considerações exemplificam a necessidade de
romper com a perspectiva de análise, tão característica do senso comum, que se
baseia em uma visão monolítica da realidade maçônica.
1.3 INFLUÊNCIA MAÇÔNICA EM QUESTÕES POLÍTICAS
A influência da maçonaria na esfera da política é mencionada com uma quase
naturalidade. Em certa medida, o senso comum relaciona maçonaria e política, a
partir da idéia propagandeada por muito tempo por “autores maçons e antimaçons,
que supervalorizaram uma possível influência da instituição nesse âmbito”8. A
tradição de explicar a participação maçônica a partir da tese do padre Augustin
Barruel, revelado na análise da Revolução Francesa de 1789, pode ser assim
sintetizado:
O ex-jesuíta procura demonstrar que o terremoto político de 89 foi a
resultante de uma conjura monstro, em que a incredulidade, a rebelião e a
anarquia trabalharam em conjunto. E na exposição do esforço conspiratório,
apresenta-nos de mãos dadas os enciclopedistas, os maçons e os
iluminados da Baviera. Barruel fez escola nas fileiras contra-revolucionárias,
quanto à responsabilização da maçonaria (em curso com o filosofismo)
pelo avanço das forças ‘subversivas’ no século XVIII [...]. Importa
acrescentar, no entanto, que, responsabilização da maçonaria à parte, a
denúncia e exorcizarão do liberalismo não foi apanágio dos círculos
‘apostólicos’ e legitimistas. Cooperaram nela homens intelectualmente de
esquerda, senão até afetos ao maçonismo9.
Barata, analisando a participação de maçons junto ao parlamento brasileiro e
em postos da administração pública no período de 1870 a 1910, constatou que ela
foi bastante expressiva. Segundo os dados apresentados:
Durante o segundo Reinado, uma análise da relação dos 85 nomes
que compuseram os gabinetes ministeriais, entre 1870 e 1889, revelou que
aproximadamente 13% deles pertenciam ou pertenceram à Maçonaria. Já
no Conselho de Estado este percentual aumentava para 30% dos 48
8
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit.,p. 78.
9
DIAS, Graças. Os primórdios da maçonaria em Portugal. Lisboa: Imprensa de Coimbra, 1980, p.
156-57
16. 14
Conselheiros no mesmo período, por sua vez, a relação dos 77 senadores
vitalícios das seis províncias mais importantes do império – Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Rio Grande do Sul, São Paulo, Bahia e Pernambuco –
revelou um percentual aproximado de 21% de maçons10.
Para o mesmo autor, essa realidade se repetiu no período da República Velha,
quando a primeira geração de republicanos possuía um contato estreito com a
ordem maçônica. Apesar de não apresentar os dados, a respeito dessa conclusão, o
autor, relaciona o nome de vários republicanos identificados como maçons.
No Rio Grande do Sul, “os maçons participaram ativamente dos círculos
políticos e das relações de poder visto que se constituía numa província, depois
estado, periférica e de pouca expressão política nacional”11.
Para Colussi,
a origem social dos integrantes da maçonaria esteve ligada à elite
econômica regional, ou pela fortuna e patrimônio familiar, ou pela ocupação
profissional. Da mesma forma, a perspectiva política apontou para uma forte
presença desse grupo também na composição da elite política regional12.
A expressiva participação de dirigentes maçons, principalmente na esfera
regional e local da política parlamentar no Rio Grande do Sul, demonstra uma
proximidade e intimidade no âmbito das relações de poder.
A autora revela que a maçonaria pode ter influenciado de duas maneiras a
política brasileira e, posteriormente, a gaúcha.
Por meio de um tipo de poder indireto exercido por dirigentes maçons
e pelo poder simbólico representado pela instituição. No primeiro caso,
como o maçonismo não pressupõe um projeto político mais ou menos
uniforme para a sociedade nem um conjunto de teses filosóficas e políticas
acabadas, como, por exemplo, o positivismo, seria difícil afirmar o que
exatamente pretendiam maçons-políticos. O poder indireto que
circunscreveu a ordem, pelo menos no Rio Grande do Sul, esteve
10
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p. 164.
11
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p.281.
12
Ibidem, p. 281.
17. 15
relacionado às facilidades, benefícios e privilégios que seus membros
adquiriam estando próximos à burocracia estatal e sendo integrantes da
elite política parlamentar13.
No caso gaúcho, numa economia periférica e agropecuarista, portanto pouco
urbanizada no período, isso significava maiores facilidades na obtenção de rendas
suplementares, ou até mesmo principais, em muitos casos. Assim, a par de que
muitos políticos, independentemente da condição de maçons, alcançariam posições
importantes no cenário regional e alguns poucos na política nacional, a maioria
deles, principalmente os da esfera municipal, dependia, muitas vezes, dessas
posições. A maçonaria, por meio da solidariedade interna, era um meio auxiliar para
que obtivessem tais benefícios.
1.4 PEDREIROS-LIVRES NO RIO GRANDE DO SUL
A introdução da instituição maçônica no Rio Grande do Sul de forma
organizada e regular ocorreu somente a partir da década de 1830. Como no restante
do Brasil, a presença de sociedades políticas e/ou literárias, muitas delas de caráter
secreto, aliada à difusão de órgãos de imprensa, comprometidos com o ideário
iluminista e liberal, portanto de caráter político, geraram as condições para as
primeiras iniciativas que resultariam na instalação de lojas maçônicas na Província14.
O atraso do movimento maçônico no estado pode estar vinculado às
características próprias de um espaço geográfico incorporado tardiamente ao
território nacional. O Nordeste litorâneo e o Centro-Sul minerador não só
13
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 282.
14
REVERBEL, Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense (1827-1845). Porto Alegre: Sulina,
1968, p. 256-57.
18. 16
concentraram as principais atividades econômicas como também receberam as
repercussões de movimentos políticos e culturais que abalariam os laços coloniais15.
Segundo Colussi, na época da germinação da maçonaria no Estado, ficou
evidenciado o atraso cultural que determinou a chegada tardia da Ordem em terras
gaúchas16. O clima de agitação e efervescência política e cultural vivenciado por
nordestinos, mineiros e cariocas, receptores das influências ideológicas vinda da
Europa, principalmente do ideário iluminista francês, não envolveu de imediato “a
singular elite regional”17.
Nesse sentido, entre as razões do retardamento da chegada regular da
maçonaria ao Rio Grande do Sul, estão relacionadas as dificuldades da elite regional
em se integrar à elite política nacional. José Murilo de Carvalho apresenta um
argumento da pequena representatividade dos gaúchos no cenário nacional durante
o Império brasileiro.
Segundo Carvalho,
as únicas unidades importantes com considerável déficit de
estudantes em relação à população são: o Rio Grande do Sul e São Paulo.
No caso de São Paulo, o fato foi compensado pela proximidade com o Rio
de Janeiro e, para efeito de seu comportamento durante o processo de
independência, pela presença de figuras dominantes como José Bonifácio.
No que se refere ao Rio Grande do Sul, a relativa ausência de gaúchos em
Coimbra foi certamente uma razão adicional para o isolamento da província
e seu sempre problemático relacionamento com o governo central18.
1.4.1 Maçonaria, sociedades secretas e Revolução Farroupilha
15
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 152.
16
Ibidem, p. 156.
17
FÉLIX, Loiva Otero. Coronelismo, borgismo e cooptação política. Porto Alegre:
Universidade/UFRGS, 1996, p. 34-44.
18
CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; Teatro de Sombras:
a política imperial. 2. ed. Rio de Janeiro: UFRJ: Relume-Dumará, 1996, p. 132-33.
19. 17
A primeira loja maçônica instalada no Rio Grande do Sul de forma regular de
que se tem notícia foi a Filantropia e Liberdade, fundada em 25 de dezembro de
1831, na cidade de Porto Alegre.
Um indicador de que a maçonaria se fez presente na Revolução Farroupilha -
senão como articuladora ou como organizadora, ou menos como fonte de inspiração
- é a existência de alguns documentos maçônicos que dão conta de algum tipo de
relacionamento. A incumbência que recebeu o líder Bento Gonçalves de regularizar
e filiar lojas e maçons nos locais percorridos pelos revolucionários é um exemplo.
Em relação a isso, foi localizada uma ata da primeira loja instalada regularmente na
Província, a Filantropia e Liberdade, de Porto Alegre, datada de 24 de fevereiro de
1833, registra:
Resolvemos conferir ao Ir... SUCRE, C... R... + ..., profanamente Bento
Gonçalves da Silva, os poderes em direito necessários a promover, por
todos os modos possíveis, a execução dos artigos seguintes: Art. 1º -
Procurará instalar na Vila do Rio Grande ou São Francisco de Paula, um
quadro Maç... filiado ao Or... de Porto Alegre. Art. 2º - Fará subir ao
conhecimento da Aug... Loj... o regulamento e rituais Maç... por que se
regeram. Art. 3º - Proverá a eleição de um Ir... que deve representar a Loj...
na qualidade de seu representante junto a Aug... Loj... devendo a Loj... muni-
lo de plenos e amplos poderes19.
A incumbência recebida por Bento Gonçalves, comprovada por um documento
de uma loja regular, revela a preocupação de ser intensificada a atividade maçônica
através de contatos com o interior do estado.
Assim, o movimento farroupilha contribuiu para a expansão de um tipo de
pensamento que aproximou parcela da elite regional à causa maçônica; de outro
modo, esse mesmo movimento impediu uma expansão maior, no sentido de
possibilitar estruturas maçônicas devidamente legitimadas por corpos maçônicos
19
DIENSTBACH, Carlos. A maçonaria gaúcha – história da maçonaria e das lojas do Rio Grande
do Sul. Londrina: A Trolha, 1993, p. 479.
20. 18
superiores. A fragilidade em termos de formação maçônica mais intelectualizada,
mais próxima dos padrões de princípios, rituais e símbolos, marcou essa fase da
história da maçonaria e correspondeu também ao clima político que se desenvolveu
na pós-revolução. Assim, nessa fase, um aspecto que deve ser ressaltado é o da
indefinição entre os grupos políticos nos quais a elite dominante local esteve
envolvida. Nesse sentido, o quadro político é importante, pois a atividade maçônica
esteve estreitamente vinculada à esfera da política, e os maçons, via de regra, eram
recrutados no grupo social dominante.
É Importante assinalar, nesse contexto, a presença de maçons em ambos os
lados do conflito. Os posicionamentos contraditórios, nesse caso, irão aparecer em
outros momentos da história política do Rio Grande do Sul. No caso da Revolução
Farroupilha, para Colussi,
a unidade de pensamento político nunca se constituiu em
característica da atuação da maçonaria em qualquer tempo e espaço; ao
contrário, esse aspecto esteve sempre presente como demonstração de que
os princípios maçônicos de conferir liberdade de pensamento e de religião
aos seus membros foram, de fato, absorvidos pela instituição20.
1.4.2 As relações entre Maçonaria e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul no
século XIX
A presença da maçonaria no Brasil, durante o século XIX, foi marcada por
fortes atuações políticas, principalmente na sua primeira metade e, mais tarde, no
campo do pensamento liberal, na sua segunda metade. Assim, a importância da
ordem maçônica esteve vinculada especialmente à divulgação e à propaganda do
anticlericalismo. As permanentes cisões entre os organismos maçônicos nacionais e
regionais, que geraram diversos grandes orientes e supremos conselhos, em fases
20
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 183.
21. 19
diferentes da história da maçonaria brasileira, não impediram que, do ponto de vista
ideológico, o anticlericalismo se tornasse o seu ponto unificador.
O polêmico e conturbado relacionamento entre maçonaria e Igreja Católica
desde o século XVIII, em termos internacionais, quando das primeiras condenações
pontificiais, agravou-se no transcorrer do século XIX. No Brasil, o conflito entre as
duas instituições foram mais intensos entre as décadas de 1870 e 1910. Nesse
período, e especialmente antes da proclamação da República, em 1889, Igreja
Católica e maçonaria foram protagonistas de uma questão de fundo que envolvia o
Império brasileiro: a questão religiosa e o debate em torno da separação
Estado/Igreja. Roque Spencer de Barros inseriu essa questão conjuntural em um
processo mais amplo: o confronto entre as diferentes matrizes do pensamento
brasileiro do século XIX e início do século XX.
Nesse sentido, a intelectualidade brasileira poderia ser dividida em três
vertentes que estavam em consonância com o ideário europeu: o embate entre o
pensamento católico-conservador, e os pensamentos liberal e cientificista21. O
conservadorismo político e o ecletismo intelectual não impediram que a elite política
e intelectual brasileira fosse, em sua maioria, receptora e divulgadora do liberalismo
e do cientificismo, uma herança da influência do pensamento francês no Brasil. Por
sua vez, o pensamento católico-conservador conquistou poucos espaços e
defensores entre a intelectualidade e políticos do Império. Na opinião de Antônio
Carlos Villaça,
não tivemos pensamento católico no Brasil, nem ao longo dos dois
séculos de influência escolástica, nem muito menos ao longo do século XIX,
de presença quase exclusivamente francesa até a publicação dos “Estudos
Alemães”, em 1882, com que Tobias Barreto abre o período de influência
germânica na cultura brasileira22.
21
BARROS, Roque. A ilustração brasileira e a idéia de universidade. Difel. 1985, p. 50-60.
22
VILLAÇA, Antônio Carlos. O pensamento católico no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1984, p. 10.
22. 20
Em outras palavras, no século XIX, mesmo com a confirmação da religião
católica como oficial na Constituição de 1824, um dos conflitos permanentes foi
exatamente entre o Estado e a Igreja Católica. Tal conflito tomaria novas dimensões
a partir da questão religiosa de 1872 e seria resolvido, definitivamente, com a
separação dessas instituições no advento da República. Na origem dessa situação,
esteve a contradição de o Brasil ser um país oficialmente católico e, por outro lado,
de ter se gerado uma classe dirigente - políticos e intelectuais - e um estado cada
vez mais secularizado. Entre esses políticos e intelectuais se encontravam os
maçons que pressionavam o Império brasileiro nas questões anticlericais.
No Brasil do século XIX, a Igreja Católica não se constituía numa instituição
estruturada e presente em todo o território nacional; ela era frágil, desorganizada e
desvinculada das necessidades de uma população católica, na realidade, pouco
afeita às suas práticas religiosas.
No Rio Grande do Sul, a situação do catolicismo era grave, visto que a tardia
colonização portuguesa, o isolamento e o abandono por parte da administração
eclesiástica e a subordinação a uma diocese distante, fragilizavam ainda mais as
práticas religiosas e as convicções católicas. No mesmo século, o XIX, nas décadas
de 1830 e 1840, a maçonaria gaúcha deu seus primeiros passos, consolidando-se a
partir da segunda metade, em praticamente todos os vilarejos e cidades gaúchas. O
crescimento irregular da maçonaria, a partir de 1850 não impediu, no entanto, que
ela se tornasse uma instituição com influência na sociedade gaúcha daquele
período.
Aliados e integrantes dos grupos políticos e intelectuais liberais, os maçons
adquiriram prestígio e influência em várias esferas da política e da vida social no Rio
23. 21
Grande do Sul. A fragilidade da Igreja Católica, tanto em nível nacional quanto
regional, conferiu expressão a esses grupos liberais e maçônicos, especialmente na
formação e divulgação de um tipo de pensamento predominantemente laico,
anticlerical e racionalista nos meios políticos e intelectuais, no caso da imprensa.
Nessa perspectiva, a política de romanização católica, implementada a partir do
papado de Pio IX, tentou reverter o quadro do catolicismo mundial no embate direto
com o liberalismo e com a maçonaria.
1.4.3 A solidariedade interna maçônica: o auxílio mútuo protegendo os
pedreiros
A filantropia interna maçônica ou auxílio mútuo é também uma finalidade
intrínseca das atividades maçônicas. Quando há a presença maçônica na esfera
política, a capacidade de indicar ou nomear maçons para cargos burocráticos ou
políticos gerava uma clara zona de influência maçônica. A esse poder indireto
agregava-se a nomeação para cargos como um fator de sobrevivência para os
mesmos. O auxílio mútuo serviu também como instrumento de cooptação de novos
membros e de consolidação do seu quadro de filiados, visto que a perspectiva de
alguma garantia, ou benefício material ou financeiro servia, em muitos casos, como
convencimento para que novos iniciados ou maçons se mantivessem na instituição.
Para Barata,
24. 22
na realidade, o ideal de fraternidade, traduzido na prática da
solidariedade e da beneficência, traz consigo uma dinâmica equalizadora,
na medida em que ele deve ser estendido a todos os homens. A todos os
irmãos. Busca-se, através dele, estabelecer a igualdade real e não apenas
jurídica entre os homens, acrescentando aos direitos individuais um direito
social. Contudo, para os maçons, a fraternidade não pode existir apenas
nas palavras, pois a solidez da instituição encontra-se justamente na
solidariedade entre seus membros. O conteúdo afetivo intrínseco ao
juramento de fraternidade fortalece os laços de estreita união, dando aos
maçons um sentimento de segurança e de força23.
No transcorrer do século XIX, ainda não havia sido criado no Brasil um projeto
de auxílio mútuo maçônico de forma organizada, sistemática e eficiente; o que
existia eram iniciativas e ações espontâneas, que se desenvolviam de acordo com
determinadas situações. Até aquele momento, a maior parte das preocupações
dirigia-se aos irmãos empobrecidos por falência ou desemprego, assim como às
viúvas e órfãos. Exemplos dos moldes da solidariedade interna no período estão
noticiados na imprensa maçônica: em Pelotas, ocorrera o falecimento de José
Monteiro, antigo membro da loja Comércio e Indústria, que estava na miséria,
quando a loja pagara todas as despesas com o funeral24.
As ações isoladas de auxílio mútuo se dirigiam, preferencialmente, às viúvas e
filhos de maçons. A coleta de donativos entre membros da loja à qual pertencia o
morto, muitas vezes apelando-se também para donativos de outras oficinas,
objetivava solucionar os problemas imediatos causados pelo falecimento: as dívidas
com médicos e medicamentos, o pagamento de outras dívidas, a manutenção da
família e, em muitos casos, a compra de um imóvel para a viúva.
23
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p.161-62.
24
A Acácia-folha maçônica, 1876, ano 1, n. 9, p. 4.
26. 2 AS RELAÇÕES ENTRE JORNALISMO E O PODER
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Nas sociedades contemporâneas, o conhecimento constitui um princípio de
hierarquização social tão importante quanto a propriedade, principalmente, pelo que
a informação representa um poder enorme. Os jornalistas, e as suas fontes, são
uma das formas utilizadas para contribuir, conjuntamente, para articular e definir os
contornos da sociedade do conhecimento, reproduzindo as estruturas do poder e do
saber.
2.2 O PAPEL DO JORNALISMO COMO EDUCADOR COLETIVO
A educação dos trabalhadores - entendida como acesso ao conhecimento,
desde a alfabetização até a capacitação para o exercício profissional e intelectual -
constitui um passo importante. Mesmo que esteja sendo influenciada pelos
mecanismos de direção ideológica inerente ao saber, ela representa condição
indispensável para o exercício da cidadania. Por isso, a oportunidade da educação
formal tem sido negada ou então dificultada aos contingentes que formam a base da
pirâmide social. No entanto, essas pessoas, localizadas à margem da sociedade,
não possuem alternativas senão procurar a fuga da ignorância nos meios de
27. 25
comunicação. Mesmo que esse meio de educação coletivo também esteja sob a
égide das classes dominantes. Sobre essa questão, Melo explica:
Resta-lhes, contudo a possibilidade de participar do processo de
educação informal que se opera através dos meios de comunicação de
massa, dependendo naturalmente do estágio econômico em que se localiza
cada cidadão. De alguma maneira o fluxo dos "mass media" acaba por
atingir todos os indivíduos, excetuando aqueles bolsões de marginalidade
que substituem ao largo da sociedade nacional. Nesse sentido é que o
sistema de comunicação de massa desempenha o papel de educador
coletivo, permitindo o acesso a um certo tipo de conhecimento que vincula
os indivíduos à sua contemporaneidade, mas ao mesmo tempo orienta a
sua percepção para apreender significados compatíveis com a ideologia
dominante25.
Ainda, segundo o autor, esse processo de educação informal que ocorre
através dos meios de comunicação “conduz de forma determinista as pessoas que
dele participam para uma adesão incondicional aos valores hegemônicos”26.
Roberto Ramos, utilizando os conceitos de Gramsci, sobre hegemonia cultural,
explica que “através dela, a classe dominante se impõe ao proletariado e garante o
poder de Estado. A hegemonia tende a uma filosofia positivista de mundo. É
absolutista. Não permite qualquer espécie de mudança social”27.
Para Thompson, assim como para Gramsci, a cultura ou poder simbólico é
responsável na atividade da produção, da transmissão e da recepção das formas
simbólicas. “As ações simbólicas podem provocar reações, liderar respostas de
determinado teor, sugerir caminhos e decisões, induzir a crer e a descrer, apoiar os
negócios do estado ou sublevar as massas em revolta coletiva” 28. Com isso, obtém-
se a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de influenciar as ações
25
MELO, José Marques de. Para uma leitura critica da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1985, p.
10.
26
Ibidem, p. 10.
27
RAMOS, Roberto. Futebol: ideologia e poder. Petrópolis: Vozes, 1988, p. 22.
28
THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. 5. ed. Petrópolis:
Vozes, 2002, p. 24
28. 26
dos outros e produzir eventos por meio da produção e da transmissão de formas
simbólicas.
“Informação significa poder, e no jogo com sua utilização estão implícitas
relações de dominação”29. Segundo Guareschi, os meios de comunicação “estão
sempre presentes e são fator indispensável tanto na criação quanto na transmissão,
mudança, legitimação e reprodução de determinada cultura”30. Guareschi vê o
crescimento e a abrangência dos meios de comunicação como um modo de diminuir
o controle exercido por outras instituições, como a escola, as igrejas e a família.
Assim como Guareschi, Thompson acredita que há uma grande variedade de
instituições que assumem o papel importante na difusão das informações e de
comunicação.
Estas incluem instituições religiosas, que se dedicam essencialmente
à produção e difusão de formas simbólicas associadas à salvação, aos
valores espirituais e crenças transcendentais; instituições educacionais, que
se ocupam com a transmissão de conteúdos simbólicos adquiridos (o
conhecimento) e com o treinamento de habilidades e competências; e
instituições da mídia, que se orientam para a produção em larga escala e a
difusão generalizada de formas simbólicas no espaço e no tempo. Estas e
outras instituições culturais forneceram bases para a acumulação dos meios
de informação e comunicação, como também os recursos materiais e
financeiros, e forjaram os meios com os quais a informação e o conteúdo
simbólico são produzidos e distribuídos pelo mundo social31.
29
MARCONDES, Ciro. O capital da notícia: jornalismo como produção social da segunda natureza.
São Paulo: Ática, 1989, p. 24
30
GUARESCHI, Pedrinho. Comunicação e controle social. Petrópolis: Vozes, 1991, p. 16.
31
THOMPSON, John B. Op. cit., p. 25
29. 27
2.3 PODER, APARELHOS IDEOLÓGICOS E O JORNALISMO
O poder, segundo Thompson, caracteriza-se por:
No sentido mais geral, é a capacidade de agir para alcançar os
próprios objetivos ou interesses, a capacidade de intervir no curso dos
acontecimentos e em suas conseqüências. No exercício do poder, os
indivíduos empregam os recursos que lhes são disponíveis; recursos são os
meios que lhes possibilitam alcançar efetivamente seus objetivos e
interesses. Ao acumular recursos dos mais diversos tipos, os indivíduos
podem aumentar seu poder [...] indivíduos que ocupam posições
dominantes dentro de grandes instituições podem dispor de vastos recursos
que os tornam capazes de tomar decisões e perseguir objetivos que têm
conseqüências de longo alcance32.
O tratamento que sofre a notícia, antes de chegar ao receptor, é o principal
modo de se operar a chamada manipulação/dominação jornalística. Entre a
ocorrência de um fato social relevante, o acontecimento objetivo e sua apresentação
ao público, surgem diversas formas de intervenção que alteram sensivelmente o
caráter e, principalmente, o efeito dessas notícias. Segundo Marcondes Filho, “é
nessa altura que se opera a adaptação ideológica, a estruturação da informação
com fins de valorização e de interesse de classe”33.
Para Guareschi, os aparelhos ideológicos, além dos meios de comunicação,
são: a família, a escola e os partidos, que formam os aparelhos ideológicos do
Estado. “Eles reproduzem as relações de produção capitalista, que é feito de várias
formas, seja por intermédio da manipulação do nacionalismo, liberalismo, seja pelo
entretenimento”34.
“A ideologia, como um sistema de representações, é inseparável da
experiência vivencial cotidiana dos indivíduos.”35 Isso significa afirmar que a
32
THOMPSON, John B. Op. cit., p. 21.
33
MARCONDES, Ciro. Op. cit., p. 39.
34
GUARESCHI, Pedrinho. Comunicação e poder. A presença e o papel dos meios de comunicação
de massa estrangeiros na América Latina.Petrópolis: Vozes, 1981, p. 16.
35
GUARESCHI, Pedrinho (1981, p. 19).
30. 28
ideologia impregna os hábitos, os desejos, os reflexos das pessoas; significa,
também, afirmar que a grande maioria das pessoas atravessa a vida sem, talvez,
nunca se dar conta dos verdadeiros fundamentos dessas representações.
A ideologia dominante cumpre uma função prática: ela permite a inserção de
indivíduos de uma forma natural nas atividades que eles desempenham no interior
do sistema e, desta maneira, capacita-os a participar na reprodução do aparato de
dominação, sem que se dêem conta de que eles próprios são cúmplices e autores
de sua própria exploração. “Para o indivíduo inserido no sistema capitalista, a
ideologia é experiência que alguém vive sem conhecer as verdadeiras forças
motoras que a ideologia coloca em movimentação”36.
Segundo Marcondes Filho, sobre a questão da atuação dos meios de
comunicação sobre a sociedade,
o Jornalismo, via de regra, atua junto com grandes forças econômicas
e sociais: um conglomerado jornalístico raramente atua sozinho. Ele é ao
mesmo tempo a voz de outros conglomerados econômicos ou grupos
políticos que querem dar às suas opiniões subjetivas e particularistas o foro
da objetividade37.
A comunicação e a informação passam a ser alavancas poderosas para
expressar e universalizar a própria vontade e os próprios interesses dos que detém
os meios de comunicação. O monopólio da propriedade privada da terra os
latifúndios prolongam-se no do poder político como dominação, e passam a
abranger, logicamente, o monopólio dos meios de comunicação social, a serviço da
dominação ideológica.
A posse da comunicação e a informação torna-se instrumento privilegiado de
dominação, pois cria a possibilidade de dominar a partir da interioridade da
36
GUARESCHI, Pedrinho (1981, p. 20).
37
MARCONDES, Ciro. Op. cit., p. 11.
31. 29
consciência do outro, criando evidências e adesões, que “interiorizam e introjetam
nos grupos destituídos a verdade e a evidência do mundo do dominador”38, deixando
o grupo dominado sem alternativa.
Segundo Guareschi,
os que detêm a comunicação chegam até a definir os outros, definir
determinados grupos sociais como sendo melhores ou piores, confiáveis ou
não-confiáveis, tudo de acordo com os interesses dos detentores do poder,
quem tem a palavra constrói identidades pessoais ou sociais39.
A identificação das relações de poder em qualquer sistema de comunicação
significa elemento fundamental para se avaliar a conexão dos interesses políticos e
econômicos que estão por detrás das suas mensagens, programas e campanhas.
Logo, no entendimento de Melo,
não basta saber quem controla um determinado veículo, mas torna-se
importante desvendar a teia de compromissos dos seus proprietários, pois
assim é possível analisar com maior precisão o seu comportamento
comunicativo40.
Assim, os meios de comunicação contribuem para a criação de uma
determinada ordem social resultante da divulgação de um tipo de conhecimento que
emerge das suas relações com determinadas fontes de informação. Os
comunicadores, com isso, produzem um tipo de pensamento que se torna
predominante na sociedade.
38
GUARESCHI, Pedrinho (1991, p. 19).
39
Ibidem, p. 15.
40
MELO, José Marques de. Op. cit., p. 96.
33. 3 JORNALISMO COMO OCUPAÇÃO PREFERENCIAL DOS
PEDREIROS-LIVRES GAÚCHOS
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A imprensa, principal centro das atividades intelectuais na segunda metade do
século XIX, no Rio Grande do Sul, foi um espaço de atuação de importantes
dirigentes maçons. No decorrer deste capítulo, além de ver a utilização do meio de
comunicação impresso por parte dos integrantes da Ordem, fez-se necessário
contextualizar o nível de escolaridade da sociedade gaúcha e, por conseguinte, dos
dirigentes maçons do período delimitado.
3.2 OS MAÇONS E SUA ESCOLARIDADE
Paralelamente às ocupações propriamente profissionais e políticas, que
categorizavam o grupo de dirigentes maçons como um segmento da elite regional, a
formação escolar e ocupações intelectuais e culturais reafirmaram essa condição
social. Contudo, nesse aspecto, abriu-se uma brecha para os jovens oriundos de
setores intermediários, para que se projetassem social e politicamente. A
inteligência gaúcha foi, portanto, fruto das iniciativas dos filhos da elite tradicional do
Rio Grande do Sul, aliados àqueles jovens ilustrados sem berço, mas que acabariam
se aproximando do poder. Até o início da segunda metade do século XIX, a
34. 32
presença de um setor agregando letrados e intelectuais era quase imperceptível e,
mesmo, dispensável.
Nas palavras de Sergius Gonzaga,
eles emergiram apenas em meados do século XIX. E, como era de se
esperar, em face do atraso e pobreza cultural do meio, em face da ausência
de uma tradição de ensino, fosse leiga ou eclesiástica, e em que face
principalmente da exígua rede de relações sociais e da horizontalidade
econômica do espaço urbano, as primeiras manifestações literárias seriam
insignificantes, seja do ponto de vista quantitativo, seja do qualitativo41.
Independentemente, porém, do grau de desenvolvimento de uma vida cultural
e artística que se comparasse à do centro do país, observam-se no estado, a partir
do início da segunda metade do século XIX, diversas iniciativas que viriam alterar
significativamente esse quadro.
Na colocação de Colussi,
tais evidências podem ser constatadas na crescente preocupação
com o ensino, nas iniciativas de criação de órgãos de imprensa, na difusão
de casas de teatro na capital e no interior no número de publicações, a
princípio incipientes, mas que, gradualmente foi tomando destaque. Cabe
salientar, a título de exemplo, que, em termos de escolaridade, a província,
em comparação ao restante do Brasil do período em estudo, já se
apresentava com números bastante positivos42.
Foi nesse quadro, em principio desanimador e próprio de uma região de
ocupação e desenvolvimento econômico tardio e periférico, que a maçonaria se
integrou e ocupou seu espaço. A grande maioria dos maçons, principalmente seus
dirigentes, “podem ser enquadrados na categoria de homens cultos letrados”43. O
grupo maçônico construiu um tipo particular de padrão cultural, que se articulava
com o pensamento político-ideológico típico do século XIX, mas que possuía um
41
GONZAGA, Sergius. As mentiras sobre o gaúcho: primeiras contribuições da literatura. FREITAS,
Décio (org.). In: RS: ideologia e cultura, p. 123.
42
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 299-300.
43
Ibidem, p.300.
35. 33
conjunto de significados corporizados em símbolos, um sistema de concepções
herdadas e expressas em formas simbólicas.
Foram pesquisados dirigentes maçons pertencentes as lojas do Estado no
século XIX. Os dados sobre o nível de escolaridade dos dirigentes maçons
pesquisados confirmam, primeiramente, o perfil da alta instrução de seus
integrantes. Frente ao processo de ampliação e consolidação de uma vida urbana e
cultural no Rio Grande do Sul, os pedreiros-livres, homens cultos e letrados,
destacaram-se em muitas das iniciativas nesse âmbito. Foram localizadas
informações biográficas, fornecidas pelo Grande Oriente do Rio Grande do Sul,
sobre esse item, de 123 integrantes maçons. Desse número, foi constatada a
maioria deles sendo de advogados (48) e, em segundo lugar, de jornalistas (24).
O nível de escolaridade dos membros da maçonaria dá indícios de um padrão
intelectual relativamente homogêneo. Devido a essa uniformidade, em termos de
nível escolar dos membros da maçonaria, a população marginal não tinha meios de
se inserir na Ordem. No entanto, Colussi, sobre esse assunto, explica como os
iletrados conseguiam manter algum tipo de contato com a maçonaria:
Dessa forma, os maçons produziram e foram receptadores de uma
cultura elitista, tanto por sua origem social como por exclusão de uma
maioria de analfabetos, visto que, via de regra, esses não eram convidados
a participar da instituição. No mesmo sentido, os iletrados ou analfabetos
também não possuíam meios ou condições intelectuais para serem
receptadores do discurso e da visão do mundo da maçonaria. Contudo,
atento a essa realidade, os porta-vozes da maçonaria, assim como seus
produtores intelectuais, construíram e dirigiram discursos variados para
atender a demandas sociais também diferentes44.
3.3 OCUPAÇÕES INTELECTUAIS DOS INTEGRANTES DA MAÇONARIA
NO RIO GRANDE DO SUL
44
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 302.
36. 34
Foram pesquisados os dados relativos às informações sobre a presença
maçônica em atividades ou ocupações intelectuais ou culturais no período de 1850 a
1900. Dos maçons pesquisados, a maioria, 44 membros, preferiu o jornalismo.
O âmbito da cultura a que se vincularam preferencialmente os maçons gaúchos
foi, fundamentalmente, o ligado ao contexto do pequeno desenvolvimento intelectual
e cultural no Rio Grande do Sul, no período delimitado. Assim, a imprensa e a
literatura, isto é, o mundo da palavra escrita e lida, foram o universo disponível e de
atuação para uma geração da inteligência gaúcha que produziu e reproduziu
conhecimentos, opiniões e posicionamentos. As iniciativas anteriores, que não
devem ser esquecidas, sofreram sobremaneira com o quadro geral do atraso e
segregação rio-grandense, principalmente com a carência de escolas, a falta de
professores e a pequena difusão da literatura45.
A imprensa já tinha dado seus primeiros passos no Rio Grande
pós-independência; a difusão de jornais, sobretudo a partir de 1827, e no período
farroupilha, criara uma certa tradição, em especial da imprensa política46. Aliás,
durante a primeira metade do século XIX, foi o principal, senão o único veículo
dedicado à produção intelectual entre os gaúchos.
A imprensa e a literatura que interessam na compleição deste trabalho são as
da segunda metade do século XIX, período de fundação do Correio do Povo e da
45
Conforme CESAR, Guilhermino. História da literatura no Rio Grande do Sul (1737-1902). Porto
Alegre: Globo, 1971, p. 18-20, a literatura rio-grandense viveu sete períodos, sendo eles: 1º, de 1737
a 1834, fase da luta instintiva pela conquista de uma expressão nacional; 2º, de 1834 a 1856,
marcada pela assimilação consciente dos valores integrantes da cultura nacional maturadas nas
antigas capitanias do Centro; 3º, de 1856 a 1869, período da floração romântica através do grupo da
revista O Guaíba; 4º, de 1869 a 1884, fase que teve início com o Partenon Literário até os rebates
iniciais do parnasianismo; 5º, 1884 a 1902, marcado pelo abandono ideário romântico e adoção de
formas próximas ao realismo; 6º, de 1902 a 1925, que vais oscilar entre o espiritual do simbolismo e o
neo-realismo e, por último, o 7º, de 1925 em diante, com a constituição de uma nova geração de
literatos, por um lado regionalista e, de outro, universalista.
46
REVERBEL, Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense (1827-1845). In: Enciclopédia
rio-grandense, 1968, p. 241-264.
37. 35
morte de seu patrono que, pela periodização de Guilhermino César, perpassam pelo
terceiro, quarto e quinto períodos (1856-1902). Foi nesse período, e nessas duas
áreas de aglutinação intelectual - a imprensa e a literatura - que a presença
maçônica foi marcante.
3.4 A UTILIZAÇÃO DA IMPRENSA POR PARTE DOS INTEGRANTES
DA MAÇONARIA
A imprensa gaúcha do século XIX se desenvolveu de maneira a superar
obstáculos de variadas origens, os quais iam desde problemas de infra-estrutura
material (recursos, local ou sede) até àqueles ligados à distribuição e legislação
coercitiva. Mesmo assim, e em condições precárias durante praticamente todo o
século passado, pequenos e grandes jornais se instalaram e prosperaram no Rio
Grande do Sul. A característica mais destacada da imprensa durante o período foi a
sua íntima relação com os debates político-partidários.
Francisco Neves Alves, tratando dessa questão, afirma:
A evolução da imprensa acompanharia, assim, o processo de
formação histórica-política rio-grandense: durante a Revolução Farroupilha,
serviu para defender os princípios tanto de rebeldes quanto de legalistas;
com a pacificação, contribuiu na busca de estabilidade e na afirmação do
espírito de ‘brasilidade’ e, posteriormente, a partir da consolidação do
Império, refletiu os debates entre liberais e conservadores e os conflitos
entabulados no Prata; propagou os ideais republicanos e, com o advento da
nova forma de governo, veiculou as idéias e práticas dos grupos, cujo
confronto resultaria na Revolução Federalista, guerra civil que deixaria
marcas por toda a República Velha47.
47
ALVES, Francisco Neves. Uma introdução à imprensa rio-grandina. Rio Grande: Universidade do
Rio Grande, 1995, p.16.
38. 36
Foi especialmente nessa imprensa de caráter extremamente politizado48 que se
localiza uma forte atuação de dirigentes e lideranças maçônicas, demonstrando que
a imprensa rio-grandense foi um espaço de ampla e abrangente participação e
influência maçônica. Como intelectuais e letrados integrantes da elite regional, os
maçons ocuparam um espaço privilegiado num dos poucos meios de informação
disponíveis no período. A imprensa gaúcha era, então, produzida e dirigida a um
grupo social bastante restrito, excluindo a maior parte da sociedade, composta por
analfabetos. Além da imprensa propriamente maçônica, a grande e pequena
imprensa foi espaço de ampla participação de maçons.
Barata observou essa expressiva presença em termos nacionais, da seguinte
forma:
Começando com Hipólito da Costa e Gonçalves Ledo, no início do
século XIX, vários foram os maçons que fizeram da imprensa uma
verdadeira tribuna em defesa das idéias maçônicas. Pode-se destacar:
Henrique Valladares, Alexandrino do Amaral, C. Bracante, Luiz Corrêa de
Azevedo, Luiz Antônio Pinto Mendes, Mário Behring, todos redatores do
Boletim do Grande Oriente do Brasil; Quintino Bocaiúva, Venâncio de
Oliveira Aires; João Franklin da Silveira Távora; Ubaldino do Amaral
Fontoura; entre outros49.
Os dirigentes maçons atuaram de diversas formas no universo da imprensa,
seja como proprietários de jornais na capital ou no interior, seja como diretores e,
editores, redatores ou, ainda, em muitos casos, simplesmente como colaboradores.
Reverbel, sobre a formação dos jornais surgidos no século XIX no estado,
afirma:
A grande difusão de jornais, de circulação periódica e em língua
portuguesa, que apareceram na capital e no interior na segunda metade do
século XIX, muitos deles foi fruto de iniciativas de dirigentes maçons,
homens com capital e cultura típicos da elite gaúcha. Nesse tipo de
48
RÜDIGER, Francisco Ricardo. O nascimento da imprensa no rio Grande do Sul. Revista do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UFRGS, p. 116
49
BARATA, Alexandre Mansur. Op. cit., p. 163.
39. 37
imprensa, a predominância de órgãos vinculados a agrupamentos e partidos
políticos demarcou a atuação dos dirigentes maçons50.
O Quadro 1 revela uma relação de dirigentes maçons que atuaram no âmbito
do jornalismo no século XIX.
Quadro 1: Dirigentes maçons/ jornalistas/ órgãos de imprensa
NOME JORNAL CIDADE FUNÇÃO/ANO
Antônio Pinto Palmeiro da Fontoura A Resistência São Gabriel Diretor/1886
Aparício Mariense da Silva 13 de janeiro São Borja Redator/1896
Aristides Epaminondas de Arruda O Osório S. Vitória do Palmar Redator/1890-1894
Carlos Von Koseritz Koseritz Deutsche Zeitung Porto Alegre Proprietário e redator/ 1881-1890
Emil Wiedemann Deutsche Zeitung Porto Alegre Proprietário/1864
Ernesto Augusto Gerngross Diário de Pelotas Pelotas Proprietário/1884
Ernesto Reinhold Ludwig Koseritz Deutsche Porto Alegre Diretor e redator/ 1890
Zeitung
Francisco Antônio Caldas Júnior Correio do Povo Porto Alegre Proprietário
Gavino Machado da Silveira Gazeta Pedritense D. Pedrito Diretor e proprietário/1881
Germano Hasslocher A Federação Porto Alegre Colaborador
João Batista Taloni O Fígaro Porto Alegre Colaborador/1879
José Carlos Sperb O Puritano São Leopoldo Colaborador/1905
José Celestino Prunes Gazeta de Alegrete Alegrete Redator/1882
Pedro Bernardino de Moura Echo do Sul Pelotas/Rio Grande Redator/1857
Pedro Moacyr A Federação Porto Alegre Colaborador
Ramiro Barcelos A Federação Porto Alegre Colaborador
Venâncio Aires A Federação Porto Alegre Redator
Fonte: Pesquisa do autor.
A pesquisa revela indícios de uma presença importante de dirigentes maçons
nos principais órgãos de imprensa no Rio Grande do Sul, principalmente nos jornais
de cunho político-partidário e na imprensa dirigida à comunidade alemã. Assim, é
possível explicar as razões pelas quais diversos intelectuais, também maçons,
assumiram um posicionamento radicalmente anticlerical.
Colussi reconhece a participação maçônica em matérias jornalísticas, mesmo
que indiretamente:
Contudo, indiretamente, a maior parte dos maçons pertencentes à
inteligência gaúcha defendiam princípios do pensamento liberal e
50
REVERBEL,Carlos. Evolução da imprensa rio-grandense, p. 110.
40. 38
cientificista em contraposição ao pensamento católico-conservador. Nesse
ponto, atacavam prioritariamente o clericalismo e os jesuítas,
responsabilizando-os pelo obscurantismo e atraso cultural brasileiro. Assim,
a defesa de uma sociedade laica, com a separação definitiva entre Estado e
Igreja, esteve sempre na ordem do dia para os maçons-jornalistas51.
3.4.1 Imprensa maçônica de língua alemã no Rio Grande do Sul
Além da presença marcante de dirigentes maçons, atuando como jornalistas na
imprensa gaúcha no século XIX, a sua participação na imprensa de língua alemã
não foi menos importante. Aliás, essa proximidade é indicativa de um
relacionamento mais intenso entre maçonaria e imigrantes, ou descendentes
alemães.
A importância da comunidade alemã no Rio Grande do Sul, com uma
população em torno de 15 mil pessoas, em 1850; a dificuldade de entrosamento
cultural e lingüístico desses; a falta de escolas e professores nas regiões onde
haviam se fixado, o quase isolamento das comunidades, aliado à necessidade de
verem expressos os seus interesses explicariam, a princípio, o surgimento de
veículos de imprensa dirigidos especificamente ao grupo e escritos em língua alemã.
Klaus Becker vincula o desenvolvimento da imprensa de língua alemã ao fim
do período farroupilha, quando se iniciou novamente o movimento de imigração
alemã (agora para as chamadas colônias novas) e ocorreu a chegada dos brummer:
Esta situação somente mudou depois de 1851, quando os primeiros
mercenários contratados na Alemanha para servirem na guerra contra
Rosas, apelidados de ‘Brummer’, radicaram-se na Capital e no interior do
Rio Grande do Sul. Alguns deles eram intelectuais que muito se destacaram
na defesa dos interesses e na vida da colônia. Basta lembrar os nomes de
Carlos Von Koseritz, Frederico Haensel, Barão de Kahlden, Carlos Jansen e
outros52.
51
COLUSSI, Eliane. Op. cit., p. 332.
52
BECKER, Klaus. Imprensa em língua alemã (1852-1889). In: Enciclopédia Rio-Grandense. Op. cit.
v. 2, p. 268.
41. 39
Dois maçons de origem alemã tiveram uma atuação importante nesse sentido.
O primeiro foi Carlos Jansen53, que atuou como redator, pelo período de um ano, do
Der Deutsche Einwanderer (O Imigrante Alemão), de propriedade de Theobaldo
Jaeger. O semanário fora lançado, inicialmente, no Rio de Janeiro, em 1853, tendo
sido transferido para Porto Alegre, em 185454.
Além de jornalista, Jansen atuou como professor particular, escritor, tendo sido
um dos fundadores do Partenon Literário; foi inspetor geral das Colônias do Rio
Grande do Sul e redator em Buenos Aires em 1871. Em 1878, transferiu-se para o
Rio de Janeiro, onde fundou o Colégio Jansen; foi também professor do Colégio D.
Pedro II, na mesma cidade, onde faleceu em 1889. Da sua trajetória maçônica
pouco ficou registrado, sabendo-se apenas que pertenceu à loja Zur Eintracht, de
Porto Alegre, no ano de 1876. Contudo, chama a atenção sua presença na
maçonaria, visto que foi sempre um homem de convicções religiosas e um
combatente do materialismo e do cientificismo. De qualquer maneira, esse professor
alemão não deixa de ser representativo do perfil de atuação dos dirigentes maçons,
pois a liberdade religiosa e política permitiam tal posicionamento.
Diferentemente de Jansen, e certamente de posições minoritárias no seio da
maçonaria gaúcha do período, foi a figura de Carlos Von Koseritz, introduzido no
jornalismo de língua alemã a partir do terceiro jornal que circulou no Rio Grande do
Sul depois de 1861, o Deutsche Zeitung (Jornal Alemão). A trajetória de vida desse
53
Nascido na Alemanha em 1829 e falecido no Rio de Janeiro em 1889, chegou ao Brasil em 1851
como voluntário, servindo no 2º Regimento de Artilharia Montada, sediado no Rio Grande do Sul. Foi
jornalista, professor e escritor, com atuação no Rio Grande do Sul e depois no Rio de Janeiro, para
onde se transferiu em 1878. Nessa última cidade, publicou, ainda em 1878, na Revista Brasileira, a
novela “O Patuá”. Além dessa novela [...], publicou ainda regular número de traduções de obras
didáticas e a tese O pronome da língua alemã (1883) apresentada e defendida em concurso para
lente de alemão no Colégio D. Pedro II. SPALDING, Walter. Itinerário da literatura rio-grandense. In:
Enciclopédia Rio-Grandense, v. 2, p. 217.
54
O primeiro jornal impresso em língua alemã no Brasil e da América Latina foi lançado em Porto
Alegre, Der Colonist, de propriedade do brasileiro José Cândido Gomes, e circulou de 10-08-1852 a
17-3-1853.
42. 40
político, líder da comunidade alemã e dirigente maçom convicto, merece ser traçada,
principalmente pela importância que ele assumiu como um dos principais intelectuais
do estado. Sua chegada ao Rio Grande do Sul se deu da mesma forma de Jansen,
isto é, foi também brummer, desembarcando no Brasil em 1851, aos 21 anos de
idade. Antes de se estabelecer em Porto Alegre, após ter abandonado o veleiro que
o trazia à cidade do Rio Grande, estabeleceu-se em Pelotas, “onde passou
privações até ser recolhido à Santa Casa de Misericórdia, socorrido por Telêmaco
Bouliech que o empregou como guarda-livros e professor particular”55.
Certamente foi nesse período que ocorreu a introdução de Koseritz na
maçonaria, pois Telêmaco era dirigente da loja Honra e Humanidade daquela
cidade, já em 1855. Ainda em Pelotas, Koseritz iniciou sua atividade como professor,
fundando um colégio para meninos, e atuando paralelamente como jornalista; em
1856, trabalhou no jornal O Noticiador e, em 1858, aparece como resenhista do
jornal político, comercial e industrial O Brado do Sul. Transferiu-se depois para Rio
Grande, mantendo as mesmas ocupações profissionais e trabalhando como redator
de O Povo.
Em Porto Alegre, em 1864, assumiu o cargo de redator-chefe do Deutsche
Zeitung em substituição a Theodor Freiherr von Varnbuhler. Esse jornal pertencia a
uma sociedade de abastados comerciantes alemães, entre eles o dirigente maçom
Emil Wiedmann. A folha de língua alemã, sob sua direção, “teve rápido e notável
desenvolvimento, tornando-se por muito tempo, o mais importante jornal do país
naquela língua”56.
55
FLORES, Moacyr. Dicionário de História do Brasil. Porto Alegre: Edipucrs, 1996, p. 295.
56
BECKER, Klaus. Imprensa em língua alemã. In: Enciclopédia Rio-Grandense. Porto Alegre:
Sulina, 1968, v. 2, p. 272.
43. 41
Koseritz se envolveu nas principais questões da sociedade gaúcha do período,
principalmente falando como porta-voz dos interesses políticos de alemães
tornando-se notável pelo seu combate ao jesuitismo.
Becker, em relação a isso, informa:
Carlos Von Koseritz foi, sem dúvida, o maior jornalista de origem
alemã, no século XIX, em todo o Brasil [...]. Autodidata, de espírito
combativo e extraordinário talento, jornalista por vocação e integrado
perfeitamente no ambiente gaúcho, não podia deixar de ingressar na
política, tornando-se um dos mais fervorosos defensores do elemento de
origem germânica, principalmente o da colônia. Excedeu-se, porém, em sua
luta anticlerical, especialmente contra os padres jesuítas, influenciado pelo
‘kulturkampf’, ocorrido na Alemanha, e pela abundante literatura dos livres-
pensadores da segunda metade do século que se precedeu ao nosso57.
Nesse sentido, chama a atenção a sua permanente defesa da brasilidade dos
colonos fixados no estado, incentivando-os a uma integração consistente com a
cultura brasileira, mas sem esquecerem as suas origens germânicas. Especialmente
através da imprensa, fazia campanha para que o governo providenciasse escolas
para as regiões de colônias alemãs e defendia o voto aos não-católicos, quase
sempre imigrantes alemães e protestantes.
Koseritz defendia o desenvolvimento da instrução popular sobre a base do
critério positivo e, entre outras coisas, a liberdade religiosa absoluta, com
fiscalização de todas as associações religiosas por parte do estado.
Em 6 de janeiro de 1876, lançou a folha maçônica A Acácia, órgão oficial da
maçonaria gaúcha até 1879, sob os auspícios da Grande Loja Provincial de São
Pedro do Rio Grande do Sul e ligada ao Grande Oriente Unido, portanto, a vertente
mais radicalizada da maçonaria brasileira. Foi seu proprietário, diretor e principal,
senão único, redator; substituiu o Maçom, de propriedade e direção de João
57
BECKER, Klaus. Op. cit., p. 273.
44. 42
Carvalho de Barcelos, que deixara de circular após a sua morte. A maçonaria se
constituiu, então, numa frente de atuação a que Koseritz se dedicou com afinco.
Foi um dos fundadores da loja Zur Eintracht, na cidade de Porto Alegre,
regularizada em dezembro de 1875, cujo templo foi construído em 1876, junto à
igreja protestante, sendo o lançamento da pedra fundamental “a primeira solenidade
pública da maçonaria de Porto Alegre”58. A proximidade entre maçonaria e
protestantes se evidencia, então, não só pela localização do templo, mas também
pelo fato de ter sido a primeira oficina maçônica a realizar seus trabalhos em língua
alemã; além disso, tinha entre seus membros um grande número de evangélicos.
A Acácia fez guerra permanente a dois veículos da imprensa católica do
período, O Apóstolo, publicado no Rio de Janeiro, e o Deutsche Volksblatt, de São
Leopoldo. A disputa ou conflito entre maçonaria e Igreja Católica teve na imprensa a
sua mais forte representação, e Koseritz utilizou-se tanto da imprensa maçônica
como da profana para alcançar seus objetivos. Até 1881, trabalhou no Deutsche
Zeitung59 e, depois, no período de 1881 a 1890, no seu próprio jornal Koseritz
Deutsche Zeitung (Folha Alemã de Koseritz). Após sua morte, em 1890, Ernesto
Reinhold Ludwig, também alemão e dirigente maçom, assumiu a redação da folha
de Koseritz.
O discurso de Koseritz foi, via de regra, o mesmo, baseando-se em princípios e
argumentos muitos semelhantes. No A Acácia, em coluna regular, denominada de
“Nós e eles”, tecia os seus principais ataques:
O Volksblatt é uma folha impressa em São Leopoldo em língua
alemã. Ela é um órgão dos padres da Ordem de Jesus que em número de
trinta e tantos assenhoram-se da consciência dos colonos católicos e
monopolizam todas as vigárias e curatos nas colônias. Não satisfeitos com
58
A Acácia – folha maçônica, 1876. Ano 1, n.º, 1, p. 3.
59
Entre 1893 e 1917, foi redator desse jornal o dirigente maçom Arno Philipp.
45. 43
isso mandaram vir cerca de vinte freiras e de parceria com estas,
apoderam-se do ensino da mocidade católica nos núcleos coloniais [...]. Na
questão dos bispos não teve essa folha mãos a medir em ataques ao
Estado e à Coroa. Os maçons são diariamente apresentados aos colonos
como assassinos e salteadores60.
Do ponto de vista da sua postura teórica, Koseritz, um liberal e materialista,
acabou por assumir e divulgar as concepções evolucionistas e darwinianas no Rio
Grande do Sul.
Como jornalista e intelectual foi, provavelmente, o mais destacado dirigente
maçom do período, o que não se deveu somente ao espaço que ocupou na direção
da maçonaria no Rio Grande do Sul, mas principalmente à influência que exerceu
junto à formação da intelectualidade gaúcha, sempre utilizando a imprensa escrita
como sua porta-voz.
60
A Acácia – folha maçônica. 1876, ano 1. n.º 3. p. 1.
47. 4 CORREIO DO POVO E AS RELAÇÕES COM A MAÇONARIA
4.1 CALDAS JR. A SUA LIGAÇÃO MAÇÔNICA
O maçom mais importante ligado ao jornalismo, pela sua atuação profissional,
foi, sem dúvida, Francisco Antônio Caldas Júnior. Filho do desembargador Francisco
Antônio Vieira Caldas, Caldas Jr. nasceu em 1868, em Sergipe (tendo falecido em
1913, aos 44 anos) e aos três anos passou a residir em Santo Antônio da Patrulha
onde seu pai já atuava como juiz de direito. Iniciou sua carreira jornalística
trabalhando como revisor e, depois, como redator e editorialista para o Jornal do
Comércio, dirigido por Aquiles de Porto Alegre, permanecendo ali até 1895, quando
fundou o Correio do Povo.61
A posição de neutralidade política assumida pelo jornal Correio do Povo nos
seus primórdios, causou curiosidade ao meio intelectual gaúcho, pois a tradição que
ligava a grande imprensa a facções político-partidárias foi, de certa forma, rompida
por Caldas Jr. Essa neutralidade, vista sob a ótica do contexto do final da Revolução
Federalista, pode também ser explicada por posicionamentos da própria maçonaria
gaúcha, abalada pela guerra.
Segundo Dillenburg,
61
DILLENBURG, Sérgio R. Correio do Povo: história e memórias. Passo Fundo: Ediupf, 1997, p. 21.
48. 46
não foi sem motivo, portanto, que o surgimento do Correio do Povo,
por obra de Caldas Júnior, com sua proposta de jornalismo independente,
alcançou tanta expectativa e, mesmo, incredulidade entre os gaúchos.
Bastaram, no entanto, poucas edições do novo jornal para que os leitores
percebessem que a proposta do Correio do Povo, de não ser vinculado a
nenhuma facção partidária, era para valer62.
O caráter de alegada imparcialidade política do novo jornal teve, pois, uma
relação, mesmo que indireta, com a condição maçônica de seu fundador, um dos
principais dirigentes da instituição na época. O princípio da tolerância e da liberdade
política, um dos pilares da maçonaria internacional, era fundamental para a
recuperação do prestígio e da boa convivência entre os irmãos que haviam lutado
em lados opostos. No entanto, segundo Galvani, mesmo possuindo alguns
princípios maçônicos, o jornal necessitou de ajuda financeira da Ordem, para ser
criado:
Passar pela luta intensa daqueles três (Francisco Antônio Caldas
Júnior, José Paulino de Azurenha e Mário Totta) e dos demais que se foram
somando, como os “irmãos da Maçonaria”, Eugênio du Pasquier e Antônio
Mostardeiro Filho, que repassaram-lhe o primeiro financiamento, por ele
honrado, como sua viúva o faria, pouco adiante, em 1913, quando a morte
prematura o arrancou do negócio, com apenas 43 anos, e os compromissos
eram imensos63.
Galvani salienta que, ao mesmo tempo em que se tinha uma idéia da busca
pela isenção política e imparcialidade, no Correio do Povo, lia-se o entusiasmo
numa notícia sobre a seção maçônica em homenagem ao senador Pinheiro
Machado, o grande líder do Partido Republicano Federalista64.
A primeira referência de Caldas Júnior em atividade maçônica aparece em
1893, como filiado à loja Orientação de Porto Alegre 65, que, coincidentemente, foi
uma das fundadas para dar legitimidade ao Grande Oriente do Rio Grande do Sul.
62
DILLENBURG, Sérgio R. Op. cit., p. 21.
63
GALVANI, Walter. Um século de poder: os bastidores da Caldas Júnior. 2. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1995, p. 12.
64
Ibidem, p. 107.
65
DIENSTBACH, Carlos. Op. cit., p. 479.
49. 47
Foi o primeiro deputado eleito por essa loja para a Assembléia Maçônica de
fundação do Gorgs, cuja tendência republicana pode ser reveladora da posição
política de Caldas Júnior. Também foi localizada uma notícia dando conta de que,
para o Congresso dos Veneráveis de 1902, Caldas Jr. representou a loja União
Fraternal da cidade de Encruzilhada.66
A principal contribuição de Caldas Júnior à maçonaria gaúcha, no entanto,
ocorreu durante sua gestão como “ministro das finanças” do Grande Oriente do Rio
Grande do Sul (Gorgs), com um projeto proposto em 1902. Esse consistia em um
plano econômico para a organização definitiva da potência autônoma gaúcha, tendo
sido aprovado através da Lei nº 52, denominada Contribuição Solidária. Na sua
proposta, estavam contempladas desde a política financeira de proteção de seus
membros e familiares, passando pela perspectiva das necessidades médicas, de
remédios e jurídicas, o mútuo auxílio, até a assistência permanente. Assim, houve
um aprofundamento da previdência maçônica, que providenciava até auxílio para as
famílias quando ocorresse a morte de um integrante da instituição67.
4.2 MATÉRIAS DE INTERESSE MAÇÔNICO NO CORREIO DO POVO
Devido à influência maçônica por parte do fundador do Correio do Povo, o
periódico revela indícios em algumas notícias de interesse da maçonaria.
Segundo Guareschi,
as idéias dominantes em uma sociedade são as idéias da classe
dominante, que, conseqüentemente, determina o que é importante nessa
situação histórica. A classe que possui o poder material dominante de uma
66
Ibidem, p. 258. O reconhecimento da vida maçônica de Caldas Júnior pode ser observado pelo fato
de, em 1979, ter sido fundada uma loja maçônica em Porto Alegre, com o seu nome.
67
Plano Econômico. Boletim do Grande Oriente do Rio Grande do Sul. 1902, ano 11, n.º 2, p.
121-24.
50. 48
sociedade possui, outrossim, o poder espiritual dominante: as idéias
dominantes não são nada mais do que a expressão espiritual (ideológica,
imaterial) das relações materiais, dominantes, apreendidas como idéias.
Portanto, elas são as expressões das relações materiais dominantes
apreendidas como idéias; e, em assim sendo, são as expressões das
relações que fazem de uma classe a dominante; em outras palavras, são as
idéias de sua dominância68.
O Correio do Povo até a morte de Caldas Júnior, possuía sinais de uma
ligação com a maçonaria, em homenagens fúnebres a maçons ilustres, festas e
cerimônias, banquetes realizados à imprensa e a conflitos enfrentados entre o
Estado e a Igreja Católica.
Em 7 de maio de 1911, publica-se:
São convidados os membros deste quadro, as offic... da sede do
Poder Central, todos os maçons avulsos e os profanos com suas exmas.
famílias para assistirem a sessão de Pompa Fúnebre que, em homenagem
a memória do Saudoso maçom Felice Guerrieri, esta loj... realista no dia 8
do corrente, às 7 ½ horas da noite, no templo à rua Jeronymo coelho nº 469.
No dia 10 de maio de 1911, o periódico transcreveu uma matéria sobre
assistência maçônica:
A loja maçônica Acácia Victoriense, de santa Victoria do Palmar,
inaugurou, em abril findo, um consultório policlinico gratuito, que ficou a
cargo do Dr. Ivo Banac. Por essa ocasião, realisaram-se, ali, festas
commemorativas, com grande e selecta assistência. Foi orador official o
capitão aristides E.de. Arruda, discursando, também, os drs. Guilherme de
Souza e Castro, Abilio Fuão e outros. Entre os presentes, estavam o Juiz de
Comarca, dr. Carneiro Pereira, o consul oriental, Aurélio Susini y Nuñes, o
consul da Itália, Luiz Brundo, o coronel Egydio da Silveira Borges, os drs.
Jayme Poggi e Bernardo Pericas, officiaes do Exército e representantes da
imprensa local70.
A matéria no dia 25 de maio de 1911, era esta:
Realizar-se-á hoje no templo da rua General Camara, uma sessão
extraordinária da Loja maçônica Progresso da Humanidade, para a
68
GUARESCHI, Pedrinho (1981, p. 19-20).
69
Correio do Povo, Porto Alegre, 07/05/1911, p.7.
70
Ibidem, 10/05/1911, p.4.
51. 49
discussão da These – as greves do proletariado podem ser evitadas?
Como? Sabemos que diversos maçons ocupar-se-ão deste assunto71.
Em 1912, ano da morte do senador Quintino Bocaiúva, o Correio do Povo
salientou o maçonismo do senador e das pompas fúnebres realizadas nas lojas
maçônicas do estado em homenagem ao ilustre irmão.
Em 21 de julho de 1912, outra nota:
Rio Grande, 20, em reunião hoje, realizado, dos veneráveis das lojas
maçônicas desta cidade, ficou resolvido comemorar-se o 30º dia do
passamento do Senador Quintino Bocayuva. Haverá uma sessão de pompa
fúnebre na loja União Constante, sob a presidência do Dr. Guahyba Rocha.
Os veneráveis das demais lojas ocuparão os outros cargos do ritual Para
essa sessão, serão convidados os maçons, autoridades civis e militares e
famílias. Diversos oradores falarão por essa ocasião72.
Em 15 de julho de 1912, se lê:
Rio Grande, 14, teve grande imponência a sessão de pompa fúnebre,
hontem levada a effeito, no templo da loja União Constante, em
homenagem a Quintino Bocayuva. Estiveram representados as autoridades
civis e militares, funcionalismo público, altas dignidades maçônicas, famílias
e imprensa. Usaram da palavra o Tenente Coronel Paes Barreto, Alberto
Müller Barbosa e Edmundo Francisco dos Santos. Antes de encerrada a
sessão, ocorreo o tronco de beneficência cujo o producto foi entregue a
comissão encarregada do levantamento da herma ao Barão do Rio
Branco73.
Além disso, há vestígios de publicações no periódico sobre banquetes
realizados pelas lojas maçônicas para homenagear figuras civis e militares ilustres.
No dia 10 de agosto de 1912, lê-se: “a imprensa foi convidada para um banquete na
loja Philantropia, em Rio Grande, em homenagem ao major Corrêa de Britto”74.
71
Correio do Povo, Porto Alegre, 25/05/1911, p. 4.
72
Ibidem.
73
Ibidem, 21/07/1912, p. 7
74
Ibidem, 15/07/1012, p. 7
52. 50
4.3 CORREIO DO POVO E O MAÇONISMO APÓS A MORTE DE SEU
PATRIARCA
O periódico, depois da morte de seu patriarca, revela vestígios de notíciass
sobre a Ordem. A posse do jornalista Breno Caldas, em 1935, um não-maçom, não
rompeu as ligações dos pedreiros-livres com o jornal. A falência do Correio do
Povo em junho de 1984, e a reabertura do impresso, pelo fazendeiro Renato Ribeiro
também não ocasionou nenhum problema à Ordem. A mesma sempre esteve
presente nas páginas do periódico.
De 1999 a 2004, foram localizadas 775 matérias referentes à maçonaria. A
maioria das notícias foram encontradas na editoria de geral, (454) , e
variedades/cultura (110). Foram encontradas 19 notícias, de janeiro de 2004 a
outubro do mesmo ano, que continham as palavras: maçom(ns), maçônico(as),
pedreiros-livres e maçonaria. Destas 19 matérias, as de maior relevância para este
trabalho são expostas no decorrer do capítulo.
No dia 2 de junho, o periódico escreveu, em suas páginas, na editoria de
cultura, a matéria sobre a peça do Grupo de Ópera de Bolso, A flauta mágica:
A estréia do grupo Ópera de Bolso acontece amanhã, às 21h, no
Teatro Renascença (Erico Verissimo, 307), com a execução de trechos de
'A flauta mágica', última ópera escrita por Wolfgang Amadeus Mozart, em
1791 e que enfoca a maçonaria. Com a proposta de levar o espetáculo ao
público em geral, o grupo montou uma apresentação em formato simples,
com acompanhamento somente de piano, substituindo a orquestra, e com
alguns elementos cênicos. Tudo para facilitar a sua execução e torná-lo
acessível a um número maior de espaço físicos e de pessoas,
principalmente escolas públicas e privadas75.
75
Correio do Povo, Porto Alegre, 02/06/2004, p. 20.
53. 51
Segundo Mattelart, o modus operandi que caracteriza o processo ideológico
consiste em fazer com que essas forças motoras sejam esquecidas; ou, em outras
palavras, em fazer com que as verdadeiras origens da ordem social existente
desapareçam de vista, de tal modo que as pessoas sejam capazes de viver nesta
ordem natural76.
A maçonaria, sempre onde esteve, criou raízes sobre o solo. No Rio Grande
Sul, quando da sua chegada com seus primeiros pensadores, a Revolução
Farroupilha estava no seu auge e, como se viu nos capítulos anteriores, a
maçonaria crescia no estado. Hoje, existem indícios de notícias maçônicas no
periódico Correio do Povo.
Juracy Vilela de Souza, grão-mestre do Grande Oriente do Rio
Grande do Sul, associado à Confederação Maçônica do Brasil, recebe
homenagem hoje, na Câmara Municipal de Porto Alegre, com o título de
Cidadão Honorário da Capital. A cerimônia de entrega do título, cuja
proposta é de autoria do vereador Nereu D'Ávila, ocorre às 19h, no plenário
da Câmara Municipal da Capital, na av. Loureiro da Silva, 25577.
Em matéria publicada no dia 9 de junho:
Em homenagem ao Dia da Imprensa, celebrado em 1º de junho, foi
outorgada ontem à noite a medalha Caldas Júnior ao jornalista Walter
Galvani da Silveira. A Sessão Magna Branca é promovida pela organização
Grande Oriente do RS (Gorgs) e pela Associação Riograndense de
Imprensa (ARI). O ato ocorreu no Templo Nobre Caldas Júnior (rua
Jerônimo Coelho, 116). Segundo Juracy Vilela de Sousa, grão-mestre do
Gorgs, Galvani é um jornalista muito reconhecido. A comemoração do Dia
da Imprensa remete a 1º de junho de 1808, data da fundação do Correio
Braziliense, considerado o primeiro periódico brasileiro. O presidente da
ARI, Ercy Pereira Torma, e o arcebispo metropolitano, dom Dadeus Grings,
também estiveram presentes à cerimônia. Neste ano, a escolha do
homenageado coube à ARI78.
76
GUARESCHI, Pedrinho (1981, p. 20).
77
Correio do Povo. Porto Alegre, 23/09/2004, p. 8.
78
Ibidem, 09/06/2004, p. 8.