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Caderno Neder 2
CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO
ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books
2
APRESENTAÇÃO
A Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE – no cumprimento de sua missão
social tem promovido estudos e debates que possibilitem a compreensão das questões social,
econômica, política e histórica que compõem a problemática regional. Neste contexto o
Núcleo de Estudos sobre Desenvolvimento Regional – NEDER – tem como objetivo estudar,
através da prática da pesquisa científica e dos debates teóricos, as questões relativas ao
desenvolvimento da região, analisando suas diversas dimensões.
Estas pesquisas buscam estabelecer a identidade da região, conhecer os pontos de
estrangulamento do seu desenvolvimento, bem como as suas características e, a partir dessa
experiência, difundir os conhecimentos gerados. Sem dúvida alguma, o NEDER ao produzir e
disponibilizar essas informações científicas permite a elaboração de diagnósticos que
possibilitam propor ações e políticas públicas que viabilizem alternativas para o
desenvolvimento sustentável da região.
Este segundo número do caderno está centrado na discussão de um tema
importante no contexto regional, a migração internacional. Fenômeno que começa de modo
insipiente nos anos de 1960, quando os primeiros jovens da elite valadarense emigraram para
os EUA e formam os primeiros pontos da rede, que nos anos de 1980, vai se caracterizar
como um fluxo significativo que passa a configurar não só o local de origem, mas também o
destino.
Neste número temos artigos, resultados de pesquisa científica, que abordam várias
nuances desse fenômeno: o espaço e seu significado para o estudo das migrações; os aspectos
além dos econômicos que permeiam o projeto migratório; o retorno do emigrante para sua
terra natal e as conexões e desconexões e identidades partidas deste retorno; a construção de
laços transnacionais que o movimento migratório possibilita; a religião no contexto
migratório; os aspectos relacionados a raça e etnia vividos pelo emigrante; a forma como os
meios de comunicação de massa tratam o fenômeno da emigração e o emigrante; os efeitos da
emigração na configuração da paisagem urbana das localidades de origem e os impactos na
educação e formação das identidades das crianças e adolescentes, cujos familiares e vizinhos
emigram.
Todos estes temas tratados nos doze artigos que compõem este caderno são
contribuições importantes para a compreensão do fenômeno da emigração internacional que
faz parte do cotidiano não só da Região de Governador Valadares, mas do Brasil.
Sueli Siqueira
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SUMÁRIO
Senso e Censo e Emigrantes Brasileiros nos Estados Unidos:
Por Uma Geografia Humanística.
Alan Patrick Marcus
04
Realizações e frustrações no retorno à terra natal.
Sueli Siqueira
12
Antagonismos da volta ao país de origem: conexões e desconexões
Devani Tomaz Domingues
26
Yolanda García em how the garcía girls lost their accents: a identidade
dividida entre o passado e o presente
Gean Carla Pereira
54
As conexões entre os EUA e o Brasil: uma análise das redes sociais
tecidas a Governador Valadares e criciúma
Gláucia de Oliveira Assis
63
A pedra e o rio: rastros de religião na diáspora dos brasucas
As interfaces entre emigração internacional e a religião: um estudo de
caso.
Vicente de Paulo Ferreira
87
As interfaces entre emigração internacional e a religião: um estudo de
caso.
Aparecida Amorim
101
Raça/etnia/nacionalidade: narrativas e experiências identitárias entre
imigrantes brasileiras na região de Boston
Cileine Isabel de Lourenço e Judith McDonnell
117
Estrangeiros em seu próprio país
Alpiniano Silva Filho
127
Assimilação e transnacionalidade da segunda geração de migrantes
Valadarenses nos EUA.
Lucas Coelho Siqueira
138
A construção da identidade cultural em filhos de emigrantes
Agnes Rocha de Almeida, Sueli Siqueira e Carlos Alberto Dias
154
O reflexo da migração na vida escolar dos filhos de migrantes
Ana Clara de Paula e Maria Terezinha Bretas Vilarino
187
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SENSO E CENSO E EMIGRANTES BRASILEIROS NOS ESTADOS UNIDOS:
POR UMA GEOGRAFIA HUMANÍSTICA
Alan Patrick Marcus1
RESUMO:
A abordagem qualitativa é importante em estudos geográficos sobre migrações internacionais, principalmente na
avaliação de percepções de identidade, lugar e espaço. A abordagem exclusivamente quantitativa (re)produz
uma miopia grave na avaliação da experiência humana e de identidades socioculturais nestes movimentos
geográficos. As ramificações problemáticas aumentam quando apenas expressas em termos estáticos,
monolíticos e quantitativos. A experiência humana e suas várias dimensões regionais, históricas e socioculturais
se encontram explicitamente ausentes na abordagem quantitativa. O método quantitativo é importante, porém a
experiência da diáspora brasileira não pode ser avaliada, negociada, entendida, ou expressa apenas em números
de forma estática justamente pela falta de interpretações socioculturais e geográficos sobre os dados. Para
otimizar o entendimento melhor sobre migrações internacionais, a abordagem quantitativa necessita da
conjunção da avaliação em profundidade e de interpretações socioculturais, principalmente quando se trata das
complexidades de identidades brasileiras múltiplas e diversas que a metodologia qualitativa nos traz
efetivamente. Como a geógrafa Anne Buttimer (1976) nos informa, o conceito de lugar significa uma noção
sagrada de contacto emocional; algo que significa muito mais do que meramente uma moradia.
Palavras Chaves: Geografia, migração brasileira, abordagens metodológicas.
SUMMARY:
Qualitative approaches are important in geographical studies about international migrations, particularly
in the evaluation of identity, spatial and place perceptions. An exclusively quantitative approach (re) produces a
serious myopic perception in the evaluation of the human experience and within sociocultural identities in these
geographical movements. Henceforth, problematic ramifications increase within quantitative, static and
monolithic terms. The human experience and its various regional, historical, and sociocultural dimensions, are
explicitly absent within quantitative approaches. The quantitative approach is important however, the experience
of the Brazilian Diaspora cannot be evaluated, negotiated, understood or expressed only with numbers precisely
because of the data deficit of sociocultural and geographical interpretations. To optimize understandings of
international migrations, quantitative approaches need the conjunction of in-depth evaluations and of
sociocultural interpretations, particularly when dealing with multiple and diverse Brazilian complexities and
identities that qualitative approaches effectively illustrate. As Anne Buttimer (1976) informs us, the concept of
place means a sacred emotional contact; something that means much more that mere residence.
Key Words: Geography, Brazilian migration, methodological approaches.
1
Obteve sua Graduação em Antropologia e Filosofia (Northeastern University, Boston, Massachusetts),
Mestrado em Geografia, e atualmente, Doutorando em Geografia, Department of Geosciences, University of
Massachusetts, Amherst, onde completa sua pesquisa de doutorado sobre processos migratórios entre
Governador Valadares, MG, Piracanjuba, GO, no Brasil, e, Framingham, Massachusetts, e Marietta, Georgia,
EUA. Contato por e-mail: amarcus@geo.umass.edu
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INTRODUÇÃO
As amplas vertentes que emergem da geografia cultural e geografia humanística são
importantes para melhor entendermos o significado de identidade, lugar e espaço
(BUTTIMER 1976; DUBOS 1977; TUAN 1974; WRIGHT 1966, WILKIE 2003). Dentro
dos recentes movimentos e processos migratórios brasileiros para os Estados Unidos, Europa
e Japão, a geografia também se torna útil para aprimorarmos o entendimento de decisões
sobre política pública e noções de identidade étnica-nacional. A atual diáspora brasileira já
foi bastante estudada nos últimos 15 anos, com mais de 275 trabalhos de vários pesquisadores
brasileiros e americanos feitos sobre emigração brasileira (MARGOLIS 2006). O objetivo
aqui é de argumentar abordagens metodológicas e ontológicas já discutidas antes nas ciências
sociais, porém merecendo uma nova inserção nesta discussão de processos migratórios,
principalmente no contexto brasileiro ressaltando assim, a importância da geografia
humanística.
Esta discussão nesse artigo não pretende analisar exaustivamente metodologia per se,
mas sim, avaliar o fortalecimento de abordagens qualitativas sobre migrações brasileiras. Isto
é; na avaliação de processos migratórios, existe uma tradição pública e acadêmica de que a
estatística e a tradição numérica são intuitivamente aceitas cegamente como corpos de
veracidade e também amplamente aceitas nos meios acadêmicos e políticos para avaliar a
experiência migratória brasileira. Esta noção (re)produz uma miopia grave na avaliação da
experiência humana e na leitura de identidades socioculturais nestes movimentos geográficos.
A tradição qualitativa (por exemplo: métodos etnográficos, entrevistas em profundidade semi-
estruturadas, entre outros) nos traz uma amplitude igualmente válida e significativa à
quantitativa (quando feitas rigorosamente e sistematicamente) nos estudos de migração,
principalmente na avaliação de percepções de identidade, lugar e espaço.
Um exemplo da problemática de estudos focalizados apenas na abordagem
quantitativa provém de uma categoria étnica usada com raras críticas (MARCUS, 2005, 2006;
MARGOLIS, 1994; MARROW, 2003) nos debates sobre política pública no Brasil e nos
EUA, e amplamente usada por cientistas sociais incluindo demógrafos e sociólogos desses
dois países. Por exemplo, nos últimos 25 anos, os termos “Hispanic” e “Latino” se tornaram
palavras com forte poder político nos Estados Unidos e são usadas para categorizar
populações da América Espanhola. De acordo com o censo americano, brasileiros que
residem naquele país não são considerados “Hispanic” (desde 1980) nem “Latino” (desde
1990), porque falam português.
No caso do uso de termos como “Hispanic” e “Latino” e de relatórios da população
imigrante nos EUA, principalmente as tais chamadas de “Latino populations” (“populações
latinas”) nos EUA, a avaliação numérica nos mostra como a abordagem quantitativa é
inadequada e ineficaz quando utilizada para identificar os processos migratórios de
populações brasileiras (cito um exemplo específico abaixo). Esta metodologia usada pela
grande maioria de economistas, demógrafos, e sociólogos (com raras exceções, por exemplo,
MARROW 2003; ROTH 2006; SIQUEIRA 2006) é geralmente usada para enfatizar somente
fatores econômicos, sem avaliar outros fatores e dimensões sociais, regionais, ou étnicos na
dinâmica dos movimentos migratórios.
O método quantitativo é importante, porém o processo de identificação de populações
imigrantes e as várias dimensões da experiência humana do brasileiro emigrante dentro dessa
quantificação se tornam problemáticas com esta abordagem somente quantitativa – além de
ficar bastante enfraquecidas diante das várias dimensões no atual mundo globalizado. A
identidade cultural brasileira lusófona e a enumeração brasileira nos EUA são importantes
para melhor avaliarmos a sua presença significativa naquele país, porém desconhecida pela
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maioria do público americano e principalmente pelos intelectuais hispanos nos EUA
(ACUÑA 2003; ORDONEZ 2005; PADILLA 1985; SURO 1994, 1998; SUAREZ-OROZCO
E PAEZ 2003, entre outros).
A experiência da diáspora brasileira não pode ser avaliada, negociada, entendida, ou expressa
apenas em números justamente pela falta de interpretações socioculturais e geográficos sobre
os dados. Para otimizar o entendimento sobre migrações internacionais, a abordagem
quantitativa necessita da conjunção da avaliação em profundidade e de interpretações
socioculturais, principalmente quando se trata das complexidades de identidades brasileiras
múltiplas e diversas que a metodologia qualitativa nos traz efetivamente.
AMERICA LATINA SEM O BRASIL?
A idéia da América Latina é também problemática na avaliação destes processos
migratórios, principalmente para os Estados Unidos. A América Latina pode ser entendida
como uma região cultural daqueles países com legado histórico colonial da Península Ibérica,
e inclui os países continentais ao sul dos Estados Unidos, incluindo países do Caribe
Espanhol, como Cuba, República Dominicana, e Porto Rico, mas não os países Caribenhos de
fala não-espanhola como Jamaica, Barbados, entre outros países anglo e franco-caribenhos.
Diferentemente, na noção de continente, a América do Sul inclui todos os países localizados
ao sul do Panamá, e ao contrário da noção pública, a América do Norte inclui todos os países
do Panamá para o Norte do continente, também incluindo todos os países do Caribe e a
Groenlândia. Portanto as definições e diferenças entre região cultural e região continental
são significantes para otimizar o entendimento público e acadêmico e assim, refletem uma
importante realidade nas identificações de populações imigrantes para os Estados Unidos. A
geografia nesse caso se torna significativamente ligada à enumeração de populações
imigrantes, mesmo sendo mal-conhecida e mal-interpretada.
As diferenças entre brasileiros e outras populações de fala Espanhola da América
Latina refletem as diferentes correntes migratórias (forçadas ou voluntárias) para diversas
regiões nesse hemisfério. As diversidades e as conseqüências de miscigenação populacional
nestes países também refletem as diferenças tanto quanto refletem as diferenças nas línguas
faladas (por exemplo, quéchua, aimara, holandês, francês, espanhol, e português) e nas
heranças culturais, genéticas, e do contraste do legado histórico entre Portugal e Espanha. A
grande diferença entre o resto da América Latina e o Brasil, é a influência de vastas
complexidades genéticas e culturais entre indígenas, africanos, europeus, asiáticos, judeus,
árabes, entre outros (MARCUS 2005). Os resultados de um estudo feito por geneticistas
concluíram que a população brasileira é geneticamente a mais diversa do mundo (ALVES-
SILVA 2000). Destaca-se assim, o fato de que o Brasil não é mais indígena o quão é europeu
ou africano – uma ênfase única em apenas uma dessas influências (socioculturais ou
genéticas) para avaliar a experiência do legado cultural brasileiro produz uma leitura
desequilibrada e até equivocada diante das complexidades de identidades no Brasil.
Apesar das diferenças culturais, genéticas, e lingüísticas entre brasileiros e de
populações imigrantes provindo da América Espanhola nos EUA, esses conhecimentos não
são óbvios para americanos, e para intelectuais híspanos residentes naquele país (por
exemplo, ACUÑA 2003; ORDONEZ 2005; PADILLA 1985; SURO 1994, 1998; SUAREZ-
OROZCO E PAEZ 2003, entre outros) – estes exercendo um forte lobby político e intelectual
nos EUA, a maioria sendo de origem Cubana, Mexicana ou Porto Riquenha, e dirigindo suas
políticas internas especificamente para os imigrantes e seus descendentes da América
Espanhola. Por exemplo, considerado um especialista em migração mexicana nos EUA,
Rodolfo Acuña escreve: “Brazilians are considered Latinos; however, Brazilians speak
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Portuguese and do not have a strong national presence in the United States” 2
. (ACUÑA
2003: 14). Ou seja, em seu livro escrito em 2003, quase um milhão de brasileiros imigrantes
residentes nos EUA ficou invisível na leitura de Acuña. Não há representações
especificamente brasileiras e lusófonas visíveis e significativas no campo político, social, ou
intelectual que estejam se focalizando nos interesses brasileiros e comunidades brasileiras nos
EUA. Representações estas, que necessitam de uma amplitude maior além do estereótipo do
latino americano rural de fala espanhola usando sombrero, ou no caso do Brasil, além de
representações e clichês como a mulata, carnaval, futebol, e samba.
Um exemplo dessa problemática geográfica é a noção de uma América Latina que
existe “sem o Brasil”. O brasileiro nesse caso ficou invisível nos debates públicos e
intelectuais de reforma imigratória nos EUA. Por exemplo, a discrepância na enumeração dos
imigrantes brasileiros no censo americano de 2000 que havia contado 212. 428 brasileiros em
todo país naquele ano (MARCUS 2005), enquanto dados de vários pesquisadores e do
Ministério de Relações Exteriores do Brasil, indicam números que variam de 800.000 para
mais de um milhão de brasileiros (documentados ou não). Ou seja, um em cada quatro
brasileiros não é contado pelo censo americano. Essa discrepância enorme se justifica por
causa do grande número de não-documentados brasileiros residentes naquele país, mas
também pelo formulário confuso do censo americano, que não deixa claro quem é, e quem
não é “Hispanico” ou “Latino” (MARGOLIS 1994, 1998; MARCUS 2005, 2006; MARROW
2003). Essa confusão aumenta, principalmente pelo fato do Brasil estar localizado na
América Latina, porém a população brasileira fala português e, no entanto, não é considerada
Hispanica ou Latina nos EUA. A problemática da falta de enumeração da população
brasileira fora do país, portanto, não é restrita ao brasileiro imigrante não-documentado.
Esta confusão de interpretação de identidade não é restrita ao campo público-político,
mas ela se estende aos meio acadêmicos também. Um exemplo provém de uma universidade
na região da Nova Inglaterra, EUA, onde testemunhei pessoalmente um professor titular de
sociologia (um brasileiro) que leciona aulas sobre o censo americano e insistiu que brasileiros
eram considerados “Hispanico/Latino” pelo censo americano. Somente quando mostrei uma
carta do censo americano (U.S. Census Bureau) explicando que brasileiros não são
considerados “Hispanic/Latino”, este professor concordou que havia se equivocado sobre o
assunto. Este fato se torna significativo o suficiente para se mencionar aqui, se abordado de
forma generalizada, pois é justamente pelos meios acadêmicos que provém e se disseminam
informações importantes (neste caso, errônea) com ramificações no campo político-social. Se
a percepção errônea de acadêmicos, como o lamentável desconhecimento deste professor, se
dissemina de maneira influente nos meios públicos e políticos, a percepção da própria
identidade brasileira também está em questão nos debates sobre reforma imigratória nos EUA.
A contagem de brasileiros é de extrema importância política e social para a
comunidade brasileira nos EUA, pois é na base desta contagem que decisões são feitas para
política pública, incluindo decisões para uma reforma imigratória daquele país. No entanto, os
debates acadêmicos e políticos sobre a abordagem de identidade brasileira, ou seja; a forma
como o brasileiro se identifica nos censos americanos não são discutidas suficientemente. A
falta de números oficiais (por exemplo, do censo americano) essencialmente quer dizer que
brasileiros não existem nos EUA, mesmo que sabemos que isto não representa a realidade já
discutida por vários pesquisadores que estudam o assunto (ASSIS 2004; MARCUS 2005,
2006; MARGOLIS 1994, 1998; PIRES 2005; SALES 1998; SIQUEIRA 2006, entre outros).
Portanto a geografia e a forma como a geografia é entendida, formulada e negociada nos
meios acadêmicos e políticos, aumenta as potencialidades para ramificações problemáticas.
2
“Brasileiros são considerados latinos porém, falam português e não há uma presença forte deles no país”.
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Essas ramificações expressas em termos quantitativos em termos estáticos e monolíticos.
Nesta quantificação da experiência humana as várias dimensões regionais, históricas e
socioculturais se encontram explicitamente ausentes; tanto quanto a fluidez e elasticidade na
identificação étnico-racial de populações imigrantes, principalmente nesse caso da
quantificação dos brasileiros.
POR UMA GEOGRAFIA HUMANÍSTICA
A geografia também nos mostra porque o senso de lugar é importante para melhor
avaliar conceitos de lugar e espaço nestes movimentos migratórios. Já na década de 1970 a
geografia no mundo ocidental estava desafiando a direção positivista da chamada “revolução
quantitativa” das décadas de 1950 e 1960 – isto é, somente aquilo que é expresso em números
e regido por leis numéricas, tem validade científica. A direção da geografia humana então
passou por uma nova fase, assim desafiando a supremacia quantitativa dentro do conceito
dado como científico, e também desafiou a ênfase da leitura exclusivamente masculina dentro
de abordagens da ciência que, até então, eram equivocadamente vistas como universalmente
neutras (BUTTIMER, 1976). Essa vertente voltada para a tradição literária e descritiva da
geografia, iniciou o período importante re-inserindo-se na disciplina conhecida como
“geografia humanística”.
Essa nova linha da geografia (trazendo também a influência do pensamento feminista
da década de 1970), liderada por geógrafos humanísticos como a irlandêsa Anne Buttimer
(1976) e o chinês-americano Yi-Fu Tuan (1974, 1977), entre outros, nos mostrou como os
conceitos na geografia, tais como lugar e espaço, e a experiência humana, são elásticos e
requerem uma análise de profundidade e uma abordagem humanística.
O senso de lugar não é quantificável, pois esse senso de onde pertencemos, faz parte
de um universo da experiência humana com complexidades multidimensionais, socioculturais,
e regionais. Ou seja; não é possível quantificar a experiência humana. Portanto, essa linha da
geografia humanística nos mostra que há uma necessidade de reavaliar métodos dentro dos
processos humanos nas ciências sociais expressas somente em números – esta produzindo
empobrecimento na avaliação ampla e complexa de lugar e espaço. A própria nomenclatura
geografia provém do grego e implica uma descrição da terra, ou seja; escrever com amplitude
sobre lugar e espaço (geo: terra + graphein: descrição ou escrever).
Nesses tempos atuais pós 11 de setembro, 2001 (após os ataques terroristas aos EUA),
a guerra no Iraque se destaca justamente pela falta de conhecimento geográfico por parte das
forças ocupadoras naquele país, e justifico aqui a importância da geografia humanística nesse
caso. Porém, ressalto em escala maior, outros conflitos no mundo atual também gerados
especificamente pela ênfase dada à abordagens quantitativas e numéricas em decisões feitas
sobre política internacional, e, pela ausência em geral de dados qualitativos ou a importância
dada à estes.
A geografia também nos mostra porque o senso de lugar é importante para cada um de
nós (TUAN 1974, 1977; WILKIE 2003). Este senso é a parte em nossa memória que evoca
certos cheiros, sons, e paisagens especiais e emocionais para cada um de nós de algum lugar
especial. É com esta memória que podemos resgatar nosso senso de lugar. A memória
geográfica em cada um de nós mostra um significado de lugar que vai além da miopia
positivista e econômica – ela também é humanista.
A noção de emigrar para fora do Brasil apenas pensando no que é lucrativo à curto
prazo, deveria ser reconsiderada para poderemos nos conscientizar da importância de
(re)construir nosso senso de lugar em escala local em diverso focos de emigração no Brasil.
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Esse senso inclui paisagens naturais e culturais, mas algo que possa também trazer um resgate
de conceitos considerados marginalmente subjetivos, porém importantes, como por exemplo:
respeito, dignidade, e o orgulho de pertencer ao lugar – uma noção muito mais profunda do
que meramente resgatar o aspecto econômico. Por isso, a recente diáspora brasileira dos
últimos 20 anos para os Estados Unidos, Japão e Europa, não pode ser avaliada somente em
termos lineares ou regidas por leis numéricas. Os movimentos e processos migratórios não
são estáticos, mas se tratada de forma numérica e linear, os processos migratórios se tornam
demasiadamente simplificadas e empobrecidas tão quanto abrem as portas para falhas
metodológicas e ontológicas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo migratório já é complexo pelas várias referências socioculturais e
dimensões no mundo globalizado. Há raras exceções no mundo atual de populações que não
estejam conscientes do mundo globalizado ou, por exemplo, há raros casos de povos que
nunca ouviram falar da Internet ou do telefone celular e que não estejam globalizados de
alguma maneira. Portanto, o brasileiro emigrante já sai do Brasil com várias referências
socioculturais complexas, em grande parte, devido à globalização. O processo migratório
brasileiro é fluído e está sendo, pois esse movimento sempre esta mudando do momento que o
emigrante sai do Brasil ao momento em que eventos não-previstos forçam as decisões nas
vidas dos emigrantes em que se tornam transmigrantes. Como nos informa Siqueira (2006)
em seu estudo sobre brasileiros emigrantes de Governador Valadares nos EUA, eles estão
vivendo em dois mundos e países ao mesmo tempo sem fronteiras formais. A própria palavra
“processo” indica movimento constante, e, portanto tratá-la como se fosse estática (em termos
numéricos) traz uma dimensão problemática.
Como Buttimer (1976, p. 277) também nos informa o conceito de lugar significa uma
noção sagrada de contacto emocional; algo que significa muito mais do que meramente uma
moradia, e comenta: “strange indeed sounds the language of poets and philosophers…the
humanistic geographer cannot afford to dismiss anything which may shed light on the
complexities of man’s relationship to the earth”3
. Por isso a geografia é relevante nesse caso
para mostrar a importância de lugar e de senso de lugar.
René Dubos (1972, p.100) nos disse que “nações existem não como entidades
geológicas, climáticas ou raciais, mas como experiências humanas” 4
, e assim no atual
mundo globalizado, os processo migratórios brasileiros também existem como reflexo de
experiências humanas.
A geografia (ou a falta dela) nos mostra como a identificação de populações nos
censos nacionais altera a noção de identidade étnica e regional (como por exemplo, a
categoria “Hispanico/Latino” nos EUA). Nesse caso, a geografia e o senso de lugar e o censo
dos brasileiros dentro e fora do Brasil é importante para ressaltar o significado de identidade
brasileira neste processo migratório para os Estados Unidos.
3
“Estranha é a linguagem de poetas e filósofos... o geógrafo humanístico não pode ignorar qualquer coisa que
possa iluminar as complexidades do relacionamento do homem com a Terra”.
4
Todas as traduções neste manuscrito foram feitas por este autor do original em inglês para o português.
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REALIZAÇÕES E FRUSTRAÇÕES NO RETORNO À TERRA NATAL
Sueli Siqueira5
RESUMO
Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares é o tema deste artigo. A pesquisa de
campo trabalhou com três grupos distintos: grupo I: Emigrantes que retornaram dos EUA para a Microrregião de
Governador Valadares no período de 1970 a 2004, tornaram-se empresários e continuam no mercado até os dias
de hoje. Grupo II Emigrantes que retornaram no período de 1970 a 2003 e tornaram-se empreendedores, porém
fecharam suas portas e retornaram para a condição de imigrante nos EUA e Grupo III Emigrantes nos EUA que
projetam retornar e tornar-se empreendedores. A pesquisa de campo foi realizada nos EUA e nas 25 cidades da
Microrregião de Governador. Os dados demonstraram que o retorno é constitutivo do projeto de emigrar,
contudo este retorno assume diferentes formas. O sucesso e o insucesso do retorno são resultantes das diferentes
formas como o emigrante se reintegra à sociedade de origem.
Palavras-chaves: emigração, retorno, investimento, sucesso e frustração.
ABSTRACT
The focus of this paper is the topic of migrants and entrepreneurism in the Microregion of Governador
Valadares, Brazil. The field research involved three distinct groups: group 1: Emigrants who returned from the
USA to the Microregion of Governador Valadares between 1970 and 2004, became entrepreneurs and have
remained in the market up to the present time. Group II: Emigrants who returned between 1970 and 2003,
became entrepreneurs but then closed their businesses and went back to the condition of immigrants in the USA
and Group III: Emigrants in the USA who plan to return and become entrepreneurs. The field research was
carried out in the USA and in the 25 towns of the Microregion of Governador Valadares. The data showed that
the return is constitutive of the emigration project, however such return assumes different aspects. The success
and failure concerning the return result from the different ways the emigrant re-integrates in their home society.
Key Words: emigration, return, investment, success and frustration
INTRODUÇÃO
O Brasil, no início do Século XX, era um país que recebia imigrantes que se
destinavam a compor a força de trabalho economicamente ativa e a partir dos anos de 1960,
tem esse quadro modificado. De um país de destino torna-se um país de origem. Isso se deve à
nova dinâmica do capitalismo, fundada, principalmente, na reestruturação econômica marcada
pela internacionalização do capital. Nesse sentido, o fenômeno da migração internacional
ganha outros contornos na atualidade. Diferentemente dos imigrantes do início do século
passado, os novos migrantes não buscam exclusivamente a sobrevivência; são atraídos pela
possibilidade de, nas cidades globais, manter ou elevar seu padrão de vida.
A cidade de Governador Valadares foi a localidade no território brasileiro onde se
iniciou o fluxo migratório para os EUA. Hoje tal fenômeno não se restringe a essa cidade,
várias localidades da Região do Vale do Rio Doce e do Brasil são pontos de partida dos
fluxos migratórios para o exterior.
Este artigo, baseado na pesquisa empírica realizada nos EUA e na Microrregião de
Governador Valadares, apresenta inicialmente os fatores que configuraram o fluxo migratório
de Governador Valadares para o exterior, o retorno e investimento bem sucedido e mal
5
Professora da Universidade Vale do Rio Doce. Doutora em Ciências Humanas, Sociologia e Política, Mestre em Sociologia pela
Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Núcleo de Estudos e desenvolvimento Regional – NEDER da UNIVALE onde
desenvolve pesquisa sobre migração internacional.
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sucedido dos emigrantes e as diferentes formas de retorno que se caracterizaram na região, ao
longo dos últimos quarenta anos.
1. POR QUE OS VALADARENSES EMIGRAM PARA OS EUA?
A cidade de Governador destaca-se como o local geográfico, onde o fluxo de migração
internacional começou. Quais os fatores que definiram o surgimento desse fluxo? Os
pesquisadores que se dedicaram a estudar o fenômeno na região identificaram fatores
históricos que possibilitaram a aproximação dos nativos com os estrangeiros, principalmente
americanos, na década de 1940, no período da exploração da mica e posteriormente da
construção da estrada de ferro Vitória a Minas (SALES, 1990; ASSIS, 1995, ESPÍNDOLA,
2005). Contudo, outras cidades e regiões receberam imigrantes que chegaram com objetivo de
explorar as riquezas minerais e, no entanto, o fluxo migratório não se configurou.
Consideramos que o fluxo de emigração de valadarenses para os EUA é resultado de
um conjunto de fatores e a presença desses imigrantes, é apenas um dos fatores, tendo em
vista que possibilitou a criação no imaginário popular da idéia sobre os EUA como um lugar
de grandes possibilidades e riquezas.
Destacamos quatro outros fatores igualmente decisivos na configuração desse
movimento migratório que nos anos de 1980 atinge seu ápice. O primeiro deles é a existência
de um mercado de trabalho secundário no país de destino, desprezado pelos trabalhadores
americanos devido ao baixo status e baixa remuneração, mas atrativo para o emigrante devido
à possibilidade de ganhar mais do que em seu país de origem (PIORE, 1995). O segundo é a
crise de emprego e a queda no poder aquisitivo da classe média nos países de origem,
resultado da reestruturação econômica que eliminou vários postos de trabalho. O fluxo de
emigração de valadarenses para os EUA aumenta, exatamente, no período de 1985 a 1990
(SOARES, 1995), quando ocorre uma redução dos postos de trabalho devido a reestruturação
produtiva que tem lugar na economia brasileira. Temos, portanto, fatores de expulsão na
origem e atração no destino (PIORE, 1979) que constituem um quadro promissor, para a
implementação do fluxo migratório de Governador Valadares para os EUA. Porém esses
fatores ainda são insuficientes para explicar o fluxo, pois nenhum deles foi exclusivo da
cidade e região.
O terceiro fator é o que consideramos o definidor que, juntamente com os outros,
configurou esse fluxo migratório – a constituição das redes sociais. Com a ida dos primeiros
valadarenses, na década de 60, deu início ao que é denominado na literatura de rede social, ou
seja, um grupo de pessoas que possuem os mesmos objetivos e são da mesma região e por
isso se apóiam. Na década de 80 as redes estão bem consolidadas em determinadas regiões
dos EUA. Conforme afirmam Massey (1997), Boyd (1989) os migrantes vão para lugares
específicos e para setores específicos do mercado de trabalho do país de destino, para isso
acessam os recursos das redes sociais. São as redes que, quando configuradas, direcionam
esses fluxos para determinados espaços geográficos e para certos setores específicos do
mercado secundário. Assim, os emigrantes do sexo masculino da região de Governador
Valadares, geralmente, se direcionam para a construção civil e as mulheres para as faxinas na
região da Nova Inglaterra, nos EUA (SIQUEIRA, 2006).
Graças a essas redes, é possível para uma pessoa que não sabe inglês, nunca viajou
para além de 500 km de sua cidade natal, não conhece as grandes cidades brasileiras como
São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte desembarcar no aeroporto de New York, chegar a
Summerville e dois dias depois estar trabalhando como housecleaner ou na construção civil.
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O quarto fator a ser considerado é o surgimento, na origem, de mecanismos
facilitadores para emigrar. Esses mecanismos são agências de turismo que colocam à
disposição da população serviços, para conseguir o visto no passaporte e entrar legalmente no
país. Oferecem serviços como: agendar entrevista no consulado, organizar a documentação
necessária, informar como deve se vestir e proceder na hora da entrevista e providenciar
transporte até o consulado, em São Paulo. Além desses mecanismos, existem os agenciadores,
denominados cônsul, que organizam grupos de pessoas e providenciam todos os meios
necessários para a travessia pela fronteira do México e outras formas de entrada ilegal nos
EUA.
Somando-se a trajetória histórica da cidade, que na década de 1940, esteve entrelaçada
com os EUA através da exploração da mica, com esses outros quatro fatores, temos o
conjunto de fatores que configurou a rota migratória dos valadarenses para os EUA. Essa
emigração que se iniciou, especificamente, em Governador Valadares, irradia-se de tal forma
que hoje os locais de partida se espalham por toda a Região do Vale do Rio Doce e outras
regiões do Brasil.
2. O PROJETO DE EMIGRAR
A decisão de emigrar é socialmente construída. Aqueles que migram fazem parte de
uma etnia, participam de redes sociais e utilizam todo um conjunto de conhecimento social
para realização de seu projeto. “[...] os imigrantes não devem ser vistos como indivíduos, mas
como integrantes de estruturas sociais que afetam os múltiplos caminhos de sua mobilidade
sócio-econômica.” (SASAKI e ASSIS, 2000, p.7).
A emigração é permeada pela idéia de ir para o país estrangeiro, trabalhar, fazer
poupança e retornar para o local de origem em melhores condições. Nesse projeto a pessoa é
incentivada pela perspectiva de abreviar o tempo para realizar os planos de comprar a casa
própria, o carro ou montar um negócio, pois, se permanecesse no Brasil, o tempo para realizar
este projeto seria bem maior e para alguns seria impossível. Ao longo dos últimos 30 anos,
muitos conseguiram ir, formar uma poupança e retornar para tornarem-se micro, pequenos e
médios empreendedores locais, estimulando, assim, a continuidade do fluxo. Entretanto,
outros não são bem sucedidos ao retornarem. Por insucesso nos negócios ou não readaptação
à vida anterior, acabam retornando à condição de emigrantes nos EUA.
2.1 Emigrantes da Microrregião de Governador Valadares nos EUA6
Em pesquisa realizada com emigrantes da Microrregião de Governador Valadares nos
EUA, destacamos que a maioria está na faixa etária de 20 a 40 anos. No Brasil, tinham uma
atividade profissional com renda mensal de até 3 salários mínimos e possuíam o segundo grau
completo. Declaram que a principal razão de emigrar foi o desejo de ganhar dinheiro para
adquirir bens no Brasil e melhorar de vida. A partir dos anos de 1990, um outro motivo passa
a ter destaque: encontrar familiares. Esse é um dado que permite considerar que, para alguns,
o projeto inicial de retorno é abandonado e as famílias se reencontram nos EUA.
A forma de entrada nos EUA pode ser legal, com visto de turista, de trabalho ou de
estudante (52%); ou ilegal (48%) com passaporte falso ou passagem pela fronteira do México.
Destaca-se que, mesmo entrando legalmente, tornam-se indocumentados quando começam a
6
Pesquisa realizada em 2004 na Região da Nova Inglaterra (Boston, Framingham, Summerville, Bridgeport,
Newark, Danbury e Fairfield) com emigrantes cuja cidade de origem situa-se na Microrregião de Governador
Valadares – Minas Gerais.
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trabalhar, pois o visto não dá direito de exercer qualquer atividade produtiva. A via ilegal tem
aumentado, principalmente a partir do final dos anos de 1990. Dentre os entrevistados que
chegaram aos EUA, a partir do ano dois mil, 76% entraram de forma ilegal, pela fronteira do
México ou com passaporte falso. Isso se deve principalmente à dificuldade de se conseguir o
visto de turista. O financiamento da viagem é feito, na maioria dos casos, pelos familiares que
residem nos EUA; contudo, chama a atenção o fato de que 38% utilizaram-se de recursos
próprios. O que demonstra que são pessoas que possuíam certa condição financeira no país de
origem, e o projeto de migrar tem como objetivo manter ou melhorar o padrão de vida.
Nos EUA, o emigrante trabalha no mercado secundário, em condições precárias.
Ganha por semana em torno de quinhentos a mil dólares, tem uma jornada de trabalho acima
de 10 horas por dia e possui dois empregos. Por serem indocumentados utilizam security
falso.
Quanto maior o tempo de permanência nos EUA, maior é a poupança realizada; em
média, poupa mais de mil dólares por mês. Aquele que consegue montar um negócio
(comércio ou prestação de serviços) nas cidades americanas onde reside, faz uma poupança
maior. O principal objetivo da poupança é adquirir bens na cidade de origem.
O projeto de retorno está sempre presente. Aqueles que pretendem voltar nos
próximos 2 ou 3 anos investem em negócios que, acreditam, lhes garantirá estabilidade
financeira e um bom padrão de vida no Brasil. Investem ou pretendem investir,
principalmente, no comércio (padaria, lojas, farmácia, supermercado, etc.), imóveis para
aluguel e propriedade rural. Aqueles que já efetivaram os investimentos têm pessoas da
família que administram e cuidam dos seus negócios. A maioria deles não fez nenhum tipo de
pesquisa de mercado para verificar a rentabilidade desses investimentos.
Destaca-se que, mesmo aqueles que possuem uma vida estabilizada nos EUA (são
documentados, possuem casa própria e um negócio ou emprego com bom salário) afirmam
que pretendem retornar um dia ao Brasil. No entanto, para esses o projeto é sempre adiado;
para quando se aposentarem, não conseguirem mais trabalhar ou os filhos ficarem
independentes.
2.2 OS EMIGRANTES QUE RETORNARAM AO BRASIL, INVESTIRAM E
REEMIGRARAM PARA OS EUA
Dentre os entrevistados residentes nos EUA que já voltaram ao Brasil, pelo menos
uma vez (51,4%), grande parte (48,6%) tinha a intenção de ficar. Vieram com o projeto de
tornarem-se empreendedores nas suas cidades de origem. Investiram, predominantemente, no
comércio, agronegócio e serviços. Não fizeram nenhuma pesquisa de mercado, não buscaram
informações em órgãos competentes e não fizeram nenhum tipo de treinamento na área
administrativa. Definiram em que investir, a partir de informações dadas por parentes e
amigos, ou porque consideraram que era um bom negócio, ou uma ótima oportunidade. Não
possuíam experiência no ramo em que investiram e nunca tinham sido proprietários de algum
negócio, não tendo, portanto, nenhuma experiência em como administrar uma empresa.
Muitos foram à falência ou fecharam, por causa da baixa lucratividade, que impossibilitava a
manutenção de um bom padrão de vida no Brasil. O retorno à condição de emigrante foi a
solução encontrada. Hoje, vivem nos EUA e reconhecem os erros cometidos. A maioria
continua com o projeto de novamente retornar para a cidade de origem.
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Gráfico 1
Um dado que chama a atenção nesse grupo que investiu e retornou à condição de
emigrante nos EUA, é que 31,4% (Gráfico 1) consideravam que seus investimentos estavam
indo bem e com renda suficiente para viverem no Brasil, mas não conseguiram permanecer no
Brasil por não se readaptarem. Aqueles que se tornam documentados nos EUA passam a viver
nos dois lugares, trabalham nos EUA e passam um ou dois meses no Brasil. Mantêm casa e
carro no Brasil, para aqui desfrutarem o descanso. Tornam-se moradores de dois lugares.
Dividem suas vidas, investimentos e trabalho nesses dois espaços. Como a perspectiva teórica
baseada na transnacionalização preconiza, passam a viver em dois mundos diferentes,
estabelecendo conexões entre as duas sociedades, entre o local e o global. Tornam-se
transmigrantes num mundo globalizado (SIQUEIRA, 2006).
Vários estudos (MARGOLIS, 1994; SAYAD, 2000; FERREIRA, 2001; DeBIAGGI,
2004) realizados sobre a emigração brasileira para os EUA e de grupos de migrantes de outras
nacionalidades, ressaltam que a idéia do retorno está implícita no projeto de migrar. Margolis
(1994) descreve uma categoria que denominou de “migração iô-iô” para caracterizar aqueles
migrantes que vão e retornam por várias vezes, sempre numa perspectiva de um retorno
definitivo para seu país de origem. DeBiaggi (2004) destaca que no retorno à terra natal, além
de determinantes econômicos como montar um negócio, está presente outro componente
como a necessidade de voltar às raízes para reencontrar com sua identidade, sua família e os
amigos. “Para esses retornados, as vantagens sociais e culturais sobrepõem-se às vantagens
econômicas encontradas fora e aos custos e o declínio do poder de consumo.” (DeBIAGGI,
2004, p. 144).
O retorno para a terra natal apresenta-se para alguns mais difícil do que a
decisão de emigrar. O estranhamento no reencontro com a família e em relação aos costumes,
a sensação de não se reconhecer pertencente ao seu local de origem, torna-se angustiante para
alguns emigrantes que retornam. O espaço geográfico e social, as pessoas idealizadas durante
os anos de emigração já não são os mesmos. “[...] mudou tudo, as pessoas são diferentes, é
tudo muito desorganizado [...]” diz Mário (52 anos) em seu relato sobre as dificuldades de
retorno.
De modo geral, a maioria dos entrevistados que hoje se encontram nos EUA considera
que a maior dificuldade de retorno está relacionada à situação econômica do país
31,4
48,6
2,9
17,1
não adaptou insucesso ampliar baixo retorno
Principais razões dos entrevistados, nos EUA, que retornaram
com a intenção de ficar terem reemigrado – 2004 (%)
Fonte: Pesquisa de campo
Total de casos válidos 35
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(instabilidade econômica, juros altos, desemprego, etc.), readaptação aos costumes e à
violência. Destaca-se que 16%, apesar de desejarem retornar ao Brasil, percebem que a maior
dificuldade é abandonar a vida estabilizada nos EUA.
3. O RETORNO BEM SUCEDIDO7
Uma outra face desse fenômeno é o migrante que retornou e tornou-se empresário bem
sucedido nas suas cidades de origem. São predominantemente do sexo masculino (87,3%),
antes de emigrar a maioria não era casada, contudo, atualmente 65,9% são casados. Estão na
faixa etária de 31 a 40 anos. Migraram muito jovens, 76,9% estavam na faixa de 15 a 31 anos.
A escolaridade da maioria não se alterou ao retornar ao Brasil, possuem o segundo grau
completo. Apenas 3,5% deles estavam desempregados quando emigraram. Grande parte
(49,9%) trabalhava por conta própria antes de emigrar, fato que já indica um espírito
empreendedor e experiência na administração de negócios; isto fica evidente, pois 52%
investiram em negócios com os quais já tinham experiência anteriormente.
A emigração possibilitou um aumento da renda mensal (gráfico 2), uma vez que antes
de emigrar a maioria (69,4%) tinha uma renda mensal de até três salários mínimos e
atualmente 38,2% têm uma renda de 4 a 6 salários mínimos, e outros 20,8% de mais de 10
salários mínimos.
Gráfico 2
Estes dados demonstram que tais emigrantes não pertenciam a uma categoria que
estava fora do mercado de trabalho e possuíam características includentes e não excludentes
para o mercado de trabalho no Brasil, entretanto, optaram pela alternativa da emigração para
melhorar o padrão de vida.
Esse é um dos aspectos em que a migração do início do século XX e a atual diferem.
Os migrantes contemporâneos emigram, não em busca de sobrevivência, como os migrantes
do passado, pois não estavam desempregados ou em situação de penúria, mas em busca de
manter ou melhorar sua posição social e econômica. Um conjunto de fatores, que vão desde a
existência de um mercado de trabalho secundário nos países de destino, a crise do emprego
provocada pela reestruturação econômica nos países de origem que achatam as classes
médias, as redes sociais que facilitam o processo de emigração e o próprio espírito de
7
Pesquisa realizada na Microrregião de Governador Valadares em 2005
Renda, em salários mínimos, antes e depois de
emigrar do emigrantes empreendedores da
Microrregião de Governador Valadares - 2005 (%)
0
10
20
30
40
50
60
70
80
1 a 3 4 a 6 7 a 10 mais 10
antes
atual
Fonte: SIQUEIRA, 2006, p. 109. Total de casos válidos 173
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aventura do emigrante, até o retorno e investimentos bem sucedidos nos locais de origem de
alguns emigrantes, define os fluxos migratórios contemporâneos.
Mais evidente fica essa constatação, quando observamos que o principal motivo
declarado pelos atuais empreendedores para emigrar (53,7%) foi a possibilidade de ganhar
dinheiro, retornar e investir no Brasil. É interessante ressaltar que 46,3% afirmaram que
emigraram porque foi uma possibilidade que surgiu para conseguir atingir seus objetivos mais
facilmente e em menor tempo.
Através das redes sociais a emigração para os EUA na Microrregião de Governador
Valadares tornou-se uma alternativa viável e de fácil acesso. Para o jovem é uma das opções
que lhe é apresentada numa fase da vida em que os projetos são construídos. Entre cursar uma
faculdade e ir trabalhar nos EUA, muitos optam pela segunda.
A maioria dos empreendedores bem sucedidos (82,7%) emigrou exatamente no
período de aumento do fluxo, ou seja, na década de 1980. Permaneceram de 3 a 10 anos
(75,7%). Conforme assinala Fusco (2005), as redes sociais ajudam os seus componentes a
conseguir acesso aos recursos financeiros e sociais que possibilitam seu ingresso numa
sociedade sobre a qual não têm ou têm poucas informações. O acesso aos empregos só é
possível através das redes, pois 64% dos entrevistados conseguiram seu primeiro emprego
através de amigos e parentes. Essas redes fazem a conexão entre a origem e o destino; através
delas tramitam as informações, desenvolvem-se os mecanismos que facilitam a saída do lugar
de origem e a chegada no destino. A conexão fica evidenciada no percentual dos entrevistados
que informaram terem saído do Brasil com emprego garantido nos EUA (34%). Esses
empregos foram arranjados por parentes e amigos, o que demonstra a importância das redes
sociais na configuração e na direção do fluxo migratório.
Como os emigrantes mal sucedidos no projeto de retorno, esses também
trabalhavam no mercado secundário em condições precárias. Na pesquisa constatou-se ainda
que a renda semanal da maioria era de quatrocentos a seiscentos dólares, sendo que 50,9%
poupavam entre mil a dois mil dólares mensais. Destacamos que 82,7% faziam remessas
mensais para o Brasil; a principal finalidade das remessas eram as despesas da família e
investimentos. Desde a década de 1980, as remessas representam um importante componente
da economia da Microrregião.
3.1 DIFICULDADES PARA TORNAR-SE EMPREENDEDOR NO BRASIL
O principal objetivo do projeto de migrar, dos emigrantes bem sucedidos, era tornar-se
empreendedores nas suas cidades de origem. É interessante ressaltar que 41% deles tinham
um projeto concreto de investimento, ou seja, já tinham definido em que investir quando
retornaram; outros 21,4% já tinham realizado o investimento, enquanto ainda estavam nos
EUA. Esses investimentos, geralmente, foram realizados por parentes próximos ou sócios, e
25,4% tinham a intenção de montar um negócio, mas ainda não sabiam qual.
A maioria afirma que não teve grandes dificuldades ao retornar, contudo 31,2%
relatam que o maior obstáculo encontrado foi compreender novamente a economia do país,
sentiam-se inseguros quanto aos investimentos realizados. Outros 27,7% apontaram a
readaptação como a grande dificuldade do retorno. Relembrando que 31,4% dos emigrantes
que reemigraram e investiram, acabaram retornando novamente aos EUA, não devido ao
insucesso do investimento, mas porque não conseguiram se adaptar à vida no Brasil. Muitos
deles acabaram tornando-se moradores de dois lugares, vivendo parte de suas vidas no Brasil
e parte nos EUA. Essa dificuldade, a readaptação, é um aspecto importante da reemigração a
ser considerado.
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Por tudo isso, muitos afirmam que retornar é mais difícil do que emigrar, pois quando
emigram estão cheios de esperança e quando retornam são acometidos pelo estranhamento de
seus lugares de origem e das pessoas que habitavam seu universo social. Isto ocorre porque,
durante o tempo de afastamento, idealizaram as relações sociais e o espaço onde viviam e
quando retornam não o reconhecem. Tempo de emigração é um tempo fora do curso natural
da vida. Além disso, são assombrados pela incerteza quanto ao sucesso do investimento, e o
medo de perder tudo os deixa apreensivos.
Esse mesmo sentimento de não pertencimento no retorno é relatado por Hall (2003) no
seu estudo sobre a dispersão caribenha no EUA, Canadá e Reino Unido. Estes emigrantes,
como os brasileiros da Microrregião de Governador Valadares, não se sentiam em casa
quando retornavam para suas cidades de origem, pois segundo Hall já eram habitantes de dois
lugares. Tal sentimento ocorre no impacto da chegada, mas alguns conseguem readaptar-se e
permanecer, fazendo assim, o caminho de volta à origem.
3.2 O INVESTIMENTO NA MICRORREGIÃO DE GOVERNADOR VALADARES
Os anos de trabalho duro, de solidão e saudades e de privações resultaram na
possibilidade de investir e tornarem-se donos de seus próprios negócios no Brasil, fazendo
com que 92,5% dos emigrantes bem sucedidos afirmem que a experiência de emigrar foi
positiva, pois possibilitou melhorar sua situação econômica no Brasil.
Gráfico 3
A escolha do tipo de investimento foi definida pela experiência anterior no ramo; a
maioria dos investimentos foram realizados na área do comércio, tanto em Governador
Valadares como nas outras cidades da Microrregião. Entretanto, o investimento em
agronegócio é maior nas outras cidades. Isso se deve ao fato de Governador Valadares ser
uma cidade pólo da região e onde o comércio é mais dinâmico.
O investimento inicial da maioria (46%) dos empreendimentos é da ordem de 20 mil
dólares e 16% investiram mais de 100 mil dólares. Apenas 11,4% não contratam mão-de-
obra; a maioria emprega entre quatro a cinco pessoas e paga entre um a dois salários mínimos.
São empreendimentos legalizados que pagam em torno de quatrocentos a mil e duzentos reais
por mês de impostos. Estes dados nos permitem concluir que a maior parte dos
70 56
21
5
11
1
11
65
comércio (62%) serviço (12%) industria (5%) agronegócio
(41%)
Setor de investimento - Emigrantes empreendedores da
Microrregião de Governador Valadares - 2005 (%)
Gov. Valadares Outras cidades
Fonte: Pesquisa de campo. Total de casos válidos 173. Obs. Respostas múltiplas
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empreendimentos é de pequeno porte e oferecem poucos postos de trabalho. Poe outro lado,
se considerarmos que na microrregião, devido ao seu baixo dinamismo econômico, a oferta de
empregos está abaixo da demanda da população economicamente ativa, pode-se afirmar que
estes empreendimentos contribuem para o dinamismo da economia na região.
Muitos avaliam que seus investimentos são bem sucedidos e que suas empresas estão
em fase de crescimento (60%). Para 32% suas empresas são sólidas com boas perspectivas no
mercado; consideram que sem a emigração jamais conseguiriam investir em
empreendimentos produtivos do porte dos que possuem hoje.
4. RETORNO E INVESTIMENTO: SUCESSO E INSUCESSO
Migrar, ganhar dinheiro no país de destino, retornar e investir para melhorar sua
condição social, ou até mesmo manter uma posição socioeconômica que estava perdendo, é o
projeto inicial da grande maioria dos emigrantes; esse projeto é, porém, quase sempre
reelaborado. Conforme afirma Assis (2004) cada migrante vivencia de maneira diferenciada a
situação de emigração, mesmo que o projeto tenha sido elaborado pela família ou
comunidade, a experiência não é vivida de modo homogêneo por todos. As mudanças
ocorrem em função das diferentes trajetórias dos sujeitos.
Dependendo do contexto e da interação do sujeito com as várias possibilidades que se
lhes apresentam durante o período de emigração e o capital social de cada emigrante,
podemos considerar que o sucesso e o insucesso do projeto migratório são relativos, pois o
retorno se dá de modo diferenciado para cada um. No percurso da vida o emigrante retorna
para algum ponto, mesmo que seja fora de sua cidade de origem, ele reconstrói seu projeto e
passa a viver em outro espaço e tempo. Contudo alguns não conseguem retornar para a
origem nem ficar no país de destino, torna-se sem lugar, desterritorializados.
Por que alguns retornam, investem e não obtêm sucesso e outros fazem a mesma
trajetória e tornam-se empreendedores bem sucedidos na Microrregião de Governador
Valadares? Quando comparamos esses dois grupos percebemos que as variáveis sócio-
demográficas são semelhantes.
Uma variável que demonstra um diferencial entre esses dois grupos é o tempo de
emigração. A maioria (44,5%) dos empreendedores que obtiveram sucesso permaneceu em
torno de dois a quatro anos, enquanto aqueles que não obtiveram sucesso ficaram em torno de
5 a 10 anos (62,9%) nos EUA. Um tempo maior fora do local de origem distancia o sujeito da
realidade, tanto do ponto de vista econômico como das relações sociais. Quanto mais tempo
distante maior é a idealização desse espaço geográfico e social e a dificuldade de readaptação
será bem maior. Além disso, durante os anos de trabalho nos EUA, atuavam como
empregados no mercado de trabalho secundário, não tendo adquirido nenhuma experiência
gerencial ou administrativa.
Outro aspecto que distingue os dois grupos refere-se à forma como foi decidido em
que investir. Entre os empreendedores bem sucedidos, a maioria (52,6%) investiu em
atividades com as quais tinha experiência, e outros 14,5% se associaram à pessoas com
experiência no ramo. Diferentemente, 51,4% dos entrevistados que não foram bem sucedidos
definiram seus investimentos a partir de informações de amigos e parentes, e apenas 17,1%
tinham experiência na área em que realizaram o investimento.
A constituição e consolidação de uma comunidade brasileira, na região da Nova
Inglaterra, têm diminuído as dificuldades de adaptação e criado um espaço onde o brasileiro
pode sentir-se brasileiro. Esse espaço Margolis (1994) denominou de Little Brazil. Várias
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lojas de roupa, mercearias, padarias, restaurantes e empresas de serviços destinados a atender
o público brasileiro foram criados. Além desse espaço comercial, atividades culturais e
sociais, igrejas de diferentes credos também surgiram, formatando um espaço no país de
destino específico de brasileiros. Somando-se a isso as dificuldades do retorno para a cidade
de origem, a tendência é da redução do retorno e do envio de dólar, à medida que a
comunidade brasileira vai se organizando nos EUA.
Os dados demonstraram, a partir dos anos de 1990, o principal motivo para emigrar
apresentado por 28% dos brasileiros entrevistados nos EUA é o reencontro com a família que
já residia lá. Esses emigrantes dificilmente retornarão ou farão investimentos produtivos nas
localidades de origem. Além disso, a segunda geração e os que foram ainda crianças8
mesmo
mantendo laços afetivos com os familiares no Brasil, dificilmente farão investimentos
produtivos nos locais de origem de seus pais.
A Região do Vale do Rio Doce e sua Microrregião de Governador Valadares,
historicamente, passaram por ciclos econômicos que deixaram rastros nefastos na economia
regional. Para que o fenômeno migração internacional não se torne mais um ciclo predatório
como os da mica, da madeira e mais recentemente da agropecuária, é necessário que
programas sejam criados para orientar os investimentos dos emigrantes que retornam.
Destacamos que os dados demonstram que 61,7% dos emigrantes entrevistados nos EUA
afirmam que pretendem retornar a suas cidades de origem. É necessário que a sociedade civil,
entidades de classe e o poder público, elaborem, com urgência, programas que canalizem e
oriente os investimentos desses que pretendem retornar para que não aconteça com eles o que
aconteceu com os 48,6% dos entrevistados que emigraram para os EUA, retornaram,
investiram na microrregião e foram mal sucedidos, tornando-se emigrantes novamente.
5. AS DIFERENTES FORMAS DE RETORNO
Considerando que a emigração se assenta em quatro pontos: ir – ganhar dinheiro –
retornar – investir, durante o percurso, dadas as condições sociais, esse projeto migratório é
reelaborado e o retorno apresenta diferentes nuances. Assim podemos considerar que existem
quatro tipos de retorno:
1 – Retorno temporário - O emigrante define os EUA como seu local de moradia, lá tem sua
família, seu trabalho, e seus investimentos. Vem ao Brasil de férias (mesmo o indocumentado
que volta para os EUA pela fronteira do México e atualmente pela Guatemala). traz seus
filhos, que geralmente são documentados, para passar férias, festejar o aniversário, assistir a
casamentos e outros festejos da família, no Brasil. Recebe os jornais locais nos EUA ou
acessa através da internet, manda dinheiro para ajudar a família e ajuda entidades de caridade
locais. Nos EUA muda seu padrão de vida e consumo, pois já não tem a preocupação de fazer
poupança para voltar e investir no Brasil.
2 – Retorno continuado. O emigrante retorna à cidade de origem investe e acaba perdendo
tudo ou não consegue se readaptar; reemigra, mas continua mantendo o projeto de voltar.
Alguns fazem esse caminho por várias vezes. Restringem seu padrão de vida e de consumo
nos EUA, objetivando fazer uma poupança para tornar a investir em sua cidade de origem9
.
Neste grupo, depois de algumas tentativas frustradas, alguns desistem e passam a pertencer ao
primeiro grupo.
8
Denominado na literatura geração 1.5
9
Margolis (1994) denomina de migração iô-iô.
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3- Retorno do Transmigrante. O emigrante que vive nos dois lugares, está sempre retornando
ao país de origem e ao de destino. É documentado, tem vida estabilizada nos EUA. Possui
casa, faz investimento e trabalha nos dois lugares, passando parte do ano no Brasil e parte nos
EUA. Participa ativamente da vida social das duas sociedades. Alguns são membros de
associações nos EUA (câmara do comércio, grupo de escoteiros, brigada de incêndio) e no
Brasil (associações de classe, cargos públicos como de vereador ou prefeito). Hoje, já
podemos dizer que são transmigrantes, transitam, têm visibilidade e são atores sociais nos
dois lugares 10
4 – Retorno permanente. O emigrante retorna, readapta-se e se estabelece na sua cidade ou
país de origem, e não pretende emigrar novamente. No caso deste estudo é o que se tornou
empreendedor na Microrregião de Governador Valadares. Credita a sua condição de
empreendedor bem sucedido ao seu projeto migratório.
Essas diferentes formas de retorno denunciam não só a angústia de uma realidade
vivida, a ausência e a presença em um determinado espaço social, um ponto de partida para o
qual não se volta mais, mas também a engenhosidade desses aventureiros, desbravadores e
ousados atores sociais que reescrevem suas trajetórias e por que não dizer, reconquistam e
redimensionam os espaços físicos e sociais que passam a ocupar.
CONCLUSÃO
A emigração da Microrregião de Governador Valadares para os EUA definiu-se a
partir de um contexto histórico que criou, no imaginário popular, a idéia da existência de um
lugar onde era fácil ganhar dinheiro e “fazer a vida” em pouco tempo. As redes sociais e os
mecanismos facilitadores da emigração possibilitaram o início e o crescimento do fluxo de
migração da região para os EUA.
Os dados nos permitem considerar que para os emigrantes da microrregião de
Governador Valadares que vivem nos EUA, o sonho de retorno está permanentemente
presente, apesar de todas as dificuldades existentes. Os que, concretamente, planejam o
retorno nos próximos 2 ou 3 anos, investem em imóveis para aluguel e na montagem de
negócios nas áreas do comércio e serviço. Como os que retornaram e acabaram tendo
insucesso no investimento, esses também não têm nenhuma experiência empresarial, ou seja,
fazem ou pretendem fazer seus investimentos sem um plano estratégico, sem conhecimento
prévio do mercado e sem nenhuma assessoria técnica. Provavelmente, incorrerão nos mesmos
erros, ou seja, farão investimentos inadequados e acabarão perdendo toda a poupança que
conseguiram formar com seu árduo trabalho como imigrante nos EUA.
O capital social do emigrante é um fator importante no sucesso do investimento,
porém existem alguns fatores que contribuem para o sucesso ou insucesso do projeto de
retornar e investir na cidade de origem. A emigração possibilita a poupança para iniciar seu
empreendimento, mas não o habilita a tornar-se empresário. O mercado exige racionalidade e
conhecimento para que o investimento seja bem sucedido. A experiência no ramo de negócio
a ser iniciado e o conhecimento sobre a economia, o funcionamento do mercado e de como
administrar uma empresa não se adquirem com anos de afastamento dos locais de origem, ao
contrário, este afastamento resulta em uma idealização desse espaço geográfico e das relações
sociais nele desencadeadas. Sem referências econômicas reais, a falta de racionalidade e o
amadorismo nos investimentos, o resultado é o insucesso.
10
Portes (1996), Mansey (1997), e outros estudiosos denominam de transmigrantes.
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Em relação ao objeto central deste artigo que é compreender o fenômeno da migração
internacional, no que se refere ao movimento de ida e retorno e seus efeitos na abertura de
novos empreendimentos na Microrregião de Governador Valadares, os dados nos permitem
considerar que esses empreendimentos dão dinamismo à economia da região, pois mesmo
sendo em sua maioria empresas de baixo investimento e com pequeno número de empregos,
criam postos de trabalho e, por serem documentadas, pagam seus impostos.
Se tomarmos como referência o fato da Microrregião de Governador Valadares
apresentar a mesma tendência estrutural de estagnação econômica da Macrorregião do Rio
Doce, da qual faz parte, podemos considerar que o investimento produtivo dos emigrantes
retornados é um elemento que contribui para o aumento dos postos de trabalho e a dinâmica
da economia local. Contudo, existe outro aspecto que não pode deixar de ser considerado, e
que diz respeito às conseqüências desse fenômeno da migração internacional para a região.
Uma dessas conseqüências é a supervalorização do preço do imóvel em toda a região.
Uma casa é vendida por três vezes o seu valor real, porque o emigrante que está nos EUA
paga este valor; o mesmo acontece com as propriedades rurais. Para o emigrante, além do
valor de mercado existe um valor simbólico que é comprar a casa na rua onde morava de
aluguel, a fazenda onde era vaqueiro. É a possibilidade de mostrar para si e para os outros que
seu projeto de emigrar foi bem sucedido. Entretanto, o valor monetário, por ser irreal na
perspectiva do mercado, não se manterá por muito tempo.
Os investimentos em imóveis para alugar é outro efeito da emigração, porém, este
setor já sente os efeitos da oferta maior que a procura. Na cidade de Governador Valadares já
é sentida pelos proprietários de imóveis para aluguel, a queda no preço dos aluguéis.
É importante que tanto o poder público, quanto a sociedade civil tenham ações que
propiciem a fixação dos que retornam e buscam meios de permanecer na sua região de
origem, fazendo investimentos produtivos e viáveis. Há uma grande carência de políticas e
projetos que orientem os emigrantes quanto à escolha do tipo de negócio e os qualifiquem
para administrar adequadamente os empreendimentos, tornando-os competitivos e rentáveis.
São necessários também projetos que auxiliem o migrante no seu retorno e na sua readaptação
ao local de origem, evitando assim que ele se torne um migrante novamente, ou um
transmigrante.
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RETORNO DE MIGRANTES INTERNACIONAIS AO PAÍS DE ORIGEM:
CONEXOES E DESCONEXÕES
Devani Tomaz Domingues11
RESUMO
Este artigo traz uma parte dos resultados da pesquisa realizada para a elaboração da dissertação de mestrado em
sociologia. O estudo busca conhecer os impactos da re-entrada ao país de origem para o emigrante retornado;
como ele idealiza e em quais condições e de que forma ele viabiliza o projeto de retorno. Delineia a trajetória de
(re)construção da identidade do emigrante retornado; antagonismos, valores e sentimento de pertencimento
frente ao projeto de concretização ou não do retorno. Para entender essas questões foram realizadas 38
entrevistas em profundidade e constituídos cinco grupos focais com emigrantes internacionais, sendo quatro
grupos com emigrantes retornados dos Estados Unidos e residentes em Governador Valadares e um grupo com
emigrantes que ainda residem nos Estados Unidos. O grupo de estudo foi estruturado com a utilização da técnica
da bola de neve, totalizando 44 emigrantes. Destes, 70,5% residem na cidade de Governador Valadares e 29,5%
moram em condados dos Estados Unidos e estavam a passeio na cidade. Nos relatos, os entrevistados
explicitaram diferentes formas de estranhamento no retorno ao país de origem, referindo ao ‘choque’ no
reencontro com sua família e amigos, na relação com o lugar e o trabalho. Entre os emigrantes retornados, 41,9%
planejaram retornar, 19,4% retornaram devido à doença pessoal, doença ou morte na família, e 38,7% por outros
motivos voltaram à cidade. Todos afirmaram que contaram com a ajuda da família e/ou de amigos no retorno, e
90,9% mantêm contato por telefone e/ou internet com amigos e parentes nos Estados Unidos. Garantir o espaço
de ‘trabalho’ é fundamental no retorno, principalmente através do investimento em algum tipo de negócio
(41,9%) ou na condição de trabalhador autônomo (19,4%).
PALAVRAS CHAVES: Emigração, Retorno, Trabalho, Identidade.
SUMMARY
This article is a part of the results of the research for the elaboration master's degree dissertation in sociology.
The study searches to know impacts of the re-entrance to the origin’s country for the regressed emigrant; how
the idealizes in which conditions and how he makes possible the return project. He/she delineates paths of
(re)construction of the regressed emigrant's identity; antagonisms, values and concernig feelings of the return or
not return . To understand these questions, they were accomplished 38 interviews in depth and they were
accomplished five focal groups with international emigrants, being four groups regressed emigrants from United
States and residents that live in Governador Valadares. The other are emigrants that still live in the United States.
The study group was structured with the technique snow ball, totaling 44 emigrants. Of these groups, 70,5% live
in Governador Valadares and 29,5% live in countries from the United States and they were walking there. The
reports show different ways of the strangeness from the interviewees returning ti the origin, referring to the
'shock' in the new meeting with family, friends, relationship with the place and the work. Among the regressed
emigrants, 41,9% returned, 19,4% regressed due to the personal disease, family disease or family death and
38,7% returned for other reasons. All of them said that they counted with the family help and/or friends help.
90,9% continues maintaining contact for telephone and/or internet with friends and relative in the United States.
To guarantee the space to work in the return is fundamental, mainly through investment in some kind of business
type (41,9%) or in autonomous worker's condition (19,4%).
KEY WORDS: Emigration, Return, Work, Identity.
INTRODUÇÃO
Com base nas possibilidades múltiplas de identificação do sujeito moderno ou pós-
moderno (HALL, 2005), busca-se através da análise dos dados da pesquisa de campo
reconhecer esse sujeito e as características peculiares das relações globais do mercado de
trabalho e da sociedade de consumo através do fenômeno da migração internacional. Nesse
sentido, a relevância deste estudo é que ele permite reconhecer os impactos desse processo no
11
Mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Licenciatura e Bacharelado em Ciências
Sociais pela Fundação Percival Farqhuar, atual UNIVALE. Funcionária pública do município de Governador
Valadares.
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indivíduo e os seus efeitos sociais e culturais no local de origem. Na re-entrada do emigrante,
em seu próprio país, os investimentos não são somente econômicos, mas também envolvem
relações sociais, afetivas e culturais com sua comunidade local. Discutem-se, ainda, as
redefinições identitárias dos emigrantes retornados através das (re)negociações em seu local
de origem.
A pesquisa teve como objetivo geral caracterizar a migração de retorno como parte
constituinte da migração internacional na configuração da sociedade moderna. O trabalho de
campo foi realizado na cidade de Governador Valadares nos três últimos meses do ano de
2006 e no primeiro semestre de 2007, adotando a metodologia qualitativa que se apresenta
apropriada para conhecer as nuances do objeto em estudo. Como instrumentos metodológicos,
foram utilizados a entrevista em profundidade e os grupos focais.
Neste trabalho considera-se que o processo de saída da comunidade de origem e o
contato com outra sociedade no exterior, permeada de novos valores e signos a serem
interpretados pelo e/imigrante, provocam uma desconexão tanto com sua cultura local quanto
consigo mesmo, com seu próprio ‘eu’, que no primeiro momento empreende num ajustamento
à nova sociedade. Porém, ao mesmo tempo, a rota é permeada de conexões, porque os
emigrantes mantêm seus laços de origem, utilizando os meios de comunicação, facilitados e
próprios da sociedade pós-industrial, e se fortalecem para alcançar o objetivo de concretizar o
projeto de retorno ou para permanecer no país de destino. Esse duplo relacionamento entre
lugar de origem e destino, numa vivência pós-moderna do tempo e espaço, é denominado aqui
como conexões e desconexões.
Na análise dos dados buscou-se identificar os fatores sócio-econômicos e culturais
determinantes para a decisão de retorno; caracterizar o grupo de emigrantes retornados da
amostra – perfil econômico e social; delinear a trajetória do emigrante no país de origem a
partir do seu retorno; identificar os mecanismos usados pelo emigrante retornado para
inserção em determinados setores da economia local; descrever a condição social e cultural do
emigrante retornado na perspectiva das novas configurações do trabalho e da situação
econômica da região. Neste artigo, em especial, aborda-se a motivação do retorno e os
aspectos do estranhamento do lugar, da família e do trabalho.
Para fundamentar o problema em análise, inicialmente serão apresentadas reflexões
teóricas sobre a questão da identidade e uma visão geral de aspectos da migração
internacional com um breve histórico do Brasil no contexto desse fenômeno, destacando a
participação de Governador Valadares no processo das emigrações e retorno. A seção
seguinte descreve a metodologia utilizada, e, logo após, caracteriza-se a amostra de estudo e
discutem-se as questões antagônicas do processo, ressaltando os motivos e ajuda recebida no
retorno e a percepção do lugar de origem pelo emigrante retornado, o qual fala sobre o
estranhamento do lugar, da família e do trabalho através da percepção da diferença em função
da experiência da emigração aos Estados Unidos. Para concluir, são feitas as considerações
sobre os resultados parciais da pesquisa.
A MIGRAÇÃO INTERNACIONAL
Os objetivos e as questões que norteiam o estudo estão inseridos numa dimensão
macro do fenômeno. Para compreender essa dimensão e a importância social deste estudo,
junto à discussão sobre a “identidade fragmentada” (HALL, 2005), faz-se necessário uma
contextualização do fenômeno da migração internacional, situando o Brasil no contexto desse
processo e, em especial, a significativa participação da cidade de Governador Valadares nos
fluxos brasileiros de emigração para outros países.
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A migração internacional, na perspectiva da análise sociológica, envolve dimensões
múltiplas, que justificam a busca da compreensão multidisciplinar do tema. Aparentemente é
um assunto pontual, mas, à medida que as questões se apresentam e que se atenta para as
novas descobertas empíricas, se reconhece a sua complexidade e seus paradoxos. E, nesse
caminho, as portas se abrem para, junto com o sujeito migrante, perceber as ilusões como
condição para o início e continuidade da imigração nos países recebedores e da emigração nos
países enviadores (SAYAD, 1998).
Um mesmo sujeito se insere, assim, num complexo processo, que se desdobra em
diversos projetos em consonância com a expectativa e natureza da migração, fundamentando-
se em imagens coletivamente construídas. A manutenção dessa estrutura ‘ilusória’ e seus
efeitos são garantidos “por uma espécie de cumplicidade objetiva (i.e., a despeito dos
interessados e sem que haja para tanto um acordo prévio), compartilhada pelos três parceiros
que são a sociedade de emigração, a sociedade de imigração e os próprios
emigrantes/imigrantes, os primeiros a estarem concernidos” (SAYAD, 1998, p.18). Descobre-
se com Sayad (1998) que o projeto envolve variáveis observáveis e outras que permanecem
obscuras para o migrante e até mesmo para um pesquisador, porque a base do processo são as
ilusões.
Ao qualificar essas ilusões, Sayad (1998) reforça o que aqui chamamos de
antagonismo do processo. Do lado do país de destino, há a ilusão de uma presença provisória
e do outro lado uma ausência igualmente provisória. Esse caráter ilusório da presença que se
prolonga e do adiamento da concretização do projeto de retorno somente é reconhecido a
posteriori, e o ‘trabalho’ se apresenta como um forte álibi para essa inconfessável
ambigüidade. O trabalho vem simbolizar o acesso ao ‘dinheiro’ para a realização do sonho da
casa própria, do poder de consumo e de melhoria do padrão de vida. As idealizações do que se
deixou para trás alimenta a vontade daqueles que esperam retornar. A espera se prolonga, o
tempo é dedicado ao trabalho, e o contato com os familiares no país de origem se torna
essencial para encorajar o emigrante em sua ‘aventura’.
Ressaltando esse aspecto ambíguo do problema, este estudo pretende explorar, um
pouco mais, a chamada categoria dos emigrantes retornados a fim de entender a relação desse
emigrante com os diferentes espaços culturais e históricos e se sua identidade é redefinida em
função de sua experiência e da construção de laços antagônicos entre os dois espaços, aqui
definidos como Estados Unidos e Brasil, mais especificamente, Governador Valadares e
diversos condados dos Estados Unidos da América. Pretende-se, também, contribuir com a
literatura científica, trazendo à discussão o estudo da migração de retorno, referendado pelos
avanços e aprimoramentos de conceitos da sociologia econômica e da sociologia da migração,
com a compreensão de que ‘retorno’ não é uma categoria fixa, mas uma categoria que se
multiplica em função das diferentes variáveis envolvidas no processo de retornar ao país de
origem e/ou ao país de destino, considerando, nesse último caso, que alguns indivíduos
mantêm residência em dois lugares e ocupam ativamente seu espaço no meio social.
Observa-se a migração internacional como um caleidoscópio, e, dessa forma, a
migração de retorno é uma das facetas do processo. É possível que o olhar do ‘lugar da volta’
em seu próprio país de origem seja para o emigrante retornado como o olhar de um
estrangeiro ou como o olhar daqueles que chegam depois de um período ausente, com a
sensação que perderam uma parte da história. A idéia central é que o desejo de ‘ficar’ e a
concretização do projeto de retorno estão vinculados às redefinições de identidade através da
reconquista do espaço social pelo sujeito que emigrou. A concretização do projeto é também
um discurso antagônico nem sempre claro para os emigrantes que se redescobrem em sua
experiência. Tal como afirma Hall (2005, p.25), “as transformações associadas à modernidade
libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas”. Nesse aspecto, a
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identidade do sujeito está relacionada ao seu tempo e à sua condição na vida social e “está
sempre incompleta, sempre em ‘processo’, sempre sendo ‘formada’” (HALL, 2005, p.38). E,
para a compreensão dessas condições, esse teórico enfrenta questões como a de explicar a
afirmação de que as identidades modernas estão “descentradas” e repletas de implicações
(HALL, 2005).
Destacando a complexidade da discussão devido ao próprio conceito de identidade
“ser muito pouco desenvolvido e compreendido na ciência social contemporânea para ser
definitivamente posto à prova” (HALL, 2005, p.8), esse teórico desenvolve sua argumentação
através de um crescente entendimento de mudanças ocorridas ao longo do tempo na sociedade
ocidental e na forma da identificação do sujeito em relação ao seu tempo e espaço, centrando
atenção às identidades culturais.
Em seu estudo, Hall (2005) diferencia, de forma simplificada, três concepções de
identidade a partir de uma análise histórico-sócio-cultural: a concepção de identidade do
sujeito do iluminismo, a concepção de identidade do sujeito sociológico e a concepção de
identidade do sujeito pós-moderno. De uma conceituação considerada ‘individualista’ –
sujeito do iluminismo, passamos por uma outra concepção de sujeito sociológico que refletia
a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do
sujeito não era autônomo nem auto-suficiente, mas sim formado na relação com o outro,
principalmente com aqueles que eram referências para ele, que mediavam para o sujeito os
valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. E, de forma
sintética, Hall (2005) conclui que a concepção de identidade do sujeito pós-moderno apóia-se
no argumento que a identidade unificada e estável está se tornando fragmentada. O próprio
processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais,
tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós-
moderno, desvinculado de uma identidade fixa, essencial ou permanente, para um confronto
com múltiplas possibilidades identitárias, ou seja, pelo menos temporariamente o sujeito pode
estabelecer uma identificação com cada uma delas. Um outro aspecto dessa questão da
identidade, segundo Hall (2005), está relacionado ao caráter da mudança na modernidade
tardia, particularmente ao processo de mudança conhecido como “globalização” e seu
impacto sobre a identidade cultural. Ao avaliar a discussão da identidade em crise, Hall
(2005) sustenta que a modernidade possibilita ao sujeito experimentar formas diversas de
vivenciar e se identificar em relação ao outro e ao próprio meio onde vive. Possivelmente, a
trajetória do emigrante retornado demonstra com nitidez esse aspecto da sociedade ocidental
moderna.
A modernidade foi objeto de estudo do pensamento sociológico clássico sendo
destaque nas obras de pensadores como: Karl Marx (1818-1883), Durkheim (1858-1917),
Max Weber (1864-1920) e, mais recentemente, Elias (1897-1990). Esses grandes teóricos
buscaram elucidar suas características e se posicionaram, à sua época, discutindo questões
como a constituição, estruturação, processos de mudanças e as demais tendências da
sociedade. Explicitaram, a partir de suas pesquisas, preocupações com o homem e a
sociedade. Como o centro da preocupação se constituía num complexo conjunto de variáveis
em transformação, que remonta, principalmente, aos séculos XVI e XVII12
, verifica-se que a
migração internacional ainda não se apresentava como problema sociológico, reservando a
esse fenômeno um papel secundário. Ao contrário, atualmente, as discussões em torno do
problema têm avançado e ganhado novos contornos.
12
Foi uma época considerada de grandes inovações na ciência e na tecnologia, que encadearam outras séries de
mudanças, rompendo padrões de comportamento e promovendo nova organização social fundamentada na
indústria, no processo de urbanização e em novos paradigmas de valoração cultural.
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No início do século XX, devido ao aumento da mobilidade populacional da Europa
para os países do Novo Mundo, principalmente para os Estados Unidos, os sociólogos
americanos iniciaram a sistematização de estudos sobre a migração. A Escola de Chicago se
tornou referência e teve como questão central a compreensão do processo de integração do
imigrante à sociedade americana, a partir do trabalho pioneiro de Thomas e Zaretsky (1918) –
The Polish Peasant in Europe and América13
. Este é um estudo clássico na área da migração
que, além de refletir o pensamento sociológico da época, influenciou o desenvolvimento
teórico das décadas seguintes. Apesar das críticas posteriores aos trabalhos da Escola de
Chicago, esta representa um marco para os estudos do fenômeno da migração internacional,
como um problema sociológico.
A análise do fenômeno pelas ciências sociais tem dado atenção a diferentes variáveis
porque a migração internacional apresenta uma nova configuração com elementos
característicos da sociedade moderna ocidental. Uma sociedade que concilia “formas
contrastadas, mas interdependentes de comportamentos essenciais à perpetuação das
sociedades industriais que aparelham consumo e produção, diversão e trabalho”
(CAMPBELL, 2005, p. 317). Esse teórico, em sua tese sobre o consumismo moderno,
identifica a ética romântica14
, voltada para o prazer e o consumo como cultura gêmea da ética
protestante15
. Não desenvolvemos os argumentos teóricos dessa linha de pensamento, mas
aproximamos a discussão do tema de estudo por observar que os deslocamentos populacionais
têm forte motivação na justificativa do trabalho e das condições de vida que envolvem
também o consumo em diferentes níveis e a garantia do bem-estar.
As mudanças ocorridas ao longo dos tempos, tanto nos aspectos econômicos quanto
sociais e culturais, provocaram novo ritmo ao processo migratório, intimamente relacionado
às alterações das relações de trabalho que, hoje, se desenvolvem num campo global. Além do
13
Portes (1995) destaca essa obra, de William I. Thomas and Florian Zaretsky (1918-1920); (reimpresso,
Chicago: University of Illinois Press, 1984) na nota 3, juntamente com as obras de Robert E. Park “Human
Migration and the Marginal Man”, American Journal of sociology 33 (Maio de 1928): 881-893; e Everettt V.
Stonequist, The Marginal Man: A Study in Personality and Culture Conflict (1937; reimpresso, New york:
Russel &Russel, 1961). A obra de Thomas e Zaretsky trata dos imigrantes poloneses, cerca de dois milhões, que
migraram para a América entre 1810 e 1910. Através desse estudo, demonstram como o processo de migração
quebra os laços de solidariedade, em especial, o sistema familiar.
14
A premissa básica da tese da ética romântica é que o mecanismo que se situa no cerne do consumismo
moderno, independente de sua forma, tem como implicação fundamental os processos culturais; sendo, portanto,
necessário encarar os problemas históricos, econômicos e sociológicos como intimamente associados, assim
como Max Weber percebeu em seu original estudo sobre as origens da revolução da produção. Campbel orienta
o estudo no sentido de estabelecer uma relação entre o comportamento do consumidor e o movimento romântico
do século XVIII. Segue estrategicamente os passos de Weber para mostrar e compreender o romantismo como
um componente que persiste na cultura moderna, tendo como hipótese central de que talvez houvesse uma “ética
romântica” operando a promoção do “espírito do consumismo”, exatamente como Weber postulou que uma ética
“puritana” promovera o espírito do capitalismo.
15
Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Moderno, Weber (1996) estabelece uma combinação entre
valores e finalidade religiosa (fundamento irracional) com o processo de racionalização econômica e a
conseqüente constituição de uma concepção de trabalho como fim em si mesmo. Mostra a relação da
autodisciplina e da automodelação com os valores atribuídos ao trabalho no percurso do capitalismo moderno. O
amor a Deus do protestante era demonstrado pela disciplina dos desejos, do tempo, pela fuga do prazer. O
trabalho, neste aspecto, apresenta-se ao homem como forma de realização da Vontade de Deus. Através dele
pode-se moldar a história e viabilizar sinais de prosperidade e, portanto, dignidade aos olhos de Deus. O
indivíduo torna-se eticamente responsável por seu próprio tempo vivido e, na busca de “ser virtuoso”, encontra
motivação para o trabalho. A maior disposição de poupar do que gastar passou do protestante para o capitalista
como um ato de autodisciplina e autonegação (ascetismo leigo). Essa passagem que culminou no homem
motivado, decidido a provar seu valor moral pelo trabalho, ocasionou a superação de concepções tradicionais da
igreja e culminou na modelagem e fortalecimento do sistema capitalista.
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  • 2. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 2 APRESENTAÇÃO A Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE – no cumprimento de sua missão social tem promovido estudos e debates que possibilitem a compreensão das questões social, econômica, política e histórica que compõem a problemática regional. Neste contexto o Núcleo de Estudos sobre Desenvolvimento Regional – NEDER – tem como objetivo estudar, através da prática da pesquisa científica e dos debates teóricos, as questões relativas ao desenvolvimento da região, analisando suas diversas dimensões. Estas pesquisas buscam estabelecer a identidade da região, conhecer os pontos de estrangulamento do seu desenvolvimento, bem como as suas características e, a partir dessa experiência, difundir os conhecimentos gerados. Sem dúvida alguma, o NEDER ao produzir e disponibilizar essas informações científicas permite a elaboração de diagnósticos que possibilitam propor ações e políticas públicas que viabilizem alternativas para o desenvolvimento sustentável da região. Este segundo número do caderno está centrado na discussão de um tema importante no contexto regional, a migração internacional. Fenômeno que começa de modo insipiente nos anos de 1960, quando os primeiros jovens da elite valadarense emigraram para os EUA e formam os primeiros pontos da rede, que nos anos de 1980, vai se caracterizar como um fluxo significativo que passa a configurar não só o local de origem, mas também o destino. Neste número temos artigos, resultados de pesquisa científica, que abordam várias nuances desse fenômeno: o espaço e seu significado para o estudo das migrações; os aspectos além dos econômicos que permeiam o projeto migratório; o retorno do emigrante para sua terra natal e as conexões e desconexões e identidades partidas deste retorno; a construção de laços transnacionais que o movimento migratório possibilita; a religião no contexto migratório; os aspectos relacionados a raça e etnia vividos pelo emigrante; a forma como os meios de comunicação de massa tratam o fenômeno da emigração e o emigrante; os efeitos da emigração na configuração da paisagem urbana das localidades de origem e os impactos na educação e formação das identidades das crianças e adolescentes, cujos familiares e vizinhos emigram. Todos estes temas tratados nos doze artigos que compõem este caderno são contribuições importantes para a compreensão do fenômeno da emigração internacional que faz parte do cotidiano não só da Região de Governador Valadares, mas do Brasil. Sueli Siqueira
  • 3. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 3 SUMÁRIO Senso e Censo e Emigrantes Brasileiros nos Estados Unidos: Por Uma Geografia Humanística. Alan Patrick Marcus 04 Realizações e frustrações no retorno à terra natal. Sueli Siqueira 12 Antagonismos da volta ao país de origem: conexões e desconexões Devani Tomaz Domingues 26 Yolanda García em how the garcía girls lost their accents: a identidade dividida entre o passado e o presente Gean Carla Pereira 54 As conexões entre os EUA e o Brasil: uma análise das redes sociais tecidas a Governador Valadares e criciúma Gláucia de Oliveira Assis 63 A pedra e o rio: rastros de religião na diáspora dos brasucas As interfaces entre emigração internacional e a religião: um estudo de caso. Vicente de Paulo Ferreira 87 As interfaces entre emigração internacional e a religião: um estudo de caso. Aparecida Amorim 101 Raça/etnia/nacionalidade: narrativas e experiências identitárias entre imigrantes brasileiras na região de Boston Cileine Isabel de Lourenço e Judith McDonnell 117 Estrangeiros em seu próprio país Alpiniano Silva Filho 127 Assimilação e transnacionalidade da segunda geração de migrantes Valadarenses nos EUA. Lucas Coelho Siqueira 138 A construção da identidade cultural em filhos de emigrantes Agnes Rocha de Almeida, Sueli Siqueira e Carlos Alberto Dias 154 O reflexo da migração na vida escolar dos filhos de migrantes Ana Clara de Paula e Maria Terezinha Bretas Vilarino 187
  • 4. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 4 SENSO E CENSO E EMIGRANTES BRASILEIROS NOS ESTADOS UNIDOS: POR UMA GEOGRAFIA HUMANÍSTICA Alan Patrick Marcus1 RESUMO: A abordagem qualitativa é importante em estudos geográficos sobre migrações internacionais, principalmente na avaliação de percepções de identidade, lugar e espaço. A abordagem exclusivamente quantitativa (re)produz uma miopia grave na avaliação da experiência humana e de identidades socioculturais nestes movimentos geográficos. As ramificações problemáticas aumentam quando apenas expressas em termos estáticos, monolíticos e quantitativos. A experiência humana e suas várias dimensões regionais, históricas e socioculturais se encontram explicitamente ausentes na abordagem quantitativa. O método quantitativo é importante, porém a experiência da diáspora brasileira não pode ser avaliada, negociada, entendida, ou expressa apenas em números de forma estática justamente pela falta de interpretações socioculturais e geográficos sobre os dados. Para otimizar o entendimento melhor sobre migrações internacionais, a abordagem quantitativa necessita da conjunção da avaliação em profundidade e de interpretações socioculturais, principalmente quando se trata das complexidades de identidades brasileiras múltiplas e diversas que a metodologia qualitativa nos traz efetivamente. Como a geógrafa Anne Buttimer (1976) nos informa, o conceito de lugar significa uma noção sagrada de contacto emocional; algo que significa muito mais do que meramente uma moradia. Palavras Chaves: Geografia, migração brasileira, abordagens metodológicas. SUMMARY: Qualitative approaches are important in geographical studies about international migrations, particularly in the evaluation of identity, spatial and place perceptions. An exclusively quantitative approach (re) produces a serious myopic perception in the evaluation of the human experience and within sociocultural identities in these geographical movements. Henceforth, problematic ramifications increase within quantitative, static and monolithic terms. The human experience and its various regional, historical, and sociocultural dimensions, are explicitly absent within quantitative approaches. The quantitative approach is important however, the experience of the Brazilian Diaspora cannot be evaluated, negotiated, understood or expressed only with numbers precisely because of the data deficit of sociocultural and geographical interpretations. To optimize understandings of international migrations, quantitative approaches need the conjunction of in-depth evaluations and of sociocultural interpretations, particularly when dealing with multiple and diverse Brazilian complexities and identities that qualitative approaches effectively illustrate. As Anne Buttimer (1976) informs us, the concept of place means a sacred emotional contact; something that means much more that mere residence. Key Words: Geography, Brazilian migration, methodological approaches. 1 Obteve sua Graduação em Antropologia e Filosofia (Northeastern University, Boston, Massachusetts), Mestrado em Geografia, e atualmente, Doutorando em Geografia, Department of Geosciences, University of Massachusetts, Amherst, onde completa sua pesquisa de doutorado sobre processos migratórios entre Governador Valadares, MG, Piracanjuba, GO, no Brasil, e, Framingham, Massachusetts, e Marietta, Georgia, EUA. Contato por e-mail: amarcus@geo.umass.edu
  • 5. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 5 INTRODUÇÃO As amplas vertentes que emergem da geografia cultural e geografia humanística são importantes para melhor entendermos o significado de identidade, lugar e espaço (BUTTIMER 1976; DUBOS 1977; TUAN 1974; WRIGHT 1966, WILKIE 2003). Dentro dos recentes movimentos e processos migratórios brasileiros para os Estados Unidos, Europa e Japão, a geografia também se torna útil para aprimorarmos o entendimento de decisões sobre política pública e noções de identidade étnica-nacional. A atual diáspora brasileira já foi bastante estudada nos últimos 15 anos, com mais de 275 trabalhos de vários pesquisadores brasileiros e americanos feitos sobre emigração brasileira (MARGOLIS 2006). O objetivo aqui é de argumentar abordagens metodológicas e ontológicas já discutidas antes nas ciências sociais, porém merecendo uma nova inserção nesta discussão de processos migratórios, principalmente no contexto brasileiro ressaltando assim, a importância da geografia humanística. Esta discussão nesse artigo não pretende analisar exaustivamente metodologia per se, mas sim, avaliar o fortalecimento de abordagens qualitativas sobre migrações brasileiras. Isto é; na avaliação de processos migratórios, existe uma tradição pública e acadêmica de que a estatística e a tradição numérica são intuitivamente aceitas cegamente como corpos de veracidade e também amplamente aceitas nos meios acadêmicos e políticos para avaliar a experiência migratória brasileira. Esta noção (re)produz uma miopia grave na avaliação da experiência humana e na leitura de identidades socioculturais nestes movimentos geográficos. A tradição qualitativa (por exemplo: métodos etnográficos, entrevistas em profundidade semi- estruturadas, entre outros) nos traz uma amplitude igualmente válida e significativa à quantitativa (quando feitas rigorosamente e sistematicamente) nos estudos de migração, principalmente na avaliação de percepções de identidade, lugar e espaço. Um exemplo da problemática de estudos focalizados apenas na abordagem quantitativa provém de uma categoria étnica usada com raras críticas (MARCUS, 2005, 2006; MARGOLIS, 1994; MARROW, 2003) nos debates sobre política pública no Brasil e nos EUA, e amplamente usada por cientistas sociais incluindo demógrafos e sociólogos desses dois países. Por exemplo, nos últimos 25 anos, os termos “Hispanic” e “Latino” se tornaram palavras com forte poder político nos Estados Unidos e são usadas para categorizar populações da América Espanhola. De acordo com o censo americano, brasileiros que residem naquele país não são considerados “Hispanic” (desde 1980) nem “Latino” (desde 1990), porque falam português. No caso do uso de termos como “Hispanic” e “Latino” e de relatórios da população imigrante nos EUA, principalmente as tais chamadas de “Latino populations” (“populações latinas”) nos EUA, a avaliação numérica nos mostra como a abordagem quantitativa é inadequada e ineficaz quando utilizada para identificar os processos migratórios de populações brasileiras (cito um exemplo específico abaixo). Esta metodologia usada pela grande maioria de economistas, demógrafos, e sociólogos (com raras exceções, por exemplo, MARROW 2003; ROTH 2006; SIQUEIRA 2006) é geralmente usada para enfatizar somente fatores econômicos, sem avaliar outros fatores e dimensões sociais, regionais, ou étnicos na dinâmica dos movimentos migratórios. O método quantitativo é importante, porém o processo de identificação de populações imigrantes e as várias dimensões da experiência humana do brasileiro emigrante dentro dessa quantificação se tornam problemáticas com esta abordagem somente quantitativa – além de ficar bastante enfraquecidas diante das várias dimensões no atual mundo globalizado. A identidade cultural brasileira lusófona e a enumeração brasileira nos EUA são importantes para melhor avaliarmos a sua presença significativa naquele país, porém desconhecida pela
  • 6. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 6 maioria do público americano e principalmente pelos intelectuais hispanos nos EUA (ACUÑA 2003; ORDONEZ 2005; PADILLA 1985; SURO 1994, 1998; SUAREZ-OROZCO E PAEZ 2003, entre outros). A experiência da diáspora brasileira não pode ser avaliada, negociada, entendida, ou expressa apenas em números justamente pela falta de interpretações socioculturais e geográficos sobre os dados. Para otimizar o entendimento sobre migrações internacionais, a abordagem quantitativa necessita da conjunção da avaliação em profundidade e de interpretações socioculturais, principalmente quando se trata das complexidades de identidades brasileiras múltiplas e diversas que a metodologia qualitativa nos traz efetivamente. AMERICA LATINA SEM O BRASIL? A idéia da América Latina é também problemática na avaliação destes processos migratórios, principalmente para os Estados Unidos. A América Latina pode ser entendida como uma região cultural daqueles países com legado histórico colonial da Península Ibérica, e inclui os países continentais ao sul dos Estados Unidos, incluindo países do Caribe Espanhol, como Cuba, República Dominicana, e Porto Rico, mas não os países Caribenhos de fala não-espanhola como Jamaica, Barbados, entre outros países anglo e franco-caribenhos. Diferentemente, na noção de continente, a América do Sul inclui todos os países localizados ao sul do Panamá, e ao contrário da noção pública, a América do Norte inclui todos os países do Panamá para o Norte do continente, também incluindo todos os países do Caribe e a Groenlândia. Portanto as definições e diferenças entre região cultural e região continental são significantes para otimizar o entendimento público e acadêmico e assim, refletem uma importante realidade nas identificações de populações imigrantes para os Estados Unidos. A geografia nesse caso se torna significativamente ligada à enumeração de populações imigrantes, mesmo sendo mal-conhecida e mal-interpretada. As diferenças entre brasileiros e outras populações de fala Espanhola da América Latina refletem as diferentes correntes migratórias (forçadas ou voluntárias) para diversas regiões nesse hemisfério. As diversidades e as conseqüências de miscigenação populacional nestes países também refletem as diferenças tanto quanto refletem as diferenças nas línguas faladas (por exemplo, quéchua, aimara, holandês, francês, espanhol, e português) e nas heranças culturais, genéticas, e do contraste do legado histórico entre Portugal e Espanha. A grande diferença entre o resto da América Latina e o Brasil, é a influência de vastas complexidades genéticas e culturais entre indígenas, africanos, europeus, asiáticos, judeus, árabes, entre outros (MARCUS 2005). Os resultados de um estudo feito por geneticistas concluíram que a população brasileira é geneticamente a mais diversa do mundo (ALVES- SILVA 2000). Destaca-se assim, o fato de que o Brasil não é mais indígena o quão é europeu ou africano – uma ênfase única em apenas uma dessas influências (socioculturais ou genéticas) para avaliar a experiência do legado cultural brasileiro produz uma leitura desequilibrada e até equivocada diante das complexidades de identidades no Brasil. Apesar das diferenças culturais, genéticas, e lingüísticas entre brasileiros e de populações imigrantes provindo da América Espanhola nos EUA, esses conhecimentos não são óbvios para americanos, e para intelectuais híspanos residentes naquele país (por exemplo, ACUÑA 2003; ORDONEZ 2005; PADILLA 1985; SURO 1994, 1998; SUAREZ- OROZCO E PAEZ 2003, entre outros) – estes exercendo um forte lobby político e intelectual nos EUA, a maioria sendo de origem Cubana, Mexicana ou Porto Riquenha, e dirigindo suas políticas internas especificamente para os imigrantes e seus descendentes da América Espanhola. Por exemplo, considerado um especialista em migração mexicana nos EUA, Rodolfo Acuña escreve: “Brazilians are considered Latinos; however, Brazilians speak
  • 7. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 7 Portuguese and do not have a strong national presence in the United States” 2 . (ACUÑA 2003: 14). Ou seja, em seu livro escrito em 2003, quase um milhão de brasileiros imigrantes residentes nos EUA ficou invisível na leitura de Acuña. Não há representações especificamente brasileiras e lusófonas visíveis e significativas no campo político, social, ou intelectual que estejam se focalizando nos interesses brasileiros e comunidades brasileiras nos EUA. Representações estas, que necessitam de uma amplitude maior além do estereótipo do latino americano rural de fala espanhola usando sombrero, ou no caso do Brasil, além de representações e clichês como a mulata, carnaval, futebol, e samba. Um exemplo dessa problemática geográfica é a noção de uma América Latina que existe “sem o Brasil”. O brasileiro nesse caso ficou invisível nos debates públicos e intelectuais de reforma imigratória nos EUA. Por exemplo, a discrepância na enumeração dos imigrantes brasileiros no censo americano de 2000 que havia contado 212. 428 brasileiros em todo país naquele ano (MARCUS 2005), enquanto dados de vários pesquisadores e do Ministério de Relações Exteriores do Brasil, indicam números que variam de 800.000 para mais de um milhão de brasileiros (documentados ou não). Ou seja, um em cada quatro brasileiros não é contado pelo censo americano. Essa discrepância enorme se justifica por causa do grande número de não-documentados brasileiros residentes naquele país, mas também pelo formulário confuso do censo americano, que não deixa claro quem é, e quem não é “Hispanico” ou “Latino” (MARGOLIS 1994, 1998; MARCUS 2005, 2006; MARROW 2003). Essa confusão aumenta, principalmente pelo fato do Brasil estar localizado na América Latina, porém a população brasileira fala português e, no entanto, não é considerada Hispanica ou Latina nos EUA. A problemática da falta de enumeração da população brasileira fora do país, portanto, não é restrita ao brasileiro imigrante não-documentado. Esta confusão de interpretação de identidade não é restrita ao campo público-político, mas ela se estende aos meio acadêmicos também. Um exemplo provém de uma universidade na região da Nova Inglaterra, EUA, onde testemunhei pessoalmente um professor titular de sociologia (um brasileiro) que leciona aulas sobre o censo americano e insistiu que brasileiros eram considerados “Hispanico/Latino” pelo censo americano. Somente quando mostrei uma carta do censo americano (U.S. Census Bureau) explicando que brasileiros não são considerados “Hispanic/Latino”, este professor concordou que havia se equivocado sobre o assunto. Este fato se torna significativo o suficiente para se mencionar aqui, se abordado de forma generalizada, pois é justamente pelos meios acadêmicos que provém e se disseminam informações importantes (neste caso, errônea) com ramificações no campo político-social. Se a percepção errônea de acadêmicos, como o lamentável desconhecimento deste professor, se dissemina de maneira influente nos meios públicos e políticos, a percepção da própria identidade brasileira também está em questão nos debates sobre reforma imigratória nos EUA. A contagem de brasileiros é de extrema importância política e social para a comunidade brasileira nos EUA, pois é na base desta contagem que decisões são feitas para política pública, incluindo decisões para uma reforma imigratória daquele país. No entanto, os debates acadêmicos e políticos sobre a abordagem de identidade brasileira, ou seja; a forma como o brasileiro se identifica nos censos americanos não são discutidas suficientemente. A falta de números oficiais (por exemplo, do censo americano) essencialmente quer dizer que brasileiros não existem nos EUA, mesmo que sabemos que isto não representa a realidade já discutida por vários pesquisadores que estudam o assunto (ASSIS 2004; MARCUS 2005, 2006; MARGOLIS 1994, 1998; PIRES 2005; SALES 1998; SIQUEIRA 2006, entre outros). Portanto a geografia e a forma como a geografia é entendida, formulada e negociada nos meios acadêmicos e políticos, aumenta as potencialidades para ramificações problemáticas. 2 “Brasileiros são considerados latinos porém, falam português e não há uma presença forte deles no país”.
  • 8. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 8 Essas ramificações expressas em termos quantitativos em termos estáticos e monolíticos. Nesta quantificação da experiência humana as várias dimensões regionais, históricas e socioculturais se encontram explicitamente ausentes; tanto quanto a fluidez e elasticidade na identificação étnico-racial de populações imigrantes, principalmente nesse caso da quantificação dos brasileiros. POR UMA GEOGRAFIA HUMANÍSTICA A geografia também nos mostra porque o senso de lugar é importante para melhor avaliar conceitos de lugar e espaço nestes movimentos migratórios. Já na década de 1970 a geografia no mundo ocidental estava desafiando a direção positivista da chamada “revolução quantitativa” das décadas de 1950 e 1960 – isto é, somente aquilo que é expresso em números e regido por leis numéricas, tem validade científica. A direção da geografia humana então passou por uma nova fase, assim desafiando a supremacia quantitativa dentro do conceito dado como científico, e também desafiou a ênfase da leitura exclusivamente masculina dentro de abordagens da ciência que, até então, eram equivocadamente vistas como universalmente neutras (BUTTIMER, 1976). Essa vertente voltada para a tradição literária e descritiva da geografia, iniciou o período importante re-inserindo-se na disciplina conhecida como “geografia humanística”. Essa nova linha da geografia (trazendo também a influência do pensamento feminista da década de 1970), liderada por geógrafos humanísticos como a irlandêsa Anne Buttimer (1976) e o chinês-americano Yi-Fu Tuan (1974, 1977), entre outros, nos mostrou como os conceitos na geografia, tais como lugar e espaço, e a experiência humana, são elásticos e requerem uma análise de profundidade e uma abordagem humanística. O senso de lugar não é quantificável, pois esse senso de onde pertencemos, faz parte de um universo da experiência humana com complexidades multidimensionais, socioculturais, e regionais. Ou seja; não é possível quantificar a experiência humana. Portanto, essa linha da geografia humanística nos mostra que há uma necessidade de reavaliar métodos dentro dos processos humanos nas ciências sociais expressas somente em números – esta produzindo empobrecimento na avaliação ampla e complexa de lugar e espaço. A própria nomenclatura geografia provém do grego e implica uma descrição da terra, ou seja; escrever com amplitude sobre lugar e espaço (geo: terra + graphein: descrição ou escrever). Nesses tempos atuais pós 11 de setembro, 2001 (após os ataques terroristas aos EUA), a guerra no Iraque se destaca justamente pela falta de conhecimento geográfico por parte das forças ocupadoras naquele país, e justifico aqui a importância da geografia humanística nesse caso. Porém, ressalto em escala maior, outros conflitos no mundo atual também gerados especificamente pela ênfase dada à abordagens quantitativas e numéricas em decisões feitas sobre política internacional, e, pela ausência em geral de dados qualitativos ou a importância dada à estes. A geografia também nos mostra porque o senso de lugar é importante para cada um de nós (TUAN 1974, 1977; WILKIE 2003). Este senso é a parte em nossa memória que evoca certos cheiros, sons, e paisagens especiais e emocionais para cada um de nós de algum lugar especial. É com esta memória que podemos resgatar nosso senso de lugar. A memória geográfica em cada um de nós mostra um significado de lugar que vai além da miopia positivista e econômica – ela também é humanista. A noção de emigrar para fora do Brasil apenas pensando no que é lucrativo à curto prazo, deveria ser reconsiderada para poderemos nos conscientizar da importância de (re)construir nosso senso de lugar em escala local em diverso focos de emigração no Brasil.
  • 9. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 9 Esse senso inclui paisagens naturais e culturais, mas algo que possa também trazer um resgate de conceitos considerados marginalmente subjetivos, porém importantes, como por exemplo: respeito, dignidade, e o orgulho de pertencer ao lugar – uma noção muito mais profunda do que meramente resgatar o aspecto econômico. Por isso, a recente diáspora brasileira dos últimos 20 anos para os Estados Unidos, Japão e Europa, não pode ser avaliada somente em termos lineares ou regidas por leis numéricas. Os movimentos e processos migratórios não são estáticos, mas se tratada de forma numérica e linear, os processos migratórios se tornam demasiadamente simplificadas e empobrecidas tão quanto abrem as portas para falhas metodológicas e ontológicas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo migratório já é complexo pelas várias referências socioculturais e dimensões no mundo globalizado. Há raras exceções no mundo atual de populações que não estejam conscientes do mundo globalizado ou, por exemplo, há raros casos de povos que nunca ouviram falar da Internet ou do telefone celular e que não estejam globalizados de alguma maneira. Portanto, o brasileiro emigrante já sai do Brasil com várias referências socioculturais complexas, em grande parte, devido à globalização. O processo migratório brasileiro é fluído e está sendo, pois esse movimento sempre esta mudando do momento que o emigrante sai do Brasil ao momento em que eventos não-previstos forçam as decisões nas vidas dos emigrantes em que se tornam transmigrantes. Como nos informa Siqueira (2006) em seu estudo sobre brasileiros emigrantes de Governador Valadares nos EUA, eles estão vivendo em dois mundos e países ao mesmo tempo sem fronteiras formais. A própria palavra “processo” indica movimento constante, e, portanto tratá-la como se fosse estática (em termos numéricos) traz uma dimensão problemática. Como Buttimer (1976, p. 277) também nos informa o conceito de lugar significa uma noção sagrada de contacto emocional; algo que significa muito mais do que meramente uma moradia, e comenta: “strange indeed sounds the language of poets and philosophers…the humanistic geographer cannot afford to dismiss anything which may shed light on the complexities of man’s relationship to the earth”3 . Por isso a geografia é relevante nesse caso para mostrar a importância de lugar e de senso de lugar. René Dubos (1972, p.100) nos disse que “nações existem não como entidades geológicas, climáticas ou raciais, mas como experiências humanas” 4 , e assim no atual mundo globalizado, os processo migratórios brasileiros também existem como reflexo de experiências humanas. A geografia (ou a falta dela) nos mostra como a identificação de populações nos censos nacionais altera a noção de identidade étnica e regional (como por exemplo, a categoria “Hispanico/Latino” nos EUA). Nesse caso, a geografia e o senso de lugar e o censo dos brasileiros dentro e fora do Brasil é importante para ressaltar o significado de identidade brasileira neste processo migratório para os Estados Unidos. 3 “Estranha é a linguagem de poetas e filósofos... o geógrafo humanístico não pode ignorar qualquer coisa que possa iluminar as complexidades do relacionamento do homem com a Terra”. 4 Todas as traduções neste manuscrito foram feitas por este autor do original em inglês para o português.
  • 10. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 10 BIBLIOGRAFIA ASSIS, G. de O. 2004. De Criciúma para o mundo. Rearranjos familiares de gênero nas vivências dos novos migrantes brasileiros. Tese de Doutorado em Ciências Sociais. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, SP. ACUÑA, R. F. 2003. U.S. Latino Issues. NY: Greenwood Press. BUTTIMER, A. 1976. Grasping the Dynamism of Lifeworld. In: Annals of the Association of American Geographers, (66): 277-292. DUBOS, R. 1972. A God Within. New York: Charles Scribner’s Sons MARCUS, A. P. 2005. Brazilians in Framingham: Notions of Place and Ethnicity. In: First National Conference on Brazilian Immigration to the United States. Marc 2005, Cambridge, Massachusetts, Harvard University. ___. 2006. Debunking Pan-Latinamericanisms: The Hispanic/Latino Category. Brazilian Immigrants and (another) American Ethnic Dilemma. Embracing Diversity: Latino Immigration and the Transformation of the American Society. In: Interdisciplinary Graduate Student Conference. Outubro13-14, 2006, Cambridge, Massachusetts, Harvard University. MARGOLIS, M. L., 1994. Little Brazil: An Ethnography of Brazilian Immigrants in New York City. Princeton, NJ: Princeton University Press. ___. An Invisible Minority: Brazilians in New York City. NY: Simon and Schuster Press, 1998. ___. 2006. Bibliography of Brazilian Emigration. BRASA, Brazilian American Studies Association <www.brasa.org>. MARROW, H. B. To Be or Not To Be (Hispanic or Latino): Brazilian Racial and Ethnic Identity in the United States. Ethnicities, 3 (4):427-64, 2003 ORDONEZ, J. Speak English. Live Latin. Newsweek, May 30, § 14, 2005. PADILLA, F. Latino Ethnic Consciousness: The Case of Mexican Americans and Puerto Ricans in Chicago. Illinois: University of Notre Dame Press, 1985. PIRES, L.S. E. Por que os brasileiros emigram?As influencias da retratação do desenvolvimento do mercado de trabalho e da consolidação das redes sobre as emigrações brasileiras internacionais. In: Encuentro Internacional Nuevas Migraciones Latinoamericanas: procesos de inclusión y exclusión, Universidad de Cuenca. 2005 ROTH, W. D. Latino Before the World: Panethnicity and the Transnational Diffusion of Identity. In: Latin American Studies Association International Congress, March 15-18, San Juan, Puerto Rico, 2006 SALES, Tereza. Brasileiros Longe de Casa. São Paulo: Cortez, 1998. SIQUEIRA, Sueli. 2006. Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares: Sonhos e frustrações no retorno. 200f. Tese (Doutorado em Sociologia e Política) – Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte. SUAREZ-OROZSCO, M., e M.M. PAEZ (Editores). Introduction: The Research Agenda. In: Latinos: Remaking America. California, Berkeley: University of California Press, 2002.
  • 11. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 11 SURO, R. Remembering the American Dream. Hispanic Immigration and National Policy. NY: Twentieth Century Fund Press, 1994. ___. Strangers Among US: Latino Lives in a Changing America. NY: Vintage Press, 1998. TUAN, Y. Topophilia: A Study of Environmental Perception, Attitudes, and Values. New Jersey, NJ: Prentice-Hall, 1974. ___. Space and Place: The Perspective of Experience. Minneapolis, Minnesota: University of Minnesota Press, 1977 WILKIE, R. W. Sense of Place’ and Selected Conceptual Approaches to Place. Journal of the American Institute of Architecture Students, 55(1):29-31. 2003. WRIGHT, J.K. Human Nature in Geography. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press. 1966.
  • 12. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 12 REALIZAÇÕES E FRUSTRAÇÕES NO RETORNO À TERRA NATAL Sueli Siqueira5 RESUMO Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares é o tema deste artigo. A pesquisa de campo trabalhou com três grupos distintos: grupo I: Emigrantes que retornaram dos EUA para a Microrregião de Governador Valadares no período de 1970 a 2004, tornaram-se empresários e continuam no mercado até os dias de hoje. Grupo II Emigrantes que retornaram no período de 1970 a 2003 e tornaram-se empreendedores, porém fecharam suas portas e retornaram para a condição de imigrante nos EUA e Grupo III Emigrantes nos EUA que projetam retornar e tornar-se empreendedores. A pesquisa de campo foi realizada nos EUA e nas 25 cidades da Microrregião de Governador. Os dados demonstraram que o retorno é constitutivo do projeto de emigrar, contudo este retorno assume diferentes formas. O sucesso e o insucesso do retorno são resultantes das diferentes formas como o emigrante se reintegra à sociedade de origem. Palavras-chaves: emigração, retorno, investimento, sucesso e frustração. ABSTRACT The focus of this paper is the topic of migrants and entrepreneurism in the Microregion of Governador Valadares, Brazil. The field research involved three distinct groups: group 1: Emigrants who returned from the USA to the Microregion of Governador Valadares between 1970 and 2004, became entrepreneurs and have remained in the market up to the present time. Group II: Emigrants who returned between 1970 and 2003, became entrepreneurs but then closed their businesses and went back to the condition of immigrants in the USA and Group III: Emigrants in the USA who plan to return and become entrepreneurs. The field research was carried out in the USA and in the 25 towns of the Microregion of Governador Valadares. The data showed that the return is constitutive of the emigration project, however such return assumes different aspects. The success and failure concerning the return result from the different ways the emigrant re-integrates in their home society. Key Words: emigration, return, investment, success and frustration INTRODUÇÃO O Brasil, no início do Século XX, era um país que recebia imigrantes que se destinavam a compor a força de trabalho economicamente ativa e a partir dos anos de 1960, tem esse quadro modificado. De um país de destino torna-se um país de origem. Isso se deve à nova dinâmica do capitalismo, fundada, principalmente, na reestruturação econômica marcada pela internacionalização do capital. Nesse sentido, o fenômeno da migração internacional ganha outros contornos na atualidade. Diferentemente dos imigrantes do início do século passado, os novos migrantes não buscam exclusivamente a sobrevivência; são atraídos pela possibilidade de, nas cidades globais, manter ou elevar seu padrão de vida. A cidade de Governador Valadares foi a localidade no território brasileiro onde se iniciou o fluxo migratório para os EUA. Hoje tal fenômeno não se restringe a essa cidade, várias localidades da Região do Vale do Rio Doce e do Brasil são pontos de partida dos fluxos migratórios para o exterior. Este artigo, baseado na pesquisa empírica realizada nos EUA e na Microrregião de Governador Valadares, apresenta inicialmente os fatores que configuraram o fluxo migratório de Governador Valadares para o exterior, o retorno e investimento bem sucedido e mal 5 Professora da Universidade Vale do Rio Doce. Doutora em Ciências Humanas, Sociologia e Política, Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Núcleo de Estudos e desenvolvimento Regional – NEDER da UNIVALE onde desenvolve pesquisa sobre migração internacional.
  • 13. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 13 sucedido dos emigrantes e as diferentes formas de retorno que se caracterizaram na região, ao longo dos últimos quarenta anos. 1. POR QUE OS VALADARENSES EMIGRAM PARA OS EUA? A cidade de Governador destaca-se como o local geográfico, onde o fluxo de migração internacional começou. Quais os fatores que definiram o surgimento desse fluxo? Os pesquisadores que se dedicaram a estudar o fenômeno na região identificaram fatores históricos que possibilitaram a aproximação dos nativos com os estrangeiros, principalmente americanos, na década de 1940, no período da exploração da mica e posteriormente da construção da estrada de ferro Vitória a Minas (SALES, 1990; ASSIS, 1995, ESPÍNDOLA, 2005). Contudo, outras cidades e regiões receberam imigrantes que chegaram com objetivo de explorar as riquezas minerais e, no entanto, o fluxo migratório não se configurou. Consideramos que o fluxo de emigração de valadarenses para os EUA é resultado de um conjunto de fatores e a presença desses imigrantes, é apenas um dos fatores, tendo em vista que possibilitou a criação no imaginário popular da idéia sobre os EUA como um lugar de grandes possibilidades e riquezas. Destacamos quatro outros fatores igualmente decisivos na configuração desse movimento migratório que nos anos de 1980 atinge seu ápice. O primeiro deles é a existência de um mercado de trabalho secundário no país de destino, desprezado pelos trabalhadores americanos devido ao baixo status e baixa remuneração, mas atrativo para o emigrante devido à possibilidade de ganhar mais do que em seu país de origem (PIORE, 1995). O segundo é a crise de emprego e a queda no poder aquisitivo da classe média nos países de origem, resultado da reestruturação econômica que eliminou vários postos de trabalho. O fluxo de emigração de valadarenses para os EUA aumenta, exatamente, no período de 1985 a 1990 (SOARES, 1995), quando ocorre uma redução dos postos de trabalho devido a reestruturação produtiva que tem lugar na economia brasileira. Temos, portanto, fatores de expulsão na origem e atração no destino (PIORE, 1979) que constituem um quadro promissor, para a implementação do fluxo migratório de Governador Valadares para os EUA. Porém esses fatores ainda são insuficientes para explicar o fluxo, pois nenhum deles foi exclusivo da cidade e região. O terceiro fator é o que consideramos o definidor que, juntamente com os outros, configurou esse fluxo migratório – a constituição das redes sociais. Com a ida dos primeiros valadarenses, na década de 60, deu início ao que é denominado na literatura de rede social, ou seja, um grupo de pessoas que possuem os mesmos objetivos e são da mesma região e por isso se apóiam. Na década de 80 as redes estão bem consolidadas em determinadas regiões dos EUA. Conforme afirmam Massey (1997), Boyd (1989) os migrantes vão para lugares específicos e para setores específicos do mercado de trabalho do país de destino, para isso acessam os recursos das redes sociais. São as redes que, quando configuradas, direcionam esses fluxos para determinados espaços geográficos e para certos setores específicos do mercado secundário. Assim, os emigrantes do sexo masculino da região de Governador Valadares, geralmente, se direcionam para a construção civil e as mulheres para as faxinas na região da Nova Inglaterra, nos EUA (SIQUEIRA, 2006). Graças a essas redes, é possível para uma pessoa que não sabe inglês, nunca viajou para além de 500 km de sua cidade natal, não conhece as grandes cidades brasileiras como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte desembarcar no aeroporto de New York, chegar a Summerville e dois dias depois estar trabalhando como housecleaner ou na construção civil.
  • 14. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 14 O quarto fator a ser considerado é o surgimento, na origem, de mecanismos facilitadores para emigrar. Esses mecanismos são agências de turismo que colocam à disposição da população serviços, para conseguir o visto no passaporte e entrar legalmente no país. Oferecem serviços como: agendar entrevista no consulado, organizar a documentação necessária, informar como deve se vestir e proceder na hora da entrevista e providenciar transporte até o consulado, em São Paulo. Além desses mecanismos, existem os agenciadores, denominados cônsul, que organizam grupos de pessoas e providenciam todos os meios necessários para a travessia pela fronteira do México e outras formas de entrada ilegal nos EUA. Somando-se a trajetória histórica da cidade, que na década de 1940, esteve entrelaçada com os EUA através da exploração da mica, com esses outros quatro fatores, temos o conjunto de fatores que configurou a rota migratória dos valadarenses para os EUA. Essa emigração que se iniciou, especificamente, em Governador Valadares, irradia-se de tal forma que hoje os locais de partida se espalham por toda a Região do Vale do Rio Doce e outras regiões do Brasil. 2. O PROJETO DE EMIGRAR A decisão de emigrar é socialmente construída. Aqueles que migram fazem parte de uma etnia, participam de redes sociais e utilizam todo um conjunto de conhecimento social para realização de seu projeto. “[...] os imigrantes não devem ser vistos como indivíduos, mas como integrantes de estruturas sociais que afetam os múltiplos caminhos de sua mobilidade sócio-econômica.” (SASAKI e ASSIS, 2000, p.7). A emigração é permeada pela idéia de ir para o país estrangeiro, trabalhar, fazer poupança e retornar para o local de origem em melhores condições. Nesse projeto a pessoa é incentivada pela perspectiva de abreviar o tempo para realizar os planos de comprar a casa própria, o carro ou montar um negócio, pois, se permanecesse no Brasil, o tempo para realizar este projeto seria bem maior e para alguns seria impossível. Ao longo dos últimos 30 anos, muitos conseguiram ir, formar uma poupança e retornar para tornarem-se micro, pequenos e médios empreendedores locais, estimulando, assim, a continuidade do fluxo. Entretanto, outros não são bem sucedidos ao retornarem. Por insucesso nos negócios ou não readaptação à vida anterior, acabam retornando à condição de emigrantes nos EUA. 2.1 Emigrantes da Microrregião de Governador Valadares nos EUA6 Em pesquisa realizada com emigrantes da Microrregião de Governador Valadares nos EUA, destacamos que a maioria está na faixa etária de 20 a 40 anos. No Brasil, tinham uma atividade profissional com renda mensal de até 3 salários mínimos e possuíam o segundo grau completo. Declaram que a principal razão de emigrar foi o desejo de ganhar dinheiro para adquirir bens no Brasil e melhorar de vida. A partir dos anos de 1990, um outro motivo passa a ter destaque: encontrar familiares. Esse é um dado que permite considerar que, para alguns, o projeto inicial de retorno é abandonado e as famílias se reencontram nos EUA. A forma de entrada nos EUA pode ser legal, com visto de turista, de trabalho ou de estudante (52%); ou ilegal (48%) com passaporte falso ou passagem pela fronteira do México. Destaca-se que, mesmo entrando legalmente, tornam-se indocumentados quando começam a 6 Pesquisa realizada em 2004 na Região da Nova Inglaterra (Boston, Framingham, Summerville, Bridgeport, Newark, Danbury e Fairfield) com emigrantes cuja cidade de origem situa-se na Microrregião de Governador Valadares – Minas Gerais.
  • 15. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 15 trabalhar, pois o visto não dá direito de exercer qualquer atividade produtiva. A via ilegal tem aumentado, principalmente a partir do final dos anos de 1990. Dentre os entrevistados que chegaram aos EUA, a partir do ano dois mil, 76% entraram de forma ilegal, pela fronteira do México ou com passaporte falso. Isso se deve principalmente à dificuldade de se conseguir o visto de turista. O financiamento da viagem é feito, na maioria dos casos, pelos familiares que residem nos EUA; contudo, chama a atenção o fato de que 38% utilizaram-se de recursos próprios. O que demonstra que são pessoas que possuíam certa condição financeira no país de origem, e o projeto de migrar tem como objetivo manter ou melhorar o padrão de vida. Nos EUA, o emigrante trabalha no mercado secundário, em condições precárias. Ganha por semana em torno de quinhentos a mil dólares, tem uma jornada de trabalho acima de 10 horas por dia e possui dois empregos. Por serem indocumentados utilizam security falso. Quanto maior o tempo de permanência nos EUA, maior é a poupança realizada; em média, poupa mais de mil dólares por mês. Aquele que consegue montar um negócio (comércio ou prestação de serviços) nas cidades americanas onde reside, faz uma poupança maior. O principal objetivo da poupança é adquirir bens na cidade de origem. O projeto de retorno está sempre presente. Aqueles que pretendem voltar nos próximos 2 ou 3 anos investem em negócios que, acreditam, lhes garantirá estabilidade financeira e um bom padrão de vida no Brasil. Investem ou pretendem investir, principalmente, no comércio (padaria, lojas, farmácia, supermercado, etc.), imóveis para aluguel e propriedade rural. Aqueles que já efetivaram os investimentos têm pessoas da família que administram e cuidam dos seus negócios. A maioria deles não fez nenhum tipo de pesquisa de mercado para verificar a rentabilidade desses investimentos. Destaca-se que, mesmo aqueles que possuem uma vida estabilizada nos EUA (são documentados, possuem casa própria e um negócio ou emprego com bom salário) afirmam que pretendem retornar um dia ao Brasil. No entanto, para esses o projeto é sempre adiado; para quando se aposentarem, não conseguirem mais trabalhar ou os filhos ficarem independentes. 2.2 OS EMIGRANTES QUE RETORNARAM AO BRASIL, INVESTIRAM E REEMIGRARAM PARA OS EUA Dentre os entrevistados residentes nos EUA que já voltaram ao Brasil, pelo menos uma vez (51,4%), grande parte (48,6%) tinha a intenção de ficar. Vieram com o projeto de tornarem-se empreendedores nas suas cidades de origem. Investiram, predominantemente, no comércio, agronegócio e serviços. Não fizeram nenhuma pesquisa de mercado, não buscaram informações em órgãos competentes e não fizeram nenhum tipo de treinamento na área administrativa. Definiram em que investir, a partir de informações dadas por parentes e amigos, ou porque consideraram que era um bom negócio, ou uma ótima oportunidade. Não possuíam experiência no ramo em que investiram e nunca tinham sido proprietários de algum negócio, não tendo, portanto, nenhuma experiência em como administrar uma empresa. Muitos foram à falência ou fecharam, por causa da baixa lucratividade, que impossibilitava a manutenção de um bom padrão de vida no Brasil. O retorno à condição de emigrante foi a solução encontrada. Hoje, vivem nos EUA e reconhecem os erros cometidos. A maioria continua com o projeto de novamente retornar para a cidade de origem.
  • 16. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 16 Gráfico 1 Um dado que chama a atenção nesse grupo que investiu e retornou à condição de emigrante nos EUA, é que 31,4% (Gráfico 1) consideravam que seus investimentos estavam indo bem e com renda suficiente para viverem no Brasil, mas não conseguiram permanecer no Brasil por não se readaptarem. Aqueles que se tornam documentados nos EUA passam a viver nos dois lugares, trabalham nos EUA e passam um ou dois meses no Brasil. Mantêm casa e carro no Brasil, para aqui desfrutarem o descanso. Tornam-se moradores de dois lugares. Dividem suas vidas, investimentos e trabalho nesses dois espaços. Como a perspectiva teórica baseada na transnacionalização preconiza, passam a viver em dois mundos diferentes, estabelecendo conexões entre as duas sociedades, entre o local e o global. Tornam-se transmigrantes num mundo globalizado (SIQUEIRA, 2006). Vários estudos (MARGOLIS, 1994; SAYAD, 2000; FERREIRA, 2001; DeBIAGGI, 2004) realizados sobre a emigração brasileira para os EUA e de grupos de migrantes de outras nacionalidades, ressaltam que a idéia do retorno está implícita no projeto de migrar. Margolis (1994) descreve uma categoria que denominou de “migração iô-iô” para caracterizar aqueles migrantes que vão e retornam por várias vezes, sempre numa perspectiva de um retorno definitivo para seu país de origem. DeBiaggi (2004) destaca que no retorno à terra natal, além de determinantes econômicos como montar um negócio, está presente outro componente como a necessidade de voltar às raízes para reencontrar com sua identidade, sua família e os amigos. “Para esses retornados, as vantagens sociais e culturais sobrepõem-se às vantagens econômicas encontradas fora e aos custos e o declínio do poder de consumo.” (DeBIAGGI, 2004, p. 144). O retorno para a terra natal apresenta-se para alguns mais difícil do que a decisão de emigrar. O estranhamento no reencontro com a família e em relação aos costumes, a sensação de não se reconhecer pertencente ao seu local de origem, torna-se angustiante para alguns emigrantes que retornam. O espaço geográfico e social, as pessoas idealizadas durante os anos de emigração já não são os mesmos. “[...] mudou tudo, as pessoas são diferentes, é tudo muito desorganizado [...]” diz Mário (52 anos) em seu relato sobre as dificuldades de retorno. De modo geral, a maioria dos entrevistados que hoje se encontram nos EUA considera que a maior dificuldade de retorno está relacionada à situação econômica do país 31,4 48,6 2,9 17,1 não adaptou insucesso ampliar baixo retorno Principais razões dos entrevistados, nos EUA, que retornaram com a intenção de ficar terem reemigrado – 2004 (%) Fonte: Pesquisa de campo Total de casos válidos 35
  • 17. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 17 (instabilidade econômica, juros altos, desemprego, etc.), readaptação aos costumes e à violência. Destaca-se que 16%, apesar de desejarem retornar ao Brasil, percebem que a maior dificuldade é abandonar a vida estabilizada nos EUA. 3. O RETORNO BEM SUCEDIDO7 Uma outra face desse fenômeno é o migrante que retornou e tornou-se empresário bem sucedido nas suas cidades de origem. São predominantemente do sexo masculino (87,3%), antes de emigrar a maioria não era casada, contudo, atualmente 65,9% são casados. Estão na faixa etária de 31 a 40 anos. Migraram muito jovens, 76,9% estavam na faixa de 15 a 31 anos. A escolaridade da maioria não se alterou ao retornar ao Brasil, possuem o segundo grau completo. Apenas 3,5% deles estavam desempregados quando emigraram. Grande parte (49,9%) trabalhava por conta própria antes de emigrar, fato que já indica um espírito empreendedor e experiência na administração de negócios; isto fica evidente, pois 52% investiram em negócios com os quais já tinham experiência anteriormente. A emigração possibilitou um aumento da renda mensal (gráfico 2), uma vez que antes de emigrar a maioria (69,4%) tinha uma renda mensal de até três salários mínimos e atualmente 38,2% têm uma renda de 4 a 6 salários mínimos, e outros 20,8% de mais de 10 salários mínimos. Gráfico 2 Estes dados demonstram que tais emigrantes não pertenciam a uma categoria que estava fora do mercado de trabalho e possuíam características includentes e não excludentes para o mercado de trabalho no Brasil, entretanto, optaram pela alternativa da emigração para melhorar o padrão de vida. Esse é um dos aspectos em que a migração do início do século XX e a atual diferem. Os migrantes contemporâneos emigram, não em busca de sobrevivência, como os migrantes do passado, pois não estavam desempregados ou em situação de penúria, mas em busca de manter ou melhorar sua posição social e econômica. Um conjunto de fatores, que vão desde a existência de um mercado de trabalho secundário nos países de destino, a crise do emprego provocada pela reestruturação econômica nos países de origem que achatam as classes médias, as redes sociais que facilitam o processo de emigração e o próprio espírito de 7 Pesquisa realizada na Microrregião de Governador Valadares em 2005 Renda, em salários mínimos, antes e depois de emigrar do emigrantes empreendedores da Microrregião de Governador Valadares - 2005 (%) 0 10 20 30 40 50 60 70 80 1 a 3 4 a 6 7 a 10 mais 10 antes atual Fonte: SIQUEIRA, 2006, p. 109. Total de casos válidos 173
  • 18. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 18 aventura do emigrante, até o retorno e investimentos bem sucedidos nos locais de origem de alguns emigrantes, define os fluxos migratórios contemporâneos. Mais evidente fica essa constatação, quando observamos que o principal motivo declarado pelos atuais empreendedores para emigrar (53,7%) foi a possibilidade de ganhar dinheiro, retornar e investir no Brasil. É interessante ressaltar que 46,3% afirmaram que emigraram porque foi uma possibilidade que surgiu para conseguir atingir seus objetivos mais facilmente e em menor tempo. Através das redes sociais a emigração para os EUA na Microrregião de Governador Valadares tornou-se uma alternativa viável e de fácil acesso. Para o jovem é uma das opções que lhe é apresentada numa fase da vida em que os projetos são construídos. Entre cursar uma faculdade e ir trabalhar nos EUA, muitos optam pela segunda. A maioria dos empreendedores bem sucedidos (82,7%) emigrou exatamente no período de aumento do fluxo, ou seja, na década de 1980. Permaneceram de 3 a 10 anos (75,7%). Conforme assinala Fusco (2005), as redes sociais ajudam os seus componentes a conseguir acesso aos recursos financeiros e sociais que possibilitam seu ingresso numa sociedade sobre a qual não têm ou têm poucas informações. O acesso aos empregos só é possível através das redes, pois 64% dos entrevistados conseguiram seu primeiro emprego através de amigos e parentes. Essas redes fazem a conexão entre a origem e o destino; através delas tramitam as informações, desenvolvem-se os mecanismos que facilitam a saída do lugar de origem e a chegada no destino. A conexão fica evidenciada no percentual dos entrevistados que informaram terem saído do Brasil com emprego garantido nos EUA (34%). Esses empregos foram arranjados por parentes e amigos, o que demonstra a importância das redes sociais na configuração e na direção do fluxo migratório. Como os emigrantes mal sucedidos no projeto de retorno, esses também trabalhavam no mercado secundário em condições precárias. Na pesquisa constatou-se ainda que a renda semanal da maioria era de quatrocentos a seiscentos dólares, sendo que 50,9% poupavam entre mil a dois mil dólares mensais. Destacamos que 82,7% faziam remessas mensais para o Brasil; a principal finalidade das remessas eram as despesas da família e investimentos. Desde a década de 1980, as remessas representam um importante componente da economia da Microrregião. 3.1 DIFICULDADES PARA TORNAR-SE EMPREENDEDOR NO BRASIL O principal objetivo do projeto de migrar, dos emigrantes bem sucedidos, era tornar-se empreendedores nas suas cidades de origem. É interessante ressaltar que 41% deles tinham um projeto concreto de investimento, ou seja, já tinham definido em que investir quando retornaram; outros 21,4% já tinham realizado o investimento, enquanto ainda estavam nos EUA. Esses investimentos, geralmente, foram realizados por parentes próximos ou sócios, e 25,4% tinham a intenção de montar um negócio, mas ainda não sabiam qual. A maioria afirma que não teve grandes dificuldades ao retornar, contudo 31,2% relatam que o maior obstáculo encontrado foi compreender novamente a economia do país, sentiam-se inseguros quanto aos investimentos realizados. Outros 27,7% apontaram a readaptação como a grande dificuldade do retorno. Relembrando que 31,4% dos emigrantes que reemigraram e investiram, acabaram retornando novamente aos EUA, não devido ao insucesso do investimento, mas porque não conseguiram se adaptar à vida no Brasil. Muitos deles acabaram tornando-se moradores de dois lugares, vivendo parte de suas vidas no Brasil e parte nos EUA. Essa dificuldade, a readaptação, é um aspecto importante da reemigração a ser considerado.
  • 19. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 19 Por tudo isso, muitos afirmam que retornar é mais difícil do que emigrar, pois quando emigram estão cheios de esperança e quando retornam são acometidos pelo estranhamento de seus lugares de origem e das pessoas que habitavam seu universo social. Isto ocorre porque, durante o tempo de afastamento, idealizaram as relações sociais e o espaço onde viviam e quando retornam não o reconhecem. Tempo de emigração é um tempo fora do curso natural da vida. Além disso, são assombrados pela incerteza quanto ao sucesso do investimento, e o medo de perder tudo os deixa apreensivos. Esse mesmo sentimento de não pertencimento no retorno é relatado por Hall (2003) no seu estudo sobre a dispersão caribenha no EUA, Canadá e Reino Unido. Estes emigrantes, como os brasileiros da Microrregião de Governador Valadares, não se sentiam em casa quando retornavam para suas cidades de origem, pois segundo Hall já eram habitantes de dois lugares. Tal sentimento ocorre no impacto da chegada, mas alguns conseguem readaptar-se e permanecer, fazendo assim, o caminho de volta à origem. 3.2 O INVESTIMENTO NA MICRORREGIÃO DE GOVERNADOR VALADARES Os anos de trabalho duro, de solidão e saudades e de privações resultaram na possibilidade de investir e tornarem-se donos de seus próprios negócios no Brasil, fazendo com que 92,5% dos emigrantes bem sucedidos afirmem que a experiência de emigrar foi positiva, pois possibilitou melhorar sua situação econômica no Brasil. Gráfico 3 A escolha do tipo de investimento foi definida pela experiência anterior no ramo; a maioria dos investimentos foram realizados na área do comércio, tanto em Governador Valadares como nas outras cidades da Microrregião. Entretanto, o investimento em agronegócio é maior nas outras cidades. Isso se deve ao fato de Governador Valadares ser uma cidade pólo da região e onde o comércio é mais dinâmico. O investimento inicial da maioria (46%) dos empreendimentos é da ordem de 20 mil dólares e 16% investiram mais de 100 mil dólares. Apenas 11,4% não contratam mão-de- obra; a maioria emprega entre quatro a cinco pessoas e paga entre um a dois salários mínimos. São empreendimentos legalizados que pagam em torno de quatrocentos a mil e duzentos reais por mês de impostos. Estes dados nos permitem concluir que a maior parte dos 70 56 21 5 11 1 11 65 comércio (62%) serviço (12%) industria (5%) agronegócio (41%) Setor de investimento - Emigrantes empreendedores da Microrregião de Governador Valadares - 2005 (%) Gov. Valadares Outras cidades Fonte: Pesquisa de campo. Total de casos válidos 173. Obs. Respostas múltiplas
  • 20. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 20 empreendimentos é de pequeno porte e oferecem poucos postos de trabalho. Poe outro lado, se considerarmos que na microrregião, devido ao seu baixo dinamismo econômico, a oferta de empregos está abaixo da demanda da população economicamente ativa, pode-se afirmar que estes empreendimentos contribuem para o dinamismo da economia na região. Muitos avaliam que seus investimentos são bem sucedidos e que suas empresas estão em fase de crescimento (60%). Para 32% suas empresas são sólidas com boas perspectivas no mercado; consideram que sem a emigração jamais conseguiriam investir em empreendimentos produtivos do porte dos que possuem hoje. 4. RETORNO E INVESTIMENTO: SUCESSO E INSUCESSO Migrar, ganhar dinheiro no país de destino, retornar e investir para melhorar sua condição social, ou até mesmo manter uma posição socioeconômica que estava perdendo, é o projeto inicial da grande maioria dos emigrantes; esse projeto é, porém, quase sempre reelaborado. Conforme afirma Assis (2004) cada migrante vivencia de maneira diferenciada a situação de emigração, mesmo que o projeto tenha sido elaborado pela família ou comunidade, a experiência não é vivida de modo homogêneo por todos. As mudanças ocorrem em função das diferentes trajetórias dos sujeitos. Dependendo do contexto e da interação do sujeito com as várias possibilidades que se lhes apresentam durante o período de emigração e o capital social de cada emigrante, podemos considerar que o sucesso e o insucesso do projeto migratório são relativos, pois o retorno se dá de modo diferenciado para cada um. No percurso da vida o emigrante retorna para algum ponto, mesmo que seja fora de sua cidade de origem, ele reconstrói seu projeto e passa a viver em outro espaço e tempo. Contudo alguns não conseguem retornar para a origem nem ficar no país de destino, torna-se sem lugar, desterritorializados. Por que alguns retornam, investem e não obtêm sucesso e outros fazem a mesma trajetória e tornam-se empreendedores bem sucedidos na Microrregião de Governador Valadares? Quando comparamos esses dois grupos percebemos que as variáveis sócio- demográficas são semelhantes. Uma variável que demonstra um diferencial entre esses dois grupos é o tempo de emigração. A maioria (44,5%) dos empreendedores que obtiveram sucesso permaneceu em torno de dois a quatro anos, enquanto aqueles que não obtiveram sucesso ficaram em torno de 5 a 10 anos (62,9%) nos EUA. Um tempo maior fora do local de origem distancia o sujeito da realidade, tanto do ponto de vista econômico como das relações sociais. Quanto mais tempo distante maior é a idealização desse espaço geográfico e social e a dificuldade de readaptação será bem maior. Além disso, durante os anos de trabalho nos EUA, atuavam como empregados no mercado de trabalho secundário, não tendo adquirido nenhuma experiência gerencial ou administrativa. Outro aspecto que distingue os dois grupos refere-se à forma como foi decidido em que investir. Entre os empreendedores bem sucedidos, a maioria (52,6%) investiu em atividades com as quais tinha experiência, e outros 14,5% se associaram à pessoas com experiência no ramo. Diferentemente, 51,4% dos entrevistados que não foram bem sucedidos definiram seus investimentos a partir de informações de amigos e parentes, e apenas 17,1% tinham experiência na área em que realizaram o investimento. A constituição e consolidação de uma comunidade brasileira, na região da Nova Inglaterra, têm diminuído as dificuldades de adaptação e criado um espaço onde o brasileiro pode sentir-se brasileiro. Esse espaço Margolis (1994) denominou de Little Brazil. Várias
  • 21. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 21 lojas de roupa, mercearias, padarias, restaurantes e empresas de serviços destinados a atender o público brasileiro foram criados. Além desse espaço comercial, atividades culturais e sociais, igrejas de diferentes credos também surgiram, formatando um espaço no país de destino específico de brasileiros. Somando-se a isso as dificuldades do retorno para a cidade de origem, a tendência é da redução do retorno e do envio de dólar, à medida que a comunidade brasileira vai se organizando nos EUA. Os dados demonstraram, a partir dos anos de 1990, o principal motivo para emigrar apresentado por 28% dos brasileiros entrevistados nos EUA é o reencontro com a família que já residia lá. Esses emigrantes dificilmente retornarão ou farão investimentos produtivos nas localidades de origem. Além disso, a segunda geração e os que foram ainda crianças8 mesmo mantendo laços afetivos com os familiares no Brasil, dificilmente farão investimentos produtivos nos locais de origem de seus pais. A Região do Vale do Rio Doce e sua Microrregião de Governador Valadares, historicamente, passaram por ciclos econômicos que deixaram rastros nefastos na economia regional. Para que o fenômeno migração internacional não se torne mais um ciclo predatório como os da mica, da madeira e mais recentemente da agropecuária, é necessário que programas sejam criados para orientar os investimentos dos emigrantes que retornam. Destacamos que os dados demonstram que 61,7% dos emigrantes entrevistados nos EUA afirmam que pretendem retornar a suas cidades de origem. É necessário que a sociedade civil, entidades de classe e o poder público, elaborem, com urgência, programas que canalizem e oriente os investimentos desses que pretendem retornar para que não aconteça com eles o que aconteceu com os 48,6% dos entrevistados que emigraram para os EUA, retornaram, investiram na microrregião e foram mal sucedidos, tornando-se emigrantes novamente. 5. AS DIFERENTES FORMAS DE RETORNO Considerando que a emigração se assenta em quatro pontos: ir – ganhar dinheiro – retornar – investir, durante o percurso, dadas as condições sociais, esse projeto migratório é reelaborado e o retorno apresenta diferentes nuances. Assim podemos considerar que existem quatro tipos de retorno: 1 – Retorno temporário - O emigrante define os EUA como seu local de moradia, lá tem sua família, seu trabalho, e seus investimentos. Vem ao Brasil de férias (mesmo o indocumentado que volta para os EUA pela fronteira do México e atualmente pela Guatemala). traz seus filhos, que geralmente são documentados, para passar férias, festejar o aniversário, assistir a casamentos e outros festejos da família, no Brasil. Recebe os jornais locais nos EUA ou acessa através da internet, manda dinheiro para ajudar a família e ajuda entidades de caridade locais. Nos EUA muda seu padrão de vida e consumo, pois já não tem a preocupação de fazer poupança para voltar e investir no Brasil. 2 – Retorno continuado. O emigrante retorna à cidade de origem investe e acaba perdendo tudo ou não consegue se readaptar; reemigra, mas continua mantendo o projeto de voltar. Alguns fazem esse caminho por várias vezes. Restringem seu padrão de vida e de consumo nos EUA, objetivando fazer uma poupança para tornar a investir em sua cidade de origem9 . Neste grupo, depois de algumas tentativas frustradas, alguns desistem e passam a pertencer ao primeiro grupo. 8 Denominado na literatura geração 1.5 9 Margolis (1994) denomina de migração iô-iô.
  • 22. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 22 3- Retorno do Transmigrante. O emigrante que vive nos dois lugares, está sempre retornando ao país de origem e ao de destino. É documentado, tem vida estabilizada nos EUA. Possui casa, faz investimento e trabalha nos dois lugares, passando parte do ano no Brasil e parte nos EUA. Participa ativamente da vida social das duas sociedades. Alguns são membros de associações nos EUA (câmara do comércio, grupo de escoteiros, brigada de incêndio) e no Brasil (associações de classe, cargos públicos como de vereador ou prefeito). Hoje, já podemos dizer que são transmigrantes, transitam, têm visibilidade e são atores sociais nos dois lugares 10 4 – Retorno permanente. O emigrante retorna, readapta-se e se estabelece na sua cidade ou país de origem, e não pretende emigrar novamente. No caso deste estudo é o que se tornou empreendedor na Microrregião de Governador Valadares. Credita a sua condição de empreendedor bem sucedido ao seu projeto migratório. Essas diferentes formas de retorno denunciam não só a angústia de uma realidade vivida, a ausência e a presença em um determinado espaço social, um ponto de partida para o qual não se volta mais, mas também a engenhosidade desses aventureiros, desbravadores e ousados atores sociais que reescrevem suas trajetórias e por que não dizer, reconquistam e redimensionam os espaços físicos e sociais que passam a ocupar. CONCLUSÃO A emigração da Microrregião de Governador Valadares para os EUA definiu-se a partir de um contexto histórico que criou, no imaginário popular, a idéia da existência de um lugar onde era fácil ganhar dinheiro e “fazer a vida” em pouco tempo. As redes sociais e os mecanismos facilitadores da emigração possibilitaram o início e o crescimento do fluxo de migração da região para os EUA. Os dados nos permitem considerar que para os emigrantes da microrregião de Governador Valadares que vivem nos EUA, o sonho de retorno está permanentemente presente, apesar de todas as dificuldades existentes. Os que, concretamente, planejam o retorno nos próximos 2 ou 3 anos, investem em imóveis para aluguel e na montagem de negócios nas áreas do comércio e serviço. Como os que retornaram e acabaram tendo insucesso no investimento, esses também não têm nenhuma experiência empresarial, ou seja, fazem ou pretendem fazer seus investimentos sem um plano estratégico, sem conhecimento prévio do mercado e sem nenhuma assessoria técnica. Provavelmente, incorrerão nos mesmos erros, ou seja, farão investimentos inadequados e acabarão perdendo toda a poupança que conseguiram formar com seu árduo trabalho como imigrante nos EUA. O capital social do emigrante é um fator importante no sucesso do investimento, porém existem alguns fatores que contribuem para o sucesso ou insucesso do projeto de retornar e investir na cidade de origem. A emigração possibilita a poupança para iniciar seu empreendimento, mas não o habilita a tornar-se empresário. O mercado exige racionalidade e conhecimento para que o investimento seja bem sucedido. A experiência no ramo de negócio a ser iniciado e o conhecimento sobre a economia, o funcionamento do mercado e de como administrar uma empresa não se adquirem com anos de afastamento dos locais de origem, ao contrário, este afastamento resulta em uma idealização desse espaço geográfico e das relações sociais nele desencadeadas. Sem referências econômicas reais, a falta de racionalidade e o amadorismo nos investimentos, o resultado é o insucesso. 10 Portes (1996), Mansey (1997), e outros estudiosos denominam de transmigrantes.
  • 23. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 23 Em relação ao objeto central deste artigo que é compreender o fenômeno da migração internacional, no que se refere ao movimento de ida e retorno e seus efeitos na abertura de novos empreendimentos na Microrregião de Governador Valadares, os dados nos permitem considerar que esses empreendimentos dão dinamismo à economia da região, pois mesmo sendo em sua maioria empresas de baixo investimento e com pequeno número de empregos, criam postos de trabalho e, por serem documentadas, pagam seus impostos. Se tomarmos como referência o fato da Microrregião de Governador Valadares apresentar a mesma tendência estrutural de estagnação econômica da Macrorregião do Rio Doce, da qual faz parte, podemos considerar que o investimento produtivo dos emigrantes retornados é um elemento que contribui para o aumento dos postos de trabalho e a dinâmica da economia local. Contudo, existe outro aspecto que não pode deixar de ser considerado, e que diz respeito às conseqüências desse fenômeno da migração internacional para a região. Uma dessas conseqüências é a supervalorização do preço do imóvel em toda a região. Uma casa é vendida por três vezes o seu valor real, porque o emigrante que está nos EUA paga este valor; o mesmo acontece com as propriedades rurais. Para o emigrante, além do valor de mercado existe um valor simbólico que é comprar a casa na rua onde morava de aluguel, a fazenda onde era vaqueiro. É a possibilidade de mostrar para si e para os outros que seu projeto de emigrar foi bem sucedido. Entretanto, o valor monetário, por ser irreal na perspectiva do mercado, não se manterá por muito tempo. Os investimentos em imóveis para alugar é outro efeito da emigração, porém, este setor já sente os efeitos da oferta maior que a procura. Na cidade de Governador Valadares já é sentida pelos proprietários de imóveis para aluguel, a queda no preço dos aluguéis. É importante que tanto o poder público, quanto a sociedade civil tenham ações que propiciem a fixação dos que retornam e buscam meios de permanecer na sua região de origem, fazendo investimentos produtivos e viáveis. Há uma grande carência de políticas e projetos que orientem os emigrantes quanto à escolha do tipo de negócio e os qualifiquem para administrar adequadamente os empreendimentos, tornando-os competitivos e rentáveis. São necessários também projetos que auxiliem o migrante no seu retorno e na sua readaptação ao local de origem, evitando assim que ele se torne um migrante novamente, ou um transmigrante. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ASSIS, G. de O. 1995. Estar aqui, Estar lá... uma cartografia da vida em dois lugares. Florianópois. 230 f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Programa de Pós- Graduação em Antroplogia Social, Universidade Federal de Santa Catarina. ___. 2004. De Criciúma para o mundo. Reajarranjos familiares de gênero nas vivências dos novos migrantes brasileiro. Campinas. 325 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campina. BOYD, M. 1989. Family and personal networks in internacional migration: recent developments and new agenda. International Migration Review. S.l. 23(3), p. 638-670. DeBIAGGI, S. D. 2004. Homens e mulheres mudando em novos espaços: famílias brasileiras retornam dos EUA para o Brasil. In: DeBIAGGI, S. D.; PAIVA, G. J. (org.). Psicologia, E/Imigração e cultura. São Paulo: Casa do Psicólogo, p. 135-164. ESPINDOLA, H. S. e SOARES, W. 2005. Identificação da Região do Rio Doce. Governador Valadares: Univale.
  • 24. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 24 FERREIRA, R. H. 2001. Confronto dos lugares no migrante dekassegui.São Paulo. 148 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Programa de pós-graduação do Instituto de Geociência e Ciências Exatas, Universidade Estadual de São Paulo. FUSCO, W. 2005. Capital Cordial: a reciprocidade entre os migrantes brasileiros nos Estados Unidos. Campinas. 138 f. Tese (Doutorado em Demografia) - Instituto de Filosofia, Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas. HALL, S. 2003. Da diáspora: Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG. MARGOLIS, M. 1994. Little Brazil. Imigrantes Brasileiros em Nova York. Campinas: Papirus. MASSEY, D. 1997. Migration, ethnic mobilization and globalization: causes of migration. In: GUIBERNAU, M. e REX, J. (eds). The Ethnicity reader: nationalism, multiculturalim and migration. U K: Polity Press, p. 257-269. PORTES, A. and RUMBAUT, R. G. 1996. Immigrant America: a portrait. 2 ed. Los Angeles: University of California Press. PIORE, M. 1979. Birds of passage: migrant labor and industrial societies. New York: Cabridge University Press. SALES, Teresa. 1999. Brasileiro longe de casa. São Paulo: Cortez. SASAKI, E. M. e ASSIS, G. de O. 2000. Teoria das migrações internacionais. ABEP (Associação Brasileira de Estudos Populacionais), Caxambu. 21 p. SAYAD, A. O retorno: elementos constitutivos da condição do imigrante. Travessia, número especial. 2000. _____. 1998. A imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP. SIQUEIRA, S. 2006. Migrantes e empreendedorismo na Microrregião de Governador Valadares: Sonhos e frustrações no retorno. 200f. Tese (Doutorado em Sociologia e Política) – Universidade Federal de Minas Gerais. SOARES, W. 1995. Emigrantes e investidores: Redefinindo a dinâmica imobiliária na economia valadarense. 174 f. Dissertação (Mestrado em demografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • 25. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 25 RETORNO DE MIGRANTES INTERNACIONAIS AO PAÍS DE ORIGEM: CONEXOES E DESCONEXÕES Devani Tomaz Domingues11 RESUMO Este artigo traz uma parte dos resultados da pesquisa realizada para a elaboração da dissertação de mestrado em sociologia. O estudo busca conhecer os impactos da re-entrada ao país de origem para o emigrante retornado; como ele idealiza e em quais condições e de que forma ele viabiliza o projeto de retorno. Delineia a trajetória de (re)construção da identidade do emigrante retornado; antagonismos, valores e sentimento de pertencimento frente ao projeto de concretização ou não do retorno. Para entender essas questões foram realizadas 38 entrevistas em profundidade e constituídos cinco grupos focais com emigrantes internacionais, sendo quatro grupos com emigrantes retornados dos Estados Unidos e residentes em Governador Valadares e um grupo com emigrantes que ainda residem nos Estados Unidos. O grupo de estudo foi estruturado com a utilização da técnica da bola de neve, totalizando 44 emigrantes. Destes, 70,5% residem na cidade de Governador Valadares e 29,5% moram em condados dos Estados Unidos e estavam a passeio na cidade. Nos relatos, os entrevistados explicitaram diferentes formas de estranhamento no retorno ao país de origem, referindo ao ‘choque’ no reencontro com sua família e amigos, na relação com o lugar e o trabalho. Entre os emigrantes retornados, 41,9% planejaram retornar, 19,4% retornaram devido à doença pessoal, doença ou morte na família, e 38,7% por outros motivos voltaram à cidade. Todos afirmaram que contaram com a ajuda da família e/ou de amigos no retorno, e 90,9% mantêm contato por telefone e/ou internet com amigos e parentes nos Estados Unidos. Garantir o espaço de ‘trabalho’ é fundamental no retorno, principalmente através do investimento em algum tipo de negócio (41,9%) ou na condição de trabalhador autônomo (19,4%). PALAVRAS CHAVES: Emigração, Retorno, Trabalho, Identidade. SUMMARY This article is a part of the results of the research for the elaboration master's degree dissertation in sociology. The study searches to know impacts of the re-entrance to the origin’s country for the regressed emigrant; how the idealizes in which conditions and how he makes possible the return project. He/she delineates paths of (re)construction of the regressed emigrant's identity; antagonisms, values and concernig feelings of the return or not return . To understand these questions, they were accomplished 38 interviews in depth and they were accomplished five focal groups with international emigrants, being four groups regressed emigrants from United States and residents that live in Governador Valadares. The other are emigrants that still live in the United States. The study group was structured with the technique snow ball, totaling 44 emigrants. Of these groups, 70,5% live in Governador Valadares and 29,5% live in countries from the United States and they were walking there. The reports show different ways of the strangeness from the interviewees returning ti the origin, referring to the 'shock' in the new meeting with family, friends, relationship with the place and the work. Among the regressed emigrants, 41,9% returned, 19,4% regressed due to the personal disease, family disease or family death and 38,7% returned for other reasons. All of them said that they counted with the family help and/or friends help. 90,9% continues maintaining contact for telephone and/or internet with friends and relative in the United States. To guarantee the space to work in the return is fundamental, mainly through investment in some kind of business type (41,9%) or in autonomous worker's condition (19,4%). KEY WORDS: Emigration, Return, Work, Identity. INTRODUÇÃO Com base nas possibilidades múltiplas de identificação do sujeito moderno ou pós- moderno (HALL, 2005), busca-se através da análise dos dados da pesquisa de campo reconhecer esse sujeito e as características peculiares das relações globais do mercado de trabalho e da sociedade de consumo através do fenômeno da migração internacional. Nesse sentido, a relevância deste estudo é que ele permite reconhecer os impactos desse processo no 11 Mestranda em Sociologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Licenciatura e Bacharelado em Ciências Sociais pela Fundação Percival Farqhuar, atual UNIVALE. Funcionária pública do município de Governador Valadares.
  • 26. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 26 indivíduo e os seus efeitos sociais e culturais no local de origem. Na re-entrada do emigrante, em seu próprio país, os investimentos não são somente econômicos, mas também envolvem relações sociais, afetivas e culturais com sua comunidade local. Discutem-se, ainda, as redefinições identitárias dos emigrantes retornados através das (re)negociações em seu local de origem. A pesquisa teve como objetivo geral caracterizar a migração de retorno como parte constituinte da migração internacional na configuração da sociedade moderna. O trabalho de campo foi realizado na cidade de Governador Valadares nos três últimos meses do ano de 2006 e no primeiro semestre de 2007, adotando a metodologia qualitativa que se apresenta apropriada para conhecer as nuances do objeto em estudo. Como instrumentos metodológicos, foram utilizados a entrevista em profundidade e os grupos focais. Neste trabalho considera-se que o processo de saída da comunidade de origem e o contato com outra sociedade no exterior, permeada de novos valores e signos a serem interpretados pelo e/imigrante, provocam uma desconexão tanto com sua cultura local quanto consigo mesmo, com seu próprio ‘eu’, que no primeiro momento empreende num ajustamento à nova sociedade. Porém, ao mesmo tempo, a rota é permeada de conexões, porque os emigrantes mantêm seus laços de origem, utilizando os meios de comunicação, facilitados e próprios da sociedade pós-industrial, e se fortalecem para alcançar o objetivo de concretizar o projeto de retorno ou para permanecer no país de destino. Esse duplo relacionamento entre lugar de origem e destino, numa vivência pós-moderna do tempo e espaço, é denominado aqui como conexões e desconexões. Na análise dos dados buscou-se identificar os fatores sócio-econômicos e culturais determinantes para a decisão de retorno; caracterizar o grupo de emigrantes retornados da amostra – perfil econômico e social; delinear a trajetória do emigrante no país de origem a partir do seu retorno; identificar os mecanismos usados pelo emigrante retornado para inserção em determinados setores da economia local; descrever a condição social e cultural do emigrante retornado na perspectiva das novas configurações do trabalho e da situação econômica da região. Neste artigo, em especial, aborda-se a motivação do retorno e os aspectos do estranhamento do lugar, da família e do trabalho. Para fundamentar o problema em análise, inicialmente serão apresentadas reflexões teóricas sobre a questão da identidade e uma visão geral de aspectos da migração internacional com um breve histórico do Brasil no contexto desse fenômeno, destacando a participação de Governador Valadares no processo das emigrações e retorno. A seção seguinte descreve a metodologia utilizada, e, logo após, caracteriza-se a amostra de estudo e discutem-se as questões antagônicas do processo, ressaltando os motivos e ajuda recebida no retorno e a percepção do lugar de origem pelo emigrante retornado, o qual fala sobre o estranhamento do lugar, da família e do trabalho através da percepção da diferença em função da experiência da emigração aos Estados Unidos. Para concluir, são feitas as considerações sobre os resultados parciais da pesquisa. A MIGRAÇÃO INTERNACIONAL Os objetivos e as questões que norteiam o estudo estão inseridos numa dimensão macro do fenômeno. Para compreender essa dimensão e a importância social deste estudo, junto à discussão sobre a “identidade fragmentada” (HALL, 2005), faz-se necessário uma contextualização do fenômeno da migração internacional, situando o Brasil no contexto desse processo e, em especial, a significativa participação da cidade de Governador Valadares nos fluxos brasileiros de emigração para outros países.
  • 27. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 27 A migração internacional, na perspectiva da análise sociológica, envolve dimensões múltiplas, que justificam a busca da compreensão multidisciplinar do tema. Aparentemente é um assunto pontual, mas, à medida que as questões se apresentam e que se atenta para as novas descobertas empíricas, se reconhece a sua complexidade e seus paradoxos. E, nesse caminho, as portas se abrem para, junto com o sujeito migrante, perceber as ilusões como condição para o início e continuidade da imigração nos países recebedores e da emigração nos países enviadores (SAYAD, 1998). Um mesmo sujeito se insere, assim, num complexo processo, que se desdobra em diversos projetos em consonância com a expectativa e natureza da migração, fundamentando- se em imagens coletivamente construídas. A manutenção dessa estrutura ‘ilusória’ e seus efeitos são garantidos “por uma espécie de cumplicidade objetiva (i.e., a despeito dos interessados e sem que haja para tanto um acordo prévio), compartilhada pelos três parceiros que são a sociedade de emigração, a sociedade de imigração e os próprios emigrantes/imigrantes, os primeiros a estarem concernidos” (SAYAD, 1998, p.18). Descobre- se com Sayad (1998) que o projeto envolve variáveis observáveis e outras que permanecem obscuras para o migrante e até mesmo para um pesquisador, porque a base do processo são as ilusões. Ao qualificar essas ilusões, Sayad (1998) reforça o que aqui chamamos de antagonismo do processo. Do lado do país de destino, há a ilusão de uma presença provisória e do outro lado uma ausência igualmente provisória. Esse caráter ilusório da presença que se prolonga e do adiamento da concretização do projeto de retorno somente é reconhecido a posteriori, e o ‘trabalho’ se apresenta como um forte álibi para essa inconfessável ambigüidade. O trabalho vem simbolizar o acesso ao ‘dinheiro’ para a realização do sonho da casa própria, do poder de consumo e de melhoria do padrão de vida. As idealizações do que se deixou para trás alimenta a vontade daqueles que esperam retornar. A espera se prolonga, o tempo é dedicado ao trabalho, e o contato com os familiares no país de origem se torna essencial para encorajar o emigrante em sua ‘aventura’. Ressaltando esse aspecto ambíguo do problema, este estudo pretende explorar, um pouco mais, a chamada categoria dos emigrantes retornados a fim de entender a relação desse emigrante com os diferentes espaços culturais e históricos e se sua identidade é redefinida em função de sua experiência e da construção de laços antagônicos entre os dois espaços, aqui definidos como Estados Unidos e Brasil, mais especificamente, Governador Valadares e diversos condados dos Estados Unidos da América. Pretende-se, também, contribuir com a literatura científica, trazendo à discussão o estudo da migração de retorno, referendado pelos avanços e aprimoramentos de conceitos da sociologia econômica e da sociologia da migração, com a compreensão de que ‘retorno’ não é uma categoria fixa, mas uma categoria que se multiplica em função das diferentes variáveis envolvidas no processo de retornar ao país de origem e/ou ao país de destino, considerando, nesse último caso, que alguns indivíduos mantêm residência em dois lugares e ocupam ativamente seu espaço no meio social. Observa-se a migração internacional como um caleidoscópio, e, dessa forma, a migração de retorno é uma das facetas do processo. É possível que o olhar do ‘lugar da volta’ em seu próprio país de origem seja para o emigrante retornado como o olhar de um estrangeiro ou como o olhar daqueles que chegam depois de um período ausente, com a sensação que perderam uma parte da história. A idéia central é que o desejo de ‘ficar’ e a concretização do projeto de retorno estão vinculados às redefinições de identidade através da reconquista do espaço social pelo sujeito que emigrou. A concretização do projeto é também um discurso antagônico nem sempre claro para os emigrantes que se redescobrem em sua experiência. Tal como afirma Hall (2005, p.25), “as transformações associadas à modernidade libertaram o indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas”. Nesse aspecto, a
  • 28. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 28 identidade do sujeito está relacionada ao seu tempo e à sua condição na vida social e “está sempre incompleta, sempre em ‘processo’, sempre sendo ‘formada’” (HALL, 2005, p.38). E, para a compreensão dessas condições, esse teórico enfrenta questões como a de explicar a afirmação de que as identidades modernas estão “descentradas” e repletas de implicações (HALL, 2005). Destacando a complexidade da discussão devido ao próprio conceito de identidade “ser muito pouco desenvolvido e compreendido na ciência social contemporânea para ser definitivamente posto à prova” (HALL, 2005, p.8), esse teórico desenvolve sua argumentação através de um crescente entendimento de mudanças ocorridas ao longo do tempo na sociedade ocidental e na forma da identificação do sujeito em relação ao seu tempo e espaço, centrando atenção às identidades culturais. Em seu estudo, Hall (2005) diferencia, de forma simplificada, três concepções de identidade a partir de uma análise histórico-sócio-cultural: a concepção de identidade do sujeito do iluminismo, a concepção de identidade do sujeito sociológico e a concepção de identidade do sujeito pós-moderno. De uma conceituação considerada ‘individualista’ – sujeito do iluminismo, passamos por uma outra concepção de sujeito sociológico que refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que o núcleo interior do sujeito não era autônomo nem auto-suficiente, mas sim formado na relação com o outro, principalmente com aqueles que eram referências para ele, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos – a cultura – dos mundos que ele/ela habitava. E, de forma sintética, Hall (2005) conclui que a concepção de identidade do sujeito pós-moderno apóia-se no argumento que a identidade unificada e estável está se tornando fragmentada. O próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e problemático. Esse processo produz o sujeito pós- moderno, desvinculado de uma identidade fixa, essencial ou permanente, para um confronto com múltiplas possibilidades identitárias, ou seja, pelo menos temporariamente o sujeito pode estabelecer uma identificação com cada uma delas. Um outro aspecto dessa questão da identidade, segundo Hall (2005), está relacionado ao caráter da mudança na modernidade tardia, particularmente ao processo de mudança conhecido como “globalização” e seu impacto sobre a identidade cultural. Ao avaliar a discussão da identidade em crise, Hall (2005) sustenta que a modernidade possibilita ao sujeito experimentar formas diversas de vivenciar e se identificar em relação ao outro e ao próprio meio onde vive. Possivelmente, a trajetória do emigrante retornado demonstra com nitidez esse aspecto da sociedade ocidental moderna. A modernidade foi objeto de estudo do pensamento sociológico clássico sendo destaque nas obras de pensadores como: Karl Marx (1818-1883), Durkheim (1858-1917), Max Weber (1864-1920) e, mais recentemente, Elias (1897-1990). Esses grandes teóricos buscaram elucidar suas características e se posicionaram, à sua época, discutindo questões como a constituição, estruturação, processos de mudanças e as demais tendências da sociedade. Explicitaram, a partir de suas pesquisas, preocupações com o homem e a sociedade. Como o centro da preocupação se constituía num complexo conjunto de variáveis em transformação, que remonta, principalmente, aos séculos XVI e XVII12 , verifica-se que a migração internacional ainda não se apresentava como problema sociológico, reservando a esse fenômeno um papel secundário. Ao contrário, atualmente, as discussões em torno do problema têm avançado e ganhado novos contornos. 12 Foi uma época considerada de grandes inovações na ciência e na tecnologia, que encadearam outras séries de mudanças, rompendo padrões de comportamento e promovendo nova organização social fundamentada na indústria, no processo de urbanização e em novos paradigmas de valoração cultural.
  • 29. CADERNO NEDER, Nº 2 – DOSSIÊ DA EMIGRAÇÃO ISSN 1982-9876. Publicado em: www.editora.univale.br, seção E-Books 29 No início do século XX, devido ao aumento da mobilidade populacional da Europa para os países do Novo Mundo, principalmente para os Estados Unidos, os sociólogos americanos iniciaram a sistematização de estudos sobre a migração. A Escola de Chicago se tornou referência e teve como questão central a compreensão do processo de integração do imigrante à sociedade americana, a partir do trabalho pioneiro de Thomas e Zaretsky (1918) – The Polish Peasant in Europe and América13 . Este é um estudo clássico na área da migração que, além de refletir o pensamento sociológico da época, influenciou o desenvolvimento teórico das décadas seguintes. Apesar das críticas posteriores aos trabalhos da Escola de Chicago, esta representa um marco para os estudos do fenômeno da migração internacional, como um problema sociológico. A análise do fenômeno pelas ciências sociais tem dado atenção a diferentes variáveis porque a migração internacional apresenta uma nova configuração com elementos característicos da sociedade moderna ocidental. Uma sociedade que concilia “formas contrastadas, mas interdependentes de comportamentos essenciais à perpetuação das sociedades industriais que aparelham consumo e produção, diversão e trabalho” (CAMPBELL, 2005, p. 317). Esse teórico, em sua tese sobre o consumismo moderno, identifica a ética romântica14 , voltada para o prazer e o consumo como cultura gêmea da ética protestante15 . Não desenvolvemos os argumentos teóricos dessa linha de pensamento, mas aproximamos a discussão do tema de estudo por observar que os deslocamentos populacionais têm forte motivação na justificativa do trabalho e das condições de vida que envolvem também o consumo em diferentes níveis e a garantia do bem-estar. As mudanças ocorridas ao longo dos tempos, tanto nos aspectos econômicos quanto sociais e culturais, provocaram novo ritmo ao processo migratório, intimamente relacionado às alterações das relações de trabalho que, hoje, se desenvolvem num campo global. Além do 13 Portes (1995) destaca essa obra, de William I. Thomas and Florian Zaretsky (1918-1920); (reimpresso, Chicago: University of Illinois Press, 1984) na nota 3, juntamente com as obras de Robert E. Park “Human Migration and the Marginal Man”, American Journal of sociology 33 (Maio de 1928): 881-893; e Everettt V. Stonequist, The Marginal Man: A Study in Personality and Culture Conflict (1937; reimpresso, New york: Russel &Russel, 1961). A obra de Thomas e Zaretsky trata dos imigrantes poloneses, cerca de dois milhões, que migraram para a América entre 1810 e 1910. Através desse estudo, demonstram como o processo de migração quebra os laços de solidariedade, em especial, o sistema familiar. 14 A premissa básica da tese da ética romântica é que o mecanismo que se situa no cerne do consumismo moderno, independente de sua forma, tem como implicação fundamental os processos culturais; sendo, portanto, necessário encarar os problemas históricos, econômicos e sociológicos como intimamente associados, assim como Max Weber percebeu em seu original estudo sobre as origens da revolução da produção. Campbel orienta o estudo no sentido de estabelecer uma relação entre o comportamento do consumidor e o movimento romântico do século XVIII. Segue estrategicamente os passos de Weber para mostrar e compreender o romantismo como um componente que persiste na cultura moderna, tendo como hipótese central de que talvez houvesse uma “ética romântica” operando a promoção do “espírito do consumismo”, exatamente como Weber postulou que uma ética “puritana” promovera o espírito do capitalismo. 15 Na Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Moderno, Weber (1996) estabelece uma combinação entre valores e finalidade religiosa (fundamento irracional) com o processo de racionalização econômica e a conseqüente constituição de uma concepção de trabalho como fim em si mesmo. Mostra a relação da autodisciplina e da automodelação com os valores atribuídos ao trabalho no percurso do capitalismo moderno. O amor a Deus do protestante era demonstrado pela disciplina dos desejos, do tempo, pela fuga do prazer. O trabalho, neste aspecto, apresenta-se ao homem como forma de realização da Vontade de Deus. Através dele pode-se moldar a história e viabilizar sinais de prosperidade e, portanto, dignidade aos olhos de Deus. O indivíduo torna-se eticamente responsável por seu próprio tempo vivido e, na busca de “ser virtuoso”, encontra motivação para o trabalho. A maior disposição de poupar do que gastar passou do protestante para o capitalista como um ato de autodisciplina e autonegação (ascetismo leigo). Essa passagem que culminou no homem motivado, decidido a provar seu valor moral pelo trabalho, ocasionou a superação de concepções tradicionais da igreja e culminou na modelagem e fortalecimento do sistema capitalista.