O documento discute a importância da arte de perguntar, da dúvida e da crítica no desenvolvimento do pensamento. Aponta que a memória não é uma mera reprodução do passado, mas uma reconstrução contínua influenciada pelo presente. Defende que é essencial ensinar história de forma a levar os alunos a se colocarem no lugar do outro e desenvolver uma consciência crítica.
1. Inteligência Multifocal
CURY, Augusto Jorge. Inteligência Multifocal: análise da construção dos
pensamentos e da formação de pensadores. 8.ed. ver. São Paulo: Cultrix,
2006.
A Síndrome da Exteriorização Existencial
Quem não duvida e critica a si mesmo nunca se posiciona como aprendiz
diante da vida e, conseqüentemente, nunca explora com profundidade seu
próprio mundo intrapsíquico. (p.19)
O portador da síndrome da exteriorização existencial vive a pior de todas as
solidões: a solidão de ter abandonado a si mesmo em sua trajetória existencial.
As pessoas estão próximas fisicamente, mas muito distantes interiormente;
conversam sobre o mundo que as circundam, mas não dialogam sobre si
mesmas. Não apenas o dialogo interpessoal está empobrecido, mas até o
autodiálogo, aquele no qual nos interiorizamos e procuramos os fundamentos
das nossas reações, inseguranças, fobias, tensões e angustias também está.
(p. 20)
O ser humano, nos dias atuais, freqüentemente só tem coragem de falar de si
mesmo quando vai a um psicólogo ou a um psiquiatra.
O sistema educacional que se arrasta por séculos, embora possua professores
com elevada dignidade, possui teorias que não compreendem muito nem o
funcionamento multifocal da mente humana nem o processo de construção de
pensamentos. Por isso, enfileira os alunos nas salas de aula e os transforma
em expectadores passivos do conhecimento e não em agentes do processo
educacional. (p.24)
Uma pessoa autoritária agride e fere os direitos do “outro”, mas, antes disso,
fere seu próprio direito de ser livre, de pensar com liberdade. Por isso toda
pessoa agressiva é auto-agressiva. (p.46)
Os sete procedimentos multifocais e as cinco mesclagens de contra
pontos intelectuais.
- A arte da formulação da pergunta;
- A arte da dúvida;
- A arte da crítica;
- A busca do caos intelectual para se processar a descontaminação da
interpretação;
- A busca do caos intelectual para expandir as possibilidades de
construção do conhecimento;
2. - A análise das casualidades históricas e das circunstancialidades
biopsicossociais;
- E a análise dos processos da construção das variáveis de interpretação
na mente.
As mesclagens: (p.49-50)
- Mesclagem entre a liberdade contemplativa de observar os fenômenos
com a disciplina empírica no processo de observação e seleção dos
mesmos;
- Mesclagem entre a liberdade de interpretar os fenômenos com a
reorganização e reinterpretação contínua do processo de interpretação;
- Mesclagem entre a utilização do caos intelectual para esvaziar, tanto
quanto possível, as distorções preconceituosas e os referenciais
históricos contidos no processo de formação da personalidade com a
utilização desse caos para expandir as possibilidades de compreensão
dos fenômenos e de construção do conhecimento;
- Mesclagem entre a liberdade de construção do conhecimento com a
reciclagem crítica e continua da mesma;
- Mesclagem entre a análise das variáveis da interpretação (fenômenos)
com a análise dos sistemas de cointerferências que elas organizam para
gerar o funcionamento da mente e a construção das cadeias de
pensamentos.
Aprendi que a arte de perguntar é mais importante do que a arte de responder.
(p50)
Os três maiores inimigos do pensador são: (p. 50)
- As dificuldades de expandir a arte da pergunta e da crítica;
- A dificuldade de conviver com a dúvida e;
- A ansiedade por produzir respostas.
O valor de um pensador não está na grandeza de seus títulos, mas na
grandeza de suas idéias. (p.57)
Usando o Caos Intelectual para desorganizar as distorções
preconceituosas
A busca do caos intelectual significa a busca da pureza no processo de
observação, a busca da analise e interpretação sem contaminação dos
conceitos em preconceitos que temos disso ou daquilo que investigamos. (p.
60)
O exercício da procura do caos intelectual é um procedimento de pesquisa e,
mais do que isso, é uma postura intelectual aberta que destrói nossa rigidez e
nos coloca como um eterno aprendiz na ciência e na trajetória existencial.
3. Um bom pensador, do meu ponto de vista, não é apenas alguém que produz
uma teoria eloqüente, com brilhantismo literário, mas, principalmente, aquele
que recicla criticamente os procedimentos que utiliza, o conhecimento que
produz, bem como o que procura colocar à prova as derivações da sua teoria
e, mais ainda, o que investida e indaga os limites, o alcance, a lógica, a
validade e a práxis da sua própria teoria. Enfim, um bom pensador é um
“eterno” insatisfeito com a teoria que produz, um “eterno” aprendiz, uma
“eterna” gestante de idéias. (p.67)
A memória e os três tipos de pensamentos
O senso comum confunde erroneamente memória com inteligência. Para ele,
quem tem a melhor capacidade de memória, ou melhor capacidade de
lembrança é mais inteligente. (p. 77)
Armazenamos as informações na memória, mas quando as lemos e utilizamos,
elas não são mais exatamente as mesmas informações. (p. 78)
Existem dois tipos de memória. A memória existencial (ME) e a memória de
uso continuo (MUC). A memória existencial representa as experiências que vão
sendo registradas ao longo da vida e a memória de uso continuo representa as
informações que vãos sendo usadas e rearquivadas continuamente, tais como
endereços das residências e dos e-mails, os números telefônicos, as formulas
matemáticas, as palavras que compõe uma língua. Se deixamos de usar
determinadas informações, elas vão sendo substituídas e arquivadas na
memória em zonas de acesso mais difícil. (p. 80-81).
O passado não é lembrado, mas reconstruído. (p.82)
“não existe a ‘recordação’ ou ‘lembrança’ original das experiências do passado,
mas uma interpretação em que reconstruímos essas experiências no palco de
nossas mentes.” (p. 82)
Se pudéssemos resgatar o passado exatamente como ele é e se tivéssemos,
ainda, a capacidade plena de lembrar de todas as experiências contidas na
memória, isso poderia paralisar a produção de novas experiências, o que
engessaria o desenvolvimento da inteligência. (p.83)
A morte do presente é o única possibilidade de expansão do próprio presente.
(p. 83)
A cada momento em que resgatamos e reconstruímos uma experiência do
passado, nós o fazemos de maneira diferente, com proximidade ou grande
distanciamento em relação às dimensões intelecto-emocionais da experiência
original. É por este motivo que nossas recordações da interpretação
reproduzem de maneira diferente as experiências do passado nos diversos
momentos em que a recordamos. Em determinado momento podemos recordar
4. uma experiência de angustia existencial vivenciada no passado, ligada a uma
perda, a uma frustração psicossocial ou a uma dificuldade socioprofissional,
etc., e ficarmos comovidos com ela e, em outro momento, podemos recordá-la
sem grandes emoções. Uma mãe pode recordar a perda de um filho com
grande sofrimento num determinado momento e, em outro momento, recordá-la
sem grandes dores emocionais. (p. 85)
Se o homem não aprende a gerenciar seus pensamentos e emoções, ele se
torna marionete dos estímulos estressantes, vitima do meios em que vive e dos
focos de tensão que ele mesmo cria no palco de sua mente, através de sua
rigidez, sentimento de culpa, perfeccionismo, antecipação de situações futuras.
(p. 108)
É impossível interromper a produção de pensamentos. (p.120)
A transmissibilidade superficial da história, que apenas remete à lembrança
psicopedagógica da história, não tem condições de desenvolver a consciência
crítica e sociopolítica dos alunos. Quando os professores abordam a
discriminação racial nas salas de aula, tal como a discriminação dos negros, se
eles não forem eficientes em levar os alunos a realizarem uma interpretação
dos momentos históricos abordados, em orientá-los quanto a se colocar
psicossocialmente no lugar dos negros, a perceber suas necessidades
psicossociais, a compreender a dor da negação da espécie, eles, os
professores, contribuirão indireta e inconscientemente com a perpetuação da
discriminação racial. (p. 227)
Todo professor de história deveria ser, ainda que minimamente, um ator e um
diretor teatral; deveria ter uma “fala” teatralizada; deveria vivenciar a história
que está morta nos livros e estimular seus alunos a vivenciá-la, analisá-la com
consciência crítica; deveria levá-los a apreciar e debater o mundo das idéias.
(p. 228)