Anabela Leitão é uma cientista angolana pioneira. Após a independência de Angola, ela ajudou a manter aberta a Universidade de Luanda ensinando estudantes. Atualmente, ela coordena um laboratório de pesquisa e um mestrado em engenharia ambiental na Universidade Agostinho Neto.
Anabela Leitão (excerto do livro "Vidas a Descobrir")
1.
2. Foto: Joana Barros
p157
Anabela
Leitão
TEXTO CHÓ DO GURI
DATA DA REPORTAGEM 04/2008
Laboratório de Engenharia Quimca e Ambiente, 2008
Engenharia Química
Angola
5. Anabela
Leitão
/ UNIVERSIDADE AGOSTINHO NETO, ANGOLA
TEXTO CHÓ DO GURI
Após a independência de Angola, quando lutadora que viria a superar todos os obstá-
o êxodo em massa deixava a Universidade culos para que pudesse fazer investigação
de Luanda sem professores, Anabela Leitão científica de excelência no seu país.
aderiu a um movimento universitário que Hoje Anabela Leitão coordena, na Uni-
impediu o seu encerramento. Ainda estu- versidade Agostinho Neto, uma Cátedra
dante começa, com os colegas, a dar aulas da UNESCO no âmbito da qual criou o
aos alunos que entravam pela primeira Laboratório de Engenharia de Separação,
vez na Faculdade de Engenharia. Seria o Reacção Química e Ambiente, e o mestrado
primeiro sinal dado por uma personalidade em Engenharia do Ambiente.
O encontro dor, na segunda porta, semiaberta, estava
Terça-feira, 15 de Abril de 2008. Foi este quem procurávamos. Aproximámo-nos e
o dia marcado para o encontro. Tínhamos ela levantou-se amistosamente.
de aproveitar bem o tempo, e às primeiras A uma pequena distância da porta do seu
horas do dia começou a (minha) nossa gabinete estava uma mesa redonda com
odisseia, vencendo um trânsito congestio- quatro cadeiras. À frente, uma secretária
nado que se estendia até aos arredores de com o computador e, encostado à parede,
Luanda. Devíamos estar no destino às 10 um armário com livros. Na sala, pequena e
horas. Foi-nos facultado o endereço, mas simples, apresentámo-nos a uma mulher na
nenhuma de nós sabia ao certo onde ficava. acalmia do seu espaço, nada comparável com
Quase no fim da Avenida Ho-Chi-Minh, a turbulência das ruas por onde passámos.
encontrámos as instalações da Universi- De pequeno porte físico, com uma sim-
dade Agostinho Neto, mas aí informaram- plicidade particular, isenta de qualquer
-nos de que o que procurávamos seria fatuidade, dispôs-se ao nosso propósito.
num outro local. Desalentadas, voltámos Vestira um par de calças, uma blusa, sem
ao trânsito infernal que nos obrigou a uma acessórios.
nova viagem de quarenta e cinco minutos, Com um sorriso genuíno, apresentou-
só para sermos informadas que teríamos de -se. Foi como se já nos tivéssemos visto an-
voltar ao campus onde antes estivéramos! tes. Convidou-nos a sentar. O seu olhar re-
Duas horas atrasadas, chegávamos final- flectido consentira o nosso atraso. Esboçou
mente a um edifício onde se lia «Ministério um sorriso de cumplicidade porque nin-
da Ciência e Tecnologia - Centro Nacional guém está isento dos males do trânsito de
de Investigação Científica». Um prédio de Luanda. E, finalmente, começámos a fa-
dois pisos que ostentava nas paredes exte- lar sobre aquilo que nos trouxera até à sua
riores uma cor laranja maltratada que em presença: a sua vida como cientista.
nada dignificava o letreiro. Talvez sob a influência de muitos pre-
Com jeito ansioso, perguntámos pela Dou- conceitos, surpreendeu-me o facto de ficar
tora Anabela Leitão e eis que, num corre- a saber que a primeira pessoa, nascida em
6. ANABELA LEITÃO, ENGENHARIA QUÍMICA, p161
Foto: arquivo pessoal de Anabela Leitão
Anabela Leitão na cerimónia de entrega do Prémio do Curso dos Liceus, Liceu Nacional Marcelo Caetano, Moxico, 1973
Angola, a fazer um doutoramento depois procuraram dar aos filhos a melhor educa-
da independência, era mulher. Mas quem é ção. «Andavam sempre preocupados para
afinal a Doutora Anabela Leitão? que nada nos faltasse.»
Frequentou o ensino primário na Ca-
Até ao 25 de Abril tumbela e Nova Lisboa1 mas quando o
Anabela da Graça Alexandre Leitão é terminou, a família transferiu-se para a
cidadã angolana, nascida a 17 de Outubro província do Moxico. Fez o liceu na cidade
de 1955 no município do Cubal, situado na do Luso2, onde terminou o 7.º ano em 1973
planície de Benguela. Ornamentada pela no liceu Nacional Marcelo Caetano, com a
imponente cor das acácias rubras, nela se média de 17 valores, o que lhe valeu o Pré-
encontram as praias Morena, Baía Azul mio do Curso dos Liceus.
e Baía Farta, que a envolvem com o doce Concluído o 7.º ano, Anabela sabia que se
cheirinho da brisa do mar. Terra de belezas quisesse continuar a estudar teria de deixar
exaltadas por músicos e poetas. Terra da o Moxico, tal como acontecia a todos aqueles
tradicional banana do Cavaco. Do feitiço que pretendiam fazer um curso superior,
do Dombe Grande. Terra do caminho-de- teria de se deslocar para a capital ou para o
-ferro e do comboio que trazia gente para exterior do país. Triste, mas consciente da
matar saudade e levava gente para deixar inevitabilidade da situação, no ano seguinte
saudade. Terra de Carnavais e de grandes parte para Luanda, separando-se fisica-
folias que arrastavam gente de toda a parte mente das pessoas que mais amava. Ingressa
de Angola. Anabela é a filha primogénita na Faculdade de Engenharia e, como não
do casal João Henrique Ladeiro Leitão e tinha parentes na capital, aluga um quarto
Ilda Amélia Alexandre, cidadãos angolanos na Rua Direita de Luanda, junto às traseiras
de ascendência portuguesa, cujos antepas- da Faculdade de Ciências, conta-nos com
sados chegaram a Angola para ingressar uma pontinha de saudade.
nos quadros dos Caminhos-de-Ferro de Escolheu tirar o curso de Engenharia
Benguela. Da sua infância recorda que teve Química que acabava de formar os primei-
uns pais flexíveis e carinhosos que sempre ros licenciados. Na altura, teria gostado
1 . Actual cidade da província do Huambo.
2. Actual cidade de Luena.