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FILOSOFIA
DA
EDUCAÇÃO
Otto
Leopoldo
Winck
...
[et
al.]
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6403-8
IESDE BRASIL S/A
2018
Filosofia da educação
Otto Leopoldo Winck
Ivo José Triches
Cláudio Joaquim Rezende
Wanderley Machado
Luciano D. da Silva
Natalina Triches
Todos os direitos reservados.
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Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200
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SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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Filosofia da educação / Otto Leopoldo Winck ... [et al.]. - 1. ed.
- Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018.
230 p. : il. ; 21 cm.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6403-8
1. Educação - Filosofia. I. Winck, Otto Leopoldo. II. Título.
17-46724
CDD: 370.1
CDU: 370.1
© 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos
autores e do detentor dos direitos autorais.
Apresentação
“Tudo o que é sólido se desmancha no ar”, escreveu Karl Marx no
Manifesto Comunista, referindo-se à vertiginosa velocidade das mudanças
na sociedade de sua época. Hoje, mais de 150 anos depois, podemos afir-
mar que essa constatação continua atual. Vivemos, com efeito, sob o im-
pacto de mudanças cada vez mais velozes, em um tempo em que valores
e certezas outrora considerados sólidos liquefazem-se antes mesmo que
outros lhes tenham substituído.
Nesse sentido, a educação é uma caixa de ressonância dessas vertigi-
nosas transformações. Ao mesmo tempo em que as instituições de ensino
são o baluarte de algumas das mais antigas tradições, como a disciplina e
a hierarquia, elas não deixam de ser profundamente afetadas pelas altera-
ções do presente mais imediato. As rebeliões juvenis do ano de 1968, por
exemplo, tiveram como palco privilegiado as universidades.
Daí a importância e urgência de pensarmos constantemente a edu-
cação. E, para fazê-lo, nada melhor do que pedirmos auxílio à filosofia. É
o que faremos ao longo desta obra.
No capítulo inicial, intentaremos esclarecer o conceito de filosofia.
Em seguida, do capítulo 2 ao 14, faremos uma viagem pela história da
filosofia ocidental, desde os seus antecessores gregos até correntes recen-
tíssimas, como o existencialismo e a Escola de Frankfurt. Assim, nessa
viagem lançaremos um olhar especial sobre alguns dos principais pensa-
dores desse longo período, e esse olhar será acompanhado de exercícios
de fixação e reflexão. Ademais, cada capítulo será complementado com
um ou mais textos extraídos dos próprios filósofos – isso porque acre-
ditamos que conhecer a história da filosofia é, sobretudo, frequentar a
reflexão dos pensadores que fizeram essa história. 	
Os capítulos 15 a 18, por seu lado, abordam sob vários aspectos as
relações entre filosofia e educação, destacando algumas questões canden-
tes dessa problemática. Já que a educação nunca ocorre sem um substrato
filosófico, ainda que latente ou oculto, é importante trazer à tona esse
diálogo incontornável. É da mútua fecundação entre essas duas discipli-
nas, muito próximas uma da outra, que poderá surgir uma compreensão
e uma prática de ensino e aprendizagem capazes não apenas de interpretar
as velozes mudanças de nosso tempo como também de conduzi-las para a
construção de uma sociedade mais humana. Aliás, o próprio Marx declarou,
na XI tese sobre Feuerbach, que “até agora os filósofos se limitaram a inter-
pretar o mundo. Cabe-lhes agora transformá-lo”. Acrescentamos apenas que
essa missão é também – e sobretudo – dos educadores.
Dessa maneira, só nos resta desejar que essa viagem pelos horizontes
imbricados da filosofia e da educação possa produzir muitos frutos, tanto na
teoria quanto na prática de nossa ação pedagógica.
Boa leitura!
Sobre os autores
Otto Leopoldo Winck
Doutor e Mestre em Estudos Literários pela UFPR. Especialista em
Filosofia com ênfase em Ética e Bacharel em Teologia pela PUC-PR.
Ivo José Triches
Mestre em Engenharia da Produção com ênfase em Mídias e
Conhecimento pela UFSC. Especialista em Filosofia Clínica pelo Instituto
Packter e em Filosofia Política pela UFPR. Especialista em Pensamento
Contemporâneo e Graduado em Filosofia pela PUC-PR.
Cláudio Joaquim Rezende
Mestre em Filosofia Política pela UFG e Especialista em Filosofia
Política pela UFPR. Graduado em Filosofia pela PUC-PR e em Direito
pela Unibrasil.
Wanderley Machado
Especialista em História do Brasil e graduado em História.
Luciano Donizeti da Silva
Doutor em Filosofia pela UFSCAR, mestre e graduado em Filosofia
pela UFPR.
Natalina Triches
Especialista em Tecnologias Aplicadas à Educação e em Gestão
Escolar. Graduada em Filosofia pela UFPR.
6 Filosofia da educação
Sumário
1 	 Um convite à filosofia	 11
1.1 Por que filosofia?	 11
1.2 Definições	 12
1.3 Divisão de tarefas	 14
1.4 A atitude filosófica e o senso comum	 14
1.5 Nem dogmatismo nem ceticismo	 16
2 	 Sócrates e a filosofia moral ocidental	 19
2.1 O gênio grego, o mito e as origens da filosofia	 19
2.2 Os filósofos naturalistas e os sofistas	 21
3 	 Platão e o nascimento da razão ocidental	 29
3.1 Platão: atleta e poeta	 29
3.2 As vigas do pensamento platônico	 31
3.3 O legado de Platão	 33
4 	 Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes	 37
4.1 Filho de médico, mestre de príncipe	 37
4.2 Os escritos de Aristóteles	 38
4.3 Só o individual é real	 39
4.4 A metafísica	 40
4.5 O pai da lógica	 42
4.6 A justa medida e o bem comum	 43
5 	 De Aristóteles à Renascença	 49
5.1 A filosofia na era helenística	 49
5.2 Sob a égide da cruz	 55
5.3 A Renascença e o divórcio entre razão e fé	 63
Filosofia da educação 7
Sumário
6 	 Espinosa: uma filosofia da liberdade	 67
6.1 A filosofia moderna: entre razão e experiência	 67
6.2 Uma vida em diáspora	 68
6.3 Uma vida de filósofo	 70
6.4 O panteísmo de Espinosa	 72
6.5 O ser humano	 73
6.6 A moral, o sábio e a eternidade	 74
6.7 Igreja e Estado	 75
7 	 O Iluminismo e o Século das Luzes	 79
7.1 Há algo de novo debaixo do Sol	 79
7.2 Da Inglaterra e da França as luzes brilham para o mundo	 81
7.3 Luzes e revolução	 82
7.4 A máquina a vapor e a ferrovia: as luzes chegam à técnica	 83
7.5 Nomes que brilham	 84
7.6 O legado iluminista	 87
8 	 Immanuel Kant e o idealismo alemão	 91
8.1 Na encruzilhada da razão	 91
8.2 O filósofo de Königsberg	 92
8.3 Entre dogmatismo e ceticismo: a via kantiana	 94
8.4 A razão no tribunal	 95
8.5 O imperativo categórico	 98
8.6 Kant e a educação	 100
8.7 O idealismo alemão	 101
9 	 A dialética idealista e materialista	 105
9.1 Dialética: breve histórico	 105
9.2 Hegel	 107
9.3 O hegelianismo	 108
9.4 Filósofo e agitador	 110
9.5 O materialismo histórico	 112
9.6 A práxis	 114
8 Filosofia da educação
Sumário
10 	 Schopenhauer: o mundo como representação	 119
10.1 Contra Hegel	 119
10.2 Uma vida taciturna	 121
10.3 O mundo como representação	 122
10.4 Tudo é dor	 123
10.5 O nirvana	 124
10.6 Schopenhauer e a educação	 125
11 	 O positivismo e o desenvolvimento da ciência	 127
11.1 Um mestre e uma musa	 127
11.2 História e evolução	 129
11.3 A religião da humanidade	 130
11.4 Quando filosofia vira samba	 131
12 	 Nietzsche educador	 135
12.1 Vates e filósofos	 135
12.2 Uma vida perigosa	 136
12.3 Saúde precária e livros vigorosos	 138
12.4 Uma filosofia feita com o martelo	 139
12.5 O “anticristo” e a luta contra o platonismo do povo	 140
12.6 O super-homem e a nova moral	 141
12.7 Nietzsche e a educação	 142
12.8 Nietzsche está vivo	 143
13 	 A Escola de Frankfurt	 147
13.1 A herdeira do facho	 148
13.2 Uma escola crítica	 148
13.3 Os momentos da teoria crítica	 150
13.4 Teoria crítica versus teoria tradicional	 150
13.5 Razão instrumental e indústria cultural	 151
13.6 Principais expoentes	 153
13.7 Luzes, razão e educação	 157
Filosofia da educação 9
Sumário
14 	 Pragmatismo e existencialismo	 161
14.1 Era dos extremos: as duas faces da moeda	 161
14.2 Pragmatismo: origens e paternidade	 162
14.3 Existencialismo: “uma mística do inferno”	 166
15 	 Filosofia e educação	 179
15.1 Filosofia para quê?	 179
15.2 Crise e filosofia	 180
15.3 Filosofia e educação: isso dá certo?	 182
15.4 Filosofar ou filosofar: eis a questão	 183
16 	 Ética e educação	 187
16.1 A refundação da ética	 187
16.2 Ética e moral	 188
16.3 A ética através dos tempos	 189
16.4 A ética na educação	 192
16.5 Reconstruindo a ética na escola: tarefas	 193
17 	 Filosofia e formação humana na escola	 197
17.1 No princípio	 197
17.2 A educação como formação	 198
17.3 A formação como humanização	 200
17.4 A escola como espaço privilegiado da formação	 202
18 	 Filosofia clínica e educação	 205
18.1 Historicidade da filosofia clínica 	 206
18.2 Principais conceitos da filosofia clínica e sua aplicabilidade na educação	 207
18.3 As contribuições da filosofia clínica no fazer pedagógico	 208
18.4 Filosofia clínica e humanismo	 208
Filosofia da educação 11
1
Um convite à filosofia
A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo.
(Maurice Merleau-Ponty)
Não se pode aprender a filosofia; somente se pode aprender a filosofar.
(Immanuel Kant)
1.1 Por que filosofia?
Entre as matérias escolares, a filosofia é vista não raro como a mais abstrata e a
mais distante dos interesses humanos imediatos. Depois do declínio da teologia, na
Idade Moderna, coube à filosofia, a antiga serva da teologia (conforme a máxima dos
teólogos medievais), o lugar de rainha. No entanto, ela seria também destronada com o
advento das ciências positivas – aquelas que exigem o recurso da experimentação –, de
modo que hoje é comum se perguntar o porquê da filosofia – pergunta que não é feita
quando o assunto é matemática, física ou biologia. Mesmo disciplinas pertencentes
ao arco das ciências humanas – como pedagogia, psicologia e sociologia – encontram
justificativas mais facilmente que a filosofia. Ora, estuda-se pedagogia para aprimo-
rar o processo de ensino e aprendizagem, e a psicologia e a sociologia são necessárias
para melhor compreender o funcionamento da mente humana e da sociedade. Mas e a
filosofia, serve para quê? Em uma cultura em que se valoriza sobremaneira o que tem
finalidade prática e utilidade imediata, o conhecimento filosófico parece fora de lugar,
supérfluo e desnecessário.
Um convite à filosofia
1
Filosofia da educação
12
Todavia, é justamente aí que se revela sua imprescindibilidade. Em uma época e uma
sociedade dominadas pela técnica, com os saberes (entre outros fatores, devido ao enorme
cabedal de conhecimento e experiência acumulados) sendo extremamente especializados e,
portanto, fragmentados, é indispensável um olhar que ofereça uma crítica e rigorosa visão
de conjunto de todo esse horizonte. É imperioso – sob o risco de não sabermos nos localizar
e, portanto, ficarmos privados de ação – um saber sobre esses saberes, um olhar sobre esses
olhares, uma indagação sobre essas indagações, uma pergunta que nasce antes e não termi-
na depois. Por que pensamos o que pensamos? Por que dizemos o que dizemos? Por que
fazemos o que fazemos?
Nossa reflexão tem por meta a educação e, portanto, vamos direcionar para ela nossos
questionamentos. Por que tenho essas ideias acerca do processo educacional? Será que não
há outra maneira de se compreender esse processo? Por que falo dessa maneira sobre ou
com nossos educandos? Por que me comporto dessa maneira em relação a eles? A quem
interessa esse método educacional? De que ponto de vista e de que lugar social ele foi pro-
duzido? Isso é filosofia. E, aplicando-a ao processo do aprendizado, é filosofia da educação.
1.2 Definições
Mas, afinal, o que é filosofia? Como podemos defini-la? Existem provavelmente tantas
definições quantas são as escolas ou correntes da filosofia. O significado etimológico do
termo é amor à sabedoria:
phylos = “amigo”, “amor”
sophya = “sabedoria”
Porém, antes do substantivo filosofia, já era usado o verbo filosofar e o nome filósofo.
Provavelmente Pitágoras (580-500 a.C.) foi o primeiro a autodenominar-se filósofo, embo-
ra se discuta se o título possuía então o mesmo sentido que ganharia depois com Platão
(426-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Para esses dois nomes paradigmáticos do pensa-
mento ocidental, a filosofia é resultante da admiração e do estranhamento diante do espetá-
culo do mundo. Enquanto para Platão a filosofia é o saber que, em face das contradições da
realidade, atinge a visão do verdadeiro – isto é, das ideias –, para Aristóteles a sua função
é a investigação das causas e dos princípios das coisas. Para ele, na medida do possível, o
filósofo possui, para além da particularidade de cada objeto, a totalidade do saber. Por isso,
a filosofia é a ciência do ser enquanto ser e, em última instância, a ciência do princípio dos
princípios, da causa última.
Na Idade Média, a filosofia era uma aspiração à compreensão racional dos dados da fé.
Na modernidade, ela foi ganhando cada vez mais autonomia. Para Francis Bacon (1561-1626),
a filosofia é o conhecimento das coisas não pelos seus fenômenos transitórios, mas pelos seus
Um convite à filosofia
Filosofia da educação
1
13
princípios imutáveis. Para René Descartes (1596-1650), ela é o saber que averigua os princí-
pios de todas as ciências e, enquanto filosofia primeira (a metafísica), ocupa-se da elucidação
das verdades últimas. John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume
(1711-1776), cada um por sua vez, consideram-na, em geral, como crítica das ideias abstratas
e reflexão sobre a experiência. Por outro lado, Immanuel Kant (1724-1804), depois de traçar os
limites da razão, concebe a filosofia como um conhecimento racional por princípios.
Na corrente conhecida como idealismo alemão, a filosofia é entendida ora como o siste-
ma do saber absoluto, dedução do mundo a partir do eu, como em Fichte (1762-1814), ora
como em Hegel (1770-1831), como a consideração pensante das coisas, identificando-se as-
sim com o espírito absoluto, isto é, o espírito plenamente consciente e conhecedor de si. Para
Schopenhauer (1788-1860), ela é a ciência do princípio de razão como fundamento de todos
os outros saberes e como autorreflexão da vontade. No positivismo, a filosofia torna-se um
compêndio geral dos resultados das ciências. Já para Edmund Husserl (1859-1938), ela é
uma ciência rigorosa que conduz à fenomenologia1
como disciplina filosófica fundamental.
Por outro lado, para Wittgenstein (1859-1938) e os positivistas lógicos, ela não é um saber
com um conteúdo específico, mas um conjunto de atos; não um conhecimento, e sim uma
atividade. Em contrapartida, para Henri Bergson (1859-1941), a filosofia tem por objeto a
substância da intuição, e, ainda que se utilize da ciência como instrumento, aproxima-se
mais da arte.
Como se vê, as definições e compreensões do que seja filosofia têm sido tão elásticas
quanto contraditórias. Eis a seguir uma tentativa contemporânea de definição da filosofia:
A filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e concei-
tos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das
crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das for-
mas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é Sociologia
nem Psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos
da Sociologia e da Psicologia. Não é política, mas a interpretação, compreensão
e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é História, mas
interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e na
compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento e
da ação humana, conhecimento da transformação temporal dos princípios do
saber e do agir, conhecimento das mudanças das formas do real ou dos seres; a
filosofia sabe que está na História e que tem uma história. (CHAUI, 2000, p. 16)
Todavia, o importante em todas essas discussões é que, à medida que crescia a cons-
ciência do problema, erigia-se pouco a pouco uma verdadeira “filosofia da filosofia”, que
tem a sua justificação no fato de a filosofia não ser nunca, por princípio, uma totalidade
acabada, mas sempre uma totalidade possível.
1	 Fenomenologia é o estudo dos fenômenos, ou melhor, o estudo de como o indivíduo percebe os
fenômenos, isto é, tudo aquilo que é apreendido pelos sentidos ou pela consciência.
Um convite à filosofia
1
Filosofia da educação
14
1.3 Divisão de tarefas
No entanto, desde cedo essa totalidade precisou de uma repartição de tarefas para po-
der abarcar os mais variados ângulos de seu múltiplo objeto. Ainda que a divisão da filo-
sofia em diferentes disciplinas não seja comum a todos os sistemas, como ocorre em Platão
ou Santo Agostinho, ela é visível em muitos outros sistemas filosóficos. Foi em Aristóteles
que apareceram pela primeira vez as divisões que seriam tão influentes no curso da filosofia
ocidental. É a partir de seu sistema filosófico – espécie de enciclopédia do saber de seu tem-
po – que se constituíram como disciplinas a lógica, a ética, a estética (poética), a psicologia
(doutrina da alma), a filosofia política e a filosofia da natureza, todas elas dominadas pela
filosofia primeira (metafísica). Ao longo do tempo, a elas viriam se acrescentar, dominando
sobretudo o ensino da filosofia até o século XIX, a gnoseologia, a epistemologia, a ontolo-
gia, a sociologia, além de um conjunto de matérias, como filosofia da religião, filosofia do
Estado, filosofia do direito, filosofia da história, filosofia da linguagem etc., bem como a his-
tória da filosofia. Algumas delas se tornariam autônomas, como a psicologia e a sociologia.
Por outro lado, há aqueles que julgam, por diversos motivos, que se deve excluir do corpus
filosófico disciplinas como a lógica e a metafísica.
É possível estudar a filosofia de uma maneira sincrônica, isto é, abordando-a por meio
de todas essas disciplinas, sem uma preocupação específica com suas evoluções temporais e
os problemas decorrentes de influências, filiações, ramificações e desdobramentos.
Também é possível estudá-la de um ponto de vista diacrônico, baseado em uma visada
histórica, verificando no tempo o surgimento de suas principais correntes e o desenvol-
vimento de suas disciplinas. Pode-se também usar uma abordagem que se sirva de am-
bas as possibilidades. Por exemplo, pode-se ao mesmo tempo estudar tanto a ética e suas
exigências atuais (abordagem sincrônica) quanto a sua evolução na história (abordagem
diacrônica). Em nosso trabalho, privilegiaremos um enfoque diacrônico, lançando um olhar
sobre alguns dos principais filósofos e escolas filosóficas da história, mas sem desprezar, em
alguns momentos, uma óptica sincrônica.
1.4 A atitude filosófica e o senso comum
Em que consiste uma atitude filosófica? Quando, de fato, estamos envolvidos no proces-
so filosófico? O que há de fundamental na atitude filosófica é a sua capacidade de indagar:
•	 O que a coisa é?
•	 Como a coisa é?
•	 Por que a coisa é assim?
Um convite à filosofia
Filosofia da educação
1
15
Essas questões fazem parte da atitude de alguém que se coloca em uma postura filosófi-
ca diante do mundo. O filósofo é aquele que não aceita como dadas as respostas às questões
com que ele se depara no mundo.
De fato, a filosofia é um conhecimento instituinte na medida em que questiona o saber
instituído, que é o saber já posto, já estabelecido, que goza de um certo consenso. De certa
forma, é tudo aquilo que se tem por verdadeiro, por natural – em um determinado momen-
to, em uma determinada sociedade. Resumindo, saber instituído é o senso comum. E, nesse
processo de indagação acerca desse saber institucionalizado, o ser humano vai dando novos
significados ao mundo e à sua própria existência.
Quando nos referimos ao conceito de senso comum, nós o relacionamos ao conhecimento
fragmentado da realidade. Platão definia esse tipo de conhecimento como doxa (“opinião”).
Em outras palavras, emitimos parecer sobre tudo o que nos cerca e, no entanto, nessas opi-
niões nos falta uma visão da totalidade. Não conseguimos perceber que tudo se encontra
inter-relacionado. Ou seja, para que possamos ter uma visão da totalidade de um fenômeno,
torna-se necessário apreendê-lo na sua relação com os demais fenômenos.
Embora Platão tenha estabelecido vários níveis de compreensão da realidade, os dois
principais são a doxa e a episteme. Um indivíduo que vive no âmbito da doxa é alguém que
localiza sua existência apenas no senso comum. Por outro lado, pensar os problemas a partir
da episteme (“ciência”) é pensá-los à luz da filosofia. Essa expressão designa a capacidade de
olharmos para os fenômenos de maneira sistematizada. Uma reflexão somente é sistemática
se for rigorosa, radical e de conjunto. Para explicitar a importância desses conceitos dentro
do processo do filosofar, valemo-nos de um comentário de Maria Lúcia de Arruda Aranha.
Neste trecho, a filosofia da vida pode ser tomada como sinônimo de doxa, opinião, senso comum:
A filosofia é radical porque vai até as raízes da questão. A palavra latina radix, radicis
significa literalmente “raiz” e, no sentido derivado, “fundamento”, “base”. Portanto,
a filosofia é radical enquanto explica os fundamentos do pensar e do agir.
A filosofia é rigorosa porque, enquanto a filosofia de vida não leva suas conclu-
sões até as últimas consequências, o filósofo especialista dispõe de um método
claramente explicitado que permite proceder com rigor, garantindo a coerência e
o exercício da crítica. Para justificar suas afirmações com argumentos, faz uso de
uma linguagem rigorosa, que permite definir claramente os conceitos, evitando
a ambiguidade típica das expressões cotidianas. Para conseguir essa linguagem,
o filósofo inventa conceitos, cria expressões novas ou altera e especifica o sentido
de palavras usuais.
A filosofia desenvolve uma reflexão de conjunto porque é globalizante, exami-
na os problemas sob a perspectiva do todo, relacionando os diversos aspectos.
Enquanto as ciências examinam “recortes” da realidade, a filosofia, além de po-
der examinar tudo (porque nada escapa ao seu interesse), também visa o todo, a
totalidade. (ARANHA, 2002, p. 107)
Um convite à filosofia
1
Filosofia da educação
16
Outro aspecto a se salientar é que o conteúdo da reflexão filosófica, o tecido do seu pen-
sar, é a trama dos acontecimentos do cotidiano. É por isso que nesse processo de indagação
estão presentes tanto os temas aparentemente mais distantes de nossa experiência imediata
quanto os problemas com que nos deparamos todos os dias em nossa vida.
Em suma, na atitude filosófica está compreendido o pressuposto de que não podemos
aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores em ge-
ral, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais devemos aceitá-los sem antes
havê-los submetido a uma crítica radical. É por essa razão que se justifica, mais uma vez, a
importância da filosofia em nosso trabalho como educadores: ela impede a estagnação e res-
significa a experiência. Se educar não se reduz apenas à transmissão de conhecimentos, mas
é também uma reflexão crítica sobre o que é conhecimento e o que é educação, a filosofia não
será apenas mais um conteúdo do processo educacional, mas o seu próprio alvo.
1.5 Nem dogmatismo nem ceticismo
Novamente torna-se relevante um olhar sobre a etimologia das palavras. Skeptikós sig-
nifica “aquele que observa”, “que considera”. Desse modo, cético é aquele que observa e
considera, tanto que conclui pela impossibilidade mesma do conhecimento.
Por outro lado, dogmatikós denota “aquele que se funda em princípios”.Assim, ­
dogmático
é todo aquele que se apega aprioristicamente aos princípios de uma doutrina.
Dogma, por sua vez, pode ser compreendido como um princípio fundamental e indiscu-
tível de uma determinada doutrina ou teoria, não necessariamente religiosa. Toda vez que
verdades irrefutáveis são aventadas, sem que elas possam ser demonstradas racionalmente,
na verdade são dogmas que estão sendo aludidos.
As tradições religiosas não têm necessariamente problemas com dogmas, pois toda fé
está fundada, em última instância, em uma origem suprarracional. Todavia, sempre que na
ciência se acena para verdades indemonstráveis, muitas vezes tomadas de empréstimo do
senso comum ou da religião, se está resvalando da episteme para a doxa.
No fim das contas, tanto o cético quanto o dogmático acabam produzindo uma visão
imobilista do mundo. O primeiro porque acha impossível chegar a algum conhecimento real
das coisas. O segundo porque, antes de se debruçar sobre a realidade, já traz, de antemão,
as suas “verdades”.
A filosofia, ao contrário, move-se entre o ceticismo e o dogmatismo – estando, na
verdade, mais próxima do primeiro. Enquanto o cético declara que é impossível saber, o
Um convite à filosofia
Filosofia da educação
1
17
dogmático diz que tem certeza que sabe. O filósofo, por sua vez, afirma que não sabe, mas
quer saber – tendo consciência, entretanto, que todo saber é parcial e provisório. Com efeito,
“a filosofia é a procura da verdade, não a sua posse” (ARANHA, 2002, p. 51).
Ampliando seus conhecimentos
Ciência e filosofia
(DURANT, 2000, p. 26-27)
Ciência é descrição analítica; filosofia é interpretação sintética. A ciência
quer decompor o todo em partes, o organismo em órgãos, o obscuro em
conhecido. Ela não procura conhecer os valores e as possibilidades ideais
das coisas, nem o seu significado total e final; contenta-se em mostrar a
sua realidade e sua operação atuais, reduz resolutamente o seu foco, con-
centrando-o na natureza e no processo das coisas como são. O cientista é
tão imparcial quanto a natureza no poema de Turguêniev: está tão inte-
ressado na perna de uma pulga quanto nos paroxismos criativos de um
gênio. Mas o filósofo não se contenta em descrever o fato; quer averiguar
a relação do fato com a experiência em geral e, com isso, chegar ao seu
significado e ao seu valor; ele combina coisas numa síntese interpretativa;
tenta montar, de maneira melhor do que antes, esse grande relógio que
é o universo e que o cientista perquiridor desmontou analiticamente. A
ciência nos ensina a curar e a matar; reduz a taxa de mortalidade no varejo
e depois nos mata por atacado na guerra; mas só a sabedoria – o desejo
coordenado à luz de toda experiência – pode nos dizer quando curar e
quando matar. Observar processos e construir meios é a ciência; criticar
e coordenar fins é filosofia; e porque hoje os nossos meios e instrumen-
tos se multiplicaram além de nossa interpretação e da nossa síntese de
ideais e fins, nossa vida está cheia de som e fúria, não significando coisa
alguma. Porque um fato nada é, exceto em relação ao desejo; não é com-
pleto, exceto em relação a um propósito e a um todo. Ciência sem filosofia,
fatos sem perspectiva e avaliação não podem nos salvar da devastação e
do desespero. A ciência nos dá o conhecimento, mas só a filosofia nos dá
a sabedoria.
Um convite à filosofia
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Filosofia da educação
18
Atividades
1.	 Com base nos trechos de Marilena Chaui e Will Durant que constam no capítulo,
estabeleça os pontos de convergência e divergência entre a ciência e a filosofia.
2.	 Segundo as definições de filosofia que os filósofos foram estabelecendo ao longo dos
tempos, relacione as colunas.
1. Bergson ( )	 Ciência rigorosa que conduz à fenomenologia.
2. Locke, Berkeley
e Hume
( )	 Tem por objeto a substância da intuição.
3. Fichte ( )	 É um conjunto de atos desprovido de conteúdo específico.
4. Wittgenstein ( )	 Crítica das ideias abstratas e reflexão da experiência.
5. Kant ( )	 Ciência do princípio da razão como fundamento dos saberes.
6. Husserl ( )	 Sistema do saber absoluto.
7. Schopenhauer ( )	 Conhecimento racional por princípios.
3.	 A respeito das proposições de Platão sobre a doxa (“opinião”, “senso comum”) e a
episteme (“ciência”), assinale F (falso) ou V (verdadeiro) nos enunciados a seguir.
(
( 	 Pensar os problemas a partir da doxa é pensá-los à luz da filosofia.
(
( 	 O senso comum relaciona-se ao conhecimento fragmentado da realidade.
(
( 	 Ao saber instituído (episteme) contrapõe-se o saber instituinte (doxa).
(
( 	 Doxa é uma reflexão rigorosa, radical e de conjunto.
(
( 	 Episteme diz respeito à capacidade de contemplarmos os fenômenos de maneira
sistematizada.
Filosofia da educação 19
2
Sócrates e a filosofia
moral ocidental
O mito é o nada que é tudo.
(Fernando Pessoa)
Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor.
Pergunta, não responde. Indaga, não ensina.
(Marilena Chaui)
2.1 O gênio grego, o mito e as origens da filosofia
Tanto o termo quanto o conceito de filosofia têm a sua origem na Grécia antiga,
mas isso não significa que outros povos não tenham desenvolvido formas particulares
de pensamento crítico. De maneira especial, encontramos algumas dessas formas na
Índia, na China e na Pérsia. Além disso, os gregos usufruíram de conhecimentos con-
quistados por povos mais antigos, como a astronomia dos caldeus e dos babilônicos e
a agrimensura dos egípcios. No entanto, a forma de pensamento sistemático, racional
e desvinculado da religião que ficou conhecida como filosofia nós devemos às peculia-
ridades do gênio grego.
Sócrates e a filosofia moral ocidental
2
Filosofia da educação
20
Como era esse gênio? Podemos resumir as suas características em alguns traços básicos:
•	 Em primeiro lugar, o racionalismo, isto é, a consciência do valor máximo do
conhecimento.
•	 Mas esse conhecimento não é abstrato, e sim proveniente da experiência: é um
conhecimento sensível.
•	 Esse conhecimento sensível não se fecha sobre si mesmo, mas transcende o real em
direção ao absoluto.
•	 Sendo otimista, como consequência de seu racionalismo, o grego tenderá também
ao pessimismo quando pressentir toda a irracionalidade do real.
Contudo, todos esses traços se coadunam em um equilíbrio harmônico, como aprazia
grandemente ao senso de proporções do espírito helênico1
.
E também outras causas colaboraram para o surgimento do pensamento filosófico:
Nos séculos VII e VI a.C., a Grécia sofreu uma transformação socioeconômica
considerável. De país predominantemente agrícola que era, passou a desenvol-
ver de forma sempre crescente a indústria artesanal e o comércio. Assim, tor-
nou-se necessário fundar centros de distribuição comercial, que surgiram ini-
cialmente nas colônias jônicas, particularmente em Mileto, e depois também em
outros lugares. As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarre-
tando um forte crescimento demográfico. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 20)
Foi nas cidades ou pólis – que na Grécia eram sobretudo cidades-Estado – que se de-
senvolveu outra importante criação grega: a política. O desenvolvimento urbano com as
suas instituições e o lugar privilegiado da península grega – entreposto estratégico entre
Ocidente e Oriente, arena de encontro de muitas etnias e de diversas culturas, cujo contato
e rivalidade ensejaram comparações, análises e reflexões – resultaram em um ambiente pro-
pício para o surgimento da filosofia. Entre os gregos, a arte e a filosofia são devidas, sobre-
tudo, aos jônios2
, que souberam exprimir em alto grau o gênio helênico.
Mas como se deu, a partir desse gênio, e de maneira especial entre os jônios, a gênese
da filosofia grega, matriz de todo o pensamento ocidental? Primeiramente, os gregos, como
todos os povos, explicavam os fenômenos do universo e as suas origens por meio do mito.
A palavra mito vem do grego mythós e deriva de dois verbos, tendo os sentidos de “contar,
narrar, falar alguma coisa a alguém” e “anunciar, nomear, designar”. Para os gregos, o mito
era um discurso proferido para ouvintes que recebiam o relato como verdadeiro porque este
está fundado na autoridade daquele que narra. Refere-se quase sempre a algo fabuloso que
se supõe acontecido em um passado remoto, imemorial, impreciso.
Os mitos podem reportar-se a grandes feitos heroicos, considerados frequentemente
como o fundamento e o início de uma determinada comunidade ou do gênero humano
como um todo. Podem também ter como objeto fenômenos naturais e, nesse caso, costumam
1 Helênico: que se refere à Grécia antiga, chamada Hélade, ou aos gregos antigos.
2 Os jônios eram habitantes da Jônia, conjunto de colônias da Grécia antiga nas ilhas e no litoral asiá-
tico do Mar Egeu.
Sócrates e a filosofia moral ocidental
Filosofia da educação
2
21
ser apresentados alegoricamente. Além disso, muitas vezes os mitos contêm a personifica-
ção de coisas ou de acontecimentos.
Para os filósofos da Antiguidade, nem sempre o mito foi entendido como oposto à razão:
alguns o admitiam como invólucro da verdade. Essa concepção foi adotada, por exemplo, por
Platão, que considerava as narrações mitológicas como um modo de expressão de verdades
que escapam ao raciocínio. Em todo caso, a explicação racional, objeto da filosofia, tem a sua
origem no mito, desenvolvendo-se a partir dele, até sua plena autonomia. Se a explicação míti-
ca dos fenômenos do universo é encontrada em todos os povos e em todas as épocas, devemos
aos gregos os primeiros e decisivos passos da explicação racional do mundo.
São muitas as maneiras que os historiadores subdividiram a história da filosofia clás-
sica, que compreende um período de mais de um milênio. De um modo geral, podemos
sintetizar essa época em quatro períodos:
1.	 Período naturalista – também chamado cosmológico3
ou pré-socrático, data do final
do século VII ao final do século V a.C., quando a filosofia se ocupa fundamental-
mente da origem do mundo e das causas das transformações na natureza.
2.	 Período humanista – também denominado antropológico4
ou socrático, ocorre do
final do século V até todo o século IV a.C., quando o objeto principal da filosofia
são as questões humanas, como a ética e a política.
3.	 Período sistemático – do final do século IV ao final do século III a.C., quando a
filosofia tem por tarefa reunir e sistematizar todo o conhecimento anterior sobre o
mundo e o ser humano.
4.	 Período helenístico – também conhecido como greco-romano ou religioso, surge do
final do século III a.C. até o século VI d.C. Nesse longo período, que já alcança
Roma e o pensamento cristão, a filosofia interessa-se principalmente pelas questões
da ética, do conhecimento humano e das relações entre a humanidade e Deus.
2.2 Os filósofos naturalistas e os sofistas
O primeiro período da filosofia grega toma o nome de naturalista ou cosmológico porque
a especulação dos filósofos volta-se para a natureza, o mundo exterior. Esse período surgiu e
se desenvolveu fora da Grécia propriamente dita, nas florescentes colônias da Ásia Menor5
e
do sul da Itália, tendo o seu início nos fins do século VII e o seu término dois séculos depois.
2.2.1 A escola jônica
A primeira expressão dessa fase – inaugurando por assim dizer o pensamento ocidental
– é a chamada escola jônica, que floresceu em Mileto, na Ásia Menor, ao longo do século VI.
3 Em grego, cosmos significa “mundo” e por isso esse período recebeu o nome de cosmológico.
4 Em grego, ântropos significa “homem” e por isso esse período recebeu o nome de antropológico.
5 Na Antiguidade, era conhecida como Ásia Menor a extremidade ocidental da Ásia, em linhas gerais
correspondendo ao território do que conhecemos hoje como Turquia.
Sócrates e a filosofia moral ocidental
2
Filosofia da educação
22
Os jônios procuravam a substância última de todas as coisas em uma única matéria, animada
por uma energia interior (daí hilozoísmo, “matéria animada”, ser o nome dessa doutrina). Seu
primeiro representante é Tales de Mileto (624-546 a.C.), para quem a água era a substância
primordial de todas as coisas. Para Anaximandro (610-547 a.C.), também de Mileto, o elemen-
to primordial seria o apeiron (o indeterminado, sem fim e em constante movimento). Já para
Anaxímenes (585-528 a.C.), também da mesma cidade, esse princípio era o ar.
O expoente mais célebre dessa escola é Heráclito (aproximadamente 540-470 a.C.), de
Éfeso, na Jônia. Para ele, o elemento primordial era o movimento, o eterno vir a ser: tudo
está sujeito a um fluxo perpétuo, representado pelo fogo. O vir a ser é luta, conflito de
opostos, antítese de vida e morte. Esse movimento só será reconduzido à estabilidade pela
sabedoria universal, que determina o acordo entre as oposições. Por esse motivo, Heráclito é
considerado o pai da dialética, a qual considera que a razão das coisas está na constante luta
dos contrários. É de Heráclito a ideia de que o mesmo homem não se banha duas vezes no
mesmo rio, pois, ao tentar um segundo banho, o rio já terá mudado, já será outro devido ao
contínuo fluxo das águas. E, como as coisas mudam constantemente, aquele homem já não
será o mesmo da primeira vez.
2.2.2 Pitágoras e a escola itálica
Pitágoras (571-497 a.C.), fundador da escola pitagórica ou itálica, nasceu em Samos,
uma ilha do Mar Egeu, mas pontificou nas colônias do sul da Itália. Para ele, o princípio pri-
mordial da realidade é representado pelo número, ou seja, pelas relações matemáticas. Toda
a multiplicidade do mundo e o vir a ser é explicado pelo pitagorismo por meio da luta dos
opostos, da qual os números pares e os ímpares são paradigmáticos. Esse conflito é recondu-
zido ao equilíbrio pela harmonia matemática que rege o universo todo, tanto material quan-
to moral. Outros representantes dessa escola são Filolau de Crótona e Árquitas de Tarento.
2.2.3 Xenófanes e a escola eleata
Essa escola empresta o seu nome da cidade de Eleia, no sul da Itália, e seu fundador
é Xenófanes (cerca de 570-460 a.C.), nascido em Cólofon, na Ásia Menor. Mas o seu maior
representante é Parmênides de Eleia (cerca de 530-460 a.C.), para quem o elemento original
das coisas é o ser, uno, idêntico, imutável e eterno, representado como uma esfera suspensa
no vácuo, sendo que o mundo sensível não passa de ilusão.
Zenão (cerca de 495-430 a.C.), também de Eleia, discípulo de Parmênides, é famoso pe-
las controvérsias nas quais tentava demonstrar a inexistência do movimento.
2.2.4 A escola pluralista
Empédocles (cerca de 492-493 a.C.), de Agrigento, Sicília, toma dos eleatas a doutrina
da eternidade e da imutabilidade do ser, mas o divide em quatro elementos fundamentais
– a terra, a água, o ar e o fogo –, explicando a multiplicidade e a mudança dos fenômenos
Sócrates e a filosofia moral ocidental
Filosofia da educação
2
23
mediante as várias recombinações desses elementos. Como Heráclito, acreditava na realida-
de do movimento. Pensava, entretanto, que o amor e o ódio são as duas forças primordiais
que presidem a combinação dos quatro elementos.
Já para Anaxágoras (cerca de 500-428 a.C.), a realidade é constituída de uma infinidade
de minúsculas partículas, eternas e imutáveis, de natureza diversa, servindo para explicar a
variedade das coisas. O noûs é a inteligência imanente que controla e seleciona essas partí-
culas, tirando-as do caos e ordenando-as conforme sua similaridade.
Todavia, Demócrito (460-370 a.C.), natural de Abdera, na Trácia6
, é o maior represen-
tante dessa corrente, também chamada atomística. Para ele, o ser de Parmênides é dividido
em uma infinidade de corpúsculos simples e homogêneos, denominados átomos, os quais,
suspensos no vazio, movem-se devido à variedade de tamanho e à consequente diversidade
de gravidade de cada uma dessas partículas. Os átomos, o vazio e o movimento constitui-
riam a razão de tudo.
2.2.5 Os sofistas e a arte da persuasão
De 500 a 448 a.C., houve as chamadas Guerras Médicas, relatadas em Histórias, de
Heródoto. As cidades jônicas, pertencentes à Grécia e situadas na Ásia Menor, revoltaram-se
contra o Império Persa e foram apoiadas por algumas cidades do continente, por fim sendo
lideradas por Atenas. Depois das vitórias dos gregos sobre os persas, assistimos ao triunfo
de Atenas, que se torna o eixo social, político e cultural do universo grego. É o chamado sé-
culo de Péricles7
, quando a democracia se encontra em seu auge. A democracia ateniense, que
se tornaria fundamental para o desenvolvimento da filosofia, tem uma característica essen-
cial que a distingue da democracia moderna: é uma democracia direta, sem a mediação de
representantes eleitos. Assim, para lograr que a sua opinião fosse acatada nas assembleias,
o cidadão precisava ser dotado de talentos oratórios. Nisso entram os sofistas, mestres da
eloquência, encarregados de ensinar aos jovens das famílias das classes mais abastadas a
arte da persuasão.
Professores encarregados de transmitir os princípios da retórica e da oratória, os sofis-
tas alegavam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam eivados de erros,
além de não terem nenhuma utilidade para a vida da pólis. Portanto, com os sofistas há uma
mudança de foco na pesquisa filosófica: a preocupação com a natureza, que esteve no cen-
tro das atenções dos pensadores anteriores, começa a refluir, dando lugar ao interesse pelo
humano – daí também o nome de antropológica ou humanista dado a essa fase. “Com efeito,
os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão da
physis e do cosmos para o homem e aquilo que concerne à vida do homem como membro de
uma sociedade” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 73).
6 A Trácia é uma região do sudeste da Europa, englobando o que hoje é o nordeste da Grécia, o sul da
Bulgária e a parte europeia da Turquia.
7 Péricles foi uma das principais lideranças políticas de Atenas. Sua época, o século V a.C., foi um pe-
ríodo de esplendor para Atenas, no qual conviveram grandes nomes, como Fídias, Sófocles, Policleto,
Calícrates e Sócrates.
Sócrates e a filosofia moral ocidental
2
Filosofia da educação
24
Protágoras (cerca de 480-410 a.C.), um dos maiores nomes da sofística – assim como
Górgias (484-375 a.C.) e Hípias (cerca de 435-343 a.C.) –, dizia que o homem é a medida de
todas as coisas. Em relação ao período anterior, isso significava uma abertura para o subje-
tivismo: dizer que o homem é a medida de todas as coisas significa dizer “que as coisas são
como lhe parecem; não, porém, como aparecem ao homem em geral, mas como aparecem
ao homem hic et nunc [“aqui e agora”]: é verdadeiro – e é bem – o que aparece como tal a
cada qual e a cada momento” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 109). Daí porque não é
raro os sofistas serem acusados de relativistas e céticos – para os relativistas, tudo pode ser
verdade, enquanto para os céticos não é possível alcançar a verdade.
É nesse contexto que aparece Sócrates, como um meteoro, dividindo a filosofia grega
em antes e depois dele.
2.2.6 O filho da parteira
Nascido em Atenas (470 ou 469 a.C.), filho de um escultor e de uma parteira, desde cedo
Sócrates se entregou à reflexão e ao ensino filosófico, não se deixando levar pelos cuidados
da vida doméstica e da política. No entanto, ao contrário dos outros filósofos, não fundou
uma escola, preferindo ensinar em lugares públicos, como nos ginásios, nas praças e nos
mercados. Exerceu um enorme fascínio sobre os atenienses, especialmente os mais jovens,
mas a sua ironia e atitude crítica foram-lhe aos poucos granjeando inimizades entre as par-
celas influentes da sociedade. Por fim, foi acusado de corromper a juventude e demonstrar
impiedade diante dos deuses da cidade.
Todavia, Sócrates não quis se defender. Condenado à pena capital, morreu aos 71 anos,
em 399 a.C., ingerindo cicuta (um veneno extremamente letal, extraído da planta de mesmo
nome), depois de ter recusado os projetos de fuga propostos por alguns de seus discípulos.
Sua morte foi o coroamento de uma vida dedicada ao conhecimento e à virtude, já que ele se
transformou no marco de alguém que preferiu morrer a negar suas convicções.
Sócrates não escreveu nada: tudo o que se sabe de sua pessoa chegou por meio de seus
discípulos, como Xenofonte e Platão – e não são poucos os debates da crítica para estabe-
lecer o que é confiável nessas fontes. O certo, porém, é que Sócrates se beneficia da virada
antropológica efetuada pelos sofistas. Contudo, ao contrário destes, não se interessa pelo ser
humano empírico (o ser humano individual, como é visto e apreendido pelos sentidos), mas
pelo humano em geral, com propósitos morais.
Como os sofistas, ele começa por criticar o senso comum, o saber instituído, a opinião,
a doxa – mas não para aí, o que não seria mais do que um ceticismo: ele transcende o saber
imediato em busca do saber autêntico, que seria racional e perene. Esse conhecimento esta-
ria dentro de cada um e, para encontrá-lo, Sócrates, um filho de parteira, serve-se de uma
técnica por ele chamada de maiêutica, um método que consiste em “parir”, “dar à luz” ideias
complexas a partir de perguntas simples, articuladas a partir de um determinado assunto.
Assim ele explicava o seu método:
A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença
de eu não partejar mulheres, porém homens, e de acompanhar as almas, não os
Sócrates e a filosofia moral ocidental
Filosofia da educação
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25
corpos, em seu trabalho de parto. Porém, a grande superioridade de minha arte
consiste [...] na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está
na iminência de conceber é alguma quimera ou faculdade ou fruto legítimo e
verdadeiro. (apud PENHA, 1994, p. 35)
Daí também a sua máxima: gnothi seauton, “conhece-te a ti mesmo”.
O aludido preceito socrático pretende mais do que orientar o indivíduo ao simples
conhecimento de si próprio. Seu alcance é maior: é um convite [...] ao aprofun-
damento da condição humana, do qual [...] nos desviamos quando levados pelo
conhecimento enciclopédico sobre a natureza das coisas. (PENHA, 1994, p. 33)
Partindo desse pressuposto, Sócrates constrói uma ética racionalista, na qual a virtu-
de passa a ter um papel fundamental. Mas em que consiste a virtude? Antes de tudo, ela
se identifica com o conhecimento. Os gregos chamavam-na areté, “significando aquilo que
torna uma coisa boa e perfeita naquilo que é, ou melhor ainda, significa aquela atividade
ou modo de ser que aperfeiçoa cada coisa, fazendo-a ser aquilo que deve ser” (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 88). Desse modo, ele nos diz que a causa do mal é a ignorância: se co-
nhecêssemos o bem, não praticaríamos o mal. Por essa razão, o conhecimento de si mesmo
é condição suficiente e necessária para a obtenção da areté. O autodomínio e a liberdade são
as bases para se atingir a virtude. Para ele, o ser humano é o artífice da sua própria felicidade
ou infelicidade.
Mas, afinal, o que é o ser humano para Sócrates? “O homem é sua alma, enquanto é per-
feitamente a sua alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. E, por alma,
Sócrates entende a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante”
(REALE; ANTISERI, 1990, p. 87). Por isso, a essência do ser humano, segundo Sócrates, é sua
psyché. Nesse sentido, ele é considerado o fundador da filosofia moral do Ocidente.
Outra ideia relevante no pensamento socrático é a noção de humildade. Sua máxima
“só sei que nada sei” é ilustrativa disso. Quando era elogiado por seus discípulos, ele fazia
tal afirmação. Para demonstrar que esse era um valor incorporado em sua prática cotidiana,
Sócrates construía suas afirmações a partir da relação dialógica com seus interlocutores.
Além disso, a dialética socrática é perpassada pela ironia. Em sua etimologia, o conceito
de ironia significa “a arte de interrogar”. Quando Sócrates utilizava tal recurso, tinha por
objetivo mostrar que, aquele com quem estava dialogando, na verdade estava ignorando o
que julgava conhecer. Por meio desse processo, desejava tornar seu interlocutor cônscio da
própria ignorância para que ele pudesse partir em busca da verdade.
Finalmente, mais que suas palavras, sua postura como filósofo mostrou que a filosofia
não é uma forma de conhecimento hermético, fechado, reservado somente a uma elite de
iniciados: Sócrates interpelava os transeuntes com quem se deparava e discutia com eles os
temas do cotidiano. Refletia, por exemplo, sobre a liberdade, o amor, a amizade, a verdade
– questões que tocam a todos.
Comentando a morte de Sócrates, Marilena Chaui afiança que
[...] o maior erro dos juízes foi não terem ouvido o mais importante ensinamento
de Sócrates, isto é, que todos os homens são iguais porque todos são capazes de
Sócrates e a filosofia moral ocidental
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Filosofia da educação
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Sócrates e Polo
(PLATÃO, 1986, p. 98-102)
SÓCRATES: – [...] Vê, pois, se estás disposto a ceder-me o turno da argu-
mentação, respondendo às perguntas. Eu creio deveras que nós – eu, tu e
toda gente – julgamos pior cometer a injustiça do que sofrê-la, e pior do
que expiá-la não a expiar.
POLO: – Mas, a meu ver, nem eu, nem ninguém mais, o admitimos. Quem,
se não tu, a cometer uma injustiça, preferiria sofrê-la?
SÓCRATES: – Eu? Sim, como tu e toda gente.
POLO: – Ora, ora! Nem eu, nem tu, nem ninguém mais.
[…]
SÓCRATES: – E quando de duas coisas feias uma é mais feia, assim é por
sobrelevar ou na dor, ou no dano. Ou não é forçosamente assim?
POLO: – É, sim.
SÓCRATES: – Adiante. Que dizíamos há pouco sobre praticar e sofrer
injustiça? Não dizias que sofrê-la é pior, mas praticá-la é mais feio?
POLO: – Dizia.
SÓCRATES: – Então, se praticá-la é mais feio do que sofrê-la, assim é por
ser mais doloroso e sobrelevar em dor, ou dano, ou ambas as coisas. Não
é isso também forçoso?
POLO: – Como não?
SÓCRATES: – Ora, examinemos em primeiro lugar se praticar uma injustiça
sobreleva em dor sofrê-la e se padecem mais os autores do que as vítimas.
ciência, todos são dotados de uma alma racional na qual se encontra a verdade e
todos são capazes de virtude. Razão, ciência, verdade e virtude são universais e
todos os homens são, por natureza, capazes delas. (CHAUI, 2000, p. 155)
Mártir da filosofia e da fidelidade aos seus princípios, Sócrates permanece vivo até hoje não
só em seu exemplo, mas sobretudo como base da construção do edifício da moral do Ocidente.
Ampliando seus conhecimentos
Sócrates e a filosofia moral ocidental
Filosofia da educação
2
27
POLO: – Isso, Sócrates, absolutamente não.
SÓCRATES: – Então, não é em dor que sobrelevas?
POLO: – Não, por certo.
SÓCRATES:–Senador,não,nãosobrelevariaportantoemambososmotivos.
POLO: – Não, é claro.
SÓCRATES: – Resta, pois, a outra razão?
POLO: – Sim.
SÓCRATES: – O dano?
POLO: – Naturalmente.
SÓCRATES: – Ora, se praticar uma injustiça sobreleva em dano, será pior
do que sofrê-la.
POLO: – Claro que sim.
SÓCRATES: – É ou não é fato que anteriormente a maioria das pessoas e
tu também concordáveis em que é mais feio ser o autor do que a vítima?
POLO: – Sim.
SÓCRATES: – E revelou-se agora pior.
POLO: – Aparentemente.
SÓCRATES: – Acaso, entre o mais e o menos danoso e feio, preferirias o
primeiro? Não hesites em responder, Polo; não te fará dano algum. Ao
contrário, confia-te bravamente à razão como a um médico e responde
sim ou não à minha pergunta.
POLO: – Bem, Sócrates, eu não preferiria.
SÓCRATES: – Alguém no mundo o faria?
POLO: – Não creio, a pensar assim.
SÓCRATES: – Portanto, eu dizia a verdade: nem eu, nem tu, nem qualquer
outra pessoa preferiríamos cometer injustiça a sofrê-la, por ser mais danoso.
Sócrates e a filosofia moral ocidental
2
Filosofia da educação
28
Atividades
1.	 Segundo o princípio primordial que os filósofos naturalistas ou cosmológicos aven-
taram para a origem das coisas, relacione as colunas.
a. Anaximandro de Mileto ( )	 A água.
b. Demócrito
( )	 O apeiron (o indeterminado, sem
fim e em terno movimento).
c. Pitágoras ( )	 O ar.
d. Tales de Mileto ( )	 Terra, água, ar e fogo.
e. Empédocles
( )	 O movimento, o vir a ser re-
presentado pelo fogo.
f. Anaxímenes de Mileto ( )	 O número.
g. Heráclito ( )	 O átomo.
2.	 Com base no conceito de maiêutica e no exemplo dele apresentado no Ampliando seus
conhecimentos, crie um diálogo entre Sócrates e o interlocutor do filósofo. Com base
no capítulo, Sócrates deve procurar extrair a verdade a partir do método socrático
de pergunta e resposta. Já seu interlocutor deve se deixar conduzir até que do senso
comum se chegue a ideias mais pertinentes e perspicazes.
A seguir existem alguns exemplos de temas que podem ser abordados nesses diálo-
gos socráticos:
•	 A educação é o único caminho para o desenvolvimento de um país.
•	 A mulher só se realiza plenamente na maternidade.
•	 Artistas e cientistas vivem sempre no mundo da lua.
3.	 Leia abaixo o trecho de uma letra do compositor Chico Buarque.
Bom conselho
Ouça um bom conselho
Que eu lhe dou de graça
Inútil dormir que a dor não passa
Espere sentado
Ou você se cansa
Está provado, quem espera nunca alcança
(BUARQUE, 1972)
	 Agora responda: quais são os pontos de contato entre essa letra e o método socrático?
Filosofia da educação 29
3
Platão e o nascimento da
razão ocidental
3.1 Platão: atleta e poeta
Ao contrário de Sócrates, que era filho de membros das classes populares, Platão
era de ascendência aristocrática. Seu pai orgulhava-se de ter o rei Codros entre os
seus antepassados e sua mãe de ter parentesco com Sólon1
. Nascido em Atenas (428
ou 427 a.C.), seu nome original era Aristócles. Platão é apelido, derivado, segundo
alguns, de seu porte atlético (ombros largos) ou, segundo outros, da largueza de seu
estilo. Com sua origem, era natural que desde cedo Platão visse na carreira política
o seu destino. Aos 20 anos, travou contato com Sócrates – 40 anos mais velho – e
por oito anos usufruiu de seus ensinamentos e de sua amizade. A morte trágica do
mestre imprimiu uma marca em todas as fases do pensamento de Platão. Ele passou
a desprezar a democracia e as massas, ideando um modo de governo dirigido pelos
mais sábios e capazes.
1 Sólon (640-560 a.C.) foi um estadista e poeta ateniense. Autor de um código de leis que introduziu grandes re-
formas nos primeiros 25 anos do século VI a.C., em Atenas. Essas leis enfraqueceram significativamente o poder
da aristocracia, que se fundamentava nos privilégios de nascimento. Sólon substituiu as leis draconianas por um
estatuto menos severo, que se tornaria a base para as leis clássicas surgidas posteriormente.
Platão e o nascimento da razão ocidental
3
Filosofia da educação
30
A partir disso, fez várias viagens para instruir-se. Conheceu o Egito, o sul da Itália
(onde estabeleceu relações com os pitagórigos), a Sicília (lugar em que não teve sucesso no
intento de influenciar positivamente o rei, tendo sido vendido como escravo e resgatado
mais tarde).
De volta a Atenas, fundou nos jardins do parque dedicado ao herói Academos a sua célebre
escola, destinada a desenvolver as ideias de Sócrates e a rebater as dos sofistas. A Academia,
como ficou conhecida, adquiriu grande prestígio, e a ela recorreram homens de todos os cantos,
sendo ali desenvolvidos os ideais de uma educação para a autonomia do indivíduo.
O ideal da educação autônoma significa:
•	 em primeiro lugar: ensinar o livre espírito de pesquisa, o compromisso do pensa-
mento apenas com a verdade;
•	 em segundo lugar: estimular a autodeterminação ética e política.
Em vez de transmitir doutrinas, a Academia tinha por premissa ensinar a pensar ou,
como lemos no Mênon, que é um dos textos de Platão, “o dever de procurar o que não sa-
bemos”. Ao contrário de transmitir valores éticos e políticos, a Academia propunha ensinar
a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria. Ali estudaram, entre outros, o
matemático Eudóxio e o jovem Aristóteles. Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão
oral e o desenvolvimento do vigor intelectual do estudante, sendo menos importantes as
exposições escritas (CHAUI, 2000, p. 175).
Em 347 a.C., aos 80 anos, reconhecido e admirado, morre Platão, tendo sido velado por
uma verdadeira multidão. De sua grandeza nos dá testemunho um dos maiores pensadores
do século XX: “Poucos filósofos, se é que algum, alcançaram a sua amplitude e profundi-
dade e nenhum o superou. Qualquer pessoa que se dedique à investigação filosófica será
insensata se ignorá-lo” (RUSSELL, 2002, p. 107).
Praticamente toda a produção de Platão chegou até nós, compreendendo 36 diálogos,
13 epístolas e uma coleção de definições, sendo esta provavelmente apócrifa – isto é, pode
ser que tais definições sejam erroneamente atribuídas a Platão, não há certeza se a autoria
realmente é dele. Seu interesse abarca as mais diversas áreas do conhecimento: ciências, ma-
temática, retórica, arte, política etc. Suas obras mais importantes e conhecidas são:
•	 Apologia de Sócrates, em que resgata os pensamentos do mestre;
•	 O banquete, em que versa sobre o amor de uma forma dialética;
•	 A república, na qual analisa desde a política e a ética até questões metafísicas, como
a imortalidade da alma.
No entanto, um problema sobre a real compreensão do pensamento platônico diz res-
peito às “doutrinas não escritas”. Antigas fontes revelam que, na Academia, Platão ministrou
cursos cujo teor ele não quis deixar por escrito. Para ele, “O conhecimento dessas coisas não
é de forma alguma transmissível como os outros conhecimentos” (REALE; ANTISERI, 1990,
p. 20). Para muitos estudiosos, esse aspecto é decisivo para se ter uma visão de conjunto da
filosofia platônica, e essa tradição oral pode ser de certa forma reconstituída pelos escritos dos
discípulos de Platão. Além disso, é bom ter em mente que Platão, a despeito de ter expulsado
Platão e o nascimento da razão ocidental
Filosofia da educação
3
31
de sua república os poetas, é um filósofo de inspiração poética. Por trás do sábio, é visível, em
sua produção, a veia do artista, manifestada no recurso às metáforas, às fábulas e aos mitos.
No tocante ainda à sua obra, deve-se destacar a influência de Sócrates. É verdade que em
seus escritos percebem-se elementos de diversos filósofos pré-socráticos, como Parmênides
e Heráclito, por exemplo. Contudo, nenhuma influência foi tão grande e decisiva quanto a
de Sócrates, a ponto de nos livros de Platão, sobretudo nos diálogos socráticos, ser difícil dis-
tinguir aquilo que é do mestre e aquilo que é efetivamente do discípulo. Assim, é por meio
dos textos de Platão que conhecemos as ideias de Sócrates, e é por meio de Sócrates, tornado
seu porta-voz, que conhecemos as ideias de seu discípulo mais célebre.
3.2 As vigas do pensamento platônico
Assim como em Sócrates, para Platão a filosofia tem um objetivo prático, moral: a in-
cumbência de resolver os grandes problemas da vida. Todavia, ao contrário de seu mestre,
que restringia o âmbito da filosofia ao ser humano, Platão a estende a toda a realidade. Nas
pegadas de Sócrates, Platão também distingue um conhecimento sensível (a opinião, a doxa)
e um conhecimento intelectual (a ciência, a episteme). Mas, enquanto Sócrates fazia derivar o
segundo do primeiro, para Platão o universal e imutável conhecimento intelectual não pode
se originar do conhecimento sensível, particular e mutável. Nas palavras de João da Penha
(1994, p. 36):
As ideias estão separadas das coisas, o mundo inteligível está fora e acima do
mundo sensível. A multiplicidade e instabilidade das coisas resultam de uma
ilusão dos sentidos. A única realidade objetiva, perfeita, são as ideias, não pas-
sando aquilo que vemos de pálidas representações daquelas. As coisas são có-
pias imperfeitas e fugazes de arquétipos de modelos ideais. É no mundo dos
inteligíveis, situado na esfera celeste, que habitam as ideias, essência de tudo o
que existe e de suas perfeições.
Jostein Gaarder (1999, p. 100) apresenta um exemplo significativo dessa teoria de Platão:
Por que todos os cavalos são iguais, Sofia? Talvez você ache que eles não são
iguais. Mas existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós
jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, o “exem-
plar” isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco,
depois adoece e morre. Mas a verdadeira “forma do cavalo” é eterna e imutável.
Desse modo, os conceitos ou as ideias que temos em nossa mente são eternos e imutá-
veis, e, por isso, necessários2
. São os arquétipos, isto é, formas ou modelos espirituais a partir
dos quais todos os fenômenos são originados. A realidade, por sua vez, é mutável e imper-
feita, ou seja, contingente3
. O conhecimento por meio dos sentidos e o conhecimento por
2 Necessário, em filosofia, é tudo aquilo que não pode não ser; que não há outra forma de ser. É algo
inelutável.
3 Contingente, em filosofia, é o contrário de necessário, ou seja, é aquilo que existe, mas poderia
não existir.
Platão e o nascimento da razão ocidental
3
Filosofia da educação
32
meio da razão trazem resultados completamente diferentes. Os dados dos sentidos apenas
nos permitem apreender simulacros (cópias imperfeitas) das ideias, levando-nos a formular
opiniões (não raro) contraditórias e superficiais sobre a realidade.
No entanto, a experiência sensível que nos é dada pelos sentidos é fundamental para
desencadear o processo de conhecimento. O conhecimento ocorre quando nos recordamos
imperfeitamente dos arquétipos que a alma teria contemplado no mundo das ideias antes
do nascimento corporal. A esse processo dá-se o nome de anamnesis (reminiscência). Trata-
-se, todavia, do nível mais baixo do conhecimento.
O mundo das ideias, por sua vez, só pode ser intuído pela razão, o que implica uma
ruptura radical com os dados dos sentidos aos quais estamos acostumados. O conhecimen-
to, para Platão, passa ainda por três níveis fundamentais:
•	 o conhecimento sensível, que é efetuado pelos sentidos no mundo dos fenômenos;
•	 o conhecimento discursivo, que implica o conhecimento da matemática, a única
ciência que possui uma natureza não corpórea;
•	 o conhecimento intelectivo, ao qual só a filosofia é capaz de levar, por meio de um
corte completo com a experiência sensorial.
Por meio desses três níveis, a mente se eleva do múltiplo e sensível até o uno, universal
e inteligível.
Para Platão, ainda, o divino é representado pelo mundo das ideias, no ápice do qual se
encontra a ideia do bem, seguida de três ideias que a caracterizam:
•	 a beleza;
•	 a proporção;
•	 a verdade.
Como a multiplicidade dos fenômenos é unificada pelas respectivas ideias, unas e imu-
táveis, do mesmo modo a multiplicidade das ideias encontra a sua unidade na ideia do bem,
que é o ser sem o qual não se entende o vir a ser. E, embora ela apresente atributos divinos,
a essa realidade suprema falta o poder criador, ou melhor, ordenador, de que é dotado o
demiurgo, o qual, ainda que superior à matéria, é inferior às ideias, de cujo modelo se serve
para ordenar o mundo, extraindo o cosmos do caos.
Da mesma maneira que o demiurgo, mas subordinado a ele, as almas têm uma função
mediadora entre as ideias e a matéria.
Segundo Platão, existem três tipos de alma:
•	 alma concupiscente, própria dos vegetais;
•	 alma irascível, própria dos animais;
•	 alma racional, exclusiva do ser humano.
Entretanto, no ser humano os três tipos de alma encontram-se reunidos hierarquica-
mente. A alma racional, destinada ao conhecimento das ideias, localiza-se na cabeça e tem
Platão e o nascimento da razão ocidental
Filosofia da educação
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33
como virtude principal a sabedoria. A alma irascível, associada à vontade, situa-se no peito e
tem por virtude cardeal a força. A alma concupiscente, por seu turno, tem por sede o ventre
e como virtude capital a moderação. A alma racional controla as outras duas, e por meio
das três virtudes obtém-se o pleno domínio do corpo e das paixões, alcançando-se assim a
justiça e a felicidade.
Nesse sentido, o corpo seria um obstáculo para a natureza racional do ser humano.
A moral platônica, portanto, ancorada no dualismo corpo-alma, é uma moral ascética, de
renúncia ao mundo. O objetivo da humanidade encontra-se além deste mundo, na contem-
plação do mundo das ideias.
Quanto ao destino individual das almas depois da morte, segundo Platão, as almas dos
filósofos e de todos que souberam se desprender do mundo sensível voltam para o mundo das
ideias; as dos seres apegados à matéria vão para um lugar de danação; enquanto as outras se
reencarnam em corpos mais ou menos nobres segundo o bem ou mal que tiverem praticado.
Aliás, para Platão, cabe também aos filósofos o governo de sua república ideal e nela
haveria basicamente três classes:
•	 a dos filósofos, encarregados da direção do Estado;
•	 a dos guerreiros, responsáveis pela sua defesa;
•	 a dos produtores – agricultores e artesãos –, os quais, submetidos aos outros, se-
riam os responsáveis pela sua sustentação econômica.
Compreendendo que os interesses privados, domésticos, não raro entram em choque
com os interesses da coletividade, Platão não hesita em sacrificar os primeiros em proveito dos
últimos. Todavia, se a natureza do Estado é sobretudo ética, o seu fim principal é pedagógico:
antes de tudo, o Estado deve zelar pelo bem espiritual dos cidadãos, educando-os na virtude,
e somente em um segundo momento ele deve se ocupar com o bem-estar desses cidadãos.
3.3 O legado de Platão
Se Aristóteles, o mais famoso discípulo de Platão, seria o responsável por grande parte
da construção do arcabouço científico do Ocidente, caberia ao mestre o estabelecimento de
sua estrutura espiritual. Opondo o mundo das ideias ao mundo da matéria, Platão criaria
as condições – que seriam reforçadas mais tarde pelo cristianismo – para que se produzisse
durante muitos séculos uma repulsa profunda por tudo o que estivesse relacionado com a
ordem material e sensível, como o corpo e a sexualidade, em proveito do mundo do espíri-
to, da mente, das ideias. Essa cisão entre corpo e alma, matéria e espírito, que deixaria suas
marcas na identidade ocidental, nós devemos a Platão. Não poucos pensadores – entre os
quais Nietzsche – tentariam mais tarde desconstruir essa herança. Em todo caso, de certa
forma Platão foi a pedra fundamental do edifício filosófico e espiritual do Ocidente. Não é
tarefa de pouca monta livrarmo-nos de sua influência.
Platão e o nascimento da razão ocidental
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Filosofia da educação
34
Ampliando seus conhecimentos
Imaginemos uma
caverna separada do mundo
(CHAUI, 2000, p. 195)
Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro,
cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento,
geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder
mover a cabeça para a entrada nem se locomover, forçados a olharem ape-
nas para a parede do fundo e sem nunca terem visto o mundo exterior
nem a luz do sol. Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o
espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se pas-
sam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do
fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carre-
gando nos ombros figuras de homens, mulheres, animais, cujas sombras
são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas
sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados
são seres vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela
curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual
quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna. No primeiro instante,
fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos
não estão acostumados; pouco a pouco se habitua à luz e começa a ver
o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver
as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras.
Deseja ficar longe da caverna e somente voltará a ela se for obrigado, para
contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa,
porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será
penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito
mais difícil do que se habituar à luz. De volta à caverna, o prisioneiro será
desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para
os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos
que jamais abandonaram a caverna.
Platão e o nascimento da razão ocidental
Filosofia da educação
3
35
Atividades
1.	 Com base no texto de Marilena Chaui apresentado no Ampliando seus conhecimentos,
qual é a mensagem deixada por esse mito? E, no seu entendimento, quais são as
cavernas de hoje? O que a educação pode fazer para ajudar os educandos a liberta-
rem-se de suas cavernas?
2.	 Segundo as principais linhas do pensamento platônico, relacione as colunas a seguir.
a. As coisas ( )	 só pode ser intuído pela razão.
b. Os conceitos ou ideias ( )	 é contingente.
c. A alma concupiscente ( )	 é própria dos vegetais.
d. A república ideal
( ) 	são cópias imperfeitas de arquétipos
de modelos ideais.
e. O mundo das ideias ( ) 	é governada pelos filósofos.
f. A realidade ( )	 são necessários.
3.	 Quanto ao legado de Platão, assinale a única alternativa correta.	
a.	 É o responsável por grande parte da construção do arcabouço científico do Ocidente.
b.	 Não poucos pensadores (entre os quais Nietzsche) tentariam mais tarde refor-
mular, a partir de novas bases, a herança de Platão.
c.	 É o principal responsável pela repulsa concernente a tudo o que esteja relaciona-
do com a ordem material e sensível.
d.	 É incompatível com a dogmática cristã, que desde o princípio preferiu a filosofia
de Aristóteles.
e.	 Essa cisão entre corpo e alma, matéria e espírito, que deixaria suas marcas na
identidade ocidental, nós devemos mais a Sócrates que a Platão.
Filosofia da educação 37
4
Aristóteles e a filosofia
como totalidade dos saberes
4.1 Filho de médico, mestre de príncipe
Se elementos da filosofia platônica persistem nos substratos inconscientes do
Ocidente, sobretudo em seus veios religioso e espiritual, o pensamento de Aristóteles
(o mais famoso discípulo de Platão) foi praticamente hegemônico – e ainda é cedo para
afirmar, como pretendem alguns, que tenhamos entrado em uma fase pós-aristotélica.
Diferentemente de Sócrates e Platão, Aristóteles era estrangeiro em Atenas: sua
família era de Estagira, colônia grega da Trácia, na fronteira com a Macedônia, onde
ele nasceu em 384 ou 383 a.C. Por ter nascido na cidade de Estagira, por vezes ele é
chamado de “o estagirita”. Seu pai foi médico na corte de Macedônia, servindo ao rei
Amintas, que era pai de Felipe e avô de Alexandre. Graças a essa influência, o futuro
filósofo beneficia-se desde cedo de uma atmosfera de pesquisa empírica, experimen-
tal, sem dúvida alguma decisiva para os vários tratados sobre questões biológicas que
escreveria mais tarde.
Aos 18 anos, já órfão, ele mudou-se para Atenas, ingressando na Academia platô-
nica, onde permaneceu por 20 anos convivendo com os maiores nomes do pensamento
da época. Todavia, com a morte de Platão, Aristóteles se afastou da escola, já que a
direção dela tendia para áreas que não eram inteiramente de seu interesse.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
4
Filosofia da educação
38
Assim, nos 12 anos seguintes ele viajou pela Ásia Menor, vivendo e lecionando em
várias cidades, em uma fase importantíssima de sua vida, até que, por volta de 343 a.C.,
Felipe da Macedônia o convocou para a corte, encarregando-lhe da educação de seu filho,
Alexandre, o Grande.
Pouco depois da ascensão de Alexandre ao trono, em 336, Aristóteles retornou a Atenas,
onde fundou uma escola própria, o Liceu, assim denominado devido ao templo dedicado a
Apolo Lício que ficava nas proximidades.
Em virtude do seu hábito de lecionar caminhando, a escola recebeu o nome de Perípatos,
que significa “passeio”, e os seus seguidores foram chamados de peripatéticos. “Foram es-
ses os anos mais fecundos na produção de Aristóteles, o período que viu o acabamento e a
grande sistematização dos tratados filosóficos e científicos que chegaram até nós” (REALE;
ANTISERI, 1990, p. 175).
Com a morte de Alexandre, irrompeu em Atenas uma rebelião contra a dominação mace-
dônica. Culpado por ter sido tutor do grande soberano, Aristóteles foi acusado de impiedade,
assim como Sócrates. No entanto, sem a mesma vocação para o martírio, Aristóteles fugiu para
Cálcis, onde havia uma propriedade sua, deixando a direção do Liceu com Teofrasto, um de
seus discípulos. Com apenas poucos meses de exílio, veio a falecer em 322 a.C., aos 60 anos.
4.2 Os escritos de Aristóteles
Os escritos de Aristóteles chegam às centenas – não faltando autores antigos que lhe
atribuem a autoria de cerca de mil volumes. O certo é que os textos de Aristóteles se dividem
basicamente em dois grandes grupos:
1.	 Os escritos exotéricos, destinados ao grande público, compostos sobretudo em for-
ma de diálogos, à semelhança de Platão;
2.	 Os escritos esotéricos, de aspecto mais didático, produzidos para os alunos e, em
alguns casos, pelos próprios alunos, como notas tomadas das aulas do mestre – a
maior parte do que nos chegou pertence a esse grupo.
No entanto, a primeira edição completa de suas obras só veio a lume pela metade do
último século antes de Cristo, graças ao esforço de Andrônico de Rodes, seu décimo suces-
sor na direção do Liceu. A classificação tradicional do corpus aristotélico, como a que segue,
tem por base essa edição:
•	 Escritos lógicos – um conjunto de escritos sobre a lógica (que Aristóteles conside-
rava um instrumento indispensável da ciência) e que recebeu mais tarde o título
de Organon.
•	 Escritos sobre a física – esse grupo abrange as obras de ciências naturais e a psicologia.
•	 Escritos metafísicos – essa compilação, feita depois da morte do filósofo por meio
de seus apontamentos, refere-se à metafísica, cujo nome foi dado devido ao lugar
que ocupa na coleção de Andrônico, isto é, “depois da física”.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
Filosofia da educação
4
39
•	 Escritos morais e políticos – a Ética a Nicômaco, assim chamada porque é dedicada
a Nicômaco, seu filho; a Ética a Eudemo, inconclusa, considerada hoje em dia uma
versão mais antiga do livro anterior; a Grande Moral, compêndio das duas prece-
dentes, em especial da segunda; e a Política, também incompleta.
•	 Escritos retóricos e poéticos – a Retórica e a Poética, que, no seu estado atual, é
apenas uma parte do que Aristóteles escreveu.
Quanto à abrangência e à grandeza do empreendimento aristotélico e o estilo em que
suas obras foram redigidas, transcrevemos o bem-humorado comentário de Will Durant
(2000, p. 75):
Temos aqui, evidentemente, a Encyclopedia Britannica da Grécia: todos os pro-
blemas abaixo e ao redor do sol têm um lugar nela [...]. Aqui está uma síntese
de conhecimento e teoria que nenhum homem tornaria a realizar até a época
de Spencer, e mesmo então com uma magnificência que não chegava à metade
dela; aqui, melhor do que a impulsiva e brutal vitória de Alexandre, estava uma
conquista do mundo. Se a filosofia é a procura da unidade, Aristóteles merece o
elevado título que 20 séculos lhe deram: Ille Philosophus – O filósofo.
Naturalmente, a um espírito de tal pendor científico faltava a poesia. Não de-
vemos esperar de Aristóteles o brilhantismo literário que inunda as páginas do
filósofo-dramaturgo Platão. Em vez de nos dar uma alta literatura, na qual a
filosofia esteja corporificada (e obscurecida) em mitos e imagens, Aristóteles nos
dá ciência, técnica, abstrata, concentrada [...]. Em vez de dar termos à literatura,
como fez Platão, ele construiu a terminologia da ciência e da filosofia; pratica-
mente não podemos falar de qualquer ciência, hoje, sem empregar termos que
ele inventou; eles jazem como fósseis no substrato de nossa linguagem: faculdade,
média, máxima [...], categoria, energia, realidade, motivo, fim, princípio, forma – estas
indispensáveis moedas do pensamento filosófico foram cunhadas em sua mente.
Com Aristóteles, assistimos à passagem de uma filosofia ainda tateante a uma filosofia
madura, rigorosa, autônoma. Nele se concretiza, mais do que em qualquer outro antes dele,
o domínio do logos sobre o mythos, da razão sobre a imaginação. Podemos afirmar ainda que
com o filósofo de Estagira se manifesta, pelo menos em seus princípios epistemológicos, o
que viria a ser a ciência ocidental.
4.3 Só o individual é real
Para compreendermos a originalidade da contribuição do pensamento de Aristóteles,
é preciso levar em conta dois fatores essenciais: a formação prática herdada de seu pai e a
força da filosofia platônica. São duas tendências opostas que encontrarão nele uma síntese
original, a formação prática funcionando como ponto de partida e pano de fundo para a
superação da filosofia platônica. Assim, em Aristóteles a pesquisa empírica fornece o instru-
mental para a refutação da teoria platônica das ideias. Em outros termos, em Aristóteles é
formulada uma filosofia realista em comparação ao pensamento idealista de Platão.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
4
Filosofia da educação
40
O ponto de partida dessa nova filosofia consiste em conceber, ao contrário de Platão,
que somente o individual é real: o que realmente existe é o indivíduo material concreto. Esse
indivíduo concreto seria o constituinte último da realidade, a qual, mais do que uma mani-
festação imperfeita do mundo das ideias, é composta do conjunto de indivíduos materiais e
concretos existentes.
Além disso, para Aristóteles a experiência é a única fonte de conhecimento autêntico: con-
tra Platão, ele postula que não existem ideias puras a serem investigadas ou procuradas por
trás das aparências. A inteligência humana conta apenas com o que está acessível aos sentidos.
Dessa forma, no intelecto não há nada que antes não tenha passado pelo concreto. Trata-se de
interessar-se imediatamente pelas coisas, pois é a partir delas que se extraem as ideias.
Aprofundando a análise, Aristóteles afirma que o indivíduo concreto – o único real e
existente – é constituído de matéria e forma. “A matéria é o princípio da individuação e a
forma a maneira como, em cada indivíduo, a matéria organiza-se” (MARCONDES, 2000,
p. 72). Assim, cada indivíduo tem uma matéria específica, particular, e uma forma comum,
partilhada com os indivíduos da mesma espécie. Matéria e forma são indissociáveis, pois a
matéria existe apenas dentro de uma forma específica.
A fim de compreendermos melhor, vejamos o exemplo da estátua: a matéria dela é o
mármore ou o bronze, por exemplo, e a forma é a bela Afrodite ou o feio Sócrates.
E só o individual é real. O universal, por sua vez, somente existe em nossa mente por
meio da abstração. O caminho por meio do qual o intelecto chega ao conhecimento é a
abstração – que é o processo segundo o qual a inteligência separa matéria e forma. O co-
nhecimento dá-se quando relacionamos os objetos que possuem a mesma forma e fazemos
abstração de sua matéria, ignorando suas características particulares.
Formulemos um exemplo de abstração: pelos sentidos, conheço um ser, identifico que
ele é semelhante a outros da mesma espécie. Trata-se de um mamífero ruminante que cha-
mamos de vaca. A ideia de vaca não existe em estado puro, não há um mundo das ideias
onde exista uma vaca arquetípica, modelo para todas as vacas do universo. O que existe
de fato é essa vaca particular, que posso ver com os meus olhos. Mas, por um processo de
abstração, chego à ideia de vaca, comum a todas as vacas que eu possa conhecer. Em termos
aristotélicos, posso afirmar que a ideia que tenho da vaca é a sua essência1
. É baseado nessa
ideia que reconheço uma vaca concreta, mas a ideia não existe sem os seres individuais que
eu percebo pelos sentidos.
4.4 A metafísica
O interesse de Aristóteles pelo individual e pelo real não o impediu, porém, de inves-
tigar as realidades não diretamente apreensíveis pelos sentidos. Se ele é considerado o pai
da lógica e da ciência, também é o pai da metafísica. Para essas realidades suprassensíveis,
1	 A distinção entre essência e existência é uma das classificações da metafísica aristotélica. Existência
indica o ser que está acima do nada. Pela essência, ele passa a participar de determinada espécie de ser.
A essência é, portanto, nada mais que um modo do existir.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
Filosofia da educação
4
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Aristóteles desenvolveu o que ele chamou de filosofia primeira, a qual, com Andrômico, ga-
nharia o nome com que se tornaria mundialmente conhecida: metafísica.
Essa é a ciência que se ocupa com as realidades que estão para além das realidades físi-
cas (meta, em grego, significa “depois, além de”). O conceito de filosofia primeira é extrema-
mente complexo em Aristóteles, não havendo uma definição única. Basicamente, o filósofo
estabeleceu quatro definições. Assim, metafísica ou filosofia primeira é:
1.	 a ciência que indaga causas e princípios;
2.	 a ciência que indaga o ser enquanto ser;
3.	 a ciência que investiga a substância;
4.	 a ciência que investiga a substância suprassensível.
Os conceitos de matéria e forma, ato e potência, substância e acidente possuem papel capital
na metafísica aristotélica. Para ele, existem quatro causas implicadas na existência de algo:
1.	 Causa material – é aquilo de que, como material imanente, provém o ser de uma
coisa, isto é, fornece alguma coisa para o ser.
2.	 Causa formal – é a forma ou modelo, isto é, a definição da essência.
3.	 Causa motora ou eficiente – é aquilo que se origina da mutação ou da quietação
da coisa. Por exemplo, o conselheiro é a causa da ação, o pai é a causa do filho e,
de modo geral, o autor é a causa da coisa realizada, o agente modificador é a causa
da alteração.
4.	 Causa final – é aquilo para o que a coisa é feita, como a saúde é o fim dos exercícios
físicos, de modo que à pergunta: “para que se faz ginástica?” geralmente se respon-
de: “para alcançar ou conservar a saúde física”.
Para exemplificar essas quatro causas, pode-se pensar em um vaso de argila.
1.	 A causa material é a argila, a matéria de que o vaso é feito.
2.	 A causa formal é a forma, o formato em que essa argila está disposta para se consti-
tuir em um recipiente ao qual damos o nome de vaso – e não, por exemplo, de tijolo.
3.	 A causa eficiente ou motora é o oleiro que trabalhou a argila, produzindo o vaso.
4.	 A causa final, o objetivo do vaso, o fim para o qual foi feito esse determinado obje-
to, é portar um arranjo de flores, servir de enfeite para um ambiente etc.
Aristóteles distingue ainda os conceitos de essência e acidentes.
A essência é aquilo que dá identidade a um ser e, na falta dela, esse ser não pode tor-
nar-se o que é, não sendo reconhecido como tal. Assim, um livro sem nenhum tipo de letras
não pode ser considerado um livro, pois o fato de ter letras impressas é o que o permite ser
identificado como livro, e não como caderno, por exemplo.
O acidente, por sua vez, é algo que pode ou não ser inerente a um determinado ser, mas
que, mesmo quando ausente, não o descaracteriza. Desse modo, o perfume de uma flor é um
acidente, pois uma flor não deixará de ser flor por lhe faltar o perfume. A sua cor também é
um acidente: por mais que uma flor tenha necessariamente alguma cor, ainda assim o fato
de ser amarela ou vermelha não lhe faz ser o que ela é.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
4
Filosofia da educação
42
Todas as coisas que existem, existem em potência e ato, ensina Aristóteles. Uma coisa
em potência é uma coisa que tende a ser outra, tal como a semente, que é uma árvore em
potência. Em outras palavras, potência é aquilo que ainda não é, mas que preexiste realmente
como possibilidade de vir a ser. Segundo Aristóteles, “das coisas não existentes, algumas
existem em potência, por não existirem em ato”.
Uma coisa em ato é algo que já está realizado, o ser enquanto já é, como uma árvore é
uma semente em ato. De algum modo, o ser em ato pressupõe determinação e perfeição.
A principal determinação é a da existência: é a determinação na ordem do ente. A de-
terminação dá-se também na ordem da essência, enquanto esta apresenta essa ou aquela
fisionomia. Ademais, todas as coisas, mesmo em ato, também são em potência, pois uma
árvore – uma semente em ato – também é uma folha de papel ou uma cadeira em potência.
A única coisa que é totalmente em ato é o ato puro, que Aristóteles identifica com o
bem. Esse ato não é nada em potência, nem é a realização de potência alguma – desse con-
ceito, mais tarde São Tomás de Aquino derivaria a sua noção de Deus como ato puro.
E há potências ativas e passivas. As potências passivas apenas recebem o ato. As ativas
têm a condição de produzir o ato. O homem tem potências como as do conhecimento e as
dos impulsos. Um ser em potência só pode tornar-se um ser em ato mediante algum movi-
mento. O movimento vai sempre da potência ao ato, da privação à posse. É por isso que o
movimento pode ser definido como o ato de um ser em potência enquanto está em potência.
Em suma, com esse quadro de conceitos, a metafísica aristotélica inaugura tanto a in-
vestigação da estrutura geral dos seres quanto as condições que fazem com que um determi-
nado ser possa existir e ser conhecido pelo pensamento. Assim, postula que a realidade no
seu todo é apreensível pelo intelecto, apresentando-se como conhecimento teorético ou teó-
rico dessa realidade sob todos os seus aspectos gerais ou universais. Além do mais, ela deve
preceder as pesquisas que cada ciência particular realiza sobre um determinado tipo de ser.
4.5 O pai da lógica
Aristóteles é o verdadeiro criador da lógica ocidental, o organon, que em grego quer
dizer “instrumento”. Ora, tanto a ciência quanto a filosofia têm por objeto o universal e o
necessário, não se podendo fazer ciência em torno do individual e do contingente. Assim
como a ideia era o alvo da ciência platônica, a forma é o objeto da ciência aristotélica, a qual,
estritamente falando, opera a partir da “dedução do particular pelo universal, explicação do
condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro elemento depende do segundo”
(PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 126).
Assim, o objeto principal da lógica de Aristóteles é esse processo de derivação. Portanto,
a lógica aristotélica é basicamente dedutiva e demonstrativa, e o seu processo característico é
o silogismo. Eis como Marilena Chaui a explica:
O objeto da lógica é a proposição, que exprime, através da linguagem, os juízos
formulados pelo pensamento. A proposição é a atribuição de um predicado a um
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
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sujeito: S é P. O encadeamento dos juízos constitui o raciocínio e este ­
exprime-se
logicamente através da conexão de proposições; essa conexão chama-se ­silogismo.
A lógica estuda os elementos que constituem uma proposição (as categorias), os
tipos de proposições e de silogismos, e os princípios necessários a que toda pro-
posição e todo silogismo devem obedecer para serem verdadeiros [...]. (CHAUI,
2000, p. 183)
Qualquer proposição é composta dos seus termos ou categorias, que são palavras que
designam algo: Sócrates, morte. Quando emitimos um juízo sobre algo, estamos fazendo uma
combinação desses termos – por exemplo, “Sócrates é mortal”. Esse juízo, combinado com
outros, forma um raciocínio. Quando o raciocínio é formulado de uma maneira lógica, chama-
-se silogismo. Retomando a frase “Sócrates é mortal”, é possível elaborar o seguinte silogismo:
Todos os homens são mortais.
Sócrates é homem.
Logo, Sócrates é mortal.
Em outras palavras, silogismo é a argumentação lógica perfeita, constituída de três pro-
posições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras (denomi-
nadas premissas) é possível deduzir uma conclusão.
Duas características fundamentais se destacam na lógica aristotélica: o aspecto formal
e o rigor dedutivo.
Pelo aspecto formal se entende que três leis supremas condicionam o seu exercício e
garantem a sua validade:
1.	 o princípio de identidade (dizer que o que é é, e o que não é não é);
2.	 o princípio de não contradição (é impossível que algo seja e não seja ao mesmo
tempo);
3.	 o princípio do terceiro excluído (uma determinada coisa não pode ser afirmada e
negada ao mesmo).
Pelo rigor dedutivo se entende que, uma vez admitida a verdade de certas proposições
(premissas), as consequências que daí resultam são necessariamente verdadeiras.
Com esse rigoroso modelo de lógica formal, Aristóteles estabeleceu a metodologia que
permearia toda a pesquisa científica e a investigação filosófica do Ocidente até praticamente
a Idade Moderna.
4.6 A justa medida e o bem comum
A ética e a política também estão entre as grandes contribuições de Aristóteles. Para
falarmos da primeira, é preciso antes nos reportarmos à sua teoria da alma. De Platão ele
empresta a divisão tripartite da alma, segundo a qual a alma se divide em alma concupis-
cente, alma irascível e alma racional. Se todos os seres vivos possuem a alma concupiscente
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
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Filosofia da educação
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(a vida vegetativa, já que todos têm um metabolismo) e a alma irascível é partilhada tanto
pelos animais quanto pelo ser humano (a sensibilidade), somente o ser humano é detentor
de uma alma racional. Ora, a ética só intervém nesse último nível, no nível racional.
Sendo a razão o distintivo do ser humano, ele só pode realizar a sua verdadeira natu-
reza vivendo racionalmente. E assim, mediante a virtude, que é uma atividade conforme a
razão, ele alcança a felicidade.
Com efeito, o fim do ser humano é a felicidade, que ele atinge por meio da virtude, a
qual é necessária à razão. Por esse motivo, pode-se afirmar que a característica fundamental
da ética aristotélica é o racionalismo. Além disso:
As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes
intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental,
afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser
completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as pai-
xões, não as aniquila e destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude
ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente
ciência, mas uma ação com ciência. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 132)
Essa “ação com ciência” se manifesta precisamente na escolha do justo meio entre dois
extremos, ou seja, entre duas paixões opostas, já que os impulsos e as paixões tendem ao
excesso ou à carência. A razão deve impor a justa medida entre um e outro extremo. É justa-
mente nesse meio-termo, nesse equilíbrio, que se encontra a virtude. “A coragem, por exem-
plo, é o meio caminho entre a temeridade e a vileza, ao passo que a liberalidade é o justo
meio entre a prodigalidade e a avareza” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 205). Obviamente, a
justa medida não é abstrata, nem é a mesma para todos e em todo o tempo, pois é concreta
e variável conforme as paixões em jogo, o indivíduo e as circunstâncias.
Além disso, se a virtude é uma atividade segundo a razão, ela também é um hábito se-
gundo a razão, um costume moral, uma disposição da vontade. Como o conhecimento, que
exige esforço e disciplina, a virtude não é inata, mas adquirida mediante a prática, o exercí-
cio. Porém, uma vez adquirida, ela torna-se de fácil execução, quase automática, como uma
segunda natureza. Daí a importância da educação. Daí, também, a importância do Estado,
responsável pela educação dos cidadãos.
Se o objetivo da ética aristotélica é a felicidade do indivíduo, a política aristotélica tem
por meta a felicidade coletiva da pólis (a cidade-Estado grega)2
. Com esse fim, o filósofo
investiga as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao ci-
dadão. Por isso mesmo, a política situa-se no âmbito da práxis, isto é, no âmbito das ciências
que buscam o conhecimento como meio para a ação.
Ora, assim como o bem comum é superior ao particular, o Estado é superior ao indiví-
duo. Unicamente no Estado se realiza a satisfação de todas as necessidades, pois o indivíduo
não pode se realizar plenamente sem a coletividade. O Estado, que surge como consequência
2 Apesar de no tempo de Aristóteles a cidade-Estado grega estar em decadência e de se assistir ao
surgimento de um império colossal (o império de Alexandre), Aristóteles não tem olhos para outra
coisa a não ser para a cidade-Estado.
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
Filosofia da educação
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da sociabilidade do ser humano, é responsável primeiramente por prover a satisfação das
necessidades materiais, como a defesa e a segurança. Mas o seu alvo é espiritual: promover,
mediante a ciência, a virtude – e, por conseguinte, a felicidade dos cidadãos. Assim, sua ta-
refa principal é a educação, por meio da qual são formados os futuros cidadãos, sobretudo
por meio das artes, como a música e a poesia.
Não obstante a importância do Estado, Aristóteles conserva os direitos individuais: o
Estado é, antes de tudo, a síntese de indivíduos distintos. Desse modo, ao contrário da repú-
blica de Platão, Aristóteles salvaguarda a família e a propriedade particular. Todavia, como
fazia o seu mestre, Aristóteles admite a divisão de castas, reconhecendo sobretudo duas: a
dos homens livres (os cidadãos da pólis) e a dos escravos, que eram privados de qualquer
direito político.
Ademais,
Quanto à forma exterior do Estado, Aristóteles distingue três principais: a mo-
narquia, que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja
degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter e
valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o
governo de muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade. E cuja degeneração é
a demagogia. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 134)
Embora Aristóteles prefira a forma de governo democrática, como a que se desenvol-
veu na Grécia – sobretudo em Atenas –, devido ao seu realismo ele tem consciência de que
a forma de governo ideal deve adaptar-se à índole do povo e às circunstâncias históricas.
Ampliando seus conhecimentos
Cada Estado é uma comunidade estabelecida
com alguma boa finalidade
(ARISTÓTELES, 2000, p. 143-146)
A observação nos mostra que cada Estado é uma comunidade estabe-
lecida com alguma boa finalidade, uma vez que todos sempre agem de
modo a obter o que acham bom. Mas, se todas as comunidades almejam
o bem, o Estado ou comunidade política, que é a forma mais elevada de
comunidade e engloba tudo o mais, objetiva o bem nas maiores propor-
ções e excelência possíveis.
É um erro supor que sejam as mesmas as relações entre um estadista e o
Estado, entre um rei e seus súditos, entre um chefe de família e sua casa,
entre senhores e escravos. Com efeito, elas diferem não apenas no tama-
nho, mas na espécie. Tamanho não é critério. Não podemos dizer que é
um pequeno número de pessoas que define a relação senhor-escravos;
Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes
4
Filosofia da educação
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que uma quantidade maior de indivíduos define o relacionamento do
chefe de família com os seus; que um monarca o é porque se relaciona com
numerosas gentes ou, talvez, com uma comunidade política – como se
não houvesse diferenças entre uma enorme família e um pequeno Estado.
[...]
A família é a associação estabelecida por natureza para suprir as necessi-
dades diárias dos homens, e seus membros são chamados, por Charondas,
companheiros do pão; já Epimênides, o Cretense, denomina-os companheiros
de comer. Mas, quando várias famílias estão unidas em certo número de
casas, e essa associação aspira a algo mais do que suprir as necessidades
cotidianas, constitui-se a primeira sociedade, a aldeia. A forma mais natu-
ral de aldeia parece ser uma colônia de famílias com filhos e netos dos
quais se diz que foram “criados com o mesmo leite”. Por causa dessa com-
posição, seu governo era inevitavelmente monárquico; é por esse motivo
que as cidades-Estado helênicas foram, originariamente, governadas por
reis – porque foi assim antes de os helenos se reunirem em cidades, como
acontece ainda hoje com algumas nações bárbaras. [...]
Quando várias aldeias se unem numa única comunidade, grande o bas-
tante para ser autossuficiente (ou para estar perto disso), configura-se a
cidade, ou Estado – que nasce para assegurar o viver e que, depois de
formada, é capaz de assegurar o viver bem. Portanto, a cidade-Estado é
uma forma natural de associação, assim como o eram as associações pri-
mitivas das quais ela se originou. A cidade-Estado é a associação resul-
tante daquelas outras, e sua natureza é, por si, uma finalidade; porque
chamamos natureza de um objeto o produto final do processo de aperfei-
çoamento desse objeto, seja ele homem, cavalo, família ou qualquer outra
coisa que tenha existência. Ademais, o objetivo e a finalidade de uma coisa
podem apenas ser o melhor, a perfeição; e a autossuficiência é, a um só
tempo, finalidade e perfeição.
Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e que
o homem é, por natureza, um animal político.
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Filosofia da educacao

  • 2.
  • 3. IESDE BRASIL S/A 2018 Filosofia da educação Otto Leopoldo Winck Ivo José Triches Cláudio Joaquim Rezende Wanderley Machado Luciano D. da Silva Natalina Triches
  • 4. Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br Capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: koya79, PanosKarapanagiotis/iStockphoto CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ F524 Filosofia da educação / Otto Leopoldo Winck ... [et al.]. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2018. 230 p. : il. ; 21 cm. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6403-8 1. Educação - Filosofia. I. Winck, Otto Leopoldo. II. Título. 17-46724 CDD: 370.1 CDU: 370.1 © 2018 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.
  • 5. Apresentação “Tudo o que é sólido se desmancha no ar”, escreveu Karl Marx no Manifesto Comunista, referindo-se à vertiginosa velocidade das mudanças na sociedade de sua época. Hoje, mais de 150 anos depois, podemos afir- mar que essa constatação continua atual. Vivemos, com efeito, sob o im- pacto de mudanças cada vez mais velozes, em um tempo em que valores e certezas outrora considerados sólidos liquefazem-se antes mesmo que outros lhes tenham substituído. Nesse sentido, a educação é uma caixa de ressonância dessas vertigi- nosas transformações. Ao mesmo tempo em que as instituições de ensino são o baluarte de algumas das mais antigas tradições, como a disciplina e a hierarquia, elas não deixam de ser profundamente afetadas pelas altera- ções do presente mais imediato. As rebeliões juvenis do ano de 1968, por exemplo, tiveram como palco privilegiado as universidades. Daí a importância e urgência de pensarmos constantemente a edu- cação. E, para fazê-lo, nada melhor do que pedirmos auxílio à filosofia. É o que faremos ao longo desta obra. No capítulo inicial, intentaremos esclarecer o conceito de filosofia. Em seguida, do capítulo 2 ao 14, faremos uma viagem pela história da filosofia ocidental, desde os seus antecessores gregos até correntes recen- tíssimas, como o existencialismo e a Escola de Frankfurt. Assim, nessa viagem lançaremos um olhar especial sobre alguns dos principais pensa- dores desse longo período, e esse olhar será acompanhado de exercícios de fixação e reflexão. Ademais, cada capítulo será complementado com um ou mais textos extraídos dos próprios filósofos – isso porque acre- ditamos que conhecer a história da filosofia é, sobretudo, frequentar a reflexão dos pensadores que fizeram essa história. Os capítulos 15 a 18, por seu lado, abordam sob vários aspectos as relações entre filosofia e educação, destacando algumas questões canden- tes dessa problemática. Já que a educação nunca ocorre sem um substrato filosófico, ainda que latente ou oculto, é importante trazer à tona esse diálogo incontornável. É da mútua fecundação entre essas duas discipli- nas, muito próximas uma da outra, que poderá surgir uma compreensão
  • 6. e uma prática de ensino e aprendizagem capazes não apenas de interpretar as velozes mudanças de nosso tempo como também de conduzi-las para a construção de uma sociedade mais humana. Aliás, o próprio Marx declarou, na XI tese sobre Feuerbach, que “até agora os filósofos se limitaram a inter- pretar o mundo. Cabe-lhes agora transformá-lo”. Acrescentamos apenas que essa missão é também – e sobretudo – dos educadores. Dessa maneira, só nos resta desejar que essa viagem pelos horizontes imbricados da filosofia e da educação possa produzir muitos frutos, tanto na teoria quanto na prática de nossa ação pedagógica. Boa leitura!
  • 7. Sobre os autores Otto Leopoldo Winck Doutor e Mestre em Estudos Literários pela UFPR. Especialista em Filosofia com ênfase em Ética e Bacharel em Teologia pela PUC-PR. Ivo José Triches Mestre em Engenharia da Produção com ênfase em Mídias e Conhecimento pela UFSC. Especialista em Filosofia Clínica pelo Instituto Packter e em Filosofia Política pela UFPR. Especialista em Pensamento Contemporâneo e Graduado em Filosofia pela PUC-PR. Cláudio Joaquim Rezende Mestre em Filosofia Política pela UFG e Especialista em Filosofia Política pela UFPR. Graduado em Filosofia pela PUC-PR e em Direito pela Unibrasil. Wanderley Machado Especialista em História do Brasil e graduado em História. Luciano Donizeti da Silva Doutor em Filosofia pela UFSCAR, mestre e graduado em Filosofia pela UFPR. Natalina Triches Especialista em Tecnologias Aplicadas à Educação e em Gestão Escolar. Graduada em Filosofia pela UFPR.
  • 8. 6 Filosofia da educação Sumário 1 Um convite à filosofia 11 1.1 Por que filosofia? 11 1.2 Definições 12 1.3 Divisão de tarefas 14 1.4 A atitude filosófica e o senso comum 14 1.5 Nem dogmatismo nem ceticismo 16 2 Sócrates e a filosofia moral ocidental 19 2.1 O gênio grego, o mito e as origens da filosofia 19 2.2 Os filósofos naturalistas e os sofistas 21 3 Platão e o nascimento da razão ocidental 29 3.1 Platão: atleta e poeta 29 3.2 As vigas do pensamento platônico 31 3.3 O legado de Platão 33 4 Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 37 4.1 Filho de médico, mestre de príncipe 37 4.2 Os escritos de Aristóteles 38 4.3 Só o individual é real 39 4.4 A metafísica 40 4.5 O pai da lógica 42 4.6 A justa medida e o bem comum 43 5 De Aristóteles à Renascença 49 5.1 A filosofia na era helenística 49 5.2 Sob a égide da cruz 55 5.3 A Renascença e o divórcio entre razão e fé 63
  • 9. Filosofia da educação 7 Sumário 6 Espinosa: uma filosofia da liberdade 67 6.1 A filosofia moderna: entre razão e experiência 67 6.2 Uma vida em diáspora 68 6.3 Uma vida de filósofo 70 6.4 O panteísmo de Espinosa 72 6.5 O ser humano 73 6.6 A moral, o sábio e a eternidade 74 6.7 Igreja e Estado 75 7 O Iluminismo e o Século das Luzes 79 7.1 Há algo de novo debaixo do Sol 79 7.2 Da Inglaterra e da França as luzes brilham para o mundo 81 7.3 Luzes e revolução 82 7.4 A máquina a vapor e a ferrovia: as luzes chegam à técnica 83 7.5 Nomes que brilham 84 7.6 O legado iluminista 87 8 Immanuel Kant e o idealismo alemão 91 8.1 Na encruzilhada da razão 91 8.2 O filósofo de Königsberg 92 8.3 Entre dogmatismo e ceticismo: a via kantiana 94 8.4 A razão no tribunal 95 8.5 O imperativo categórico 98 8.6 Kant e a educação 100 8.7 O idealismo alemão 101 9 A dialética idealista e materialista 105 9.1 Dialética: breve histórico 105 9.2 Hegel 107 9.3 O hegelianismo 108 9.4 Filósofo e agitador 110 9.5 O materialismo histórico 112 9.6 A práxis 114
  • 10. 8 Filosofia da educação Sumário 10 Schopenhauer: o mundo como representação 119 10.1 Contra Hegel 119 10.2 Uma vida taciturna 121 10.3 O mundo como representação 122 10.4 Tudo é dor 123 10.5 O nirvana 124 10.6 Schopenhauer e a educação 125 11 O positivismo e o desenvolvimento da ciência 127 11.1 Um mestre e uma musa 127 11.2 História e evolução 129 11.3 A religião da humanidade 130 11.4 Quando filosofia vira samba 131 12 Nietzsche educador 135 12.1 Vates e filósofos 135 12.2 Uma vida perigosa 136 12.3 Saúde precária e livros vigorosos 138 12.4 Uma filosofia feita com o martelo 139 12.5 O “anticristo” e a luta contra o platonismo do povo 140 12.6 O super-homem e a nova moral 141 12.7 Nietzsche e a educação 142 12.8 Nietzsche está vivo 143 13 A Escola de Frankfurt 147 13.1 A herdeira do facho 148 13.2 Uma escola crítica 148 13.3 Os momentos da teoria crítica 150 13.4 Teoria crítica versus teoria tradicional 150 13.5 Razão instrumental e indústria cultural 151 13.6 Principais expoentes 153 13.7 Luzes, razão e educação 157
  • 11. Filosofia da educação 9 Sumário 14 Pragmatismo e existencialismo 161 14.1 Era dos extremos: as duas faces da moeda 161 14.2 Pragmatismo: origens e paternidade 162 14.3 Existencialismo: “uma mística do inferno” 166 15 Filosofia e educação 179 15.1 Filosofia para quê? 179 15.2 Crise e filosofia 180 15.3 Filosofia e educação: isso dá certo? 182 15.4 Filosofar ou filosofar: eis a questão 183 16 Ética e educação 187 16.1 A refundação da ética 187 16.2 Ética e moral 188 16.3 A ética através dos tempos 189 16.4 A ética na educação 192 16.5 Reconstruindo a ética na escola: tarefas 193 17 Filosofia e formação humana na escola 197 17.1 No princípio 197 17.2 A educação como formação 198 17.3 A formação como humanização 200 17.4 A escola como espaço privilegiado da formação 202 18 Filosofia clínica e educação 205 18.1 Historicidade da filosofia clínica 206 18.2 Principais conceitos da filosofia clínica e sua aplicabilidade na educação 207 18.3 As contribuições da filosofia clínica no fazer pedagógico 208 18.4 Filosofia clínica e humanismo 208
  • 12.
  • 13. Filosofia da educação 11 1 Um convite à filosofia A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo. (Maurice Merleau-Ponty) Não se pode aprender a filosofia; somente se pode aprender a filosofar. (Immanuel Kant) 1.1 Por que filosofia? Entre as matérias escolares, a filosofia é vista não raro como a mais abstrata e a mais distante dos interesses humanos imediatos. Depois do declínio da teologia, na Idade Moderna, coube à filosofia, a antiga serva da teologia (conforme a máxima dos teólogos medievais), o lugar de rainha. No entanto, ela seria também destronada com o advento das ciências positivas – aquelas que exigem o recurso da experimentação –, de modo que hoje é comum se perguntar o porquê da filosofia – pergunta que não é feita quando o assunto é matemática, física ou biologia. Mesmo disciplinas pertencentes ao arco das ciências humanas – como pedagogia, psicologia e sociologia – encontram justificativas mais facilmente que a filosofia. Ora, estuda-se pedagogia para aprimo- rar o processo de ensino e aprendizagem, e a psicologia e a sociologia são necessárias para melhor compreender o funcionamento da mente humana e da sociedade. Mas e a filosofia, serve para quê? Em uma cultura em que se valoriza sobremaneira o que tem finalidade prática e utilidade imediata, o conhecimento filosófico parece fora de lugar, supérfluo e desnecessário.
  • 14. Um convite à filosofia 1 Filosofia da educação 12 Todavia, é justamente aí que se revela sua imprescindibilidade. Em uma época e uma sociedade dominadas pela técnica, com os saberes (entre outros fatores, devido ao enorme cabedal de conhecimento e experiência acumulados) sendo extremamente especializados e, portanto, fragmentados, é indispensável um olhar que ofereça uma crítica e rigorosa visão de conjunto de todo esse horizonte. É imperioso – sob o risco de não sabermos nos localizar e, portanto, ficarmos privados de ação – um saber sobre esses saberes, um olhar sobre esses olhares, uma indagação sobre essas indagações, uma pergunta que nasce antes e não termi- na depois. Por que pensamos o que pensamos? Por que dizemos o que dizemos? Por que fazemos o que fazemos? Nossa reflexão tem por meta a educação e, portanto, vamos direcionar para ela nossos questionamentos. Por que tenho essas ideias acerca do processo educacional? Será que não há outra maneira de se compreender esse processo? Por que falo dessa maneira sobre ou com nossos educandos? Por que me comporto dessa maneira em relação a eles? A quem interessa esse método educacional? De que ponto de vista e de que lugar social ele foi pro- duzido? Isso é filosofia. E, aplicando-a ao processo do aprendizado, é filosofia da educação. 1.2 Definições Mas, afinal, o que é filosofia? Como podemos defini-la? Existem provavelmente tantas definições quantas são as escolas ou correntes da filosofia. O significado etimológico do termo é amor à sabedoria: phylos = “amigo”, “amor” sophya = “sabedoria” Porém, antes do substantivo filosofia, já era usado o verbo filosofar e o nome filósofo. Provavelmente Pitágoras (580-500 a.C.) foi o primeiro a autodenominar-se filósofo, embo- ra se discuta se o título possuía então o mesmo sentido que ganharia depois com Platão (426-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.). Para esses dois nomes paradigmáticos do pensa- mento ocidental, a filosofia é resultante da admiração e do estranhamento diante do espetá- culo do mundo. Enquanto para Platão a filosofia é o saber que, em face das contradições da realidade, atinge a visão do verdadeiro – isto é, das ideias –, para Aristóteles a sua função é a investigação das causas e dos princípios das coisas. Para ele, na medida do possível, o filósofo possui, para além da particularidade de cada objeto, a totalidade do saber. Por isso, a filosofia é a ciência do ser enquanto ser e, em última instância, a ciência do princípio dos princípios, da causa última. Na Idade Média, a filosofia era uma aspiração à compreensão racional dos dados da fé. Na modernidade, ela foi ganhando cada vez mais autonomia. Para Francis Bacon (1561-1626), a filosofia é o conhecimento das coisas não pelos seus fenômenos transitórios, mas pelos seus
  • 15. Um convite à filosofia Filosofia da educação 1 13 princípios imutáveis. Para René Descartes (1596-1650), ela é o saber que averigua os princí- pios de todas as ciências e, enquanto filosofia primeira (a metafísica), ocupa-se da elucidação das verdades últimas. John Locke (1632-1704), George Berkeley (1685-1753) e David Hume (1711-1776), cada um por sua vez, consideram-na, em geral, como crítica das ideias abstratas e reflexão sobre a experiência. Por outro lado, Immanuel Kant (1724-1804), depois de traçar os limites da razão, concebe a filosofia como um conhecimento racional por princípios. Na corrente conhecida como idealismo alemão, a filosofia é entendida ora como o siste- ma do saber absoluto, dedução do mundo a partir do eu, como em Fichte (1762-1814), ora como em Hegel (1770-1831), como a consideração pensante das coisas, identificando-se as- sim com o espírito absoluto, isto é, o espírito plenamente consciente e conhecedor de si. Para Schopenhauer (1788-1860), ela é a ciência do princípio de razão como fundamento de todos os outros saberes e como autorreflexão da vontade. No positivismo, a filosofia torna-se um compêndio geral dos resultados das ciências. Já para Edmund Husserl (1859-1938), ela é uma ciência rigorosa que conduz à fenomenologia1 como disciplina filosófica fundamental. Por outro lado, para Wittgenstein (1859-1938) e os positivistas lógicos, ela não é um saber com um conteúdo específico, mas um conjunto de atos; não um conhecimento, e sim uma atividade. Em contrapartida, para Henri Bergson (1859-1941), a filosofia tem por objeto a substância da intuição, e, ainda que se utilize da ciência como instrumento, aproxima-se mais da arte. Como se vê, as definições e compreensões do que seja filosofia têm sido tão elásticas quanto contraditórias. Eis a seguir uma tentativa contemporânea de definição da filosofia: A filosofia não é ciência: é uma reflexão crítica sobre os procedimentos e concei- tos científicos. Não é religião: é uma reflexão crítica sobre as origens e formas das crenças religiosas. Não é arte: é uma interpretação crítica dos conteúdos, das for- mas, das significações das obras de arte e do trabalho artístico. Não é Sociologia nem Psicologia, mas a interpretação e avaliação crítica dos conceitos e métodos da Sociologia e da Psicologia. Não é política, mas a interpretação, compreensão e reflexão sobre a origem, a natureza e as formas do poder. Não é História, mas interpretação do sentido dos acontecimentos enquanto inseridos no tempo e na compreensão do que seja o próprio tempo. Conhecimento do conhecimento e da ação humana, conhecimento da transformação temporal dos princípios do saber e do agir, conhecimento das mudanças das formas do real ou dos seres; a filosofia sabe que está na História e que tem uma história. (CHAUI, 2000, p. 16) Todavia, o importante em todas essas discussões é que, à medida que crescia a cons- ciência do problema, erigia-se pouco a pouco uma verdadeira “filosofia da filosofia”, que tem a sua justificação no fato de a filosofia não ser nunca, por princípio, uma totalidade acabada, mas sempre uma totalidade possível. 1 Fenomenologia é o estudo dos fenômenos, ou melhor, o estudo de como o indivíduo percebe os fenômenos, isto é, tudo aquilo que é apreendido pelos sentidos ou pela consciência.
  • 16. Um convite à filosofia 1 Filosofia da educação 14 1.3 Divisão de tarefas No entanto, desde cedo essa totalidade precisou de uma repartição de tarefas para po- der abarcar os mais variados ângulos de seu múltiplo objeto. Ainda que a divisão da filo- sofia em diferentes disciplinas não seja comum a todos os sistemas, como ocorre em Platão ou Santo Agostinho, ela é visível em muitos outros sistemas filosóficos. Foi em Aristóteles que apareceram pela primeira vez as divisões que seriam tão influentes no curso da filosofia ocidental. É a partir de seu sistema filosófico – espécie de enciclopédia do saber de seu tem- po – que se constituíram como disciplinas a lógica, a ética, a estética (poética), a psicologia (doutrina da alma), a filosofia política e a filosofia da natureza, todas elas dominadas pela filosofia primeira (metafísica). Ao longo do tempo, a elas viriam se acrescentar, dominando sobretudo o ensino da filosofia até o século XIX, a gnoseologia, a epistemologia, a ontolo- gia, a sociologia, além de um conjunto de matérias, como filosofia da religião, filosofia do Estado, filosofia do direito, filosofia da história, filosofia da linguagem etc., bem como a his- tória da filosofia. Algumas delas se tornariam autônomas, como a psicologia e a sociologia. Por outro lado, há aqueles que julgam, por diversos motivos, que se deve excluir do corpus filosófico disciplinas como a lógica e a metafísica. É possível estudar a filosofia de uma maneira sincrônica, isto é, abordando-a por meio de todas essas disciplinas, sem uma preocupação específica com suas evoluções temporais e os problemas decorrentes de influências, filiações, ramificações e desdobramentos. Também é possível estudá-la de um ponto de vista diacrônico, baseado em uma visada histórica, verificando no tempo o surgimento de suas principais correntes e o desenvol- vimento de suas disciplinas. Pode-se também usar uma abordagem que se sirva de am- bas as possibilidades. Por exemplo, pode-se ao mesmo tempo estudar tanto a ética e suas exigências atuais (abordagem sincrônica) quanto a sua evolução na história (abordagem diacrônica). Em nosso trabalho, privilegiaremos um enfoque diacrônico, lançando um olhar sobre alguns dos principais filósofos e escolas filosóficas da história, mas sem desprezar, em alguns momentos, uma óptica sincrônica. 1.4 A atitude filosófica e o senso comum Em que consiste uma atitude filosófica? Quando, de fato, estamos envolvidos no proces- so filosófico? O que há de fundamental na atitude filosófica é a sua capacidade de indagar: • O que a coisa é? • Como a coisa é? • Por que a coisa é assim?
  • 17. Um convite à filosofia Filosofia da educação 1 15 Essas questões fazem parte da atitude de alguém que se coloca em uma postura filosófi- ca diante do mundo. O filósofo é aquele que não aceita como dadas as respostas às questões com que ele se depara no mundo. De fato, a filosofia é um conhecimento instituinte na medida em que questiona o saber instituído, que é o saber já posto, já estabelecido, que goza de um certo consenso. De certa forma, é tudo aquilo que se tem por verdadeiro, por natural – em um determinado momen- to, em uma determinada sociedade. Resumindo, saber instituído é o senso comum. E, nesse processo de indagação acerca desse saber institucionalizado, o ser humano vai dando novos significados ao mundo e à sua própria existência. Quando nos referimos ao conceito de senso comum, nós o relacionamos ao conhecimento fragmentado da realidade. Platão definia esse tipo de conhecimento como doxa (“opinião”). Em outras palavras, emitimos parecer sobre tudo o que nos cerca e, no entanto, nessas opi- niões nos falta uma visão da totalidade. Não conseguimos perceber que tudo se encontra inter-relacionado. Ou seja, para que possamos ter uma visão da totalidade de um fenômeno, torna-se necessário apreendê-lo na sua relação com os demais fenômenos. Embora Platão tenha estabelecido vários níveis de compreensão da realidade, os dois principais são a doxa e a episteme. Um indivíduo que vive no âmbito da doxa é alguém que localiza sua existência apenas no senso comum. Por outro lado, pensar os problemas a partir da episteme (“ciência”) é pensá-los à luz da filosofia. Essa expressão designa a capacidade de olharmos para os fenômenos de maneira sistematizada. Uma reflexão somente é sistemática se for rigorosa, radical e de conjunto. Para explicitar a importância desses conceitos dentro do processo do filosofar, valemo-nos de um comentário de Maria Lúcia de Arruda Aranha. Neste trecho, a filosofia da vida pode ser tomada como sinônimo de doxa, opinião, senso comum: A filosofia é radical porque vai até as raízes da questão. A palavra latina radix, radicis significa literalmente “raiz” e, no sentido derivado, “fundamento”, “base”. Portanto, a filosofia é radical enquanto explica os fundamentos do pensar e do agir. A filosofia é rigorosa porque, enquanto a filosofia de vida não leva suas conclu- sões até as últimas consequências, o filósofo especialista dispõe de um método claramente explicitado que permite proceder com rigor, garantindo a coerência e o exercício da crítica. Para justificar suas afirmações com argumentos, faz uso de uma linguagem rigorosa, que permite definir claramente os conceitos, evitando a ambiguidade típica das expressões cotidianas. Para conseguir essa linguagem, o filósofo inventa conceitos, cria expressões novas ou altera e especifica o sentido de palavras usuais. A filosofia desenvolve uma reflexão de conjunto porque é globalizante, exami- na os problemas sob a perspectiva do todo, relacionando os diversos aspectos. Enquanto as ciências examinam “recortes” da realidade, a filosofia, além de po- der examinar tudo (porque nada escapa ao seu interesse), também visa o todo, a totalidade. (ARANHA, 2002, p. 107)
  • 18. Um convite à filosofia 1 Filosofia da educação 16 Outro aspecto a se salientar é que o conteúdo da reflexão filosófica, o tecido do seu pen- sar, é a trama dos acontecimentos do cotidiano. É por isso que nesse processo de indagação estão presentes tanto os temas aparentemente mais distantes de nossa experiência imediata quanto os problemas com que nos deparamos todos os dias em nossa vida. Em suma, na atitude filosófica está compreendido o pressuposto de que não podemos aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores em ge- ral, os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais devemos aceitá-los sem antes havê-los submetido a uma crítica radical. É por essa razão que se justifica, mais uma vez, a importância da filosofia em nosso trabalho como educadores: ela impede a estagnação e res- significa a experiência. Se educar não se reduz apenas à transmissão de conhecimentos, mas é também uma reflexão crítica sobre o que é conhecimento e o que é educação, a filosofia não será apenas mais um conteúdo do processo educacional, mas o seu próprio alvo. 1.5 Nem dogmatismo nem ceticismo Novamente torna-se relevante um olhar sobre a etimologia das palavras. Skeptikós sig- nifica “aquele que observa”, “que considera”. Desse modo, cético é aquele que observa e considera, tanto que conclui pela impossibilidade mesma do conhecimento. Por outro lado, dogmatikós denota “aquele que se funda em princípios”.Assim, ­ dogmático é todo aquele que se apega aprioristicamente aos princípios de uma doutrina. Dogma, por sua vez, pode ser compreendido como um princípio fundamental e indiscu- tível de uma determinada doutrina ou teoria, não necessariamente religiosa. Toda vez que verdades irrefutáveis são aventadas, sem que elas possam ser demonstradas racionalmente, na verdade são dogmas que estão sendo aludidos. As tradições religiosas não têm necessariamente problemas com dogmas, pois toda fé está fundada, em última instância, em uma origem suprarracional. Todavia, sempre que na ciência se acena para verdades indemonstráveis, muitas vezes tomadas de empréstimo do senso comum ou da religião, se está resvalando da episteme para a doxa. No fim das contas, tanto o cético quanto o dogmático acabam produzindo uma visão imobilista do mundo. O primeiro porque acha impossível chegar a algum conhecimento real das coisas. O segundo porque, antes de se debruçar sobre a realidade, já traz, de antemão, as suas “verdades”. A filosofia, ao contrário, move-se entre o ceticismo e o dogmatismo – estando, na verdade, mais próxima do primeiro. Enquanto o cético declara que é impossível saber, o
  • 19. Um convite à filosofia Filosofia da educação 1 17 dogmático diz que tem certeza que sabe. O filósofo, por sua vez, afirma que não sabe, mas quer saber – tendo consciência, entretanto, que todo saber é parcial e provisório. Com efeito, “a filosofia é a procura da verdade, não a sua posse” (ARANHA, 2002, p. 51). Ampliando seus conhecimentos Ciência e filosofia (DURANT, 2000, p. 26-27) Ciência é descrição analítica; filosofia é interpretação sintética. A ciência quer decompor o todo em partes, o organismo em órgãos, o obscuro em conhecido. Ela não procura conhecer os valores e as possibilidades ideais das coisas, nem o seu significado total e final; contenta-se em mostrar a sua realidade e sua operação atuais, reduz resolutamente o seu foco, con- centrando-o na natureza e no processo das coisas como são. O cientista é tão imparcial quanto a natureza no poema de Turguêniev: está tão inte- ressado na perna de uma pulga quanto nos paroxismos criativos de um gênio. Mas o filósofo não se contenta em descrever o fato; quer averiguar a relação do fato com a experiência em geral e, com isso, chegar ao seu significado e ao seu valor; ele combina coisas numa síntese interpretativa; tenta montar, de maneira melhor do que antes, esse grande relógio que é o universo e que o cientista perquiridor desmontou analiticamente. A ciência nos ensina a curar e a matar; reduz a taxa de mortalidade no varejo e depois nos mata por atacado na guerra; mas só a sabedoria – o desejo coordenado à luz de toda experiência – pode nos dizer quando curar e quando matar. Observar processos e construir meios é a ciência; criticar e coordenar fins é filosofia; e porque hoje os nossos meios e instrumen- tos se multiplicaram além de nossa interpretação e da nossa síntese de ideais e fins, nossa vida está cheia de som e fúria, não significando coisa alguma. Porque um fato nada é, exceto em relação ao desejo; não é com- pleto, exceto em relação a um propósito e a um todo. Ciência sem filosofia, fatos sem perspectiva e avaliação não podem nos salvar da devastação e do desespero. A ciência nos dá o conhecimento, mas só a filosofia nos dá a sabedoria.
  • 20. Um convite à filosofia 1 Filosofia da educação 18 Atividades 1. Com base nos trechos de Marilena Chaui e Will Durant que constam no capítulo, estabeleça os pontos de convergência e divergência entre a ciência e a filosofia. 2. Segundo as definições de filosofia que os filósofos foram estabelecendo ao longo dos tempos, relacione as colunas. 1. Bergson ( ) Ciência rigorosa que conduz à fenomenologia. 2. Locke, Berkeley e Hume ( ) Tem por objeto a substância da intuição. 3. Fichte ( ) É um conjunto de atos desprovido de conteúdo específico. 4. Wittgenstein ( ) Crítica das ideias abstratas e reflexão da experiência. 5. Kant ( ) Ciência do princípio da razão como fundamento dos saberes. 6. Husserl ( ) Sistema do saber absoluto. 7. Schopenhauer ( ) Conhecimento racional por princípios. 3. A respeito das proposições de Platão sobre a doxa (“opinião”, “senso comum”) e a episteme (“ciência”), assinale F (falso) ou V (verdadeiro) nos enunciados a seguir. ( ( Pensar os problemas a partir da doxa é pensá-los à luz da filosofia. ( ( O senso comum relaciona-se ao conhecimento fragmentado da realidade. ( ( Ao saber instituído (episteme) contrapõe-se o saber instituinte (doxa). ( ( Doxa é uma reflexão rigorosa, radical e de conjunto. ( ( Episteme diz respeito à capacidade de contemplarmos os fenômenos de maneira sistematizada.
  • 21. Filosofia da educação 19 2 Sócrates e a filosofia moral ocidental O mito é o nada que é tudo. (Fernando Pessoa) Diferentemente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina. (Marilena Chaui) 2.1 O gênio grego, o mito e as origens da filosofia Tanto o termo quanto o conceito de filosofia têm a sua origem na Grécia antiga, mas isso não significa que outros povos não tenham desenvolvido formas particulares de pensamento crítico. De maneira especial, encontramos algumas dessas formas na Índia, na China e na Pérsia. Além disso, os gregos usufruíram de conhecimentos con- quistados por povos mais antigos, como a astronomia dos caldeus e dos babilônicos e a agrimensura dos egípcios. No entanto, a forma de pensamento sistemático, racional e desvinculado da religião que ficou conhecida como filosofia nós devemos às peculia- ridades do gênio grego.
  • 22. Sócrates e a filosofia moral ocidental 2 Filosofia da educação 20 Como era esse gênio? Podemos resumir as suas características em alguns traços básicos: • Em primeiro lugar, o racionalismo, isto é, a consciência do valor máximo do conhecimento. • Mas esse conhecimento não é abstrato, e sim proveniente da experiência: é um conhecimento sensível. • Esse conhecimento sensível não se fecha sobre si mesmo, mas transcende o real em direção ao absoluto. • Sendo otimista, como consequência de seu racionalismo, o grego tenderá também ao pessimismo quando pressentir toda a irracionalidade do real. Contudo, todos esses traços se coadunam em um equilíbrio harmônico, como aprazia grandemente ao senso de proporções do espírito helênico1 . E também outras causas colaboraram para o surgimento do pensamento filosófico: Nos séculos VII e VI a.C., a Grécia sofreu uma transformação socioeconômica considerável. De país predominantemente agrícola que era, passou a desenvol- ver de forma sempre crescente a indústria artesanal e o comércio. Assim, tor- nou-se necessário fundar centros de distribuição comercial, que surgiram ini- cialmente nas colônias jônicas, particularmente em Mileto, e depois também em outros lugares. As cidades tornaram-se florescentes centros comerciais, acarre- tando um forte crescimento demográfico. (REALE; ANTISERI, 1990, p. 20) Foi nas cidades ou pólis – que na Grécia eram sobretudo cidades-Estado – que se de- senvolveu outra importante criação grega: a política. O desenvolvimento urbano com as suas instituições e o lugar privilegiado da península grega – entreposto estratégico entre Ocidente e Oriente, arena de encontro de muitas etnias e de diversas culturas, cujo contato e rivalidade ensejaram comparações, análises e reflexões – resultaram em um ambiente pro- pício para o surgimento da filosofia. Entre os gregos, a arte e a filosofia são devidas, sobre- tudo, aos jônios2 , que souberam exprimir em alto grau o gênio helênico. Mas como se deu, a partir desse gênio, e de maneira especial entre os jônios, a gênese da filosofia grega, matriz de todo o pensamento ocidental? Primeiramente, os gregos, como todos os povos, explicavam os fenômenos do universo e as suas origens por meio do mito. A palavra mito vem do grego mythós e deriva de dois verbos, tendo os sentidos de “contar, narrar, falar alguma coisa a alguém” e “anunciar, nomear, designar”. Para os gregos, o mito era um discurso proferido para ouvintes que recebiam o relato como verdadeiro porque este está fundado na autoridade daquele que narra. Refere-se quase sempre a algo fabuloso que se supõe acontecido em um passado remoto, imemorial, impreciso. Os mitos podem reportar-se a grandes feitos heroicos, considerados frequentemente como o fundamento e o início de uma determinada comunidade ou do gênero humano como um todo. Podem também ter como objeto fenômenos naturais e, nesse caso, costumam 1 Helênico: que se refere à Grécia antiga, chamada Hélade, ou aos gregos antigos. 2 Os jônios eram habitantes da Jônia, conjunto de colônias da Grécia antiga nas ilhas e no litoral asiá- tico do Mar Egeu.
  • 23. Sócrates e a filosofia moral ocidental Filosofia da educação 2 21 ser apresentados alegoricamente. Além disso, muitas vezes os mitos contêm a personifica- ção de coisas ou de acontecimentos. Para os filósofos da Antiguidade, nem sempre o mito foi entendido como oposto à razão: alguns o admitiam como invólucro da verdade. Essa concepção foi adotada, por exemplo, por Platão, que considerava as narrações mitológicas como um modo de expressão de verdades que escapam ao raciocínio. Em todo caso, a explicação racional, objeto da filosofia, tem a sua origem no mito, desenvolvendo-se a partir dele, até sua plena autonomia. Se a explicação míti- ca dos fenômenos do universo é encontrada em todos os povos e em todas as épocas, devemos aos gregos os primeiros e decisivos passos da explicação racional do mundo. São muitas as maneiras que os historiadores subdividiram a história da filosofia clás- sica, que compreende um período de mais de um milênio. De um modo geral, podemos sintetizar essa época em quatro períodos: 1. Período naturalista – também chamado cosmológico3 ou pré-socrático, data do final do século VII ao final do século V a.C., quando a filosofia se ocupa fundamental- mente da origem do mundo e das causas das transformações na natureza. 2. Período humanista – também denominado antropológico4 ou socrático, ocorre do final do século V até todo o século IV a.C., quando o objeto principal da filosofia são as questões humanas, como a ética e a política. 3. Período sistemático – do final do século IV ao final do século III a.C., quando a filosofia tem por tarefa reunir e sistematizar todo o conhecimento anterior sobre o mundo e o ser humano. 4. Período helenístico – também conhecido como greco-romano ou religioso, surge do final do século III a.C. até o século VI d.C. Nesse longo período, que já alcança Roma e o pensamento cristão, a filosofia interessa-se principalmente pelas questões da ética, do conhecimento humano e das relações entre a humanidade e Deus. 2.2 Os filósofos naturalistas e os sofistas O primeiro período da filosofia grega toma o nome de naturalista ou cosmológico porque a especulação dos filósofos volta-se para a natureza, o mundo exterior. Esse período surgiu e se desenvolveu fora da Grécia propriamente dita, nas florescentes colônias da Ásia Menor5 e do sul da Itália, tendo o seu início nos fins do século VII e o seu término dois séculos depois. 2.2.1 A escola jônica A primeira expressão dessa fase – inaugurando por assim dizer o pensamento ocidental – é a chamada escola jônica, que floresceu em Mileto, na Ásia Menor, ao longo do século VI. 3 Em grego, cosmos significa “mundo” e por isso esse período recebeu o nome de cosmológico. 4 Em grego, ântropos significa “homem” e por isso esse período recebeu o nome de antropológico. 5 Na Antiguidade, era conhecida como Ásia Menor a extremidade ocidental da Ásia, em linhas gerais correspondendo ao território do que conhecemos hoje como Turquia.
  • 24. Sócrates e a filosofia moral ocidental 2 Filosofia da educação 22 Os jônios procuravam a substância última de todas as coisas em uma única matéria, animada por uma energia interior (daí hilozoísmo, “matéria animada”, ser o nome dessa doutrina). Seu primeiro representante é Tales de Mileto (624-546 a.C.), para quem a água era a substância primordial de todas as coisas. Para Anaximandro (610-547 a.C.), também de Mileto, o elemen- to primordial seria o apeiron (o indeterminado, sem fim e em constante movimento). Já para Anaxímenes (585-528 a.C.), também da mesma cidade, esse princípio era o ar. O expoente mais célebre dessa escola é Heráclito (aproximadamente 540-470 a.C.), de Éfeso, na Jônia. Para ele, o elemento primordial era o movimento, o eterno vir a ser: tudo está sujeito a um fluxo perpétuo, representado pelo fogo. O vir a ser é luta, conflito de opostos, antítese de vida e morte. Esse movimento só será reconduzido à estabilidade pela sabedoria universal, que determina o acordo entre as oposições. Por esse motivo, Heráclito é considerado o pai da dialética, a qual considera que a razão das coisas está na constante luta dos contrários. É de Heráclito a ideia de que o mesmo homem não se banha duas vezes no mesmo rio, pois, ao tentar um segundo banho, o rio já terá mudado, já será outro devido ao contínuo fluxo das águas. E, como as coisas mudam constantemente, aquele homem já não será o mesmo da primeira vez. 2.2.2 Pitágoras e a escola itálica Pitágoras (571-497 a.C.), fundador da escola pitagórica ou itálica, nasceu em Samos, uma ilha do Mar Egeu, mas pontificou nas colônias do sul da Itália. Para ele, o princípio pri- mordial da realidade é representado pelo número, ou seja, pelas relações matemáticas. Toda a multiplicidade do mundo e o vir a ser é explicado pelo pitagorismo por meio da luta dos opostos, da qual os números pares e os ímpares são paradigmáticos. Esse conflito é recondu- zido ao equilíbrio pela harmonia matemática que rege o universo todo, tanto material quan- to moral. Outros representantes dessa escola são Filolau de Crótona e Árquitas de Tarento. 2.2.3 Xenófanes e a escola eleata Essa escola empresta o seu nome da cidade de Eleia, no sul da Itália, e seu fundador é Xenófanes (cerca de 570-460 a.C.), nascido em Cólofon, na Ásia Menor. Mas o seu maior representante é Parmênides de Eleia (cerca de 530-460 a.C.), para quem o elemento original das coisas é o ser, uno, idêntico, imutável e eterno, representado como uma esfera suspensa no vácuo, sendo que o mundo sensível não passa de ilusão. Zenão (cerca de 495-430 a.C.), também de Eleia, discípulo de Parmênides, é famoso pe- las controvérsias nas quais tentava demonstrar a inexistência do movimento. 2.2.4 A escola pluralista Empédocles (cerca de 492-493 a.C.), de Agrigento, Sicília, toma dos eleatas a doutrina da eternidade e da imutabilidade do ser, mas o divide em quatro elementos fundamentais – a terra, a água, o ar e o fogo –, explicando a multiplicidade e a mudança dos fenômenos
  • 25. Sócrates e a filosofia moral ocidental Filosofia da educação 2 23 mediante as várias recombinações desses elementos. Como Heráclito, acreditava na realida- de do movimento. Pensava, entretanto, que o amor e o ódio são as duas forças primordiais que presidem a combinação dos quatro elementos. Já para Anaxágoras (cerca de 500-428 a.C.), a realidade é constituída de uma infinidade de minúsculas partículas, eternas e imutáveis, de natureza diversa, servindo para explicar a variedade das coisas. O noûs é a inteligência imanente que controla e seleciona essas partí- culas, tirando-as do caos e ordenando-as conforme sua similaridade. Todavia, Demócrito (460-370 a.C.), natural de Abdera, na Trácia6 , é o maior represen- tante dessa corrente, também chamada atomística. Para ele, o ser de Parmênides é dividido em uma infinidade de corpúsculos simples e homogêneos, denominados átomos, os quais, suspensos no vazio, movem-se devido à variedade de tamanho e à consequente diversidade de gravidade de cada uma dessas partículas. Os átomos, o vazio e o movimento constitui- riam a razão de tudo. 2.2.5 Os sofistas e a arte da persuasão De 500 a 448 a.C., houve as chamadas Guerras Médicas, relatadas em Histórias, de Heródoto. As cidades jônicas, pertencentes à Grécia e situadas na Ásia Menor, revoltaram-se contra o Império Persa e foram apoiadas por algumas cidades do continente, por fim sendo lideradas por Atenas. Depois das vitórias dos gregos sobre os persas, assistimos ao triunfo de Atenas, que se torna o eixo social, político e cultural do universo grego. É o chamado sé- culo de Péricles7 , quando a democracia se encontra em seu auge. A democracia ateniense, que se tornaria fundamental para o desenvolvimento da filosofia, tem uma característica essen- cial que a distingue da democracia moderna: é uma democracia direta, sem a mediação de representantes eleitos. Assim, para lograr que a sua opinião fosse acatada nas assembleias, o cidadão precisava ser dotado de talentos oratórios. Nisso entram os sofistas, mestres da eloquência, encarregados de ensinar aos jovens das famílias das classes mais abastadas a arte da persuasão. Professores encarregados de transmitir os princípios da retórica e da oratória, os sofis- tas alegavam que os ensinamentos dos filósofos cosmologistas estavam eivados de erros, além de não terem nenhuma utilidade para a vida da pólis. Portanto, com os sofistas há uma mudança de foco na pesquisa filosófica: a preocupação com a natureza, que esteve no cen- tro das atenções dos pensadores anteriores, começa a refluir, dando lugar ao interesse pelo humano – daí também o nome de antropológica ou humanista dado a essa fase. “Com efeito, os sofistas operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão da physis e do cosmos para o homem e aquilo que concerne à vida do homem como membro de uma sociedade” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 73). 6 A Trácia é uma região do sudeste da Europa, englobando o que hoje é o nordeste da Grécia, o sul da Bulgária e a parte europeia da Turquia. 7 Péricles foi uma das principais lideranças políticas de Atenas. Sua época, o século V a.C., foi um pe- ríodo de esplendor para Atenas, no qual conviveram grandes nomes, como Fídias, Sófocles, Policleto, Calícrates e Sócrates.
  • 26. Sócrates e a filosofia moral ocidental 2 Filosofia da educação 24 Protágoras (cerca de 480-410 a.C.), um dos maiores nomes da sofística – assim como Górgias (484-375 a.C.) e Hípias (cerca de 435-343 a.C.) –, dizia que o homem é a medida de todas as coisas. Em relação ao período anterior, isso significava uma abertura para o subje- tivismo: dizer que o homem é a medida de todas as coisas significa dizer “que as coisas são como lhe parecem; não, porém, como aparecem ao homem em geral, mas como aparecem ao homem hic et nunc [“aqui e agora”]: é verdadeiro – e é bem – o que aparece como tal a cada qual e a cada momento” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 109). Daí porque não é raro os sofistas serem acusados de relativistas e céticos – para os relativistas, tudo pode ser verdade, enquanto para os céticos não é possível alcançar a verdade. É nesse contexto que aparece Sócrates, como um meteoro, dividindo a filosofia grega em antes e depois dele. 2.2.6 O filho da parteira Nascido em Atenas (470 ou 469 a.C.), filho de um escultor e de uma parteira, desde cedo Sócrates se entregou à reflexão e ao ensino filosófico, não se deixando levar pelos cuidados da vida doméstica e da política. No entanto, ao contrário dos outros filósofos, não fundou uma escola, preferindo ensinar em lugares públicos, como nos ginásios, nas praças e nos mercados. Exerceu um enorme fascínio sobre os atenienses, especialmente os mais jovens, mas a sua ironia e atitude crítica foram-lhe aos poucos granjeando inimizades entre as par- celas influentes da sociedade. Por fim, foi acusado de corromper a juventude e demonstrar impiedade diante dos deuses da cidade. Todavia, Sócrates não quis se defender. Condenado à pena capital, morreu aos 71 anos, em 399 a.C., ingerindo cicuta (um veneno extremamente letal, extraído da planta de mesmo nome), depois de ter recusado os projetos de fuga propostos por alguns de seus discípulos. Sua morte foi o coroamento de uma vida dedicada ao conhecimento e à virtude, já que ele se transformou no marco de alguém que preferiu morrer a negar suas convicções. Sócrates não escreveu nada: tudo o que se sabe de sua pessoa chegou por meio de seus discípulos, como Xenofonte e Platão – e não são poucos os debates da crítica para estabe- lecer o que é confiável nessas fontes. O certo, porém, é que Sócrates se beneficia da virada antropológica efetuada pelos sofistas. Contudo, ao contrário destes, não se interessa pelo ser humano empírico (o ser humano individual, como é visto e apreendido pelos sentidos), mas pelo humano em geral, com propósitos morais. Como os sofistas, ele começa por criticar o senso comum, o saber instituído, a opinião, a doxa – mas não para aí, o que não seria mais do que um ceticismo: ele transcende o saber imediato em busca do saber autêntico, que seria racional e perene. Esse conhecimento esta- ria dentro de cada um e, para encontrá-lo, Sócrates, um filho de parteira, serve-se de uma técnica por ele chamada de maiêutica, um método que consiste em “parir”, “dar à luz” ideias complexas a partir de perguntas simples, articuladas a partir de um determinado assunto. Assim ele explicava o seu método: A minha arte obstétrica tem atribuições iguais às das parteiras, com a diferença de eu não partejar mulheres, porém homens, e de acompanhar as almas, não os
  • 27. Sócrates e a filosofia moral ocidental Filosofia da educação 2 25 corpos, em seu trabalho de parto. Porém, a grande superioridade de minha arte consiste [...] na faculdade de conhecer de pronto se o que a alma dos jovens está na iminência de conceber é alguma quimera ou faculdade ou fruto legítimo e verdadeiro. (apud PENHA, 1994, p. 35) Daí também a sua máxima: gnothi seauton, “conhece-te a ti mesmo”. O aludido preceito socrático pretende mais do que orientar o indivíduo ao simples conhecimento de si próprio. Seu alcance é maior: é um convite [...] ao aprofun- damento da condição humana, do qual [...] nos desviamos quando levados pelo conhecimento enciclopédico sobre a natureza das coisas. (PENHA, 1994, p. 33) Partindo desse pressuposto, Sócrates constrói uma ética racionalista, na qual a virtu- de passa a ter um papel fundamental. Mas em que consiste a virtude? Antes de tudo, ela se identifica com o conhecimento. Os gregos chamavam-na areté, “significando aquilo que torna uma coisa boa e perfeita naquilo que é, ou melhor ainda, significa aquela atividade ou modo de ser que aperfeiçoa cada coisa, fazendo-a ser aquilo que deve ser” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 88). Desse modo, ele nos diz que a causa do mal é a ignorância: se co- nhecêssemos o bem, não praticaríamos o mal. Por essa razão, o conhecimento de si mesmo é condição suficiente e necessária para a obtenção da areté. O autodomínio e a liberdade são as bases para se atingir a virtude. Para ele, o ser humano é o artífice da sua própria felicidade ou infelicidade. Mas, afinal, o que é o ser humano para Sócrates? “O homem é sua alma, enquanto é per- feitamente a sua alma que o distingue especificamente de qualquer outra coisa. E, por alma, Sócrates entende a nossa razão e a sede de nossa atividade pensante e eticamente operante” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 87). Por isso, a essência do ser humano, segundo Sócrates, é sua psyché. Nesse sentido, ele é considerado o fundador da filosofia moral do Ocidente. Outra ideia relevante no pensamento socrático é a noção de humildade. Sua máxima “só sei que nada sei” é ilustrativa disso. Quando era elogiado por seus discípulos, ele fazia tal afirmação. Para demonstrar que esse era um valor incorporado em sua prática cotidiana, Sócrates construía suas afirmações a partir da relação dialógica com seus interlocutores. Além disso, a dialética socrática é perpassada pela ironia. Em sua etimologia, o conceito de ironia significa “a arte de interrogar”. Quando Sócrates utilizava tal recurso, tinha por objetivo mostrar que, aquele com quem estava dialogando, na verdade estava ignorando o que julgava conhecer. Por meio desse processo, desejava tornar seu interlocutor cônscio da própria ignorância para que ele pudesse partir em busca da verdade. Finalmente, mais que suas palavras, sua postura como filósofo mostrou que a filosofia não é uma forma de conhecimento hermético, fechado, reservado somente a uma elite de iniciados: Sócrates interpelava os transeuntes com quem se deparava e discutia com eles os temas do cotidiano. Refletia, por exemplo, sobre a liberdade, o amor, a amizade, a verdade – questões que tocam a todos. Comentando a morte de Sócrates, Marilena Chaui afiança que [...] o maior erro dos juízes foi não terem ouvido o mais importante ensinamento de Sócrates, isto é, que todos os homens são iguais porque todos são capazes de
  • 28. Sócrates e a filosofia moral ocidental 2 Filosofia da educação 26 Sócrates e Polo (PLATÃO, 1986, p. 98-102) SÓCRATES: – [...] Vê, pois, se estás disposto a ceder-me o turno da argu- mentação, respondendo às perguntas. Eu creio deveras que nós – eu, tu e toda gente – julgamos pior cometer a injustiça do que sofrê-la, e pior do que expiá-la não a expiar. POLO: – Mas, a meu ver, nem eu, nem ninguém mais, o admitimos. Quem, se não tu, a cometer uma injustiça, preferiria sofrê-la? SÓCRATES: – Eu? Sim, como tu e toda gente. POLO: – Ora, ora! Nem eu, nem tu, nem ninguém mais. […] SÓCRATES: – E quando de duas coisas feias uma é mais feia, assim é por sobrelevar ou na dor, ou no dano. Ou não é forçosamente assim? POLO: – É, sim. SÓCRATES: – Adiante. Que dizíamos há pouco sobre praticar e sofrer injustiça? Não dizias que sofrê-la é pior, mas praticá-la é mais feio? POLO: – Dizia. SÓCRATES: – Então, se praticá-la é mais feio do que sofrê-la, assim é por ser mais doloroso e sobrelevar em dor, ou dano, ou ambas as coisas. Não é isso também forçoso? POLO: – Como não? SÓCRATES: – Ora, examinemos em primeiro lugar se praticar uma injustiça sobreleva em dor sofrê-la e se padecem mais os autores do que as vítimas. ciência, todos são dotados de uma alma racional na qual se encontra a verdade e todos são capazes de virtude. Razão, ciência, verdade e virtude são universais e todos os homens são, por natureza, capazes delas. (CHAUI, 2000, p. 155) Mártir da filosofia e da fidelidade aos seus princípios, Sócrates permanece vivo até hoje não só em seu exemplo, mas sobretudo como base da construção do edifício da moral do Ocidente. Ampliando seus conhecimentos
  • 29. Sócrates e a filosofia moral ocidental Filosofia da educação 2 27 POLO: – Isso, Sócrates, absolutamente não. SÓCRATES: – Então, não é em dor que sobrelevas? POLO: – Não, por certo. SÓCRATES:–Senador,não,nãosobrelevariaportantoemambososmotivos. POLO: – Não, é claro. SÓCRATES: – Resta, pois, a outra razão? POLO: – Sim. SÓCRATES: – O dano? POLO: – Naturalmente. SÓCRATES: – Ora, se praticar uma injustiça sobreleva em dano, será pior do que sofrê-la. POLO: – Claro que sim. SÓCRATES: – É ou não é fato que anteriormente a maioria das pessoas e tu também concordáveis em que é mais feio ser o autor do que a vítima? POLO: – Sim. SÓCRATES: – E revelou-se agora pior. POLO: – Aparentemente. SÓCRATES: – Acaso, entre o mais e o menos danoso e feio, preferirias o primeiro? Não hesites em responder, Polo; não te fará dano algum. Ao contrário, confia-te bravamente à razão como a um médico e responde sim ou não à minha pergunta. POLO: – Bem, Sócrates, eu não preferiria. SÓCRATES: – Alguém no mundo o faria? POLO: – Não creio, a pensar assim. SÓCRATES: – Portanto, eu dizia a verdade: nem eu, nem tu, nem qualquer outra pessoa preferiríamos cometer injustiça a sofrê-la, por ser mais danoso.
  • 30. Sócrates e a filosofia moral ocidental 2 Filosofia da educação 28 Atividades 1. Segundo o princípio primordial que os filósofos naturalistas ou cosmológicos aven- taram para a origem das coisas, relacione as colunas. a. Anaximandro de Mileto ( ) A água. b. Demócrito ( ) O apeiron (o indeterminado, sem fim e em terno movimento). c. Pitágoras ( ) O ar. d. Tales de Mileto ( ) Terra, água, ar e fogo. e. Empédocles ( ) O movimento, o vir a ser re- presentado pelo fogo. f. Anaxímenes de Mileto ( ) O número. g. Heráclito ( ) O átomo. 2. Com base no conceito de maiêutica e no exemplo dele apresentado no Ampliando seus conhecimentos, crie um diálogo entre Sócrates e o interlocutor do filósofo. Com base no capítulo, Sócrates deve procurar extrair a verdade a partir do método socrático de pergunta e resposta. Já seu interlocutor deve se deixar conduzir até que do senso comum se chegue a ideias mais pertinentes e perspicazes. A seguir existem alguns exemplos de temas que podem ser abordados nesses diálo- gos socráticos: • A educação é o único caminho para o desenvolvimento de um país. • A mulher só se realiza plenamente na maternidade. • Artistas e cientistas vivem sempre no mundo da lua. 3. Leia abaixo o trecho de uma letra do compositor Chico Buarque. Bom conselho Ouça um bom conselho Que eu lhe dou de graça Inútil dormir que a dor não passa Espere sentado Ou você se cansa Está provado, quem espera nunca alcança (BUARQUE, 1972) Agora responda: quais são os pontos de contato entre essa letra e o método socrático?
  • 31. Filosofia da educação 29 3 Platão e o nascimento da razão ocidental 3.1 Platão: atleta e poeta Ao contrário de Sócrates, que era filho de membros das classes populares, Platão era de ascendência aristocrática. Seu pai orgulhava-se de ter o rei Codros entre os seus antepassados e sua mãe de ter parentesco com Sólon1 . Nascido em Atenas (428 ou 427 a.C.), seu nome original era Aristócles. Platão é apelido, derivado, segundo alguns, de seu porte atlético (ombros largos) ou, segundo outros, da largueza de seu estilo. Com sua origem, era natural que desde cedo Platão visse na carreira política o seu destino. Aos 20 anos, travou contato com Sócrates – 40 anos mais velho – e por oito anos usufruiu de seus ensinamentos e de sua amizade. A morte trágica do mestre imprimiu uma marca em todas as fases do pensamento de Platão. Ele passou a desprezar a democracia e as massas, ideando um modo de governo dirigido pelos mais sábios e capazes. 1 Sólon (640-560 a.C.) foi um estadista e poeta ateniense. Autor de um código de leis que introduziu grandes re- formas nos primeiros 25 anos do século VI a.C., em Atenas. Essas leis enfraqueceram significativamente o poder da aristocracia, que se fundamentava nos privilégios de nascimento. Sólon substituiu as leis draconianas por um estatuto menos severo, que se tornaria a base para as leis clássicas surgidas posteriormente.
  • 32. Platão e o nascimento da razão ocidental 3 Filosofia da educação 30 A partir disso, fez várias viagens para instruir-se. Conheceu o Egito, o sul da Itália (onde estabeleceu relações com os pitagórigos), a Sicília (lugar em que não teve sucesso no intento de influenciar positivamente o rei, tendo sido vendido como escravo e resgatado mais tarde). De volta a Atenas, fundou nos jardins do parque dedicado ao herói Academos a sua célebre escola, destinada a desenvolver as ideias de Sócrates e a rebater as dos sofistas. A Academia, como ficou conhecida, adquiriu grande prestígio, e a ela recorreram homens de todos os cantos, sendo ali desenvolvidos os ideais de uma educação para a autonomia do indivíduo. O ideal da educação autônoma significa: • em primeiro lugar: ensinar o livre espírito de pesquisa, o compromisso do pensa- mento apenas com a verdade; • em segundo lugar: estimular a autodeterminação ética e política. Em vez de transmitir doutrinas, a Academia tinha por premissa ensinar a pensar ou, como lemos no Mênon, que é um dos textos de Platão, “o dever de procurar o que não sa- bemos”. Ao contrário de transmitir valores éticos e políticos, a Academia propunha ensinar a criá-los, isto é, a propô-los a partir da reflexão e da teoria. Ali estudaram, entre outros, o matemático Eudóxio e o jovem Aristóteles. Nela prevaleceu o espírito socrático: a discussão oral e o desenvolvimento do vigor intelectual do estudante, sendo menos importantes as exposições escritas (CHAUI, 2000, p. 175). Em 347 a.C., aos 80 anos, reconhecido e admirado, morre Platão, tendo sido velado por uma verdadeira multidão. De sua grandeza nos dá testemunho um dos maiores pensadores do século XX: “Poucos filósofos, se é que algum, alcançaram a sua amplitude e profundi- dade e nenhum o superou. Qualquer pessoa que se dedique à investigação filosófica será insensata se ignorá-lo” (RUSSELL, 2002, p. 107). Praticamente toda a produção de Platão chegou até nós, compreendendo 36 diálogos, 13 epístolas e uma coleção de definições, sendo esta provavelmente apócrifa – isto é, pode ser que tais definições sejam erroneamente atribuídas a Platão, não há certeza se a autoria realmente é dele. Seu interesse abarca as mais diversas áreas do conhecimento: ciências, ma- temática, retórica, arte, política etc. Suas obras mais importantes e conhecidas são: • Apologia de Sócrates, em que resgata os pensamentos do mestre; • O banquete, em que versa sobre o amor de uma forma dialética; • A república, na qual analisa desde a política e a ética até questões metafísicas, como a imortalidade da alma. No entanto, um problema sobre a real compreensão do pensamento platônico diz res- peito às “doutrinas não escritas”. Antigas fontes revelam que, na Academia, Platão ministrou cursos cujo teor ele não quis deixar por escrito. Para ele, “O conhecimento dessas coisas não é de forma alguma transmissível como os outros conhecimentos” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 20). Para muitos estudiosos, esse aspecto é decisivo para se ter uma visão de conjunto da filosofia platônica, e essa tradição oral pode ser de certa forma reconstituída pelos escritos dos discípulos de Platão. Além disso, é bom ter em mente que Platão, a despeito de ter expulsado
  • 33. Platão e o nascimento da razão ocidental Filosofia da educação 3 31 de sua república os poetas, é um filósofo de inspiração poética. Por trás do sábio, é visível, em sua produção, a veia do artista, manifestada no recurso às metáforas, às fábulas e aos mitos. No tocante ainda à sua obra, deve-se destacar a influência de Sócrates. É verdade que em seus escritos percebem-se elementos de diversos filósofos pré-socráticos, como Parmênides e Heráclito, por exemplo. Contudo, nenhuma influência foi tão grande e decisiva quanto a de Sócrates, a ponto de nos livros de Platão, sobretudo nos diálogos socráticos, ser difícil dis- tinguir aquilo que é do mestre e aquilo que é efetivamente do discípulo. Assim, é por meio dos textos de Platão que conhecemos as ideias de Sócrates, e é por meio de Sócrates, tornado seu porta-voz, que conhecemos as ideias de seu discípulo mais célebre. 3.2 As vigas do pensamento platônico Assim como em Sócrates, para Platão a filosofia tem um objetivo prático, moral: a in- cumbência de resolver os grandes problemas da vida. Todavia, ao contrário de seu mestre, que restringia o âmbito da filosofia ao ser humano, Platão a estende a toda a realidade. Nas pegadas de Sócrates, Platão também distingue um conhecimento sensível (a opinião, a doxa) e um conhecimento intelectual (a ciência, a episteme). Mas, enquanto Sócrates fazia derivar o segundo do primeiro, para Platão o universal e imutável conhecimento intelectual não pode se originar do conhecimento sensível, particular e mutável. Nas palavras de João da Penha (1994, p. 36): As ideias estão separadas das coisas, o mundo inteligível está fora e acima do mundo sensível. A multiplicidade e instabilidade das coisas resultam de uma ilusão dos sentidos. A única realidade objetiva, perfeita, são as ideias, não pas- sando aquilo que vemos de pálidas representações daquelas. As coisas são có- pias imperfeitas e fugazes de arquétipos de modelos ideais. É no mundo dos inteligíveis, situado na esfera celeste, que habitam as ideias, essência de tudo o que existe e de suas perfeições. Jostein Gaarder (1999, p. 100) apresenta um exemplo significativo dessa teoria de Platão: Por que todos os cavalos são iguais, Sofia? Talvez você ache que eles não são iguais. Mas existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, o “exem- plar” isolado do cavalo, este sim “flui”, “passa”. Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira “forma do cavalo” é eterna e imutável. Desse modo, os conceitos ou as ideias que temos em nossa mente são eternos e imutá- veis, e, por isso, necessários2 . São os arquétipos, isto é, formas ou modelos espirituais a partir dos quais todos os fenômenos são originados. A realidade, por sua vez, é mutável e imper- feita, ou seja, contingente3 . O conhecimento por meio dos sentidos e o conhecimento por 2 Necessário, em filosofia, é tudo aquilo que não pode não ser; que não há outra forma de ser. É algo inelutável. 3 Contingente, em filosofia, é o contrário de necessário, ou seja, é aquilo que existe, mas poderia não existir.
  • 34. Platão e o nascimento da razão ocidental 3 Filosofia da educação 32 meio da razão trazem resultados completamente diferentes. Os dados dos sentidos apenas nos permitem apreender simulacros (cópias imperfeitas) das ideias, levando-nos a formular opiniões (não raro) contraditórias e superficiais sobre a realidade. No entanto, a experiência sensível que nos é dada pelos sentidos é fundamental para desencadear o processo de conhecimento. O conhecimento ocorre quando nos recordamos imperfeitamente dos arquétipos que a alma teria contemplado no mundo das ideias antes do nascimento corporal. A esse processo dá-se o nome de anamnesis (reminiscência). Trata- -se, todavia, do nível mais baixo do conhecimento. O mundo das ideias, por sua vez, só pode ser intuído pela razão, o que implica uma ruptura radical com os dados dos sentidos aos quais estamos acostumados. O conhecimen- to, para Platão, passa ainda por três níveis fundamentais: • o conhecimento sensível, que é efetuado pelos sentidos no mundo dos fenômenos; • o conhecimento discursivo, que implica o conhecimento da matemática, a única ciência que possui uma natureza não corpórea; • o conhecimento intelectivo, ao qual só a filosofia é capaz de levar, por meio de um corte completo com a experiência sensorial. Por meio desses três níveis, a mente se eleva do múltiplo e sensível até o uno, universal e inteligível. Para Platão, ainda, o divino é representado pelo mundo das ideias, no ápice do qual se encontra a ideia do bem, seguida de três ideias que a caracterizam: • a beleza; • a proporção; • a verdade. Como a multiplicidade dos fenômenos é unificada pelas respectivas ideias, unas e imu- táveis, do mesmo modo a multiplicidade das ideias encontra a sua unidade na ideia do bem, que é o ser sem o qual não se entende o vir a ser. E, embora ela apresente atributos divinos, a essa realidade suprema falta o poder criador, ou melhor, ordenador, de que é dotado o demiurgo, o qual, ainda que superior à matéria, é inferior às ideias, de cujo modelo se serve para ordenar o mundo, extraindo o cosmos do caos. Da mesma maneira que o demiurgo, mas subordinado a ele, as almas têm uma função mediadora entre as ideias e a matéria. Segundo Platão, existem três tipos de alma: • alma concupiscente, própria dos vegetais; • alma irascível, própria dos animais; • alma racional, exclusiva do ser humano. Entretanto, no ser humano os três tipos de alma encontram-se reunidos hierarquica- mente. A alma racional, destinada ao conhecimento das ideias, localiza-se na cabeça e tem
  • 35. Platão e o nascimento da razão ocidental Filosofia da educação 3 33 como virtude principal a sabedoria. A alma irascível, associada à vontade, situa-se no peito e tem por virtude cardeal a força. A alma concupiscente, por seu turno, tem por sede o ventre e como virtude capital a moderação. A alma racional controla as outras duas, e por meio das três virtudes obtém-se o pleno domínio do corpo e das paixões, alcançando-se assim a justiça e a felicidade. Nesse sentido, o corpo seria um obstáculo para a natureza racional do ser humano. A moral platônica, portanto, ancorada no dualismo corpo-alma, é uma moral ascética, de renúncia ao mundo. O objetivo da humanidade encontra-se além deste mundo, na contem- plação do mundo das ideias. Quanto ao destino individual das almas depois da morte, segundo Platão, as almas dos filósofos e de todos que souberam se desprender do mundo sensível voltam para o mundo das ideias; as dos seres apegados à matéria vão para um lugar de danação; enquanto as outras se reencarnam em corpos mais ou menos nobres segundo o bem ou mal que tiverem praticado. Aliás, para Platão, cabe também aos filósofos o governo de sua república ideal e nela haveria basicamente três classes: • a dos filósofos, encarregados da direção do Estado; • a dos guerreiros, responsáveis pela sua defesa; • a dos produtores – agricultores e artesãos –, os quais, submetidos aos outros, se- riam os responsáveis pela sua sustentação econômica. Compreendendo que os interesses privados, domésticos, não raro entram em choque com os interesses da coletividade, Platão não hesita em sacrificar os primeiros em proveito dos últimos. Todavia, se a natureza do Estado é sobretudo ética, o seu fim principal é pedagógico: antes de tudo, o Estado deve zelar pelo bem espiritual dos cidadãos, educando-os na virtude, e somente em um segundo momento ele deve se ocupar com o bem-estar desses cidadãos. 3.3 O legado de Platão Se Aristóteles, o mais famoso discípulo de Platão, seria o responsável por grande parte da construção do arcabouço científico do Ocidente, caberia ao mestre o estabelecimento de sua estrutura espiritual. Opondo o mundo das ideias ao mundo da matéria, Platão criaria as condições – que seriam reforçadas mais tarde pelo cristianismo – para que se produzisse durante muitos séculos uma repulsa profunda por tudo o que estivesse relacionado com a ordem material e sensível, como o corpo e a sexualidade, em proveito do mundo do espíri- to, da mente, das ideias. Essa cisão entre corpo e alma, matéria e espírito, que deixaria suas marcas na identidade ocidental, nós devemos a Platão. Não poucos pensadores – entre os quais Nietzsche – tentariam mais tarde desconstruir essa herança. Em todo caso, de certa forma Platão foi a pedra fundamental do edifício filosófico e espiritual do Ocidente. Não é tarefa de pouca monta livrarmo-nos de sua influência.
  • 36. Platão e o nascimento da razão ocidental 3 Filosofia da educação 34 Ampliando seus conhecimentos Imaginemos uma caverna separada do mundo (CHAUI, 2000, p. 195) Imaginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada nem se locomover, forçados a olharem ape- nas para a parede do fundo e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do sol. Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se pas- sam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carre- gando nos ombros figuras de homens, mulheres, animais, cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são seres vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos não estão acostumados; pouco a pouco se habitua à luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e somente voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que se habituar à luz. De volta à caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.
  • 37. Platão e o nascimento da razão ocidental Filosofia da educação 3 35 Atividades 1. Com base no texto de Marilena Chaui apresentado no Ampliando seus conhecimentos, qual é a mensagem deixada por esse mito? E, no seu entendimento, quais são as cavernas de hoje? O que a educação pode fazer para ajudar os educandos a liberta- rem-se de suas cavernas? 2. Segundo as principais linhas do pensamento platônico, relacione as colunas a seguir. a. As coisas ( ) só pode ser intuído pela razão. b. Os conceitos ou ideias ( ) é contingente. c. A alma concupiscente ( ) é própria dos vegetais. d. A república ideal ( ) são cópias imperfeitas de arquétipos de modelos ideais. e. O mundo das ideias ( ) é governada pelos filósofos. f. A realidade ( ) são necessários. 3. Quanto ao legado de Platão, assinale a única alternativa correta. a. É o responsável por grande parte da construção do arcabouço científico do Ocidente. b. Não poucos pensadores (entre os quais Nietzsche) tentariam mais tarde refor- mular, a partir de novas bases, a herança de Platão. c. É o principal responsável pela repulsa concernente a tudo o que esteja relaciona- do com a ordem material e sensível. d. É incompatível com a dogmática cristã, que desde o princípio preferiu a filosofia de Aristóteles. e. Essa cisão entre corpo e alma, matéria e espírito, que deixaria suas marcas na identidade ocidental, nós devemos mais a Sócrates que a Platão.
  • 38.
  • 39. Filosofia da educação 37 4 Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4.1 Filho de médico, mestre de príncipe Se elementos da filosofia platônica persistem nos substratos inconscientes do Ocidente, sobretudo em seus veios religioso e espiritual, o pensamento de Aristóteles (o mais famoso discípulo de Platão) foi praticamente hegemônico – e ainda é cedo para afirmar, como pretendem alguns, que tenhamos entrado em uma fase pós-aristotélica. Diferentemente de Sócrates e Platão, Aristóteles era estrangeiro em Atenas: sua família era de Estagira, colônia grega da Trácia, na fronteira com a Macedônia, onde ele nasceu em 384 ou 383 a.C. Por ter nascido na cidade de Estagira, por vezes ele é chamado de “o estagirita”. Seu pai foi médico na corte de Macedônia, servindo ao rei Amintas, que era pai de Felipe e avô de Alexandre. Graças a essa influência, o futuro filósofo beneficia-se desde cedo de uma atmosfera de pesquisa empírica, experimen- tal, sem dúvida alguma decisiva para os vários tratados sobre questões biológicas que escreveria mais tarde. Aos 18 anos, já órfão, ele mudou-se para Atenas, ingressando na Academia platô- nica, onde permaneceu por 20 anos convivendo com os maiores nomes do pensamento da época. Todavia, com a morte de Platão, Aristóteles se afastou da escola, já que a direção dela tendia para áreas que não eram inteiramente de seu interesse.
  • 40. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4 Filosofia da educação 38 Assim, nos 12 anos seguintes ele viajou pela Ásia Menor, vivendo e lecionando em várias cidades, em uma fase importantíssima de sua vida, até que, por volta de 343 a.C., Felipe da Macedônia o convocou para a corte, encarregando-lhe da educação de seu filho, Alexandre, o Grande. Pouco depois da ascensão de Alexandre ao trono, em 336, Aristóteles retornou a Atenas, onde fundou uma escola própria, o Liceu, assim denominado devido ao templo dedicado a Apolo Lício que ficava nas proximidades. Em virtude do seu hábito de lecionar caminhando, a escola recebeu o nome de Perípatos, que significa “passeio”, e os seus seguidores foram chamados de peripatéticos. “Foram es- ses os anos mais fecundos na produção de Aristóteles, o período que viu o acabamento e a grande sistematização dos tratados filosóficos e científicos que chegaram até nós” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 175). Com a morte de Alexandre, irrompeu em Atenas uma rebelião contra a dominação mace- dônica. Culpado por ter sido tutor do grande soberano, Aristóteles foi acusado de impiedade, assim como Sócrates. No entanto, sem a mesma vocação para o martírio, Aristóteles fugiu para Cálcis, onde havia uma propriedade sua, deixando a direção do Liceu com Teofrasto, um de seus discípulos. Com apenas poucos meses de exílio, veio a falecer em 322 a.C., aos 60 anos. 4.2 Os escritos de Aristóteles Os escritos de Aristóteles chegam às centenas – não faltando autores antigos que lhe atribuem a autoria de cerca de mil volumes. O certo é que os textos de Aristóteles se dividem basicamente em dois grandes grupos: 1. Os escritos exotéricos, destinados ao grande público, compostos sobretudo em for- ma de diálogos, à semelhança de Platão; 2. Os escritos esotéricos, de aspecto mais didático, produzidos para os alunos e, em alguns casos, pelos próprios alunos, como notas tomadas das aulas do mestre – a maior parte do que nos chegou pertence a esse grupo. No entanto, a primeira edição completa de suas obras só veio a lume pela metade do último século antes de Cristo, graças ao esforço de Andrônico de Rodes, seu décimo suces- sor na direção do Liceu. A classificação tradicional do corpus aristotélico, como a que segue, tem por base essa edição: • Escritos lógicos – um conjunto de escritos sobre a lógica (que Aristóteles conside- rava um instrumento indispensável da ciência) e que recebeu mais tarde o título de Organon. • Escritos sobre a física – esse grupo abrange as obras de ciências naturais e a psicologia. • Escritos metafísicos – essa compilação, feita depois da morte do filósofo por meio de seus apontamentos, refere-se à metafísica, cujo nome foi dado devido ao lugar que ocupa na coleção de Andrônico, isto é, “depois da física”.
  • 41. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes Filosofia da educação 4 39 • Escritos morais e políticos – a Ética a Nicômaco, assim chamada porque é dedicada a Nicômaco, seu filho; a Ética a Eudemo, inconclusa, considerada hoje em dia uma versão mais antiga do livro anterior; a Grande Moral, compêndio das duas prece- dentes, em especial da segunda; e a Política, também incompleta. • Escritos retóricos e poéticos – a Retórica e a Poética, que, no seu estado atual, é apenas uma parte do que Aristóteles escreveu. Quanto à abrangência e à grandeza do empreendimento aristotélico e o estilo em que suas obras foram redigidas, transcrevemos o bem-humorado comentário de Will Durant (2000, p. 75): Temos aqui, evidentemente, a Encyclopedia Britannica da Grécia: todos os pro- blemas abaixo e ao redor do sol têm um lugar nela [...]. Aqui está uma síntese de conhecimento e teoria que nenhum homem tornaria a realizar até a época de Spencer, e mesmo então com uma magnificência que não chegava à metade dela; aqui, melhor do que a impulsiva e brutal vitória de Alexandre, estava uma conquista do mundo. Se a filosofia é a procura da unidade, Aristóteles merece o elevado título que 20 séculos lhe deram: Ille Philosophus – O filósofo. Naturalmente, a um espírito de tal pendor científico faltava a poesia. Não de- vemos esperar de Aristóteles o brilhantismo literário que inunda as páginas do filósofo-dramaturgo Platão. Em vez de nos dar uma alta literatura, na qual a filosofia esteja corporificada (e obscurecida) em mitos e imagens, Aristóteles nos dá ciência, técnica, abstrata, concentrada [...]. Em vez de dar termos à literatura, como fez Platão, ele construiu a terminologia da ciência e da filosofia; pratica- mente não podemos falar de qualquer ciência, hoje, sem empregar termos que ele inventou; eles jazem como fósseis no substrato de nossa linguagem: faculdade, média, máxima [...], categoria, energia, realidade, motivo, fim, princípio, forma – estas indispensáveis moedas do pensamento filosófico foram cunhadas em sua mente. Com Aristóteles, assistimos à passagem de uma filosofia ainda tateante a uma filosofia madura, rigorosa, autônoma. Nele se concretiza, mais do que em qualquer outro antes dele, o domínio do logos sobre o mythos, da razão sobre a imaginação. Podemos afirmar ainda que com o filósofo de Estagira se manifesta, pelo menos em seus princípios epistemológicos, o que viria a ser a ciência ocidental. 4.3 Só o individual é real Para compreendermos a originalidade da contribuição do pensamento de Aristóteles, é preciso levar em conta dois fatores essenciais: a formação prática herdada de seu pai e a força da filosofia platônica. São duas tendências opostas que encontrarão nele uma síntese original, a formação prática funcionando como ponto de partida e pano de fundo para a superação da filosofia platônica. Assim, em Aristóteles a pesquisa empírica fornece o instru- mental para a refutação da teoria platônica das ideias. Em outros termos, em Aristóteles é formulada uma filosofia realista em comparação ao pensamento idealista de Platão.
  • 42. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4 Filosofia da educação 40 O ponto de partida dessa nova filosofia consiste em conceber, ao contrário de Platão, que somente o individual é real: o que realmente existe é o indivíduo material concreto. Esse indivíduo concreto seria o constituinte último da realidade, a qual, mais do que uma mani- festação imperfeita do mundo das ideias, é composta do conjunto de indivíduos materiais e concretos existentes. Além disso, para Aristóteles a experiência é a única fonte de conhecimento autêntico: con- tra Platão, ele postula que não existem ideias puras a serem investigadas ou procuradas por trás das aparências. A inteligência humana conta apenas com o que está acessível aos sentidos. Dessa forma, no intelecto não há nada que antes não tenha passado pelo concreto. Trata-se de interessar-se imediatamente pelas coisas, pois é a partir delas que se extraem as ideias. Aprofundando a análise, Aristóteles afirma que o indivíduo concreto – o único real e existente – é constituído de matéria e forma. “A matéria é o princípio da individuação e a forma a maneira como, em cada indivíduo, a matéria organiza-se” (MARCONDES, 2000, p. 72). Assim, cada indivíduo tem uma matéria específica, particular, e uma forma comum, partilhada com os indivíduos da mesma espécie. Matéria e forma são indissociáveis, pois a matéria existe apenas dentro de uma forma específica. A fim de compreendermos melhor, vejamos o exemplo da estátua: a matéria dela é o mármore ou o bronze, por exemplo, e a forma é a bela Afrodite ou o feio Sócrates. E só o individual é real. O universal, por sua vez, somente existe em nossa mente por meio da abstração. O caminho por meio do qual o intelecto chega ao conhecimento é a abstração – que é o processo segundo o qual a inteligência separa matéria e forma. O co- nhecimento dá-se quando relacionamos os objetos que possuem a mesma forma e fazemos abstração de sua matéria, ignorando suas características particulares. Formulemos um exemplo de abstração: pelos sentidos, conheço um ser, identifico que ele é semelhante a outros da mesma espécie. Trata-se de um mamífero ruminante que cha- mamos de vaca. A ideia de vaca não existe em estado puro, não há um mundo das ideias onde exista uma vaca arquetípica, modelo para todas as vacas do universo. O que existe de fato é essa vaca particular, que posso ver com os meus olhos. Mas, por um processo de abstração, chego à ideia de vaca, comum a todas as vacas que eu possa conhecer. Em termos aristotélicos, posso afirmar que a ideia que tenho da vaca é a sua essência1 . É baseado nessa ideia que reconheço uma vaca concreta, mas a ideia não existe sem os seres individuais que eu percebo pelos sentidos. 4.4 A metafísica O interesse de Aristóteles pelo individual e pelo real não o impediu, porém, de inves- tigar as realidades não diretamente apreensíveis pelos sentidos. Se ele é considerado o pai da lógica e da ciência, também é o pai da metafísica. Para essas realidades suprassensíveis, 1 A distinção entre essência e existência é uma das classificações da metafísica aristotélica. Existência indica o ser que está acima do nada. Pela essência, ele passa a participar de determinada espécie de ser. A essência é, portanto, nada mais que um modo do existir.
  • 43. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes Filosofia da educação 4 41 Aristóteles desenvolveu o que ele chamou de filosofia primeira, a qual, com Andrômico, ga- nharia o nome com que se tornaria mundialmente conhecida: metafísica. Essa é a ciência que se ocupa com as realidades que estão para além das realidades físi- cas (meta, em grego, significa “depois, além de”). O conceito de filosofia primeira é extrema- mente complexo em Aristóteles, não havendo uma definição única. Basicamente, o filósofo estabeleceu quatro definições. Assim, metafísica ou filosofia primeira é: 1. a ciência que indaga causas e princípios; 2. a ciência que indaga o ser enquanto ser; 3. a ciência que investiga a substância; 4. a ciência que investiga a substância suprassensível. Os conceitos de matéria e forma, ato e potência, substância e acidente possuem papel capital na metafísica aristotélica. Para ele, existem quatro causas implicadas na existência de algo: 1. Causa material – é aquilo de que, como material imanente, provém o ser de uma coisa, isto é, fornece alguma coisa para o ser. 2. Causa formal – é a forma ou modelo, isto é, a definição da essência. 3. Causa motora ou eficiente – é aquilo que se origina da mutação ou da quietação da coisa. Por exemplo, o conselheiro é a causa da ação, o pai é a causa do filho e, de modo geral, o autor é a causa da coisa realizada, o agente modificador é a causa da alteração. 4. Causa final – é aquilo para o que a coisa é feita, como a saúde é o fim dos exercícios físicos, de modo que à pergunta: “para que se faz ginástica?” geralmente se respon- de: “para alcançar ou conservar a saúde física”. Para exemplificar essas quatro causas, pode-se pensar em um vaso de argila. 1. A causa material é a argila, a matéria de que o vaso é feito. 2. A causa formal é a forma, o formato em que essa argila está disposta para se consti- tuir em um recipiente ao qual damos o nome de vaso – e não, por exemplo, de tijolo. 3. A causa eficiente ou motora é o oleiro que trabalhou a argila, produzindo o vaso. 4. A causa final, o objetivo do vaso, o fim para o qual foi feito esse determinado obje- to, é portar um arranjo de flores, servir de enfeite para um ambiente etc. Aristóteles distingue ainda os conceitos de essência e acidentes. A essência é aquilo que dá identidade a um ser e, na falta dela, esse ser não pode tor- nar-se o que é, não sendo reconhecido como tal. Assim, um livro sem nenhum tipo de letras não pode ser considerado um livro, pois o fato de ter letras impressas é o que o permite ser identificado como livro, e não como caderno, por exemplo. O acidente, por sua vez, é algo que pode ou não ser inerente a um determinado ser, mas que, mesmo quando ausente, não o descaracteriza. Desse modo, o perfume de uma flor é um acidente, pois uma flor não deixará de ser flor por lhe faltar o perfume. A sua cor também é um acidente: por mais que uma flor tenha necessariamente alguma cor, ainda assim o fato de ser amarela ou vermelha não lhe faz ser o que ela é.
  • 44. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4 Filosofia da educação 42 Todas as coisas que existem, existem em potência e ato, ensina Aristóteles. Uma coisa em potência é uma coisa que tende a ser outra, tal como a semente, que é uma árvore em potência. Em outras palavras, potência é aquilo que ainda não é, mas que preexiste realmente como possibilidade de vir a ser. Segundo Aristóteles, “das coisas não existentes, algumas existem em potência, por não existirem em ato”. Uma coisa em ato é algo que já está realizado, o ser enquanto já é, como uma árvore é uma semente em ato. De algum modo, o ser em ato pressupõe determinação e perfeição. A principal determinação é a da existência: é a determinação na ordem do ente. A de- terminação dá-se também na ordem da essência, enquanto esta apresenta essa ou aquela fisionomia. Ademais, todas as coisas, mesmo em ato, também são em potência, pois uma árvore – uma semente em ato – também é uma folha de papel ou uma cadeira em potência. A única coisa que é totalmente em ato é o ato puro, que Aristóteles identifica com o bem. Esse ato não é nada em potência, nem é a realização de potência alguma – desse con- ceito, mais tarde São Tomás de Aquino derivaria a sua noção de Deus como ato puro. E há potências ativas e passivas. As potências passivas apenas recebem o ato. As ativas têm a condição de produzir o ato. O homem tem potências como as do conhecimento e as dos impulsos. Um ser em potência só pode tornar-se um ser em ato mediante algum movi- mento. O movimento vai sempre da potência ao ato, da privação à posse. É por isso que o movimento pode ser definido como o ato de um ser em potência enquanto está em potência. Em suma, com esse quadro de conceitos, a metafísica aristotélica inaugura tanto a in- vestigação da estrutura geral dos seres quanto as condições que fazem com que um determi- nado ser possa existir e ser conhecido pelo pensamento. Assim, postula que a realidade no seu todo é apreensível pelo intelecto, apresentando-se como conhecimento teorético ou teó- rico dessa realidade sob todos os seus aspectos gerais ou universais. Além do mais, ela deve preceder as pesquisas que cada ciência particular realiza sobre um determinado tipo de ser. 4.5 O pai da lógica Aristóteles é o verdadeiro criador da lógica ocidental, o organon, que em grego quer dizer “instrumento”. Ora, tanto a ciência quanto a filosofia têm por objeto o universal e o necessário, não se podendo fazer ciência em torno do individual e do contingente. Assim como a ideia era o alvo da ciência platônica, a forma é o objeto da ciência aristotélica, a qual, estritamente falando, opera a partir da “dedução do particular pelo universal, explicação do condicionado mediante a condição, porquanto o primeiro elemento depende do segundo” (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 126). Assim, o objeto principal da lógica de Aristóteles é esse processo de derivação. Portanto, a lógica aristotélica é basicamente dedutiva e demonstrativa, e o seu processo característico é o silogismo. Eis como Marilena Chaui a explica: O objeto da lógica é a proposição, que exprime, através da linguagem, os juízos formulados pelo pensamento. A proposição é a atribuição de um predicado a um
  • 45. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes Filosofia da educação 4 43 sujeito: S é P. O encadeamento dos juízos constitui o raciocínio e este ­ exprime-se logicamente através da conexão de proposições; essa conexão chama-se ­silogismo. A lógica estuda os elementos que constituem uma proposição (as categorias), os tipos de proposições e de silogismos, e os princípios necessários a que toda pro- posição e todo silogismo devem obedecer para serem verdadeiros [...]. (CHAUI, 2000, p. 183) Qualquer proposição é composta dos seus termos ou categorias, que são palavras que designam algo: Sócrates, morte. Quando emitimos um juízo sobre algo, estamos fazendo uma combinação desses termos – por exemplo, “Sócrates é mortal”. Esse juízo, combinado com outros, forma um raciocínio. Quando o raciocínio é formulado de uma maneira lógica, chama- -se silogismo. Retomando a frase “Sócrates é mortal”, é possível elaborar o seguinte silogismo: Todos os homens são mortais. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal. Em outras palavras, silogismo é a argumentação lógica perfeita, constituída de três pro- posições declarativas que se conectam de tal modo que a partir das duas primeiras (denomi- nadas premissas) é possível deduzir uma conclusão. Duas características fundamentais se destacam na lógica aristotélica: o aspecto formal e o rigor dedutivo. Pelo aspecto formal se entende que três leis supremas condicionam o seu exercício e garantem a sua validade: 1. o princípio de identidade (dizer que o que é é, e o que não é não é); 2. o princípio de não contradição (é impossível que algo seja e não seja ao mesmo tempo); 3. o princípio do terceiro excluído (uma determinada coisa não pode ser afirmada e negada ao mesmo). Pelo rigor dedutivo se entende que, uma vez admitida a verdade de certas proposições (premissas), as consequências que daí resultam são necessariamente verdadeiras. Com esse rigoroso modelo de lógica formal, Aristóteles estabeleceu a metodologia que permearia toda a pesquisa científica e a investigação filosófica do Ocidente até praticamente a Idade Moderna. 4.6 A justa medida e o bem comum A ética e a política também estão entre as grandes contribuições de Aristóteles. Para falarmos da primeira, é preciso antes nos reportarmos à sua teoria da alma. De Platão ele empresta a divisão tripartite da alma, segundo a qual a alma se divide em alma concupis- cente, alma irascível e alma racional. Se todos os seres vivos possuem a alma concupiscente
  • 46. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4 Filosofia da educação 44 (a vida vegetativa, já que todos têm um metabolismo) e a alma irascível é partilhada tanto pelos animais quanto pelo ser humano (a sensibilidade), somente o ser humano é detentor de uma alma racional. Ora, a ética só intervém nesse último nível, no nível racional. Sendo a razão o distintivo do ser humano, ele só pode realizar a sua verdadeira natu- reza vivendo racionalmente. E assim, mediante a virtude, que é uma atividade conforme a razão, ele alcança a felicidade. Com efeito, o fim do ser humano é a felicidade, que ele atinge por meio da virtude, a qual é necessária à razão. Por esse motivo, pode-se afirmar que a característica fundamental da ética aristotélica é o racionalismo. Além disso: As virtudes éticas, morais, não são mera atividade racional, como as virtudes intelectuais, teoréticas; mas implicam, por natureza, um elemento sentimental, afetivo, passional, que deve ser governado pela razão, e não pode, todavia, ser completamente resolvido na razão. A razão aristotélica governa, domina as pai- xões, não as aniquila e destrói, como queria o ascetismo platônico. A virtude ética não é, pois, razão pura, mas uma aplicação da razão; não é unicamente ciência, mas uma ação com ciência. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 132) Essa “ação com ciência” se manifesta precisamente na escolha do justo meio entre dois extremos, ou seja, entre duas paixões opostas, já que os impulsos e as paixões tendem ao excesso ou à carência. A razão deve impor a justa medida entre um e outro extremo. É justa- mente nesse meio-termo, nesse equilíbrio, que se encontra a virtude. “A coragem, por exem- plo, é o meio caminho entre a temeridade e a vileza, ao passo que a liberalidade é o justo meio entre a prodigalidade e a avareza” (REALE; ANTISERI, 1990, p. 205). Obviamente, a justa medida não é abstrata, nem é a mesma para todos e em todo o tempo, pois é concreta e variável conforme as paixões em jogo, o indivíduo e as circunstâncias. Além disso, se a virtude é uma atividade segundo a razão, ela também é um hábito se- gundo a razão, um costume moral, uma disposição da vontade. Como o conhecimento, que exige esforço e disciplina, a virtude não é inata, mas adquirida mediante a prática, o exercí- cio. Porém, uma vez adquirida, ela torna-se de fácil execução, quase automática, como uma segunda natureza. Daí a importância da educação. Daí, também, a importância do Estado, responsável pela educação dos cidadãos. Se o objetivo da ética aristotélica é a felicidade do indivíduo, a política aristotélica tem por meta a felicidade coletiva da pólis (a cidade-Estado grega)2 . Com esse fim, o filósofo investiga as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao ci- dadão. Por isso mesmo, a política situa-se no âmbito da práxis, isto é, no âmbito das ciências que buscam o conhecimento como meio para a ação. Ora, assim como o bem comum é superior ao particular, o Estado é superior ao indiví- duo. Unicamente no Estado se realiza a satisfação de todas as necessidades, pois o indivíduo não pode se realizar plenamente sem a coletividade. O Estado, que surge como consequência 2 Apesar de no tempo de Aristóteles a cidade-Estado grega estar em decadência e de se assistir ao surgimento de um império colossal (o império de Alexandre), Aristóteles não tem olhos para outra coisa a não ser para a cidade-Estado.
  • 47. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes Filosofia da educação 4 45 da sociabilidade do ser humano, é responsável primeiramente por prover a satisfação das necessidades materiais, como a defesa e a segurança. Mas o seu alvo é espiritual: promover, mediante a ciência, a virtude – e, por conseguinte, a felicidade dos cidadãos. Assim, sua ta- refa principal é a educação, por meio da qual são formados os futuros cidadãos, sobretudo por meio das artes, como a música e a poesia. Não obstante a importância do Estado, Aristóteles conserva os direitos individuais: o Estado é, antes de tudo, a síntese de indivíduos distintos. Desse modo, ao contrário da repú- blica de Platão, Aristóteles salvaguarda a família e a propriedade particular. Todavia, como fazia o seu mestre, Aristóteles admite a divisão de castas, reconhecendo sobretudo duas: a dos homens livres (os cidadãos da pólis) e a dos escravos, que eram privados de qualquer direito político. Ademais, Quanto à forma exterior do Estado, Aristóteles distingue três principais: a mo- narquia, que é o governo de um só, cujo caráter e valor estão na unidade, e cuja degeneração é a tirania; a aristocracia, que é o governo de poucos, cujo caráter e valor estão na qualidade, e cuja degeneração é a oligarquia; a democracia, que é o governo de muitos, cujo caráter e valor estão na liberdade. E cuja degeneração é a demagogia. (PADOVANI; CASTAGNOLA, 1984, p. 134) Embora Aristóteles prefira a forma de governo democrática, como a que se desenvol- veu na Grécia – sobretudo em Atenas –, devido ao seu realismo ele tem consciência de que a forma de governo ideal deve adaptar-se à índole do povo e às circunstâncias históricas. Ampliando seus conhecimentos Cada Estado é uma comunidade estabelecida com alguma boa finalidade (ARISTÓTELES, 2000, p. 143-146) A observação nos mostra que cada Estado é uma comunidade estabe- lecida com alguma boa finalidade, uma vez que todos sempre agem de modo a obter o que acham bom. Mas, se todas as comunidades almejam o bem, o Estado ou comunidade política, que é a forma mais elevada de comunidade e engloba tudo o mais, objetiva o bem nas maiores propor- ções e excelência possíveis. É um erro supor que sejam as mesmas as relações entre um estadista e o Estado, entre um rei e seus súditos, entre um chefe de família e sua casa, entre senhores e escravos. Com efeito, elas diferem não apenas no tama- nho, mas na espécie. Tamanho não é critério. Não podemos dizer que é um pequeno número de pessoas que define a relação senhor-escravos;
  • 48. Aristóteles e a filosofia como totalidade dos saberes 4 Filosofia da educação 46 que uma quantidade maior de indivíduos define o relacionamento do chefe de família com os seus; que um monarca o é porque se relaciona com numerosas gentes ou, talvez, com uma comunidade política – como se não houvesse diferenças entre uma enorme família e um pequeno Estado. [...] A família é a associação estabelecida por natureza para suprir as necessi- dades diárias dos homens, e seus membros são chamados, por Charondas, companheiros do pão; já Epimênides, o Cretense, denomina-os companheiros de comer. Mas, quando várias famílias estão unidas em certo número de casas, e essa associação aspira a algo mais do que suprir as necessidades cotidianas, constitui-se a primeira sociedade, a aldeia. A forma mais natu- ral de aldeia parece ser uma colônia de famílias com filhos e netos dos quais se diz que foram “criados com o mesmo leite”. Por causa dessa com- posição, seu governo era inevitavelmente monárquico; é por esse motivo que as cidades-Estado helênicas foram, originariamente, governadas por reis – porque foi assim antes de os helenos se reunirem em cidades, como acontece ainda hoje com algumas nações bárbaras. [...] Quando várias aldeias se unem numa única comunidade, grande o bas- tante para ser autossuficiente (ou para estar perto disso), configura-se a cidade, ou Estado – que nasce para assegurar o viver e que, depois de formada, é capaz de assegurar o viver bem. Portanto, a cidade-Estado é uma forma natural de associação, assim como o eram as associações pri- mitivas das quais ela se originou. A cidade-Estado é a associação resul- tante daquelas outras, e sua natureza é, por si, uma finalidade; porque chamamos natureza de um objeto o produto final do processo de aperfei- çoamento desse objeto, seja ele homem, cavalo, família ou qualquer outra coisa que tenha existência. Ademais, o objetivo e a finalidade de uma coisa podem apenas ser o melhor, a perfeição; e a autossuficiência é, a um só tempo, finalidade e perfeição. Por conseguinte, é evidente que o Estado é uma criação da natureza e que o homem é, por natureza, um animal político.