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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
 FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
   DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL




 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN COMO
ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER



            Racquel Pereira Tomaz




               Belo Horizonte
                    2012
1

                Racquel Pereira Tomaz




 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN COMO
ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER




                           Monografia apresentada ao Departamento
                           de Comunicação Social da Universidade
                           Federal de Minas Gerais, como requisito
                           parcial para a obtenção de título de
                           Bacharel em Comunicação Social.

                           Orientadora: Prof. Geane Alzamora




  Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - FAFICH
     Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG
                    Belo Horizonte
                        2012
2




                        Aos meus pais,
a quem devo todas as minhas conquistas.
3

AGRADECIMENTOS




          Agradeço à minha família por todo o
         apoio, à minha orientadora Geane por
         toda a ajuda e a todos que, de alguma
          forma, contribuíram para a conclusão
                               desse trabalho.
4

                                          RESUMO


O presente estudo tem como objetivo trazer à tona discussões sobre a dinâmica dos
acontecimentos midiáticos em rede a partir de um estudo de caso sobre a construção da
morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden, em maio de 2011, como um acontecimento
midiático no Twitter. É a partir do conceito de acontecimento e das características da
dinâmica em rede, bem como as especificidades do acontecimento midiático em rede, que a
análise foi feita, levando em consideração o funcionamento do Twitter como plataforma de
interação de redes sociais na Internet.
5

                                      ABSTRACT


This study has the intent of bringing up discussions about the network mediatic events
dynamics from a case study about the construction of Al Qaeda leader Osama Bin Laden‟s
death, in May of 2011, as a mediatic event in Twitter. It is from the concept of event and the
network dynamics characteristics, as well as the network mediatic event specificities, that the
analysis was made, considering the Twitter functioning as a Internet social networks
interaction platform.
6

                                                 SUMÁRIO


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................07



2 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO EM DINÂMICA DE REDE...................................09

              2.1 Sobre a noção de acontecimento midiático........................................09

              2.2 Dinâmica de rede................................................................................17

              2.3 Acontecimento midiático em rede.......................................................24



3 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER......................................................26

              3.1 Twitter como ambiente sociocomunicacional em rede........................26

                             3.1.1 O serviço de microblogging.............................................26

                             3.1.2 Características sociocomunicacionais do Twitter............28

              3.2 Entre o banal e o jornalístico...............................................................31

              3.3 “O que está acontecendo agora?”.......................................................33



4 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN NO TWITTER................................................40

              4.1 A singularidade do acontecimento......................................................40

              4.2 Aspectos metodológicos......................................................................41

              4.3 O relato em tempo real........................................................................43

              4.4 A construção do acontecimento no Twitter.........................................47



5 CONCLUSÃO.........................................................................................................54



REFERÊNCIAS..........................................................................................................57
7

1 INTRODUÇÃO


          A presente monografia tem como objetivo trazer à tona discussões sobre
a dinâmica dos acontecimentos midiáticos em rede a partir de um estudo de caso
sobre a construção da morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden, em maio de
2011, como um acontecimento midiático no Twitter. Dessa maneira, pretende-se
compreender as contribuições dos usuários do Twitter na construção dos
acontecimentos midiáticos.

          No capítulo dois é discutido como se dá a irrupção midiática de
acontecimentos cotidianos e jornalísticos, levando em conta o papel da mídia nessa
construção, ao atribuir-lhes visibilidade, segundo a noção de acontecimento em
autores como Rodrigues (1993), Berger e Tavares (2010), Lage (2011) e Antunes
(2007), entre outros.

          A midiatização da sociedade é abordada como um processo que tem
modificado as interações e os processos sociais na medida em que os indivíduos
têm trazido para o contexto sociocultural as lógicas de funcionamento da mídia.
Esse conceito, suas características e consequências são abordados a partir de
autores como Muniz Sodré (2006) e Braga (2006).

          A partir da apresentação desse conceito, a compreensão da interação,
bem como o papel da mídia em atribuir visibilidade aos acontecimentos
(THOMPSON 1999; 2008; FLORES & BARICHELLO, 2009), pode ser mais
facilmente compreendida.

          Para discutir como a interação mediada por computador (THOMPSON,
2009) interfere na construção dos acontecimentos midiáticos, foi estudada a
dinâmica em rede, considerando os princípios do rizoma apresentados por Deleuze
e Guattari (1995) e segundo, sobretudo, os estudos de Recuero (2010) e Recuero e
Zago (2011). São destacados os valores intrínsecos às redes sociais na Internet e a
participação dos atores sociais no compartilhamento de informações.

          A partir daí, é possível definir diversas características específicas do
acontecimento midiático em rede, relativas a um tipo de acontecimento midiatizado
8

conforme a dinâmica de rede, contexto no qual é produzido, construído e
socialmente disseminado.

           Com o intuito de obter uma melhor compreensão do estudo de caso
proposto, o capítulo três é composto da apresentação do Twitter como um site de
interação de redes sociais (Recuero, 2009) que tem obtido adesão social. Trata-se
de um ambiente midiático de construção social de acontecimentos em rede, que se
conecta com outros ambientes midiáticos online através da hipertextualidade. Foram
abordadas as suas características e como estas fazem do Twitter um ambiente
sociocomunicacional com o potencial de apontar acontecimentos midiáticos.

           Dessa forma, é possível apreender as contribuições que a plataforma e os
seus usuários oferecem para que os acontecimentos em rede sejam construídos, a
partir da resposta que os indivíduos dão à pergunta proposta pelo Twitter “O que
está acontecendo agora?” e aos compartilhamentos feitos por eles.

           No capítulo quatro, o caso proposto é estudado a partir das perspectivas
tratadas nos capítulos anteriores. Dessa forma, é possível ver como a morte de
Osama Bin Laden foi construída por meio de uma plataforma em rede e como isso
se repercutiu e interferiu na mídia tradicional. Através do método de observação
sistemática, foram analisadas publicações em sites de notícia que tratavam a
relação entre o ataque e morte de Bin Laden e a sua repercussão no Twitter, bem
como os perfis de dois usuários citados em algumas dessas matérias.

           Com isso, foi possível compreender qual o papel do Twitter e seus
usuários na construção de um acontecimento de repercussão global e como isso se
reverberou para outros meios – no caso, no âmbito do jornalismo online.

           Por fim, é apresentada no último capítulo a conclusão sobre a
participação dos diversos atores na construção dos acontecimentos midiáticos no
Twitter, acerca da filtragem e compartilhamento das informações, alcançando
visibilidade na rede.
9

2 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO EM DINÂMICA DE REDE

2.1 Sobre a noção de acontecimento midiático

            A noção de acontecimento pode ser descrita sumariamente como “tudo
aquilo que irrompe na superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória
de factos virtuais” (RODRIGUES, 1993, p. 27). Enquanto o fato é toda e qualquer
ocorrência da vida cotidiana, o acontecimento se destaca em meio à realidade e
rompe com a rotina de forma inesperada.

            De acordo com José Rebelo (APUD BERGER & TAVARES, 2010), para o
fato ser considerado acontecimento, ele deve aliar-se a seu potencial de atualidade
e pregnância. Sendo que a noção de atualidade está relacionada à produção do
acontecimento em si no espaço e tempo, enquanto a pregnância relaciona-se com a
ruptura causada na normalidade.

            A diferenciação entre fato e acontecimento é particularmente relevante
nos estudos sobre jornalismo. Mas, segundo Berger e Tavares (2010), não é
possível fazer separação rigorosa entre acontecimento cotidiano e acontecimento
jornalístico, já que, como afirma Mouillaud (1997), o acontecimento cotidiano é a
substância que mantém o ecossistema da mídia, que funciona de forma a selecionar
e transformar os acontecimentos a serem noticiados. O acontecimento jornalístico
diz respeito, de acordo com Berger e Tavares (2010), à construção do
acontecimento em forma de notícia.

            Elton   Antunes   (2007)   dispõe,   ao   diferenciar   acontecimento   de
acontecimento jornalístico, que o primeiro funciona “como uma ocorrência inicial que
demanda a construção de uma interpretação” (ANTUNES, 2007, p. 30) e essa
interpretação se dá, para o autor, na forma de acontecimentos jornalísticos.
Segundo Antunes, enquanto o acontecimento cotidiano se dá pela ruptura, o
acontecimento jornalístico se dá pela marcação, pois este é um fato assinalado e
selecionado segundo os critérios de noticiabilidade determinados pela prática
jornalística.
10

           Berger e Tavares dissertam, ao falar do acontecimento jornalístico, que a
hermenêutica jornalística pode ser explicada, em primeiro lugar, pela necessidade
do ser humano de “falar (a alguém) sobre o que acontece no mundo” (BERGER &
TAVARES, 2010, p. 131), necessidade esta que não é exclusiva da mídia, mas é
intrínseca ao ser humano.

           Adriano Duarte Rodrigues (1993) aborda o acontecimento jornalístico
como sendo um acontecimento de natureza peculiar que compõe um conjunto
limitado, pertencente a um universo muito vasto de acontecimentos e é a sua
notabilidade que o torna digno de ser registrado como notícia. Para o autor, são três
os fatores que atuam no processo de tornar os acontecimentos notáveis e, logo,
noticiáveis: o excesso, a falha e a inversão.

           O excesso, característica mais comum, refere-se ao funcionamento
atípico da norma e na forma excessiva do funcionamento natural dos corpos. A
falha, por sua vez, está relacionada ao defeito no funcionamento regular. Já a
inversão caracteriza-se pelo chamado acontecimento boomerang, como no
simbólico exemplo, dado por Rodrigues (1993), do dono que morde seu cão ao invés
de ser mordido por ele.

           Lage (2011) afirma que é através da mídia que “as causas, o cerne, a
dinâmica e as consequências, enquanto componentes imprescindíveis para a
inteligibilidade do acontecimento, são-nos dadas” (LAGE, 2011, p. 3), já que o papel
da mídia não está apenas na publicização do acontecimento, mas, também, em
construí-lo. E é por meio dos meios de comunicação de massa que os
acontecimentos podem marcar sua presença e obter visibilidade (NORA APUD
LAGE, 2011), devido à projeção em larga escala que a mídia faz dos
acontecimentos.

           O acontecimento, quando adquire grande visibilidade nos meios de
comunicação, passa a caracterizar-se como acontecimento midiático. Para Daniel
Dayan, “eventos midiáticos [...] convidam seu público a deixar de ser espectadores e
a se tornar testemunhas ou participantes de uma performance da televisão”
(DAYAN, 2009, p. 25, tradução nossa).
11

          Há dois grandes incentivadores que estimulam a visibilidade e tornam o
acontecimento, um acontecimento midiático: o imprevisto, que desestabiliza o
sistema da normalidade, criando acontecimentos essencialmente midiáticos por seu
caráter acidental e inesperado; e o agendado que pode ser programado – evento
anunciado previamente – ou suscitado – evento induzido para tornar-se notícia
(BERGER & TAVARES, 2010).

          Os acontecimentos programados são eventos públicos, o casamento de
uma celebridade ou a estreia de um filme. Os acontecimentos suscitados, por sua
vez, são planejados por indivíduos que não a mídia, mas para a mídia.

          Esse foi o caso do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center no
dia 11 de setembro de 2001: a intenção era chamar a atenção de todas as câmeras
e meios de comunicação para o acontecimento em curso. Por isso, o intervalo de
quase trinta minutos entre o choque do primeiro avião à Torre Norte e o segundo
avião à Torre Sul: o primeiro choque atraiu as lentes das câmeras e os olhares dos
espectadores diante da televisão e o segundo choque foi um espetáculo transmitido
ao vivo pela televisão de Nova York para o mundo.

          Segundo Cláudia Álvares, com relação ao acontecimento de 11 de
setembro, “o ritual mediático ao qual dá origem foi, em parte, ditado pelo „outro‟, com
o intuito de utilizar os media como espaço público de contestação, combate e
confronto em tempo real” (ÁLVARES, 2005, pp. 56-57).

          Há também os casos em que a própria mídia afeta o acontecimento ao
midiatizá-lo. Um exemplo dessa afetação é o sequestro do ônibus 174, ocorrido em
2000, em que um assalto ao ônibus tornou-se um sequestro de grandes proporções,
pelo fato de o sequestrador perceber a presença da mídia ao entorno do ônibus e
decidir, por isso, adequar suas ações ao espetáculo que o fato se tornara.



                     Ao notar a presença das câmeras de TV, o próprio seqüestrador
                     estabelece estratégias de comunicação com o público: ele força uma
                     das reféns a escrever com um batom, no pára-brisa do ônibus, frases
                     como, “ele vai matar todo mundo”; encena dramatizações de maus
                     tratos às vítimas e simula a morte de outra refém, ordenando que o
12

                     grupo demonstrasse pânico. [...] o seqüestro do ônibus tomou
                     proporções de [...] características de “espetáculo”, exatamente por
                     causa da audiência, estimada em 54 milhões de espectadores
                     (MAIA, 2006, p. 03).




          Rodrigues (1993) lembra, por sua vez, que a própria visibilidade é um dos
fatores que atribui notoriedade aos acontecimentos, ao fazer deles acontecimentos
midiáticos:



                     É o próprio discurso do acontecimento que emerge como
                     acontecimento notável a partir do momento em que se torna
                     dispositivo   de   visibilidade   universal,   assegurando   assim   a
                     identificação e a notoriedade do mundo, das pessoas, das coisas,
                     das instituições [...] O que torna o discurso jornalístico fonte de
                     acontecimentos notáveis é o facto de ele próprio ser dispositivo de
                     notabilidade (RODRIGUES, 1993, p. 29).




          Essa característica de os meios de comunicação atribuírem notoriedade
aos acontecimentos fez-se presente no exemplo do sequestro do ônibus 174, ao
considerar que assaltos a ônibus não eram fatos que atraíam a atenção da mídia em
situações comuns, pela sua grande frequência em cidades como o Rio de Janeiro.
Mas a visibilidade conferida durante as mais de quatro horas de transmissão ao vivo
não só afetou o fato, em si, mas atraiu o interesse público – além da comoção da
sociedade – para um acontecimento que era, a princípio, quando limitava-se a um
assalto, considerado parte do cotidiano.

          A visibilidade midiática permite que acontecimentos ampliem sua
dimensão pública, interferindo em suas possibilidades interacionais, que se
expandem para além da copresença espaço-temporal, como afirma Thompson:



                     Um indivíduo não precisa mais estar presente no mesmo âmbito
                     espácio-temporal para que possa ver um outro indivíduo ou para
13

                     acompanhar    uma    ação   ou   acontecimento:    uma    ação   ou
                     acontecimento pode fazer-se visível para outras pessoas através da
                     gravação e transmissão para os que não se encontram presentes
                     fisicamente no lugar e no momento do ocorrido (THOMPSON, 2008,
                     pp. 20-21).




          É do conjunto das emissões da mídia por uma gama diversa de
conteúdos, da qual o jornalismo é apenas um elemento, que a visibilidade midiática
é composta. A mídia é um instrumento que conecta a sociedade, gerando essa
interação que independe da copresença (THOMPSON, 2008).

          Daiana de Oliveira Martins afirma que os meios de comunicação operam,
diariamente, na divulgação de fatos que adquirem o caráter de acontecimento ao
gerar notícias e reproduzi-las em larga escala (MARTINS, 2009). As tecnologias
apoiadas, sobretudo, na Internet, para Muniz Sodré (2006), não modificam a noção
de media, tornando-se os principais ambientes canalizadores das interações virtuais.

          Isso porque os meios de comunicação não são apenas plataformas
responsáveis pela publicização dos acontecimentos, mas “apresentam-se como
moduladores das formas de vida e de visão de mundo” (FLORES & BARICHELLO,
2009, p.4) ao serem tomados como novas possibilidades de atuação com suas
lógicas de funcionamento, uso e significados. Essa visão de mundo, para as autoras,
está relacionada com a produção discursiva da sociedade:



                     Na contemporaneidade, o elevado nível de crescimento da
                     tecnologia impulsiona juntamente com outros fenômenos sociais e
                     culturais uma aceleração das formas de vida. É notável também um
                     tratamento mais superficial e veloz dado às questões-chave da
                     sociedade e às relações sociais, como se tudo acontecesse numa
                     atmosfera de agitação e fluidez materializada nos constantes e
                     instantâneos estímulos visuais e sonoros aos quais os indivíduos são
                     submetidos cotidianamente (FLORES & BARICHELLO, 2009, p. 3).
14

          As tecnologias resultam em novas formas de relacionamento entre o
indivíduo e o mundo e em novos processos comunicacionais, os quais não são
determinados pelos aparatos tecnológicos em si, mas constituídos na relação entre
os indivíduos e estes aparatos. Esta relação, expressa na dinâmica de inúmeros
fenômenos sociais e culturais contemporâneos, traz transformações na sociedade,
como se observa desde o surgimento da fotografia, do cinema e da televisão – a
chamada era das imagens.

          As relações humanas, transformadas pelas neotecnologias, tendem a ser
cada vez mais virtualizadas devido à midiatização. A esta midiatização que
transforma as relações humanas, Muniz Sodré define como:



                     uma ordem de mediações socialmente realizadas – um tipo particular
                     de interação, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações
                     – caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e
                     mercadológica da realidade sensível, denominada medium (SODRÉ,
                     2006, p. 20).




          A midiatização transforma e condiciona as experiências vividas “na
medida em que permite hibridizações com outras formas vigentes no real-histórico”
(SODRÉ, 2006, p. 21), caracterizando-se inclusive, segundo o autor, como
“tecnocultura”. A midiatização resulta numa mediação social exacerbada, quando
comparada às formas interativas das mediações tradicionais.

          Os efeitos dos meios de comunicação têm se tornado cada vez mais
intrínsecos aos próprios acontecimentos e a presença destes, mais constantes. A
midiatização da sociedade tem ocorrido, principalmente, com o advento de novos
dispositivos tecnológicos que, hoje, permeiam ou ao menos afetam a maior parte
das interações sociais.

          O termo midiatização pode se referir, segundo José Luiz Braga (2006),
tanto aos processos de interação social que passam a ser desenvolvidos segundo
as lógicas da mídia, quanto à midiatização da própria sociedade. Isso porque
15

                       a sociedade constrói a realidade social através de processos
                       interacionais pelos quais os indivíduos e grupos e setores da
                       sociedade se relacionam [...]. Construímos socialmente a realidade
                       social exatamente na medida em que, tentativamente, vamos
                       organizando possibiblidades de interação (BRAGA, 2006, p. 3).




          As interações e os processos sociais, quando desenvolvidos a partir das
lógicas de funcionamento da mídia, iniciam o processo de midiatização da
sociedade.      Esse   processo,   ainda   em   continuidade,    tem relação     com o
desenvolvimento de novas tecnologias não só porque a tecnologia incita o processo
de midiatização, mas porque esta é um processo social que gera a tecnologia. Como
afirma Braga (2006), a própria sociedade, que está em processo de midiatização,
tem necessidade de tecnologia.

          A Internet ampliou a importância das novas formas de visibilidade que
foram criadas pela própria mídia e tornou-as mais complexas. Afinal, essa revolução
tecnológica não introduz apenas novas máquinas, mas um novo modo de produzir e
de comunicar, novas sensibilidades e novos modos de percepção da linguagem
(MARTÍN-BARBERO, 2006).

          Ao falar das novas tecnologias e as mudanças que essas trazem para a
socialidade, Thompson (2008) diz que o avanço da tecnologia dos meios de
comunicação institui novos campos de ação e interação, envolvendo novas formas
de visualidade e podendo tomar caminhos imprevisíveis. Essas novas formas de
visibilidade, trazidas por essa exacerbação midiática, possuem características que
variam de um meio para outro, moldadas pelos aspectos sociais e técnicos e pelas
formas de interação possíveis por cada um deles.

          Segundo Leandro Lage (2011), pensar o acontecimento no contexto
dessa sociedade midiatizada é pensar que o interesse não está primordialmente no
acontecimento em si, mas em promovê-lo para que este penetre a esfera midiática.
Para o autor,
16

                     a mediatização instaura uma condição em que os acontecimentos
                     não são mais simplesmente anteriores à apreensão jornalística
                     enquanto forma de julgamento daquelas rupturas no curso das
                     coisas. As ocorrências são, muitas vezes, medidas e pesadas para
                     que ganhem espaço na esfera de visibilidade midiática. (LAGE, 2011,
                     p. 8).




          Uma característica importante da comunicação midiática contemporânea
é explicada por Charaudeau, quando este afirma que a transmissão e o consumo do
acontecimento    estão   cada     vez   mais    consubstanciais    ao   seu    surgimento
(CHARAUDEAU APUD FONSECA & VIEIRA, 2011).

          Apesar de não se caracterizar, necessariamente, pela copresença
espaço-temporal, a comunicação midiática contemporânea carrega o caráter da
cotemporalidade, segundo Fonseca e Vieira (2011), na medida em que aproxima o
instante do surgimento do acontecimento e o instante do consumo da notícia.

          Considerar     o    cenário   da    sociedade   midiatizada   na    análise   do
acontecimento midiático implica em rever as diferentes formas de interação social e
como as mídias comunicacionais tem-nas transformado. O livro de Thompson, A
Mídia e A Modernidade (1999), é uma referência recorrente nesta discussão. Nesse
livro, o autor aborda as diferenças entre a interação face a face, interação mediada e
a quase-interação mediada. Para o autor, a interação face a face se caracteriza pelo
compartilhamento de mesma estrutura de espaço e tempo, numa situação de
copresença, o fluxo comunicacional é dialógico e há multiplicidade de referências
simbólicas: palavras, gestos, entonação e expressões, por exemplo.

          As mídias comunicacionais trouxeram novas formas de interação com
características intrinsecamente diferentes. Thompson chama de interação mediada
atividades como a escrita de cartas e a conversa ao telefone, que são atividades que
“implicam uso de um meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas,
etc.) que possibilitam a transmissão de informação e conteúdo simbólico para
indivíduos situados remotamente          no    espaço,    no   tempo,   ou    em ambos”
(THOMPSON, 1999, p. 78). As interações mediadas fogem da copresença, reduz as
referências simbólicas, mas mantém o caráter dialógico.
17

           À interação gerada pelos meios de comunicação de massa, Thompson
(1999) dá o nome de quase-interação mediada. Em discussão posterior, ele
argumenta que é “altamente monológica e que envolve a produção de formas
simbólicas direcionadas a um espectro indefinido de receptores em potencial”
(THOMPSON, 2008, p. 19). Há, também, escassez de referências simbólicas e
distensão da interação no tempo e no espaço. Essas características não excluem o
fato de os meios de comunicação de massa gerarem, sim, interação e vínculos
sociais.

           O autor acrescenta, nesta discussão posterior, características da
comunicação mediada por computador. Thompson (2008) a analisa de forma
semelhante às formas de interação e quase-interação mediada. A interação mediada
por computador consegue mesclar diversas das características dos outros tipos de
interação. Quanto à relação espaço-tempo, ela pode tanto presumir um contexto de
copresença, quanto a sua separação e também proporcionar uma disponibilidade
estendida no tempo e no espaço. As deixas simbólicas são mais limitadas que na
interação face a face, mas ainda mantém o seu caráter de multiplicidade. A
comunicação mediada por computador pode se dar de forma dialogal ou
monológica, com interlocutores definidos ou pressupondo um número indeterminado
de receptores potenciais. Isso acontece porque são diversas as situações de
interação proporcionadas por tais tecnologias que vão desde a troca de e-mails e
mensagens instantâneas aos blogs, por exemplo (THOMPSON, 2008).

           Falar de interação mediada por computador implica em falar numa
interação em rede, na qual a midiatização da sociedade contemporânea é tecida. E
é nessa interação em rede, também, que se processam os acontecimentos
midiáticos, em conexões de mídias digitais. E, para entendê-los, é primordial
compreender o funcionamento e a dinâmica dessa rede.


2.2 Dinâmica de rede

           Para entender a dinâmica de rede, é preciso, primeiramente, conhecer os
elementos que a compõem. Uma rede é formada, essencialmente, por dois
elementos: os nós e as conexões entre eles. Sendo assim, as redes se caracterizam
18

pela topologia, pela sua estrutura, isto é, apenas as relações entre os pontos são
consideradas, como enfatiza Virgínia Kastrup:



                         Pouco importam suas dimensões. Pode-se aumentá-la ou diminuí-la
                         sem que perca suas características de rede, pois ela não é definida
                         por sua forma, por seus limites de extremos, mas por suas conexões,
                         por seus pontos de convergência e de bifurcação. Por isso a rede
                         deve ser entendida com base numa lógica das conexões, e não
                         numa lógica das superfícies. (KASTRUP, 2004, p. 80).




            O conceito de rizoma, trazido por Deleuze e Guattari (1995), se destaca
dentre as figuras topológicas da rede, sobretudo quando se trata de rede social.
Esse conceito busca abranger a multiplicidade de conexões assimétricas, com seus
fluxos    de    comunicação        não-regulares,       e   caracteriza      um    alto    grau    de
imprevisibilidade.

            Uma das principais características desse conceito, descrita por Deleuze e
Guattari (1995; APUD KASTRUP, 2004), refere-se ao princípio de conexão, que
sustenta que qualquer nó pode se conectar a qualquer outro. Dessa forma, é
impossível identificar um gerador único de informação. O rizoma não obedece ordem
hierárquica. Ele se caracteriza pela multidirecionalidade: cresce em todas as
direções. “As conexões ou agenciamentos provocam modificações nas linhas
conectadas, imprimindo-lhes novas direções, condicionando, sem determinar,
conexões futuras” (KASTRUP, 2004, p. 81).

            Outro princípio de funcionamento do rizoma que vale ser destacado é o
princípio da heterogeneidade de seus nós, em que relações e sentidos são
estabelecidos de formas diversas: a linguagem é apenas uma das muitas linhas que
dele fazem parte (DELEUZE & GUATTARI, 1995; KASTRUP, 2004)1.




1
  Além dos princípios da conexão e da heterogeneidade, Deleuze e Guattari (1995) descrevem mais
quatro princípios do rizoma: princípio da multiplicidade, da ruptura, de cartografia e de decalcomania.
Os dois primeiros princípios foram destacados por serem mais pertinentes à discussão proposta pelo
trabalho.
19

          Para a abordagem proposta neste trabalho, as redes que serão tratadas
são as redes sociais na Internet, que são redes criadas pela interação mediada pelo
computador, ao conectar pessoas e organizações, transformando as formas de
identidade, conversação e mobilização social. No caso das redes sociais, os nós são
representações, geralmente individualizadas e personalizadas, de atores sociais,
que são os indivíduos envolvidos na rede, que moldam as estruturas sociais
(RECUERO, 2009; 2010). As conexões se dão através da interação social entre os
atores mediada pela Internet, nas suas mais diversas formas.

          Recuero (2009) lembra que as redes sociais na Internet não devem ser
confundidas com os sites que as suportam. Na verdade, os chamados sites de redes
sociais podem abarcar várias delas e as publicizam. Orkut, Facebook e o próprio
Twitter, por exemplo, são sites que dão suporte a diversas redes sociais que se
apropriam dos sistemas oferecidos por eles.

          Para entender parte da dinâmica das redes sociais, Capra (2008),
comparou-as com as redes biológicas e destacou suas principais características. A
primeira delas é a autogeneração: as redes sociais criam-se, recriam-se e passam
por transformações estruturais contínuas. As redes sociais, como redes de
comunicação, geram estruturas imateriais – pensamentos e significados, regras e
comportamentos compartilhados, as estruturas de sentidos – e materiais – quando
se refere à documentação, como é o caso dos textos escritos. Para Capra (2008),
essas estruturas são “incorporações de sentido compartilhado gerado pelas redes
de comunicações da sociedade” (p. 27).

          Outra característica descrita pelo autor refere-se aos limites da
identidade. As interações mútuas entre os diversos nós da rede criam um sistema
compartilhado de sentido e conhecimento: a cultura. E é através dela que a rede
gera seu próprio limite de identidade, “o qual é permanentemente mantido e
renegociado pela rede de comunicações” (CAPRA, 2008, p. 23). São regras de
comportamento produzidas pela própria rede social e impõem restrições ao
comportamento dos seus próprios membros.

          Os estudos de Raquel Recuero (2010) convergem com o que é dito por
Capra (2008) ao dizer que as redes sociais estão sempre sofrendo modificações.
20

Modificações estas que são influenciadas pelas interações entre os atores. Thacker
(APUD RECUERO, 2010) afirma que “as redes são inerentemente dinâmicas, com
mudanças constantes e variáveis, ambas dentro da composição dos nós individuais
e das relações entre os nós” (p. 80).

          Um aspecto da dinâmica de rede social destacada por Recuero (2010) é
quanto à sua emergência. Essa característica está relacionada ao surgimento de
comportamentos coletivos, que vêm de baixo para cima. Em sistemas complexos
tais como as redes sociais, esses comportamentos emergentes e coletivos serão
evidenciados e serão capazes de impactar a estrutura da rede.

          Fenômenos emergentes essenciais para a manutenção dessa dinâmica
das redes sociais são a cooperação, a competição e o conflito. A cooperação é, para
Recuero, o “processo formador das estruturas sociais” (RECUERO, 2010, p. 81). O
conflito tende a gerar hostilidade, desgaste e ruptura na estrutura social (caso
supere a cooperação). A competição é caracterizada pela luta, mas não está
necessariamente relacionada à hostilidade do conflito; pode, inclusive, gerar
cooperação entre os membros de uma mesma rede.

          Outros comportamentos emergentes citados pela autora são a agregação
e o rompimento de indivíduos com a estrutura da rede social, além da auto-
organização e adaptação da própria rede.

          Há alguns valores e aspectos, mencionados por Recuero (2010) que são
intrínsecos às redes sociais na Internet, devido ao caráter da comunicação mediada
por computador. O primeiro é o valor da visibilidade. Ao permitir que os atores
sociais estejam mais conectados, os sites de redes sociais na Internet provocam um
aumento da sua visibilidade. Desta forma, quanto mais visível é o ator, maior a
probabilidade de ele receber certas informações que estejam, porventura, circulando
em meio à rede.

          O valor da reputação está muito ligado à visibilidade. Refere-se à relação
entre um nó e aqueles para os quais está visível e à percepção deste construída por
eles. É a consequência das impressões emitidas e percebidas. Desta forma, a
reputação constrói uma noção de confiança naquela interação.
21

           A popularidade refere-se à audiência, ao grau de centralidade de um nó
dentro da rede, já que um nó central possui mais pessoas a ele conectadas. Devido
a essa centralidade, esse ator social com maior grau de centralidade tende a ter
uma maior capacidade de influência que outros atores pertencentes à mesma rede.

           A esse poder de influência, dá-se o nome de autoridade, o último valor
descrito por Recuero (2010). Também está fortemente relacionado à reputação, já
que transmite a ideia de confiança.

           Mais um aspecto que caracteriza as redes sociais na Internet é quanto à
circulação de informações. A estrutura das redes influencia e causa alterações na
circulação de informações (RECUERO & ZAGO, 2011) e a Internet permite que,
como resultado das interações nas redes sociais e da sua dinâmica, os processos
de difusão de informações emirjam, geralmente, como coloca Recuero (2010), “de
forma quase epidêmica, alcançando grandes proporções tanto on-line quanto off-
line” (p. 116).

           Raquel Recuero e Gabriela Zago (2011) destacam que o valor não está
na informação em si, mas no acesso a ela e ao seu conteúdo. E são três os
elementos, de acordo com Burt (APUD RECUERO & ZAGO, 2011), que traz o
referido valor: o acesso, o tempo e as referências. O acesso refere-se à obtenção de
informações que sejam relevantes. O tempo tem relação com a velocidade do
acesso, com o recebimento de informações antes dos demais atores da rede social.
Esse é um elemento importante, porque “se uma informação nova é colocada na
rede, ela tende a receber mais atenção”, afirmam Recuero e Zago (2011, p. 4). As
referências se relacionam com processo de filtragem das informações recebidas e
com a legitimação das que lhes são interessantes.

           Com a liberação do polo da emissão, a mídia de massa não mais detém
por completo o poder da informação. Esse poder é compartilhado com mídias
sociais na perspectiva da circulação dos acontecimentos midiatizados. Juntamente
com os sites de redes sociais na Internet, surgiram, também, novas formas de
produzir informações e fazê-las circular (Recuero, 2011). Dessa maneira, os próprios
atores criam e difundem as informações dentro da rede social da qual fazem parte. A
própria tecnologia e características dos sites de redes sociais contribuem para esse
22

processo de criação e circulação de informação, ao proporcionar a publicização e
interconexão social.



                       Essa nova "dimensão" de rede social também passou a ser utilizada
                       em serviços informativos modificando os fluxos informacionais
                       também no ciberespaço. Sites como o Twitter, o Facebook e, mais
                       recentemente, o Google+ passaram assim a dar também uma nova
                       dimensão informativa para a sociedade, gerada pela construção e
                       pelo espalhamento das informações pelas redes sociais suportadas
                       pelas ferramentas. Com isso, ferramentas cujo princípio basilar seria
                       social passam a ter um novo valor informativo diferenciado.
                       (RECUERO, 2011, p. 6).




          Esses fragmentos de informação reconhecíveis que sobrevivem e são
reproduzidos e difundidos pelos próprios atores através das redes sociais na Internet
são chamados de memes (RECUERO, 2010). A partir dessa perspectiva, o meme é
parte da dinâmica social da rede e é potencializado por ela. E, para compreender
como essas informações são compartilhadas e difundidas por meio das redes
sociais, vale salientar a classificação dos memes proposta por Recuero (2010). A
autora classifica-os segundo quatro características, que são essenciais à
sobrevivência dos memes: fidelidade da cópia, longevidade, fecundidade e alcance.

          A fidelidade está relacionada à capacidade de o meme gerar cópias
semelhantes ao original e demonstra o valor interacional do meme, devido ao fato de
se referir à participação dos atores na personalização e alteração dos memes e às
trocas sociais. Neste quesito, os memes podem ser replicadores – passam por
variação reduzida, com principal função de informar um fato –, metamórficos –
sofrem por alterações e reinterpretações completas, com função principal de
discussão da informação compartilhada, incentivando a interação – ou miméticos –
sofrem transformações, mas a estrutura dos memes permanece a mesma, sendo
facilmente reconhecidos como imitações e tem como característica principal o fato
de permitir a personalização.
23

           A longevidade se caracteriza pela capacidade do meme de permanecer
ao longo do tempo e, apesar de não indicar o valor construído pelo meme, mostra o
grau de valor agregado a ele: “Quanto mais tempo um meme permanece, mais valor
agregado está à sua difusão” (RECUERO, 2010, p. 127). Os memes podem ser,
nessa perspectiva, persistentes – continuam sendo difundidos e compartilhados
durante um largo espaço de tempo ou voltam a serem compartilhados depois de
terem desaparecido por um tempo – ou voláteis – têm um curto período de difusão
ou são modificados a ponto de se tornarem novos memes.

           Já a fecundidade de um meme se refere à sua capacidade de gerar
cópias de si mesmo. Os memes são epidêmicos – aqueles que apresentam alto grau
de difusão nas redes sociais, geralmente determinados por modismos – ou fecundos
– não chegam a se caracterizar como epidêmicos, mas se espalham por grupos
menores.

           A última característica essencial dos memes, descrita por Recuero (2010),
é quanto ao alcance do meme na rede. Eles podem ser globais – alcançam nós
distantes entre si, mesmo que não sejam caracterizados como fecundos,
transitando, em sua maior parte, pelos laços fracos da rede – ou locais – ficam
restritos a poucos nós que são mais próximos, através, geralmente, de laços fortes,
o que não impede que se tornem memes globais.

           É importante destacar, ao se tratar de compartilhamento através das
redes sociais, que esta não é uma cultura inaugurada com a Internet. O
compartilhamento e a troca de informações fazem parte da interação da sociedade e
de toda dinâmica cultural (LEMOS, 2004). Mas a cultura que gira em torno da
Internet é fruto das facilidades de cooperação e troca de arquivos e informações.
Lemos (2004) considera natural que a cultura do compartilhamento se estabeleça de
forma tão forte no ciberespaço, pelo fato de a Internet ser um ambiente social em
rede que é aberto, lugar de contato e interação, caracterizando, como já
mencionado, a liberação do polo da emissão.

           É nessa interação, a partir do compartilhamento de informações através
das redes sociais na Internet, e na integração entre lógicas jornalísticas e lógicas de
redes sociais conectadas que se dão os acontecimentos em rede, aqui investigados.
24

2.3 Acontecimento midiático em rede

            O acontecimento se institui sempre segundo as dinâmicas e lógicas de
funcionamento desse ambiente no qual se engendra. Pierre Nora (APUD HENN,
2011) sugere que a sua natureza passa a conter as dinâmicas dos meios em que ele
se forma.

            A Internet torna-se, então, uma ambiência de geração e de divulgação de
acontecimentos,      que   são    chamados,      por    Ronaldo     Henn     (2011)    de
webacontecimentos:



                      Neste cenário propõe-se o termo webacontecimento para designar
                      acontecimentos que se constituem a partir de lógicas específicas das
                      plataformas instituídas no ambiente da web tanto no que diz respeito
                      à sua produção quanto à sua disseminação. (HENN, 2011, p. 7).




            Algumas características são próprias desses acontecimentos em rede, ou
webacontecimentos, ao tratar tanto da produção, quanto da difusão destes através
das redes sociais.

            O primeiro ponto a ser destacado é quanto ao papel dos atores sociais na
divulgação. Enquanto a prática do jornalismo tradicional detinha o poder de escolha
dos acontecimentos que ganhariam visibilidade midiática por meio do jornalismo,
segundo os critérios de noticiabilidade, no caso do acontecimento em rede, a
escolha é muitas vezes feita pelos usuários, segundo o que lhes interessa na rede,
seja a escolha referente a acontecimento jornalístico ou não. Os atores sociais,
representados em cada nó das redes sociais, filtram as informações no momento de
compartilhá-las com os atores a eles conectados – que, por sua vez, têm o poder de
ampliar a propagação de tais acontecimentos em suas redes específicas. Trata-se,
assim, de acontecimentos que se expandem em conexões entre redes de redes na
Internet. E é através dessas mediações sobrepostas que os acontecimentos em
rede se propagam.
25

          Dessa forma, o acontecimento que circula nas redes sociais pode
conquistar grande visibilidade midiática, independente de terem sido tematizados
pelos meios de comunicação de massa tradicionais. Muitas vezes, as mídias
tradicionais veem-se impelidas a tratar de acontecimentos em rede que conquistam
grande visibilidade nas conexões de mídias digitais, incorporando-os como parte da
sua própria agenda (HENN, 2011; ANTOUN & MALINI, 2010). E essa visibilidade
relaciona-se, em parte, com a velocidade com que a circulação e difusão de
informações na rede ocorre, muitas vezes com repercussão seja imediata.

          A visibilidade de um acontecimento adquirida em redes sociais na Internet
o tornam um acontecimento midiático e, ao ser abordado como pauta jornalística,
configura-se como acontecimento jornalístico. Com isso, o acontecimento alcança
ainda mais visibilidade, o que faz dele ainda mais presente nas discussões e
compartilhamentos nas redes sociais na Internet. O inverso também acontece, na
medida em que um acontecimento jornalístico, por sua visibilidade e característica
de acontecimento midiático, é divulgado e discutido nas redes da Internet,
conquistando maior visibilidade e audiência e, por isso, é novamente veiculado por
meio do jornalismo tradicional.

          Outra característica dos acontecimentos midiáticos em rede se refere às
novas configurações espaço-temporais que são estabelecidas. A instantaneidade
com que as informações são divulgadas nos sites de redes sociais na Internet faz
com que o fator da atualidade seja ainda mais valorizado quando tratamos de
acontecimento em rede. Afinal, informações mais recentes tendem a ser mais
valorizadas e a receber mais atenção e visibilidade na rede. E essa urgência do que
é instantâneo e a dinâmica do fluxo de conteúdo no tempo ultrapassam as barreiras
espaciais, que são suprimidas num grau cada vez mais rápido (HENN, 2011).

          Algumas outras características da produção e difusão do acontecimento
em rede estão diretamente relacionadas à plataforma (ou plataformas) de rede
social na qual ele circula. No presente trabalho, o caso é analisado com base na sua
circulação no Twitter e, para que isso aconteça, o próximo capítulo aprofundará em
questões específicas desse site de redes sociais.
26

3 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER


3.1 O Twitter como ambiente sociocomunicacional em rede

       Como um site de redes sociais, o Twitter é uma ambiência que oferece
interação entre diversos atores sociais que se conectam em diversas instâncias.
Através de curtas publicações, reproduções de postagens já feitas ou estabelecendo
relações de amizade, por exemplo, os usuários do site interagem, criando laços
entre si.

       O site foi lançado em julho de 2006 e é estimado que tenha cerca de 140
milhões de contas ativas no mundo inteiro2. A forte adesão social tem sido um
grande diferencial do Twitter quando comparado a outras plataformas semelhantes
oferecidas por outros sites.


3.1.1 O serviço de microblogging

            O Twitter foi criado com o propósito de microblogging, isto é, uma forma
de publicação de blog que permite que os usuários façam atualizações curtas – no
caso do Twitter, o limite é de 140 caracteres, mas outros serviços podem estender o
limite até 200 caracteres, geralmente.

            Dois outros sites ofereciam serviços semelhantes ao Twitter: o Jaiku e o
Pownce. O Jaiku foi lançado em fevereiro de 2006 e comprado pela Google em
2007. Porém, a Google passou, em 2009, a não mais se responsabilizar pelo
desenvolvimento da ferramenta, que teve seu desenvolvimento feito, a partir daí, por
voluntários. Com o lançamento do serviço Google+ e a baixa adesão ao Jaiku, a
plataforma foi fechada em janeiro de 2012. O Pownce teve ainda menos tempo de
existência: foi lançado em junho de 2007 e fechou em dezembro de 2008, apesar de
ter recebido boas críticas quando comparado ao Twitter, principalmente por ser

2
 Esse dado foi divulgado no blog do Twitter, em março de 2012, apesar de a empresa não divulgar o
número exato de contas criadas (Disponível em: http://blog.twitter.com/2012/03/twitter-turns-six.html.
Acesso em: 19 de maio, 2012). Outras empresas realizam estudos com estimativas do número de
perfis criados, como é o caso da Semiocast (http://semiocast.com) que estimou que o Twitter tem 383
milhões de contas criadas, sendo que o Brasil é o segundo país com maior número de perfis criados
– 33,3 milhões (Acesso em: 15 de maio, 2012).
27

considerado melhor na capacidade de monitoramento de discussões dentro do site3.
O seu fechamento também foi devido à incapacidade de concorrer com o Twitter.

          Algumas     outras   plataformas    de   microblogging    pouco    populares
permanecem até hoje, como é o caso do Confabular4 e Camping Club5, que utilizam
a ferramenta de software livre StatusNet6, plataforma que oferece integração ao
Twitter, ao mesmo tempo que se propõe como uma alternativa a ele. Dessa forma,
esses sites acabam por referenciar o Twitter como sendo a maior plataforma de
microblogging.

          Um dos principais fatores do sucesso do Twitter pode ser atribuído à forte
adesão social a ele. O grande número de usuários participantes do site, desde o seu
início, fez com que outros indivíduos já conectados a eles de alguma forma fossem
atraídos pela plataforma em detrimento de outra semelhante. A vantagem do Twitter
de oferecer acesso a partir de aparelhos móveis – como celulares e tablets –
também contribui para que ele tenha mais popularidade que outros microblogs.

          Recuero e Zago (2009), porém, renunciam a essa definição do Twitter
como um microblog pelo fato de a plataforma diferir do sistema de blog em aspectos
que vão além da extensão das publicações. Por esse motivo, as autoras optam por
se referir ao site como um serviço de micromensagens.

          Algumas dessas diferenças entre plataformas como o Twitter e os blogs
referem-se à estrutura, à audiência da postagem feita, às informações e
conversações e à temporalidade. Diferem quanto à estrutura no sentido em que,
enquanto os espaços de fala no Twitter são todos iguais, os blogs oferecem espaços
distintos entre quem faz uma publicação e quem a comenta. As diferenças
referentes à audiência das publicações estão relacionadas ao fato de que por mais
que o acesso ao perfil do Twitter seja público, a postagem é, geralmente, destinada
apenas aos seguidores do perfil em questão, enquanto as publicações feitas em
blogs são sempre abertas a qualquer indivíduo. As informações e conversações são


3
  Como apresentado por Rafe Needleman, numa matéria que comparava o Pownce ao Twitter,
mencionando também o Jaiku. Disponível em: <http://news.cnet.com/8301-17939_109-9739958-
2.html>. Acesso em: 04 de junho, 2012.
4
  http://www.confabular.com.br
5
  http://www.campingclub.com.br
6
  http://status.net
28

diferentes devido ao fato de que os conteúdos publicados em blogs são, geralmente,
mais aprofundados e completos, enquanto no Twitter as conversações são
resumidas e as informações, breves e rápidas. Já a diferença quanto à
temporalidade refere-se à questão de que postagens antigas feitas em blogs são
facilmente acessadas, enquanto as publicações feitas no Twitter são perdidas e
raramente acessadas, já que os usuários da rede dificilmente recorrem ao que foi
falado no passado, mas valorizam e eternizam o presente.


3.1.2 Características sociocomunicacionais do Twitter

          Pela brevidade do conteúdo publicado no Twitter, característico do serviço
de microblogging ou micromensagem, pouco tempo e esforço é requerido aos
usuários, o que incentiva que o perfil dos usuários seja atualizado com maior
frequência que em um blog convencional: enquanto um blog é geralmente atualizado
uma vez a cada poucos dias, o Twitter pode ser atualizado mais de uma vez por dia
(JAVA et al., 2007). Outra característica que contribui para maior frequência de
atualização é a possibilidade de o site ser acessado de qualquer lugar, através de
aplicativos para celular, por exemplo. Esses fatores favorecem a instantaneidade da
publicação de conteúdo no site: a qualquer hora, de qualquer lugar, com pouco
esforço e tempo necessário.

          É devido às interações em rede que se dão entre os diversos atores
sociais que participam do Twitter, representados pelos seus perfis, que o site se
configura como um site de redes sociais. Essas interações ocorrem, prioritariamente,
de duas formas: seguindo ou sendo seguido. Quando o usuário segue outro, ele vê
todas as suas publicações em tempo real. Da mesma forma, quando este é seguido,
todas as suas postagens são vistas pelo seu seguidor. Essa relação pode ser mútua
– ao seguir e ser seguido por este usuário – ou não.

          Categorizando os usuários segundo o tipo de relações que eles
estabelecem, pode-se afirmar que quando as suas conexões mútuas são
predominantes, o usuário se classifica como amigo, ao manter e priorizar relações
de amizade com os outros indivíduos na rede através, principalmente, de conversas
por meio do site (JAVA et al., 2007). Quando o indivíduo tem um grande número de
seguidores, principalmente quando é mais seguido do que segue outros usuários,
29

trata-se de uma fonte de informações. Mesmo que esse usuário faça publicações
com pouca frequência, o seu número de seguidores permanece alto pela relevância
das suas atualizações para os seus seguidores. Já quanto àqueles que seguem
mais usuários do que são seguidos e não se preocupam tanto com a frequência das
suas postagens, Java et al (2007) classifica-os como buscadores de informação.

          Vale lembrar que o Twitter congrega tanto usuários anônimos, quanto
celebridades. A reputação, autoridade e visibilidade já conquistadas por essas
celebridades fora da Internet são transportadas para a rede. Com isso, esses
indivíduos adquirem rapidamente um grande número de seguidores, que lhes
atribuem ainda mais visibilidade, caracterizando a centralidade desses nós na rede.

          Por outro lado, diversas celebridades surgem a partir do Twitter. Pela
replicação de suas publicações e compartilhamentos, a visibilidade, a autoridade e a
reputação de usuários antes anônimos são aumentadas e, dessa forma, mais
seguidores são adquiridos.

          Outra forma de interação entre os nós das redes sociais acontece por
meio das conversações, que podem ser públicas – com um tuite direcionado ao seu
destinatário, independente de seguir ou ser seguido por ele – ou privadas – através
das direct messages (DMs), que são mensagens enviadas diretamente a um usuário
por quem é seguido.

          Os usuários do Twitter também podem interagir através de retuites, que
são replicações de um tuite, uma espécie de citação de outro usuário. O retuite pode
ser manual – a postagem é antecedida da sigla “RT” e o nome do usuário que fez a
publicação original ou seguida da palavra “via” e o nome do usuário que tuitou o
texto original, podendo ser editado – ou automático, através da opção “retweet” que
o próprio site oferece, que distribui aquela publicação aos seus seguidores. Por ser
uma possibilidade dada pelo próprio sistema, o retuite é o principal facilitador do
compartilhamento e circulação de informações e notícias no Twitter.

          O retuite segue o conceito de fidelidade no compartilhamento do meme.
Quando feito de forma automática, ele se caracteriza pela replicação, ao criar cópias
exatas da informação publicada. Já quando ele ocorre de forma manual, ele permite
a alteração da postagem, dando oportunidade à sua metamorfose.
30

           Essas diversas interações ocorridas no Twitter se dão conforme a
definição de interação mediada por computador de Thompson (2008), em que há
multiplicidade das deixas simbólicas, embora limitadas e oportunidade de
acontecimento de diálogos através das possibilidades de resposta com um tuite
direcionado ou mensagens diretas. Quanto aos interlocutores, eles são, a princípio,
definidos: os seguidores de cada usuário são o público ao qual as mensagens são
destinadas. Porém, ele pode ser aumentado conforme a postagem é retuitada, por
exemplo.

           As informações postadas e circuladas no Twitter são, na maior parte das
vezes, compartilhadas através de links. Esse compartilhamento tem sido muito
facilitado através de ferramentas como o botão de tuite que pode ser incluído em
sites para que, antes, durante ou depois da sua leitura, o visitante do site possa
compartilhar a informação. Outros facilitadores são os encurtadores de URL, que
reduzem o número de caracteres da URL que o usuário deseja compartilhar, para
que seu tuite não ultrapasse o número máximo de 140 caracteres.

           Sobre o espalhamento de informações no site, Recuero e Zago (2011)
defendem que a principal função do usuário quanto ao compartilhamento é, além da
divulgação em si, a filtragem das informações que são divulgadas.



                     Para que a informação chegue a pontos mais distantes das redes no
                     Twitter, é preciso que usuários ativos estejam dispostos a dispender
                     tempo e atenção selecionando publicações para repassar [...]. A
                     ação de alguns gera um benefício coletivo, que é a divulgação e a
                     filtragem das informações. (MAIA, 2006, p. 03).




           Recuero   (2009)    destaca    também      que,   quando     a    informação
compartilhada é proveniente de um veículo de notícias, o ator, ao replicá-la, dá
credibilidade à sua fonte, mas também toma parte dessa credibilidade para si. Nesse
contexto, Zago (2010) reforça o argumento de que, os atores das redes sociais na
Internet não utilizam deste ambiente apenas para o compartilhamento de notícias e
informações, mas também para comentá-las.
31

          Duas funcionalidades do Twitter contribuem para a organização desses
comentários. A primeira são os Trending Topics, uma listagem em tempo real
fornecida pela própria plataforma que dispõe os assuntos que estão sendo mais
discutidos no site numa determinada localidade – que pode ser mundial, um país
específico ou até mesmo uma cidade –, sejam eles referentes a acontecimentos
jornalísticos ou não. Através dessa lista, pode-se visualizar o que está sendo falado
pelos participantes do site sobre determinado assunto.

          Outra funcionalidade é a possibilidade de gerar as chamadas hashtags,
que são palavras ou assuntos antecedidos do sinal #, que cria um link automático
para o termo que leva a uma página que dispõe, também em tempo real, todas as
publicações feitas com a utilização daquela mesma hashtag.

          Através dessas duas funcionalidades, mesmo os atores que não tinham
conexões entre si, passam a interagir através de discussões sobre o mesmo tópico.
Além disso, diversas vezes, os assuntos mais discutidos agendam os veículos
jornalísticos, servindo de fonte de informações para a mídia, já que são capazes de
gerar mobilizações e conversações de interesse jornalístico (RECUERO, 2009;
ZAGO, 2010).


3.2 Entre o banal e o jornalístico

          No Twitter, é possível perceber mais facilmente a imposibilidade de
separação entre os acontecimentos banais e os acontecimentos jornalísticos, pois
eles se confundem ainda mais. O agendamento das pautas jornalísticas que o
Twitter proporciona muitas vezes não acontece pelos acontecimentos enquadrarem-
se nos critérios determinados pela prática jornalística, mas, sim, pela visibilidade e
difusão que o tema alcançou dentro do site.

          São acontecimentos que nem sempre se caracterizam pelo excesso, pela
falha ou pela inversão, que são os atributos de notabilidade definidos por Rodrigues
(1993). Notabilidade esta que é conferida – muitas vezes exclusivamente – pela
visibilidade e repercussão que o acontecimento alcançou no Twitter.
32

            Como já mencionado, os acontecimentos midiáticos em rede são
determinados pelos filtros que os próprios usuários aplicam e é a partir dessa
filtragem que certos acontecimentos têm sua visibilidade ampliada, chamando a
atenção da mídia tradicional. Com isso, muitos dos acontecimentos que têm seu
início nas redes sociais e são abordados pelo jornalismo, alcançam notoriedade e
ficam em meio aos dois extremos: acontecimento banal e acontecimento jornalístico.

            É por essa visibilidade adquirida, geralmente devido ao grande número de
seguidores do usuário – quando se trata de uma celebridade, principalmente –, à
quantidade de retuites, que faz com que a postagem alcance nós distantes um do
outro na rede, ou à caracterização do tema como uma tendência – que é o caso dos
Trending Topics –, que o acontecimento, mesmo banal, passa a ter potencial
jornalístico. A visibilidade traz a notoriedade, que é fator importante para que o
assunto seja tratado na mídia.

            Sites de jornalismo online como o G17 e o Folha.com8, por exemplo,
noticiam diariamente os assuntos populares do Twitter – os Trending Topics –,
explicando cada um deles e comentando cada tema. Além disso, várias notícias são
publicadas utilizando, como fontes principais, tuites de celebridades, políticos ou
empresas.

            Um exemplo recente é acerca de tuites da atriz Susana Vieira referindo-
se ao vazamento de fotos de sua colega Carolina Dieckmann. A atriz Carolina
Dieckmann teve fotos íntimas divulgadas na Internet no início do mês de maio de
2012, assunto que foi muito comentado em sites de redes sociais, principalmente no
Twitter – alcançando os Trending Topics – e também na mídia tradicional. O
posicionamento de Susana Vieira com relação ao ocorrido – publicado através de
tuites como “Feliz em ver que a policia está agindo no caso da Carolina Dieckmann.
Privacidade é um direito de TODO ser humano!”9 – rendeu diversas matérias em
sites jornalísticos.




7
  http://g1.globo.com
8
  http://folha.uol.com.br
9
  Tuite publicado no dia 15 de maio de 2012. Disponível em: http://twitter.com/eususanavieira. Acesso
em 19 de maio, 2012.
33

            Outro exemplo se deu em janeiro de 2012, quando a hashtag
“#LuizaEstanoCanada” e a frase “menos Luiza, que está no Canadá” 10 ganharam
popularidade entre os brasileiros no Twitter, alcançando os Trending Topics no
Brasil. Com a visibilidade atribuída ao caso, ele repercutiu não só nos sites de redes
sociais, mas também nos meios de comunicação tradicionais – como no Jornal Hoje,
da Rede Globo, que recebeu a visita e entrevistou Luiza, falando sobre o
acontecimento. Foi um meme que emergiu no Twitter e se propagou até ganhar
visibilidade o suficiente para atrair a atenção da mídia.

            A banalidade do cotidiano compartilhada no site está de acordo com a
proposta do próprio Twitter. Porém, os tuites vão além desse contexto ao, muitas
vezes, abranger aspectos testemunhais dos usuários e publicizar momentos de
ruptura na rotina de cada indivíduo, caracterizando o surgimento de acontecimentos
em rede. A necessidade do ser humano de falar de si e o que acontece ao seu redor
(BERGER & TAVARES, 2010) unida à lógica de funcionamento da mídia
incorporada pela sociedade, através do processo de midiatização (SODRÉ, 2006;
BRAGA, 2006), leva os usuários a compartilharem parte do seu cotidiano e,
principalmente, aquilo que dele irrompe.

            Inúmeras vezes os atores sociais que participam do Twitter publicizam e
repercutem acontecimentos que são nitidamente de natureza jornalística, quase
sempre de forma imediata ao surgimento do acontecimento, ao responder a
pergunta proposta pelo site.


3.3 “O que está acontecendo agora?”

            O Twitter, quando lançado, provocava os seus usuários a responderem,
através da sua publicação, a uma pergunta: “O que você está fazendo?”. As
respostas a essa pergunta falariam sobre qual música estão ouvindo, qual livro
estão lendo, o que estão comendo e o que estão assistindo, por exemplo. Porém, na
realidade, as atualizações feitas no site eram mais do que simples respostas à
pergunta proposta. Os atores sociais que participavam do site compartilhavam

10
  Referente a um trecho de um comercial de empreendimento imobiliário em João Pessoa, em que o
pai de Luiza Rabello, que estrelava o comercial, estando acompanhado da família, explicava que uma
de suas filhas – Luiza – não estava presente por estar em intercâmbio no Canadá. O vídeo, que foi
compartilhado no YouTube, passou a ser divulgado no Twitter, acrescido da hashtag.
34

imagens, vídeos e links que consideravam importantes, divulgavam notícias
recentes e informavam sobre acidentes.

            Por esse motivo11, em novembro de 2009, o Twitter substituiu a antiga
pergunta pelo questionamento: “O que está acontecendo agora?”. Portanto, a
mudança da pergunta proposta emergiu coletivamente dos próprios atores sociais
participantes do serviço, a partir da utilização que faziam dele.

            A nova pergunta, apesar de ter permanecido apenas até a última
mudança de layout do site em dezembro de 201112, abrange os tipos de conteúdo
publicados pelos usuários no site e a relação deles com o surgimento de
acontecimentos midiáticos no Twitter. Sobre eles, é preciso compreender algumas
características que são intrínsecas a esse ambiente em que eles são engendrados.

            O surgimento de acontecimentos midiáticos no Twitter se dá, num
primeiro instante, pela resposta dos usuários à pergunta proposta pelo site – “O que
está acontecendo agora?” – através de um tuite. O potencial de tornar-se um
acontecimento midiático depende do grau de visibilidade que o compartilhamento
atingir, segundo o conceito de fecundidade do meme.

            É nesse ponto que o papel dos usuários de atuarem como filtros de
informações é importante. A escolha da informação que será reproduzida e
compartilhada, no momento da filtragem, se dá a partir do conteúdo postado e dos
conceitos de reputação e autoridade atribuídos pelo ator ao indivíduo que publico
originalmente ou àquele, a quem ele está conectado, que já replicou o tuite – no
caso de um retuite de um retuite. São os valores relacionados à confiança que
regem a credibilidade atribuída ao conteúdo a ser compartilhado. Quando a
confiança está presente na relação entre os nós, o retuite – acrescido ou não de
comentários – é feito.

            Quando essa atitude é tomada de forma coletiva – tanto o relato do
acontecimento quanto, principalmente, o compartilhamento desse fato podem ser


11
   Conforme foi dito no blog oficial do Twitter. Disponível em: http://blog.twitter.com/2009/11/whats-
happening.html. Acesso em: 19 de maio, 2012.
12
   Após a última mudança de layout, o texto “Publique um novo Tweet...” aparece sem muito
destaque, na caixa de texto destinada à redação dos tuites, ao invés da pergunta “O que você está
fazendo agora?”.
35

ações feitas por diversos atores ao mesmo tempo –, a visibilidade do acontecimento
tende a crescer, tornando o acontecimento, um acontecimento midiático.

            A própria estrutura de rede presente no Twitter contribui para que a
difusão das informações aconteça de forma rápida e envolvendo até mesmo nós
distantes da rede. Um usuário pode retuitar ou comentar uma informação publicada
por outro usuário com quem nunca havia estabelecido uma interação antes, tanto
por   ter   visto   o   conteúdo   postado   por   ele   através dos   comentários e
compartilhamentos feitos por quem ele segue, quanto por acompanhar alguma
hashtag ou termo popular nos Trending Topics.

            Nós distantes da rede passam a falar sobre o mesmo acontecimento,
compartilhando da mesma confiança atribuída, conquistando visibilidade em meio às
redes sociais do sistema e chamando a atenção da mídia, que utiliza das
informações ali compartilhadas para a produção de um conteúdo jornalístico. E,
depois de presente no ambiente do jornalismo, o acontecimento retorna ao ambiente
em rede do Twitter, já que, enquanto leem uma matéria no jornal impresso ou
assistem ao telejornal, por exemplo, os participantes do Twitter compartilham
novamente aquela informação. Ou, ainda, de forma mais fácil, quando se trata de
jornalismo online, em que os usuários podem compartilhar a URL da notícia
simplesmente clicando na opção de tweet geralmente disponibilizada nos sites.

            Esse ciclo do acontecimento que se engendra no Twitter, vai para além
dele e retorna ao seu local de origem – agora com visibilidade e autoridade em grau
ainda mais elevado –, com suas facilidades de compartilhamento e difusão, é que
caracteriza o funcionamento do acontecimento midiático no Twitter. Porém, um
processo invertido pode acontecer, quando o Twitter é considerado um local de
circulação e recirculação de acontecimentos jornalísticos.

            Nesse aspecto, o Twitter não se configura apenas como um ambiente de
agendamento ou fonte jornalística em tempo real. Hoje, ele também tem um papel
essencial nas etapas de circulação e recirculação jornalística (ZAGO, 2010; 2011).
Ele atua na fase de circulação quando o material jornalístico é compartilhado pelas
próprias organizações jornalísticas que participam do Twitter ou quando um usuário
divulga a notícia antes mesmo de consumir o produto jornalístico. A recirculação
36

acontece quando o conteúdo é divulgado por um indivíduo no Twitter depois de
consumí-lo e ele passa a circular novamente nesse ambiente.

               Um acontecimento jornalístico, ao ser compartilhado no site por um
usuário, atinge os seus inúmeros seguidores e tem a possibilidade de ser
novamente divulgado – através de um retuite, por exemplo – para os seguidores
destes, contribuindo para o processo de circulação jornalística e aumentando a
visibilidade do acontecimento.



                            Assim, no Twitter, um acontecimento pode ser experienciado de
                            diversas formas na ferramenta. Pode-se utilizar a ferramenta para
                            relatá-lo em primeira mão, para comentá-lo após receber de outras
                            fontes, ou ainda para repassá-los após ter visto em outros lugares ou
                            no próprio Twitter. Acontecimentos jornalísticos, por sua vez,
                            costumam circular pela ferramenta de forma bem rápida, através de
                            comentários, mensagens direcionadas a outros usuários e retweets
                            (ZAGO, 2011, p. 61).




               Perfis como G1 13 e Folha de S. Paulo14 são exemplos de como, muitas
vezes, as próprias organizações jornalísticas presentes no Twitter contribuem para a
circulação de notícias no site. Como essas organizações são seguidas por muitos
usuários e desfrutam, junto a estes, de reputação e autoridade, o conteúdo por eles
compartilhados tendem a ser retuitados, comentados e discutidos, o que coopera
para a circulação de acontecimentos jornalísticos no Twitter e para o aumento da
visibilidade destes.

               Porém, os próprios usuários do Twitter podem iniciar esse processo de
circulação e recirculação quando optam por compartilhar a matéria jornalística no
Twitter, antes, durante ou depois de a terem consumido – seja copiando o link que
leva à matéria, seja através de um tuite automático padronizado ao clicar nos botões
de tweet presentes em muitos sites ou apenas fazendo referência a ela na
plataforma do Twitter. Dessa forma, os acontecimentos jornalísticos conquistam

13
     http://twitter.com/g1
14
     http://twitter.com/folha_com
37

espaço entre as redes sociais na Internet, devido à visibilidade que já lhe foi
atribuida pela mídia.

             Ao serem incorporados pelas redes sociais, os acontecimentos são
discutidos, comentados e compartilhados. As opiniões dos atores sociais são
publicadas em rede e o Twitter passa a potencializar a circulação e a discussão
sobre os acontecimentos para além dos meios tradicionais de distribuição de
informações jornalísticas (ZAGO, 2011).

             Um dos pontos importantes a serem levantados quando se fala de
surgimento e circulação de acontecimentos no Twitter é quanto à credibilidade
destes. Essa credibilidade é definida pelo grau de confiabilidade ou de
especialização de quem diz algo e é geralmente tratada quanto à sua atribuição ao
jornalismo dos meios de comunicação mais tradicionais (CARVALHO & TAVARES,
2011). Para as autoras, ela é “essencial à seleção de uma informação midiática por
parte do receptor” (CARVALHO & TAVARES, 2011, p. 5) e relaciona-se com o filtro
feito pela audiência que considera a probabilidade de ocorrência de inverdades na
informação recebida. Nesse sentido, é papel do jornalista conservar a confiabilidade
a ele atribuída.

             Porém, quando falamos de jornais online, principalmente, ou de
jornalismo feito ou baseado nas redes sociais na Internet, é possível afirmar que nos
encontramos num momento de transição no que se refere à credibilidade jornalística
(SOSTER APUD CARVALHO & TAVARES, 2011). Isso principalmente pelo fato de
que a velocidade ocasionada pelas novas tecnologias passa a ocupar um lugar de
maior importância que a própria veracidade.

             No Twitter, como uma das suas principais funções é repassar a
informação de forma rápida e como qualquer indivíduo que participa do sistema
pode fazer publicações, é difícil definir, a princípio, a veracidade da informação
divulgada.

             Muitos casos ocorreram, a nível local e global, em que uma falsa
informação tornou-se midiática e, em muitas dessas ocasiões, a repercussão dentro
do Twitter foi motivo para que as organizações jornalísticas a tomassem como
38

pauta, fazendo com que falsas notícias fossem divulgadas. Esse é um dos pontos da
problematização de se utilizar conteúdo publicado no Twitter como fonte jornalística.



                      É certo que o conteúdo disseminado pelo Twitter não possui uma
                      checagem antes de ser publicado. Afinal, uma das principais
                      particularidades do meio é essa: ser ágil (CARVALHO & TAVARES,
                      2011, p. 9).



             No Brasil, em junho de 2011, foi repercutido no Twitter o suposto
falecimento de Amin Khader que, depois de seu amigo, David Brazil, lamentar sua
morte em seu perfil no Twitter, jornalistas da Rede Record chegaram a confirmar o
fato em programa ao vivo, além de diversas matérias publicadas em sites
jornalísticos. Mais tarde, a situação teve de ser desmentida ao se descobrir que
Khader estava vivo. Tudo isso aconteceu em questão de minutos e em nível
nacional. Muitos outros casos semelhantes aconteceram com outras celebridades a
mundialmente.

             Essas são falhas no sistema de filtro dos usuários, que atribuem
confiança e credibilidade a falsos acontecimentos que circulam no Twitter e estes
passam a repercutir a nível midiático na plataforma e fora dela.

             Alguns participantes do Twitter afirmam não confiar em informações
publicadas no site e, segundo pesquisa desenvolvida por Zago (2011), os motivos
para a falta de credibilidade por parte de muitos atores se dá pela rapidez com que
as informações são publicadas e compartilhadas no site, a presença de usuários
mal-intencionados ou fakes ou até mesmo a informalidade do serviço – não ser um
ambiente organizado com o propósito de prover informações. Outros dizem preferir
confirmar a informação vista no Twitter em outros meios antes de considerá-la
confiável.

             Entretanto, aqueles que afirmam confiar nas informações publicadas no
site justificam que escolheram seguir apenas pessoas a quem atribuem confiança –
devido à reputação e autoridade referentes aos indivíduos seguidos – e, por isso,
podem confiar no que é postado por eles. O que caracteriza o filtro que é feito pelos
39

próprios atores da rede social. A imediaticidade que é considerada um ponto
negativo para alguns dos que não confiam nas informações circuladas no Twitter é,
ao mesmo tempo, uma questão que confere credibilidade para outros usuários à
medida que a veracidade das publicações pode ser verificada também de forma
imediata.

            Apesar da questão da credibilidade ser uma problemática presente no
Twitter, o site não deixa de ser um meio que produz, faz circular e dá visibilidade a
acontecimentos, tornando-se um ambiente de grande potencial jornalístico, com a
contribuição dos diversos atores sociais ali presentes.
40

4 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN NO TWITTER


4.1 A singularidade do acontecimento

            A morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden foi um acontecimento de
repercussão mundial, principalmente pela sua importância política. Apesar de se
caracterizar como um acontecimento imprevisto, a sua ocorrência era esperada
desde o ataque, planejado e executado pela Al Qaeda, ao World Trade Center, em
11 de setembro de 2001. Desde então, o governo dos Estados Unidos vem
trabalhando no que o país chama de “luta ao terror”, tendo Bin Laden como principal
alvo. Osama se tornou, então, um forte símbolo do terrorismo para os
estadunidenses e também, por isso, para grande parte do mundo.

            A importância política se dá principalmente pelo fato de que foram quase
dez anos de busca pelo esconderijo e captura do líder da Al Qaeda por parte do
governo estadunidense. Por se tratar de uma potência mundial, é comum a
repercussão global daquilo que tem forte apelo dentro do país.

            Mas o principal motivo para o estudo desse caso no presente trabalho é o
papel essencial exercido pelo Twitter e seus usuários na construção e repercussão
desse acontecimento. Estima-se que o acontecimento rendeu um recorde de tráfego
de conversações no Twitter: durante o pronunciamento do presidente dos Estados
Unidos Barack Obama, houve picos de mais de cinco mil tuites publicados por
segundo15. Seguindo a perspectiva de Dayan (2009), em que a audiência torna-se
participante do que lhe é apresentado em meios de comunicação como a TV, pode-
se perceber que essa interação da audiência fica mais evidenciada nas redes
sociais na Internet.

            O Twitter teve importante atuação, também, devido ao fato de o ataque ao
esconderijo de Osama ter sido narrado em tempo real por um usuário do Twitter,
mesmo antes de saber que se tratava de algo relacionado a Bin Laden. Além disso,



15
   Segundo gráfico publicado pelo próprio Twitter em seu perfil do website Flickr. Disponível em:
http://www.flickr.com/photos/twitteroffice/5681263084/in/photostream. Acesso em: 05 de junho, 2012.
41

foi através do site que os primeiros rumores sobre a morte do líder da Al Qaeda
surgiram.


4.2 Aspectos metodológicos

               A análise apresentada se configura como um estudo de caso: a morte do
líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, e a sua repercussão no site de redes sociais
Twitter. Para que o acontecimento fosse analisado, através de observação
sistemática, foram coletados dados que giraram em torno de dois perfis no Twitter,
seus tuites relacionados à morte de Osama Bin Laden e alguns de seus
desdobramentos, tanto dentro do próprio site do Twitter, quanto em matérias
jornalísticas.

               A repercussão estudada se limitou à circulação online do acontecimento,
baseada no Twitter como ambiente de propagação em rede. Tuites puderam ser
acessados e coletados através dos perfis dos usuários analisados, já que é possível
ver publicações feitas há um longo período de tempo. Os usuários foram
selecionados pelas menções feitas a eles e repercussão de seus tuites nos meios de
comunicação, principalmente nas matérias jornalísticas também analisadas.

               Os perfis analisados foram de Sohaib Athar – que utiliza o nome de
usuário “@ReallyVirtual”16 na plataforma – e de Keith Urbahn – sob o nome de
usuário “@keithurbahn”17. O perfil de Sohaib Athar foi escolhido pelo fato de ele ter
ficado conhecido como a pessoa que narrou o ataque ao esconderijo de Bin Laden
ao vivo no Twitter. A escolha de Keith Urbahn se deu por ele ter sido considerado o
primeiro a dar a notícia da morte de Bin Laden, também pelo Twitter. No total, foram
11 tuites analisados, sendo 7 publicados por Athar e 4, por Urbahn. Os tuites de
ambos foram feitos, originalmente, em inglês, os quais foram traduzidos para o
português para que pudessem ser aqui reproduzidos.

               Pelo fato de o sistema de busca interna do site do Twitter limitar-se a
publicações feitas num tempo máximo de três dias anteriores, o monitoramento de



16
     http://twitter.com/ReallyVirtual. Acessado em 26 de maio, 2012.
17
     http://twitter.com/keithurbahn. Acessado em 26 de maio, 2012.
42

retuites se deu através do site Favstar.fm18, que dispõe o número de retuites das
postagens mais populares de cada usuário. Esse número se limita aos RTs
automáticos que o próprio Twitter possibilita, já que a ferramenta não consegue
contabilizar as reproduções manuais feitas pelos usuários. Há possibilidade de o
número não ser preciso, porém a aproximação já é útil para que a noção da
circulação dos dados na rede seja apurada.

               Não é possível saber data e horário dos retuites contabilizados pela
própria ferramenta do site Favstar.fm. Outra limitação é com relação à aquisição de
seguidores – que são conexões da rede – ao longo do tempo. O único dado possível
de ser acessado é o número total de seguidores no momento do acesso aos perfis
dos usuários em questão. Portanto, esses dados foram desconsiderados durante a
análise, que utilizou apenas os dados disponíveis.

               Vale ressaltar, também, que os horários de publicações dos tuites foram
padronizados segundo o horário de Brasília. O destaque dessa padronização é
importante já que houve eventos no Paquistão – local onde se deu o ataque ao
esconderijo de Osama Bin Laden – e nos Estados Unidos – de onde veio a
confirmação da morte do líder da Al Qaeda e as primeiras matérias jornalísticas e
rumores a respeito do acontecimento.

               A hora de publicação dos tuites e notícias contribuem bastante para a
relação de temporalidade estabelecida, ao considerar a instantaneidade dos tuites
de Sohaib Athar e a antecedência do tuite de Keith Urbahn, além do tempo levado
para que os dois casos recebessem atenção da mídia. Todos os tuites analisados
foram reproduzidos em ordem cronológica, para melhor compreensão dessa relação
e melhor representação dos relatos em tempo real.

               Além disso, outras relações entre a morte de Osama Bin Laden e a sua
repercussão no Twitter também foram analisadas, através de notícias que
abordaram a repercussão do acontecimento no site, com o propósito de destacar a
circulação do acontecimento na plataforma.

               Foram selecionados alguns dos principais sites de notícias brasileiros
para que se pudesse verificar como eles abordaram o compartilhamento e a
18
     http://favstar.fm. Acessado em 26 de maio, 2012.
43

reverberação da morte de Bin Laden no Twitter na semana do acontecimento. A
delimitação de sites de notícias brasileiros se deu por dois motivos: o idioma e a
percepção de alcance global do acontecimento, já que não se trata de nenhum dos
países mais interessados no ocorrido – Estados Unidos, que lideraram o ataque, e
Paquistão, país atacado, onde Bin Laden estava escondido.

          As matérias jornalísticas consideradas para análise foram coletadas de
sites de jornalismo online como G1, R7, Terra, Uol, Estadão e Jornal do Brasil.
Primeiramente, tentou-se selecionar as matérias a partir de pesquisa através do
mecanismo de busca Google. Porém, como os sites apresentados eram muito
diversos, apresentando dificuldade no aprofundamento em canais específicos, foram
selecionados cinco sites de jornalismo online de referência no Brasil e a pesquisa
pelo material se deu diretamente pela busca interna de cada um dos domínios. O
Jornal do Brasil foi o último site a ser incluído, para que houvesse uma melhor forma
de comparação entre as categorias em que os sites escolhidos são enquadrados:
G1 e R7 são portais verticais de jornalismo, Uol e Terra se enquadram como portais
mais horizontalizados e o Estadão e Jornal do Brasil são jornais veiculados no
ambiente online.

          Outros dados importantes para a percepção da participação do Twitter e
seus usuários na construção do acontecimento são os que foram disponibilizados
pela própria organização do Twitter: publicações feitas no blog e divulgação de
dados – como o gráfico de atividade na plataforma, que mostra o número de tuites
por segundo alcançados em diversos momentos da noite do dia 1º de maio para o
dia 02 de maio de 2011, publicado no perfil da empresa no Flickr.

          Todos os dados recolhidos e aqui apresentados serão analisados a partir
da discussão conceitual presente nos capítulos anteriores, quanto à caracterização
do acontecimento e a sua configuração como acontecimento em rede no Twitter,
bem como às características da plataforma como ambiente sociocomunicacional de
interação em rede, de forma a entender como se deu o desenvolvimento deste
processo. Para isso, há de se observar as características de cada tuite e sua
circulação quanto aos aspectos já mencionados e estudados.
44

4.3 Relato em tempo real

               Uma grande participação do Twitter na construção da morte de Bin Laden
como acontecimento em rede foi devido aos tuites de Sohaib Athar, que narraram,
em tempo real, o ataque ao esconderijo de Osama Bin Laden no dia 1º de maio de
2011. Athar iniciou seu relato a partir do fato de que escutava helicópteros
sobrevoando a cidade de Abbottabad, no Paquistão, no meio da madrugada no
horário local.



                           Tuite 1 - @ReallyVirtual: “Helicóptero pairando sobre Abbottabad à 1
                           da manhã (é algo raro).”19 (1º de maio, 2011, às 16h58).




               Foram a raridade desse fato e o incômodo que o barulho causava as
razões iniciais para as publicações. Vê-se, com isso, a ruptura no cotidiano aliada à
atualidade da ocorrência, irrompendo o acontecimento.

               O tuite seguinte mostra sinais de humor mesclado com o mesmo
incômodo, comum no site Twitter, como um lugar de relato do seu cotidiano para
aqueles que seguem o usuário:



                           Tuite 2 - @ReallyVirtual: “Vá embora helicóptero – antes que eu
                           pegue meu mata-moscas gigante :-/” (1º de maio, 2011, às 17h05).




               A continuidade dos eventos fez com que o próprio usuário percebesse o
irrompimento do acontecimento, ainda que não o percebendo tal qual ele era.



                           Tuite 3 - @ReallyVirtual: “Um enorme estrondo de chacoalhar a
                           janela aqui em Abbottabad Cantt. Espero que não seja o começo de
                           algo desagradável :-S” (1º de maio, 2011, às 17h09).



19
     Este e todos os demais tuites foram traduzidos por mim.
45

          Com a queda de um dos helicópteros, o acontecimento passou a
interessar todos os moradores da cidade e, também, a mídia local. Questionamentos
e análises sobre o ocorrido passaram a acontecer, bem como especulações sobre o
que estava causando. Sites jornalísticos são mencionados por Sohaib Athar, bem
como informações que ele coleta ao entrar em contato com outros moradores da
cidade. O surgimento da hashtag “#abbottabad” também teve início nesse momento
em que a discussão era o descobrimento das razões da presença de helicópteros e
da queda de um deles.



                     Tuite 4 - @ReallyVirtual: “Já que o talibã (provavelmente) não tem
                     helicópteros, e já que estão dizendo que não era „nosso‟, então deve
                     ser uma situação complicada #abbottabad” (1º de maio, 2011, às
                     18h02).



                     Tuite 5 - @ReallyVirtual: “O helicóptero/OVNI de abbottabad foi
                     derrubado perto da área de Bilal Town, e há relatos de um clarão.
                     Pessoas estão dizendo que pode ter sido um helicóptero teleguiado.”
                     (1º de maio, 2011, às 18h10).




          Até o momento, não se sabia do que se tratava o ataque. Afinal, a morte
de Osama Bin Laden foi oficialmente revelada pelo presidente dos Estados Unidos,
Barack Obama, apenas às 0h35 do dia 2 de maio. Porém, antes disso, o site Twitter
já contemplava especulações de que o pronunciamento de Obama que foi
anunciado para o final da noite era a respeito da morte de Bin Laden. O primeiro
tuite a contemplar essa possibilidade foi de Keith Urbahn:



                     Tuite 6 - @keithurbahn: “Fui informado por uma pessoa respeitável
                     que mataram Osama Bin Laden. Que coisa.” (1º de maio, 2011, às
                     23h24).
46

          Para estabelecer grau de credibilidade no seu tuite, Keith Urbahn, que
havia trabalhado na Secretaria de Defesa do governo Bush, transferiu a
confiabilidade para uma fonte não mencionada. Porém, para se defender e não
prejudicar a credibilidade a ele atribuída, caso a informação a ele repassada e por
ele publicada não fosse verídica, Urbahn acrescentou minutos depois:



                     Tuite 7 - @keithurbahn: “Não sei se é verdade, mas vamos orar para
                     que seja.” (1º de maio, 2011, às 23h26).




          Não havia, nos tuites de Keith Urbahn, o aspecto testemunhal geralmente
apreciado no Twitter. Afinal, até o momento, a informação divulgada se tratava
apenas de um rumor que pretendia responder ao mote do Twitter “o que está
acontecendo agora?”.

          Porém, devido à sua visibilidade – principalmente por ele ter trabalhado
diretamente com o Secretário de Defesa do governo anterior, ele era dotado de
autoridade e reputação atribuídas pelos seus seguidores –, o “rumor” compartilhado
por ele começou a repercutir antes mesmo que os fatos fossem checados. Portanto,
o filtro feito pelos usuários foi baseado na reputação do autor e não na credibilidade
da informação compartilhada.

          Assim que a morte de Osama Bin Laden foi noticiada pelos meios de
comunicação e confirmada pelo presidente dos Estados Unidos Barack Obama, o
tuite de Urbahn foi ainda mais reproduzido, dessa vez, pelo fato de ter sido
considerado o primeiro tuite que noticiou que Bin Laden havia morrido. Foram, no
total, 309 RTs automáticos.

          A repercussão dos tuites de Sohaib Athar veio apenas depois da
confirmação do fato, quando as pessoas passaram a comentar sobre o local do
esconderijo de Bin Laden – Abbottabad – e, ao monitorar as menções feitas à
cidade, foi possível encontrar o relato ao vivo feito por Athar. A mídia tradicional
começou a entrar em contato com ele, ao que ele percebeu a repercussão de suas
publicações:
47

                      Tuite 8 - @ReallyVirtual: “Uh Oh, agora eu sou o cara que blogou ao
                      vivo o ataque a Osama sem saber.” (2 de maio, 2011, à 1h41).




           Essa sua publicação (tuite 8) foi retuitada por 5824 usuários do Twitter,
tendo grande repercussão e visibilidade na plataforma. O tuite 1, obteve o número
de 3149 RTs e o tuite 3, totalizou 1813 retuites.

           Antes das 04h do dia 2 de maio de 2011, Urbahn já havia aumentado seu
número de seguidores em cerca de 3000, conforme ele mesmo tuitou:



                      Tuite 9 - @keithurbahn: “Me entregando a 2 horas de sono Aos
                      3.000 novos tweeps [seguidores no Twitter], prazer em tê-los
                      conhecido nessa noite agitada.” (2 de maio, 2011, às 03h57).




           No total, o seu tuite que mencionou, pela primeira vez, a morte de Bin
Laden – tuite 6 – alcançou o número de 309 retuites. Vemos que, mesmo sendo
considerado um “furo jornalístico”, foi o relato do acontecimento em tempo real feito
por Sohaib Athar que atraiu maior visibilidade e compartilhamentos, mesmo
alcançando esta visibilidade apenas após o conhecimento geral do ataque e a sua
confirmação.

           A narração feita em tempo real não chamou a atenção apenas dos
usuários, mas, também, da própria mídia. Enquanto todos os cinco sites jornalísticos
analisados abordaram o fato, apenas três citaram Keith Urbahn como quem teria
sido o primeiro a noticiar a morte do de Osama Bin Laden no Twitter.


4.4 A construção do acontecimento no Twitter

           É possível notar a maior consubstancialidade entre a transmissão e o
surgimento do acontecimento descrita por Fonseca e Vieira (2011) ao verificar a
imediaticidade da narração do acontecimento feita por Sohaib Athar, caracterizando
a cotemporalidade das etapas do processo. Importa destacar também que, a
princípio, os tuites por ele publicados são referentes a ocorrências banais – o que é
Monografia: A morte de Osama Bin Laden como Acontecimento Midiático no Twitter | Racquel Tomaz
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Monografia: A morte de Osama Bin Laden como Acontecimento Midiático no Twitter | Racquel Tomaz

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL A MORTE DE OSAMA BIN LADEN COMO ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER Racquel Pereira Tomaz Belo Horizonte 2012
  • 2. 1 Racquel Pereira Tomaz A MORTE DE OSAMA BIN LADEN COMO ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER Monografia apresentada ao Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção de título de Bacharel em Comunicação Social. Orientadora: Prof. Geane Alzamora Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas - FAFICH Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG Belo Horizonte 2012
  • 3. 2 Aos meus pais, a quem devo todas as minhas conquistas.
  • 4. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família por todo o apoio, à minha orientadora Geane por toda a ajuda e a todos que, de alguma forma, contribuíram para a conclusão desse trabalho.
  • 5. 4 RESUMO O presente estudo tem como objetivo trazer à tona discussões sobre a dinâmica dos acontecimentos midiáticos em rede a partir de um estudo de caso sobre a construção da morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden, em maio de 2011, como um acontecimento midiático no Twitter. É a partir do conceito de acontecimento e das características da dinâmica em rede, bem como as especificidades do acontecimento midiático em rede, que a análise foi feita, levando em consideração o funcionamento do Twitter como plataforma de interação de redes sociais na Internet.
  • 6. 5 ABSTRACT This study has the intent of bringing up discussions about the network mediatic events dynamics from a case study about the construction of Al Qaeda leader Osama Bin Laden‟s death, in May of 2011, as a mediatic event in Twitter. It is from the concept of event and the network dynamics characteristics, as well as the network mediatic event specificities, that the analysis was made, considering the Twitter functioning as a Internet social networks interaction platform.
  • 7. 6 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................................................................................................07 2 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO EM DINÂMICA DE REDE...................................09 2.1 Sobre a noção de acontecimento midiático........................................09 2.2 Dinâmica de rede................................................................................17 2.3 Acontecimento midiático em rede.......................................................24 3 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER......................................................26 3.1 Twitter como ambiente sociocomunicacional em rede........................26 3.1.1 O serviço de microblogging.............................................26 3.1.2 Características sociocomunicacionais do Twitter............28 3.2 Entre o banal e o jornalístico...............................................................31 3.3 “O que está acontecendo agora?”.......................................................33 4 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN NO TWITTER................................................40 4.1 A singularidade do acontecimento......................................................40 4.2 Aspectos metodológicos......................................................................41 4.3 O relato em tempo real........................................................................43 4.4 A construção do acontecimento no Twitter.........................................47 5 CONCLUSÃO.........................................................................................................54 REFERÊNCIAS..........................................................................................................57
  • 8. 7 1 INTRODUÇÃO A presente monografia tem como objetivo trazer à tona discussões sobre a dinâmica dos acontecimentos midiáticos em rede a partir de um estudo de caso sobre a construção da morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden, em maio de 2011, como um acontecimento midiático no Twitter. Dessa maneira, pretende-se compreender as contribuições dos usuários do Twitter na construção dos acontecimentos midiáticos. No capítulo dois é discutido como se dá a irrupção midiática de acontecimentos cotidianos e jornalísticos, levando em conta o papel da mídia nessa construção, ao atribuir-lhes visibilidade, segundo a noção de acontecimento em autores como Rodrigues (1993), Berger e Tavares (2010), Lage (2011) e Antunes (2007), entre outros. A midiatização da sociedade é abordada como um processo que tem modificado as interações e os processos sociais na medida em que os indivíduos têm trazido para o contexto sociocultural as lógicas de funcionamento da mídia. Esse conceito, suas características e consequências são abordados a partir de autores como Muniz Sodré (2006) e Braga (2006). A partir da apresentação desse conceito, a compreensão da interação, bem como o papel da mídia em atribuir visibilidade aos acontecimentos (THOMPSON 1999; 2008; FLORES & BARICHELLO, 2009), pode ser mais facilmente compreendida. Para discutir como a interação mediada por computador (THOMPSON, 2009) interfere na construção dos acontecimentos midiáticos, foi estudada a dinâmica em rede, considerando os princípios do rizoma apresentados por Deleuze e Guattari (1995) e segundo, sobretudo, os estudos de Recuero (2010) e Recuero e Zago (2011). São destacados os valores intrínsecos às redes sociais na Internet e a participação dos atores sociais no compartilhamento de informações. A partir daí, é possível definir diversas características específicas do acontecimento midiático em rede, relativas a um tipo de acontecimento midiatizado
  • 9. 8 conforme a dinâmica de rede, contexto no qual é produzido, construído e socialmente disseminado. Com o intuito de obter uma melhor compreensão do estudo de caso proposto, o capítulo três é composto da apresentação do Twitter como um site de interação de redes sociais (Recuero, 2009) que tem obtido adesão social. Trata-se de um ambiente midiático de construção social de acontecimentos em rede, que se conecta com outros ambientes midiáticos online através da hipertextualidade. Foram abordadas as suas características e como estas fazem do Twitter um ambiente sociocomunicacional com o potencial de apontar acontecimentos midiáticos. Dessa forma, é possível apreender as contribuições que a plataforma e os seus usuários oferecem para que os acontecimentos em rede sejam construídos, a partir da resposta que os indivíduos dão à pergunta proposta pelo Twitter “O que está acontecendo agora?” e aos compartilhamentos feitos por eles. No capítulo quatro, o caso proposto é estudado a partir das perspectivas tratadas nos capítulos anteriores. Dessa forma, é possível ver como a morte de Osama Bin Laden foi construída por meio de uma plataforma em rede e como isso se repercutiu e interferiu na mídia tradicional. Através do método de observação sistemática, foram analisadas publicações em sites de notícia que tratavam a relação entre o ataque e morte de Bin Laden e a sua repercussão no Twitter, bem como os perfis de dois usuários citados em algumas dessas matérias. Com isso, foi possível compreender qual o papel do Twitter e seus usuários na construção de um acontecimento de repercussão global e como isso se reverberou para outros meios – no caso, no âmbito do jornalismo online. Por fim, é apresentada no último capítulo a conclusão sobre a participação dos diversos atores na construção dos acontecimentos midiáticos no Twitter, acerca da filtragem e compartilhamento das informações, alcançando visibilidade na rede.
  • 10. 9 2 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO EM DINÂMICA DE REDE 2.1 Sobre a noção de acontecimento midiático A noção de acontecimento pode ser descrita sumariamente como “tudo aquilo que irrompe na superfície lisa da história de entre uma multiplicidade aleatória de factos virtuais” (RODRIGUES, 1993, p. 27). Enquanto o fato é toda e qualquer ocorrência da vida cotidiana, o acontecimento se destaca em meio à realidade e rompe com a rotina de forma inesperada. De acordo com José Rebelo (APUD BERGER & TAVARES, 2010), para o fato ser considerado acontecimento, ele deve aliar-se a seu potencial de atualidade e pregnância. Sendo que a noção de atualidade está relacionada à produção do acontecimento em si no espaço e tempo, enquanto a pregnância relaciona-se com a ruptura causada na normalidade. A diferenciação entre fato e acontecimento é particularmente relevante nos estudos sobre jornalismo. Mas, segundo Berger e Tavares (2010), não é possível fazer separação rigorosa entre acontecimento cotidiano e acontecimento jornalístico, já que, como afirma Mouillaud (1997), o acontecimento cotidiano é a substância que mantém o ecossistema da mídia, que funciona de forma a selecionar e transformar os acontecimentos a serem noticiados. O acontecimento jornalístico diz respeito, de acordo com Berger e Tavares (2010), à construção do acontecimento em forma de notícia. Elton Antunes (2007) dispõe, ao diferenciar acontecimento de acontecimento jornalístico, que o primeiro funciona “como uma ocorrência inicial que demanda a construção de uma interpretação” (ANTUNES, 2007, p. 30) e essa interpretação se dá, para o autor, na forma de acontecimentos jornalísticos. Segundo Antunes, enquanto o acontecimento cotidiano se dá pela ruptura, o acontecimento jornalístico se dá pela marcação, pois este é um fato assinalado e selecionado segundo os critérios de noticiabilidade determinados pela prática jornalística.
  • 11. 10 Berger e Tavares dissertam, ao falar do acontecimento jornalístico, que a hermenêutica jornalística pode ser explicada, em primeiro lugar, pela necessidade do ser humano de “falar (a alguém) sobre o que acontece no mundo” (BERGER & TAVARES, 2010, p. 131), necessidade esta que não é exclusiva da mídia, mas é intrínseca ao ser humano. Adriano Duarte Rodrigues (1993) aborda o acontecimento jornalístico como sendo um acontecimento de natureza peculiar que compõe um conjunto limitado, pertencente a um universo muito vasto de acontecimentos e é a sua notabilidade que o torna digno de ser registrado como notícia. Para o autor, são três os fatores que atuam no processo de tornar os acontecimentos notáveis e, logo, noticiáveis: o excesso, a falha e a inversão. O excesso, característica mais comum, refere-se ao funcionamento atípico da norma e na forma excessiva do funcionamento natural dos corpos. A falha, por sua vez, está relacionada ao defeito no funcionamento regular. Já a inversão caracteriza-se pelo chamado acontecimento boomerang, como no simbólico exemplo, dado por Rodrigues (1993), do dono que morde seu cão ao invés de ser mordido por ele. Lage (2011) afirma que é através da mídia que “as causas, o cerne, a dinâmica e as consequências, enquanto componentes imprescindíveis para a inteligibilidade do acontecimento, são-nos dadas” (LAGE, 2011, p. 3), já que o papel da mídia não está apenas na publicização do acontecimento, mas, também, em construí-lo. E é por meio dos meios de comunicação de massa que os acontecimentos podem marcar sua presença e obter visibilidade (NORA APUD LAGE, 2011), devido à projeção em larga escala que a mídia faz dos acontecimentos. O acontecimento, quando adquire grande visibilidade nos meios de comunicação, passa a caracterizar-se como acontecimento midiático. Para Daniel Dayan, “eventos midiáticos [...] convidam seu público a deixar de ser espectadores e a se tornar testemunhas ou participantes de uma performance da televisão” (DAYAN, 2009, p. 25, tradução nossa).
  • 12. 11 Há dois grandes incentivadores que estimulam a visibilidade e tornam o acontecimento, um acontecimento midiático: o imprevisto, que desestabiliza o sistema da normalidade, criando acontecimentos essencialmente midiáticos por seu caráter acidental e inesperado; e o agendado que pode ser programado – evento anunciado previamente – ou suscitado – evento induzido para tornar-se notícia (BERGER & TAVARES, 2010). Os acontecimentos programados são eventos públicos, o casamento de uma celebridade ou a estreia de um filme. Os acontecimentos suscitados, por sua vez, são planejados por indivíduos que não a mídia, mas para a mídia. Esse foi o caso do ataque às Torres Gêmeas do World Trade Center no dia 11 de setembro de 2001: a intenção era chamar a atenção de todas as câmeras e meios de comunicação para o acontecimento em curso. Por isso, o intervalo de quase trinta minutos entre o choque do primeiro avião à Torre Norte e o segundo avião à Torre Sul: o primeiro choque atraiu as lentes das câmeras e os olhares dos espectadores diante da televisão e o segundo choque foi um espetáculo transmitido ao vivo pela televisão de Nova York para o mundo. Segundo Cláudia Álvares, com relação ao acontecimento de 11 de setembro, “o ritual mediático ao qual dá origem foi, em parte, ditado pelo „outro‟, com o intuito de utilizar os media como espaço público de contestação, combate e confronto em tempo real” (ÁLVARES, 2005, pp. 56-57). Há também os casos em que a própria mídia afeta o acontecimento ao midiatizá-lo. Um exemplo dessa afetação é o sequestro do ônibus 174, ocorrido em 2000, em que um assalto ao ônibus tornou-se um sequestro de grandes proporções, pelo fato de o sequestrador perceber a presença da mídia ao entorno do ônibus e decidir, por isso, adequar suas ações ao espetáculo que o fato se tornara. Ao notar a presença das câmeras de TV, o próprio seqüestrador estabelece estratégias de comunicação com o público: ele força uma das reféns a escrever com um batom, no pára-brisa do ônibus, frases como, “ele vai matar todo mundo”; encena dramatizações de maus tratos às vítimas e simula a morte de outra refém, ordenando que o
  • 13. 12 grupo demonstrasse pânico. [...] o seqüestro do ônibus tomou proporções de [...] características de “espetáculo”, exatamente por causa da audiência, estimada em 54 milhões de espectadores (MAIA, 2006, p. 03). Rodrigues (1993) lembra, por sua vez, que a própria visibilidade é um dos fatores que atribui notoriedade aos acontecimentos, ao fazer deles acontecimentos midiáticos: É o próprio discurso do acontecimento que emerge como acontecimento notável a partir do momento em que se torna dispositivo de visibilidade universal, assegurando assim a identificação e a notoriedade do mundo, das pessoas, das coisas, das instituições [...] O que torna o discurso jornalístico fonte de acontecimentos notáveis é o facto de ele próprio ser dispositivo de notabilidade (RODRIGUES, 1993, p. 29). Essa característica de os meios de comunicação atribuírem notoriedade aos acontecimentos fez-se presente no exemplo do sequestro do ônibus 174, ao considerar que assaltos a ônibus não eram fatos que atraíam a atenção da mídia em situações comuns, pela sua grande frequência em cidades como o Rio de Janeiro. Mas a visibilidade conferida durante as mais de quatro horas de transmissão ao vivo não só afetou o fato, em si, mas atraiu o interesse público – além da comoção da sociedade – para um acontecimento que era, a princípio, quando limitava-se a um assalto, considerado parte do cotidiano. A visibilidade midiática permite que acontecimentos ampliem sua dimensão pública, interferindo em suas possibilidades interacionais, que se expandem para além da copresença espaço-temporal, como afirma Thompson: Um indivíduo não precisa mais estar presente no mesmo âmbito espácio-temporal para que possa ver um outro indivíduo ou para
  • 14. 13 acompanhar uma ação ou acontecimento: uma ação ou acontecimento pode fazer-se visível para outras pessoas através da gravação e transmissão para os que não se encontram presentes fisicamente no lugar e no momento do ocorrido (THOMPSON, 2008, pp. 20-21). É do conjunto das emissões da mídia por uma gama diversa de conteúdos, da qual o jornalismo é apenas um elemento, que a visibilidade midiática é composta. A mídia é um instrumento que conecta a sociedade, gerando essa interação que independe da copresença (THOMPSON, 2008). Daiana de Oliveira Martins afirma que os meios de comunicação operam, diariamente, na divulgação de fatos que adquirem o caráter de acontecimento ao gerar notícias e reproduzi-las em larga escala (MARTINS, 2009). As tecnologias apoiadas, sobretudo, na Internet, para Muniz Sodré (2006), não modificam a noção de media, tornando-se os principais ambientes canalizadores das interações virtuais. Isso porque os meios de comunicação não são apenas plataformas responsáveis pela publicização dos acontecimentos, mas “apresentam-se como moduladores das formas de vida e de visão de mundo” (FLORES & BARICHELLO, 2009, p.4) ao serem tomados como novas possibilidades de atuação com suas lógicas de funcionamento, uso e significados. Essa visão de mundo, para as autoras, está relacionada com a produção discursiva da sociedade: Na contemporaneidade, o elevado nível de crescimento da tecnologia impulsiona juntamente com outros fenômenos sociais e culturais uma aceleração das formas de vida. É notável também um tratamento mais superficial e veloz dado às questões-chave da sociedade e às relações sociais, como se tudo acontecesse numa atmosfera de agitação e fluidez materializada nos constantes e instantâneos estímulos visuais e sonoros aos quais os indivíduos são submetidos cotidianamente (FLORES & BARICHELLO, 2009, p. 3).
  • 15. 14 As tecnologias resultam em novas formas de relacionamento entre o indivíduo e o mundo e em novos processos comunicacionais, os quais não são determinados pelos aparatos tecnológicos em si, mas constituídos na relação entre os indivíduos e estes aparatos. Esta relação, expressa na dinâmica de inúmeros fenômenos sociais e culturais contemporâneos, traz transformações na sociedade, como se observa desde o surgimento da fotografia, do cinema e da televisão – a chamada era das imagens. As relações humanas, transformadas pelas neotecnologias, tendem a ser cada vez mais virtualizadas devido à midiatização. A esta midiatização que transforma as relações humanas, Muniz Sodré define como: uma ordem de mediações socialmente realizadas – um tipo particular de interação, portanto, a que poderíamos chamar de tecnomediações – caracterizadas por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica da realidade sensível, denominada medium (SODRÉ, 2006, p. 20). A midiatização transforma e condiciona as experiências vividas “na medida em que permite hibridizações com outras formas vigentes no real-histórico” (SODRÉ, 2006, p. 21), caracterizando-se inclusive, segundo o autor, como “tecnocultura”. A midiatização resulta numa mediação social exacerbada, quando comparada às formas interativas das mediações tradicionais. Os efeitos dos meios de comunicação têm se tornado cada vez mais intrínsecos aos próprios acontecimentos e a presença destes, mais constantes. A midiatização da sociedade tem ocorrido, principalmente, com o advento de novos dispositivos tecnológicos que, hoje, permeiam ou ao menos afetam a maior parte das interações sociais. O termo midiatização pode se referir, segundo José Luiz Braga (2006), tanto aos processos de interação social que passam a ser desenvolvidos segundo as lógicas da mídia, quanto à midiatização da própria sociedade. Isso porque
  • 16. 15 a sociedade constrói a realidade social através de processos interacionais pelos quais os indivíduos e grupos e setores da sociedade se relacionam [...]. Construímos socialmente a realidade social exatamente na medida em que, tentativamente, vamos organizando possibiblidades de interação (BRAGA, 2006, p. 3). As interações e os processos sociais, quando desenvolvidos a partir das lógicas de funcionamento da mídia, iniciam o processo de midiatização da sociedade. Esse processo, ainda em continuidade, tem relação com o desenvolvimento de novas tecnologias não só porque a tecnologia incita o processo de midiatização, mas porque esta é um processo social que gera a tecnologia. Como afirma Braga (2006), a própria sociedade, que está em processo de midiatização, tem necessidade de tecnologia. A Internet ampliou a importância das novas formas de visibilidade que foram criadas pela própria mídia e tornou-as mais complexas. Afinal, essa revolução tecnológica não introduz apenas novas máquinas, mas um novo modo de produzir e de comunicar, novas sensibilidades e novos modos de percepção da linguagem (MARTÍN-BARBERO, 2006). Ao falar das novas tecnologias e as mudanças que essas trazem para a socialidade, Thompson (2008) diz que o avanço da tecnologia dos meios de comunicação institui novos campos de ação e interação, envolvendo novas formas de visualidade e podendo tomar caminhos imprevisíveis. Essas novas formas de visibilidade, trazidas por essa exacerbação midiática, possuem características que variam de um meio para outro, moldadas pelos aspectos sociais e técnicos e pelas formas de interação possíveis por cada um deles. Segundo Leandro Lage (2011), pensar o acontecimento no contexto dessa sociedade midiatizada é pensar que o interesse não está primordialmente no acontecimento em si, mas em promovê-lo para que este penetre a esfera midiática. Para o autor,
  • 17. 16 a mediatização instaura uma condição em que os acontecimentos não são mais simplesmente anteriores à apreensão jornalística enquanto forma de julgamento daquelas rupturas no curso das coisas. As ocorrências são, muitas vezes, medidas e pesadas para que ganhem espaço na esfera de visibilidade midiática. (LAGE, 2011, p. 8). Uma característica importante da comunicação midiática contemporânea é explicada por Charaudeau, quando este afirma que a transmissão e o consumo do acontecimento estão cada vez mais consubstanciais ao seu surgimento (CHARAUDEAU APUD FONSECA & VIEIRA, 2011). Apesar de não se caracterizar, necessariamente, pela copresença espaço-temporal, a comunicação midiática contemporânea carrega o caráter da cotemporalidade, segundo Fonseca e Vieira (2011), na medida em que aproxima o instante do surgimento do acontecimento e o instante do consumo da notícia. Considerar o cenário da sociedade midiatizada na análise do acontecimento midiático implica em rever as diferentes formas de interação social e como as mídias comunicacionais tem-nas transformado. O livro de Thompson, A Mídia e A Modernidade (1999), é uma referência recorrente nesta discussão. Nesse livro, o autor aborda as diferenças entre a interação face a face, interação mediada e a quase-interação mediada. Para o autor, a interação face a face se caracteriza pelo compartilhamento de mesma estrutura de espaço e tempo, numa situação de copresença, o fluxo comunicacional é dialógico e há multiplicidade de referências simbólicas: palavras, gestos, entonação e expressões, por exemplo. As mídias comunicacionais trouxeram novas formas de interação com características intrinsecamente diferentes. Thompson chama de interação mediada atividades como a escrita de cartas e a conversa ao telefone, que são atividades que “implicam uso de um meio técnico (papel, fios elétricos, ondas eletromagnéticas, etc.) que possibilitam a transmissão de informação e conteúdo simbólico para indivíduos situados remotamente no espaço, no tempo, ou em ambos” (THOMPSON, 1999, p. 78). As interações mediadas fogem da copresença, reduz as referências simbólicas, mas mantém o caráter dialógico.
  • 18. 17 À interação gerada pelos meios de comunicação de massa, Thompson (1999) dá o nome de quase-interação mediada. Em discussão posterior, ele argumenta que é “altamente monológica e que envolve a produção de formas simbólicas direcionadas a um espectro indefinido de receptores em potencial” (THOMPSON, 2008, p. 19). Há, também, escassez de referências simbólicas e distensão da interação no tempo e no espaço. Essas características não excluem o fato de os meios de comunicação de massa gerarem, sim, interação e vínculos sociais. O autor acrescenta, nesta discussão posterior, características da comunicação mediada por computador. Thompson (2008) a analisa de forma semelhante às formas de interação e quase-interação mediada. A interação mediada por computador consegue mesclar diversas das características dos outros tipos de interação. Quanto à relação espaço-tempo, ela pode tanto presumir um contexto de copresença, quanto a sua separação e também proporcionar uma disponibilidade estendida no tempo e no espaço. As deixas simbólicas são mais limitadas que na interação face a face, mas ainda mantém o seu caráter de multiplicidade. A comunicação mediada por computador pode se dar de forma dialogal ou monológica, com interlocutores definidos ou pressupondo um número indeterminado de receptores potenciais. Isso acontece porque são diversas as situações de interação proporcionadas por tais tecnologias que vão desde a troca de e-mails e mensagens instantâneas aos blogs, por exemplo (THOMPSON, 2008). Falar de interação mediada por computador implica em falar numa interação em rede, na qual a midiatização da sociedade contemporânea é tecida. E é nessa interação em rede, também, que se processam os acontecimentos midiáticos, em conexões de mídias digitais. E, para entendê-los, é primordial compreender o funcionamento e a dinâmica dessa rede. 2.2 Dinâmica de rede Para entender a dinâmica de rede, é preciso, primeiramente, conhecer os elementos que a compõem. Uma rede é formada, essencialmente, por dois elementos: os nós e as conexões entre eles. Sendo assim, as redes se caracterizam
  • 19. 18 pela topologia, pela sua estrutura, isto é, apenas as relações entre os pontos são consideradas, como enfatiza Virgínia Kastrup: Pouco importam suas dimensões. Pode-se aumentá-la ou diminuí-la sem que perca suas características de rede, pois ela não é definida por sua forma, por seus limites de extremos, mas por suas conexões, por seus pontos de convergência e de bifurcação. Por isso a rede deve ser entendida com base numa lógica das conexões, e não numa lógica das superfícies. (KASTRUP, 2004, p. 80). O conceito de rizoma, trazido por Deleuze e Guattari (1995), se destaca dentre as figuras topológicas da rede, sobretudo quando se trata de rede social. Esse conceito busca abranger a multiplicidade de conexões assimétricas, com seus fluxos de comunicação não-regulares, e caracteriza um alto grau de imprevisibilidade. Uma das principais características desse conceito, descrita por Deleuze e Guattari (1995; APUD KASTRUP, 2004), refere-se ao princípio de conexão, que sustenta que qualquer nó pode se conectar a qualquer outro. Dessa forma, é impossível identificar um gerador único de informação. O rizoma não obedece ordem hierárquica. Ele se caracteriza pela multidirecionalidade: cresce em todas as direções. “As conexões ou agenciamentos provocam modificações nas linhas conectadas, imprimindo-lhes novas direções, condicionando, sem determinar, conexões futuras” (KASTRUP, 2004, p. 81). Outro princípio de funcionamento do rizoma que vale ser destacado é o princípio da heterogeneidade de seus nós, em que relações e sentidos são estabelecidos de formas diversas: a linguagem é apenas uma das muitas linhas que dele fazem parte (DELEUZE & GUATTARI, 1995; KASTRUP, 2004)1. 1 Além dos princípios da conexão e da heterogeneidade, Deleuze e Guattari (1995) descrevem mais quatro princípios do rizoma: princípio da multiplicidade, da ruptura, de cartografia e de decalcomania. Os dois primeiros princípios foram destacados por serem mais pertinentes à discussão proposta pelo trabalho.
  • 20. 19 Para a abordagem proposta neste trabalho, as redes que serão tratadas são as redes sociais na Internet, que são redes criadas pela interação mediada pelo computador, ao conectar pessoas e organizações, transformando as formas de identidade, conversação e mobilização social. No caso das redes sociais, os nós são representações, geralmente individualizadas e personalizadas, de atores sociais, que são os indivíduos envolvidos na rede, que moldam as estruturas sociais (RECUERO, 2009; 2010). As conexões se dão através da interação social entre os atores mediada pela Internet, nas suas mais diversas formas. Recuero (2009) lembra que as redes sociais na Internet não devem ser confundidas com os sites que as suportam. Na verdade, os chamados sites de redes sociais podem abarcar várias delas e as publicizam. Orkut, Facebook e o próprio Twitter, por exemplo, são sites que dão suporte a diversas redes sociais que se apropriam dos sistemas oferecidos por eles. Para entender parte da dinâmica das redes sociais, Capra (2008), comparou-as com as redes biológicas e destacou suas principais características. A primeira delas é a autogeneração: as redes sociais criam-se, recriam-se e passam por transformações estruturais contínuas. As redes sociais, como redes de comunicação, geram estruturas imateriais – pensamentos e significados, regras e comportamentos compartilhados, as estruturas de sentidos – e materiais – quando se refere à documentação, como é o caso dos textos escritos. Para Capra (2008), essas estruturas são “incorporações de sentido compartilhado gerado pelas redes de comunicações da sociedade” (p. 27). Outra característica descrita pelo autor refere-se aos limites da identidade. As interações mútuas entre os diversos nós da rede criam um sistema compartilhado de sentido e conhecimento: a cultura. E é através dela que a rede gera seu próprio limite de identidade, “o qual é permanentemente mantido e renegociado pela rede de comunicações” (CAPRA, 2008, p. 23). São regras de comportamento produzidas pela própria rede social e impõem restrições ao comportamento dos seus próprios membros. Os estudos de Raquel Recuero (2010) convergem com o que é dito por Capra (2008) ao dizer que as redes sociais estão sempre sofrendo modificações.
  • 21. 20 Modificações estas que são influenciadas pelas interações entre os atores. Thacker (APUD RECUERO, 2010) afirma que “as redes são inerentemente dinâmicas, com mudanças constantes e variáveis, ambas dentro da composição dos nós individuais e das relações entre os nós” (p. 80). Um aspecto da dinâmica de rede social destacada por Recuero (2010) é quanto à sua emergência. Essa característica está relacionada ao surgimento de comportamentos coletivos, que vêm de baixo para cima. Em sistemas complexos tais como as redes sociais, esses comportamentos emergentes e coletivos serão evidenciados e serão capazes de impactar a estrutura da rede. Fenômenos emergentes essenciais para a manutenção dessa dinâmica das redes sociais são a cooperação, a competição e o conflito. A cooperação é, para Recuero, o “processo formador das estruturas sociais” (RECUERO, 2010, p. 81). O conflito tende a gerar hostilidade, desgaste e ruptura na estrutura social (caso supere a cooperação). A competição é caracterizada pela luta, mas não está necessariamente relacionada à hostilidade do conflito; pode, inclusive, gerar cooperação entre os membros de uma mesma rede. Outros comportamentos emergentes citados pela autora são a agregação e o rompimento de indivíduos com a estrutura da rede social, além da auto- organização e adaptação da própria rede. Há alguns valores e aspectos, mencionados por Recuero (2010) que são intrínsecos às redes sociais na Internet, devido ao caráter da comunicação mediada por computador. O primeiro é o valor da visibilidade. Ao permitir que os atores sociais estejam mais conectados, os sites de redes sociais na Internet provocam um aumento da sua visibilidade. Desta forma, quanto mais visível é o ator, maior a probabilidade de ele receber certas informações que estejam, porventura, circulando em meio à rede. O valor da reputação está muito ligado à visibilidade. Refere-se à relação entre um nó e aqueles para os quais está visível e à percepção deste construída por eles. É a consequência das impressões emitidas e percebidas. Desta forma, a reputação constrói uma noção de confiança naquela interação.
  • 22. 21 A popularidade refere-se à audiência, ao grau de centralidade de um nó dentro da rede, já que um nó central possui mais pessoas a ele conectadas. Devido a essa centralidade, esse ator social com maior grau de centralidade tende a ter uma maior capacidade de influência que outros atores pertencentes à mesma rede. A esse poder de influência, dá-se o nome de autoridade, o último valor descrito por Recuero (2010). Também está fortemente relacionado à reputação, já que transmite a ideia de confiança. Mais um aspecto que caracteriza as redes sociais na Internet é quanto à circulação de informações. A estrutura das redes influencia e causa alterações na circulação de informações (RECUERO & ZAGO, 2011) e a Internet permite que, como resultado das interações nas redes sociais e da sua dinâmica, os processos de difusão de informações emirjam, geralmente, como coloca Recuero (2010), “de forma quase epidêmica, alcançando grandes proporções tanto on-line quanto off- line” (p. 116). Raquel Recuero e Gabriela Zago (2011) destacam que o valor não está na informação em si, mas no acesso a ela e ao seu conteúdo. E são três os elementos, de acordo com Burt (APUD RECUERO & ZAGO, 2011), que traz o referido valor: o acesso, o tempo e as referências. O acesso refere-se à obtenção de informações que sejam relevantes. O tempo tem relação com a velocidade do acesso, com o recebimento de informações antes dos demais atores da rede social. Esse é um elemento importante, porque “se uma informação nova é colocada na rede, ela tende a receber mais atenção”, afirmam Recuero e Zago (2011, p. 4). As referências se relacionam com processo de filtragem das informações recebidas e com a legitimação das que lhes são interessantes. Com a liberação do polo da emissão, a mídia de massa não mais detém por completo o poder da informação. Esse poder é compartilhado com mídias sociais na perspectiva da circulação dos acontecimentos midiatizados. Juntamente com os sites de redes sociais na Internet, surgiram, também, novas formas de produzir informações e fazê-las circular (Recuero, 2011). Dessa maneira, os próprios atores criam e difundem as informações dentro da rede social da qual fazem parte. A própria tecnologia e características dos sites de redes sociais contribuem para esse
  • 23. 22 processo de criação e circulação de informação, ao proporcionar a publicização e interconexão social. Essa nova "dimensão" de rede social também passou a ser utilizada em serviços informativos modificando os fluxos informacionais também no ciberespaço. Sites como o Twitter, o Facebook e, mais recentemente, o Google+ passaram assim a dar também uma nova dimensão informativa para a sociedade, gerada pela construção e pelo espalhamento das informações pelas redes sociais suportadas pelas ferramentas. Com isso, ferramentas cujo princípio basilar seria social passam a ter um novo valor informativo diferenciado. (RECUERO, 2011, p. 6). Esses fragmentos de informação reconhecíveis que sobrevivem e são reproduzidos e difundidos pelos próprios atores através das redes sociais na Internet são chamados de memes (RECUERO, 2010). A partir dessa perspectiva, o meme é parte da dinâmica social da rede e é potencializado por ela. E, para compreender como essas informações são compartilhadas e difundidas por meio das redes sociais, vale salientar a classificação dos memes proposta por Recuero (2010). A autora classifica-os segundo quatro características, que são essenciais à sobrevivência dos memes: fidelidade da cópia, longevidade, fecundidade e alcance. A fidelidade está relacionada à capacidade de o meme gerar cópias semelhantes ao original e demonstra o valor interacional do meme, devido ao fato de se referir à participação dos atores na personalização e alteração dos memes e às trocas sociais. Neste quesito, os memes podem ser replicadores – passam por variação reduzida, com principal função de informar um fato –, metamórficos – sofrem por alterações e reinterpretações completas, com função principal de discussão da informação compartilhada, incentivando a interação – ou miméticos – sofrem transformações, mas a estrutura dos memes permanece a mesma, sendo facilmente reconhecidos como imitações e tem como característica principal o fato de permitir a personalização.
  • 24. 23 A longevidade se caracteriza pela capacidade do meme de permanecer ao longo do tempo e, apesar de não indicar o valor construído pelo meme, mostra o grau de valor agregado a ele: “Quanto mais tempo um meme permanece, mais valor agregado está à sua difusão” (RECUERO, 2010, p. 127). Os memes podem ser, nessa perspectiva, persistentes – continuam sendo difundidos e compartilhados durante um largo espaço de tempo ou voltam a serem compartilhados depois de terem desaparecido por um tempo – ou voláteis – têm um curto período de difusão ou são modificados a ponto de se tornarem novos memes. Já a fecundidade de um meme se refere à sua capacidade de gerar cópias de si mesmo. Os memes são epidêmicos – aqueles que apresentam alto grau de difusão nas redes sociais, geralmente determinados por modismos – ou fecundos – não chegam a se caracterizar como epidêmicos, mas se espalham por grupos menores. A última característica essencial dos memes, descrita por Recuero (2010), é quanto ao alcance do meme na rede. Eles podem ser globais – alcançam nós distantes entre si, mesmo que não sejam caracterizados como fecundos, transitando, em sua maior parte, pelos laços fracos da rede – ou locais – ficam restritos a poucos nós que são mais próximos, através, geralmente, de laços fortes, o que não impede que se tornem memes globais. É importante destacar, ao se tratar de compartilhamento através das redes sociais, que esta não é uma cultura inaugurada com a Internet. O compartilhamento e a troca de informações fazem parte da interação da sociedade e de toda dinâmica cultural (LEMOS, 2004). Mas a cultura que gira em torno da Internet é fruto das facilidades de cooperação e troca de arquivos e informações. Lemos (2004) considera natural que a cultura do compartilhamento se estabeleça de forma tão forte no ciberespaço, pelo fato de a Internet ser um ambiente social em rede que é aberto, lugar de contato e interação, caracterizando, como já mencionado, a liberação do polo da emissão. É nessa interação, a partir do compartilhamento de informações através das redes sociais na Internet, e na integração entre lógicas jornalísticas e lógicas de redes sociais conectadas que se dão os acontecimentos em rede, aqui investigados.
  • 25. 24 2.3 Acontecimento midiático em rede O acontecimento se institui sempre segundo as dinâmicas e lógicas de funcionamento desse ambiente no qual se engendra. Pierre Nora (APUD HENN, 2011) sugere que a sua natureza passa a conter as dinâmicas dos meios em que ele se forma. A Internet torna-se, então, uma ambiência de geração e de divulgação de acontecimentos, que são chamados, por Ronaldo Henn (2011) de webacontecimentos: Neste cenário propõe-se o termo webacontecimento para designar acontecimentos que se constituem a partir de lógicas específicas das plataformas instituídas no ambiente da web tanto no que diz respeito à sua produção quanto à sua disseminação. (HENN, 2011, p. 7). Algumas características são próprias desses acontecimentos em rede, ou webacontecimentos, ao tratar tanto da produção, quanto da difusão destes através das redes sociais. O primeiro ponto a ser destacado é quanto ao papel dos atores sociais na divulgação. Enquanto a prática do jornalismo tradicional detinha o poder de escolha dos acontecimentos que ganhariam visibilidade midiática por meio do jornalismo, segundo os critérios de noticiabilidade, no caso do acontecimento em rede, a escolha é muitas vezes feita pelos usuários, segundo o que lhes interessa na rede, seja a escolha referente a acontecimento jornalístico ou não. Os atores sociais, representados em cada nó das redes sociais, filtram as informações no momento de compartilhá-las com os atores a eles conectados – que, por sua vez, têm o poder de ampliar a propagação de tais acontecimentos em suas redes específicas. Trata-se, assim, de acontecimentos que se expandem em conexões entre redes de redes na Internet. E é através dessas mediações sobrepostas que os acontecimentos em rede se propagam.
  • 26. 25 Dessa forma, o acontecimento que circula nas redes sociais pode conquistar grande visibilidade midiática, independente de terem sido tematizados pelos meios de comunicação de massa tradicionais. Muitas vezes, as mídias tradicionais veem-se impelidas a tratar de acontecimentos em rede que conquistam grande visibilidade nas conexões de mídias digitais, incorporando-os como parte da sua própria agenda (HENN, 2011; ANTOUN & MALINI, 2010). E essa visibilidade relaciona-se, em parte, com a velocidade com que a circulação e difusão de informações na rede ocorre, muitas vezes com repercussão seja imediata. A visibilidade de um acontecimento adquirida em redes sociais na Internet o tornam um acontecimento midiático e, ao ser abordado como pauta jornalística, configura-se como acontecimento jornalístico. Com isso, o acontecimento alcança ainda mais visibilidade, o que faz dele ainda mais presente nas discussões e compartilhamentos nas redes sociais na Internet. O inverso também acontece, na medida em que um acontecimento jornalístico, por sua visibilidade e característica de acontecimento midiático, é divulgado e discutido nas redes da Internet, conquistando maior visibilidade e audiência e, por isso, é novamente veiculado por meio do jornalismo tradicional. Outra característica dos acontecimentos midiáticos em rede se refere às novas configurações espaço-temporais que são estabelecidas. A instantaneidade com que as informações são divulgadas nos sites de redes sociais na Internet faz com que o fator da atualidade seja ainda mais valorizado quando tratamos de acontecimento em rede. Afinal, informações mais recentes tendem a ser mais valorizadas e a receber mais atenção e visibilidade na rede. E essa urgência do que é instantâneo e a dinâmica do fluxo de conteúdo no tempo ultrapassam as barreiras espaciais, que são suprimidas num grau cada vez mais rápido (HENN, 2011). Algumas outras características da produção e difusão do acontecimento em rede estão diretamente relacionadas à plataforma (ou plataformas) de rede social na qual ele circula. No presente trabalho, o caso é analisado com base na sua circulação no Twitter e, para que isso aconteça, o próximo capítulo aprofundará em questões específicas desse site de redes sociais.
  • 27. 26 3 ACONTECIMENTO MIDIÁTICO NO TWITTER 3.1 O Twitter como ambiente sociocomunicacional em rede Como um site de redes sociais, o Twitter é uma ambiência que oferece interação entre diversos atores sociais que se conectam em diversas instâncias. Através de curtas publicações, reproduções de postagens já feitas ou estabelecendo relações de amizade, por exemplo, os usuários do site interagem, criando laços entre si. O site foi lançado em julho de 2006 e é estimado que tenha cerca de 140 milhões de contas ativas no mundo inteiro2. A forte adesão social tem sido um grande diferencial do Twitter quando comparado a outras plataformas semelhantes oferecidas por outros sites. 3.1.1 O serviço de microblogging O Twitter foi criado com o propósito de microblogging, isto é, uma forma de publicação de blog que permite que os usuários façam atualizações curtas – no caso do Twitter, o limite é de 140 caracteres, mas outros serviços podem estender o limite até 200 caracteres, geralmente. Dois outros sites ofereciam serviços semelhantes ao Twitter: o Jaiku e o Pownce. O Jaiku foi lançado em fevereiro de 2006 e comprado pela Google em 2007. Porém, a Google passou, em 2009, a não mais se responsabilizar pelo desenvolvimento da ferramenta, que teve seu desenvolvimento feito, a partir daí, por voluntários. Com o lançamento do serviço Google+ e a baixa adesão ao Jaiku, a plataforma foi fechada em janeiro de 2012. O Pownce teve ainda menos tempo de existência: foi lançado em junho de 2007 e fechou em dezembro de 2008, apesar de ter recebido boas críticas quando comparado ao Twitter, principalmente por ser 2 Esse dado foi divulgado no blog do Twitter, em março de 2012, apesar de a empresa não divulgar o número exato de contas criadas (Disponível em: http://blog.twitter.com/2012/03/twitter-turns-six.html. Acesso em: 19 de maio, 2012). Outras empresas realizam estudos com estimativas do número de perfis criados, como é o caso da Semiocast (http://semiocast.com) que estimou que o Twitter tem 383 milhões de contas criadas, sendo que o Brasil é o segundo país com maior número de perfis criados – 33,3 milhões (Acesso em: 15 de maio, 2012).
  • 28. 27 considerado melhor na capacidade de monitoramento de discussões dentro do site3. O seu fechamento também foi devido à incapacidade de concorrer com o Twitter. Algumas outras plataformas de microblogging pouco populares permanecem até hoje, como é o caso do Confabular4 e Camping Club5, que utilizam a ferramenta de software livre StatusNet6, plataforma que oferece integração ao Twitter, ao mesmo tempo que se propõe como uma alternativa a ele. Dessa forma, esses sites acabam por referenciar o Twitter como sendo a maior plataforma de microblogging. Um dos principais fatores do sucesso do Twitter pode ser atribuído à forte adesão social a ele. O grande número de usuários participantes do site, desde o seu início, fez com que outros indivíduos já conectados a eles de alguma forma fossem atraídos pela plataforma em detrimento de outra semelhante. A vantagem do Twitter de oferecer acesso a partir de aparelhos móveis – como celulares e tablets – também contribui para que ele tenha mais popularidade que outros microblogs. Recuero e Zago (2009), porém, renunciam a essa definição do Twitter como um microblog pelo fato de a plataforma diferir do sistema de blog em aspectos que vão além da extensão das publicações. Por esse motivo, as autoras optam por se referir ao site como um serviço de micromensagens. Algumas dessas diferenças entre plataformas como o Twitter e os blogs referem-se à estrutura, à audiência da postagem feita, às informações e conversações e à temporalidade. Diferem quanto à estrutura no sentido em que, enquanto os espaços de fala no Twitter são todos iguais, os blogs oferecem espaços distintos entre quem faz uma publicação e quem a comenta. As diferenças referentes à audiência das publicações estão relacionadas ao fato de que por mais que o acesso ao perfil do Twitter seja público, a postagem é, geralmente, destinada apenas aos seguidores do perfil em questão, enquanto as publicações feitas em blogs são sempre abertas a qualquer indivíduo. As informações e conversações são 3 Como apresentado por Rafe Needleman, numa matéria que comparava o Pownce ao Twitter, mencionando também o Jaiku. Disponível em: <http://news.cnet.com/8301-17939_109-9739958- 2.html>. Acesso em: 04 de junho, 2012. 4 http://www.confabular.com.br 5 http://www.campingclub.com.br 6 http://status.net
  • 29. 28 diferentes devido ao fato de que os conteúdos publicados em blogs são, geralmente, mais aprofundados e completos, enquanto no Twitter as conversações são resumidas e as informações, breves e rápidas. Já a diferença quanto à temporalidade refere-se à questão de que postagens antigas feitas em blogs são facilmente acessadas, enquanto as publicações feitas no Twitter são perdidas e raramente acessadas, já que os usuários da rede dificilmente recorrem ao que foi falado no passado, mas valorizam e eternizam o presente. 3.1.2 Características sociocomunicacionais do Twitter Pela brevidade do conteúdo publicado no Twitter, característico do serviço de microblogging ou micromensagem, pouco tempo e esforço é requerido aos usuários, o que incentiva que o perfil dos usuários seja atualizado com maior frequência que em um blog convencional: enquanto um blog é geralmente atualizado uma vez a cada poucos dias, o Twitter pode ser atualizado mais de uma vez por dia (JAVA et al., 2007). Outra característica que contribui para maior frequência de atualização é a possibilidade de o site ser acessado de qualquer lugar, através de aplicativos para celular, por exemplo. Esses fatores favorecem a instantaneidade da publicação de conteúdo no site: a qualquer hora, de qualquer lugar, com pouco esforço e tempo necessário. É devido às interações em rede que se dão entre os diversos atores sociais que participam do Twitter, representados pelos seus perfis, que o site se configura como um site de redes sociais. Essas interações ocorrem, prioritariamente, de duas formas: seguindo ou sendo seguido. Quando o usuário segue outro, ele vê todas as suas publicações em tempo real. Da mesma forma, quando este é seguido, todas as suas postagens são vistas pelo seu seguidor. Essa relação pode ser mútua – ao seguir e ser seguido por este usuário – ou não. Categorizando os usuários segundo o tipo de relações que eles estabelecem, pode-se afirmar que quando as suas conexões mútuas são predominantes, o usuário se classifica como amigo, ao manter e priorizar relações de amizade com os outros indivíduos na rede através, principalmente, de conversas por meio do site (JAVA et al., 2007). Quando o indivíduo tem um grande número de seguidores, principalmente quando é mais seguido do que segue outros usuários,
  • 30. 29 trata-se de uma fonte de informações. Mesmo que esse usuário faça publicações com pouca frequência, o seu número de seguidores permanece alto pela relevância das suas atualizações para os seus seguidores. Já quanto àqueles que seguem mais usuários do que são seguidos e não se preocupam tanto com a frequência das suas postagens, Java et al (2007) classifica-os como buscadores de informação. Vale lembrar que o Twitter congrega tanto usuários anônimos, quanto celebridades. A reputação, autoridade e visibilidade já conquistadas por essas celebridades fora da Internet são transportadas para a rede. Com isso, esses indivíduos adquirem rapidamente um grande número de seguidores, que lhes atribuem ainda mais visibilidade, caracterizando a centralidade desses nós na rede. Por outro lado, diversas celebridades surgem a partir do Twitter. Pela replicação de suas publicações e compartilhamentos, a visibilidade, a autoridade e a reputação de usuários antes anônimos são aumentadas e, dessa forma, mais seguidores são adquiridos. Outra forma de interação entre os nós das redes sociais acontece por meio das conversações, que podem ser públicas – com um tuite direcionado ao seu destinatário, independente de seguir ou ser seguido por ele – ou privadas – através das direct messages (DMs), que são mensagens enviadas diretamente a um usuário por quem é seguido. Os usuários do Twitter também podem interagir através de retuites, que são replicações de um tuite, uma espécie de citação de outro usuário. O retuite pode ser manual – a postagem é antecedida da sigla “RT” e o nome do usuário que fez a publicação original ou seguida da palavra “via” e o nome do usuário que tuitou o texto original, podendo ser editado – ou automático, através da opção “retweet” que o próprio site oferece, que distribui aquela publicação aos seus seguidores. Por ser uma possibilidade dada pelo próprio sistema, o retuite é o principal facilitador do compartilhamento e circulação de informações e notícias no Twitter. O retuite segue o conceito de fidelidade no compartilhamento do meme. Quando feito de forma automática, ele se caracteriza pela replicação, ao criar cópias exatas da informação publicada. Já quando ele ocorre de forma manual, ele permite a alteração da postagem, dando oportunidade à sua metamorfose.
  • 31. 30 Essas diversas interações ocorridas no Twitter se dão conforme a definição de interação mediada por computador de Thompson (2008), em que há multiplicidade das deixas simbólicas, embora limitadas e oportunidade de acontecimento de diálogos através das possibilidades de resposta com um tuite direcionado ou mensagens diretas. Quanto aos interlocutores, eles são, a princípio, definidos: os seguidores de cada usuário são o público ao qual as mensagens são destinadas. Porém, ele pode ser aumentado conforme a postagem é retuitada, por exemplo. As informações postadas e circuladas no Twitter são, na maior parte das vezes, compartilhadas através de links. Esse compartilhamento tem sido muito facilitado através de ferramentas como o botão de tuite que pode ser incluído em sites para que, antes, durante ou depois da sua leitura, o visitante do site possa compartilhar a informação. Outros facilitadores são os encurtadores de URL, que reduzem o número de caracteres da URL que o usuário deseja compartilhar, para que seu tuite não ultrapasse o número máximo de 140 caracteres. Sobre o espalhamento de informações no site, Recuero e Zago (2011) defendem que a principal função do usuário quanto ao compartilhamento é, além da divulgação em si, a filtragem das informações que são divulgadas. Para que a informação chegue a pontos mais distantes das redes no Twitter, é preciso que usuários ativos estejam dispostos a dispender tempo e atenção selecionando publicações para repassar [...]. A ação de alguns gera um benefício coletivo, que é a divulgação e a filtragem das informações. (MAIA, 2006, p. 03). Recuero (2009) destaca também que, quando a informação compartilhada é proveniente de um veículo de notícias, o ator, ao replicá-la, dá credibilidade à sua fonte, mas também toma parte dessa credibilidade para si. Nesse contexto, Zago (2010) reforça o argumento de que, os atores das redes sociais na Internet não utilizam deste ambiente apenas para o compartilhamento de notícias e informações, mas também para comentá-las.
  • 32. 31 Duas funcionalidades do Twitter contribuem para a organização desses comentários. A primeira são os Trending Topics, uma listagem em tempo real fornecida pela própria plataforma que dispõe os assuntos que estão sendo mais discutidos no site numa determinada localidade – que pode ser mundial, um país específico ou até mesmo uma cidade –, sejam eles referentes a acontecimentos jornalísticos ou não. Através dessa lista, pode-se visualizar o que está sendo falado pelos participantes do site sobre determinado assunto. Outra funcionalidade é a possibilidade de gerar as chamadas hashtags, que são palavras ou assuntos antecedidos do sinal #, que cria um link automático para o termo que leva a uma página que dispõe, também em tempo real, todas as publicações feitas com a utilização daquela mesma hashtag. Através dessas duas funcionalidades, mesmo os atores que não tinham conexões entre si, passam a interagir através de discussões sobre o mesmo tópico. Além disso, diversas vezes, os assuntos mais discutidos agendam os veículos jornalísticos, servindo de fonte de informações para a mídia, já que são capazes de gerar mobilizações e conversações de interesse jornalístico (RECUERO, 2009; ZAGO, 2010). 3.2 Entre o banal e o jornalístico No Twitter, é possível perceber mais facilmente a imposibilidade de separação entre os acontecimentos banais e os acontecimentos jornalísticos, pois eles se confundem ainda mais. O agendamento das pautas jornalísticas que o Twitter proporciona muitas vezes não acontece pelos acontecimentos enquadrarem- se nos critérios determinados pela prática jornalística, mas, sim, pela visibilidade e difusão que o tema alcançou dentro do site. São acontecimentos que nem sempre se caracterizam pelo excesso, pela falha ou pela inversão, que são os atributos de notabilidade definidos por Rodrigues (1993). Notabilidade esta que é conferida – muitas vezes exclusivamente – pela visibilidade e repercussão que o acontecimento alcançou no Twitter.
  • 33. 32 Como já mencionado, os acontecimentos midiáticos em rede são determinados pelos filtros que os próprios usuários aplicam e é a partir dessa filtragem que certos acontecimentos têm sua visibilidade ampliada, chamando a atenção da mídia tradicional. Com isso, muitos dos acontecimentos que têm seu início nas redes sociais e são abordados pelo jornalismo, alcançam notoriedade e ficam em meio aos dois extremos: acontecimento banal e acontecimento jornalístico. É por essa visibilidade adquirida, geralmente devido ao grande número de seguidores do usuário – quando se trata de uma celebridade, principalmente –, à quantidade de retuites, que faz com que a postagem alcance nós distantes um do outro na rede, ou à caracterização do tema como uma tendência – que é o caso dos Trending Topics –, que o acontecimento, mesmo banal, passa a ter potencial jornalístico. A visibilidade traz a notoriedade, que é fator importante para que o assunto seja tratado na mídia. Sites de jornalismo online como o G17 e o Folha.com8, por exemplo, noticiam diariamente os assuntos populares do Twitter – os Trending Topics –, explicando cada um deles e comentando cada tema. Além disso, várias notícias são publicadas utilizando, como fontes principais, tuites de celebridades, políticos ou empresas. Um exemplo recente é acerca de tuites da atriz Susana Vieira referindo- se ao vazamento de fotos de sua colega Carolina Dieckmann. A atriz Carolina Dieckmann teve fotos íntimas divulgadas na Internet no início do mês de maio de 2012, assunto que foi muito comentado em sites de redes sociais, principalmente no Twitter – alcançando os Trending Topics – e também na mídia tradicional. O posicionamento de Susana Vieira com relação ao ocorrido – publicado através de tuites como “Feliz em ver que a policia está agindo no caso da Carolina Dieckmann. Privacidade é um direito de TODO ser humano!”9 – rendeu diversas matérias em sites jornalísticos. 7 http://g1.globo.com 8 http://folha.uol.com.br 9 Tuite publicado no dia 15 de maio de 2012. Disponível em: http://twitter.com/eususanavieira. Acesso em 19 de maio, 2012.
  • 34. 33 Outro exemplo se deu em janeiro de 2012, quando a hashtag “#LuizaEstanoCanada” e a frase “menos Luiza, que está no Canadá” 10 ganharam popularidade entre os brasileiros no Twitter, alcançando os Trending Topics no Brasil. Com a visibilidade atribuída ao caso, ele repercutiu não só nos sites de redes sociais, mas também nos meios de comunicação tradicionais – como no Jornal Hoje, da Rede Globo, que recebeu a visita e entrevistou Luiza, falando sobre o acontecimento. Foi um meme que emergiu no Twitter e se propagou até ganhar visibilidade o suficiente para atrair a atenção da mídia. A banalidade do cotidiano compartilhada no site está de acordo com a proposta do próprio Twitter. Porém, os tuites vão além desse contexto ao, muitas vezes, abranger aspectos testemunhais dos usuários e publicizar momentos de ruptura na rotina de cada indivíduo, caracterizando o surgimento de acontecimentos em rede. A necessidade do ser humano de falar de si e o que acontece ao seu redor (BERGER & TAVARES, 2010) unida à lógica de funcionamento da mídia incorporada pela sociedade, através do processo de midiatização (SODRÉ, 2006; BRAGA, 2006), leva os usuários a compartilharem parte do seu cotidiano e, principalmente, aquilo que dele irrompe. Inúmeras vezes os atores sociais que participam do Twitter publicizam e repercutem acontecimentos que são nitidamente de natureza jornalística, quase sempre de forma imediata ao surgimento do acontecimento, ao responder a pergunta proposta pelo site. 3.3 “O que está acontecendo agora?” O Twitter, quando lançado, provocava os seus usuários a responderem, através da sua publicação, a uma pergunta: “O que você está fazendo?”. As respostas a essa pergunta falariam sobre qual música estão ouvindo, qual livro estão lendo, o que estão comendo e o que estão assistindo, por exemplo. Porém, na realidade, as atualizações feitas no site eram mais do que simples respostas à pergunta proposta. Os atores sociais que participavam do site compartilhavam 10 Referente a um trecho de um comercial de empreendimento imobiliário em João Pessoa, em que o pai de Luiza Rabello, que estrelava o comercial, estando acompanhado da família, explicava que uma de suas filhas – Luiza – não estava presente por estar em intercâmbio no Canadá. O vídeo, que foi compartilhado no YouTube, passou a ser divulgado no Twitter, acrescido da hashtag.
  • 35. 34 imagens, vídeos e links que consideravam importantes, divulgavam notícias recentes e informavam sobre acidentes. Por esse motivo11, em novembro de 2009, o Twitter substituiu a antiga pergunta pelo questionamento: “O que está acontecendo agora?”. Portanto, a mudança da pergunta proposta emergiu coletivamente dos próprios atores sociais participantes do serviço, a partir da utilização que faziam dele. A nova pergunta, apesar de ter permanecido apenas até a última mudança de layout do site em dezembro de 201112, abrange os tipos de conteúdo publicados pelos usuários no site e a relação deles com o surgimento de acontecimentos midiáticos no Twitter. Sobre eles, é preciso compreender algumas características que são intrínsecas a esse ambiente em que eles são engendrados. O surgimento de acontecimentos midiáticos no Twitter se dá, num primeiro instante, pela resposta dos usuários à pergunta proposta pelo site – “O que está acontecendo agora?” – através de um tuite. O potencial de tornar-se um acontecimento midiático depende do grau de visibilidade que o compartilhamento atingir, segundo o conceito de fecundidade do meme. É nesse ponto que o papel dos usuários de atuarem como filtros de informações é importante. A escolha da informação que será reproduzida e compartilhada, no momento da filtragem, se dá a partir do conteúdo postado e dos conceitos de reputação e autoridade atribuídos pelo ator ao indivíduo que publico originalmente ou àquele, a quem ele está conectado, que já replicou o tuite – no caso de um retuite de um retuite. São os valores relacionados à confiança que regem a credibilidade atribuída ao conteúdo a ser compartilhado. Quando a confiança está presente na relação entre os nós, o retuite – acrescido ou não de comentários – é feito. Quando essa atitude é tomada de forma coletiva – tanto o relato do acontecimento quanto, principalmente, o compartilhamento desse fato podem ser 11 Conforme foi dito no blog oficial do Twitter. Disponível em: http://blog.twitter.com/2009/11/whats- happening.html. Acesso em: 19 de maio, 2012. 12 Após a última mudança de layout, o texto “Publique um novo Tweet...” aparece sem muito destaque, na caixa de texto destinada à redação dos tuites, ao invés da pergunta “O que você está fazendo agora?”.
  • 36. 35 ações feitas por diversos atores ao mesmo tempo –, a visibilidade do acontecimento tende a crescer, tornando o acontecimento, um acontecimento midiático. A própria estrutura de rede presente no Twitter contribui para que a difusão das informações aconteça de forma rápida e envolvendo até mesmo nós distantes da rede. Um usuário pode retuitar ou comentar uma informação publicada por outro usuário com quem nunca havia estabelecido uma interação antes, tanto por ter visto o conteúdo postado por ele através dos comentários e compartilhamentos feitos por quem ele segue, quanto por acompanhar alguma hashtag ou termo popular nos Trending Topics. Nós distantes da rede passam a falar sobre o mesmo acontecimento, compartilhando da mesma confiança atribuída, conquistando visibilidade em meio às redes sociais do sistema e chamando a atenção da mídia, que utiliza das informações ali compartilhadas para a produção de um conteúdo jornalístico. E, depois de presente no ambiente do jornalismo, o acontecimento retorna ao ambiente em rede do Twitter, já que, enquanto leem uma matéria no jornal impresso ou assistem ao telejornal, por exemplo, os participantes do Twitter compartilham novamente aquela informação. Ou, ainda, de forma mais fácil, quando se trata de jornalismo online, em que os usuários podem compartilhar a URL da notícia simplesmente clicando na opção de tweet geralmente disponibilizada nos sites. Esse ciclo do acontecimento que se engendra no Twitter, vai para além dele e retorna ao seu local de origem – agora com visibilidade e autoridade em grau ainda mais elevado –, com suas facilidades de compartilhamento e difusão, é que caracteriza o funcionamento do acontecimento midiático no Twitter. Porém, um processo invertido pode acontecer, quando o Twitter é considerado um local de circulação e recirculação de acontecimentos jornalísticos. Nesse aspecto, o Twitter não se configura apenas como um ambiente de agendamento ou fonte jornalística em tempo real. Hoje, ele também tem um papel essencial nas etapas de circulação e recirculação jornalística (ZAGO, 2010; 2011). Ele atua na fase de circulação quando o material jornalístico é compartilhado pelas próprias organizações jornalísticas que participam do Twitter ou quando um usuário divulga a notícia antes mesmo de consumir o produto jornalístico. A recirculação
  • 37. 36 acontece quando o conteúdo é divulgado por um indivíduo no Twitter depois de consumí-lo e ele passa a circular novamente nesse ambiente. Um acontecimento jornalístico, ao ser compartilhado no site por um usuário, atinge os seus inúmeros seguidores e tem a possibilidade de ser novamente divulgado – através de um retuite, por exemplo – para os seguidores destes, contribuindo para o processo de circulação jornalística e aumentando a visibilidade do acontecimento. Assim, no Twitter, um acontecimento pode ser experienciado de diversas formas na ferramenta. Pode-se utilizar a ferramenta para relatá-lo em primeira mão, para comentá-lo após receber de outras fontes, ou ainda para repassá-los após ter visto em outros lugares ou no próprio Twitter. Acontecimentos jornalísticos, por sua vez, costumam circular pela ferramenta de forma bem rápida, através de comentários, mensagens direcionadas a outros usuários e retweets (ZAGO, 2011, p. 61). Perfis como G1 13 e Folha de S. Paulo14 são exemplos de como, muitas vezes, as próprias organizações jornalísticas presentes no Twitter contribuem para a circulação de notícias no site. Como essas organizações são seguidas por muitos usuários e desfrutam, junto a estes, de reputação e autoridade, o conteúdo por eles compartilhados tendem a ser retuitados, comentados e discutidos, o que coopera para a circulação de acontecimentos jornalísticos no Twitter e para o aumento da visibilidade destes. Porém, os próprios usuários do Twitter podem iniciar esse processo de circulação e recirculação quando optam por compartilhar a matéria jornalística no Twitter, antes, durante ou depois de a terem consumido – seja copiando o link que leva à matéria, seja através de um tuite automático padronizado ao clicar nos botões de tweet presentes em muitos sites ou apenas fazendo referência a ela na plataforma do Twitter. Dessa forma, os acontecimentos jornalísticos conquistam 13 http://twitter.com/g1 14 http://twitter.com/folha_com
  • 38. 37 espaço entre as redes sociais na Internet, devido à visibilidade que já lhe foi atribuida pela mídia. Ao serem incorporados pelas redes sociais, os acontecimentos são discutidos, comentados e compartilhados. As opiniões dos atores sociais são publicadas em rede e o Twitter passa a potencializar a circulação e a discussão sobre os acontecimentos para além dos meios tradicionais de distribuição de informações jornalísticas (ZAGO, 2011). Um dos pontos importantes a serem levantados quando se fala de surgimento e circulação de acontecimentos no Twitter é quanto à credibilidade destes. Essa credibilidade é definida pelo grau de confiabilidade ou de especialização de quem diz algo e é geralmente tratada quanto à sua atribuição ao jornalismo dos meios de comunicação mais tradicionais (CARVALHO & TAVARES, 2011). Para as autoras, ela é “essencial à seleção de uma informação midiática por parte do receptor” (CARVALHO & TAVARES, 2011, p. 5) e relaciona-se com o filtro feito pela audiência que considera a probabilidade de ocorrência de inverdades na informação recebida. Nesse sentido, é papel do jornalista conservar a confiabilidade a ele atribuída. Porém, quando falamos de jornais online, principalmente, ou de jornalismo feito ou baseado nas redes sociais na Internet, é possível afirmar que nos encontramos num momento de transição no que se refere à credibilidade jornalística (SOSTER APUD CARVALHO & TAVARES, 2011). Isso principalmente pelo fato de que a velocidade ocasionada pelas novas tecnologias passa a ocupar um lugar de maior importância que a própria veracidade. No Twitter, como uma das suas principais funções é repassar a informação de forma rápida e como qualquer indivíduo que participa do sistema pode fazer publicações, é difícil definir, a princípio, a veracidade da informação divulgada. Muitos casos ocorreram, a nível local e global, em que uma falsa informação tornou-se midiática e, em muitas dessas ocasiões, a repercussão dentro do Twitter foi motivo para que as organizações jornalísticas a tomassem como
  • 39. 38 pauta, fazendo com que falsas notícias fossem divulgadas. Esse é um dos pontos da problematização de se utilizar conteúdo publicado no Twitter como fonte jornalística. É certo que o conteúdo disseminado pelo Twitter não possui uma checagem antes de ser publicado. Afinal, uma das principais particularidades do meio é essa: ser ágil (CARVALHO & TAVARES, 2011, p. 9). No Brasil, em junho de 2011, foi repercutido no Twitter o suposto falecimento de Amin Khader que, depois de seu amigo, David Brazil, lamentar sua morte em seu perfil no Twitter, jornalistas da Rede Record chegaram a confirmar o fato em programa ao vivo, além de diversas matérias publicadas em sites jornalísticos. Mais tarde, a situação teve de ser desmentida ao se descobrir que Khader estava vivo. Tudo isso aconteceu em questão de minutos e em nível nacional. Muitos outros casos semelhantes aconteceram com outras celebridades a mundialmente. Essas são falhas no sistema de filtro dos usuários, que atribuem confiança e credibilidade a falsos acontecimentos que circulam no Twitter e estes passam a repercutir a nível midiático na plataforma e fora dela. Alguns participantes do Twitter afirmam não confiar em informações publicadas no site e, segundo pesquisa desenvolvida por Zago (2011), os motivos para a falta de credibilidade por parte de muitos atores se dá pela rapidez com que as informações são publicadas e compartilhadas no site, a presença de usuários mal-intencionados ou fakes ou até mesmo a informalidade do serviço – não ser um ambiente organizado com o propósito de prover informações. Outros dizem preferir confirmar a informação vista no Twitter em outros meios antes de considerá-la confiável. Entretanto, aqueles que afirmam confiar nas informações publicadas no site justificam que escolheram seguir apenas pessoas a quem atribuem confiança – devido à reputação e autoridade referentes aos indivíduos seguidos – e, por isso, podem confiar no que é postado por eles. O que caracteriza o filtro que é feito pelos
  • 40. 39 próprios atores da rede social. A imediaticidade que é considerada um ponto negativo para alguns dos que não confiam nas informações circuladas no Twitter é, ao mesmo tempo, uma questão que confere credibilidade para outros usuários à medida que a veracidade das publicações pode ser verificada também de forma imediata. Apesar da questão da credibilidade ser uma problemática presente no Twitter, o site não deixa de ser um meio que produz, faz circular e dá visibilidade a acontecimentos, tornando-se um ambiente de grande potencial jornalístico, com a contribuição dos diversos atores sociais ali presentes.
  • 41. 40 4 A MORTE DE OSAMA BIN LADEN NO TWITTER 4.1 A singularidade do acontecimento A morte do líder da Al Qaeda Osama Bin Laden foi um acontecimento de repercussão mundial, principalmente pela sua importância política. Apesar de se caracterizar como um acontecimento imprevisto, a sua ocorrência era esperada desde o ataque, planejado e executado pela Al Qaeda, ao World Trade Center, em 11 de setembro de 2001. Desde então, o governo dos Estados Unidos vem trabalhando no que o país chama de “luta ao terror”, tendo Bin Laden como principal alvo. Osama se tornou, então, um forte símbolo do terrorismo para os estadunidenses e também, por isso, para grande parte do mundo. A importância política se dá principalmente pelo fato de que foram quase dez anos de busca pelo esconderijo e captura do líder da Al Qaeda por parte do governo estadunidense. Por se tratar de uma potência mundial, é comum a repercussão global daquilo que tem forte apelo dentro do país. Mas o principal motivo para o estudo desse caso no presente trabalho é o papel essencial exercido pelo Twitter e seus usuários na construção e repercussão desse acontecimento. Estima-se que o acontecimento rendeu um recorde de tráfego de conversações no Twitter: durante o pronunciamento do presidente dos Estados Unidos Barack Obama, houve picos de mais de cinco mil tuites publicados por segundo15. Seguindo a perspectiva de Dayan (2009), em que a audiência torna-se participante do que lhe é apresentado em meios de comunicação como a TV, pode- se perceber que essa interação da audiência fica mais evidenciada nas redes sociais na Internet. O Twitter teve importante atuação, também, devido ao fato de o ataque ao esconderijo de Osama ter sido narrado em tempo real por um usuário do Twitter, mesmo antes de saber que se tratava de algo relacionado a Bin Laden. Além disso, 15 Segundo gráfico publicado pelo próprio Twitter em seu perfil do website Flickr. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/twitteroffice/5681263084/in/photostream. Acesso em: 05 de junho, 2012.
  • 42. 41 foi através do site que os primeiros rumores sobre a morte do líder da Al Qaeda surgiram. 4.2 Aspectos metodológicos A análise apresentada se configura como um estudo de caso: a morte do líder da Al Qaeda, Osama Bin Laden, e a sua repercussão no site de redes sociais Twitter. Para que o acontecimento fosse analisado, através de observação sistemática, foram coletados dados que giraram em torno de dois perfis no Twitter, seus tuites relacionados à morte de Osama Bin Laden e alguns de seus desdobramentos, tanto dentro do próprio site do Twitter, quanto em matérias jornalísticas. A repercussão estudada se limitou à circulação online do acontecimento, baseada no Twitter como ambiente de propagação em rede. Tuites puderam ser acessados e coletados através dos perfis dos usuários analisados, já que é possível ver publicações feitas há um longo período de tempo. Os usuários foram selecionados pelas menções feitas a eles e repercussão de seus tuites nos meios de comunicação, principalmente nas matérias jornalísticas também analisadas. Os perfis analisados foram de Sohaib Athar – que utiliza o nome de usuário “@ReallyVirtual”16 na plataforma – e de Keith Urbahn – sob o nome de usuário “@keithurbahn”17. O perfil de Sohaib Athar foi escolhido pelo fato de ele ter ficado conhecido como a pessoa que narrou o ataque ao esconderijo de Bin Laden ao vivo no Twitter. A escolha de Keith Urbahn se deu por ele ter sido considerado o primeiro a dar a notícia da morte de Bin Laden, também pelo Twitter. No total, foram 11 tuites analisados, sendo 7 publicados por Athar e 4, por Urbahn. Os tuites de ambos foram feitos, originalmente, em inglês, os quais foram traduzidos para o português para que pudessem ser aqui reproduzidos. Pelo fato de o sistema de busca interna do site do Twitter limitar-se a publicações feitas num tempo máximo de três dias anteriores, o monitoramento de 16 http://twitter.com/ReallyVirtual. Acessado em 26 de maio, 2012. 17 http://twitter.com/keithurbahn. Acessado em 26 de maio, 2012.
  • 43. 42 retuites se deu através do site Favstar.fm18, que dispõe o número de retuites das postagens mais populares de cada usuário. Esse número se limita aos RTs automáticos que o próprio Twitter possibilita, já que a ferramenta não consegue contabilizar as reproduções manuais feitas pelos usuários. Há possibilidade de o número não ser preciso, porém a aproximação já é útil para que a noção da circulação dos dados na rede seja apurada. Não é possível saber data e horário dos retuites contabilizados pela própria ferramenta do site Favstar.fm. Outra limitação é com relação à aquisição de seguidores – que são conexões da rede – ao longo do tempo. O único dado possível de ser acessado é o número total de seguidores no momento do acesso aos perfis dos usuários em questão. Portanto, esses dados foram desconsiderados durante a análise, que utilizou apenas os dados disponíveis. Vale ressaltar, também, que os horários de publicações dos tuites foram padronizados segundo o horário de Brasília. O destaque dessa padronização é importante já que houve eventos no Paquistão – local onde se deu o ataque ao esconderijo de Osama Bin Laden – e nos Estados Unidos – de onde veio a confirmação da morte do líder da Al Qaeda e as primeiras matérias jornalísticas e rumores a respeito do acontecimento. A hora de publicação dos tuites e notícias contribuem bastante para a relação de temporalidade estabelecida, ao considerar a instantaneidade dos tuites de Sohaib Athar e a antecedência do tuite de Keith Urbahn, além do tempo levado para que os dois casos recebessem atenção da mídia. Todos os tuites analisados foram reproduzidos em ordem cronológica, para melhor compreensão dessa relação e melhor representação dos relatos em tempo real. Além disso, outras relações entre a morte de Osama Bin Laden e a sua repercussão no Twitter também foram analisadas, através de notícias que abordaram a repercussão do acontecimento no site, com o propósito de destacar a circulação do acontecimento na plataforma. Foram selecionados alguns dos principais sites de notícias brasileiros para que se pudesse verificar como eles abordaram o compartilhamento e a 18 http://favstar.fm. Acessado em 26 de maio, 2012.
  • 44. 43 reverberação da morte de Bin Laden no Twitter na semana do acontecimento. A delimitação de sites de notícias brasileiros se deu por dois motivos: o idioma e a percepção de alcance global do acontecimento, já que não se trata de nenhum dos países mais interessados no ocorrido – Estados Unidos, que lideraram o ataque, e Paquistão, país atacado, onde Bin Laden estava escondido. As matérias jornalísticas consideradas para análise foram coletadas de sites de jornalismo online como G1, R7, Terra, Uol, Estadão e Jornal do Brasil. Primeiramente, tentou-se selecionar as matérias a partir de pesquisa através do mecanismo de busca Google. Porém, como os sites apresentados eram muito diversos, apresentando dificuldade no aprofundamento em canais específicos, foram selecionados cinco sites de jornalismo online de referência no Brasil e a pesquisa pelo material se deu diretamente pela busca interna de cada um dos domínios. O Jornal do Brasil foi o último site a ser incluído, para que houvesse uma melhor forma de comparação entre as categorias em que os sites escolhidos são enquadrados: G1 e R7 são portais verticais de jornalismo, Uol e Terra se enquadram como portais mais horizontalizados e o Estadão e Jornal do Brasil são jornais veiculados no ambiente online. Outros dados importantes para a percepção da participação do Twitter e seus usuários na construção do acontecimento são os que foram disponibilizados pela própria organização do Twitter: publicações feitas no blog e divulgação de dados – como o gráfico de atividade na plataforma, que mostra o número de tuites por segundo alcançados em diversos momentos da noite do dia 1º de maio para o dia 02 de maio de 2011, publicado no perfil da empresa no Flickr. Todos os dados recolhidos e aqui apresentados serão analisados a partir da discussão conceitual presente nos capítulos anteriores, quanto à caracterização do acontecimento e a sua configuração como acontecimento em rede no Twitter, bem como às características da plataforma como ambiente sociocomunicacional de interação em rede, de forma a entender como se deu o desenvolvimento deste processo. Para isso, há de se observar as características de cada tuite e sua circulação quanto aos aspectos já mencionados e estudados.
  • 45. 44 4.3 Relato em tempo real Uma grande participação do Twitter na construção da morte de Bin Laden como acontecimento em rede foi devido aos tuites de Sohaib Athar, que narraram, em tempo real, o ataque ao esconderijo de Osama Bin Laden no dia 1º de maio de 2011. Athar iniciou seu relato a partir do fato de que escutava helicópteros sobrevoando a cidade de Abbottabad, no Paquistão, no meio da madrugada no horário local. Tuite 1 - @ReallyVirtual: “Helicóptero pairando sobre Abbottabad à 1 da manhã (é algo raro).”19 (1º de maio, 2011, às 16h58). Foram a raridade desse fato e o incômodo que o barulho causava as razões iniciais para as publicações. Vê-se, com isso, a ruptura no cotidiano aliada à atualidade da ocorrência, irrompendo o acontecimento. O tuite seguinte mostra sinais de humor mesclado com o mesmo incômodo, comum no site Twitter, como um lugar de relato do seu cotidiano para aqueles que seguem o usuário: Tuite 2 - @ReallyVirtual: “Vá embora helicóptero – antes que eu pegue meu mata-moscas gigante :-/” (1º de maio, 2011, às 17h05). A continuidade dos eventos fez com que o próprio usuário percebesse o irrompimento do acontecimento, ainda que não o percebendo tal qual ele era. Tuite 3 - @ReallyVirtual: “Um enorme estrondo de chacoalhar a janela aqui em Abbottabad Cantt. Espero que não seja o começo de algo desagradável :-S” (1º de maio, 2011, às 17h09). 19 Este e todos os demais tuites foram traduzidos por mim.
  • 46. 45 Com a queda de um dos helicópteros, o acontecimento passou a interessar todos os moradores da cidade e, também, a mídia local. Questionamentos e análises sobre o ocorrido passaram a acontecer, bem como especulações sobre o que estava causando. Sites jornalísticos são mencionados por Sohaib Athar, bem como informações que ele coleta ao entrar em contato com outros moradores da cidade. O surgimento da hashtag “#abbottabad” também teve início nesse momento em que a discussão era o descobrimento das razões da presença de helicópteros e da queda de um deles. Tuite 4 - @ReallyVirtual: “Já que o talibã (provavelmente) não tem helicópteros, e já que estão dizendo que não era „nosso‟, então deve ser uma situação complicada #abbottabad” (1º de maio, 2011, às 18h02). Tuite 5 - @ReallyVirtual: “O helicóptero/OVNI de abbottabad foi derrubado perto da área de Bilal Town, e há relatos de um clarão. Pessoas estão dizendo que pode ter sido um helicóptero teleguiado.” (1º de maio, 2011, às 18h10). Até o momento, não se sabia do que se tratava o ataque. Afinal, a morte de Osama Bin Laden foi oficialmente revelada pelo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, apenas às 0h35 do dia 2 de maio. Porém, antes disso, o site Twitter já contemplava especulações de que o pronunciamento de Obama que foi anunciado para o final da noite era a respeito da morte de Bin Laden. O primeiro tuite a contemplar essa possibilidade foi de Keith Urbahn: Tuite 6 - @keithurbahn: “Fui informado por uma pessoa respeitável que mataram Osama Bin Laden. Que coisa.” (1º de maio, 2011, às 23h24).
  • 47. 46 Para estabelecer grau de credibilidade no seu tuite, Keith Urbahn, que havia trabalhado na Secretaria de Defesa do governo Bush, transferiu a confiabilidade para uma fonte não mencionada. Porém, para se defender e não prejudicar a credibilidade a ele atribuída, caso a informação a ele repassada e por ele publicada não fosse verídica, Urbahn acrescentou minutos depois: Tuite 7 - @keithurbahn: “Não sei se é verdade, mas vamos orar para que seja.” (1º de maio, 2011, às 23h26). Não havia, nos tuites de Keith Urbahn, o aspecto testemunhal geralmente apreciado no Twitter. Afinal, até o momento, a informação divulgada se tratava apenas de um rumor que pretendia responder ao mote do Twitter “o que está acontecendo agora?”. Porém, devido à sua visibilidade – principalmente por ele ter trabalhado diretamente com o Secretário de Defesa do governo anterior, ele era dotado de autoridade e reputação atribuídas pelos seus seguidores –, o “rumor” compartilhado por ele começou a repercutir antes mesmo que os fatos fossem checados. Portanto, o filtro feito pelos usuários foi baseado na reputação do autor e não na credibilidade da informação compartilhada. Assim que a morte de Osama Bin Laden foi noticiada pelos meios de comunicação e confirmada pelo presidente dos Estados Unidos Barack Obama, o tuite de Urbahn foi ainda mais reproduzido, dessa vez, pelo fato de ter sido considerado o primeiro tuite que noticiou que Bin Laden havia morrido. Foram, no total, 309 RTs automáticos. A repercussão dos tuites de Sohaib Athar veio apenas depois da confirmação do fato, quando as pessoas passaram a comentar sobre o local do esconderijo de Bin Laden – Abbottabad – e, ao monitorar as menções feitas à cidade, foi possível encontrar o relato ao vivo feito por Athar. A mídia tradicional começou a entrar em contato com ele, ao que ele percebeu a repercussão de suas publicações:
  • 48. 47 Tuite 8 - @ReallyVirtual: “Uh Oh, agora eu sou o cara que blogou ao vivo o ataque a Osama sem saber.” (2 de maio, 2011, à 1h41). Essa sua publicação (tuite 8) foi retuitada por 5824 usuários do Twitter, tendo grande repercussão e visibilidade na plataforma. O tuite 1, obteve o número de 3149 RTs e o tuite 3, totalizou 1813 retuites. Antes das 04h do dia 2 de maio de 2011, Urbahn já havia aumentado seu número de seguidores em cerca de 3000, conforme ele mesmo tuitou: Tuite 9 - @keithurbahn: “Me entregando a 2 horas de sono Aos 3.000 novos tweeps [seguidores no Twitter], prazer em tê-los conhecido nessa noite agitada.” (2 de maio, 2011, às 03h57). No total, o seu tuite que mencionou, pela primeira vez, a morte de Bin Laden – tuite 6 – alcançou o número de 309 retuites. Vemos que, mesmo sendo considerado um “furo jornalístico”, foi o relato do acontecimento em tempo real feito por Sohaib Athar que atraiu maior visibilidade e compartilhamentos, mesmo alcançando esta visibilidade apenas após o conhecimento geral do ataque e a sua confirmação. A narração feita em tempo real não chamou a atenção apenas dos usuários, mas, também, da própria mídia. Enquanto todos os cinco sites jornalísticos analisados abordaram o fato, apenas três citaram Keith Urbahn como quem teria sido o primeiro a noticiar a morte do de Osama Bin Laden no Twitter. 4.4 A construção do acontecimento no Twitter É possível notar a maior consubstancialidade entre a transmissão e o surgimento do acontecimento descrita por Fonseca e Vieira (2011) ao verificar a imediaticidade da narração do acontecimento feita por Sohaib Athar, caracterizando a cotemporalidade das etapas do processo. Importa destacar também que, a princípio, os tuites por ele publicados são referentes a ocorrências banais – o que é