O documento trata de um agravo de instrumento interposto pelo Município de Florianópolis contra uma decisão que recebeu apelação somente no efeito devolutivo em uma ação civil pública que questionava o processo de aprovação do Plano Diretor da cidade. A relatora defere o pedido de antecipação da tutela recursal para conferir efeito suspensivo à apelação, considerando a verossimilhança da alegação de invasão à competência legislativa municipal e o perigo de dano ao devido processo legislativo
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Agravo de instrumento sobre Plano Diretor de Florianópolis
1. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5007699-17.2014.404.0000/SC
RELATOR : MARGA INGE BARTH TESSLER
AGRAVANTE : MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS
AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
INTERESSADO : UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
DECISÃO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo Município de
Florianópolis em face de decisão que recebeu apelação somente no efeito
devolutivo (evento 96 da ação civil pública 5021653-98.2013.404.7200/SC), nos
seguintes termos:
'Recebo o recurso de apelação veiculado pelo Município de Florianópolis apenas no efeito
devolutivo. Com efeito, como bem exposto na sentença, é público e notório que o processo de
aprovação do Plano Diretor ocorreu de forma apressada, sem a participação da comunidade.
Assim sendo, o que ocorreu na prática foi a liberação para a construção em áreas de
preservação permanente pertencentes à União.
Além disso, o Sindicato da Indústria de Construção de Florianópolis veio a este Juízo
comunicar que nos últimos dois meses nenhuma consulta de viabilidade de construção foi
aprovada pelo Município, demonstrando que um Plano Diretor sem a participação da
comunidade está acabando por prejudicar o desenvolvimento econômico do município. Assim,
faz-se necessário o imediato cumprimento da sentença, a fim de que sejam sanadas falhas
resultantes da inexistência de participação comunitária, que estão a prejudicar o
desenvolvimento econômico da cidade.
Neste sentido, haverá prejuízos irreparáveis ao meio ambiente e ao desenvolvimento econômico
da cidade se a sentença não for obedecida imediatamente, já que o Plano Diretor, da forma
como foi aprovado, está a inviabilizar o desenvolvimento econômico da capital.
Isto posto, intime-se novamente o Município de Florianópolis para que cumpra o determinado
na sentença no prazo improrrogável de 30 dias, sob pena de ter que pagar a multa cominada e
sob pena de o Prefeito ser processado por improbidade administrativa.
Intime-se o Ministério Público Federal para que apresente contra razões ao recurso de
apelação do Município de Florianópolis.
Florianópolis, 08 de abril de 2014.'
Alega o agravante que a pretensão que visa ao trancamento da
tramitação, apreciação e votação do Projeto de Lei do Plano Diretor de
Florianópolis, bem como sua sanção pelo Prefeito, além da adoção de medidas
efetivas para a concretização da participação popular na elaboração do referido
projeto, não merece prosperar. In casu, estando votado pelo Legislativo e
sancionado pelo Chefe do Executivo Municipal o projeto de Lei em questão, que
2. culminou na Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014, caracterizada
está a perda do objeto, devendo a referida Lei ser impugnada, caso haja interesse,
por meio de Ação Indireta de Inconstitucionalidade, pois não cabe ação civil
pública contra lei em tese. Assim, flagrante a perda do objeto, que acarreta a
ausência de interesse processual, condição da ação que leva à extinção do
processo (CPC, artigo 267, VI), requer o recebimento da apelação no duplo
efeito. Aponta que a União e o MPF são partes ilegítimas na demanda, o que
conduz ao reconhecimento da incompetência absoluta. Diz também que a
Câmara de Vereadores da cidade de Florianópolis deve ser litisconsorte passiva
necessária.
No mérito, diz que a participação popular no projeto de lei em
discussão foi respeitada através de uma série de medidas legitimadoras de todo o
processo de elaboração da lei, que se iniciou em 2006. Citou casos de
participação popular na discussão do projeto, através de seminários e reuniões,
que foram realizadas em todos os principais distritos e bairros da cidade e
também com todas as entidades públicas e privadas representativas da sociedade.
Argumenta que obstaculizar a produção de efeitos da Lei Municipal nº 482/2014,
sem a comprovação de qualquer ofensa ao processo de sua aprovação, ensejaria
nítida interferência do Judiciário nas atribuições constitucionais do Poder
Legislativo. Diz que a relevância das questões discutidas enseja o recebimento da
apelação no duplo efeito, eis que existem riscos de prejuízos irreparáveis ao
Município caso persista a insegurança jurídica sobre a lei do Plano Diretor. O
perigo na demora na concessão do efeito suspensivo à apelação também é
flagrante, havendo, com isso, prejuízo no desenvolvimento econômico do
Município, sendo urgente o provimento que suspensa sua eficácia para que o
Plano Diretor aprovado possa surtir seus efeitos, regularizando as atividades
municipais.
Requer a antecipação da tutela recursal.
É o relatório. Decido.
O MPF ajuizou a presente ação civil pública contra o Município de
Florianópolis e a União, com o objetivo de determinar à Câmara de Vereadores a
devolução do Projeto de Lei do Plano Diretor ao Poder Executivo Municipal
(obrigação de fazer), bem como seja determinado à Prefeitura (obrigação de
fazer) que proceda à oitiva devidamente informada da população para elaboração
do texto final que deverá ser novamente encaminhado ao Legislativo após
identificação e a apresentação das diretrizes resultantes do processo de
participação popular nos Distritos e no Núcleo Gestor municipal, bem como das
propostas específicas do Executivo, a serem analisadas em 13 audiências
Distritais e em audiência geral (amplamente divulgadas com atendimento aos
prazos previstos regularmente), esta última a ser coordenada em conjunto entre a
Prefeitura e o Núcleo Gestor do Plano Diretor Participativo de Florianópolis.
Requereu também fosse condenada a União a orientar e fiscalizar o estrito
3. cumprimento da Lei do Estatuto da Cidade e das Resoluções relacionadas ao
processo participativo para elaboração do Plano Diretor de Florianópolis -
obrigação de fazer -, adotando as providências extrajudiciais e judiciais
necessárias para tanto. Requereu também a fixação de multa pelo
descumprimento da medida.
Em decisão do evento 19 da ACP, o pedido de antecipação de tutela
formulado pelo autor da ação foi deferido.
Sobreveio sentença julgando procedente o pedido. Fixou multa de
10.000.000,00 (dez milhões de reais) para a hipótese de descumprimento da
sentença, salientando que o Prefeito Municipal incorrerá em improbidade
administrativa em caso de descumprimento.
Pois bem.
A questão urbanística é tratada pela Constituição Federal nos
artigos 21, IX e XX, 30 e 182 e dá conta da necessidade de criação de planos
urbanísticos e atenção à função social e ambiental da propriedade.
Cabe ao município legislar sobre o direito urbanístico local (art. 30,
VIII, CF). O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, comete ao município a
política de desenvolvimento urbano e o plano diretor deve ser aprovado pelo
legislativo municipal, a câmara de vereadores. Como se vê, a União, ré na ação,
dificilmente terá o que fazer quanto ao processo legislativo municipal, tampouco,
neste momento, o Poder Judiciário Federal.
Neste quadro constitucional e normativo, sem enfrentar as demais
questões envolvidas na ação civil pública em epígrafe e considerando que, acaso
inobservada a Constituição Federal e a legislação federal pertinente, a lei
instituidora do Plano Diretor de Florianópolis poderá ser fulminada em ação
específica, considerando ainda que se alega na inicial a violação do princípio da
participação popular, pois as audiências públicas teriam sido realizadas de forma
apenas formal, a sentença, coberta de bons propósitos, investe contra a
tramitação e votação do Plano Diretor, impedindo o normal exercício do devido
processo legislativo pelo poder competente (art. 2º, CF), investindo de igual
modo sobre o poder sancionatório do executivo municipal. Nessa seara
especialíssima é apreciável uma certa contenção judicial.
Assim, verifico presente a verossimilhança da alegação de invasão
à competência legislativa municipal, além do perigo de dano de difícil reparação
ao devido processo legislativo, que se vê impedido de operar, retardando-se ainda
mais a difícil tarefa de construir um plano diretor atualizado e necessário a regrar
aspecto vital para a existência da comunidade. Neste momento, impõe-se
assegurar o normal exercício dos poderes municipais.
4. Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação da tutela recursal de
agravo de instrumento para o fim de atribuir efeito suspensivo ao recurso de
apelação apresentado no evento de nº 92 da ação originária.
Intimem-se, sendo que o agravado aos fins do artigo 527, V, CPC.
Porto Alegre, 29 de abril de 2014.
Desª. Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Relatora