SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 2
A MURALHA E OS LIVROS

Jorge Luis Borges, in Outras Inquisições

(tradução de Davi Arrigucci Jr.)


Li, dias atrás, que o homem que ordenou a edificação da quase infinita muralha
chinesa foi aquele primeiro Imperador, Che Huang-ti, que também mandou
queimar todos os livros anteriores a ele. O fato de as duas vastas operações – as
quinhentas a seiscentas léguas de pedra opostas aos bárbaros, a rigorosa
abolição da história, isto é, do passado – procederem da mesma pessoa e serem
de certo modo seus atributos inexplicavelmente agradou-me e, ao mesmo tempo,
inquietou-me. Indagar as razões dessa emoção é o fito desta nota. Historicamente,
não há mistério nas duas medidas. Contemporâneo das guerras de Aníbal, Che
Huang-ti, rei de Tsin, reduziu os Seis Reinos a seu poder e aboliu o sistema feudal;
erigiu a muralha, porque as muralhas eram defesas; queimou os livros, porque a
oposição os invocava para louvar os antigos imperadores. Queimar livros e erigir
fortificações é tarefa comum dos príncipes; a única singularidade de Che Huang-ti
foi a escala em que ele atuou. É o que dão a entender alguns sinólogos, mas eu
sinto que os fatos referidos são algo mais que um exagero ou uma hipérbole de
disposições triviais. Cercar uma horta ou um jardim é comum; não, cercar um
império. Tampouco é rotineiro pretender que a mais tradicional das raças renuncie
à memória de seu passado, mítico ou verdadeiro. Três mil anos de cronologia
tinham os chineses (e, nesses anos, o Imperador Amarelo, e Chuang Tzu, e
Confúcio, e Lao-tsé), quando Che Huang-ti ordenou que a história começasse com
ele.
Che Huang-ti condenara a mãe ao desterro por libertinagem; em sua dura justiça,
os ortodoxos não viram senão impiedade; Che Huang-ti talvez quisesse suprimir
os livros canônicos porque estes o acusavam; Che Huang-ti talvez quisesse abolir
todo o passado para abolir uma única lembrança: a infâmia de sua mãe. (Não de
outra sorte um rei, na Judéia, mandou matar todas as crianças para matar uma.)
Essa conjetura é aceitável, mas nada nos diz da muralha, da segunda face do
mito. Che Huang-ti, segundo os historiadores, proibiu qualquer menção à morte, e
procurou o elixir da imortalidade, e recluiu-se em um palácio figurativo, que
constava de tantos aposentos como dias têm o ano; esses dados sugerem que a
muralha no espaço e o incêndio no tempo foram barreiras mágicas destinadas a
deter a morte. Todas as coisas querem persistir em seu ser, escreveu Baruch
Spinoza; pode ser que o Imperador e seus magos acreditassem que a imortalidade
é intrínseca e que a corrupção não pode entrar em um orbe fechado. Pode ser que
o Imperador tenha tentado recriar o princípio do tempo¸ tenha-se chamado
Primeiro para ser realmente o primeiro, e Huang-ti para de certo modo ser Huang-
ti, o legendário imperador que inventou a escrita e a bússola. Este, segundo o
Livro dos Ritos, deu às coisas seu nome verdadeiro; semelhantemente, Che
Huang-ti jactou-se, em inscrições que perduram, de que, sob seu império, todas as
coisas receberam o nome que lhes convém. Sonhou em fundar uma dinastia
imortal; ordenou que seus herdeiros se chamassem Segundo Imperador, Terceiro
Imperador, Quarto Imperador, e assim até o infinito... Falei de um propósito
mágico; também poderíamos supor que erigir a muralha e queimar os livros não
foram atos simultâneos. Isso (segundo a ordem que escolhêssemos) dar-nos-ia a
imagem de um rei que começou por destruir e mais tarde resignou-se a conservar,
ou a de um rei desiludido que destruiu o que antes defendia. Ambas as conjeturas
são damáticas, mas, que eu saiba, carecem de base histórica. Herbert Allen Giles
conta que aqueles que ocultaram livros foram marcados a ferro candente e
condenados a construir, até o dia de sua morte, a desmedida muralha. Essa
notícia favorece ou tolera outra interpretação. Talvez a muralha fosse uma
metáfora, talvez Che Huang-ti tenha condenado aqueles que adoravam o passado
a uma obra tão vasta quanto o passado, tão néscia e tão inútil. Talvez a muralha
fosse um desafio e Che Huang-ti tenha pensado: “Os homens amam o passado, e
contra esse amor nada posso nem podem meus carrascos, mas um dia há de viver
um homem que sinta como eu, e ele destruirá minha muralha, como eu destruí os
livros, e ele apagará minha memória e será minha sombra e meu espelho, e não o
saberá”. Talvez Che Huang-ti tenha amuralhado o império porque sabia que este
era precário e destruído os livros por entender que eram livros sagrados, ou seja,
livros que ensinam o que ensina o universo inteiro ou a consciência de cada
homem. Talvez o incêndio das bibliotecas e a edificação da muralha sejam
operações que de modo secreto se anulam. A muralha tenaz que neste momento,
e em todos, projeta seu sistema de sombras sobre terras que não verei é a sombra
de um César que ordenou que a mais reverente das nações queimasse seu
passado; é verossímil que a idéia nos toque por si mesma, para além das
conjeturas que permite. (Sua virtude pode estar na oposição entre construir e
destruir, em enorme escala.) Generalizando o caso anterior, poderíamos inferir que
todas as formas têm sua virtude em si mesmas e não em um “conteúdo”
conjetural. Isso coincidiria com a tese de Benedetto Croce; já Pater, em 1877,
afirmou que todas as artes aspiram à condição da música, que é apenas forma. A
música, os estados de felicidade, a mitologia, os rostos trabalhados pelo tempo,
certos crespúsculos e certos lugares querem dizer algo, ou algo disseram que não
deveríamos ter perdido, ou estão prestes a dizer algo; essa iminência de uma
revelação, que não se produz, é talvez o fato estético.

Jorge Luis Borges, A muralha e os livros, in Outras inquisições, companhia das
Letras, tradução de Davi Arrigucci Jr.

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

2 teoria do conhecimento
2 teoria do conhecimento 2 teoria do conhecimento
2 teoria do conhecimento Erica Frau
 
A Filosofia E Outros Saberes
A Filosofia E Outros SaberesA Filosofia E Outros Saberes
A Filosofia E Outros SaberesJoão Lamas
 
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos morais
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos moraisDiversas respostas ao problema da natureza dos juízos morais
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos moraisLuis De Sousa Rodrigues
 
O que é conhecimento - filosofia
O que é conhecimento - filosofiaO que é conhecimento - filosofia
O que é conhecimento - filosofiaMarcelo Avila
 
Recursos estilísticos utilizados por camões
Recursos estilísticos utilizados por camõesRecursos estilísticos utilizados por camões
Recursos estilísticos utilizados por camõesFátima Martins
 
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIIICarla Freitas
 
Distribuição da população portuguesa
Distribuição da população portuguesaDistribuição da população portuguesa
Distribuição da população portuguesaIlda Bicacro
 
Racionalismo - Filosofia
Racionalismo - FilosofiaRacionalismo - Filosofia
Racionalismo - FilosofiaCarson Souza
 
Organização mundial do comércio
Organização mundial do comércioOrganização mundial do comércio
Organização mundial do comércioTamiris Damasceno
 
As cinco vias provas - da existência de deus - santo tomás de aquino
As cinco vias   provas - da existência de deus - santo tomás de aquinoAs cinco vias   provas - da existência de deus - santo tomás de aquino
As cinco vias provas - da existência de deus - santo tomás de aquinoLeonardo Vasconcelos
 
Trabalho pesquisa prático2_8ºano
Trabalho pesquisa prático2_8ºanoTrabalho pesquisa prático2_8ºano
Trabalho pesquisa prático2_8ºanoGeografias Geo
 
Globalização e diferentes situações face à diversidade cultural
Globalização e diferentes situações face à diversidade culturalGlobalização e diferentes situações face à diversidade cultural
Globalização e diferentes situações face à diversidade culturalFilazambuja
 
A posição de Portugal na Europa e no Mundo
A posição de Portugal na Europa e no MundoA posição de Portugal na Europa e no Mundo
A posição de Portugal na Europa e no MundoVictor Veiga
 
O cogito cartesiano
O cogito cartesianoO cogito cartesiano
O cogito cartesianoLídia Neves
 

Mais procurados (20)

2 teoria do conhecimento
2 teoria do conhecimento 2 teoria do conhecimento
2 teoria do conhecimento
 
A Filosofia E Outros Saberes
A Filosofia E Outros SaberesA Filosofia E Outros Saberes
A Filosofia E Outros Saberes
 
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos morais
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos moraisDiversas respostas ao problema da natureza dos juízos morais
Diversas respostas ao problema da natureza dos juízos morais
 
O que é conhecimento - filosofia
O que é conhecimento - filosofiaO que é conhecimento - filosofia
O que é conhecimento - filosofia
 
Tráfico de pessoas
Tráfico de pessoasTráfico de pessoas
Tráfico de pessoas
 
Turismo
TurismoTurismo
Turismo
 
Recursos estilísticos utilizados por camões
Recursos estilísticos utilizados por camõesRecursos estilísticos utilizados por camões
Recursos estilísticos utilizados por camões
 
Apresentação roma
Apresentação romaApresentação roma
Apresentação roma
 
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII
19 - Crescimento económico dos séculos XII e XIII
 
Filósofos Sofistas
Filósofos SofistasFilósofos Sofistas
Filósofos Sofistas
 
Otet
OtetOtet
Otet
 
Distribuição da população portuguesa
Distribuição da população portuguesaDistribuição da população portuguesa
Distribuição da população portuguesa
 
O Renascimento
O RenascimentoO Renascimento
O Renascimento
 
Racionalismo - Filosofia
Racionalismo - FilosofiaRacionalismo - Filosofia
Racionalismo - Filosofia
 
Organização mundial do comércio
Organização mundial do comércioOrganização mundial do comércio
Organização mundial do comércio
 
As cinco vias provas - da existência de deus - santo tomás de aquino
As cinco vias   provas - da existência de deus - santo tomás de aquinoAs cinco vias   provas - da existência de deus - santo tomás de aquino
As cinco vias provas - da existência de deus - santo tomás de aquino
 
Trabalho pesquisa prático2_8ºano
Trabalho pesquisa prático2_8ºanoTrabalho pesquisa prático2_8ºano
Trabalho pesquisa prático2_8ºano
 
Globalização e diferentes situações face à diversidade cultural
Globalização e diferentes situações face à diversidade culturalGlobalização e diferentes situações face à diversidade cultural
Globalização e diferentes situações face à diversidade cultural
 
A posição de Portugal na Europa e no Mundo
A posição de Portugal na Europa e no MundoA posição de Portugal na Europa e no Mundo
A posição de Portugal na Europa e no Mundo
 
O cogito cartesiano
O cogito cartesianoO cogito cartesiano
O cogito cartesiano
 

Destaque

Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayores
Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayoresBoletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayores
Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayoresJosé Luis Contreras Muñoz
 
Brain Cooperation Insighths
Brain Cooperation InsighthsBrain Cooperation Insighths
Brain Cooperation InsighthsBrainventures
 
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTO
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTOFORMULÁRIO DE CADASTRAMENTO
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTOMarcus Cancelier
 
Compromisos con la innovación
Compromisos con la innovaciónCompromisos con la innovación
Compromisos con la innovaciónBrainventures
 
SECCION M3,EQUIPO 10
SECCION M3,EQUIPO 10SECCION M3,EQUIPO 10
SECCION M3,EQUIPO 10BQRazetti2014
 
Servicios web20. ELS
Servicios web20. ELSServicios web20. ELS
Servicios web20. ELSenejar
 
Irene sahara
Irene saharaIrene sahara
Irene saharaRosana
 
Romanticismo2
Romanticismo2Romanticismo2
Romanticismo2ignacio
 
Be-CreativePropuesta gestión colaborativa
Be-CreativePropuesta gestión colaborativaBe-CreativePropuesta gestión colaborativa
Be-CreativePropuesta gestión colaborativaBrainventures
 
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de páduaRoberto Rabat Chame
 
Req 272 2014 pavimento jd camandocaia
Req 272 2014 pavimento jd camandocaiaReq 272 2014 pavimento jd camandocaia
Req 272 2014 pavimento jd camandocaiaRogerio Catanese
 
Mãe Maria. Poesia
Mãe Maria. PoesiaMãe Maria. Poesia
Mãe Maria. PoesiaSeduc MT
 
Prova de recuperção de história 5
Prova de recuperção de história 5Prova de recuperção de história 5
Prova de recuperção de história 5Josiane Leal
 

Destaque (20)

El menhir de Mollet del Vallès
El menhir de Mollet del VallèsEl menhir de Mollet del Vallès
El menhir de Mollet del Vallès
 
Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayores
Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayoresBoletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayores
Boletín nº 6 programa atención domiciliaria a personas mayores
 
A[1][1].Macchiavello Tuqueviolenciausas
A[1][1].Macchiavello TuqueviolenciausasA[1][1].Macchiavello Tuqueviolenciausas
A[1][1].Macchiavello Tuqueviolenciausas
 
1ano.1eta.ibim
1ano.1eta.ibim1ano.1eta.ibim
1ano.1eta.ibim
 
Brain Cooperation Insighths
Brain Cooperation InsighthsBrain Cooperation Insighths
Brain Cooperation Insighths
 
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTO
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTOFORMULÁRIO DE CADASTRAMENTO
FORMULÁRIO DE CADASTRAMENTO
 
Compromisos con la innovación
Compromisos con la innovaciónCompromisos con la innovación
Compromisos con la innovación
 
SECCION M3,EQUIPO 10
SECCION M3,EQUIPO 10SECCION M3,EQUIPO 10
SECCION M3,EQUIPO 10
 
Servicios web20. ELS
Servicios web20. ELSServicios web20. ELS
Servicios web20. ELS
 
Salud mentalcomunitariamanueldesviat
Salud mentalcomunitariamanueldesviatSalud mentalcomunitariamanueldesviat
Salud mentalcomunitariamanueldesviat
 
Un Gran Hombre
Un Gran HombreUn Gran Hombre
Un Gran Hombre
 
Irene sahara
Irene saharaIrene sahara
Irene sahara
 
Los Inmigrantes Nos Cuentan
Los Inmigrantes Nos CuentanLos Inmigrantes Nos Cuentan
Los Inmigrantes Nos Cuentan
 
Romanticismo2
Romanticismo2Romanticismo2
Romanticismo2
 
Be-CreativePropuesta gestión colaborativa
Be-CreativePropuesta gestión colaborativaBe-CreativePropuesta gestión colaborativa
Be-CreativePropuesta gestión colaborativa
 
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua
69 cipm prisão de traficante no santo antonio de pádua
 
Req 272 2014 pavimento jd camandocaia
Req 272 2014 pavimento jd camandocaiaReq 272 2014 pavimento jd camandocaia
Req 272 2014 pavimento jd camandocaia
 
Foto sporting
Foto sportingFoto sporting
Foto sporting
 
Mãe Maria. Poesia
Mãe Maria. PoesiaMãe Maria. Poesia
Mãe Maria. Poesia
 
Prova de recuperção de história 5
Prova de recuperção de história 5Prova de recuperção de história 5
Prova de recuperção de história 5
 

Semelhante a A muralha e os livros, de jorge luis borges

H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDF
H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDFH. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDF
H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDFjefersonrecalde
 
A Bíblia —Fato ou Ficção?
A Bíblia —Fato ou Ficção?A Bíblia —Fato ou Ficção?
A Bíblia —Fato ou Ficção?Freekidstories
 
Mikhail bakunin - Deus e o Estado
Mikhail bakunin - Deus e o EstadoMikhail bakunin - Deus e o Estado
Mikhail bakunin - Deus e o EstadoWesley Guedes
 
A Biblioteca Desaparecida - luciano canfora
A Biblioteca Desaparecida  -  luciano canforaA Biblioteca Desaparecida  -  luciano canfora
A Biblioteca Desaparecida - luciano canforaV.X. Carmo
 
Fatum e história
Fatum e históriaFatum e história
Fatum e históriaFrei Ofm
 
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentadoemanuel
 
Os livros malditos jacques bergier
Os livros malditos   jacques bergierOs livros malditos   jacques bergier
Os livros malditos jacques bergierJoao Miranda
 

Semelhante a A muralha e os livros, de jorge luis borges (12)

H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDF
H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDFH. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDF
H. P. Lovecraft - O Chamado de Cthulhu - PDF
 
A biblioteca desaparecida luciano canfora
A biblioteca desaparecida   luciano canforaA biblioteca desaparecida   luciano canfora
A biblioteca desaparecida luciano canfora
 
A Bíblia —Fato ou Ficção?
A Bíblia —Fato ou Ficção?A Bíblia —Fato ou Ficção?
A Bíblia —Fato ou Ficção?
 
Mikhail bakunin - Deus e o Estado
Mikhail bakunin - Deus e o EstadoMikhail bakunin - Deus e o Estado
Mikhail bakunin - Deus e o Estado
 
A Biblioteca Desaparecida - luciano canfora
A Biblioteca Desaparecida  -  luciano canforaA Biblioteca Desaparecida  -  luciano canfora
A Biblioteca Desaparecida - luciano canfora
 
Karnal
KarnalKarnal
Karnal
 
Fatum e história
Fatum e históriaFatum e história
Fatum e história
 
Livrete incas
Livrete incasLivrete incas
Livrete incas
 
O Iluminismo
O IluminismoO Iluminismo
O Iluminismo
 
As cruzadas set final
As cruzadas set finalAs cruzadas set final
As cruzadas set final
 
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado
3º simulado ENEM (sábado)- Gabarito comentado
 
Os livros malditos jacques bergier
Os livros malditos   jacques bergierOs livros malditos   jacques bergier
Os livros malditos jacques bergier
 

Mais de Faço livros por encomenda

Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...
Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...
Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...Faço livros por encomenda
 
Mineirinho clarice lispector a legião estrangeira
Mineirinho clarice lispector   a legião estrangeiraMineirinho clarice lispector   a legião estrangeira
Mineirinho clarice lispector a legião estrangeiraFaço livros por encomenda
 
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundo
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundoSaiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundo
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundoFaço livros por encomenda
 
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundo
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundoChapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundo
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundoFaço livros por encomenda
 
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à ÁfricaVelósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à ÁfricaFaço livros por encomenda
 

Mais de Faço livros por encomenda (20)

Coragem
CoragemCoragem
Coragem
 
Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...
Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...
Sombra do mackenzie depoimento de jornalista que foi humilhado e caluniado nu...
 
Os florais perversos de madame de Sade
Os florais perversos de madame de SadeOs florais perversos de madame de Sade
Os florais perversos de madame de Sade
 
Hitler e o mein kampf: sucesso enganoso
Hitler e o mein kampf: sucesso enganosoHitler e o mein kampf: sucesso enganoso
Hitler e o mein kampf: sucesso enganoso
 
Como emagrecer de vez
Como emagrecer de vezComo emagrecer de vez
Como emagrecer de vez
 
Proust
ProustProust
Proust
 
Mineirinho clarice lispector a legião estrangeira
Mineirinho clarice lispector   a legião estrangeiraMineirinho clarice lispector   a legião estrangeira
Mineirinho clarice lispector a legião estrangeira
 
Medicina alternativa
Medicina alternativaMedicina alternativa
Medicina alternativa
 
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundo
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundoSaiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundo
Saiba tudo sobre Foz do Iguaçu, um dos principais destinos turísticos do mundo
 
A literatura na cadeia
A literatura na cadeiaA literatura na cadeia
A literatura na cadeia
 
1 os nomes das orquideas em latim ou grego
1 os nomes das orquideas em latim ou grego1 os nomes das orquideas em latim ou grego
1 os nomes das orquideas em latim ou grego
 
Ushuaia, a cidade do fim do mundo
Ushuaia, a cidade do fim do mundoUshuaia, a cidade do fim do mundo
Ushuaia, a cidade do fim do mundo
 
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundo
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundoChapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundo
Chapada diamantina, na bahia, um dos lugares mais bonitos do mundo
 
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à ÁfricaVelósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África
Velósias, flores raras mostram que Brasil foi unido à África
 
Colombia, um paraíso
Colombia, um paraísoColombia, um paraíso
Colombia, um paraíso
 
Indios brasileiros brazilian indians
Indios brasileiros brazilian indiansIndios brasileiros brazilian indians
Indios brasileiros brazilian indians
 
Como vivem os indios em itanhaem
Como vivem os indios em itanhaemComo vivem os indios em itanhaem
Como vivem os indios em itanhaem
 
Cataratas do iguacu
Cataratas do iguacuCataratas do iguacu
Cataratas do iguacu
 
Como cultivar plantas sem mosquitos
Como cultivar plantas sem mosquitosComo cultivar plantas sem mosquitos
Como cultivar plantas sem mosquitos
 
Sotaques de são paulo
Sotaques de são pauloSotaques de são paulo
Sotaques de são paulo
 

Último

Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdf
Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdfProva uniasselvi tecnologias da Informação.pdf
Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdfArthurRomanof1
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024Jeanoliveira597523
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfmirandadudu08
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfEditoraEnovus
 
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdf
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdfBRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdf
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdfHenrique Pontes
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMVanessaCavalcante37
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinhaMary Alvarenga
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfAdrianaCunha84
 
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxApostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxIsabelaRafael2
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Centro Jacques Delors
 
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfCultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfaulasgege
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavrasMary Alvarenga
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasRosalina Simão Nunes
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOColégio Santa Teresinha
 
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxLírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxfabiolalopesmartins1
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Mary Alvarenga
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxOsnilReis1
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxLuizHenriquedeAlmeid6
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalJacqueline Cerqueira
 

Último (20)

Em tempo de Quaresma .
Em tempo de Quaresma                            .Em tempo de Quaresma                            .
Em tempo de Quaresma .
 
Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdf
Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdfProva uniasselvi tecnologias da Informação.pdf
Prova uniasselvi tecnologias da Informação.pdf
 
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
ABRIL VERDE.pptx Slide sobre abril ver 2024
 
Regência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdfRegência Nominal e Verbal português .pdf
Regência Nominal e Verbal português .pdf
 
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdfSimulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
Simulado 1 Etapa - 2024 Proximo Passo.pdf
 
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdf
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdfBRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdf
BRASIL - DOMÍNIOS MORFOCLIMÁTICOS - Fund 2.pdf
 
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEMCOMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
COMPETÊNCIA 1 DA REDAÇÃO DO ENEM - REDAÇÃO ENEM
 
Bullying - Texto e cruzadinha
Bullying        -     Texto e cruzadinhaBullying        -     Texto e cruzadinha
Bullying - Texto e cruzadinha
 
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdfWilliam J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
William J. Bennett - O livro das virtudes para Crianças.pdf
 
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptxApostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
Apostila da CONQUISTA_ para o 6ANO_LP_UNI1.pptx
 
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
Apresentação | Eleições Europeias 2024-2029
 
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdfCultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
Cultura e Sociedade - Texto de Apoio.pdf
 
Bullying - Atividade com caça- palavras
Bullying   - Atividade com  caça- palavrasBullying   - Atividade com  caça- palavras
Bullying - Atividade com caça- palavras
 
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicasCenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
Cenários de Aprendizagem - Estratégia para implementação de práticas pedagógicas
 
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃOLEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
LEMBRANDO A MORTE E CELEBRANDO A RESSUREIÇÃO
 
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptxLírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
Lírica Camoniana- A mudança na lírica de Camões.pptx
 
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
Grupo Tribalhista - Música Velha Infância (cruzadinha e caça palavras)
 
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptxATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
ATIVIDADE AVALIATIVA VOZES VERBAIS 7º ano.pptx
 
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptxSlides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
Slides Lição 5, CPAD, Os Inimigos do Cristão, 2Tr24, Pr Henrique.pptx
 
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem OrganizacionalGerenciando a Aprendizagem Organizacional
Gerenciando a Aprendizagem Organizacional
 

A muralha e os livros, de jorge luis borges

  • 1. A MURALHA E OS LIVROS Jorge Luis Borges, in Outras Inquisições (tradução de Davi Arrigucci Jr.) Li, dias atrás, que o homem que ordenou a edificação da quase infinita muralha chinesa foi aquele primeiro Imperador, Che Huang-ti, que também mandou queimar todos os livros anteriores a ele. O fato de as duas vastas operações – as quinhentas a seiscentas léguas de pedra opostas aos bárbaros, a rigorosa abolição da história, isto é, do passado – procederem da mesma pessoa e serem de certo modo seus atributos inexplicavelmente agradou-me e, ao mesmo tempo, inquietou-me. Indagar as razões dessa emoção é o fito desta nota. Historicamente, não há mistério nas duas medidas. Contemporâneo das guerras de Aníbal, Che Huang-ti, rei de Tsin, reduziu os Seis Reinos a seu poder e aboliu o sistema feudal; erigiu a muralha, porque as muralhas eram defesas; queimou os livros, porque a oposição os invocava para louvar os antigos imperadores. Queimar livros e erigir fortificações é tarefa comum dos príncipes; a única singularidade de Che Huang-ti foi a escala em que ele atuou. É o que dão a entender alguns sinólogos, mas eu sinto que os fatos referidos são algo mais que um exagero ou uma hipérbole de disposições triviais. Cercar uma horta ou um jardim é comum; não, cercar um império. Tampouco é rotineiro pretender que a mais tradicional das raças renuncie à memória de seu passado, mítico ou verdadeiro. Três mil anos de cronologia tinham os chineses (e, nesses anos, o Imperador Amarelo, e Chuang Tzu, e Confúcio, e Lao-tsé), quando Che Huang-ti ordenou que a história começasse com ele. Che Huang-ti condenara a mãe ao desterro por libertinagem; em sua dura justiça, os ortodoxos não viram senão impiedade; Che Huang-ti talvez quisesse suprimir os livros canônicos porque estes o acusavam; Che Huang-ti talvez quisesse abolir todo o passado para abolir uma única lembrança: a infâmia de sua mãe. (Não de outra sorte um rei, na Judéia, mandou matar todas as crianças para matar uma.) Essa conjetura é aceitável, mas nada nos diz da muralha, da segunda face do mito. Che Huang-ti, segundo os historiadores, proibiu qualquer menção à morte, e procurou o elixir da imortalidade, e recluiu-se em um palácio figurativo, que constava de tantos aposentos como dias têm o ano; esses dados sugerem que a muralha no espaço e o incêndio no tempo foram barreiras mágicas destinadas a deter a morte. Todas as coisas querem persistir em seu ser, escreveu Baruch Spinoza; pode ser que o Imperador e seus magos acreditassem que a imortalidade é intrínseca e que a corrupção não pode entrar em um orbe fechado. Pode ser que o Imperador tenha tentado recriar o princípio do tempo¸ tenha-se chamado Primeiro para ser realmente o primeiro, e Huang-ti para de certo modo ser Huang- ti, o legendário imperador que inventou a escrita e a bússola. Este, segundo o Livro dos Ritos, deu às coisas seu nome verdadeiro; semelhantemente, Che Huang-ti jactou-se, em inscrições que perduram, de que, sob seu império, todas as coisas receberam o nome que lhes convém. Sonhou em fundar uma dinastia imortal; ordenou que seus herdeiros se chamassem Segundo Imperador, Terceiro Imperador, Quarto Imperador, e assim até o infinito... Falei de um propósito mágico; também poderíamos supor que erigir a muralha e queimar os livros não foram atos simultâneos. Isso (segundo a ordem que escolhêssemos) dar-nos-ia a imagem de um rei que começou por destruir e mais tarde resignou-se a conservar, ou a de um rei desiludido que destruiu o que antes defendia. Ambas as conjeturas
  • 2. são damáticas, mas, que eu saiba, carecem de base histórica. Herbert Allen Giles conta que aqueles que ocultaram livros foram marcados a ferro candente e condenados a construir, até o dia de sua morte, a desmedida muralha. Essa notícia favorece ou tolera outra interpretação. Talvez a muralha fosse uma metáfora, talvez Che Huang-ti tenha condenado aqueles que adoravam o passado a uma obra tão vasta quanto o passado, tão néscia e tão inútil. Talvez a muralha fosse um desafio e Che Huang-ti tenha pensado: “Os homens amam o passado, e contra esse amor nada posso nem podem meus carrascos, mas um dia há de viver um homem que sinta como eu, e ele destruirá minha muralha, como eu destruí os livros, e ele apagará minha memória e será minha sombra e meu espelho, e não o saberá”. Talvez Che Huang-ti tenha amuralhado o império porque sabia que este era precário e destruído os livros por entender que eram livros sagrados, ou seja, livros que ensinam o que ensina o universo inteiro ou a consciência de cada homem. Talvez o incêndio das bibliotecas e a edificação da muralha sejam operações que de modo secreto se anulam. A muralha tenaz que neste momento, e em todos, projeta seu sistema de sombras sobre terras que não verei é a sombra de um César que ordenou que a mais reverente das nações queimasse seu passado; é verossímil que a idéia nos toque por si mesma, para além das conjeturas que permite. (Sua virtude pode estar na oposição entre construir e destruir, em enorme escala.) Generalizando o caso anterior, poderíamos inferir que todas as formas têm sua virtude em si mesmas e não em um “conteúdo” conjetural. Isso coincidiria com a tese de Benedetto Croce; já Pater, em 1877, afirmou que todas as artes aspiram à condição da música, que é apenas forma. A música, os estados de felicidade, a mitologia, os rostos trabalhados pelo tempo, certos crespúsculos e certos lugares querem dizer algo, ou algo disseram que não deveríamos ter perdido, ou estão prestes a dizer algo; essa iminência de uma revelação, que não se produz, é talvez o fato estético. Jorge Luis Borges, A muralha e os livros, in Outras inquisições, companhia das Letras, tradução de Davi Arrigucci Jr.