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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
                    INSTITUTO DE ARTES
CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS modalidade à distância




                     Sônia Maris Rittmann




CAIXA DE PANDORA: DA NARRATIVA TEXTUAL À NARRATIVA VISUAL




                         Porto Alegre
                            2012
CAIXA DE PANDORA: DA NARRATIVA TEXTUAL À NARRATIVA VISUAL
                                                                        Sônia Maris Rittmann1


RESUMO
O artigo resgata parte da memória poética de uma contadora de histórias, em que
a linguagem presente nas narrativas era, inicialmente, somente as palavras. No
texto é enfocada a transformação ocorrida durante o curso de formação em Artes
Visuais, no Curso de Licenciatura em Artes Visuais modalidade à distância da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a imagem ganha lugar de
destaque e passa a ser a principal linguagem utilizada para que essas histórias se
transformem em ferramenta indispensável para o ensino e aprendizagem de arte.
O livro-objeto Caixa de Pandora é abordado na sequência ao ser colocado como
um símbolo dessa transformação em função das escolhas realizadas. São
focalizadas as narrativas visuais ao lado das narrativas verbais, evidenciando e
articulando a relação entre a imagem e a palavra, vista como uma apropriação
essencial ao professor de artes visuais, em que a Caixa de Pandora passa a ser
apresentada como um objeto de aprendizagem fundamental nesse processo.

Palavras chave: Objeto de aprendizagem. Narrativa visual. Linguagem. Palavra.
Imagem. Livro-objeto.


1 A memória


                                                      Os Meus Pensamentos são Todos Sensações
                                                                    Sou um guardador de rebanhos.
                                                                O rebanho é os meus pensamentos
                                                     E os meus pensamentos são todos sensações.
                                                              Penso com os olhos e com os ouvidos
                                                                            E com as mãos e os pés
                                                                             E com o nariz e a boca.
                                                                  Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
                                                            E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
                                                                   Por isso quando num dia de calor
                                                                     Me sinto triste de gozá-lo tanto.
                                                                    E me deito ao comprido na erva,
                                                                           E fecho os olhos quentes,
                                                       Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
                                                                           Sei a verdade e sou feliz.




1
  Professora de Língua e Literatura, formada em 1989 e estudante de Artes Visuais, formanda em Artes
Visuais no Curso de Licenciatura em Artes Visuais modalidade à distância da UFRGS, dentro do convênio
REGESD-UFRGS, em 2013/02.
Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema IX"
                                                                                             2
                                                               Heterónimo de Fernando Pessoa
                                                                         (PESSOA, 2007, p.212)




       “Eu sou uma contadora de histórias”. Ao ouvir essa frase, proferida por
Chimamanda Adichie3, sou transportada para minha própria história, como ouvinte
e contadora de histórias, que mistura pensamentos e sensações, razão e emoção,
tal qual o poeta português Alberto Caeiro (2007), um dos heterônimos de
Fernando Pessoa. O ano se perde na poeira do tempo, mas a imagem ainda é
nítida na memória: minha mãe lendo enquanto me preparava para dormir. Ver e
ouvir. Outro tempo e espaço, porém a mesma relação de amor incondicional com
o mundo da palavra – escrita ou falada - e da imagem, da fabulação, dos contos
de fada, das narrativas de viagens, das lendas mitológicas, dos universos
inventados, em que, por conta da imaginação, as primeiras conexões/
manifestações começam a se formar, configurando quem somos e nossa relação
com o mundo e as pessoas que nos cercam.


       Hoje eu sei que fui uma criança privilegiada. Minha infância foi povoada de
histórias. Meu pai tinha uma pequena biblioteca, espaço sagrado de sonho e
magia, em que ficavam guardados aqueles objetos mágicos - os livros - e que nos
transportavam para diferentes mundos todas as noites. Não lembro quando
comecei a decifrar aquelas pequenas letras pretas impressas na folha branca,
mas, lembro que, antes mesmo de juntá-las com algum sentido, já manuseava
aqueles volumes enormes e as suas páginas em busca de alguma pista que me
levasse ao seu conteúdo. Lembro que subia em uma escada com um livro na mão
e “fingia” ler, inventando histórias para meus irmãos menores. Lembro-me dos

2
  Fernando Pessoa (1888 - 1935) - poeta e escritor português, nascido em Lisboa. É considerado
um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura universal.
3
   Chimamanda Ngozi Adichie - escritora nigeriana (1977-). Nasceu em Abba, no estado de
Anambra, mas cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste da Nigéria. A romancista, na
atualidade, tem seus livros editados em países de língua inglesa e nos adverte sobre o perigo de
ouvirmos     uma    história   única   sobre   outra    pessoa     ou   país.   Disponível   em
http://www.ted.com/talks/lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
olhos deles brilhando enquanto eu ia recriando pedaços de histórias, ouvidas e
repassadas, nem sempre fieis aos originais, mas que maravilhavam meus
ouvintes. Virava as páginas do livro enquanto “lia” as histórias e o fascínio só
aumentava. Aos poucos criei meu próprio método de contar histórias: com um
lápis na mão ia traçando caminhos entre as palavras, formando labirintos nas
páginas dos livros me apropriava fisicamente do livro, da história que ia
inventando.




                        Fig. 01 – Mapas imaginários nas páginas da infância:
       Interferência no livro As aventuras de Tibicuera, de Erico Veríssimo, Editora Globo, 1963


      A maioria dos livros não tinha imagens. Os poucos que tinham imagens
eram os mais manuseados, gastos de tanto uso. Muitas dessas imagens poderiam
ser aterrorizantes para a maioria das pessoas, eu ficava encantada. As imagens
em preto e branco despertavam ainda mais minha curiosidade e imaginação.
Desenhos e fotografias se misturavam às letras que eu desconhecia. As histórias
contadas pela minha mãe e as incursões pelos livros e enciclopédias fizeram com
que eu lesse as imagens com a mesma curiosidade e fascínio que inventava
narrativas fantásticas. Creio que a leitura de textos e de imagens despertou meu
lado mais inventivo e criador. Herdei o gosto pelos livros de meu pai e o gosto de
contar histórias da minha mãe.
Fig. 02 – Alguns livros do acervo de meu pai que encantaram minha infância



      Hoje, penso que minha opção pelas artes, literatura e artes visuais, tenha
uma forte influência dessas vivências com o mundo do encantamento das
palavras e das imagens, das histórias ouvidas, lidas, apreciadas, imaginadas e
inventadas.


2. As linguagens


                                                                       O essencial é saber ver


                                                      O que nós vemos das cousas são cousas.
                                           Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
                                                     Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
                                                                 Se ver e ouvir são ver e ouvir?

                                                                       O essencial é saber ver,
                                                                  Saber ver sem estar a pensar,
                                                                       Saber ver quando se vê,
                                                                    E nem pensar quando se vê
                                                                        Nem quando se pensa.

                                         Mais isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
                                                                  Isso exige um estudo profundo,
                                                          Uma aprendizagem de desaprender (...)


                                                 Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos –
                                                 Poema XXIV" Heterônimo de Fernando Pessoa
                                                                     (PESSOA, 2007, p.217-218)
Hoje, sou professora de Língua e Literatura e estudante de Artes Visuais e
trabalho com estudantes, economicamente carentes, da região metropolitana da
Grande Porto Alegre, que são muito capazes quando envolvidos, acolhidos e
motivados por alguma proposta capaz de valorizar seus diferentes saberes e
possibilitar uma ampliação de seu universo cultural e social. Talvez, como a
aprendizagem de desaprender de Alberto Caeiro (2007), eu tenha retornado aos
caminhos que me trouxeram até aqui e, na tentativa de rever os percursos,
selecionar aqueles que me fizeram ver e pensar na criação de um Objeto de
Aprendizagem em Artes Visuais.


        Criar um objeto único, que pudesse dar conta da diversidade de linguagens
propostas a partir de um eixo articulador que enfatiza um Atelier de Artes Visuais –
abordando, prioritariamente, as linguagens artísticas da pintura, escultura e
fotografia, e tendo por base três pranchas de imagens de obras4, conforme as
figuras 03, 04 e 05 que são referenciais da arte latino-americana e européia –
Candido Portinari5, Retirantes, Óleo s/ tela, 176 x 190cm, 1944; Claudia Andújar6,
Série Marcados, fotografia (políptico), 1981-1983; Michelangelo Buanarotti7, Pietá,
escultura em mármore, 1448; – em um conjunto de sete projetos educativos em
artes visuais desenvolvidos com foco no ensino médio, pareceu-me, em um


4
  As pranchas são elaboradas a partir das imagens e contextualizações das seguintes obras de
arte: Retirantes, de Candido Portinari, arte modernista brasileira, Marcados, de Claudia Andujar,
arte contemporânea e Pietá de Michelangelo, arte renascentista.
5
  Candido Portinari (Brodósqui SP 1903 - Rio de Janeiro RJ 1962). Pintor, gravador, ilustrador e
professor, Portinari é um dos maiores nomes da pintura brasileira, alcançando fama internacional
pela qualidade e pela temática social de sua obra. Sempre preocupado em caracterizar o tipo
brasileiro, retratou a vida rural brasileira, a tragédia das migrações nordestinas e o trabalho duro
nos portos. http://www.mercadoarte.com.br/artigos/artistas/candido-portinari/candido-portinari-vida-
obras-biografia-exposicao-galeria/
6
   Claudia Andujar (Neuchâtel, Suíça 1931). Fotógrafa. As tradições e o modo de vida dos
yanomamis são o tema central de sua obra. Com bolsas de estudos brasileiras e internacionais,
passou períodos extensos na companhia desses índios, realizando ensaios fotográficos que
constituem,       por     si,   um       capítulo      na    história      da     fotografia    brasileira.
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia
&cd_verbete=875&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1
7
  Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475 - 1564) Considerado um doa maiores criadores
da história da arte do ocidente, foi pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano. Sua carreira se
desenvolveu na transição do Renascimento para o Maneirismo, e seu estilo sintetizou influências
da arte da antiguidade Clássica, do primeiro Renascimento, dos ideais do Humanismo e do
Neoplatonismo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Michelangelo
primeiro momento, uma tarefa, se não impossível, bastante difícil devido a sua
abrangência e complexidade. Difícil, porém não impossível.




                                                                                                     8
        Fig. 03 - Cândido Portinari, Retirantes, pintura a óleo sobre tela,190cm X 180cm, 1944.




                                                                                                 9
                 Fig. 04 - Claudia Andújar, Série Marcados, fotografia (políptico), 1981-1983.



8
    https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/gSovthwWJV/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf
/SONIA%20MARIS%20RITTMANN.pdf

9
 https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/9XdbePYbPT/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf
/NEUSA%20LORENI%20VINHAS.pdf
10
            Fig. 05 - Michelangelo Buanarotti, Pietá, escultura em mármore, 1448.


      Falar em linguagens é também lembrar que o homem é um ser simbólico, e
como tal, capaz de criar símbolos, que têm a função de ordenar e interpretar o
mundo em que vive. Usar a linguagem, verbal e não-verbal, para nos
expressarmos sobre o que pensamos e sentimos em relação a nós mesmos, ao
outro e ao mundo em que vivemos, dá-se em uma tentativa de re-ordenar a
dimensão do mundo a nossa volta. Dito de outra forma é através da linguagem
que se interage com o outro, consigo mesmo e com o mundo. Miriam Celeste
Martins (2009) afirma a penetração na realidade através da mediação não
somente da linguagem, mas de linguagens:


                       (...) nossa penetração na realidade, portanto, é sempre mediada por
                       linguagens, por sistemas simbólicos. O mundo, por sua vez, tem o
                       significado que construímos para ele. Uma construção que se realiza pela
                       representação de objetos, ideias e conceitos que, por meio dos diferentes
                       sistemas simbólicos, diferentes linguagens, a nossa consciência produz.
                       (MARTINS, 2009, p.32-33)




10
 https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/jRMdfDZHzF/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf
/Maristela%20Lain%20Cesar.pdf
A arte é criação das linguagens – visual, musical, cinema, dança, poesia –
as quais se articulam, se conectam e dão corpo ao que o homem pretende dizer.
Lembremos que o homem utiliza as linguagens11 desde os remotos tempos das
cavernas, manifestando seus medos, desejos, sonhos e ideias.


       A partir dessas reflexões surgiu a ideia de criar um Objeto de Aprendizagem
que levasse em conta parte dessa história que move o homem desde os tempos
mais remotos até os dias de hoje, com uma carga simbólica que remetesse tanto
ao ser humano, nas figuras do homem e da mulher – quanto às crenças e medos
que nos acompanham desde sempre. Foi a partir dessa lógica que o Objeto de
Aprendizagem Caixa de Pandora foi criado, e que, além da vontade de abordar o
mito do conhecimento, sendo este um objeto de desejo e estudo de toda uma
vida, ainda traz, em suas várias versões, as ideias de paradoxo, incompletude,
precariedade da vida e da arte.




                  Fig. 06 - Pandora - Chauncey Bradley Ives (1812-1894), EUA,
                                                                                12
            Estátua de mármore - 147,3 X 43,2 X 42,5 cm, 1871, Brooklyn Museum.

11
    A linguagem humana – “sistema de representação arbitrário, de significados coletivos e
compartilháveis, variáveis ao longo do tempo de acordo com mudanças culturais, sociais e
históricas de cada povo ou nação” - é considerada o mais complexo sistema de signos e através
dela podemos representar não apenas o mundo vivido mas o imaginado. “(...) Sem a linguagem –
considerada em sentido amplo, seja ela escrita, verbal ou de qualquer outro ramo semiótico –
impossíveis se tornariam a unidade, a continuidade e a evolução social; trata-se pois de um dado
constitutivo das sociedades humanas.” (SILVA, 2009)
12
   http://www.brooklynmuseum.org/opencollection/objects/217/Pandora/set/a2c4b37977ce58745016
ff0071ec8ea3?referring-q=pandora
Pandora, representada por Chauncey Bradley Ives na fig. 0613, a que possui
todos os dons, proveniente da mitologia Grega14, possui várias versões, uma das
mais difundidas, e, particularmente, a que mais gosto, narra o mito afirmando ser
Pandora uma divindade doadora de talentos divinos e, simultaneamente, de todos
os males da humanidade. Pandora foi criada pelos deuses do Olimpo, recebendo
de cada um deles um “dom” específico: Hefesto, Deus da Arte, criou-a como uma
estátua parecida com as deusas, de Afrodite recebeu a beleza, de Atenas, a
sabedoria e a habilidade em todos os terrenos, de Hermes, a palavra fácil e a
engenhosidade.


        Por ordem de Zeus, numa trama que envolve uma vingança contra a
humanidade, por esta ter recebido de Prometeu o segredo do fogo, Pandora foi
enviada a Terra para seduzir Prometeu, recebendo uma “caixa” que não deveria
ser aberta. Abriu e com essa atitude – que muitos atribuem a um símbolo de
curiosidade feminina - espalhou todo o sofrimento sobre a humanidade. Ao
perceber o que acontecia Pandora fechou a caixa, deixando dentro dela a
Esperança. Pandora, possuidora de todos os dons aliada à esperança faz pensar
em surpresa, em inovação, em mudança, em transformação, em capacidade de
sonhar com o diferente, com o inusitado, com a arte.


        Como professora, eu parto do pressuposto que seres humanos motivados
estão mais propensos para a aprendizagem, e que toda aprendizagem deva tentar
estabelecer um processo de inferências entre os conhecimentos que se possui e
os novos conhecimentos a serem construídos. Ao apresentar uma lenda, com sua
narrativa e a exploração dos símbolos presentes na mesma, pode-se dar início a
toda uma conversa sobre Arte, Humanidade, Narração, Mito, História, despertando
dessa forma o interesse dos alunos para as artes visuais. O mito serve como
ponto de partida para uma viagem pela história, cultura, costumes, crenças,

13
   Dentre as inúmeras obras de arte que reproduzem a imagem de Pandora, a escolha para ilustrar o artigo foi
mais emocional do que racional. A escultura de Chauncey Bradley Ives, a meu ver, além de representar um
clássico revisitado, representa alguns dos paradoxos presentes no texto: sagrado e profano, humano e divino,
razão e emoção.
14
   Pandora e Prometeu, disponível no Livro de Ouro da Mitologia (BULFINCH, 2001, p.19-26)
sociedade e humanidade. O ponto de chegada, diferente para cada individuo que
se aproxima da caixa, passa pela ideia de atelier como espaço de escolhas, como
tão bem nos relata Ana Angélica Albano


                     Associo o atelier à caixa tão temida, que abriga a imaginação. Um lugar
                     onde todas as possibilidades estão presentes e, portanto, onde o caos
                     pode imperar. No atelier, ideias e materiais estão à espera de uma
                     forma. Dar forma ao desconhecido é função da arte. A imaginação sem
                     controle é assustadora e, talvez, seja esta uma leitura possível dos
                     monstros libertos pela mão de Pandora. Porém, é preciso lembrar que a
                     Esperança, que ficou presa no fundo da caixa pode guiar a imaginação,
                     com cuidado, para a construção de uma nova ordem, quando a
                     curiosidade será, então, premiada. Criar é dar forma ao caos e para criar
                     é preciso poder fazer escolhas. A escolha é o limite que cria a forma. Só
                     aprendemos a escolher o próprio caminho, quando temos liberdade de
                     opção. O atelier compreendido, assim, como lugar de escolhas, refúgio
                     de esperança. (ALBANO, 2005)


      Dentro dessa perspectiva, o Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora -
com a proposta de apresentar obras de arte contextualizadas, como produto
cultural e histórico, situadas em tempos e locais diferentes, com formas e
conteúdos distintos, através da leitura de imagens, da exploração e criação de
mapas conceituais ou do desenvolvimento dos projetos - possibilita uma maior
compreensão das diferentes linguagens e códigos utilizados pelos artistas.
Explorando e apreendendo esses códigos, imagina-se que os alunos serão
capazes de, além criar seus próprios trabalhos artísticos, relacionando-os ao
mundo em que vivem, as suas concepções de vida, expressando-se através das
diferentes linguagens com as quais tiveram contato no atelier de Artes Visuais,
ainda refletir sobre o papel da arte para a humanidade e relacionar esses
aprendizados com sua própria história de vida.


      Para esse aprendizado, dentro da Caixa de Pandora, foram disponibilizados
diversos materiais e projetos - pensados e criados ao longo do curso de formação
em Artes Visuais e ressignificados através da prática pedagógica, da pesquisa
reflexiva e da relação estabelecida com o Objeto de Aprendizagem Caixa de
Pandora - que servem de suporte para a prática e a reflexão em Artes Visuais.
O Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora partiu de uma pesquisa sobre
os livros de artista e livros objetos, entendendo que o livro-objeto ”não precisa ser
um livro, bastando ser a ele referente, mesmo que remotamente” (SILVEIRA,
2001, p. 25). Anne Moeglin-Delcroix15 em entrevista concedida a Paulo Silveira
também nos fala sobre o sentido do livro como obra


                         O livro é uma obra no sentido pleno do termo, ou seja, é concebido de tal
                         maneira que todos os aspectos do livro participam da significação. O livro
                         não é ai um simples continente ou suporte para uma mensagem que
                         seria independente dele (...) (SILVEIRA, 2001, p. 287)


       Desta forma o livro-objeto, teria sua função ressignificada a partir de um de
um processo de abstração, transformando-se em uma linguagem artística. Nessa
pesquisa houve ainda a apreciação de inúmeros livros de artistas e livros-objetos.




                           Fig. 07 - Susan Collard, Tripytch for Michael, 2004.




15
    Professora da Sorbone de Paris, organizadora do catálogo Livres d’artistes. Paris: Centre
Georges Pompidou/Bibliothèque Publique d’Information; Éditions Herscher, 1985. E do
livro Esthétique du livre d’artiste: 1960/1980. Paris: Jean-Michel Place/Bibliothèque Nationale de
France, 1997. (Tese de doutorado transformada em livro).
O objeto de aprendizagem Caixa de Pandora se constituiu a partir da
construção de um livro-objeto, tendo como principal referência artística os
trabalhos desenvolvidos por Susan Collard, Fig. 07, artista e arquiteta
estadunidense, residente em Portland, Oregon, USA, e que, desde 1991, nas
horas vagas dedica-se à criação de livros de artista. Os livros criados por Collard
são pequenas caixas, confeccionados sobre suportes de madeiras e papelão,
onde a artista agrega objetos inusitados encontrados ao acaso em criações
esculturais com composições instigantes que mesclam vidros, metais, papéis,
cordões e elementos naturais. Segundo a própria artista16


                           Sempre me disseram os meus livros são "de arquitetura." (...) Talvez, a
                           coisa mais importante que aprendi na escola de arquitetura foi o hábito
                           de pensar em edifícios como uma série de espaços em que se move
                           através. Expansão e contração, variedade e repetição, caráter aberto e
                           encerramento: todas essas abstrações, que emprestam forma e ordem a
                           um projeto, são finalmente sentidas em um nível visceral. No final, o que
                           importa é o movimento, memória e percepção. Tendo aprendido a
                           visualizar os caminhos através de um edifício, desta forma, é natural
                           interpretar outras experiências de forma semelhante: a leitura de uma
                           cidade, cânion, poema, jardim, ou livro como uma série de fluidos
                           espaços. Para mim, os livros tendem a se desdobrar como os quartos de
                           uma casa, enigmática, inacabada. (...) (COLLARD, 2012)


         Partindo da ideia de movimento, memória e percepção trazida por Collard,
foi pensada e posta em prática a construção de uma “caixa” articulada como um
pequeno biombo, que evocasse a percepção sensorial e visual, em que cada
“folha-página” traria alguns materiais significativos das linguagens exploradas nos
projetos de ensino e aprendizagem.




16
     http://susancollard.com/section/74265_Book_Arts.html
Fig. 08 - Primeiros esboços da Caixa de Pandora, Fotografia de Sonia Maris Rittmann,
                                          2012.


     As dimensões do Objeto, aproximadamente 50cmx40cmx30cm, sofreram
pequenas alterações durante a construção do mesmo, de acordo com as
necessidades de espaço para cada objeto inserido na mesma. Desta forma, o
livro-objeto, Caixa de Pandora, tal qual um livro, ficou em sua versão final com
quatro núcleos tridimensionais (10cm de profundidade) com nichos individuais
para os referidos materiais.




   Fig. 09 – Caixa de Pandora: alguns nichos. Fotografia de Sonia Maris Rittmann, 2012.
No primeiro núcleo, com materiais que se destacam pela ênfase na
apreciação da arte, estão colocadas as três pranchas de imagens que tenho
denominado: Retirantes, Marcados, Pietá, em uma alusão ao título das obras
escolhidas; material educativo da Fundação Iberê Camargo17: projetos, pranchas e
postais de Iberê Camargo18, fichas cartonadas de cada um dos projetos, fichas
com material de apoio e algumas imagens (bidimensionais); acervo em DVD do
projeto Arte na Escola19.




             Fig. 10 – O Objeto de Aprendizagem: Caixa de Pandora (um atelier em processo)

17
    A Fundação Iberê Camargo foi criada em 1995, um ano após a morte do artista, com o objetivo
de preservar e divulgar sua obra. Além de aproximar o público deste que é um dos grandes nomes
da arte brasileira no século 20, a instituição procura incentivar a reflexão sobre a produção
contemporânea. http://www.iberecamargo.org.br/site/a-fundacao/default.aspx
18
   Iberê Camargo: artista de rigor e sensibilidade únicos, Iberê Camargo, natural de Restinga Seca-
RS, é um dos grandes nomes da arte brasileira do século 20. Autor de uma obra extensa, que
inclui pinturas, desenhos, guaches e gravuras. http://www.iberecamargo.org.br/site/o-
artista/default.aspx
19
    O Instituto Arte na Escola é uma associação civil sem fins lucrativos que, desde 1989, incentiva
e qualifica o ensino da arte, por meio da formação continuada de professores da Educação Básica.
Tem como premissa que a Arte, enquanto objeto do saber, desenvolve nos alunos habilidades
perceptivas, capacidade reflexiva e incentiva a formação de uma consciência crítica, não se
limitando à auto-expressão e à criatividade. http://artenaescola.org.br/institucional/
Os núcleos centrais, com ênfase na produção artística, no fazer concreto,
estão constituídos de uma maleta com material de pintura a óleo e acrílico -
pinceis, tintas, solventes, um mini-cavalete de pintura, uma tela pequena; material
desenho: lápis de desenho (diversos números), carvão, lápis de cor, pasteis e
mostra de papeis de desenho, além de um boneco articulado de madeira; material
de fotografia: máquina fotográfica digital e analógica, cabos, cartão de memória,
filme fotográfico, folha de contato e pendrive para conexão com computadores.



       No último núcleo, as proposições de trabalho da Caixa de Pandora dispõem
os Projetos Educativos em Artes Visuais, os quais estão articulados também a um
projeto em andamento denominado Projeto Interdisciplinar LER É ARTE20: Sete
Pecados Capitais. Dessa forma, os projetos estão desdobrados em sete micro-
projetos:
       1- Mapa Conceitual – Objeto de Aprendizagem – que busca a construção
de relações significativas em artes visuais;
       2- Corpo e Alma: oficina de desenho e criatividade – cujo objetivo principal
é o desenvolvimento expressivo através do desenho, partindo da exploração de
materiais e técnicas diversas, com ênfase especial na figura humana;
       3- Pintando o Sete – oficina de pintura – em uma proposta que possibilita
aos alunos a pesquisa, a apreciação e a produção da pintura a partir de diferentes
materiais e técnicas em pintura artística (óleo, acrílica, guache);
       4- Fotografia: olhar que olha para dentro e para fora, adaptado a partir do
projeto de Lea Miasato21. O projeto propõe a exploração da linguagem fotográfica
a partir do olhar cotidiano dos alunos sobre o mundo que os cerca;
       5- Arte Postal – estudo e produção de postais a partir da pesquisa sobre a
função política deste tipo de obra artística durante um breve período da história;


20
   Projeto Ler é Arte: projeto cultural, criado pelos professores da EEEB Profº Gentil Viegas
Cardoso, em Alvorada-RS, desde 2004, incentiva o hábito da leitura através de atividades
interdisciplinares e artísticas de literatura, teatro, dança, teatro, música, fotografia etc.
http://projetolerearte.blogspot.com.br/
21
   Lea Misato Professora de Arte. Licenciada em Artes Visuais e Pós-Graduada em Arte Educação.
Atua na Rede Estadual e Municipal de Ensino de São Paulo com turmas de Ensino Fundamental,
Médio, Jovens e Adultos.
6- Atelier de Linguagens Tridimensionais – em que está sendo proposta a
exploração, a pesquisa e a criação de objetos tridimensionais a partir de diferentes
técnicas e materiais;
       7- Retratos Encenados - projeto de recriação de cenas de obras de arte e
da   cultura    visual   em     fotografia,    vídeo,    teatro,    onde     os   alunos   são
motivados/solicitados a representar através de paródias relacionadas às imagens
das obras de arte estudadas. A inspiração e fonte de pesquisa parte dos Video
Portraits22 de Bob Wilson23 e do vídeo da banda Hold Your Horses24.


3. O corpo (o objeto de aprendizagem)


                         Tudo o que vemos na vida corrente sofre mais ou menos a deformação
                         que os hábitos adquiridos provocam, e o fato é talvez mais sensível
                         numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as
                         revistas nos impõem diariamente uma quantidade de imagens já
                         prontas, que são de certo modo, no âmbito da visão, o que é o
                         preconceito no âmbito da inteligência. O esforço necessário para se
                         libertar disso exige uma espécie de coragem; e essa coragem é
                         indispensável ao artista, que deve ver todas as coisas como se as visse
                         pela primeira vez: há que ver toda a vida como quando se era criança; e
                         a perda dessa possibilidade impede-vos de vos exprimir de maneira
                         original, isto é, pessoal. (MATISSE, 2007, p.370)


       Ver as coisas que nos cercam como se fôssemos crianças, com um olhar
liberto dos pré-conceitos, das convenções, das limitações impostas pela cultura e
pela sociedade, valorizando as sensações e percepções mais subjetivas é um dos
desafios a que me proponho ao apresentar a Caixa de Pandora como objeto de

22
   http://www.youtube.com/watch?v=0fz-BuCY7Fk
23
   Robert Wilson (Waco, Texas, 1941) também conhecido por Bob Wilson, é um encenador,
coreógrafo, escultor, pintor e dramaturgo norte-americano. Suas peças são conhecidas
mundialmente como experiências inovadoras e de vanguarda. É conhecido por seus vários
trabalhos em colaboração com Philip Glass como "Einstein on the Beach". Realizou montagens
dos trabalhos dos poetas e músicos Allen Ginsberg, Tom Waits, Willima S. Borroughs, Lou Reed e
David Byrne, assim como com o dramaturgo alemão Heiner Müller.
http://robertwilson.com/about/biography
24
   Banda de músicos franco-americanos que produziram uma paródia que mistura artes visuais e
música de forma muito criativa. http://www.youtube.com/watch?v=erbd9cZpxps
aprendizagem em artes visuais. Resgato a ideia de Matisse que enriquece essa
reflexão, e nos coloca diante da beleza e da surpresa que só os olhos de uma
criança podem nos trazer.


      O Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora foi concebido como uma
pequena caixa, que encerra em seu interior múltiplas possibilidades de utilização
para o desenvolvimento das aulas de Artes Visuais. Interna e externamente a ideia
é aguçar os sentidos dos alunos para a percepção da importância da leitura da
palavra, falada e escrita, e da imagem para o conhecimento do mundo da arte.
Correndo o risco de ser utópica penso que a Caixa de Pandora pode provocar nos
estudantes um exercício de pensamento através do pensar, fruir e produzir arte.
Talvez esta utopia esteja conectada com o sentido positivo do dom da esperança,
único que restou na caixa de pandora, conforme o mito que, de certa forma,
conforma o objeto Caixa de Pandora.


      Devido a sua construção que privilegia a transformação, a Caixa de
Pandora pode ser adaptada em seu conteúdo e utilização às diferentes situações
de aprendizagem, dentro e fora da escola, desde que, nos projetos, fichas,
materiais de apoio sejam realizados os necessários ajustes.


      A parte externa da Caixa de Pandora foi pensada para suscitar a
“curiosidade” de quem se aproxime da mesma, tal qual a caixa presente no mito.
A Caixa de Pandora, por fora, tem o formato que lembra um livro. Na capa desse
livro objeto, o destaque fica por conta de uma pintura de uma figura feminina de
uma mulher alada, que poderia ser vista como a própria Pandora - aquela que
possui todos os dons - ou quem sabe Lilith – representação simbólica e pictórica
do arquétipo feminino - ou ainda Nikè - deusa grega que simboliza a vitória, pois
estas outras imagens do feminino enfatizam a liberdade que estaria presente na
representação das asas. Penso que esta “indefinição” e ambiguidade construída
sirvam mais aos propósitos de um projeto em Artes Visuais que se pretende
provocador e aberto às muitas possibilidades de leitura, que sirva de contraponto
aos paradigmas culturais vigentes na sociedade de consumo atual. Importa mais
que essa imagem faça pensar em Arte, Mitologia, História, Cultura Visual,
Sociedade e Educação do que dar respostas prontas, muitas vezes contestadas e
de difícil compreensão, tanto para alunos como para professores.


       Por dentro, a Caixa de Pandora está estruturada em módulos que se
articulam como um biombo que se abre e fecha deslizando sobre as diferentes
superfícies (mesa, balcão, piso, etc.). Cada módulo, em separado, é composto por
diversos nichos, ou compartimentos “secretos”, que se abrem revelando os
materiais referentes ao Atelier de Artes Visuais.


       Os símbolos presentes no Objeto de Aprendizagem são muitos, entre eles
destaco os paradoxos presentes: feminino-masculino, sagrado-profano, luz-
escuridão. As possibilidades de leitura, embora múltiplas, dependem da situação
de aprendizagem enfocada no momento da utilização da Caixa de Pandora, sendo
que poderá se dar plenamente ao construirmos um conhecimento significativo,
conforme nos lembra Barreto25:


                          construir significados é relacionar, apropriar, ressignificar, ou seja, é o
                          próprio processo, que, por outro lado pode ser visto também através da
                          forma de se construir estes significados – podendo ser enfocado de uma
                          forma mais subjetiva, em um caráter mais emocional, ou em uma forma
                          mais objetiva, em um caráter mais racional (sendo que, em ambos, está
                          presente o intelecto e a intuição, ou, a própria razão e a emoção) como
                          uma construção de conhecimento, tal como está colocado na
                          aprendizagem significativa. (informação verbal - 2013, durante a
                          orientação do trabalho de conclusão de curso de Artes Visuais)


       Essa é apenas uma das possíveis Caixas de Pandora, fruto de inúmeras
idas e vindas, de leituras infindáveis, de questionamentos sobre o estudo, a

25
   Umbelina Maria Duarte Barreto (1954 -): artista plástica, professora e pesquisadora do Instituto
de artes da UFRGS, Atualmente é Coordenadora do Curso de Artes Visuais modalidade presencial
e à distância na UFRGS.
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4755500P2
pesquisa e a prática em artes visuais que emergiram durante o curso de formação,
mas, que acredito que sempre estiveram em estado embrionário, adormecidas em
meu ser, e que despertaram para não mais me deixar sossegada.


4. A alma


                         Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há
                         diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os
                         sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem
                         das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte,
                         constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações
                                               26
                         extremas… (SALGADO)


        Como Sebastião Salgado, que nos insere a todos em uma única raça
humana, penso que o ser humano deva ser o centro de interesse de qualquer
projeto, e o projeto de aprendizagem que foi pensado para a Caixa de Pandora
não foge a regra: seres humanos querendo aprender, querendo sobreviver,
querendo ser felizes. Não importa a origem, a crença, a língua, a cor. Essa é a
alma da Caixa de Pandora: o ser humano aprendente e feliz. O ser humano que
pensa, que sofre, que aprende, que se transforma e se transformando, transforma
o mundo em que vive.


        Partindo do pressuposto que toda aprendizagem deva tentar estabelecer
um processo de inferências entre os conhecimentos que se possui e os novos
conhecimentos a serem construídos, as possibilidades de utilização do Objeto de
Aprendizagem Caixa de Pandora são múltiplas e os objetivos principais são o
desenvolvimento estético e gráfico-plástico dos alunos através da experiência
concreta de aprendizagem. Dessa maneira, cada uma das obras escolhidas para
compor o objeto de aprendizagem Caixa de Pandora, com suas especificidades -
pintura modernista, escultura renascentista, fotografia contemporânea - possibilita


26
   Sebastião Ribeiro Salgado Júnior. Nascido em Minas Gerais em 1944, é um dos mais
respeitados fotojornalistas da atualidade.

http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia
&cd_verbete=3293&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1
a abordagem dos conhecimentos da arte a partir de pelo menos um fio condutor,
contido na imagem através da representação do ser humano no tempo, pois as
obras apresentam distintas formas de representação da figura humana.          Para
tanto, é necessário apresentar as obras de arte contextualizadas, como produto
cultural e histórico, situadas em tempos e locais diferentes, com formas e
conteúdos distintos, possibilitando uma maior compreensão das diferentes
linguagens e códigos utilizados pelos artistas.


       Michelangelo Buonoratti, com a obra Pietá, escultura renascentista
realizada em 1448, nos possibilita a abordagem histórica e artística de um dos
períodos que considero mais importantes para a História da Arte: o Renascimento,
ponto de grandes transformações no mundo e na arte. Explorar a linguagem
tridimensional e seus elementos constitutivos, tais como forma, volume, superfície,
equilíbrio, escala, dimensão, material, tantas vezes deixada de lado nas escolas,
por falta de espaço, materiais específicos ou até mesmo interesse, pode contribuir
para o desenvolvimento estético e plástico dos alunos.


       Em Retirantes, obra de Cândido Portinari (1944), nós podemos investigar
os elementos constitutivos da arte modernista, partindo do estudo da pintura,
observar os traços expressionistas, as figuras esquematizadas, as linhas
vigorosas e o uso de uma paleta de cores escurecidas; a dramaticidade da
representação de um universo singular: vida-morte, memória-criação, sagrado-
profano, arte-história.


       Em Marcados, obra de Claudia Andújar (1981-1983), podemos pensar
sobre a fotografia na arte contemporânea como uma linguagem artística e não
como meio de reprodução do real; e, no quanto essas imagens podem perturbar,
provocar ou incitar, no enquadramento utilizado, na forma escolhida pela artista
para compor suas imagens, na escolha do preto e branco, na questão temática,
para além do óbvio, a partir de uma população específica. Além disso, também
podemos desenvolver uma pesquisa sobre a história da fotografia, do registro
histórico e documental, da fotografia experimental, chegando até as pesquisas
mais recentes da fotografia contemporânea.


      As relações político-sociais presentes tanto na tela Retirantes de Candido
Portinari (1944), quanto na fotografia da série Marcados de Claudia Andujar (1981-
1983) apresentam um engajamento desses artistas com seu próprio tempo, que
remete ao mundo atual e no papel que a arte pode desempenhar ao tratar dessa
temática. Penso muito especificamente no ir e vir de jovens alunos trabalhadores,
que desde muito cedo cumprem jornada diária de estudo-trabalho e mesmo assim
ainda alimentam uma esperança e fé inabalável em um mundo melhor.


      Dentro dessas relações, remeto ainda a outro grande fotógrafo brasileiro,
Sebastião Salgado (1944), que ao produzir suas fotos também aborda esse
paradoxo relacionado à esperança, que é importante ressaltar também como
constitutivo do mito enfocado:


                      Algumas pessoas sabem para aonde estão indo, confiantes de que as
                      espera uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas
                      por estarem vivas. (SALGADO, 2000)


      Através dessa seleção de imagens - inicialmente pensada para estudantes
do 1º ano do Ensino Médio, de uma escola pública na região metropolitana de
Porto Alegre – e que pode ser adaptada para outros contextos e públicos – pensei
na elaboração de um trabalho de percepção, sensibilização, cognição e reflexão a
partir das obras e dos diferentes contextos históricos, culturais e artísticos (século
XV, início e final do século XX), tendo como fio condutor a representação do ser
humano, que leve em conta os diferentes períodos da História da arte – do
Renascimento ao Contemporâneo, envolvendo a Arte Renascentista, Moderna e
Contemporânea; Arte Brasileira e Arte Universal – as diferentes linguagens,
técnicas, materiais e contextos de produção das mesmas.


      A articulação interdisciplinar, tão necessária na escola atual, está sendo
proposta através da História (linha do tempo; influência da Igreja e do Estado na
Arte, Política e Arte, os Mecenas das Artes); da Sociologia (Movimentos Sociais,
Urbanização, Migrações, Povos Indígenas, Imigrantes); da Literatura (Movimentos
literários correspondentes aos períodos); do Ensino Religioso (a mudança de
paradigmas da antiguidade para o Renascimento, o novo papel do Homem); da
Geografia (política, social, espacial; as migrações dos povos, os grandes centros
urbanos); da Língua Portuguesa (influências do tupi-guarani, do italiano e do grego
na língua portuguesa); da Língua Estrangeira (o Latim e o grego na constituição
de diversas línguas); da Biologia (teorias genéticas e ambientais); da Química
(processo de produção de tintas e emulsões fotográficas), da Educação Física (o
corpo, o movimento). Mas, dentro da proposta cabe destacar que a disciplina de
Artes Visuais, além de catalisadora de todo o projeto interdisciplinar é a
responsável pela concepção, fomento, desenvolvimento e execução de todas as
atividades, ultrapassando o trabalho necessário nestas disciplinas.


      Devo lembrar a importância de que os alunos tenham acesso a
experiências artístico-estéticas através de atividades culturais fora dos muros das
escolas, seja em museus, instituições ou fundações culturais, pois conforme
Anamelia Buoro (2002) a apreciação de uma obra de arte original se equivale à
própria produção de objetos como um fazer concreto.


                     Olhar as obras de arte significativamente implicou dar-lhes visibilidade,
                     tendo sido tão importante quanto produzir objetos; ao deixarem o museu,
                     as próprias crianças perceberam que a produção da leitura também se
                     constituía num fazer concreto. Elas já não eram mais as mesmas que
                     haviam entrado no recinto. (BUORO, 2002, p.44)


      Dessa forma, como atividades extramuros a inclusão da visitação a
algumas instituições artísticas e culturais é essencial no ensino de artes visuais. O
Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), o Museu de Arte
Contemporânea (MAC), a Casa de Cultura Mario Quintana, a Fundação Iberê
Camargo, a Fundação Vera Chaves Barcellos - são instituições artístico-culturais
de Porto Alegre que realizam diversas exposições, com uma amplitude que
envolve desde o paradigma acadêmico até o contemporâneo, que enriquecem o
repertório   visual   dos   alunos,   possibilitando      experiências       concretas      de
aprendizagem, com a apreciação in loco de obras de diversos períodos, estilos e
orientações estéticas.


CONCLUSÃO

                                                                                    Esperança
                                                                                Mário Quintana

                                            Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano
                                                          Vive uma louca chamada Esperança
                                                     E ela pensa que quando todas as sirenas
                                                                              Todas as buzinas
                                                                 Todos os reco-recos tocarem
                                                                                        Atira-se
                                                                                               E
                                                                             — ó delicioso vôo!
                                  Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada,
                                                                           Outra vez criança...
                                                             E em torno dela indagará o povo:
                                         — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes?
                                                                                 E ela lhes dirá
                                                           (É preciso dizer-lhes tudo de novo!)
                                     Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam:
                                                          — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...

                                                                           (QUINTANA, 1998)


      Tal como a metáfora poética de Quintana, a experiência estética e artística
vive da esperança presente na mudança, na transformação do mundo, mesmo
que esta mudança, a princípio seja iniciada apenas como um voo de intenções a
cada passagem de ano.


      Este voo de intenções também está presente na experiência estética e
artística envolvendo a criação proporcionada a partir do Objeto de Aprendizagem
Caixa de Pandora, com o desenvolvimento de seus projetos, a prática em
diferentes linguagens artísticas, a leitura de imagens, a interpretação do mundo
contemporâneo a partir das relações entre arte e educação, a possibilidade de
ensinar e aprender arte através da experiência em arte e da arte, a reflexão sobre
como o humano produz, pensa e contextualiza arte são requisitos indispensáveis
para pensar e fazer arte.
Nesse ir e vir do pensamento, da criação, da pesquisa, da escuta do outro e
do prazer em fazer arte, aprender em conjunto, duvidando das certezas, tentando
entender      esse     mundo       em     que     vivemos       muitas      vezes     tão       caótico   e
incompreensível,         como       uma      possibilidade       de     transgressão        -    segundo
HERNANDÈZ (2000) - de mudança de paradigmas, de “des-automatização”, de
“des-rotinização” de nossas práticas escolares, de ver as coisas com outros olhos,
ou pelo menos, a partir de outros pontos de vista, de forma mais poética27, penso
que a arte cumpre um papel muito importante, se não de transformar o mundo,
pelo menos de humanizar um pouco nosso planeta e tornar os corações e mentes
mais sensíveis.


        Impossível falar em Arte sem pensar em estesia28. Lembro-me das palavras
da professora Umbelina Barreto, logo no início do curso, tentando fazer com que
víssemos além do visível, que percebêssemos todo encanto por trás da aspereza
da vida. E eu, tola, sempre privilegiando mais a razão do que a emoção, cheia de
certezas, achando que toda aquela conversa nunca me afetaria, que minha visão
de mundo, real, concreto, cheio de dureza e injustiças, nunca seria afetada da
forma poética como a professora tentava nos seduzir, encantada. Dizia ela, que
deveríamos sim ter um pé na realidade, mas que nem por isso, deveríamos deixar
de sonhar e de possibilitar que nossos alunos também pudessem sonhar e criar
de forma mais prazerosa. Que pudéssemos ver com todos os sentidos, aguçados,
atentos, sensíveis ao que o mundo oferece para quem está disposto a enxergar.


        Penso que essa seja uma das funções da arte, pois se não tem o poder de
transformar completamente o mundo e acabar com todo sofrimento, ao menos ela

27
   Poética aqui utilizada com o sentido de poiética, construção artística, segundo Heiddeger: “um modo de
desvelamento”, que dá lugar a “uma produção a medida que algo de oculto se presentifica no não oculto” (...)
“o conhecimento no seu sentido mais amplo... o fato de poder se reencontrar em alguma coisa e ai se
reconhecer” (VETTORAZZO, 2009)
28
   Estesia: do grego aesthesis – experiência que nos vem pelos sentidos. Aisthēsis compreende a
percepção geral com todos os sentidos.
 http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=80
pode amenizar o mal do mundo, tornando nossos corações mais sensíveis e
humanos. Creio que essa seja também a mensagem da Caixa de Pandora: que
mesmo com todo o mal, com todo o sofrimento infringido aos seres humanos,
ainda guardamos dentro de nossos corações a esperança, e é ela que nos move
que nos faz querer ser, e, a cada vez, seres humanos melhores.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:


ALBANO, Ana Angélica. O atelier de arte e a caixa de Pandora. I Seminário
Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico-Culturais. 05 a 07 de Setembro
de 2005. Disponível em
http://www.gedest.unesc.net/seilacs/pandora_anaangelica.pdf
BENTO, Antônio. Portinari, Rio de Janeiro: Léo Cristiano Editorial Ltda, 2003.
BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: (a idade da fábula): histórias
de deuses e heróis/ Tradução de David Jardim Júnior – 25ª ed. – Rio de Janeiro,
2001.
BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da
arte. São Paulo: Cortez, p. 44, 2002.
CAEIRO. Alberto. O Guardador de Rebanhos - Poema XXIV. Heterônimo de
Fernando Pessoa. Disponível em
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000001.pdf
COLLARD, Susan. Disponível em
http://susancollard.com/section/74265_Book_Arts.html
Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em
http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm acesso em
19/05/2012.
HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projetos de
trabalho/ Fernando Hernández; tradução Jussara Haubert Rodrigues. - Porto
Alegre: Artmed, 2000.
QUINTANA, Mario. "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998,
pág. 118.
MARTINS, Miriam Celeste. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo.
São Paulo: FTD. 2009.
MATISSE, Henri. Escritos e Reflexões sobre a Arte. Ed. Cosac Naify. 2007.
Disponível em
http://books.google.com.br/books?id=lXOiTT7xCucC&printsec=frontcover&hl=pt-
BR#v=onepage&q&f=false Acesso em 25/01/2013.

PESSOA, Fernando. Obra Poética: volume único/ Fernando Pessoa; organização
e notas de Maria Aliete Galhoz. – 3.ed., 22.impr.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2007)

SALGADO. Sebastião. Êxodos. 2000.
Disponível      em      http://elfikurten.blogspot.com.br/2011/03/o-olhar-sensivel-de-
sebastiao-salgado.html
SANTOS, Márcia R.P. Folheando Espaços ao Redor: experiência, tatilidade,
espaço e tempo em livros de artista. In: Encontro Nacional da Associação
Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, p.17., 2008, Florianópolis.
Panorama da Pesquisa em Artes Visuais. Florianópolis, 2008. p. 1875-1887.
SILVA, Lucília Lopes. 2009. Disponível em
http://recantodasletras.uol.com.br/autores/luciliasilva
SILVEIRA. Paulo A. A página Violada: da ternura à injúria na construção do livro
do artista. Porto Alegre. Ed. Universidade. UFRGS, 2001.
Vídeo Morte e Vida Severina. Disponível em
http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=715:m
orte-vida-severina&catid=105:outras-publicacoes
VETORAZZO Filho, Homero. A escuta da Linguagem como “ato poiético”. Ciência
e Cultura. 2009, vol. 61, no. 2, p.45-47.
Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v61n2/a16v61n2.pdf

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artigo_CAIXA DE PANDORA_soniamarisrittmann_08_final

  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM ARTES VISUAIS modalidade à distância Sônia Maris Rittmann CAIXA DE PANDORA: DA NARRATIVA TEXTUAL À NARRATIVA VISUAL Porto Alegre 2012
  • 2. CAIXA DE PANDORA: DA NARRATIVA TEXTUAL À NARRATIVA VISUAL Sônia Maris Rittmann1 RESUMO O artigo resgata parte da memória poética de uma contadora de histórias, em que a linguagem presente nas narrativas era, inicialmente, somente as palavras. No texto é enfocada a transformação ocorrida durante o curso de formação em Artes Visuais, no Curso de Licenciatura em Artes Visuais modalidade à distância da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a imagem ganha lugar de destaque e passa a ser a principal linguagem utilizada para que essas histórias se transformem em ferramenta indispensável para o ensino e aprendizagem de arte. O livro-objeto Caixa de Pandora é abordado na sequência ao ser colocado como um símbolo dessa transformação em função das escolhas realizadas. São focalizadas as narrativas visuais ao lado das narrativas verbais, evidenciando e articulando a relação entre a imagem e a palavra, vista como uma apropriação essencial ao professor de artes visuais, em que a Caixa de Pandora passa a ser apresentada como um objeto de aprendizagem fundamental nesse processo. Palavras chave: Objeto de aprendizagem. Narrativa visual. Linguagem. Palavra. Imagem. Livro-objeto. 1 A memória Os Meus Pensamentos são Todos Sensações Sou um guardador de rebanhos. O rebanho é os meus pensamentos E os meus pensamentos são todos sensações. Penso com os olhos e com os ouvidos E com as mãos e os pés E com o nariz e a boca. Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la E comer um fruto é saber-lhe o sentido. Por isso quando num dia de calor Me sinto triste de gozá-lo tanto. E me deito ao comprido na erva, E fecho os olhos quentes, Sinto todo o meu corpo deitado na realidade, Sei a verdade e sou feliz. 1 Professora de Língua e Literatura, formada em 1989 e estudante de Artes Visuais, formanda em Artes Visuais no Curso de Licenciatura em Artes Visuais modalidade à distância da UFRGS, dentro do convênio REGESD-UFRGS, em 2013/02.
  • 3. Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema IX" 2 Heterónimo de Fernando Pessoa (PESSOA, 2007, p.212) “Eu sou uma contadora de histórias”. Ao ouvir essa frase, proferida por Chimamanda Adichie3, sou transportada para minha própria história, como ouvinte e contadora de histórias, que mistura pensamentos e sensações, razão e emoção, tal qual o poeta português Alberto Caeiro (2007), um dos heterônimos de Fernando Pessoa. O ano se perde na poeira do tempo, mas a imagem ainda é nítida na memória: minha mãe lendo enquanto me preparava para dormir. Ver e ouvir. Outro tempo e espaço, porém a mesma relação de amor incondicional com o mundo da palavra – escrita ou falada - e da imagem, da fabulação, dos contos de fada, das narrativas de viagens, das lendas mitológicas, dos universos inventados, em que, por conta da imaginação, as primeiras conexões/ manifestações começam a se formar, configurando quem somos e nossa relação com o mundo e as pessoas que nos cercam. Hoje eu sei que fui uma criança privilegiada. Minha infância foi povoada de histórias. Meu pai tinha uma pequena biblioteca, espaço sagrado de sonho e magia, em que ficavam guardados aqueles objetos mágicos - os livros - e que nos transportavam para diferentes mundos todas as noites. Não lembro quando comecei a decifrar aquelas pequenas letras pretas impressas na folha branca, mas, lembro que, antes mesmo de juntá-las com algum sentido, já manuseava aqueles volumes enormes e as suas páginas em busca de alguma pista que me levasse ao seu conteúdo. Lembro que subia em uma escada com um livro na mão e “fingia” ler, inventando histórias para meus irmãos menores. Lembro-me dos 2 Fernando Pessoa (1888 - 1935) - poeta e escritor português, nascido em Lisboa. É considerado um dos maiores poetas da língua portuguesa e da literatura universal. 3 Chimamanda Ngozi Adichie - escritora nigeriana (1977-). Nasceu em Abba, no estado de Anambra, mas cresceu na cidade universitária de Nsukka, no sudeste da Nigéria. A romancista, na atualidade, tem seus livros editados em países de língua inglesa e nos adverte sobre o perigo de ouvirmos uma história única sobre outra pessoa ou país. Disponível em http://www.ted.com/talks/lang/pt/chimamanda_adichie_the_danger_of_a_single_story.html
  • 4. olhos deles brilhando enquanto eu ia recriando pedaços de histórias, ouvidas e repassadas, nem sempre fieis aos originais, mas que maravilhavam meus ouvintes. Virava as páginas do livro enquanto “lia” as histórias e o fascínio só aumentava. Aos poucos criei meu próprio método de contar histórias: com um lápis na mão ia traçando caminhos entre as palavras, formando labirintos nas páginas dos livros me apropriava fisicamente do livro, da história que ia inventando. Fig. 01 – Mapas imaginários nas páginas da infância: Interferência no livro As aventuras de Tibicuera, de Erico Veríssimo, Editora Globo, 1963 A maioria dos livros não tinha imagens. Os poucos que tinham imagens eram os mais manuseados, gastos de tanto uso. Muitas dessas imagens poderiam ser aterrorizantes para a maioria das pessoas, eu ficava encantada. As imagens em preto e branco despertavam ainda mais minha curiosidade e imaginação. Desenhos e fotografias se misturavam às letras que eu desconhecia. As histórias contadas pela minha mãe e as incursões pelos livros e enciclopédias fizeram com que eu lesse as imagens com a mesma curiosidade e fascínio que inventava narrativas fantásticas. Creio que a leitura de textos e de imagens despertou meu lado mais inventivo e criador. Herdei o gosto pelos livros de meu pai e o gosto de contar histórias da minha mãe.
  • 5. Fig. 02 – Alguns livros do acervo de meu pai que encantaram minha infância Hoje, penso que minha opção pelas artes, literatura e artes visuais, tenha uma forte influência dessas vivências com o mundo do encantamento das palavras e das imagens, das histórias ouvidas, lidas, apreciadas, imaginadas e inventadas. 2. As linguagens O essencial é saber ver O que nós vemos das cousas são cousas. Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra? Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos Se ver e ouvir são ver e ouvir? O essencial é saber ver, Saber ver sem estar a pensar, Saber ver quando se vê, E nem pensar quando se vê Nem quando se pensa. Mais isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!), Isso exige um estudo profundo, Uma aprendizagem de desaprender (...) Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos – Poema XXIV" Heterônimo de Fernando Pessoa (PESSOA, 2007, p.217-218)
  • 6. Hoje, sou professora de Língua e Literatura e estudante de Artes Visuais e trabalho com estudantes, economicamente carentes, da região metropolitana da Grande Porto Alegre, que são muito capazes quando envolvidos, acolhidos e motivados por alguma proposta capaz de valorizar seus diferentes saberes e possibilitar uma ampliação de seu universo cultural e social. Talvez, como a aprendizagem de desaprender de Alberto Caeiro (2007), eu tenha retornado aos caminhos que me trouxeram até aqui e, na tentativa de rever os percursos, selecionar aqueles que me fizeram ver e pensar na criação de um Objeto de Aprendizagem em Artes Visuais. Criar um objeto único, que pudesse dar conta da diversidade de linguagens propostas a partir de um eixo articulador que enfatiza um Atelier de Artes Visuais – abordando, prioritariamente, as linguagens artísticas da pintura, escultura e fotografia, e tendo por base três pranchas de imagens de obras4, conforme as figuras 03, 04 e 05 que são referenciais da arte latino-americana e européia – Candido Portinari5, Retirantes, Óleo s/ tela, 176 x 190cm, 1944; Claudia Andújar6, Série Marcados, fotografia (políptico), 1981-1983; Michelangelo Buanarotti7, Pietá, escultura em mármore, 1448; – em um conjunto de sete projetos educativos em artes visuais desenvolvidos com foco no ensino médio, pareceu-me, em um 4 As pranchas são elaboradas a partir das imagens e contextualizações das seguintes obras de arte: Retirantes, de Candido Portinari, arte modernista brasileira, Marcados, de Claudia Andujar, arte contemporânea e Pietá de Michelangelo, arte renascentista. 5 Candido Portinari (Brodósqui SP 1903 - Rio de Janeiro RJ 1962). Pintor, gravador, ilustrador e professor, Portinari é um dos maiores nomes da pintura brasileira, alcançando fama internacional pela qualidade e pela temática social de sua obra. Sempre preocupado em caracterizar o tipo brasileiro, retratou a vida rural brasileira, a tragédia das migrações nordestinas e o trabalho duro nos portos. http://www.mercadoarte.com.br/artigos/artistas/candido-portinari/candido-portinari-vida- obras-biografia-exposicao-galeria/ 6 Claudia Andujar (Neuchâtel, Suíça 1931). Fotógrafa. As tradições e o modo de vida dos yanomamis são o tema central de sua obra. Com bolsas de estudos brasileiras e internacionais, passou períodos extensos na companhia desses índios, realizando ensaios fotográficos que constituem, por si, um capítulo na história da fotografia brasileira. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia &cd_verbete=875&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1 7 Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni (1475 - 1564) Considerado um doa maiores criadores da história da arte do ocidente, foi pintor, escultor, poeta e arquiteto italiano. Sua carreira se desenvolveu na transição do Renascimento para o Maneirismo, e seu estilo sintetizou influências da arte da antiguidade Clássica, do primeiro Renascimento, dos ideais do Humanismo e do Neoplatonismo. http://pt.wikipedia.org/wiki/Michelangelo
  • 7. primeiro momento, uma tarefa, se não impossível, bastante difícil devido a sua abrangência e complexidade. Difícil, porém não impossível. 8 Fig. 03 - Cândido Portinari, Retirantes, pintura a óleo sobre tela,190cm X 180cm, 1944. 9 Fig. 04 - Claudia Andújar, Série Marcados, fotografia (políptico), 1981-1983. 8 https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/gSovthwWJV/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf /SONIA%20MARIS%20RITTMANN.pdf 9 https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/9XdbePYbPT/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf /NEUSA%20LORENI%20VINHAS.pdf
  • 8. 10 Fig. 05 - Michelangelo Buanarotti, Pietá, escultura em mármore, 1448. Falar em linguagens é também lembrar que o homem é um ser simbólico, e como tal, capaz de criar símbolos, que têm a função de ordenar e interpretar o mundo em que vive. Usar a linguagem, verbal e não-verbal, para nos expressarmos sobre o que pensamos e sentimos em relação a nós mesmos, ao outro e ao mundo em que vivemos, dá-se em uma tentativa de re-ordenar a dimensão do mundo a nossa volta. Dito de outra forma é através da linguagem que se interage com o outro, consigo mesmo e com o mundo. Miriam Celeste Martins (2009) afirma a penetração na realidade através da mediação não somente da linguagem, mas de linguagens: (...) nossa penetração na realidade, portanto, é sempre mediada por linguagens, por sistemas simbólicos. O mundo, por sua vez, tem o significado que construímos para ele. Uma construção que se realiza pela representação de objetos, ideias e conceitos que, por meio dos diferentes sistemas simbólicos, diferentes linguagens, a nossa consciência produz. (MARTINS, 2009, p.32-33) 10 https://www.dropbox.com/sh/ii5z5e96o3w8qzf/jRMdfDZHzF/seminario_7/Pranchas%20em%20pdf /Maristela%20Lain%20Cesar.pdf
  • 9. A arte é criação das linguagens – visual, musical, cinema, dança, poesia – as quais se articulam, se conectam e dão corpo ao que o homem pretende dizer. Lembremos que o homem utiliza as linguagens11 desde os remotos tempos das cavernas, manifestando seus medos, desejos, sonhos e ideias. A partir dessas reflexões surgiu a ideia de criar um Objeto de Aprendizagem que levasse em conta parte dessa história que move o homem desde os tempos mais remotos até os dias de hoje, com uma carga simbólica que remetesse tanto ao ser humano, nas figuras do homem e da mulher – quanto às crenças e medos que nos acompanham desde sempre. Foi a partir dessa lógica que o Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora foi criado, e que, além da vontade de abordar o mito do conhecimento, sendo este um objeto de desejo e estudo de toda uma vida, ainda traz, em suas várias versões, as ideias de paradoxo, incompletude, precariedade da vida e da arte. Fig. 06 - Pandora - Chauncey Bradley Ives (1812-1894), EUA, 12 Estátua de mármore - 147,3 X 43,2 X 42,5 cm, 1871, Brooklyn Museum. 11 A linguagem humana – “sistema de representação arbitrário, de significados coletivos e compartilháveis, variáveis ao longo do tempo de acordo com mudanças culturais, sociais e históricas de cada povo ou nação” - é considerada o mais complexo sistema de signos e através dela podemos representar não apenas o mundo vivido mas o imaginado. “(...) Sem a linguagem – considerada em sentido amplo, seja ela escrita, verbal ou de qualquer outro ramo semiótico – impossíveis se tornariam a unidade, a continuidade e a evolução social; trata-se pois de um dado constitutivo das sociedades humanas.” (SILVA, 2009) 12 http://www.brooklynmuseum.org/opencollection/objects/217/Pandora/set/a2c4b37977ce58745016 ff0071ec8ea3?referring-q=pandora
  • 10. Pandora, representada por Chauncey Bradley Ives na fig. 0613, a que possui todos os dons, proveniente da mitologia Grega14, possui várias versões, uma das mais difundidas, e, particularmente, a que mais gosto, narra o mito afirmando ser Pandora uma divindade doadora de talentos divinos e, simultaneamente, de todos os males da humanidade. Pandora foi criada pelos deuses do Olimpo, recebendo de cada um deles um “dom” específico: Hefesto, Deus da Arte, criou-a como uma estátua parecida com as deusas, de Afrodite recebeu a beleza, de Atenas, a sabedoria e a habilidade em todos os terrenos, de Hermes, a palavra fácil e a engenhosidade. Por ordem de Zeus, numa trama que envolve uma vingança contra a humanidade, por esta ter recebido de Prometeu o segredo do fogo, Pandora foi enviada a Terra para seduzir Prometeu, recebendo uma “caixa” que não deveria ser aberta. Abriu e com essa atitude – que muitos atribuem a um símbolo de curiosidade feminina - espalhou todo o sofrimento sobre a humanidade. Ao perceber o que acontecia Pandora fechou a caixa, deixando dentro dela a Esperança. Pandora, possuidora de todos os dons aliada à esperança faz pensar em surpresa, em inovação, em mudança, em transformação, em capacidade de sonhar com o diferente, com o inusitado, com a arte. Como professora, eu parto do pressuposto que seres humanos motivados estão mais propensos para a aprendizagem, e que toda aprendizagem deva tentar estabelecer um processo de inferências entre os conhecimentos que se possui e os novos conhecimentos a serem construídos. Ao apresentar uma lenda, com sua narrativa e a exploração dos símbolos presentes na mesma, pode-se dar início a toda uma conversa sobre Arte, Humanidade, Narração, Mito, História, despertando dessa forma o interesse dos alunos para as artes visuais. O mito serve como ponto de partida para uma viagem pela história, cultura, costumes, crenças, 13 Dentre as inúmeras obras de arte que reproduzem a imagem de Pandora, a escolha para ilustrar o artigo foi mais emocional do que racional. A escultura de Chauncey Bradley Ives, a meu ver, além de representar um clássico revisitado, representa alguns dos paradoxos presentes no texto: sagrado e profano, humano e divino, razão e emoção. 14 Pandora e Prometeu, disponível no Livro de Ouro da Mitologia (BULFINCH, 2001, p.19-26)
  • 11. sociedade e humanidade. O ponto de chegada, diferente para cada individuo que se aproxima da caixa, passa pela ideia de atelier como espaço de escolhas, como tão bem nos relata Ana Angélica Albano Associo o atelier à caixa tão temida, que abriga a imaginação. Um lugar onde todas as possibilidades estão presentes e, portanto, onde o caos pode imperar. No atelier, ideias e materiais estão à espera de uma forma. Dar forma ao desconhecido é função da arte. A imaginação sem controle é assustadora e, talvez, seja esta uma leitura possível dos monstros libertos pela mão de Pandora. Porém, é preciso lembrar que a Esperança, que ficou presa no fundo da caixa pode guiar a imaginação, com cuidado, para a construção de uma nova ordem, quando a curiosidade será, então, premiada. Criar é dar forma ao caos e para criar é preciso poder fazer escolhas. A escolha é o limite que cria a forma. Só aprendemos a escolher o próprio caminho, quando temos liberdade de opção. O atelier compreendido, assim, como lugar de escolhas, refúgio de esperança. (ALBANO, 2005) Dentro dessa perspectiva, o Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora - com a proposta de apresentar obras de arte contextualizadas, como produto cultural e histórico, situadas em tempos e locais diferentes, com formas e conteúdos distintos, através da leitura de imagens, da exploração e criação de mapas conceituais ou do desenvolvimento dos projetos - possibilita uma maior compreensão das diferentes linguagens e códigos utilizados pelos artistas. Explorando e apreendendo esses códigos, imagina-se que os alunos serão capazes de, além criar seus próprios trabalhos artísticos, relacionando-os ao mundo em que vivem, as suas concepções de vida, expressando-se através das diferentes linguagens com as quais tiveram contato no atelier de Artes Visuais, ainda refletir sobre o papel da arte para a humanidade e relacionar esses aprendizados com sua própria história de vida. Para esse aprendizado, dentro da Caixa de Pandora, foram disponibilizados diversos materiais e projetos - pensados e criados ao longo do curso de formação em Artes Visuais e ressignificados através da prática pedagógica, da pesquisa reflexiva e da relação estabelecida com o Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora - que servem de suporte para a prática e a reflexão em Artes Visuais.
  • 12. O Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora partiu de uma pesquisa sobre os livros de artista e livros objetos, entendendo que o livro-objeto ”não precisa ser um livro, bastando ser a ele referente, mesmo que remotamente” (SILVEIRA, 2001, p. 25). Anne Moeglin-Delcroix15 em entrevista concedida a Paulo Silveira também nos fala sobre o sentido do livro como obra O livro é uma obra no sentido pleno do termo, ou seja, é concebido de tal maneira que todos os aspectos do livro participam da significação. O livro não é ai um simples continente ou suporte para uma mensagem que seria independente dele (...) (SILVEIRA, 2001, p. 287) Desta forma o livro-objeto, teria sua função ressignificada a partir de um de um processo de abstração, transformando-se em uma linguagem artística. Nessa pesquisa houve ainda a apreciação de inúmeros livros de artistas e livros-objetos. Fig. 07 - Susan Collard, Tripytch for Michael, 2004. 15 Professora da Sorbone de Paris, organizadora do catálogo Livres d’artistes. Paris: Centre Georges Pompidou/Bibliothèque Publique d’Information; Éditions Herscher, 1985. E do livro Esthétique du livre d’artiste: 1960/1980. Paris: Jean-Michel Place/Bibliothèque Nationale de France, 1997. (Tese de doutorado transformada em livro).
  • 13. O objeto de aprendizagem Caixa de Pandora se constituiu a partir da construção de um livro-objeto, tendo como principal referência artística os trabalhos desenvolvidos por Susan Collard, Fig. 07, artista e arquiteta estadunidense, residente em Portland, Oregon, USA, e que, desde 1991, nas horas vagas dedica-se à criação de livros de artista. Os livros criados por Collard são pequenas caixas, confeccionados sobre suportes de madeiras e papelão, onde a artista agrega objetos inusitados encontrados ao acaso em criações esculturais com composições instigantes que mesclam vidros, metais, papéis, cordões e elementos naturais. Segundo a própria artista16 Sempre me disseram os meus livros são "de arquitetura." (...) Talvez, a coisa mais importante que aprendi na escola de arquitetura foi o hábito de pensar em edifícios como uma série de espaços em que se move através. Expansão e contração, variedade e repetição, caráter aberto e encerramento: todas essas abstrações, que emprestam forma e ordem a um projeto, são finalmente sentidas em um nível visceral. No final, o que importa é o movimento, memória e percepção. Tendo aprendido a visualizar os caminhos através de um edifício, desta forma, é natural interpretar outras experiências de forma semelhante: a leitura de uma cidade, cânion, poema, jardim, ou livro como uma série de fluidos espaços. Para mim, os livros tendem a se desdobrar como os quartos de uma casa, enigmática, inacabada. (...) (COLLARD, 2012) Partindo da ideia de movimento, memória e percepção trazida por Collard, foi pensada e posta em prática a construção de uma “caixa” articulada como um pequeno biombo, que evocasse a percepção sensorial e visual, em que cada “folha-página” traria alguns materiais significativos das linguagens exploradas nos projetos de ensino e aprendizagem. 16 http://susancollard.com/section/74265_Book_Arts.html
  • 14. Fig. 08 - Primeiros esboços da Caixa de Pandora, Fotografia de Sonia Maris Rittmann, 2012. As dimensões do Objeto, aproximadamente 50cmx40cmx30cm, sofreram pequenas alterações durante a construção do mesmo, de acordo com as necessidades de espaço para cada objeto inserido na mesma. Desta forma, o
  • 15. livro-objeto, Caixa de Pandora, tal qual um livro, ficou em sua versão final com quatro núcleos tridimensionais (10cm de profundidade) com nichos individuais para os referidos materiais. Fig. 09 – Caixa de Pandora: alguns nichos. Fotografia de Sonia Maris Rittmann, 2012.
  • 16. No primeiro núcleo, com materiais que se destacam pela ênfase na apreciação da arte, estão colocadas as três pranchas de imagens que tenho denominado: Retirantes, Marcados, Pietá, em uma alusão ao título das obras escolhidas; material educativo da Fundação Iberê Camargo17: projetos, pranchas e postais de Iberê Camargo18, fichas cartonadas de cada um dos projetos, fichas com material de apoio e algumas imagens (bidimensionais); acervo em DVD do projeto Arte na Escola19. Fig. 10 – O Objeto de Aprendizagem: Caixa de Pandora (um atelier em processo) 17 A Fundação Iberê Camargo foi criada em 1995, um ano após a morte do artista, com o objetivo de preservar e divulgar sua obra. Além de aproximar o público deste que é um dos grandes nomes da arte brasileira no século 20, a instituição procura incentivar a reflexão sobre a produção contemporânea. http://www.iberecamargo.org.br/site/a-fundacao/default.aspx 18 Iberê Camargo: artista de rigor e sensibilidade únicos, Iberê Camargo, natural de Restinga Seca- RS, é um dos grandes nomes da arte brasileira do século 20. Autor de uma obra extensa, que inclui pinturas, desenhos, guaches e gravuras. http://www.iberecamargo.org.br/site/o- artista/default.aspx 19 O Instituto Arte na Escola é uma associação civil sem fins lucrativos que, desde 1989, incentiva e qualifica o ensino da arte, por meio da formação continuada de professores da Educação Básica. Tem como premissa que a Arte, enquanto objeto do saber, desenvolve nos alunos habilidades perceptivas, capacidade reflexiva e incentiva a formação de uma consciência crítica, não se limitando à auto-expressão e à criatividade. http://artenaescola.org.br/institucional/
  • 17. Os núcleos centrais, com ênfase na produção artística, no fazer concreto, estão constituídos de uma maleta com material de pintura a óleo e acrílico - pinceis, tintas, solventes, um mini-cavalete de pintura, uma tela pequena; material desenho: lápis de desenho (diversos números), carvão, lápis de cor, pasteis e mostra de papeis de desenho, além de um boneco articulado de madeira; material de fotografia: máquina fotográfica digital e analógica, cabos, cartão de memória, filme fotográfico, folha de contato e pendrive para conexão com computadores. No último núcleo, as proposições de trabalho da Caixa de Pandora dispõem os Projetos Educativos em Artes Visuais, os quais estão articulados também a um projeto em andamento denominado Projeto Interdisciplinar LER É ARTE20: Sete Pecados Capitais. Dessa forma, os projetos estão desdobrados em sete micro- projetos: 1- Mapa Conceitual – Objeto de Aprendizagem – que busca a construção de relações significativas em artes visuais; 2- Corpo e Alma: oficina de desenho e criatividade – cujo objetivo principal é o desenvolvimento expressivo através do desenho, partindo da exploração de materiais e técnicas diversas, com ênfase especial na figura humana; 3- Pintando o Sete – oficina de pintura – em uma proposta que possibilita aos alunos a pesquisa, a apreciação e a produção da pintura a partir de diferentes materiais e técnicas em pintura artística (óleo, acrílica, guache); 4- Fotografia: olhar que olha para dentro e para fora, adaptado a partir do projeto de Lea Miasato21. O projeto propõe a exploração da linguagem fotográfica a partir do olhar cotidiano dos alunos sobre o mundo que os cerca; 5- Arte Postal – estudo e produção de postais a partir da pesquisa sobre a função política deste tipo de obra artística durante um breve período da história; 20 Projeto Ler é Arte: projeto cultural, criado pelos professores da EEEB Profº Gentil Viegas Cardoso, em Alvorada-RS, desde 2004, incentiva o hábito da leitura através de atividades interdisciplinares e artísticas de literatura, teatro, dança, teatro, música, fotografia etc. http://projetolerearte.blogspot.com.br/ 21 Lea Misato Professora de Arte. Licenciada em Artes Visuais e Pós-Graduada em Arte Educação. Atua na Rede Estadual e Municipal de Ensino de São Paulo com turmas de Ensino Fundamental, Médio, Jovens e Adultos.
  • 18. 6- Atelier de Linguagens Tridimensionais – em que está sendo proposta a exploração, a pesquisa e a criação de objetos tridimensionais a partir de diferentes técnicas e materiais; 7- Retratos Encenados - projeto de recriação de cenas de obras de arte e da cultura visual em fotografia, vídeo, teatro, onde os alunos são motivados/solicitados a representar através de paródias relacionadas às imagens das obras de arte estudadas. A inspiração e fonte de pesquisa parte dos Video Portraits22 de Bob Wilson23 e do vídeo da banda Hold Your Horses24. 3. O corpo (o objeto de aprendizagem) Tudo o que vemos na vida corrente sofre mais ou menos a deformação que os hábitos adquiridos provocam, e o fato é talvez mais sensível numa época como a nossa, em que o cinema, a publicidade e as revistas nos impõem diariamente uma quantidade de imagens já prontas, que são de certo modo, no âmbito da visão, o que é o preconceito no âmbito da inteligência. O esforço necessário para se libertar disso exige uma espécie de coragem; e essa coragem é indispensável ao artista, que deve ver todas as coisas como se as visse pela primeira vez: há que ver toda a vida como quando se era criança; e a perda dessa possibilidade impede-vos de vos exprimir de maneira original, isto é, pessoal. (MATISSE, 2007, p.370) Ver as coisas que nos cercam como se fôssemos crianças, com um olhar liberto dos pré-conceitos, das convenções, das limitações impostas pela cultura e pela sociedade, valorizando as sensações e percepções mais subjetivas é um dos desafios a que me proponho ao apresentar a Caixa de Pandora como objeto de 22 http://www.youtube.com/watch?v=0fz-BuCY7Fk 23 Robert Wilson (Waco, Texas, 1941) também conhecido por Bob Wilson, é um encenador, coreógrafo, escultor, pintor e dramaturgo norte-americano. Suas peças são conhecidas mundialmente como experiências inovadoras e de vanguarda. É conhecido por seus vários trabalhos em colaboração com Philip Glass como "Einstein on the Beach". Realizou montagens dos trabalhos dos poetas e músicos Allen Ginsberg, Tom Waits, Willima S. Borroughs, Lou Reed e David Byrne, assim como com o dramaturgo alemão Heiner Müller. http://robertwilson.com/about/biography 24 Banda de músicos franco-americanos que produziram uma paródia que mistura artes visuais e música de forma muito criativa. http://www.youtube.com/watch?v=erbd9cZpxps
  • 19. aprendizagem em artes visuais. Resgato a ideia de Matisse que enriquece essa reflexão, e nos coloca diante da beleza e da surpresa que só os olhos de uma criança podem nos trazer. O Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora foi concebido como uma pequena caixa, que encerra em seu interior múltiplas possibilidades de utilização para o desenvolvimento das aulas de Artes Visuais. Interna e externamente a ideia é aguçar os sentidos dos alunos para a percepção da importância da leitura da palavra, falada e escrita, e da imagem para o conhecimento do mundo da arte. Correndo o risco de ser utópica penso que a Caixa de Pandora pode provocar nos estudantes um exercício de pensamento através do pensar, fruir e produzir arte. Talvez esta utopia esteja conectada com o sentido positivo do dom da esperança, único que restou na caixa de pandora, conforme o mito que, de certa forma, conforma o objeto Caixa de Pandora. Devido a sua construção que privilegia a transformação, a Caixa de Pandora pode ser adaptada em seu conteúdo e utilização às diferentes situações de aprendizagem, dentro e fora da escola, desde que, nos projetos, fichas, materiais de apoio sejam realizados os necessários ajustes. A parte externa da Caixa de Pandora foi pensada para suscitar a “curiosidade” de quem se aproxime da mesma, tal qual a caixa presente no mito. A Caixa de Pandora, por fora, tem o formato que lembra um livro. Na capa desse livro objeto, o destaque fica por conta de uma pintura de uma figura feminina de uma mulher alada, que poderia ser vista como a própria Pandora - aquela que possui todos os dons - ou quem sabe Lilith – representação simbólica e pictórica do arquétipo feminino - ou ainda Nikè - deusa grega que simboliza a vitória, pois estas outras imagens do feminino enfatizam a liberdade que estaria presente na representação das asas. Penso que esta “indefinição” e ambiguidade construída sirvam mais aos propósitos de um projeto em Artes Visuais que se pretende provocador e aberto às muitas possibilidades de leitura, que sirva de contraponto
  • 20. aos paradigmas culturais vigentes na sociedade de consumo atual. Importa mais que essa imagem faça pensar em Arte, Mitologia, História, Cultura Visual, Sociedade e Educação do que dar respostas prontas, muitas vezes contestadas e de difícil compreensão, tanto para alunos como para professores. Por dentro, a Caixa de Pandora está estruturada em módulos que se articulam como um biombo que se abre e fecha deslizando sobre as diferentes superfícies (mesa, balcão, piso, etc.). Cada módulo, em separado, é composto por diversos nichos, ou compartimentos “secretos”, que se abrem revelando os materiais referentes ao Atelier de Artes Visuais. Os símbolos presentes no Objeto de Aprendizagem são muitos, entre eles destaco os paradoxos presentes: feminino-masculino, sagrado-profano, luz- escuridão. As possibilidades de leitura, embora múltiplas, dependem da situação de aprendizagem enfocada no momento da utilização da Caixa de Pandora, sendo que poderá se dar plenamente ao construirmos um conhecimento significativo, conforme nos lembra Barreto25: construir significados é relacionar, apropriar, ressignificar, ou seja, é o próprio processo, que, por outro lado pode ser visto também através da forma de se construir estes significados – podendo ser enfocado de uma forma mais subjetiva, em um caráter mais emocional, ou em uma forma mais objetiva, em um caráter mais racional (sendo que, em ambos, está presente o intelecto e a intuição, ou, a própria razão e a emoção) como uma construção de conhecimento, tal como está colocado na aprendizagem significativa. (informação verbal - 2013, durante a orientação do trabalho de conclusão de curso de Artes Visuais) Essa é apenas uma das possíveis Caixas de Pandora, fruto de inúmeras idas e vindas, de leituras infindáveis, de questionamentos sobre o estudo, a 25 Umbelina Maria Duarte Barreto (1954 -): artista plástica, professora e pesquisadora do Instituto de artes da UFRGS, Atualmente é Coordenadora do Curso de Artes Visuais modalidade presencial e à distância na UFRGS. http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4755500P2
  • 21. pesquisa e a prática em artes visuais que emergiram durante o curso de formação, mas, que acredito que sempre estiveram em estado embrionário, adormecidas em meu ser, e que despertaram para não mais me deixar sossegada. 4. A alma Mais do que nunca, sinto que a raça humana é somente uma. Há diferenças de cores, línguas, culturas e oportunidades, mas os sentimentos e reações das pessoas são semelhantes. Pessoas fogem das guerras para escapar da morte, migram para melhorar sua sorte, constroem novas vidas em terras estrangeiras, adaptam-se a situações 26 extremas… (SALGADO) Como Sebastião Salgado, que nos insere a todos em uma única raça humana, penso que o ser humano deva ser o centro de interesse de qualquer projeto, e o projeto de aprendizagem que foi pensado para a Caixa de Pandora não foge a regra: seres humanos querendo aprender, querendo sobreviver, querendo ser felizes. Não importa a origem, a crença, a língua, a cor. Essa é a alma da Caixa de Pandora: o ser humano aprendente e feliz. O ser humano que pensa, que sofre, que aprende, que se transforma e se transformando, transforma o mundo em que vive. Partindo do pressuposto que toda aprendizagem deva tentar estabelecer um processo de inferências entre os conhecimentos que se possui e os novos conhecimentos a serem construídos, as possibilidades de utilização do Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora são múltiplas e os objetivos principais são o desenvolvimento estético e gráfico-plástico dos alunos através da experiência concreta de aprendizagem. Dessa maneira, cada uma das obras escolhidas para compor o objeto de aprendizagem Caixa de Pandora, com suas especificidades - pintura modernista, escultura renascentista, fotografia contemporânea - possibilita 26 Sebastião Ribeiro Salgado Júnior. Nascido em Minas Gerais em 1944, é um dos mais respeitados fotojornalistas da atualidade. http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=artistas_biografia &cd_verbete=3293&lst_palavras=&cd_idioma=28555&cd_item=1
  • 22. a abordagem dos conhecimentos da arte a partir de pelo menos um fio condutor, contido na imagem através da representação do ser humano no tempo, pois as obras apresentam distintas formas de representação da figura humana. Para tanto, é necessário apresentar as obras de arte contextualizadas, como produto cultural e histórico, situadas em tempos e locais diferentes, com formas e conteúdos distintos, possibilitando uma maior compreensão das diferentes linguagens e códigos utilizados pelos artistas. Michelangelo Buonoratti, com a obra Pietá, escultura renascentista realizada em 1448, nos possibilita a abordagem histórica e artística de um dos períodos que considero mais importantes para a História da Arte: o Renascimento, ponto de grandes transformações no mundo e na arte. Explorar a linguagem tridimensional e seus elementos constitutivos, tais como forma, volume, superfície, equilíbrio, escala, dimensão, material, tantas vezes deixada de lado nas escolas, por falta de espaço, materiais específicos ou até mesmo interesse, pode contribuir para o desenvolvimento estético e plástico dos alunos. Em Retirantes, obra de Cândido Portinari (1944), nós podemos investigar os elementos constitutivos da arte modernista, partindo do estudo da pintura, observar os traços expressionistas, as figuras esquematizadas, as linhas vigorosas e o uso de uma paleta de cores escurecidas; a dramaticidade da representação de um universo singular: vida-morte, memória-criação, sagrado- profano, arte-história. Em Marcados, obra de Claudia Andújar (1981-1983), podemos pensar sobre a fotografia na arte contemporânea como uma linguagem artística e não como meio de reprodução do real; e, no quanto essas imagens podem perturbar, provocar ou incitar, no enquadramento utilizado, na forma escolhida pela artista para compor suas imagens, na escolha do preto e branco, na questão temática, para além do óbvio, a partir de uma população específica. Além disso, também podemos desenvolver uma pesquisa sobre a história da fotografia, do registro
  • 23. histórico e documental, da fotografia experimental, chegando até as pesquisas mais recentes da fotografia contemporânea. As relações político-sociais presentes tanto na tela Retirantes de Candido Portinari (1944), quanto na fotografia da série Marcados de Claudia Andujar (1981- 1983) apresentam um engajamento desses artistas com seu próprio tempo, que remete ao mundo atual e no papel que a arte pode desempenhar ao tratar dessa temática. Penso muito especificamente no ir e vir de jovens alunos trabalhadores, que desde muito cedo cumprem jornada diária de estudo-trabalho e mesmo assim ainda alimentam uma esperança e fé inabalável em um mundo melhor. Dentro dessas relações, remeto ainda a outro grande fotógrafo brasileiro, Sebastião Salgado (1944), que ao produzir suas fotos também aborda esse paradoxo relacionado à esperança, que é importante ressaltar também como constitutivo do mito enfocado: Algumas pessoas sabem para aonde estão indo, confiantes de que as espera uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem vivas. (SALGADO, 2000) Através dessa seleção de imagens - inicialmente pensada para estudantes do 1º ano do Ensino Médio, de uma escola pública na região metropolitana de Porto Alegre – e que pode ser adaptada para outros contextos e públicos – pensei na elaboração de um trabalho de percepção, sensibilização, cognição e reflexão a partir das obras e dos diferentes contextos históricos, culturais e artísticos (século XV, início e final do século XX), tendo como fio condutor a representação do ser humano, que leve em conta os diferentes períodos da História da arte – do Renascimento ao Contemporâneo, envolvendo a Arte Renascentista, Moderna e Contemporânea; Arte Brasileira e Arte Universal – as diferentes linguagens, técnicas, materiais e contextos de produção das mesmas. A articulação interdisciplinar, tão necessária na escola atual, está sendo proposta através da História (linha do tempo; influência da Igreja e do Estado na
  • 24. Arte, Política e Arte, os Mecenas das Artes); da Sociologia (Movimentos Sociais, Urbanização, Migrações, Povos Indígenas, Imigrantes); da Literatura (Movimentos literários correspondentes aos períodos); do Ensino Religioso (a mudança de paradigmas da antiguidade para o Renascimento, o novo papel do Homem); da Geografia (política, social, espacial; as migrações dos povos, os grandes centros urbanos); da Língua Portuguesa (influências do tupi-guarani, do italiano e do grego na língua portuguesa); da Língua Estrangeira (o Latim e o grego na constituição de diversas línguas); da Biologia (teorias genéticas e ambientais); da Química (processo de produção de tintas e emulsões fotográficas), da Educação Física (o corpo, o movimento). Mas, dentro da proposta cabe destacar que a disciplina de Artes Visuais, além de catalisadora de todo o projeto interdisciplinar é a responsável pela concepção, fomento, desenvolvimento e execução de todas as atividades, ultrapassando o trabalho necessário nestas disciplinas. Devo lembrar a importância de que os alunos tenham acesso a experiências artístico-estéticas através de atividades culturais fora dos muros das escolas, seja em museus, instituições ou fundações culturais, pois conforme Anamelia Buoro (2002) a apreciação de uma obra de arte original se equivale à própria produção de objetos como um fazer concreto. Olhar as obras de arte significativamente implicou dar-lhes visibilidade, tendo sido tão importante quanto produzir objetos; ao deixarem o museu, as próprias crianças perceberam que a produção da leitura também se constituía num fazer concreto. Elas já não eram mais as mesmas que haviam entrado no recinto. (BUORO, 2002, p.44) Dessa forma, como atividades extramuros a inclusão da visitação a algumas instituições artísticas e culturais é essencial no ensino de artes visuais. O Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (MARGS), o Museu de Arte Contemporânea (MAC), a Casa de Cultura Mario Quintana, a Fundação Iberê Camargo, a Fundação Vera Chaves Barcellos - são instituições artístico-culturais de Porto Alegre que realizam diversas exposições, com uma amplitude que envolve desde o paradigma acadêmico até o contemporâneo, que enriquecem o
  • 25. repertório visual dos alunos, possibilitando experiências concretas de aprendizagem, com a apreciação in loco de obras de diversos períodos, estilos e orientações estéticas. CONCLUSÃO Esperança Mário Quintana Lá bem no alto do décimo segundo andar do Ano Vive uma louca chamada Esperança E ela pensa que quando todas as sirenas Todas as buzinas Todos os reco-recos tocarem Atira-se E — ó delicioso vôo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada, Outra vez criança... E em torno dela indagará o povo: — Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? E ela lhes dirá (É preciso dizer-lhes tudo de novo!) Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam: — O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA... (QUINTANA, 1998) Tal como a metáfora poética de Quintana, a experiência estética e artística vive da esperança presente na mudança, na transformação do mundo, mesmo que esta mudança, a princípio seja iniciada apenas como um voo de intenções a cada passagem de ano. Este voo de intenções também está presente na experiência estética e artística envolvendo a criação proporcionada a partir do Objeto de Aprendizagem Caixa de Pandora, com o desenvolvimento de seus projetos, a prática em diferentes linguagens artísticas, a leitura de imagens, a interpretação do mundo contemporâneo a partir das relações entre arte e educação, a possibilidade de ensinar e aprender arte através da experiência em arte e da arte, a reflexão sobre como o humano produz, pensa e contextualiza arte são requisitos indispensáveis para pensar e fazer arte.
  • 26. Nesse ir e vir do pensamento, da criação, da pesquisa, da escuta do outro e do prazer em fazer arte, aprender em conjunto, duvidando das certezas, tentando entender esse mundo em que vivemos muitas vezes tão caótico e incompreensível, como uma possibilidade de transgressão - segundo HERNANDÈZ (2000) - de mudança de paradigmas, de “des-automatização”, de “des-rotinização” de nossas práticas escolares, de ver as coisas com outros olhos, ou pelo menos, a partir de outros pontos de vista, de forma mais poética27, penso que a arte cumpre um papel muito importante, se não de transformar o mundo, pelo menos de humanizar um pouco nosso planeta e tornar os corações e mentes mais sensíveis. Impossível falar em Arte sem pensar em estesia28. Lembro-me das palavras da professora Umbelina Barreto, logo no início do curso, tentando fazer com que víssemos além do visível, que percebêssemos todo encanto por trás da aspereza da vida. E eu, tola, sempre privilegiando mais a razão do que a emoção, cheia de certezas, achando que toda aquela conversa nunca me afetaria, que minha visão de mundo, real, concreto, cheio de dureza e injustiças, nunca seria afetada da forma poética como a professora tentava nos seduzir, encantada. Dizia ela, que deveríamos sim ter um pé na realidade, mas que nem por isso, deveríamos deixar de sonhar e de possibilitar que nossos alunos também pudessem sonhar e criar de forma mais prazerosa. Que pudéssemos ver com todos os sentidos, aguçados, atentos, sensíveis ao que o mundo oferece para quem está disposto a enxergar. Penso que essa seja uma das funções da arte, pois se não tem o poder de transformar completamente o mundo e acabar com todo sofrimento, ao menos ela 27 Poética aqui utilizada com o sentido de poiética, construção artística, segundo Heiddeger: “um modo de desvelamento”, que dá lugar a “uma produção a medida que algo de oculto se presentifica no não oculto” (...) “o conhecimento no seu sentido mais amplo... o fato de poder se reencontrar em alguma coisa e ai se reconhecer” (VETTORAZZO, 2009) 28 Estesia: do grego aesthesis – experiência que nos vem pelos sentidos. Aisthēsis compreende a percepção geral com todos os sentidos. http://www.filoinfo.bem-vindo.net/filosofia/modules/lexico/entry.php?entryID=80
  • 27. pode amenizar o mal do mundo, tornando nossos corações mais sensíveis e humanos. Creio que essa seja também a mensagem da Caixa de Pandora: que mesmo com todo o mal, com todo o sofrimento infringido aos seres humanos, ainda guardamos dentro de nossos corações a esperança, e é ela que nos move que nos faz querer ser, e, a cada vez, seres humanos melhores. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ALBANO, Ana Angélica. O atelier de arte e a caixa de Pandora. I Seminário Educação, Imaginação e as Linguagens Artístico-Culturais. 05 a 07 de Setembro de 2005. Disponível em http://www.gedest.unesc.net/seilacs/pandora_anaangelica.pdf BENTO, Antônio. Portinari, Rio de Janeiro: Léo Cristiano Editorial Ltda, 2003. BULFINCH, Thomas. O Livro de Ouro da Mitologia: (a idade da fábula): histórias de deuses e heróis/ Tradução de David Jardim Júnior – 25ª ed. – Rio de Janeiro, 2001. BUORO, Anamelia Bueno. Olhos que pintam: a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo: Cortez, p. 44, 2002. CAEIRO. Alberto. O Guardador de Rebanhos - Poema XXIV. Heterônimo de Fernando Pessoa. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/pe000001.pdf COLLARD, Susan. Disponível em http://susancollard.com/section/74265_Book_Arts.html Enciclopédia Itaú Cultural. Disponível em http://www.itaucultural.org.br/aplicexternas/enciclopedia_ic/index.cfm acesso em 19/05/2012. HERNANDEZ, Fernando. Cultura Visual, mudança educativa e projetos de trabalho/ Fernando Hernández; tradução Jussara Haubert Rodrigues. - Porto Alegre: Artmed, 2000.
  • 28. QUINTANA, Mario. "Nova Antologia Poética", Editora Globo - São Paulo, 1998, pág. 118. MARTINS, Miriam Celeste. Teoria e prática do ensino de arte: a língua do mundo. São Paulo: FTD. 2009. MATISSE, Henri. Escritos e Reflexões sobre a Arte. Ed. Cosac Naify. 2007. Disponível em http://books.google.com.br/books?id=lXOiTT7xCucC&printsec=frontcover&hl=pt- BR#v=onepage&q&f=false Acesso em 25/01/2013. PESSOA, Fernando. Obra Poética: volume único/ Fernando Pessoa; organização e notas de Maria Aliete Galhoz. – 3.ed., 22.impr.- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007) SALGADO. Sebastião. Êxodos. 2000. Disponível em http://elfikurten.blogspot.com.br/2011/03/o-olhar-sensivel-de- sebastiao-salgado.html SANTOS, Márcia R.P. Folheando Espaços ao Redor: experiência, tatilidade, espaço e tempo em livros de artista. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas, p.17., 2008, Florianópolis. Panorama da Pesquisa em Artes Visuais. Florianópolis, 2008. p. 1875-1887. SILVA, Lucília Lopes. 2009. Disponível em http://recantodasletras.uol.com.br/autores/luciliasilva SILVEIRA. Paulo A. A página Violada: da ternura à injúria na construção do livro do artista. Porto Alegre. Ed. Universidade. UFRGS, 2001. Vídeo Morte e Vida Severina. Disponível em http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=715:m orte-vida-severina&catid=105:outras-publicacoes VETORAZZO Filho, Homero. A escuta da Linguagem como “ato poiético”. Ciência e Cultura. 2009, vol. 61, no. 2, p.45-47. Disponível em http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v61n2/a16v61n2.pdf