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Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007



 UM CONTO EM FRAGMENTOS: IMPLICAÇÕES TEÓRICAS DE UMA
      PUBLICAÇÃO PÓSTUMA DE CLARICE LISPECTOR




                                                        Newton de Castro Pontes
                                 Universidade Regional do Cariri – URCA / PIBIC-
                                               FUNCAP (AG) – Edson Martins


         Nas “Teses sobre o conto”, em que Ricardo Piglia busca
formular teses que expliquem a estrutura da narrativa curta, lemos em
certo trecho que:

                                        O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em
                                        primeiro plano a história I [...] e constrói em
                                        segredo a história II [...]. A arte do contista
                                        consiste em saber cifrar a história II nos
                                        interstícios da história I. Um relato visível
                                        esconde um relato secreto, narrado de modo
                                        elíptico e fragmentário. (PIGLIA, 2004, p. 89-
                                        90)

          A teoria de Piglia está baseada na tese de que todo conto
encerra em si duas histórias, com diferentes sistemas de causalidade.
Como exemplo, ele nos dá um pequeno relato, bastante simples:
“Um homem em Montecarlo vai ao cassino, ganha um milhão, volta
para casa, suicida-se”. Neste relato, o paradoxo está no imprevisível
(o homem suicida-se depois de ganhar, e não de perder), e tende a
criar uma cisão que desvincule a história do jogo da história do
suicídio.
          O exemplo é pertinente: o problema criado pelo paradoxo,
nesse caso, afeta diretamente um sistema de causa e conseqüência
comum ao mundo real – o suicídio não pode ser conseqüência da
vitória no cassino –, tornando-se necessário criar dois sistemas de
causalidade distintos, que possam abranger os dois fatos. No conto
clássico, o segundo fato (o suicídio) surgiria escondido, sendo
desenvolvido paralelamente ao primeiro. Os elementos essenciais do

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Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007


conto seriam empregados de forma que tivessem diferentes funções
às duas histórias; alguns acontecimentos estariam dispostos de tal
forma que servissem aos propósitos de duas lógicas narrativas
heterogêneas, antagônicas, até.
         Vejamos “O sistema do dr. Catrão e do professor Pena”, um
conto das Histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe. Em visita
ao extremo sul da França, o narrador desse conto é conduzido por
seu caminho a um certo hospício particular sobre o qual ouvira falar
anteriormente e lhe despertara certa curiosidade, pois sabia que um
diferente método de tratamento era aplicado aos internos: o “sistema
da bondade”, em que os indivíduos em tratamento gozavam de
liberdade quase total. O narrador é recebido pelo próprio diretor, que
lhe conta que o antigo tratamento fora abandonado e convida-o para
um jantar, em que o narrador se verá cercado de pessoas estranhas,
de hábitos singulares. Apenas no fim do conto ele descobrirá que
todos aqueles presentes no jantar eram internos do hospício que,
ajudados pelo próprio diretor (que enlouquecera), haviam prendido
todos os guardas nos calabouços.
         Poe estrutura o conto de forma que não descubramos
(embora tenhamos todos os indícios) que os personagens que
interagem com o narrador são internos do hospício; o relato da
rebelião só nos é revelado na última página. Os “indícios” são
justamente indicações do desenvolvimento dessa segunda história (a
rebelião). O efeito de surpresa (quase sempre buscado nos contos de
Poe) é gerado pela descoberta desse segundo relato; como diria Piglia,
“Concluir um relato é descobrir o ponto de intersecção que permite
entrar na outra trama” (PIGLIA, 2004, p. 112). Ele dirá nas suas
“Novas teses sobre o conto” que “Essa noção de espera e de tensão
rumo ao final secreto (e único) de um relato breve há de ser o ponto de
partida destas notas” (PIGLIA, 2004, p. 98, grifos nossos).
         Essa concepção do conto (tensão rumo ao desenlace, final
surpreendente) parte da antiga tradição crítica e pode ser vista já na
“Filosofia da composição”, de Poe. Para o autor, a idéia do desenlace
deve estar presente desde o princípio; ela é indispensável à lógica e à
aparência de causalidade do relato: as incidências e o tom geral devem
desenvolvê-la. No processo de construção de “O Corvo” (descrito
no ensaio), percebemos que Poe escreve primeiramente a última
estância do poema, para só depois escrever as outras; com isso, evita

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que qualquer trecho anterior seja capaz de conter uma intensidade
maior que o último – todos os outros devem dedicar-se a aumentar a
tensão e gerar o efeito, adiando para o final o ponto supremo. Como
tudo está direcionado para o efeito, deve haver uma unidade de
tensão, que exige certa brevidade – “Se uma obra literária é muito
extensa para ser lida de uma só assentada, devemos resignar-nos a
eliminar o efeito, soberanamente decisivo, da unidade de
impressão...” (POE, s/d). Essa mesma noção é compartilhada, por
exemplo, com Cortázar: para ele, o significado do conto não pode ser
dissociado das idéias de intensidade e tensão. O conto deve mostrar
tensão desde seu início: ao contrário do romance (cuja noção de
limite está no próprio esgotamento da matéria romanceada), o conto
é aglutinante de uma realidade mais vasta. Os efeitos do romance são
acumulados progressivamente no leitor, mas o conto deve ser
incisivo.
          Para Piglia, o conto moderno abandonará o desenlace, mas
permanecerá a idéia de um relato secreto:

                                        A versão moderna do conto, que vem de
                                        Tchekov, Katherine Mansfield, Sherwood
                                        Anderson e do Joyce de Dublinenses,
                                        abandona o final surpreendente e a estrutura
                                        fechada; trabalha com a tensão entre as duas
                                        histórias, mas sem nunca resolvê-la. A história
                                        secreta é contada de um modo cada vez mais
                                        elusivo. O conto clássico à Poe contava uma
                                        história anunciando que havia outra; o conto
                                        moderno conta duas histórias como se fossem
                                        uma só. (PIGLIA, 2004, p. 91)

          O raciocínio é limitado. A segunda história, para Piglia, não é
um sentido oculto do conto, simbólico, dependente da interpretação
do leitor (e que, portanto, nem sempre seria passível de descoberta):
o relato oculto é um outro enredo, narrado de forma enigmática nos
interstícios do enredo central. Para as teses funcionarem, deve,
necessariamente, existir um enredo (ou melhor, dois). Se isso é
perfeitamente aplicável no conto clássico, torna-se problemático no
conto moderno: em um conto como “Um dia a menos”, de Clarice
Lispector, podemos dizer que o segundo relato refere-se ao suicídio

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da protagonista. Mas qual seria a primeira história? Tomando ainda
Lispector como exemplo, como identificar duas narrativas distintas
em contos como “O relatório da coisa” ou “Seco estudo de cavalos”,
nos quais dificilmente conseguimos identificar qualquer matéria
narrada (como indicam os títulos, a forma dos contos aproxima-se
mais de relatórios do que de narrativas)? Se há qualquer história
nesses contos, ela depende demasiadamente da interpretação do
leitor, fugindo assim às formulações teóricas de Piglia. Além disso,
como essas histórias inexistem ou dependem de interpretação para
serem percebidas, desaparece a tensão que deveria haver entre elas –
e, evidentemente, o conto deixa de encaminhar-se rumo a um
possível “final secreto (e único)”.
          Um outro exemplo de complicação teórica pode ser visto no
conto “A bela e a fera ou a ferida grande demais”, do livro A bela e a
fera, de Clarice Lispector. O volume reúne contos escritos pela
autora em dois períodos distintos: o primeiro, nos traz alguns dos
contos mais antigos de Lispector já publicados (escritos entre 1940 e
1941); o segundo período, ao qual pertencem os dois últimos contos
do volume, é formado por publicações póstumas. “A bela e a fera ou
A ferida grande demais”, que dá título ao livro e sobre o qual faremos
algumas considerações, nos chama a atenção por seu particular
processo de construção: Clarice Lispector faleceu antes de concluí-lo,
deixando apenas fragmentos desordenados e rascunhos, que só
depois de um complicado processo de editoração viriam a se tornar a
versão que conhecemos hoje.
          O processo pode ser visto mais detalhadamente na edição
crítica de A paixão segundo G.H.. Essa edição contém fotocópias
dos fragmentos, suas transcrições e, por fim, a versão definitiva do
texto. O critério de organização dos fragmentos segue uma regra
simples: optou-se por dispô-los em uma ordem que desse certo
sentido ao texto, independente da ordem em que foram encontrados
– dessa forma, não é estranho notarmos que ao fragmento 1 pode
seguir-se o 15. Além disso, alguns fragmentos possuem vários
“trechos” que, evidentemente, fazem parte de momentos muito
diferentes da narrativa: como exemplo, citemos dois trechos do
fragmento 1:

                                        Começa

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                                        (Ela)1 Bem, então saiu do salão de beleza pelo
                                        elevador do Copacabana Palace Hotel.

                                        No baile ela (se) reverdeceria seus elementos
                                        de atração

          Na versão final, o primeiro trecho é a forma como o conto é
iniciado; o segundo, é a última linha escrita por Clarice Lispector
(Olga Borelli e Gurgel Valente Filho escreveram quatro parágrafos
sucedâneos a este, a fim de dar uma forma definitiva ao conto).
          Percebemos, então, três problemas iniciais: o conto foi
escrito de uma forma extremamente fragmentária, sem uma ordem
lógica que obedecesse a um sistema de causalidade simples; os
trechos talvez não estejam dispostos da forma pretendida
inicialmente pela autora (se é que já havia tal forma); e, por último,
alguns dos trechos foram escritos por outros autores, inclusive toda a
seqüência final, uma digressão em que a personagem relembra um dado
da infância. Os três problemas apontam, sutilmente, para uma mesma
conclusão: a narrativa não possui a “unidade de tensão” pregada por
Poe – e nem poderia, principalmente ao lembrarmos que no desfecho
temos uma longa digressão. E não só o desfecho: várias passagens do
conto são pequenas incursões à mente da protagonista, e sem
dificuldade poderíamos trocar a ordem de algumas delas sem prejuízo
algum à compreensão do conto – e isso é possível não por causa de
um sistema de causalidade (que, ao contrário, inviabilizaria a
compreensão do texto se os fragmentos fossem dispostos de forma
diferente), mas por uma relação simbólica entre essas passagens:
através da interpretação do conto vemos a ligação entre a visão do
mendigo, o casamento motivado por interesses financeiros e uma
recordação da infância. Não temos um relato secreto sendo
construído nos interstícios de uma narrativa principal, mas algo mais
semelhante a várias micro-narrativas ligadas por uma relação simbólica.
          Apesar de ser um livro de ficção, a última seção de A arte do
breve (em que o autor Arturo Gouveia concede uma “entrevista” a


1
 Os trechos entre parênteses indicam passagens suprimidas no
manuscrito.
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Deus) é eminentemente teórica e traz uma série de ponderações
importantes à nossa discussão:

                                        Há contos que se impõem mais pela
                                        realização da linguagem do que pela seqüência
                                        de ações. [...] Herdeiros do romance de fluxo
                                        de consciência, esses contos causam
                                        estranhamento a partir mesmo da radical
                                        deformação semântica a que procedem. O
                                        esquema problemática/tensão/desfecho é
                                        desconsiderado. Neles, a problemática é o
                                        próprio nó da linguagem. (GOUVEIA, 2003,
                                        p. 173)

          O pensamento está relacionado ao conceito de epopéia
negativa, formulado por Adorno nos anos 30 e abordado também por
Gouveia em “A epopéia negativa do século XX” (primeiro dos Dois
ensaios frankfurtianos). Embora seja um termo que busca
descrever complicações do romance moderno, não é difícil
transportar uma parte do raciocínio à discussão sobre o conto. A
idéia parte da percepção da crise de narratividade do romance
contemporâneo: “não há mais o que narrar num mundo onde o
sujeito histórico não consegue agir à margem das relações reificadas
do sistema, ou seja, onde não existe mais espaço para a emancipação
e a alteridade...” (GOUVEIA, 2004, p. 14). A práxis dos personagens
modernos ressoa inútil: eles não têm condições de romper com a
opressão do mundo externo, o que causa o refluxo para a
interioridade, numa “tentativa avaliar sua situação crítica, para fins de
autocompreensão e elucidação de si mesmos” (GOUVEIA, 2004, p.
38). Como esclarece Gouveia, para Adorno as coletividades não têm
mais poder contestatório; todas as iniciativas utópicas são absorvidas
pelas leis do mercado. Essa situação impossibilita que uma negação
ao sistema transite da reflexão à práxis, o que dilui o coletivo e
confina os indivíduos ao isolamento que nos acostumamos a ver na
narrativa moderna. Cessam os diálogos, prevalecem os monólogos.
Ao contrário dos heróis épicos, pertencentes a um mundo que se
move a partir de suas ações (a totalidade épica), os heróis da reflexão
têm consciência da sua inutilidade, e estão em constante conflito com
um mundo que lhes é estranho e alienador:

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                                        Nessa       desilusão    [dos     personagens]
                                        transparece, à primeira vista, uma certa
                                        resistência à ideologização da vida social, uma
                                        vez que não há identidade entre o futuro
                                        vulgarizado pelas promessas sociais e a
                                        autoconsciência negativa das personagens.
                                        Entretanto,      a    própria   solidão      dos
                                        personagens, produzida por fatores que os
                                        transcendem e sobre os quais não têm o
                                        menor controle, significa o triunfo do poder
                                        capitalista, com um agravante: a forma mais
                                        corrente de pensamento se condensa nos
                                        monólogos, não nos diálogos. A própria
                                        forma dominante é sintomática da ausência de
                                        propósito. (GOUVEIA, 2004, p. 36)

         Uma vez que a impossibilidade da ação é instaurada, não há
mais uma seqüência histórica de acontecimentos, impossibilitando a
criação de um enredo. Se temos alguma sensação de prosseguimento
da narrativa, ela é causada pelo discurso do narrador, que seleciona os
pensamentos e pequenos gestos das personagens de forma que
tenhamos a impressão de temporalidade histórica. Tudo se torna
ainda mais complicado se pensarmos no advento do fluxo de
consciência, que, ao tomar, sem mediação alguma do narrador, dados
pertencentes ao inconsciente dos personagens, presentifica
informações correspondentes a um passado geralmente traumático,
reinterpretando o presente e pondo lado a lado impressões mentais
de acontecimentos reais e os próprios acontecimentos: perde-se o
princípio de organização, uma vez que é tomada do próprio narrador
a primazia do discurso; além disso, a linguagem resultante desse
processo revela-se amorfa, confusa, assim como o é o próprio
inconsciente dos personagens. Por isso Gouveia identifica o nó da
linguagem como problema central nesses contos, e também pelo
mesmo motivo a tese de Piglia torna-se incapaz de compreender
esses processos: o fluxo de consciência, aliado a outros recursos,
fragmenta o conto de tal forma que dificilmente podemos
contemplar uma história; temos, muitas vezes, várias micro-narrativas
que surgem unidas através de uma relação simbólica, uma relação de

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Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007


identidade só visível através da interpretação delas – e muitas vezes o
único ponto de intersecção será a própria interpretação. Esta passa a
ser obrigatória à compreensão da narrativa, pois apenas através dela
os dados podem ser ligados entre si, numa tentativa de reconstrução
de um sistema de causalidade que parece demasiadamente diluído. A
linguagem fragmentada desses contos é a formalização estética da
situação caótica em que se encontram os personagens, e impossibilita
assumirmos como regra a “unidade de tensão” pregada por Poe; por
fim, “A linguagem disforme é sintoma de uma grande desconfiança
na noção de forma, razão, equilíbrio, superação, salto qualitativo,
enfim, dos grandes conceitos ocidentais, quebrados no século vinte”
(GOUVEIA, 2004, p. 76).
          Voltando ao conto, é exatamente isso que vemos acontecer
na fragmentária narrativa de Clarice Lispector, especialmente quando
percebemos que existe uma certa crítica ao vazio da existência
burguesa em seus contos. Como destacamos em um ensaio anterior,
em A hora da estrela vemos o narrador Rodrigo S. M. dizer: “A
classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança
de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim”
(LISPECTOR, 1998, p. 19; grifo nosso). A forma escolhida na
narrativa de Clarice Lispector que desestabiliza essa classe média ganha
contornos mais nítidos quando são questionados os seus valores e
suas instituições, o que geralmente se fará trazendo ao centro aqueles
indivíduos indesejados pela sociedade. São esses mesmos indivíduos
que denunciam a falha do modelo social, mostrando que não é
igualitário (“Liberdade, igualdade, fraternidade”), mas estratificado e
hierarquizado,      favorecendo      alguns,      subalternizando     ou
marginalizando outros. É o que vemos acontecer à mendiga idosa de
“O grande passeio”, à dançarina de cabaré e ao homossexual de
“Praça Mauá”; é, enfim, o casamento motivado por razões financeiras
em “A bela e a fera ou A ferida grande demais”, que obriga a mulher
a ir “tudo suportando”, suportando “ele com duas amantes” [p. 101],
ou de outra forma perderia o prestígio de pertencer a uma classe
social elevada.
          Há um profundo tom de crítica social percorrendo o conto,
de duas formas: no confronto entre uma mulher rica e um mendigo, e
no casamento por conveniência, motivado pela ascensão social. Cada
um dos personagens está, a seu modo, impossibilitado de agir, graças

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a mecanismos de controle da sociedade burguesa – recusar o
casamento fracassado significa perder prestígio social. A objetificação
das relações conduz a protagonista do conto, Carla de Sousa e
Santos, a uma empobrecedora alienação: veja-se como o autor se
refere ao casamento e aos filhos: “estou casada, tendo três filhos,
estou segura” (LISPECTOR, 1997, p. 152)2 – não temos uma
indicação de relação de afetividade; os filhos e o casamento são uma
segurança. As relações intersubjetivas estão anuladas: o valor de troca
é a medida de todas as coisas. É uma relação que podemos observar
em “Um dia a menos” (em que educação é relacionada ao
conhecimento de culturas e línguas estrangeiras, e, portanto, tem um
certo valor financeiro) e que se repete aqui quando, ao tentar pensar
algo, tudo o que vem à mente da protagonista são “os pensamentos
mais tolos. Assim: esse mendigo sabe inglês? Esse mendigo já comeu
caviar, bebendo champanhe? [...] ele já fez esportes de inverno na
Suíça?” [p. 153]. A alienação é evidente todas as vezes em que a
personagem busca, através da reflexão, compreender sua própria
situação e não consegue (“No fim do longo pensamento, pareceu-lhe
que – que não pensara em nada” [p. 152]; “Ela se encostou na parede
e resolveu deliberadamente pensar. Era diferente porque não tinha o
hábito e ela não sabia que pensamento era visão e compreensão e que
ninguém podia intimar assim: pense!” [p. 153]), e começa a ser
superada quando, posteriormente, lemos que “A mola do mundo é
dinheiro? fez-se ela a pergunta. Mas quis fingir que não era. Sentiu-se
tão, tão rica que teve um mal-estar” [p. 156], e mais adiante, quando a
personagem central diz:

                                        - Como é que eu nunca descobri que sou
                                        também uma mendiga? Nunca pedi esmola
                                        mas mendigo o amor de meu marido que tem
                                        duas amantes, mendigo pelo amor de Deus
                                        que me achem bonita, alegre a aceitável, e
                                        minha roupa de alma está maltrapilha... [p.
                                        156]



2
 Doravante, as citações de trechos desse livro serão indicadas apenas
pelo número da página, entre colchetes; ex.: [p. 87].
_______________________________________________________________________________
João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007


         Nesse momento, a protagonista inverte as relações: se antes
o referencial para o outro era o sistema e a medida era o valor de
troca, agora ela identificará na morte o valor que a iguala ao mendigo
(“eram iguais porque ambos haviam nascido e ambos morreriam” [p.
156]).
         No entanto, como dissemos anteriormente, é impossível
transformar reflexão em práxis. Carla de Sousa e Santos está presa em
uma rede de relações que é, acima de tudo, um jogo de poder – e
encontra-se em franca desvantagem. Ao marido, em posição superior
nessa relação, é permitida a transgressão da ordem; já à protagonista
resta a resignação. Se a obediência às convenções sociais é
profundamente alienante, a desobediência é impossível. É uma
situação comum às personagens femininas de Clarice Lispector (isso
acontece em “Um dia a menos”, “A fuga”, “A procura de uma
dignidade”, “A partida do trem” e vários outros), e sempre vemos
resultar ou na morte ou na aceitação resignada de sua condição: uma
indicação de que a ruptura, a não-identidade com o sistema, é
impossível – a alienação revela-se como processo irreversível. Em “A
bela e a fera...” não é diferente: a possível identidade com o mendigo
é rompida quando, no carro, a protagonista “De repente pensou: nem
me lembrei de perguntar o nome dele” [p. 157] – embora o trecho
não tenha sido escrito por Lispector, não parece distanciar-se do
destino dado às suas outras personagens.
         É impossível, então, aos personagens, uma emancipação real.
Sua reflexão não resulta em mudança; a situação crítica inicial
permanece inalterada – como diz Arturo Gouveia em seu ensaio
sobre a epopéia negativa, “as reflexões dos personagens,
reproduzidas em imagens fracionárias nas lembranças, só revelam
experiências deformadoras que desqualificam suas relações
intersubjetivas, a intimidade, e a própria capacidade de pensar
enquanto encadeamento psíquico das imagens” (GOUVEIA, 2004, p.
41). A representação de tal modelo resulta numa narrativa
fragmentária, tal como é fragmentada a linguagem cristalizada a partir
do inconsciente dos personagens. As implicações teóricas são muitas,
e exigem uma maior complexidade conceitual – assim como é mais
complexa a realidade que mimetizam.



_______________________________________________________________________________
João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007


REFERÊNCIAS

GOUVEIA, Arturo. (2003). A arte do breve. In: ______. A arte do
breve. João Pessoa: Ed. Manufatura.
GOUVEIA, Arturo. (2004). A epopéia negativa do século XX. In:
GOUVEIA, Arturo; MELO, Anaína Clara de. Dois ensaios
frankfurtianos. João Pessoa: Idéia.
LISPECTOR, Clarice. (1998). A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco.
LISPECTOR, Clarice. (1997). A paixão segundo G.H.: edição crítica.
Paris; São Paulo: ALLCA XX; Scipione Cultural.
PIGLIA, Ricardo. (2004). Formas breves. São Paulo: Companhia das
Letras.
POE, Edgar Allan. (1979). O sistema do Dr. Catrão e do Professor
Pena. In: ______. Histórias extraordinárias. Rio de Janeiro: Otto Pierre.




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Conto Em Fragmentos Newton de Castro Pontes e Edson Soares Martins

  • 1. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 UM CONTO EM FRAGMENTOS: IMPLICAÇÕES TEÓRICAS DE UMA PUBLICAÇÃO PÓSTUMA DE CLARICE LISPECTOR Newton de Castro Pontes Universidade Regional do Cariri – URCA / PIBIC- FUNCAP (AG) – Edson Martins Nas “Teses sobre o conto”, em que Ricardo Piglia busca formular teses que expliquem a estrutura da narrativa curta, lemos em certo trecho que: O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano a história I [...] e constrói em segredo a história II [...]. A arte do contista consiste em saber cifrar a história II nos interstícios da história I. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e fragmentário. (PIGLIA, 2004, p. 89- 90) A teoria de Piglia está baseada na tese de que todo conto encerra em si duas histórias, com diferentes sistemas de causalidade. Como exemplo, ele nos dá um pequeno relato, bastante simples: “Um homem em Montecarlo vai ao cassino, ganha um milhão, volta para casa, suicida-se”. Neste relato, o paradoxo está no imprevisível (o homem suicida-se depois de ganhar, e não de perder), e tende a criar uma cisão que desvincule a história do jogo da história do suicídio. O exemplo é pertinente: o problema criado pelo paradoxo, nesse caso, afeta diretamente um sistema de causa e conseqüência comum ao mundo real – o suicídio não pode ser conseqüência da vitória no cassino –, tornando-se necessário criar dois sistemas de causalidade distintos, que possam abranger os dois fatos. No conto clássico, o segundo fato (o suicídio) surgiria escondido, sendo desenvolvido paralelamente ao primeiro. Os elementos essenciais do _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 2. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 conto seriam empregados de forma que tivessem diferentes funções às duas histórias; alguns acontecimentos estariam dispostos de tal forma que servissem aos propósitos de duas lógicas narrativas heterogêneas, antagônicas, até. Vejamos “O sistema do dr. Catrão e do professor Pena”, um conto das Histórias extraordinárias de Edgar Allan Poe. Em visita ao extremo sul da França, o narrador desse conto é conduzido por seu caminho a um certo hospício particular sobre o qual ouvira falar anteriormente e lhe despertara certa curiosidade, pois sabia que um diferente método de tratamento era aplicado aos internos: o “sistema da bondade”, em que os indivíduos em tratamento gozavam de liberdade quase total. O narrador é recebido pelo próprio diretor, que lhe conta que o antigo tratamento fora abandonado e convida-o para um jantar, em que o narrador se verá cercado de pessoas estranhas, de hábitos singulares. Apenas no fim do conto ele descobrirá que todos aqueles presentes no jantar eram internos do hospício que, ajudados pelo próprio diretor (que enlouquecera), haviam prendido todos os guardas nos calabouços. Poe estrutura o conto de forma que não descubramos (embora tenhamos todos os indícios) que os personagens que interagem com o narrador são internos do hospício; o relato da rebelião só nos é revelado na última página. Os “indícios” são justamente indicações do desenvolvimento dessa segunda história (a rebelião). O efeito de surpresa (quase sempre buscado nos contos de Poe) é gerado pela descoberta desse segundo relato; como diria Piglia, “Concluir um relato é descobrir o ponto de intersecção que permite entrar na outra trama” (PIGLIA, 2004, p. 112). Ele dirá nas suas “Novas teses sobre o conto” que “Essa noção de espera e de tensão rumo ao final secreto (e único) de um relato breve há de ser o ponto de partida destas notas” (PIGLIA, 2004, p. 98, grifos nossos). Essa concepção do conto (tensão rumo ao desenlace, final surpreendente) parte da antiga tradição crítica e pode ser vista já na “Filosofia da composição”, de Poe. Para o autor, a idéia do desenlace deve estar presente desde o princípio; ela é indispensável à lógica e à aparência de causalidade do relato: as incidências e o tom geral devem desenvolvê-la. No processo de construção de “O Corvo” (descrito no ensaio), percebemos que Poe escreve primeiramente a última estância do poema, para só depois escrever as outras; com isso, evita _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 3. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 que qualquer trecho anterior seja capaz de conter uma intensidade maior que o último – todos os outros devem dedicar-se a aumentar a tensão e gerar o efeito, adiando para o final o ponto supremo. Como tudo está direcionado para o efeito, deve haver uma unidade de tensão, que exige certa brevidade – “Se uma obra literária é muito extensa para ser lida de uma só assentada, devemos resignar-nos a eliminar o efeito, soberanamente decisivo, da unidade de impressão...” (POE, s/d). Essa mesma noção é compartilhada, por exemplo, com Cortázar: para ele, o significado do conto não pode ser dissociado das idéias de intensidade e tensão. O conto deve mostrar tensão desde seu início: ao contrário do romance (cuja noção de limite está no próprio esgotamento da matéria romanceada), o conto é aglutinante de uma realidade mais vasta. Os efeitos do romance são acumulados progressivamente no leitor, mas o conto deve ser incisivo. Para Piglia, o conto moderno abandonará o desenlace, mas permanecerá a idéia de um relato secreto: A versão moderna do conto, que vem de Tchekov, Katherine Mansfield, Sherwood Anderson e do Joyce de Dublinenses, abandona o final surpreendente e a estrutura fechada; trabalha com a tensão entre as duas histórias, mas sem nunca resolvê-la. A história secreta é contada de um modo cada vez mais elusivo. O conto clássico à Poe contava uma história anunciando que havia outra; o conto moderno conta duas histórias como se fossem uma só. (PIGLIA, 2004, p. 91) O raciocínio é limitado. A segunda história, para Piglia, não é um sentido oculto do conto, simbólico, dependente da interpretação do leitor (e que, portanto, nem sempre seria passível de descoberta): o relato oculto é um outro enredo, narrado de forma enigmática nos interstícios do enredo central. Para as teses funcionarem, deve, necessariamente, existir um enredo (ou melhor, dois). Se isso é perfeitamente aplicável no conto clássico, torna-se problemático no conto moderno: em um conto como “Um dia a menos”, de Clarice Lispector, podemos dizer que o segundo relato refere-se ao suicídio _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 4. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 da protagonista. Mas qual seria a primeira história? Tomando ainda Lispector como exemplo, como identificar duas narrativas distintas em contos como “O relatório da coisa” ou “Seco estudo de cavalos”, nos quais dificilmente conseguimos identificar qualquer matéria narrada (como indicam os títulos, a forma dos contos aproxima-se mais de relatórios do que de narrativas)? Se há qualquer história nesses contos, ela depende demasiadamente da interpretação do leitor, fugindo assim às formulações teóricas de Piglia. Além disso, como essas histórias inexistem ou dependem de interpretação para serem percebidas, desaparece a tensão que deveria haver entre elas – e, evidentemente, o conto deixa de encaminhar-se rumo a um possível “final secreto (e único)”. Um outro exemplo de complicação teórica pode ser visto no conto “A bela e a fera ou a ferida grande demais”, do livro A bela e a fera, de Clarice Lispector. O volume reúne contos escritos pela autora em dois períodos distintos: o primeiro, nos traz alguns dos contos mais antigos de Lispector já publicados (escritos entre 1940 e 1941); o segundo período, ao qual pertencem os dois últimos contos do volume, é formado por publicações póstumas. “A bela e a fera ou A ferida grande demais”, que dá título ao livro e sobre o qual faremos algumas considerações, nos chama a atenção por seu particular processo de construção: Clarice Lispector faleceu antes de concluí-lo, deixando apenas fragmentos desordenados e rascunhos, que só depois de um complicado processo de editoração viriam a se tornar a versão que conhecemos hoje. O processo pode ser visto mais detalhadamente na edição crítica de A paixão segundo G.H.. Essa edição contém fotocópias dos fragmentos, suas transcrições e, por fim, a versão definitiva do texto. O critério de organização dos fragmentos segue uma regra simples: optou-se por dispô-los em uma ordem que desse certo sentido ao texto, independente da ordem em que foram encontrados – dessa forma, não é estranho notarmos que ao fragmento 1 pode seguir-se o 15. Além disso, alguns fragmentos possuem vários “trechos” que, evidentemente, fazem parte de momentos muito diferentes da narrativa: como exemplo, citemos dois trechos do fragmento 1: Começa _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 5. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 (Ela)1 Bem, então saiu do salão de beleza pelo elevador do Copacabana Palace Hotel. No baile ela (se) reverdeceria seus elementos de atração Na versão final, o primeiro trecho é a forma como o conto é iniciado; o segundo, é a última linha escrita por Clarice Lispector (Olga Borelli e Gurgel Valente Filho escreveram quatro parágrafos sucedâneos a este, a fim de dar uma forma definitiva ao conto). Percebemos, então, três problemas iniciais: o conto foi escrito de uma forma extremamente fragmentária, sem uma ordem lógica que obedecesse a um sistema de causalidade simples; os trechos talvez não estejam dispostos da forma pretendida inicialmente pela autora (se é que já havia tal forma); e, por último, alguns dos trechos foram escritos por outros autores, inclusive toda a seqüência final, uma digressão em que a personagem relembra um dado da infância. Os três problemas apontam, sutilmente, para uma mesma conclusão: a narrativa não possui a “unidade de tensão” pregada por Poe – e nem poderia, principalmente ao lembrarmos que no desfecho temos uma longa digressão. E não só o desfecho: várias passagens do conto são pequenas incursões à mente da protagonista, e sem dificuldade poderíamos trocar a ordem de algumas delas sem prejuízo algum à compreensão do conto – e isso é possível não por causa de um sistema de causalidade (que, ao contrário, inviabilizaria a compreensão do texto se os fragmentos fossem dispostos de forma diferente), mas por uma relação simbólica entre essas passagens: através da interpretação do conto vemos a ligação entre a visão do mendigo, o casamento motivado por interesses financeiros e uma recordação da infância. Não temos um relato secreto sendo construído nos interstícios de uma narrativa principal, mas algo mais semelhante a várias micro-narrativas ligadas por uma relação simbólica. Apesar de ser um livro de ficção, a última seção de A arte do breve (em que o autor Arturo Gouveia concede uma “entrevista” a 1 Os trechos entre parênteses indicam passagens suprimidas no manuscrito. _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 6. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 Deus) é eminentemente teórica e traz uma série de ponderações importantes à nossa discussão: Há contos que se impõem mais pela realização da linguagem do que pela seqüência de ações. [...] Herdeiros do romance de fluxo de consciência, esses contos causam estranhamento a partir mesmo da radical deformação semântica a que procedem. O esquema problemática/tensão/desfecho é desconsiderado. Neles, a problemática é o próprio nó da linguagem. (GOUVEIA, 2003, p. 173) O pensamento está relacionado ao conceito de epopéia negativa, formulado por Adorno nos anos 30 e abordado também por Gouveia em “A epopéia negativa do século XX” (primeiro dos Dois ensaios frankfurtianos). Embora seja um termo que busca descrever complicações do romance moderno, não é difícil transportar uma parte do raciocínio à discussão sobre o conto. A idéia parte da percepção da crise de narratividade do romance contemporâneo: “não há mais o que narrar num mundo onde o sujeito histórico não consegue agir à margem das relações reificadas do sistema, ou seja, onde não existe mais espaço para a emancipação e a alteridade...” (GOUVEIA, 2004, p. 14). A práxis dos personagens modernos ressoa inútil: eles não têm condições de romper com a opressão do mundo externo, o que causa o refluxo para a interioridade, numa “tentativa avaliar sua situação crítica, para fins de autocompreensão e elucidação de si mesmos” (GOUVEIA, 2004, p. 38). Como esclarece Gouveia, para Adorno as coletividades não têm mais poder contestatório; todas as iniciativas utópicas são absorvidas pelas leis do mercado. Essa situação impossibilita que uma negação ao sistema transite da reflexão à práxis, o que dilui o coletivo e confina os indivíduos ao isolamento que nos acostumamos a ver na narrativa moderna. Cessam os diálogos, prevalecem os monólogos. Ao contrário dos heróis épicos, pertencentes a um mundo que se move a partir de suas ações (a totalidade épica), os heróis da reflexão têm consciência da sua inutilidade, e estão em constante conflito com um mundo que lhes é estranho e alienador: _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 7. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 Nessa desilusão [dos personagens] transparece, à primeira vista, uma certa resistência à ideologização da vida social, uma vez que não há identidade entre o futuro vulgarizado pelas promessas sociais e a autoconsciência negativa das personagens. Entretanto, a própria solidão dos personagens, produzida por fatores que os transcendem e sobre os quais não têm o menor controle, significa o triunfo do poder capitalista, com um agravante: a forma mais corrente de pensamento se condensa nos monólogos, não nos diálogos. A própria forma dominante é sintomática da ausência de propósito. (GOUVEIA, 2004, p. 36) Uma vez que a impossibilidade da ação é instaurada, não há mais uma seqüência histórica de acontecimentos, impossibilitando a criação de um enredo. Se temos alguma sensação de prosseguimento da narrativa, ela é causada pelo discurso do narrador, que seleciona os pensamentos e pequenos gestos das personagens de forma que tenhamos a impressão de temporalidade histórica. Tudo se torna ainda mais complicado se pensarmos no advento do fluxo de consciência, que, ao tomar, sem mediação alguma do narrador, dados pertencentes ao inconsciente dos personagens, presentifica informações correspondentes a um passado geralmente traumático, reinterpretando o presente e pondo lado a lado impressões mentais de acontecimentos reais e os próprios acontecimentos: perde-se o princípio de organização, uma vez que é tomada do próprio narrador a primazia do discurso; além disso, a linguagem resultante desse processo revela-se amorfa, confusa, assim como o é o próprio inconsciente dos personagens. Por isso Gouveia identifica o nó da linguagem como problema central nesses contos, e também pelo mesmo motivo a tese de Piglia torna-se incapaz de compreender esses processos: o fluxo de consciência, aliado a outros recursos, fragmenta o conto de tal forma que dificilmente podemos contemplar uma história; temos, muitas vezes, várias micro-narrativas que surgem unidas através de uma relação simbólica, uma relação de _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 8. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 identidade só visível através da interpretação delas – e muitas vezes o único ponto de intersecção será a própria interpretação. Esta passa a ser obrigatória à compreensão da narrativa, pois apenas através dela os dados podem ser ligados entre si, numa tentativa de reconstrução de um sistema de causalidade que parece demasiadamente diluído. A linguagem fragmentada desses contos é a formalização estética da situação caótica em que se encontram os personagens, e impossibilita assumirmos como regra a “unidade de tensão” pregada por Poe; por fim, “A linguagem disforme é sintoma de uma grande desconfiança na noção de forma, razão, equilíbrio, superação, salto qualitativo, enfim, dos grandes conceitos ocidentais, quebrados no século vinte” (GOUVEIA, 2004, p. 76). Voltando ao conto, é exatamente isso que vemos acontecer na fragmentária narrativa de Clarice Lispector, especialmente quando percebemos que existe uma certa crítica ao vazio da existência burguesa em seus contos. Como destacamos em um ensaio anterior, em A hora da estrela vemos o narrador Rodrigo S. M. dizer: “A classe alta me tem como um monstro esquisito, a média com desconfiança de que eu possa desequilibrá-la, a classe baixa nunca vem a mim” (LISPECTOR, 1998, p. 19; grifo nosso). A forma escolhida na narrativa de Clarice Lispector que desestabiliza essa classe média ganha contornos mais nítidos quando são questionados os seus valores e suas instituições, o que geralmente se fará trazendo ao centro aqueles indivíduos indesejados pela sociedade. São esses mesmos indivíduos que denunciam a falha do modelo social, mostrando que não é igualitário (“Liberdade, igualdade, fraternidade”), mas estratificado e hierarquizado, favorecendo alguns, subalternizando ou marginalizando outros. É o que vemos acontecer à mendiga idosa de “O grande passeio”, à dançarina de cabaré e ao homossexual de “Praça Mauá”; é, enfim, o casamento motivado por razões financeiras em “A bela e a fera ou A ferida grande demais”, que obriga a mulher a ir “tudo suportando”, suportando “ele com duas amantes” [p. 101], ou de outra forma perderia o prestígio de pertencer a uma classe social elevada. Há um profundo tom de crítica social percorrendo o conto, de duas formas: no confronto entre uma mulher rica e um mendigo, e no casamento por conveniência, motivado pela ascensão social. Cada um dos personagens está, a seu modo, impossibilitado de agir, graças _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 9. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 a mecanismos de controle da sociedade burguesa – recusar o casamento fracassado significa perder prestígio social. A objetificação das relações conduz a protagonista do conto, Carla de Sousa e Santos, a uma empobrecedora alienação: veja-se como o autor se refere ao casamento e aos filhos: “estou casada, tendo três filhos, estou segura” (LISPECTOR, 1997, p. 152)2 – não temos uma indicação de relação de afetividade; os filhos e o casamento são uma segurança. As relações intersubjetivas estão anuladas: o valor de troca é a medida de todas as coisas. É uma relação que podemos observar em “Um dia a menos” (em que educação é relacionada ao conhecimento de culturas e línguas estrangeiras, e, portanto, tem um certo valor financeiro) e que se repete aqui quando, ao tentar pensar algo, tudo o que vem à mente da protagonista são “os pensamentos mais tolos. Assim: esse mendigo sabe inglês? Esse mendigo já comeu caviar, bebendo champanhe? [...] ele já fez esportes de inverno na Suíça?” [p. 153]. A alienação é evidente todas as vezes em que a personagem busca, através da reflexão, compreender sua própria situação e não consegue (“No fim do longo pensamento, pareceu-lhe que – que não pensara em nada” [p. 152]; “Ela se encostou na parede e resolveu deliberadamente pensar. Era diferente porque não tinha o hábito e ela não sabia que pensamento era visão e compreensão e que ninguém podia intimar assim: pense!” [p. 153]), e começa a ser superada quando, posteriormente, lemos que “A mola do mundo é dinheiro? fez-se ela a pergunta. Mas quis fingir que não era. Sentiu-se tão, tão rica que teve um mal-estar” [p. 156], e mais adiante, quando a personagem central diz: - Como é que eu nunca descobri que sou também uma mendiga? Nunca pedi esmola mas mendigo o amor de meu marido que tem duas amantes, mendigo pelo amor de Deus que me achem bonita, alegre a aceitável, e minha roupa de alma está maltrapilha... [p. 156] 2 Doravante, as citações de trechos desse livro serão indicadas apenas pelo número da página, entre colchetes; ex.: [p. 87]. _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 10. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 Nesse momento, a protagonista inverte as relações: se antes o referencial para o outro era o sistema e a medida era o valor de troca, agora ela identificará na morte o valor que a iguala ao mendigo (“eram iguais porque ambos haviam nascido e ambos morreriam” [p. 156]). No entanto, como dissemos anteriormente, é impossível transformar reflexão em práxis. Carla de Sousa e Santos está presa em uma rede de relações que é, acima de tudo, um jogo de poder – e encontra-se em franca desvantagem. Ao marido, em posição superior nessa relação, é permitida a transgressão da ordem; já à protagonista resta a resignação. Se a obediência às convenções sociais é profundamente alienante, a desobediência é impossível. É uma situação comum às personagens femininas de Clarice Lispector (isso acontece em “Um dia a menos”, “A fuga”, “A procura de uma dignidade”, “A partida do trem” e vários outros), e sempre vemos resultar ou na morte ou na aceitação resignada de sua condição: uma indicação de que a ruptura, a não-identidade com o sistema, é impossível – a alienação revela-se como processo irreversível. Em “A bela e a fera...” não é diferente: a possível identidade com o mendigo é rompida quando, no carro, a protagonista “De repente pensou: nem me lembrei de perguntar o nome dele” [p. 157] – embora o trecho não tenha sido escrito por Lispector, não parece distanciar-se do destino dado às suas outras personagens. É impossível, então, aos personagens, uma emancipação real. Sua reflexão não resulta em mudança; a situação crítica inicial permanece inalterada – como diz Arturo Gouveia em seu ensaio sobre a epopéia negativa, “as reflexões dos personagens, reproduzidas em imagens fracionárias nas lembranças, só revelam experiências deformadoras que desqualificam suas relações intersubjetivas, a intimidade, e a própria capacidade de pensar enquanto encadeamento psíquico das imagens” (GOUVEIA, 2004, p. 41). A representação de tal modelo resulta numa narrativa fragmentária, tal como é fragmentada a linguagem cristalizada a partir do inconsciente dos personagens. As implicações teóricas são muitas, e exigem uma maior complexidade conceitual – assim como é mais complexa a realidade que mimetizam. _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0
  • 11. Anais do I Simpósio Nacional Linguagens e Gêneros Textuais – de 28 a 30 de março de 2007 REFERÊNCIAS GOUVEIA, Arturo. (2003). A arte do breve. In: ______. A arte do breve. João Pessoa: Ed. Manufatura. GOUVEIA, Arturo. (2004). A epopéia negativa do século XX. In: GOUVEIA, Arturo; MELO, Anaína Clara de. Dois ensaios frankfurtianos. João Pessoa: Idéia. LISPECTOR, Clarice. (1998). A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco. LISPECTOR, Clarice. (1997). A paixão segundo G.H.: edição crítica. Paris; São Paulo: ALLCA XX; Scipione Cultural. PIGLIA, Ricardo. (2004). Formas breves. São Paulo: Companhia das Letras. POE, Edgar Allan. (1979). O sistema do Dr. Catrão e do Professor Pena. In: ______. Histórias extraordinárias. Rio de Janeiro: Otto Pierre. _______________________________________________________________________________ João Pessoa, Editora Universitária/EDUFPB, 2007 – ISBN 978-85-7745-074-0